Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
697/19.8T8CSC.L1-2
Relator: PAULO FERNANDES DA SILVA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO
MANDATO SEM REPRESENTAÇÃO
MANDATÁRIO
MANDANTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: (artigo 663.º, n.º 7, do CPCivil):
I. Sob pena de rejeição do recurso da decisão de facto, na impugnação desta o Recorrente tem um triplo ónus: (i) concretizar os factos que impugna, (ii) indicar os concretos meios de prova que justificam a impugnação e impõem uma decisão diversa, sendo que caso tenha havido gravação daqueles deve o Recorrente indicar as passagens da gravação em que funda a sua discordância, e (iii) especificar a decisão que entende dever ser proferida quanto à factualidade que impugna.
II. Fundando-se o recurso da decisão de direito exclusivamente em factualidade que não ficou provada, improcede necessariamente tal recurso.
III. No mandato sem representação, o mandatário age em nome próprio, embora por conta do mandante, sendo este o destinatário final dos efeitos jurídicos do ato praticado pelo mandatário, termos em que este deve entregar ao mandante tudo quanto haja recebido em execução do mandato.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I.
RELATÓRIO.
A A., A …, intentou ação comum de declaração contra a R., B …, pedindo que a R.:
Seja «condenada, a restituir ao A., (…) a quantia, líquida, de €89.519,50 (…), à qual, deverá, vir a ser deduzido, o montante, que vier a ser apurado, pela Autoridade Tributária, a título de imposto por Mais Valias, devidas, à Fazenda Nacional, em face do valor de venda do imóvel, identificado, nos autos;
A título subsidiário, e por enriquecimento sem causa, nos termos do disposto nos artigos 473º e segs. do Código Civil» seja «a R. (…) condenada, a restituir ao A., a referida, quantia líquida de €89.519,50 (…), com que, injustificadamente, se locupletou, enriquecendo, o seu património à custa do correspondente, empobrecimento patrimonial do A., (…), quantia, à qual, deverá ser deduzido o montante que vier a ser apurado pela Autoridade Tributária, a título de imposto por Mais Valias, devidas à Fazenda Nacional, pela venda do imóvel identificado nos autos».
Como fundamento do seu pedido, o A. alegou, em suma, que conheceu a R. em meados de 2015 e residiu com ela entre fins de 2015 e outubro de 2017, altura em que se separaram, sendo que em 13.08.2016 nasceu uma filha comum.
O A. referiu também que em 2016 adquiriu um imóvel em São Marcos, Cacém, o qual ficou em nome da R. e, entretanto, foi objeto de obras de remodelação e vendido a terceiro, gerando mais valias que o A. fez suas, embora as mesmas estejam sujeitas a tributação sobre a R.
Mencionou igualmente que em 2017 o A. adquiriu um novo imóvel sito em Oeiras, que também ficou em nome da R. e foi objeto de obras de remodelação, bem como vendido a terceiro, tendo dessa venda a R. feito sua a quantia de €89.519,50, valor que reclama da R., deduzido o montante que se venha a apurar em termos fiscais a título de mais valias.       
A R. apresentou contestação.
Alegou, em síntese, que os referidos imóveis foram por si adquiridos, sendo que aquando da compra o A. emprestou à R. quantias monetárias que esta, entretanto, já devolveu ao A., termos em que concluiu que o A. litiga com má-fé, pedindo, por isso, que a R. seja absolvida do pedido e o A. condenado como litigante de má-fé, em multa e em indemnização no valor de €4.000,00.
Notificado da contestação e para exercer o contraditório, o A., em resumo, manteve o alegado na sua petição inicial e concluiu pela improcedência do pedido de condenação do mesmo como litigante de má-fé.
Foi dispensada a audiência prévia, proferido despacho saneador, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
As partes juntaram diversos documentos e arrolaram prova pessoal.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com sessões em 03.10, 17.10 e 09.11.2023.
Após, o Juízo Central Cível de Cascais proferiu sentença cujo dispositivo é do seguinte teor:
«julgo a acção procedente por provada e, em consequência, condeno a Ré B … a pagar ao Autor A … a quantia de € 89.519,50 (oitenta e nove mil, quinhentos e dezanove euros e cinquenta cêntimos), à qual deverá ser deduzido o montante que vier a ser apurado pela Autoridade Tributária, a título de mais valias em face do valor da venda referenciada no ponto n.º 22 do elenco factual.
Ainda pelo exposto, indefiro o pedido de condenação do Autor como litigante de má fé».
Inconformada com tal decisão, dela recorreu a R., tendo apresentado as seguintes conclusões:
«1. Vem o presente recurso, interposto da Douta Sentença de Fls. que decidiu julgar a ação totalmente procedente, por provada e condenou a R. a quantia de € 89.519,50 (oitenta e nove mil, quinhentos e dezanove euros e cinquenta cêntimos), à qual deverá ser deduzido o montante que vier a ser apurado pela Autoridade Tributária, a título de mais valias em face do valor da venda referenciada no ponto n.º 22 do elenco factual.
2. Há pontos concretos da matéria de facto incorretamente julgados, na medida em que os meios de prova constantes do processo impõem uma decisão diversa da proferida, pelo que, estamos perante uma apreciação errada dos factos, bem como, perante uma errada aplicação e interpretação do direito devendo ser sentença recorrida ser revogada.
3. O Tribunal a quo considera provados os factos inscritos nos pontos n.º 8, 12, 15, 16, 20, 22, 23 e 24 da fundamentação de facto, essencialmente, se não unicamente, com base nas declarações de parte prestadas pelo Autor aqui Apelado.
4. Declarações essas, prestadas pelo Mmo. Juiz do Tribunal a quo, e perante o mandatário do Apelado sem a presença do mandatário da Apelante, que exercesse a faculdade de exigir esclarecimentos. O que não aconteceu nas declarações de parte da ora Apelante, realizadas na presença do seu mandatário e do mandatário do A. aqui Apelado. Só por si, tal facto representa uma disparidade e desigualdade de meios entre as partes.
5. O enquadramento / motivo pelo qual a Apelante tomou a decisão de adquirir o imóvel sito na Avenida …, n.º …, em São Marcos, identificado no ponto n.º 3 dos factos provados da sentença recorrida e, posteriormente o motivo da venda foi totalmente omitido na sentença recorrida, bem como, nas declarações de parte do Apelado.
6. O Apelado omite que arrendava quartos da sua casa, motivo pelo qual a Apelante e o próprio não residiam lá, nem a Apelante aí queria residir quando nascesse a sua filha, motivo pelo qual decidiu adquirir a sua casa, o imóvel de São Marcos.
7. O Apelado admite nas suas declarações transcritas o seguinte: “eu incentivei ela a comprar casa e ela disse por acaso até já tinha falado com o Banco e que o Banco emprestava até 80 mil, 85 mil euros bem esticadas, então pronto, então depois fomos à procura”.
8. Foi Apelante, por si que se dirigiu ao banco, para obter informações e saber das condições para aquisição de uma casa própria sua.
9. O Apelado, refere, ao contrário das conclusões e do que resulta da sentença recorrida, que não foi apenas ele que tratou do processo ou procurou o imóvel, pois refere “fomos à procura”, “encontrámos”, sendo tais declarações contraditórias com outras por si prestadas no seu depoimento onde refere ter sido o único interveniente quer na aquisição quer na venda do referido imóvel.
10. A 13/08/2016 nasce a filha do Apelado e da Apelante e na casa do Apelado para alem do ex casal (Apelado e Apelante) e da recém nascida filha de ambos, continuavam a residir os inquilinos que ocupavam os quartos da casa.
11. A 09/06/2016, antes do nascimento da filha do Apelado e da Apelante, os dois viviam em Paço de Arcos, com os inquilinos, pelo que a Apelante, ainda antes do nascimento da filha, e uma vez que o Apelado não cumpriu o acordado - abdicar do aluguer dos quartos da casa onde residia o ex-casal, decidiu procurar outra casa, por forma a garantir o bem-estar e privacidade da filha e do ex-casal.
12. No dia 9 de junho, a Apelante após diversos contactos e negociação com o Banco Millennium BCP, apresentou ao Sr. C … funcionário do banco, a proposta de aquisição de um imóvel em São Marcos, conforme e-mails trocados entre a Apelante e o referido funcionário do banco, Cfr. o Doc n.º 1 e Doc n.º 2, juntos com a Contestação da R. ora Apelante, e o Doc n.º 3 junto com a Contestação, que é a proposta de aquisição do Imóvel de São Marcos, elaborada, assinada e apresentada pela Apelante ao banco Millennium BCP.
13. Foi a Apelante que no dia 08/06/2016, enviou para o Banco Millennium BCP os documentos necessários ao novo pedido de empréstimo bancário.
14. As comunicações juntas à Contestação pela R. ora Apelante (Doc. 1, 2 e 3), todas dirigidas a ela e, por ela realizadas, bem como o alegado pelo A. ora Apelado no artigo 5.º da P.I. sobre a disponibilidade do seu pai em prestar fiança pessoal, para ajuda da ora Apelante, demonstram quem de facto pretendia comprar o referido imóvel, quem procurava a casa, quem negociou a aquisição do imóvel com o banco e, quem necessitava de auxilio (fiança pessoal) para a aquisição do imóvel.
15. Era a Apelante que procurava e pretendia comprar a sua habitação própria, pelos motivos supra expostos.
16. Foi a Apelante a partir de várias pesquisas on line, por si realizadas, quem encontrou no site do banco Millennium BCP a referência a um apartamento T2 em São Marcos no valor de € 47.000,00 (quarenta e sete mil euros), tendo desde logo, por sua exclusiva iniciativa iniciado o processo negocial para aquisição do referido imóvel, como resulta dos depoimentos das testemunhas.
17. O A., nos artigos 6.º e 7.º da P.I. vem juntar e-mails relacionados com o processo de aquisição / negociação do imóvel sito na Avenida …, n.º …, São Marcos, 2735- … Agualva Cacém, que mais não são que os e-mails que a própria R. reenviou para o A. para lhe dar a conhecer o processo de aquisição em que ela se encontrava envolvida, e-mails esses, trocados entre ela e o Millennium BCP.
18. No momento das negociações para aquisição do imóvel localizado em São Marcos, o Apelado não se encontrava no país - negociações em relação ao aumento do valor da oferta, o A. ora Apelado encontrava-se em França a assistir ao Euro 2016, conforme Doc N.º 4 junto com Contestação da R. aqui Apelante, tudo confirmado pela prova testemunhal.
19. Após a Ré ora Apelante ter engravidado, e por não ter condições de privacidade na casa disponível procurou uma casa própria tendo encontrado a mesma no site do MBCP.
20. O ponto n.º 2 dos factos provados, que consta da fundamentação de facto da sentença recorrida, deve ser dado como não provado.
21. O ponto 2. dos factos provados deve passar a ter a seguinte redação 2. Após a Ré ter engravidado, a Ré por sua livre vontade e iniciativa iniciou com a ajuda do Autor, a procura de uma casa para a Ré adquirir para si onde pudessem morar em família.
22. A venda do imóvel da R. ora Apelante sito em São Marcos, é motivada pela necessidade de espaço para acomodar o ex-casal A. ora Apelado e R. aqui Apelante, a filha de ambos, e outro filho do Apelado, de nome ..., de uma relação anterior, que devido à sua adolescência já necessitava de maior privacidade, o que para 4 pessoas a viver em 2 quartos se tornava mais difícil, bem como, para a Apelante ficar a residir mais próxima dos pais e da família que representava um importante apoio para si.
23. Foi a R. ora Apelante que, tomou a decisão de colocar à venda pelo valor de € 69.000,00 a fração autónoma “1B” sita na Avenida … n.º …, São Marcos, 2735- … Agualva-Cacem, com artigo matricial urbano … da União de Freguesias do Cacém e São Marcos” registada em nome da Apelante, e que era propriedade desta, sendo que, todas as decisões tomadas no momento da venda, referentes à negociação sobre a redução do preço, à negociação da percentagem devida à imobiliária “B Sale” e à aceitação final do negócio foram tomadas única e exclusivamente pela Apelante.
24. Não podem ser dados como provados no Ponto n.º 8, que as decisões referentes à negociação sobre a redução do preço, à negociação da percentagem devida à imobiliária “B Sale” e à aceitação final do negócio foram tomadas apenas pelo Autor aqui Apelado.
25. O Tribunal a quo, confunde e, por isso, decide mal quando considera que “as decisões referentes à negociação sobre a redução do preço, à negociação da percentagem devida à imobiliária “B Sale” e à aceitação final do negócio foram tomadas apenas pelo Autor”.
26. O tribunal a quo, confunde a intervenção e participação do Autor aqui Apelado, nas negociações e em todo o processo tendente à venda do imóvel, onde, como se disse tinha ele próprio um interesse direto. Interesse, que não era o de proprietário, investidor em busca do retorno financeiro do negócio, mas, antes ele era parte interessada por forma a dar mais qualidade de vida ao seu filho ..., como também, naturalmente, para a filha que tinha em comum com a R. aqui Apelante. Apesar de esta casa não garantir um quarto para cada filho, seria um espaço sem a presença de estranhos ao casal que arrendavam quartos.
27. O Apelado, em todo o processo, limitou-se a emprestar o dinheiro à Apelante, que esta restituiu, como ficou demonstrado.
28. Na primeira sessão do julgamento não esteve presente o mandatário da R. aqui Apelante, não obstante o mandatário ter requerido o adiamento da sessão nos termos seguintes: “ L …, mandatário da Ré, B …, notificado da data da audiência de julgamento, agendada para o dia 28 de fevereiro de 2023 para as 9h15M, vem, por impossibilidade de estar presente por estar ausente, fora do país entre os dias 26 de fevereiro e 3 de março de 2023, requerer que a mesma seja adiada, em virtude da sua constituinte não prescindir da sua presença e representação em juízo. Mais informa que o mandatário se encontra impossibilitado para além dos dias supra referidos, 26 de fevereiro e 3 de março de 2023, nos dias 20 a 27 de março e 20 a 24 de abril”.
29. Em face do indeferimento pelo Mmo. Juiz, voltou a requerer novamente, fundamentando e provando a impossibilidade de presença, nomeadamente com os bilhetes de ida e volta para o local onde se encontrava.
30. Sem qualquer contraditório por parte do mandatário da R. ora Apelante, sem a possibilidade de pedir qualquer esclarecimento ao A. ora Apelado no âmbito das suas declarações de parte, foi confrontado na sentença com a fundamentação da mesma, em grande parte se não na totalidade nas declarações do A. ora Apelado.
31. Resulta da sentença recorrida no que se refere aos factos inscritos no ponto n.º 8, que a convicção exposta filiou-se na valoração das declarações de parte prestadas pelo Autor aqui Apelado. Acrescentado que a Apelante negou, em substância, esse facto, (n.º 8), sendo que, tal negação não terá sido feita de forma circunstanciada, posição com a qual não se concorda e cujo contrário resulta dos presentes autos.
32. Das declarações da R. ora Apelante, não resulta que as mesmas sejam “algo forçada e com evidente propósito manipulatório”, já em relação à emotividade, não é exigível que quem durante anos e anos sofreu o que a Apelante sofreu, não seja invadida quando é chamada a recordar todos os episódios vividos com o ora Apelado, sinta um mínimo natural de emotividade. No entanto, tal não afeta a sua seriedade, credibilidade, exatidão e fiabilidade do seu depoimento, corroborado pelas restantes testemunhas.
33. Sobre o ponto n.º 8 dos factos provados, importa concluir que o Apelado, pai da filha da Apelante ofereceu-se para ajudar, desde a baixa de gravidez de risco e posteriormente, no momento da baixa de maternidade, e por isso desempenhou um pouco a função de intermediário em alguns momentos do processo de venda do imóvel, sendo que, não foi tomada qualquer decisão sem consulta prévia da Apelante e, que representasse a sua decisão, bem como, nenhuma decisão foi tomada sem o seu consentimento.
34. O ponto n.º 7 que consta dos factos provados da sentença recorrida, na forma como se encontra redigido, deve ser considerado como não provado.
35. Podendo a sua redação ser alterada por outra cujos factos provados devem ser: 7. Em virtude de a habitação referida no ponto n.º 3 ter apenas 2 quartos e situar-se longe do local de trabalho do Autor e da Ré, a Ré decidiu pô-la à venda pelo valor de € 69.000,00.
36. O ponto n.º 8 dos factos provados, deve ser dado como não provado, podendo, a sua redação ser alterada para outra nos termos seguintes: 8. As decisões referentes à negociação sobre a redução do preço, à negociação da percentagem devida à imobiliária “B Sale” e à aceitação final do negócio foram tomadas apenas pelo Ré.
37. Do ponto 11. dos factos provados resulta inequivocamente que a Ré, ora Apelante, obteve empréstimo de dinheiro para aquisição da casa, o que representa nada mais na menos que a posição sufragada na defesa da R. ora Apelante, que obteve um empréstimo do A. ora Apelado e restituiu os valores emprestados logo que tinha a sua disponibilidade.
38. A Apelante recorreu a dinheiro emprestado, por não ter, para realizar a compra de um imóvel para si, seu, e apenas seu.
39. O A. aqui Apelado emprestou dinheiro à Apelante, sendo que esta pagou todo e cada empréstimo que o Apelado lhe fez.
40. O Apelado, não comprou o imóvel por intermédio da Apelante, pois que, o Apelado não entregou o dinheiro à Apelante para que esta investisse e restituísse os lucros do Investimento ao Apelado.
41. Pelo que, não deixa de ser despido de qualquer fundamento a qualificação feita na sentença recorrida da existência de um mandato sem representação, como adiante ficará demonstrado.
42. O Mmo. Juiz a quo, para formar a sua convicção, para a decisão de facto em relação ao ponto 12. dos factos provados – bem como em relação aos restantes, atendeu unicamente, apenas, ou, quase em exclusivo, nas declarações de parte prestadas pelo Autor aqui Alegado.
43. Das declarações de parte prestadas pela recorrente, bem como pelas testemunhas por ela arroladas, o ponto 12. deve ser dado como não provado, na interpretação e sentido aí atribuído pela sentença recorrida, pois que, a Ré ora apelante não atuou da forma descrita no ponto n.º 11, pagamento dos empréstimos ao recorrido, por saber que o dinheiro empregue no investimento inicial e o lucro da venda do apartamento eram do Autor, aqui Recorrido, a Apelante estava sim a devolver dinheiro que lhe tinha sido emprestado para adquirir a sua casa própria.
44. De toda a prova produzida, depoimentos transcritos, resulta a impossibilidade de se considerar provado o ponto 15. dos factos provados – Fundamentação de facto da sentença recorrida, pelo que, deve o ponto 15. Ser dado como não provado.
45. A prova que fundamentou a convicção do Mmo. Juiz a quo, em considerar provado os factos incluídos no Ponto 15., foram apenas as declarações de parte prestadas pelo Autor, ora Apelado, que se consideram insuficientes.
46. Acompanhamos o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra -Processo: 63725/20.8YIPRT.C1, segundo o qual, «A credibilidade das declarações da parte tem de ser apreciada em concreto, numa perspetiva crítica, com vista à descoberta da verdade material, bem podendo suceder que as respetivas declarações, em concreto, possam merecer muita, pouca ou, mesmo, nenhuma credibilidade.
Significa que a prova por declarações de parte é apreciada livremente pelo tribunal, na parte que não constitua confissão, sendo, porém, normalmente insuficiente para valer como prova de factos favoráveis à procedência da acção, desacompanhada de qualquer outra prova que a sustente, ou, sequer, indicie.
47. Na Sentença recorrida a motivação do facto que consta do Ponto 15. – ter sido o Autor, ora Apelado, a decidir a aquisição, pelo valor de € 20.000,00 a habitação sita na Rua …, n.º …, …º Dto., 2780 Oeiras, assenta apenas no que o Autor ora Apelado referiu, ou seja, nas suas declarações de parte, ignorando por completo as declarações de parte da Apelante, sustentadas pela prova testemunhal (única aliás) que se refere a este facto, nomeadamente o depoimento das testemunhas D …, E …, F … e G ….
48. Os factos do Ponto 15. da fundamentação de facto da sentença recorrida não devem ser considerados como provados, devendo a sentença ser alterada incluindo-os nos factos não provados.
49. O Ponto 15. sempre deveria ser substituído por outro com a seguinte redação: 15. A Ré decidiu adquirir, pelo valor de € 20.000,00 uma habitação sita na Rua …, n.º …, …º Dto., 2780 Oeiras.
50. Da prova testemunhal produzida, resulta uma total impossibilidade da motivação da decisão de facto tal como o Tribunal a quo faz em relação ao Ponto 17., pois que, da prova produzida, resulta inequivocamente que a versão da Ré, ora Apelante, em relação às entregas de dinheiro – pagamentos, ao Apelado representaram a devolução do montante de que o Autor aqui Apelado se tinha apropriara e/ou emprestado à Apelante.
51. Por referência ao Ponto 20. dos factos provados – Fundamentação de Facto, nenhuma prova foi trazida nos autos, nem prova documental, nem testemunhal que viesse a comprovar que “o Autor despendeu € 17.569,15 em trabalhos de remodelação do imóvel referido no ponto n.º 15 e nos materiais nele usados”.
52. Deve ser considerado como não provado o facto que consta do Ponto 20 dos factos provados – Fundamentação de Facto, alterando a fundamentação de facto da sentença recorrida nesse sentido, dando como não provado o facto ai vertido, ou seja, dar como não provado, por toda a prova produzida que o Autor despendeu € 17.569,15 em trabalhos de remodelação do imóvel referido no ponto n.º 15 e nos materiais nele usados”.
53. O facto de o Tribunal a quo considerar como provado que “na sequência de conversa entre o Autor e um mediador imobiliário na qual aquele o questionou conhecia algum interessado na aquisição do imóvel mencionado no ponto n.º 15, este último veio a levar um casal a esse imóvel”, no Ponto 21. dos Factos Provados, daí não resulta, nem pode resultar, como decorre de toda a prova produzida, documental, testemunhal e declarações de parte no sentido que as mesmas devem ser apreendidas, que era o Autor, ora Apelado, o proprietário do imóvel ou que a Apelante tenha agido em sua representação.
54. A atuação do Apelado em todo o processo esteve limitada unicamente a emprestar dinheiro à Apelante para que esta pudesse adquirir a sua habitação própria.
55. Por referência ao Ponto n.º 22 dos factos provados – Fundamentação de Facto, é verdade que foi aceite a proposta de compra pelo valor de € 107.000,00 do imóvel sito na Rua …, n.º …, … Dto., 2780 Oeiras, assim como corresponde à verdade que foi acordado que o montante de € 10.700,00 seria pago com o contrato-promessa de compra e venda e o remanescente, para o valor de € 107.000,00, seria pago na escritura.
56. No entanto, da prova produzida resulta de uma forma clara que quem aceitou a referida proposta, ou seja, quem tomou a decisão de aceitar a referida proposta e de acordar o valor a pagar a título de sinal na outorga do contrato promessa foi a ora Apelante.
57. O Mmo. Juiz a quo considerou como provado que foi o Autor, ora Apelado, que aceitou a proposta de compra, bem como, que acordou o montante a ser pago a título de sinal, com base na valoração das declarações de parte do Autor, ora Apelado, “no segmento em que, em suma, o mesmo confirmou que foi ele que aceitou a proposta aí mencionada”, ou seja, considera provado que o Apelado decidiu, ou tomou a decisão, porque nas declarações por si prestadas, confirmou que ele próprio aceitou a proposta.
58. O Mmo. Juiz a quo não pode considerar as declarações do Apelado, em que o mesmo confirma ter sido ele a aceitar a proposta, bem como, o valor do sinal, sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou testemunhais, já que se trata da versão da parte interessada – no caso o Apelado, com um manifesto interesse na ação.
59. Acresce que dos presentes autos, resulta abundante prova testemunhal que demonstra exatamente o contrário do que o tribunal a quo considera provado no ponto 22. dos factos provados.
60. Das declarações de parte da Ré, agora Apelante, resulta exatamente a posição contrária àquela que se considerou provada. Com uma diferença, as declarações de parte da Apelante, encontram suporte em prova produzida nos presentes autos, pelo que, não devia o Tribunal a quo ter considerado como provados os factos que constam do ponto 22. da matéria de facto provada.
61. O Mmo. Juiz a quo considerou que no seu depoimento a ora Apelante apresentou fundamentos para a decisão de venda que não são coincidentes ou conciliáveis com os fundamentos apresentados pela testemunha D …, concluindo, que tais declarações não se revelaram credíveis, no entanto.
62. Ora, nas suas declarações a Apelante referiu exatamente que a intensidade das agressões e das ameaças do Apelado e o facto da casa se encontrar em frente ao café do pai do Apelado (onde este estava diariamente) fazia a Apelada sentir-se em perigo.
Sendo que este foi um dos motivos para venda do imóvel, ou seja, afastar-se de ameaças a ela, a filha, afastar-se de uma zona de “perigo” em frente ao café do pai do Apelado e onde este estava diariamente.
63. Dos depoimentos da testemunha D …, da testemunha E …, da testemunha F …, quer o que resulta das declarações de parte da Ré, ora Apelante, são coincidentes ou conciliáveis entre si, pois que, de todos resulta, ter sido a Apelante a tomar a decisão de vender o imóvel, bem como, o motivo para tal venda, o medo sentido pela Ré ora Apelante em residir próximo do café do pai do Autor, aqui Apelado, onde este estava quase diariamente, e que mantinha já uma relação muito tensa, com ameaças, preções, ofensas que provocavam medo e receio à Apelante, que ali se encontrava sozinha com a sua filha menor, longe do apoio da família. Medo este, cuja motivação não pode ser ignorada, como parece ter ignorado o Tribunal a quo.
64. Se Mmo. Juiz a quo considerou que a Apelante por aparentemente não saber onde seria assinado o contrato-promessa de compra e venda, conclui o absoluto alheamento da mesma em relação a todo o processo. O que se pode concluir pela mensagem do Autor (completa sem cortes) onde este diz que foi a Ré, ora Apelante, quem combinou tudo em relação ao CPCV, mais acrescenta ainda que, não sabe onde é!
65. A contrario, é legitimo e defensável concluir que o Autor, ora Apelado, por nem sequer saber onde seria assinado o contrato-promessa de compra e venda, denota o seu absoluto alheamento em relação a todo o processo!
66. Assim, por tudo o que ficou dito, sobre este concreto ponto 22. dos factos provados, de toda a prova produzida junta aos presentes autos, os factos que constam do ponto 22. da matéria de facto provada, devem ser considerados como não provados.
67. Pelo contrário ser dado como provado que “A Ré aceitou a proposta de compra pelo valor de € 107.000, tendo sido acordado que o montante de € 10.700 seria pago com o contrato-promessa de compra e venda e o remanescente na escritura”.
68. Por fim, e no que aos factos não provados diz respeito, a prova produzida e existente nos presentes autos devia ter levado o Tribunal a quo a considerar como factos provados os seguintes que considerou como não provado e que são: “O Autor sabe que não foram aplicados no imóvel referido no ponto n.º 15 os materiais a que se referem as facturas juntas com a petição inicial”.
69. Da prova produzida documental bem como dos depoimentos aqui transcritos, resulta que o Autor, ora Apelado sabe que não foram aplicados no imóvel referido no ponto n.º 15 os materiais a que se referem as faturas juntas com a petição inicial, atente-se ao depoimento de parte da Ré. ora Apelante, bem como, do depoimento da testemunha H ….
70. A sentença recorrida ser alterada no que se refere a este concreto ponto incluído nos factos não provados e, incluir nos factos considerados provados o facto seguinte: “O Autor sabe que não foram aplicados no imóvel referido no ponto n.º 15 os materiais a que se referem as faturas juntas com a petição inicial”.
71. Considera a sentença recorrida que a Petição Inicial do aqui Apelado não fornece uma indicação quanto ao enquadramento jurídico à luz do qual - e a título principal - se deve dirimir a questão solvenda, acrescentando que tendo o instituto do enriquecimento sem causa sido convocado a título meramente subsidiário pelo aqui Apelado importaria, primeiramente, verificar se, ao abrigo do princípio contido no n.º 3 do artigo 5.º do Código de Processo Civil, o ordenamento jurídico fornece uma solução que melhor se ajuste ao caso dos autos.
72. O Tribunal a quo enquadrou juridicamente a questão sub judice no âmbito do Mandato - Mandato sem representação.
73. A Apelante não acompanhar a posição do Mm. Juiz a quo, pois que, tal posição assenta e decorre da prova produzida nos presentes autos, documental, testemunhal, quer dos depoimentos de parte. Prova essa no sentido e com a valoração que decorre do supra evidenciado nas presentes alegações.
74. A Apelante considera que inexiste qualquer contrato de mandato sem representação entre Autor, aqui Apelado, e Ré ora Apelante, em virtude de toda a prova produzida e, da sua valoração nos termos pugnados nas presentes Alegações pela Apelante.
75. Os factos e toda a prova que resulta dos presentes autos, valorada conforme a Apelante acima demostrou dever ser valorada, demonstram a existência única e exclusivamente de um empréstimo de dinheiro do Autor oura Apelado à Ré, aqui Apelante.
76. Apenas pode ser este o enquadramento jurídico, inexistindo qualquer mandato, inexistindo qualquer acordo ou pacto entre Apelante e Apelado, que não fosse o que consistiu no empréstimo por este à Apelada das quantias necessárias para que esta conseguisse pagar os imóveis em caus e, logo que dispusesse de fundos financeiros suficientes restituir ao Apelado as quantias por este emprestadas.
77. O juízo subsuntivo que é feito pelo Tribunal a quo parte de uma valoração errada da prova produzida nos presentes autos, pelo que, o erro na apreciação da prova, supra enunciado e demonstrado, inviabiliza a aplicação deste instituto jurídico.
78. Nestes termos, padece de vicio e de erro a conclusão da sentença recorrida, expressa no seu ponto 2.2 Juízo Subsuntivo, onde considera que “deflui dos factos provados que a decisão de adquirir o imóvel mencionado no ponto n.º 15 foi tomada pelo Autor para evitar que a Ré pagasse as mais valias decorrentes da precedente venda de um outro imóvel (cfr. ponto n.º 14 do elenco factual). Por essa razão, foi decidido registar o imóvel a favor da Ré (cf. parte final do ponto n.º 15)”. Ficando prejudicado tudo o que aí se conclui nessa parte da sentença recorrida.
79. Fica também prejudicado o vertido na sentença recorrida, quando se refere à inexistência de qualquer acordo entre Apelante e Apelado, procurando ultrapassar tal inexistência com
base no que alega: “A existência de um mandato sem representação pode, como se sabe, ser deduzida de factos concludentes., caracterizando-se como tal «(…) aquele que, considerando todas as circunstâncias, não deixa fundamento razoável para dúvidas”.
80. Deve a sentença recorrida ser alterada, também nessa parte, considerando que a relação existente foi de um mero empréstimo de valores pecuniários do Apelado à Apelante, para que esta conseguisse concluir para si, por si e por sua vontade e decisão quer a aquisição quer a venda dos imóveis nos presentes autos.
81. Não obstante tudo o que ficou dito nas presentes alegações, em face da prova existente nos autos – declarações de parte do Autor, ora Apelado, caso se entenda que Apelante não atuou por si na aquisição e na venda dos imoveis em causa nestes autos – o que não se concebe, nem concede, mas se admite por ora por mero dever de patrocínio, sempre se dirá que, ainda assim, as referidas aquisições e vendas sempre teriam sido feitas em conjunto – compropriedade - dos dois, nunca, jamais, propriedade exclusiva do Apelado, pelo que, nunca a decisão recorrida deverá condenar na restituição do valor total da venda do imóvel sito na Rua … em Oeiras, deduzidos os respetivos custos.
82. Impõe-se, pois, a prolação de douto acórdão que revogue a sentença em crise e julgue a ação totalmente improcedente, por não provada, absolvendo a R. ora Apelante, do pedido com as demais consequências legais.
Nestes termos e nos mais de direito, deve ser concedido provimento ao presente Recurso de Apelação e, consequentemente:
a) Ser a douta Sentença Recorrida revogada e substituída por Douto Acórdão que julgue a ação totalmente improcedente, com as demais consequências legais;
b) Caso assim não se entenda, o que não se concebe, nem concede, mas se admite por mero dever de patrocínio, e se considere alterar a douta sentença recorrida parcialmente, declarando a ação parcialmente improcedente, condenando na restituição de metade do valor total da venda do imóvel sito na Rua … em Oeiras, deduzidos os respetivos custos e obrigações tributárias, para que se faça Justiça!»
O A. não contra-alegou.
Colhidos os vistos, cumpre ora apreciar a decidir.
II.
OBJETO DO RECURSO.
Atento o disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPCivil, as conclusões do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de questões que devam oficiosamente ser apreciadas e decididas por este Tribunal da Relação.
Nestes termos, atentas as conclusões deduzidas pelo A. e pela R., nos presentes autos está em causa apreciar e decidir:
· Da impugnação da decisão de facto;
· Da justeza da decisão de direito recorrida.
Assim.
III.
DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
(Conclusões 1. a 70. das alegações de recurso).
1. Segundo o disposto no artigo 640.º, n.º 1 e 2, alínea a), do CPCivil,
«1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes».

Ou seja, sob pena de rejeição do recurso da decisão de facto, na impugnação desta o Recorrente tem um triplo ónus: (i) concretizar os factos que impugna, (ii) indicar os concretos meios de prova que justificam a impugnação e impõem uma decisão diversa, sendo que caso tenha havido gravação daqueles deve o Recorrente indicar as passagens da gravação em que funda a sua discordância, e (iii) especificar a decisão que entende dever ser proferida quanto à factualidade que impugna.
Como refere Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, edição de 2018, páginas 163 e 169, o legislador optou «por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente», sendo que as exigências decorrentes do apontado regime legal «devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor.  Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo (…)».
2. No caso vertente.
A R. cumpriu os indicados ónus de impugnação da matéria de facto, insurgindo-se quanto aos factos provados 2, 7, 8, 12, 15, 17, 20 e 22, bem como quanto ao último dos factos dado como não provados pelo Tribunal recorrido.
Vejamos, sendo que para apreciação e decisão da indicada matéria factual em causa, atento o seu amplo objeto, este Tribunal da Relação de Lisboa procedeu ao exame de todos os documentos constantes dos autos, nomeadamente os juntos com a petição inicial, contestação e requerimentos de 13.01 e 30.01.2023, bem como ouviu integralmente as declarações de parte do A. e da R., assim como o depoimento de todas as testemunhas que depuseram em julgamento.
2.1. Quanto aos factos provados 2 e 7.
O Tribunal recorrido deu aí como provado que:
«2. Após a Ré ter engravidado, o Autor e a Ré decidiram encontrar uma casa onde pudessem morar em família»;
«7. Em virtude de a habitação referida no ponto n.º 3 [sita em São Marcos, Agualva-Cacém] ter apenas 2 quartos e situar-se longe do local de trabalho do Autor e da Ré, ambos decidiram pô-la à venda pelo valor de €69.000,00».
Fundamentou tais factos nos seguintes termos:
«(…) resultam da consideração do acordo entre as partes e/ou da valoração de documentos dotados de força probatória plena, pelo que, nesta sede, não cabe fundamentar o motivo pelo qual se têm como demonstrados (segunda parte do n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil)».
Por sua vez, a R., aqui Recorrente, pretende que os factos provados 2 e 7 passem a ter a seguinte redação:
«2. Após a Ré ter engravidado, a Ré por sua livre vontade e iniciativa iniciou com a ajuda do Autor, a procura de uma casa para a Ré adquirir para si onde pudessem morar em família»;
«7. Em virtude de a habitação referida no ponto n.º 3 ter apenas 2 quartos e situar-se longe do local de trabalho do Autor e da Ré, a Ré decidiu pô-la à venda pelo valor de € 69.000,00».
A R. fundamentou a sua pretensão nos documentos n.ºs 1 a 4 juntos com a contestação, bem como nas declarações de parte do A. e da R., assim como no depoimento das testemunhas E …, mãe da R., D …, irmã da R., e F ….
Apreciemos.
Em causa está a casa sita em São Marcos, Agualva-Cacém.
Concretamente, releva saber se foi a R. que tomou a iniciativa de procurar casa e de vender tal casa ou se tais decisões foram tomadas em conjunto pelas partes.
Ora, nos artigos 4.º e 15.º da petição inicial o A. alegou que:
«4.º
Com o nascimento da criança, (13/08/2016) uma vez que o A. residia com um amigo em sua casa, [A. e R.] decidiram procurar uma casa, que lhes permitisse, viver, com privacidade e em família»;
15.º
Entretanto, A. e R., decidiram, por à venda este apartamento sito em São Maros, pelo preço de €69.000,00 (sessenta e nome mil euros) uma vez que, por um lado, situava-se longe dos respetivos empregos, de cada um e, por outro lado, apenas tinha dois quartos, pelo que, com o nascimento da …, precisariam, forçosamente, de um apartamento, com pelo menos, três quartos (cfr. Doc n.º 11 a 16 que se juntam)».  
Por sua vez, nos artigos 12.º, 36.º e 37.º da contestação a R. alegou que
«12.º
(…) a R., ainda antes do nascimento da filha, (…) decidiu procurar outra casa, por forma a garantir o bem-estar e privacidade da filha e do ex-casal»;
36.º
(…) no caso da venda deste imóvel, o próprio A. demonstrou interesse em ajudar a R. na sua alienação, não só por ser parte interessada, por forma a dar mais qualidade de vida ao seu filho ..., como também, para a filha que tinha em comum com a R., situação a que a R. nunca se opôs, pois queria também ela dar as melhores condições para a filha do A. e da R., procurando criar condições para que ela pudesse ter o seu próprio espaço»;
«37.º
A R. sabe que o A. estabeleceu contactos com a agência “Bsale” por forma a colocar o imóvel no mercado, e poder comprar outro um pouco maior, sendo que, sobre os documentos juntos pelo A. na na P.I. n.ºs 11 a 16, a R. não os reconhece em virtude de os mesmos serem de impossível leitura, desconhecendo, por isso se os mesmos são verdadeiros».
Ainda relativamente à matéria factual ora em causa, o A. juntou também com os seus requerimentos de 13.01.2021, referências citius 18128095, os documentos n.ºs 1, 4, 5, 7, 8 e 9, 18128096, documentos n.º 11, 12, 13, 14, 15, 16 e 17, e 18128097, documento n.º 18.
Tais documentos foram impugnados pela R., conforme articulado de 25.01.2021, referência citius 37824325.
Em função de tais elementos, isto é, considerando os articulados das partes, os documentos juntos pelo A. e a posição da R. quanto a tais documentos, a fundamentação do Tribunal recorrido na matéria factual ora em causa revela-se inadequada: por um lado, porque a apontada factualidade em causa é controvertida, não podendo concluir-se, pois, «da consideração do acordo entre as partes», como refere a decisão recorrida, e, por outro lado, porque os documentos para que remete a decisão recorrida não foram nela identificados, foram objeto de impugnação e não se revelam «dotados de força probatória plena».
Da análise conjunta e crítica da prova produzida, à luz da lógica e das regras da experiência comum, entende-se, contudo, quanto ao referido andar de Agualva-Cacém, que a respetiva compra, em 22.07.2016, e venda, em 07.07.2017, decorreram de decisão conjunta do A. e da R., conforme consta da decisão recorrida.
Com efeito, tal é o que decorre da integração dos documentos 11 a 16 da petição inicial, bem como 1, 4, 5, 7 a 9 e 11 a 18 dos referidos requerimentos do A. de 13.01.2023.
De todos aqueles documentos é manifesta a intervenção ativa do A. na compra e posterior venda do andar de Agualva-Cacém.
Tal seria, aliás, aquilo que o normal devir da vida impunha: A. e R. viviam então em união de facto e estando em causa a casa de morada de família era natural que a decisão quanto à mesma fosse conjunta.
Na matéria em causa, perante aqueles referidos documentos, a prova pessoal produzida na audiência final revelou-se descontinua e, por isso, irrelevante, atenta a manifesta posição interessada revelada pelas partes, a parcialidade manifestada pelas testemunhas E … e D …, mãe e irmã da R., respetivamente, e o conhecimento indireto da testemunha F …, por assente no que a R. lhe terá dito.
Em suma, importa manter como provados os factos 2 e 7 nos termos constante da sentença recorrida.
2.2. No que respeita ao facto provado n.º 8.
O Tribunal recorrido deu aí como provado que:
«8. As decisões referentes à negociação sobre a redução do preço, à negociação da percentagem devida à imobiliária “B Sale” e à aceitação final do negócio foram tomadas apenas pelo Autor».
Fundamentou tal nos seguintes termos:
«No que se refere aos factos inscritos no ponto n.º 8, a convicção exposta filiou-se na valoração das declarações de parte prestadas pelo Autor.
Tais declarações de parte, pese embora a subjectividade que lhes é inerente, relevaram-se sinceras (repare-se, por exemplo, que não confirmou e até negou parte dos factos que constam da petição inicial), convictas e claras, reconhecendo-se-lhes, por isso, suficiente credibilidade e fiabilidade.
A este respeito, o Autor afirmou, em resumo, que, sozinho, tratou das negociações com a imobiliária e que mesmo contra a vontade da Ré (que consistia em manter o preço de venda em € 69.000,00), aceitou baixar o preço.
A Ré negou, em substância, esse facto. Porém, não o fez de forma circunstanciada, evolando, ademais, das suas declarações uma emotividade que sempre aparentou ser algo forçada e com evidente propósito manipulatório. Acresce ainda o modo aparentemente preparado como depôs e a evidente falta de isenção, patente, por exemplo, na reiterada alusão a várias práticas criminosas que o Autor terá levado a cabo.
Tiveram-se, por isso, como comparativamente menos credíveis as declarações de parte da Ré.
E, na medida em que o valor de venda foi efectivamente inferior àquele que a Ré e o Autor haviam projectado (cfr. pontos n.ºs 7 e 10), concluiu-se pela maior verosimilhança das declarações de parte prestadas pelo Autor.
Acrescente-se que, a este respeito, E … (mãe da Ré) apenas pôde revelar que esta decidira vender a casa com a anuência do Autor»            
A R. entende que tal facto deve passar a ter a seguinte redação:
«8. As decisões referentes à negociação sobre a redução do preço, à negociação da percentagem devida à imobiliária “B Sale” e à aceitação final do negócio foram tomadas apenas pela Ré».
Para tal a R. funda-se nas declarações de parte do A. e da R., assim como no depoimento das testemunhas E …, D … e F ….
Ora, na matéria procede o supra indicados quanto aos factos 2 e 7.
Ou seja, em função dos indicados elementos probatórios e da ponderação que dos mesmos importa fazer, conforme referido supra e que aqui se escusa de repetir, entende-se que a decisão da venda do andar de Agualva-Cacém, quanto aos respetivos pormenores de redução do preço, percentagem da imobiliária e aceitação final do negócio, decorreu de decisão conjunta do A. e R., termos em que o facto provado n.º 8 deve passar a ter a seguinte redação:
«8. As decisões referentes à negociação sobre a redução do preço, à negociação da percentagem devida à imobiliária “B Sale” e à aceitação final do negócio foram tomadas pelo Autor e pela Ré».
2.3. Relativamente ao facto provado 12.
O Tribunal recorrido deu como provado com os n.ºs 11 e 12 o seguinte:
«11. A Ré, depois de ter liquidado os empréstimos contraídos para a aquisição da casa, realização de obras e aquisição de electrodomésticos, no dia 10 de Julho de 2017, transferiu para a conta do Autor a quantia de € 10.000,00 e, no dia 13 de Julho de 2017, transferiu para a conta daquele, o montante de €7.100,00.
12. A Ré actuou da forma descrita no ponto n.º 11 por saber que o dinheiro empregue no investimento inicial e o lucro da venda do apartamento eram do Autor».
Quanto ao facto provado n.º 12, o Tribunal recorrido teceu a seguinte fundamentação:
«A convicção quanto ao facto inscrito no ponto n.º 12 assentou na valoração das declarações de parte do Autor, no segmento em que, em suma, referiu que a Ré sabia que o negócio “era seu” e que os valores para si transferidos correspondiam ao (…) lucro remanescente, uma vez pagos os custos com empréstimos, despesas da cooperativa e impostos.
A proximidade temporal com o recebimento da totalidade do preço ajudou a credibilizar essa versão.
Acresce que o valor em causa, conforme é aceite pelas partes, correspondia ao valor sobrante após a liquidação das despesas suportadas com aquisição/remodelação da casa e aquisição de electrodomésticos, o que, igualmente, contribui para reforçar a convicção de que a entrega dessas verbas foi feita de comum acordo entre as partes.
A Ré, também em declarações de parte refutou, esta versão, sustentando, em resumo, que fora ameaçada pelo Autor (o que fez de forma insistente) para lhe restituir a quantia de € 10.100, admitindo, porém, ter voluntariamente restituído o montante de € 7.000 que lhe fora mutuado. Porém, não ofereceu uma explicação plausível para que, nesse contexto de intimidação, tivesse aceite a ajuda do Autor para, mais tarde, adquirir uma outra casa.
E, de resto, a valoração das cópias das reproduções de conversas mantidas por “Whatsapp” entre o Autor e a Ré e do “email” por esta enviada àquele (documentos n.ºs 24 e 25, juntos com os requerimentos constantes das ref.ª 18128094, 18128095, 18128096, 18128097, 18128098, 18128100, 18128140 e 18128141) não evidenciam a existência de um ambiente de frequente intimidação como aquele que a Ré pretendeu dar conta, antes perpassando o propósito desta em reatar a relação.
E …, de algum modo, corroborou esta versão, ao revelar, em resumo, que a sua filha apenas acedeu a transferir o montante que excedia a importância referida no ponto n.º 5 por ter sido ameaçada pelo Autor com as palavras “já sabes como elas te mordem” e ainda que lhe “tiraria a filha”. D … - irmã da Ré - também referiu que o Autor “usava a filha”, fizera ameaças e fazia “chantagem emocional”, o que levou a Ré a transferir as importâncias em causa.
Estes testemunhos foram (como os demais que infra vão referenciados), valorados à luz da experiência corrente e de critérios de normalidade e de plausibilidade.
O modo como D … prestou o seu testemunho revelou notória falta de espontaneidade, tendo deposto de um modo hesitante e nervoso, a que acresce ainda alguma evidente falta de isenção, porventura associável aos comportamentos delituosos adoptados pelo Autor em relação à sua filha. Teve-se também em conta que revelou ter conhecimento da maior parte dos factos de que deu conta por intermédio da sua filha.
O testemunho de D … revelou, por seu turno, pouca consistência e coesão interna, a que não será alheia a falta de conhecimento directo dos factos que relatou.
Sopesando conjugadamente estes elementos, concluiu-se que estes depoimentos apenas deveriam ser relevados nos segmentos em que, de algum modo, confirmaram ou corroboraram o que evolou de outros meios de prova que se tiveram como mais confiáveis».
(Negrito da autoria dos aqui subscritores).
Por sua vez, a R. entende que o facto n.º 12 deve ser dado como não provado, fundando-se para tal nas suas declarações de parte e no depoimento das testemunhas E …, D … e F ….
Relativamente àquela prova pessoal, designadamente à sua credibilidade e conhecimento direto da factualidade vertente, remete-se aqui para o supra referido em III.2.1, quanto aos factos provados 2 e 7, pelo que desde logo é manifesto que a prova indicada pela Recorrente não impõe a prolação de «decisão» de facto «diversa» da tomada pelo Tribunal recorrido, na asserção do artigo 662.º, 1, do CPCivil.
De todo modo, relativamente aos excertos transcritos quanto àquela prova pessoal e no que respeita ao facto n.º 12 em apreço, a motivação de recurso constitui uma amálgama de citações que cobrem a venda dos dois imóveis a que se referem os autos e reportam-se situações separadas no tempo por mais de um ano, sem o cuidado de assim explicitar, conforme decorre da audição do julgamento efetuada.
Conforme documentos n.ºs 145 junto com a petição inicial e 38 junto com a contestação, as verbas em causa, €10.000,00 e €7.100,00, foram transferidas em 10.07 e 13.07.2017, respetivamente, ou seja, escassos dias depois da venda do andar de Agualva-Cacém, ocorrida em 07.07.2017, e numa altura em que as partes ainda tinham a mesma residência, pelo que afigura-se pouco plausível àquela data o invocado ambiente de intimidação do A. quanto à R., bem como a alegada dependência psicológica da R. relativamente ao A., tanto mais que aquela é psicóloga, com autonomia económica, e mostrava-se devidamente apoiada pela mãe e irmã, testemunhas nos autos.
Feitas as devidas contas, a diferença entre o valor da venda do imóvel de Agualva-Cacém, €68.000,00, e o valor do mútuo bancário contraído pela R. para aquisição do imóvel, €42.500,00, cerca um ano antes, em 22.07.2016, perfaz a quantia de €25.500,00 (ou seja, 68.000,00 - €42.500,00).
Ora, o valor que o A. retirou daquela venda, um total de €19.100,00 (€2.000,00, de sinal, + €10.000,00 + €7.100,00) está compreendido naquele valor de €25.500,00, pelo que deste ponto de vista meramente contabilístico tal valor não suscita qualquer reparo.
Nestes termos, importa, pois, manter o facto provado n.º 12 nos termos constantes da decisão recorrida.
2.4. Quanto ao facto provado 15.         
Da decisão recorrida consta como provado com os n.ºs 14 e 15 o seguinte:
«14. A Ré ficou preocupada com o pagamento de mais valias decorrentes da venda referida no ponto n.º 10 [imóvel de Agualva-Cacém], uma vez que não tinha dinheiro para o efeito.
15. Em virtude do facto referido no ponto n.º 14 e porque tinha confiança na Ré, o Autor decidiu adquirir, pelo valor de € 20.000,00 uma habitação sita na Rua …, n.º …, …º Dto., 2780 Oeiras e registá-la em nome da Ré».
O Tribunal recorrido fundamentou tal factualidade nos seguintes termos:
«A facticidade vertida no ponto n.º 15 foi tida como demonstrada com base na valoração concatenada das declarações de parte do Autor, da cópia da escritura de compra e venda junta com a petição inicial sob o n.º 23 e das cópias das reproduções de conversas mantidas por “Whatsapp” entre o Autor e a Ré, juntas sob os n.ºs 43 a 54 juntos com a petição inicial.
O Autor referiu, em resumo, que decidiu adquirir a habitação mas, porque a Ré tinha preocupação com as mais valias (o que, de resto, foi também mencionado pela própria e por E …), seria ela a figurar no contrato de compra e venda.
Da valoração daquele documento colheu-se que a aquisição foi realizada pelo valor de €20.000,00.
Transparece, por outro lado, do segmento da conversa que é constituída pelos documentos n.º 43 e 44 que a habitação mencionada no ponto n.º 15 foi efectivamente registada a favor da Ré, já que ali se abordam as delongas na remessa da respectiva certidão.
Tendo em conta que tanto a aquisição e venda da habitação referida no ponto n.º 3 foram nominalmente realizadas pela Ré e que, uma vez deduzidos os custos suportados, o valor sobrante se aproximava, sensivelmente, do valor relativamente baixo pelo qual foi adquirida aqueloutra fracção autónoma e que, por seu turno, as facturas respeitantes a trabalhos ali efectuados foram emitidas em nome da Ré (v. os testemunho de I … e de J … e as respectivas cópias daqueles documentos, juntos sob os n.º 59 e 60 com a petição inicial), concluiu-se que merecia credibilidade a versão apresentada pelo Autor.
De resto, só assim se percebe que, a pedido da Ré e para efeitos de elaboração da declaração de IRS, o Autor lhe tenha ulteriormente remetido as cópias das facturas (cfr. as reproduções de conversas mantidas por “Whatsapp” nas quais constam os envios de fotogramas dessas facturas, que correspondem aos documentos juntos sob os n.ºs 113 a 115 e 121 a 129, juntos com a petição inicial).
A versão da Ré - segundo a qual, em suma, a aquisição da habitação fora uma decisão exclusivamente sua com propósito [de] habitá-la com a sua filha - não se revelou crível.
Desde logo, porque, como a própria Ré e D … referiram, foi o Autor que indicou essa habitação, o que se revela contraditório com afirmação de que a Ré a escolhera, como deu nota F ….
E, decisivamente, evola, por outro lado, das cópias das reproduções de conversas mantidas por “Whatsapp” entre o Autor e a Ré - juntas sob os n.ºs 24 a 29 e 43 a 45 com a petição inicial - que a Ré desconhecia, em absoluto, o estado daquela casa, decorrendo ainda que, ao contrário do que E … e D … aventaram, a sua aquisição não tivera como propósito o uso pela Ré com a sua filha, após a separação. É que esse intento - que ali é manifestado e que dá azo a que o Autor indique o que para fazer para obter um empréstimo para custear as obras - deve antes ser tido como uma consequência das dificuldades de relacionamento de que a Ré deu nota (cfr. os anteriores trechos dessa conversa, juntos como documentos n.ºs 24 a 29 com a petição inicial e o declarado pela própria).
Refira-se, adicionalmente, que tanto F … como G … (respectivamente, amiga e colega da Ré) não revelaram conhecimento directo daquela intenção, denotando apenas saber o que a Ré lhes transmitira».
(Negrito da autoria dos aqui subscritores).
Por sua vez, a Recorrente entende que o facto n.º 15 deve passar a ter a seguinte redação:
«15. A R. decidiu adquirir, pelo valor de € 20.000,00 uma habitação sita na Rua  …, n.º …,  … Dto., 2780 Oeiras».
Alicerçou a sua posição nas suas próprias declarações prestadas em julgamento, assim como no depoimento das testemunhas E …, sua mãe, D …, irmã da R., F … e G ….
Apreciemos.
Tal prova testemunhal indicada pela Recorrente revela-se absolutamente parcial quanto à factualidade concreta aqui em causa: as testemunhas falaram do que ouviram a R. dizer e não tanto do que diretamente presenciaram quanto ao negócio em si relativo à transação do andar em causa, sito em Oeiras, do ponto de vista do A. e das conversas então havidas entre A. e R.  
As declarações de parte do A. e da R. são contraditórias entre si: aquele referiu perentoriamente que comprou o imóvel em causa, embora o mesmo tenha ficado registado em nome da R., ao passo que esta referiu que foi ela a compradora, embora com empréstimo de €9.900,00 do A.
Do cotejo documental constante dos autos, afiguram-se, contudo, que as declarações do A. são corroboradas por documentos juntos pelas partes.
Com efeito, os documentos n.ºs 19 a 22, 24 a 29, 43 a 54, 137 a 140 da petição inicial e documento n.º 27 da contestação referem-se a transferências bancárias e conversas whatsApp entre A. e R., delas decorrendo um particular empenho do A. na compra do andar em causa e um claro apagamento da R. nesse domínio, preocupada tão-só com as mais valias decorrentes do andar de Agualva-Cacém.
A R. nunca se deslocou ao interior do imóvel de Oeiras, nunca teve a sua chave, nunca mostrou intenção de fazer dele a sua residência, nunca se preocupou com as suas obras e consequente valorização.
Por outro lado, conforme já decorre dos factos provados n.º 11 e 12, particularmente do supra afirmado quanto a este último, e dos documentos bancários que consubstanciam os documentos n.ºs 19 a 22 da petição inicial e n.º 27 contestação, o preço da compra e venda em causa foi integralmente satisfeito pelo A.
Nesse âmbito a R. apenas alegou que tinha à data um crédito sobre o A. no valor de €10.100,00, tendo o restante do preço, €9.900,00, sido emprestado pelo R.
Ora, tal crédito não ficou de todo em todo demonstrado, conforme se referiu supra, quanto ao facto provado n.º 12.
 Nestes termos, importa manter o facto provado n.º 15 nos termos constantes da decisão recorrida.
2.5. No tocante ao facto provado 17.  
Sob os n.ºs 16 e 17, o Tribunal recorrido deu como provado que:    
Na compra do andar de Oeiras,
«16. Para efectuar o pagamento do sinal (no valor de € 9.000), o Autor entregou à Ré a quantia de € 3.000 - e esta emitiu um cheque pelo correspondente valor para aquele efeito - e a quantia de € 6.000.
17. Os montantes referidos no ponto n.º 16 pertenciam ao Autor».
O Tribunal recorrido fundamentou aquele último facto nos seguintes termos:
«(…) a convicção do tribunal filiou-se na valoração das declarações de parte prestadas pelo Autor, no segmento em que declarou que pagou ao vendedor o montante de € 6.000 e entregou à Ré o montante de € 3.000 em cheque.
Como se referiu, a versão da Ré - segundo a qual se trataria da devolução do montante de que o Autor se apropriara - não é merecedora de credibilidade, revelando-se, em toda a linha, manifestamente incongruente com os dados da experiência corrente. Com efeito, é patentemente incredível que o Autor - que, num primeiro momento teria exigido, com recurso a ameaças, a entrega de dinheiro - viesse, em seguida, a disponibilizar à Ré (a suposta ameaçada) uma significativa parte desse montante para satisfação de um interesse que era exclusivo desta e sem ter quaisquer garantias de devolução do mesmo. E, se se tiver em consideração que a Ré declarou que aquela exigência se devia a dívidas de jogo e outras, mais implausível se torna essa versão».  
Em sede recursiva a R. entende que tal facto deve ser dado como não provado por, em síntese, as verbas em causa representarem devolução de quantias devidos pelo A. à R., decorrentes da venda do imóvel de Agualva-Cacém.
Ora, quanto à matéria factual ora em causa já este Tribunal da Relação de Lisboa se pronunciou a propósito do facto provado n.º 12, remetendo-se ora para o aí constante, termos em que se conclui pela manutenção do facto provado n.º 17 nos precisos termos constantes da decisão recorrida.
2.6. No concernente ao facto provado n.º 20 e ao último dos factos não provados.
Estão em causa obras no andar de Oeiras e respetiva arrecadação na cave, assim como o seu custo.
Nessa sede, o Tribunal recorrido deu como provado sob o n.º 20 que:
«20. O Autor despendeu € 17.569,15 em trabalhos de remodelação do imóvel referido no ponto n.º 15 [sito em Oeiras] e nos materiais nele usados».
E deu como não provado que:
«O Autor sabe que não foram aplicados no imóvel referido no ponto n.º 15 os materiais a que se referem as facturas juntas com a petição inicial».
Fundamentou tal decisão de facto nos seguintes termos:
«A convicção quanto aos factos vertidos no ponto n.º 20 firmou-se com base na valoração concatenada dos testemunhos de I … - declarou que realizou trabalhos de remodelação total naquela fracção que importaram em € 10.000, valor que foi pago pelo Autor - e de J … - referiu que executou trabalhos de montagem de marquises e janelas, que foram pagos pelo Autor -, das cópias das facturas juntas como documentos n.º 59 e 60 com a petição inicial e das cópias das facturas respeitantes à aquisição de materiais e cópias de extractos e talões bancários - juntas, respectivamente, como documentos n.º 61 a 66 e 67 a 71 com a petição inicial - e das declarações de parte do Autor, no segmento em que deu conta dos montantes despendidos na remodelação.
Os citados testemunhos foram prestados de uma forma segura, espontânea, clarividente e suficientemente descomprometida. Por isso, tais testemunhos foram reputados como credíveis, persuasivos e confiáveis.
Deve-se notar que, pese embora as facturas tenham datas posteriores à data da venda da fracção autónoma (cfr. ponto n.º 23 do elenco factual), a valoração dos extractos e talões bancários (nos quais figuram montantes coincidentes com aqueles que constam das facturas) indica que as transacções ali documentadas ocorreram nas datas em que foram realizados os pagamentos comprovados por aqueloutros meios de prova. Saliente-se que a posterioridade das datas das facturas juntas é plausivelmente explicável pelo facto de, como a Ré referiu, pretender que as facturas “saíssem” com a morada do imóvel referida no ponto n.º 15, não arredando, pois, o respectivo valor probatório.
Pese embora H … (gerente da empresa que adquiriu o imóvel) tenha referido que alguns dos trabalhos enunciados nas facturas não tinham sido concluídos e que aqueles que se mostravam efectuados não ascenderiam àquele valor, tal não infirma o efectivo dispêndio dos montantes em causa, cabendo, a este respeito, salientar que a mesma referiu que não viu a cave (que integrava o imóvel vendido) antes da compra, local onde, segundo o Autor, o antigo dono continuava a viver.
«(…) A deu nota de que vira materiais que constavam das ditas facturas aplicados na casa do pai do Autor. Porém, nenhum outro meio de prova secundou essa versão e, como se expôs, aquelas declarações não são, por si só, dotadas de suficiente credibilidade.
Acresce ainda que, pelas razões expostas, a versão do Autor merece maior credibilidade.
Concluiu-se, por isso, pela indemonstração dos factos relevantes extraíveis da contestação».
(Negrito da autoria dos aqui subscritores).  
No seu recurso, a R. pretende que o facto provado 20 seja dado como não provado e que o referido facto dado como não provado seja dado como provado.
Para tal invocou as declarações de parte do A. e da R., assim como o depoimento das testemunhas I …, H …, J … e E …, bem como referiu-se ainda aos documentos n.ºs 57 a 64, 66, 94 e 95 juntos com a petição inicial.
Analisemos.
É indubitável que foram feitas obras no andar de Oeiras e na arrecadação correspondente ao mesmo, sita na cave do prédio.
É também manifesto que tais obras foram feitas por ordem exclusiva do A. e em data anterior à celebração da respetiva escritura de compra e venda, ocorrida em 23.05.2018.
Toda a prova produzida, nomeadamente a indicada na matéria ora em causa na decisão recorrida, bem como no recurso conduzem uniformemente em tal sentido, sendo a Recorrente não colocou tal em crise. 
Matéria controversa é a extensão das obras e o custo efetivo das mesmas.
Ora, nesses domínios importa considerar as declarações de parte do A. e da R., os depoimentos das testemunhas I …, J …, H … e E …, assim como os documentos n.ºs 31 a 42, 57 a 72, 89, 94, 95, 109, 110, 121 a 129 juntos com a petição inicial, 44 da contestação e 21, 26, 27, 28 juntos pelo A. em 13.01.2023.
Tudo ponderado, segundo as regras da lógica e da experiência comum entende-se assertiva a decisão recorrida na matéria.
O valor em causa, no montante de €17.569,15, corresponde à adição das quantias de €12.300,00, €3.690,00, €107,82, €104,45, €46,35, €228,44, €463,99 e €628,10, correspondentes às faturas a que se referem os documentos n.ºs 59, 60, 61, 62, 63, 64, 65 e 66 da petição inicial, respetivamente.
Embora tais faturas sejam de data posterior à escritura de compra e venda do imóvel de Oeiras, correspondem a despesas feitas em data anterior àquela escritura, conforme decorre dos documentos n.ºs 67, 68, 69, 70, 71 e 109 juntos com a petição inicial, quanto àquelas seis últimas verbas, e do depoimento das testemunhas I … e J …, ouvidas em julgamento, no que respeita às restantes duas verbas.
É certo que não está em causa a completa remodelação do andar de Oeiras e respetiva arrecadação, que implicaria certamente o dispêndio de montante muito superior ao indicado.
Contudo, a partir das fotografias juntas aos autos quanto àquela fração autónoma não se duvide que foram executadas algumas obras, designadamente que foi colocado pavimento no chão e loiças sanitárias na arrecadação, que houve remoção de entulho e lixo, que foram abertos roços para águas e eletricidade, que o chão do andar foi coberto de betonilha, que foi colocada caixilharia nova e significativa.
O depoimento da testemunha H …, indubitavelmente objetivo e sincero, reporta-se ao período imediatamente anterior à celebração do contrato promessa, confirmando a existência de obras no andar, mas desconhecendo o estado em que o mesmo se encontrava anteriormente às obras, bem como nada sabendo quanto à respetiva arrecadação.
Tudo ponderado, mantém-se, pois, a decisão de facto recorrida no que respeita ao facto provado n.º 20 e ao último dos indicados factos dados como não provados.
2.7. Quanto ao facto 22.
Consta aí como provado que:
«22. O Autor aceitou a proposta de compra pelo valor de € 107.000, tendo sido acordado que o montante de € 10.700 seria pago com o contrato-promessa de compra e venda e o remanescente na escritura».
O Tribunal recorrido fundamento tal facto nos seguintes termos:
«Os factos vertidos no ponto n.º 22 foram tidos como demonstrados com base na valoração das declarações de parte do Autor - no segmento em que, em suma, o mesmo confirmou que foi ele que aceitou a proposta aí mencionada, a qual provinha de investidores angariados por um seu amigo e que a Ré sabia que o “negócio era dele” - e na valoração da reprodução da conversa mantida por “WhatsApp” - que constitui o documento n.º 73 junto com a petição inicial - da qual dessume que a Ré nem sequer sabia onde seria assinado o contrato-promessa de compra e venda, o que denota o seu absoluto alheamento em relação a todo o processo. De resto, H … também deu nota de que o Autor e um agente estavam presentes na visita que efectuou ao imóvel, o que evidencia o interesse daquele no negócio cuja realização antevia.
A negou essa versão, no que foi secundada por D …. Porém, ambas apresentaram fundamentos para a decisão de venda que não são coincidentes ou conciliáveis entre si. Acresce, em todo o caso, que, como se referiu, nem aquelas declarações nem aquele testemunho se revelaram credíveis».
(Negrito da autoria dos aqui subscritores).
No seu recurso, a R. pretende que o facto provado 22 passe a ter a seguinte redação:
«22. A Ré aceitou a proposta de compra pelo valor de € 107.000, tendo sido acordado que o montante de € 10.700 seria pago com o contrato-promessa de compra e venda e o remanescente na escritura».
A Recorrente fundamentou tal entendimento nas declarações de parte da R. e no depoimento das testemunhas D …, irmã da R., E …, mãe da R., e F …, bem como nos documentos n.º 73 junto com a petição inicial e n.º 32 junto pelo A. em requerimento de 13.01.2023.
Vejamos.
A prova pessoal indicada pela Recorrente revela-se inconsistente relativamente à factualidade ora em causa, procedendo também aqui o supra referido quanto aos factos provados 2 e 7.
Do depoimento da testemunha H …, que representou a compradora, decorre que era o A. que tinha o domínio efetivo e absoluto sobre a fração autónoma em causa: foi ele que lhe mostrou a casa àquela testemunha e a inteirou quanto às obras que se estavam a efetuar, combinando com ela as que deveriam ser efetuadas até à compra e venda.
Os documentos n.ºs 24 a 29, 43 a 56, 73, 89 a 96, 103 a 108, 136 a 140 juntos com a petição inicial, bem como n.ºs 27, 28, 32 e 33 juntos pelo A. em requerimento de 13.01.2023 corroboram um tal entendimento, sendo certo que as conversas WhatsApp entre as partes, umas antes da venda da fração autónoma de Oeiras, em 23.05.2023, e outras já depois da venda, dão conta do relacionamento entre as partes, bem distinto do ambiente de ameaça e coação que a R. e as testemunhas  E …, D … e F … procuraram sinalizar ao Tribunal.         
Deve, pois, manter-se o facto provado n.º 22 nos exatos termos explicitados pelo Tribunal recorrido.
Em suma, improcede o recurso da decisão de facto recorrida, salvo quanto ao facto provado n.º 8 nos termos indicados.       
*
Quanto ao facto provado 24:
Não foi o mesmo objeto de impugnação.
Contudo, nos termos do disposto nos artigos 663.º, n.º 2, e 607.º, n.º 4, do CPCivil, considerando os artigos 64.º e 69.º da petição inicial, assim como os artigos 198.º a 200.º da contestação, estando admitido por acordo das partes que relativamente à venda do imóvel de Oeiras ocorreu uma transferência de €2.900,00 (€2.500,00 + €200,00 + €200,00) da esfera patrimonial da R. para a esfera patrimonial do A., importa fazer consignar tal, o que, aliás, foi pressuposto na decisão recorrida na liquidação do montante em que a R. foi condenada, sem qualquer impugnação das partes nesses termos.
Por isso, o ponto 24. dos factos provados deve passar a ter a seguinte redação:      
24. A Ré, por conta do negócio referido no ponto n.º 22, recebeu, a 23 de maio de 2018 a quantia de €96.300,00, tendo pago a comissão devida à mediadora imobiliária no valor de €6.580,50, bem como ocorrido transferências para conta do A. de quantias no montante total de €2.900,00.
*
* *
Em função do exposto, este Tribunal da Relação de Lisboa tem, pois, como provada a seguinte factualidade:
1. O Autor e a Ré conheceram-se em meados do ano de 2015, tendo, passado pouco tempo, iniciado uma relação amorosa, apesar de cada um viver em casas separadas;
2. Após a Ré ter engravidado, o Autor e a Ré decidiram encontrar uma casa onde pudessem morar em família;
3. Na sequência de pesquisas efetuadas, foi encontrada a fração autónoma designada pelas letras “…” sita na Avenida …, n.º …, …, 2735- … Agualva-Cacém, inscrita na matriz sob o artigo … da União das Freguesias do Cacém e São Marcos, pertença do “Millennium BCP” e que se encontrava à venda pelo preço de €47.000;
4. Na sequência de indicação da entidade bancária referida no ponto n.º 3, o valor da proposta de aquisição da habitação aí mencionada foi de €50.000;
5. O Autor emprestou à Ré a quantia de €7.500 para esta entregar à entidade bancária referida no ponto n.º 4 a título de adiantamento, tendo ainda pago a quantia de €1.500 a título de despesas com a escritura de compra e venda e registos;
6. A habitação referida no ponto n.º 3 foi registada a favor da Ré;
7. Em virtude de a habitação referida no ponto n.º 3 ter apenas 2 quartos e situar-se longe do local de trabalho do Autor e da Ré, ambos decidiram pô-la à venda pelo valor de €69.000,00;
8. As decisões referentes à negociação sobre a redução do preço, à negociação da percentagem devida à imobiliária “B Sale” e à aceitação final do negócio foram tomadas pelo Autor e pela Ré;
9. A 3 de junho de 2017, foi, pela Ré, subscrito o contrato-promessa respeitante à venda da habitação referida no ponto n.º 3, tendo, a título de sinal, esta recebido o valor de €2.000;
10. No dia 7 de julho de 2017, foi outorgada a escritura pública respeitante à venda da habitação referida no ponto n.º 3, tendo a Ré recebido o valor de €66.000,00;
11. A Ré, depois de ter liquidado os empréstimos contraídos para a aquisição da casa, realização de obras e aquisição de eletrodomésticos, no dia 10 de julho de 2017, transferiu para a conta do Autor a quantia de €10.000,00 e, no dia 13 de julho de 2017, transferiu para a conta daquele, o montante de €7.100,00;
12. A Ré atuou da forma descrita no ponto n.º 11 por saber que o dinheiro empregue no investimento inicial e o lucro da venda do apartamento eram do Autor;
13. Em outubro de 2017, o Autor e a Ré separaram-se;
14. A Ré ficou preocupada com o pagamento de mais valias decorrentes da venda referida no ponto n.º 10, uma vez que não tinha dinheiro para o efeito;
15. Em virtude do facto referido no ponto n.º 14 e porque tinha confiança na Ré, o Autor decidiu adquirir, pelo valor de €20.000,00 uma habitação sita na Rua …, n.º …, …º Dto., 2780 Oeiras e registá-la em nome da Ré;
16. Para efetuar o pagamento do sinal (no valor de € 9.000), o Autor entregou à Ré a quantia de €3.000 - e esta emitiu um cheque pelo correspondente valor para aquele efeito - e a quantia de €6.000.
17. Os montantes referidos no ponto n.º 16 pertenciam ao Autor;
18. Para pagamento do remanescente do preço mencionado no ponto n.º 5, o Autor entregou à Ré, em numerário a quantia total de €6.000,00 e, nos dias 20, 23, 24 de outubro de 2017, transferiu para conta da Ré, respetivamente as importâncias de € 1.500, de € 1.500 e de € 2.000;
19. A escritura pública de compra do imóvel referido no ponto n.º 15 foi celebrada a 25 de outubro de 2017;
20. O Autor despendeu €17.569,15 em trabalhos de remodelação do imóvel referido no ponto n.º 15 e nos materiais nele usados;
21. Na sequência de conversa entre o Autor e um mediador imobiliário na qual aquele o questionou conhecia algum interessado na aquisição do imóvel mencionado no ponto n.º 15, este último veio a levar um casal a esse imóvel;
22. O Autor aceitou a proposta de compra pelo valor de €107.000, tendo sido acordado que o montante de €10.700 seria pago com o contrato-promessa de compra e venda e o remanescente na escritura;
23. Tendo a Ré, por conta do negócio referido no ponto n.º 22 e na assinatura do contrato-promessa de compra e venda, recebido, a 7 de maio de 2018, a quantia de € 10.700, a mesma, na sequência de pedido do Autor, entregou-lhe a quantia de €8.000.
24. A Ré, por conta do negócio referido no ponto n.º 22, recebeu, a 23 de maio de 2018 a quantia de €96.300,00, tendo pago a comissão devida à mediadora imobiliária no valor de €6.580,50, bem como ocorrido transferências para conta do A. de quantias no montante total de €2.900,00.
*
Este Tribunal da Relação de Lisboa considera que não ficou provado que:
A. O custo das obras de remodelação da habitação referida no ponto n.º 3, no valor de €5.000, foi suportado apenas pelo Autor;
B. O Autor tomou a decisão referida no ponto n.º 15 para que a sua filha não ficasse prejudicada;
C. O Autor pagou a quantia de €800,00 por conta de emolumentos respeitantes à escritura que formalizou o negócio referido no ponto n.º 22;
D. A Ré concordou transferir para o Autor a quantia de €45.000;
E. O Autor sabe que não foram aplicados no imóvel referido no ponto n.º 15 os materiais a que se referem as faturas juntas com a petição inicial.
IV.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
(Conclusões 1., 42. e 70. a 82. das alegações de recurso).
Fundada em factualidade que considerou provada e não provada nos termos que fundamentaram o seu recurso da decisão de facto, a R., ora Recorrente, alegou, em suma, que a relação existente entre as partes «foi de um empréstimo de valores pecuniários do Apelado à Apelante», sendo que caso assim não se entenda «as referidas aquisições sempre teriam sido feitas em conjunto – compropriedade - dos dois», termos em que concluiu que «se julgue a ação totalmente improcedente» e, «caso assim não se entenda, (…) se considere alterar a douta sentença recorrida parcialmente, declarando a ação parcialmente improcedente, condenando na restituição de metade do valor total da venda do imóvel sito na Rua … em Oeiras, deduzidos os respetivos custos e obrigações tributárias, para que se faça Justiça!»
Vejamos.
O recurso da decisão de direito funda-se exclusivamente na alteração da decisão de facto recorrida.
Ora, conforme resulta do exposto, improcede o recurso da decisão de facto interposto pela R., pelo que carece de fundamento o recurso da decisão de direito por ela interposto, sendo que a decisão do Tribunal recorrido mostra-se conforme ao regime legalmente aplicável ao caso, conforme designadamente artigos 1157.º, 1158.º, 1161.º, alínea a), 1180.º, 1181.º, 219.º, 258.º, todos do CCivil, nos termos aí constantes que aqui se escusam de repetir.
 Como refere Maria João Vaz Tomé, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Contratos Especiais, edição da UCP Editora, 2023, página 728, «[a] nota específica do mandato sem representação consiste na autonomia da relação jurídico-contratual estabelecida entre mandatário e terceiro perante aquela do mandante e do mandatário».
«(…) Contudo, ainda que o mandato seja cumprido pelo mandatário em nome próprio, o negócio gestório é sempre celebrado por conta do mandante, sendo ele o destinatário final dos respetivos efeitos jurídicos. O mandatário, além de dever ao mandante certa atuação, deve também assegurar-lhe os efeitos dessa atuação».
«A obrigação do mandatário de transferir para o mandante os direitos adquiridos em execução do mandato, estabelecida no artigo 1181.º, n.º 1, é uma consequência da regra geral consagrada no artigo 1180.º. Como os direitos adquiridos em execução do mandato são primeiramente imputados à esfera do mandatário, o preceito do artigo 1181.º impõe-lhe a obrigação de os transferir para o mandante, mediante a prática de um ato de natureza translativa. (…)». 
«(…) De resto, segundo os artigos 1161.º, al. e), e 1164.º, o mandatário deve entregar ao mandante tudo quanto haja recebido em execução do mandato. Assim, se adquiriu coisas, deve entregá-las ao mandante, transferindo simultaneamente os respetivos direitos reais; se adquiriu direitos de crédito, deve cedê-los». 
«(…) O artigo 1181.º, n.º 1, procura assegurar a transmissão dos resultados da interposição (gestória) do mandatário (sem representação) para a esfera jurídica do mandante».
Ora, na situação em apreço, considerando a factualidade apurada indicada em 14., 15., 16., 17., 18., 19., 21, 22., 23. e 24, entende-se que na venda da referida fração autónoma de Oeiras a R. atuou como mandatário do A., enquanto vendedora, num mandato sem representação, não se afigurando que tal careça de forma, na medida em que a propriedade do imóvel foi inscrita no registo predial a favor da R.
Diversamente do alegado pela Recorrente, relativamente ao indicado imóvel de Oeiras não se provou que tenha havido «empréstimo de valores pecuniários do Apelado à Apelante», nem uma situação de «compropriedade».
Nestes termos, considerando a factualidade apurada em 15., 16. 17., 18., 22., 23. e 24. deve a R. entregar ao A. a quantia de €89.519,50, (€107.000,00 - €8.000,00 – €6.580,50 - €2.500,00 – €200,00 - €200,00), deduzido o montante que a R. vier a pagar ou já haja pago a título de mais valias quanto à venda do indicado imóvel de Oeiras, conforme decisão recorrida.      
Improcede, pois, o recurso.
*
Na motivação do seu recurso a R., aqui Recorrente, pediu a condenação do A., ora Recorrido, «nos termos e para os efeitos das als. a), b) e d) do n.º 2 e n.º 1 do artigo 542.º do Código de Processo Civil, (…) como litigante de má-fé, em multa e em indemnização a pagar à R., no valor de €4.000,00».
Contudo, tal matéria não foi levada às conclusões de recurso, pelo que, conforme o referido artigo 635.º, n.º 4, do CPCivil, importa entender que a Recorrente restringiu o objeto inicial do recurso e, em consequência, concluir que a condenação do A. como litigante de má-fé não constitui objeto do recurso, pois este está delimitado pelas suas conclusões e por questões de conhecimento oficioso, o que na situação concreta não vertente não é seguramente o caso em função do anteriormente exposto.
*
* *
Quanto às custas do recurso.
Segundo o disposto nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil e 1.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, «[a] decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa», entendendo-se «que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção que o for».
Ora, in casu improcede na totalidade o recurso da R., pelo que as custas do recurso serão por ela integralmente suportados, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

V.
DECISÃO.  
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
As custas do recurso serão suportadas pela R., sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.

Lisboa, 23 de maio de 2024
Paulo Fernandes da Silva
Orlando Nascimento
António Moreira