| Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório
A JMV, SA recorreu do despacho do INPI que concedeu o registo da marca nacional nº 706996 TORRIANA, pedido pela Silverpoint Unipessoal, Lda para todos os produtos e serviços assinalados na classe 30 da Classificação Internacional de Nice.
Foi proferida sentença que, julgando o recurso procedente, revogou o despacho recorrido.
Inconformada com a sentença dela apelou a Silverpoint Unipessoal, Lda, formulando as seguintes conclusões:
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida, em 07/11/2024, pela Mma. Juíza do Tribunal da Propriedade Intelectual de Lisboa – Juiz 1, que julgou o recurso procedente e e, em consequência, revogou o despacho recorrido que concedeu o registo da marca nacional n.º 706996 “Torriana” para todos os produtos e serviços assinalados na classe 30 da Classificação Internacional de Nice.
B. O recurso de propriedade industrial foi interposto da douta decisão do INPI que indeferiu a reclamação e deferiu o pedido de registo da marca “TORRIANA”, com o n.º 706996, requerido pela ora Recorrente.
C. A sentença recorrida revogou o despacho do INPI que concedeu o registo da marca nacional n.º 706996, “TORRIANA”, para todos os produtos e serviços assinalados na classe 30 da Classificação Internacional de Nice, por julgar preenchidos os requisitos de imitação ou usurpação de marca exigidos pelo n.º 1 do artigo 238.º do CPI.
D. Não existe identidade ou semelhança entre as marcas em confronto, da ora Recorrente e da ora Recorrida.
E. Apenas uma parte da designação — a parte da palavra “TORRI” — é igual em ambas as marcas, sendo que os restantes elementos da palavra são suficientemente diferenciadores para não causarem qualquer confusão;
F. Não existe qualquer semelhança entre “TORRIÉ” e “TORRIANA”, uma vez que são palavras com fonéticas diferentes;
G. O registo da marca “TORRIÉ” não confere à ora Recorrida o direito de impedir a utilização da palavra “TORRI” noutras marcas, como é o caso da marca da ora Recorrente;
H. Do confronto entre a marca requerida “TORRIANA” e a marca registada a favor da Recorrida, “TORRIÉ”, não ressaltam semelhanças gráficas, figurativas e fonéticas susceptíveis de gerar o risco de confusão ou de associação necessário para que se considere preenchido o conceito jurídico de imitação;
I. De acordo com a jurisprudência consolidada em matéria de propriedade industrial, deste Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, é essencial avaliar as diferenças na pronúncia dos sinais. No caso sub judice “Torriana” e “Torrié” possuem sonoridades claramente distintas. A terminação “-ana” confere à marca “Torriana” um som prolongado e diferenciado, enquanto “Torrié” apresenta uma pronúncia mais curta e específica, reforçada pela acentuação da vogal final;
J. O consumidor médio, ao qual se destinam as marcas, possui capacidade suficiente para distinguir entre elas, nem alguma vez houve casos reais de confusão no mercado entre as duas marcas.
K. Os produtos/serviços das marcas atuam em mercados diferentes e têm públicos distintos, sendo certo que as marcas "Torriana" e "Torrié" têm estratégias de marketing, propostas de valor e audiências que não se sobrepõem.
L. Não estão, assim, preenchidos os requisitos para recusa do registo de marca, previstos no artigo 238.º do CPI;
M. Por conseguinte, deve ser revogada a douta sentença recorrida e manter-se a decisão do INPI de concessão do registo da marca da Recorrente.
A JMV, SA apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso. Essencialmente, “porque a semelhança visual e fonética entre as marcas, a identidade entre a maior parte dos produtos por elas assinalados (e forte afinidade entre os restantes) e o elevado grau de notoriedade da marca TORRIÉ são fatores que poderão induzir o consumidor médio, quando confrontado com o sinal TORRIANA a ser usado para identificar produtos da classe 30.ª (como café), a acreditar que esses produtos estão a ser oferecidos pela Recorrida ou por alguma empresa com ela relacionada”.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II. Questões a decidir
Nos termos dos artigos 635.º, nº4 e 639.º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (artigo 5.º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.
Assim, sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, a única questão a decidir é se a sentença incorreu em erro de julgamento no que respeita à existência de imitação.
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III. Fundamentação
III.1. Os factos
Na sentença foram considerados provados os seguintes factos:
1.1 Em 13 de Junho de 2023, a Recorrida solicitou ao INPI o registo como marca do sinal TORRIANA para assinalar os seguintes produtos na classe 30: “café, chás e cacau e substitutos dos mesmos; sais, temperos, aromas e condimentos.” (cfr. ref.ª 119978)
1.2 Foi atribuído a esse pedido de registo o n.º 706996 tendo o mesmo sido objecto de publicação no Boletim da Propriedade Industrial em 26 de Junho de 2023. (cfr. doc. n.º 1 e 2 da ref.ª 118716 e consulta do sítio do INPI, Pesquisas Online - Marcas)
1.3 Em 4 de Setembro de 2023, após obter uma extensão do prazo para reclamar, a Recorrente apresentou uma reclamação contra o pedido de registo do sinal “TORRIANA” com base nas seguintes marcas prioritárias:
1.3.1 Marca nacional n.º 223706 “TORRIÉ” registada e em vigor para distinguir os seguintes produtos da classe 30.ª “cafés, sucedâneos de café, chá, açúcar e especiarias”. O registo desta marca foi solicitado a 23 de Janeiro de 1984 e concedido a 14 de Setembro de 2004.
1.3.2 Marca da União Europeia n.º 011598943 “TORRIÉ” registada e em vigor para distinguir os seguintes produtos da classe 30.ª “Café, chá, cacau e sucedâneos do café; Açúcar; Especiarias” o registo desta marca foi solicitado a 22 de Fevereiro de 2013 e concedido a 14 de Junho de 2013.
1.4 Os produtos em comparação são:

1.5 Os sinais em comparação são:

1.6 A marca TORRIÉ é uma marca que existe há cerca de 40 anos, tendo surgido na década de 80, pela mão do fundador da empresa JMV, S.A., (cfr. página web sobre história da marca TORRIÉ. (https://www.torrie.pt/torrie/history)
1.7 Em 2022, o café TORRIÉ foi vendido em 35 países, «da Europa à América, passando por Moçambique e Angola, mas também Tunísia, Malásia, Singapura, Omã ou Geórgia», mas Portugal continua a ser o principal mercado, representando 70% das vendas. (cfr. Página web com notícia Dinheiro Vivo (https://www.dinheirovivo.pt/empresas/torrie-investe-14-milhoes-no-reforco-da-torrefacao-16807795.html/)
1.8 A TORRIÉ foi eleita a melhor marca na categoria “Café em Cápsula” dos prémios “Escolha do Consumidor” em 2014, 2015, 2016, 2018, 2019, 2021, 2022, 2023 e 2024. (cfr. https://www.torrie.pt/torrie/awards)
1.9 O “Escolha do Consumidor” é o sistema de avaliação de marcas n.º 1 em Portugal, avaliando mais de 900 marcas anualmente, em mais de 100 categorias de consumidores. (cfr. Página web com informação sobre “Escolha do Consumidor” - https://escolhadoconsumidor.com/sobre-a-escolha-do-consumidor)
1.10 O chá em cápsula TORRIÉ, eleito pelos consumidores como melhor do mercado em 2023 e 2024 (cfr. Página web com notícia Sapo (https://anacao.sapo.pt/torrie-e-a-marca-no1-para-a-escolha-do-consumidor-2023-nas-categorias-cafe-e-cha-em-capsula/ e Página web sobre atribuição do prémio “Escolha do Consumidor” à marca TORRIÉ - https://escolhadoconsumidor.com/torrie-premios-escolha-do-consumidor-5/)
1.11 De entre dos muitos outros prémios atribuídos à marca TORRIÉ, destaca-se ainda o título de “Expresso Português Perfeito”, que lhe foi atribuído, em 2022, num concurso promovido pela Associação Industrial e Comercial do Café. (cfr. Documento nº 3, que se junta e se dá por integralmente reproduzido e Página web com notícia “aNotícia.pt” - https://anoticia.pt/2022/04/02/torrie-vence-concurso-expresso-portugues-perfeito)
1.12 Foi atribuído à recorrente, o prémio Sabor do Ano - prémio de qualidade líder no setor da alimentação em Portugal -, que a marca conquistou de 2007 a 2019. (cfr. Página web com prémios atribuídos à marca TORRIÉ (https://www.torrie.pt/torrie/awards)
1.13 A comprovada qualidade dos produtos TORRIÉ, para além de ter como consequência a atribuição à Recorrente de inúmeros prémios, resulta também numa alargada exposição pelos diversos meios de comunicação social (cfr. Lista de artigos noticiosos de 2022 e 2023 referentes à marca TORRIÉ - documentos nº 8 e 9)
1.14 O café TORRIÉ foi considerado o melhor café expresso português, em 2022.
(cfr. doc. 8 e https://bomdia.eu/este-e-o-melhor-cafe-portugues/ e https://lifestyle.sapo.pt/noticias-sabores/artigos/saiba-qual-e-o-expresso-portugues-perfeito-eleito-no-lisbon-cpffee-fest)
1.15 A Recorrente recebeu cobertura noticiosa quando participou numa iniciativa de reciclagem de cápsulas, ou ainda quando lançou uma linha de cápsulas de alumínio e outra de cápsulas que se decompõem naturalmente:
(cfr. Documento n.º 5 e https://executivedigest.sapo.pt/noticias/marca-nacional-de-cafe-torrie-investe-em-nova-linha-de-producao-de-capsulas-de-aluminio/; https://jornaleconomico.pt/noticias/torrie-investe-14-milhoes-na-fabrica-para-lancar-capsulas-de-cafe-em-aluminio/ e https://anoticia.pt/2023/10/11/torrie-lanca-capsulas-de-cafe-que-se-decompoem-naturalmente-enriquecem-os-solos-e-sao-compativeis-com-nespresso/
1.16 Estas iniciativas mereceram a cobertura, entre muitos outros, do Jornal Público, da Forbes, do Jornal Económico, do Notícias ao Minuto, da Rádio M80 e do Correio da Manhã (cfr. Documento nº 5)
1.17 O motor de busca Google presume que o utilizador se refere à marca da Recorrente, quando é feita uma pesquisa pelas palavras “torriana café”:

1.18 O motor de busca Bing, para além de mostrar o website da Recorrente como primeiro resultado, sugere várias variantes da marca da Recorrente como “pesquisas relacionadas”

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III.2. Do mérito do recurso
2.1. questão prévia
Na matéria de facto fixada na sentença foi considerado provado que “1.17 O motor de busca Google presume que o utilizador se refere à marca da Recorrente, quando é feita uma pesquisa pelas palavras “torriana café”:

Tal facto foi alegado pela Recorrente na petição inicial (art.º 79.º), para ilustrar a alegação de que a existência de uma nova marca TORRIANA no mercado, que identifique produtos como café e relacionados, apenas levará os consumidores a acreditar que estes são produtos produzidos e comercializados pela Recorrente, ou por uma entidade de algum modo relacionada com a Recorrente (art.º 78.º).
Não é o que resulta da pesquisa nesta data efectuada (20.02.2025), com os mesmos descritores, Cfr.https://www.google.com/search?q=torriana+cafe&rlz=1C1GCEB_enPT1031PT1031&oq=torriana+cafe&gs_lcrp=EgZjaHJvbWUyBggAEEUYOTIHCAEQIRigATIHCAIQIRigATIHCAMQIRigAdIBCDMyODZqMGo3qAIAsAIA&sourceid=chrome&ie=UTF-8
Pelo que, ao abrigo do disposto no art.º 652.º n.º 1 do Código de Processo Civil, elimina-se tal facto da matéria de facto provada.
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2.2. do erro de julgamento
A imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor ou que compreenda o risco de associação com a marca registada, constitui fundamento de recua do registo de uma marca, de acordo com o disposto no art.º 232.º, n.º1, al. b) do Código da Propriedade Industrial.
Dispõe o art.º 238.º que a marca registada se considera imitada ou usurpada por outra, no todo ou em parte, quando, cumulativamente:
a) A marca registada tiver prioridade;
b) Sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins;
c) Tenham tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.
No caso não vem posta em causa a prioridade do registo das marcas nacional n.º 223706 e da EU n.º 011598943 TORRIÉ tituladas pela Recorrida, cujo registo ocorreu muito antes, sequer, do pedido de registo da marca nacional n.º 706996 TORRIANA.
Também não existem dúvidas de que as marcas em confronto assinalam os mesmos produtos, no que respeita ao café e seus sucedâneos e chás, e produtos afins como são o cacau em relação ao café e chá, e o açúcar e especiarias em relação aos sais, temperos, aromas e condimentos.
Pelo que resta a apreciação do risco de confusão, requisito cumulativo previsto na al. c) do art.º 232.º citado.
Vejamos.
Gráfica ou visualmente, o vocábulo TORRIANA apresenta uma “mancha” maior (com 8 letras) do que TORRIÉ (6 letras). Começando pelas mesmas cinco letras TORRI, terminam de forma diferente, com ANA e É, respectivamente.
Foneticamente apresentam as semelhanças do mesmo som inicial, to-rri, mas um som final bastante diferente, é/âna. A terminação ié não é comum na língua portuguesa (sendo que sem a acentuação, o vocábulo TORRIE teria 3 sílabas, acentuadas na segunda ri, ao passo que TORRIANA tem 4 sílabas, acentuadas na penúltima a, como todas as palavras graves). As diferenças resultantes da divisão silábica e acentuação, que geram a leitura dos sinais como tor-riéé e tor riââ-na, praticamente anulam a percepção daquelas semelhanças.
Conceptual ou semanticamente, TORRIÉ remete, na parte inicial do vocábulo, para a torrefacção ou torra do café, tal como TORRI-ANA.
O Código da Propriedade Industrial contém no art.º 234.º um regime especial de protecção da marca notória, caracterizado por uma excepção ao princípio geral do registo da marca como constitutivo do direito de propriedade industrial, constituindo um fundamento autónomo de recusa do registo de uma marca posterior: o registo de uma marca pode ser recusado se constituir reprodução de marca anterior notoriamente conhecida em Portugal, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos; ou a reprodução de marca anterior notoriamente conhecida em Portugal, se for aplicada a produtos ou serviços afins, ou a imitação ou tradução, no todo ou em parte, de marca anterior notoriamente conhecida em Portugal, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins, sempre que com ela possa confundir-se ou se, dessa aplicação, for possível estabelecer uma associação com o titular da marca notória. Em qualquer caso, o interessado na recusa do registo da marca “posterior” só pode intervir no respectivo processo depois de ter efectuado o pedido de registo da marca que dá origem e fundamenta o seu interesse. Ou seja, é um regime excepcional aplicável a marcas notórias não registadas, do que não se trata, no caso dos autos.
O facto de as marcas registadas TORRIÉ serem conhecidas no mercado e gozarem – como os produtos por elas marcados, a que maioritariamente se faz referência na matéria de facto provada - de boa reputação, podendo dizer-se que têm notoriedade, agrava o risco de confusão mas não o gera automaticamente. Ou seja, casos há em que as semelhanças são de molde a que a notoriedade da marca anterior induza o consumidor a sequer reparar que não são as mesmas, tal a impressão que uma marca notória deixa na sua memória.
Não é o caso das marcas aqui em confronto.
As semelhanças entre TORRIÉ e TORRIANA resumem-se à partilha das primeiras cinco letras, sendo que, atendendo às diferenças visual e fonética do conjunto dos sinais, aquelas semelhanças não são susceptíveis de induzir facilmente o consumidor em erro ou confusão, de tal forma que precise de um exame atento ou do confronto directo dos sinais para as distinguir. Apercebendo-se, em princípio, de que os vocábulos têm as mesmas letras inicias, aperceber-se-á também, com relativa facilidade, que terminam de forma diferente e que TORRIANA é um vocábulo maior e termina com o nome próprio feminino ANA, um dos mais comuns em Portugal, e sem qualquer acento na última letra. Anulando assim, ou mitigando de forma considerável, a percepção do consumidor quanto às mesmas letras iniciais.
Se é certo, como se escreveu na sentença, que “os consumidores tendem geralmente a concentrar-se no início de um sinal quando se deparam com uma marca. Isto deve-se ao facto de o público ler da esquerda para a direita, o que faz com que a parte colocada à esquerda do sinal (a parte inicial) seja a que primeiro chama a atenção do leitor”, tal tem que ser avaliado caso a caso - Cfr. acórdão desta Secção de 19.12.2024, proc. 422/23.9YHLSB.L1, no qual se decidiu, a propósito da marca NIC, por confronto com a marca CIN, que leituras de direcção não correspondente à comum leitura de texto (por exemplo cima-baixo, baixo-cima ou direita-esquerda) são feitas usualmente, de forma subliminar e subconsciente, na avidez de encontrar sentidos ocultos nas associações de caracteres. De resto, sublinhe-se que no acórdão L’Oreal do TJUE (T-T-109/07) citado pela sentença, as marcas em confronto eram SPA e SPA THERAPY.
Não obstante ter considerado, citando o ac. SABEL do TJUE, que “a apreciação global deve basear-se na impressão de conjunto produzida”, a sentença acabou por concluir que “os elementos preponderantes e distintivos são a palavra “TORRI” e não a terminação da mesma em “É” ou “ANA” que se apresentam como banais, de uso corrente, logo sem capacidade distintiva ou aptidão para distinguir os produtos da recorrida em relação aos da recorrente, pelo que deverá ser desconsiderada na análise dos elementos que compõem a marca”.
Conclusão com que não podemos concordar. TORRI não é a “palavra” que compõe o sinal de nenhuma das marcas aqui em confronto, fazendo as referidas “terminações” parte dos próprios vocábulos (únicos) que as constituem. Se “o vocábulo de uso corrente significa palavra que se emprega com tanta frequência e pela generalidade das pessoas que acabou por cair na rotina”, como também cita a sentença, deve atender-se aos vocábulos que estão em causa, que não são TORRI e sim TORRIÉ e TORRIANA.
Ora, a impressão de conjunto de TORRIÉ e TORRIANA não é suficientemente semelhante para induzir facilmente o consumidor em erro ou confusão, de tal forma que precise de exame atento ou do confronto directo das marcas, tal como dispõe a al. c) do n.º 1 do art.º 238.º do CPI.
Quanto ao risco de confusão em sentido lato, não vemos que a partilha das primeiras letras – que, tendo em conta o que assinalam, remetem para a torra do café e, nessa medida, negligenciadas pelo consumidor, que percebe e aceita essa referência por diferentes marcas que assinalem café - possam levar o consumidor a crer que têm a mesma origem empresarial ou de empresas com alguma ligação entre si e que exista um “inevitável” risco de associação, como concluiu a sentença.
A notoriedade/reputação da marca TORRIÉ reside, essencialmente, no produto café – cfr. factos 1.6, 1.8, 1.11, 1.14, 1.15 e 1.18 (consultado em 20.02.2025 https://www.bing.com/search?q=torriana+caf%c3%a9&qs=HS&sc=10-0&cvid=7B391B8D37274969B00FF52099B70468&FORM=QBLH&sp=1&lq=0) –
O consumidor médio, também do tipo de produtos assinalados, apreende uma marca como um todo sem proceder a uma análise das suas diferentes particularidades. Percepciona a marca de modo espontâneo, sem qualquer esforço intelectual especial, retendo instintivamente na memória aquilo para que encontra um sentido (como TORRI(e)ANA). E afigura-se que nada nesta percepção da marca levará o consumidor a associá-la à marca TORRIÉ.
Assim, ainda que o consumidor se aperceba facilmente do mesmo início do sinal pelas letras TORRI, afigura-se que as seguintes letras e sons, É e ANA, o afastarão (aqui sim, com relativa facilidade, tendo em conta o que expusemos sobre a alusão a TORRI (de torra/torrefacção), de ser induzido em erro ou confusão bem como em “inevitável”, sequer fácil, associação.
Pelo que se impõe concluir pela procedência do recurso.
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IV. Decisão
Pelo exposto, acordam em julgar o recurso procedente e revogar a sentença recorrida, mantendo a decisão do INPI de conceder o registo da marca nacional n.º 706996 TORRIANA.
Custas pela Recorrida (art.º 527.º do CPC).
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Lisboa, 24.02.2025
Eleonora Viegas
Bernardino Tavares
Alexandre Au-Yong Oliveira
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