Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | SOUSA PINTO | ||
Descritores: | SERVIDÃO DE PASSAGEM USUCAPIÃO REQUISITOS | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/22/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | I - Para a constituição duma servidão de passagem com fundamento na usucapião não se exige como seu requisito constitutivo ser-se proprietário de prédio encravado (ao contrário do que sucede com as servidões legais); os pressupostos que estão na base da sua constituição prendem-se sim com a posse sobre o espaço que é utilizado como serventia, com o decurso do tempo, com a sua publicidade e pacificidade. II - As servidões prediais traduzem, vincadamente, uma relação entre prédios: a servidão deve traduzir uma utilidade real de um prédio em favor de outro, ampliando as qualidades naturais de um prédio – o serviente – para outro - o dominante (artºs 1543.º e 1544.º do Código Civil). III - Sendo a servidão um direito real, ainda que menor, é, evidentemente, inerente à coisa, acompanhando-o em todas as suas vicissitudes. Daí que não possa ser separada dos prédios a que pertence (artº 1545.º nºs 1 e 2 do Código Civil). Além de inseparáveis, as servidões prediais estão ainda sujeitas ao princípio da indivisibilidade: a servidão onera todo o prédio dominado a favor de todo o prédio dominante (artº 1546.º do Código Civil). (Sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam neste Tribunal da Relação de Lisboa, I – RELATÓRIO M..., F.... e B..., intentaram acção comum sob a forma de processo ordinário contra C... e S..., tendo pedido que se reconheça a existência duma servidão de passagem a onerar um prédio destes e bem assim que os RR sejam condenados a proceder à abertura de uma vereda que permita a passagem dos AA da estrada até aos seus respectivos prédios. Citados os RR., vieram os mesmos contestar, defendendo a inexistência de tal servidão. Foi realizada a audiência de discussão e Julgamento, com observância de todo o formalismo legal, onde, para além da produção de prova testemunhal, ocorreu a apresentação de documentos e se realizou uma inspecção ao local. Respondeu-se à matéria constante da base instrutória, não se tendo registado qualquer reclamação. Foi proferida sentença, na qual, tendo-se julgado a acção totalmente provada e procedente, se decidiu: 1º Julgo constituída, por usucapião, uma servidão de passagem a onerar os prédios dos Réus inscritos na matriz cadastral da freguesia de Machico, concelho de Machico, sob os artigos ... e ... da Secção “...” e em benefício dos prédios que os AA. são proprietários – inscritos sob os artigos 7º e 20º da Secção “...” da mesma freguesia de Machico. 2º Condeno os RR. a reconhecer a servidão constituída em 1º. 3º Condeno os RR. a procederem à abertura de uma vereda, com 60 cm de largura, desde a Estrada Regional nº ..., ao longo da estrema Leste do prédio ... da Secção “...” ou à ilharga do poço (... da Secção “...”), atravessando depois o prédio ... da mesma Secção, em linha recta, até atingir o muro de suporte de terra, feito pelos RR., no lado Leste do prédio ... da Secção “...”, e daí, através de um lanço de degraus ou escada, a edificar pelos RR., até atingir o muro de suporte traseiro à moradia edificada pelos RR., e no topo deste muro e ao longo de todo ele, manter a passagem ou caminho de 60 cm de largura, que atravesse transversalmente o prédio ... da Secção “...”, até atingir o prédio ... da Secção “...”, tudo como se mostra assinalado a amarelo na planta cadastral junta fls. 30. Inconformados com tal decisão vieram os RR recorrer da mesma, tendo apresentado as suas alegações, nas quais exibiram as seguintes conclusões: a) Os AA. não lograram provar serem proprietários dos prédios rústicos inscritos sob os artgs. ... e ... da Secção “...” da matriz cadastral de freguesia de Machico. De facto, b) Não foi dada como provada a matéria vertida nos Quesitos 2.º e 6.º da Base Instrutória. c) Só os proprietários gozam da faculdade de exigir a constituição de servidão de passagem sobre prédios rústicos vizinhos – art.º 1550.º do C. Civil. d) Por outro lado e sem conceder, a resposta dada ao Quesito 17.º é contraditada pela prova documental carreada para os autos pelos AA. (doc. n.º 15 junto com a p.i.). e) A prova testemunhal deve ceder perante a prova documental. f) A prova documental produzida – e aceite por acordo das partes – impunha que a resposta ao quesito 16.º tivesse sido a de “não provado”. g) E, por idênticas razões, igual resposta de “não provado” deveria ter sido dada à matéria dos quesitos 18.º e 19.º. Por outro lado, h) A resposta dada à matéria do quesito 14.º afigura-se deficiente na medida em que fica sem saber-se qual a parte, em concreto, da vereda que foi destruída pelas obras efectuadas pelos RR: se a parte inicial, se a parte seguinte (lanço de degraus). i) A presente acção está sujeita a registo – al. a), do n.º 1, ao art.º 3.º do C.R.P.. j) Os AA. não procederam a tal registo. k) A falta de registo impunha a suspensão dos autos, findos os articulados – n.º 2 do citado art.º 3.º do C.R.P.. l) Decidindo, como decidiu, a douta sentença recorrida fez errada apreciação da prova e violou, designadamente, o disposto nos artgs. 342.º, 371.º e 1550.º do C. Civil e art.º 3.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do C. R. Predial. Foram apresentadas contra-alegações, nas quais se defendeu a bondade da decisão recorrida e o infundado do recurso. Neste Tribunal, na sessão de 24 de Janeiro de 2008, apreciou-se uma das questões suscitadas pelos apelantes – a que se prendia com a falta de registo da acção – tendo sido proferido acórdão suspendendo a instância até que os autores comprovassem nos autos o registo da acção. O processo baixou à 1.ª instância, sendo que após se mostrar comprovado o registo da acção, foi declarada cessada suspensão da instância tendo os autos sido recebidos neste tribunal para apreciação das demais questões suscitadas no recurso. II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Cumpre agora apreciar e decidir as questões que ainda não foram por nós conhecidas e que os apelantes suscitaram, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artgs. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 690.º, n.º 1, todos do CPC. Há assim que apreciar 2 questões: A - Erro de Julgamento – Inexistência de prova da propriedade dos prédios dos autores B - Impugnação da matéria de facto – artgs. 14.º, 16.º, 17.º, 18.º e 19.º da Base Instrutória III – FUNDAMENTOS 1. De facto Foram os seguintes os factos dados por provados na sentença: 1 – A 22.Jun.69 e a 13.Out.70 faleceram intestados, J... e D..., pais da A. M..., que foram casados em primeiras e únicas núpcias de ambos no regime da comunhão de bens – Alínea A. 2 – A 10.Jan.66 e a 9.Nov.77 faleceram intestados, E... e F.., sogros da A. B..., os quais foram casados em primeiras e únicas núpcias de ambos, no regime da comunhão de bens – Alínea B. 3 - Os RR. são donos do prédio rústico inscrito na matriz cadastral da freguesia de Machico sob o artigo ..., da Secção “...” – Alínea C. 4 - Assim como são donos do prédio rústico inscrito sob o artigo ... da Secção “...” – Alínea D. 5 - Aqueles prédios confrontam pelo norte com a Estrada Regional nº ... – Alínea E. 6 – A Câmara Municipal de Machico embargou a obra – com referência ao artº 22º da petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido – Alínea F. 7 - Os RR. deram assim continuidade às obras - com referência ao artº 22º da petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido – Alínea G. 8 – Da herança deixada por óbito dos pais da A. M..., casada no regime de comunhão de bens com o A. F..., fazia parte o prédio rústico inscrito na matriz cadastral da freguesia de Machico sob o artº ... da Secção “...” – Facto 1º. 9 – Desde finais de 1970, pelo menos, ou seja, há mais de 25 anos, os Autores M... e marido, F..., vêm agricultando o prédio rústico inscrito na matriz predial da freguesia de Machico sob o artº ... da Secção “...”, cavando o seu chão, plantando produtos hortícolas e colhendo estes produtos – Facto 3º. 10 – Os AA. M... e marido, por si e pelos seus antecessores, têm possuído o referido prédio, ininterruptamente, à vista de todos, pacificamente, há mais de 20 e 30 anos, na convicção de que o prédio lhes pertence e sem lesarem ninguém – Facto 4º. 11 – Da herança deixada por óbito de E... e F..., fazia parte o prédio rústico inscrito na matriz cadastral da freguesia de Machico sob o artº ... da Secção “...” – Facto 5º. 12 – O falecido marido da Autora B..., como esta, após o falecimento do seu pai e sogro, pelo menos, ou seja, há mais de 20 anos, passaram a agricultar, directamente ou por interposta pessoa, o prédio rústico inscrito na matriz cadastral da freguesia de Machico sob o artº ..., da Secção “...”, plantando nele diversos produtos agrícolas, colhendo os respectivos frutos, de forma ininterrupta e pacífica, à vista de toda a gente e na convicção de exercerem o correspondente direito de propriedade – Facto 7º. 13 – A Autora B... e o seu falecido marido tiveram filhos – Facto 8º. 14 – Com início na Estrada Regional nº ... e à ilharga de um poço, localizado no prédio rústico inscrito na matriz cadastral sob o artº ... da Secção “...”, existia uma vereda de terra batida, com cerca de 50 centímetros de largura que, após alcançar um poio (porção de terreno), sita a uma cota superior ao prédio antes referido, através de um lanço de três ou quatro degraus, prosseguia para Oeste e Norte, também em terra batida ou calcada, até atingir os prédios rústicos inscritos na matriz sob os artigos ... e ... da Secção “...” – Facto 9º. 15 – A dita vereda era em terra batida, com trilho certo, com cerca de 50 centímetros de largura, onde não crescia vegetação alguma, em contraste com as ervas que bordejavam os lados da mesma vereda – Facto 10º. 16 – Passagem, caminho ou vereda essa que vinha sendo utilizada há mais de 20, 30 e 40 anos, pelos AA., nas qualidades invocadas, e pelos anteriores possuidores dos já identificados prédios rústicos, inscritos na matriz cadastral sob os artigos ... e ... da Secção “...”, da freguesia de Machico, para ali se deslocarem, agricultarem aqueles prédios e deles retirarem produtos da terra – Facto 12º. 17 – Que assim faziam, continuada e ininterruptamente, à vista de toda a gente, na convicção de exercerem um direito próprio, sem oposição de quem quer que seja, nem dos próprios RR – Facto 12º. 18 – Em inícios de 1997, os RR. deram início à construção de uma moradia nos prédios inscritos na matriz sob os artigos ... e ... da Secção “...” – Facto 13º. 19 – Com os trabalhos de escavação e desaterro, foi destruída a parte inicial da vereda referida na resposta ao facto 9º - Facto 14º. 20 – O embargo referido em F) foi levantado porque os RR. se comprometeram a deixar passagem quando executassem o muro de suporte de terras – Facto 15º. 21 – Por ocasião da construção do muro de suporte à partilha com o prédio inscrito na matriz sob o artº ... da Secção “...”, não lançaram uma escada que desse acesso ao prédio antes referido – Facto 16º. 22 – Com a não construção da escada mencionada na resposta ao facto anterior, a terra cultiva no prédio inscrito na matriz sob o artigo ... da Secção “...” deixou de ter comunicação com a Estrada Regional – Facto 17º. 23 – E assim a Autora B... deixou de aí poder cultivar ou agricultar – Facto 18º. 24 – Por se achar encravado ou sem comunicação com a dita Estrada ou qualquer outra – Facto 19º. 25 – O prédio ... da Secção “...”, que dista da ER asfaltada nº ... apenas cerca de 10 metros, também deixou de ter acesso a essa mesma estrada, através da antiga e destruída vereda – Facto 20º. 26 – Os AA. M... e marido, para chegarem até ao prédio ... “...”, têm de subir uma rampa íngreme, com cerca de 150 metros de extensão, cuja embocadura se situa na Estrada Regional, mais a Leste, a uma distância de cerca de 150 m da entrada da antiga vereda e de, no topo da tal subida, atravessarem vários outros prédios – Facto 21º. 27 – Para os AA. M... e marido, F..., atingirem o seu prédio pela vereda antiga e dele escoarem para a Estrada Regional, despendiam poucos minutos, fazendo-o agora por bastante mais, com maior esforço e incomodidade – Facto 22º. 2. De direito Apreciemos então as questões suscitadas pelos recorrentes: A - Erro de Julgamento – Inexistência de prova da propriedade dos prédios dos autores Defendem os apelantes que tendo sido dada resposta negativa aos quesitos 2.º e 6.º da base instrutória, não terão os autores logrado provar serem proprietários dos prédios dominantes, sendo certo que, na sua óptica, só os proprietários gozam da faculdade de exigir a constituição de servidão de passagem sobre os prédios rústicos vizinhos, como estabelece o art.º 1550.º do Código Civil. Discordamos de tal entendimento. Em primeiro lugar há que referir não nos encontramos face a uma servidão legal, como parecem entender os recorrentes, dado terem feito alusão directa ao apontado art.º 1550.º do Código Civil. Na realidade, na presente acção é pedido a constituição duma servidão de passagem com fundamento na usucapião, a qual surge com contornos e requisitos distintos da servidão legal (ou numa melhor acepção, servidão coactiva[1]), sendo certo que ao contrário do que nesta sucede (apontado art.º 1550.º) a lei não fala nunca em proprietários de prédios encravados. Ora, no caso, estamos perante uma servidão que terá sido constituída por usucapião. Como muito bem é referido no acórdão da Relação do Porto no âmbito da apelação n.º 431/05[2]: “As servidões prediais de passagem podem, naturalmente, ser constituídas por usucapião (artº 1547 do Código Civil). A usucapião é, sabidamente, a constituição do direito real correspondente a certa posse, desde que esta se prolongue, com certas características, pelo período legalmente fixado. A usucapião é um modo de aquisição originária de direitos reais: quando opere, é indiferente a anterior titularidade da coisa, bem como quaisquer outros ónus que o titular legítimo anterior teria de suportar. A usucapião requer: uma posse pública e pacífica; correspondente a um direito usucapível; por um período de tempo legalmente bastante. A usucapião não é automática, antes assume um funcionamento potestativo. O beneficiário da usucapião terá de a invocar. Exige-se, portanto, um posse de boa fé – quer dizer, uma posse que, não sendo na sua origem violenta, se constituiu pensando o possuidor que tinham ele próprio, v.g., o direito real de servidão – pacífica – i.e., adquirida sem violência – pública, portanto, exercida de modo a ser conhecida por qualquer interessado, e contínua, o mesmo é dizer, sem ter conhecido qualquer causa de extinção (artºs 1257 nº 1, 1260 nºs 1 e 3, 1261 nºs 1 e 2 e 1262 do Código Civil). Essa situação possessória, desde que seja pacífica e pública, é boa para usucapião, quer dizer, para a constituição ou aquisição originária, facultada ao possuidor, do direito real correspondente a essa posse. E caso essa situação possessória dure, sem qualquer interrupção ou suspensão, pelo lapso de tempo marcado na lei, segue-se a aquisição, originária, daquele direito (artºs 1287, 1289 nº 1, 1292, 1296 e 1316 do Código Civil).” Daqui decorre claramente que para a constituição duma servidão de passagem com fundamento na usucapião não se exige como seu requisito constitutivo ser-se proprietário de prédio encravado; os pressupostos que estão na base da sua constituição prendem-se sim com a posse sobre o espaço que é utilizado como serventia, com o decurso do tempo, com a sua publicidade e pacificidade. De harmonia com a máxima, servitus fundus utililis, esse debet, as servidões prediais traduzem, vincadamente, uma relação entre prédios: a servidão deve traduzir uma utilidade real de um prédio em favor de outro, ampliando as qualidades naturais de um prédio – o serviente – para outro - o dominante (artºs 1543.º e 1544.º do Código Civil). Sendo a servidão um direito real, ainda que menor, é, evidentemente, inerente à coisa, acompanhando-o em todas as suas vicissitudes. Daí que não possa ser separada dos prédios a que pertence (artº 1545.º nºs 1 e 2 do Código Civil). Além de inseparáveis, as servidões prediais estão ainda sujeitas ao princípio da indivisibilidade: a servidão onera todo o prédio dominado a favor de todo o prédio dominante (artº 1546.º do Código Civil). Do que se deixa dito, há pois que concluir não terem razão os recorrentes nas objecções que levantaram, no sentido de face às respostas negativas que foram dadas aos quesitos 2.º e 6.º da base instrutória, não poder ser constituída a servidão em causa, por os autores não serem os proprietários dos prédios dominantes. Acresce que não sendo esse, como já referimos, um dos requisitos inerentes à constituição da servidão de passagem por usucapião, ainda assim sempre se poderia afirmar, face à matéria fáctica que ficou provada, que os autores lograram demonstrar terem adquirido por usucapião a propriedade de tais prédios, bastando para tanto ter presente a matéria constante dos pontos 8, 9, 10, 11 e 12, da factualidade provada constante da sentença. Na realidade, tanto bastaria para que se pudesse afirmar, como foi afirmado na sentença, serem eles detentores de tal direito, pois que a presente acção não exige como requisito da sua procedibilidade a declaração ou a demonstração desse mesmo direito. Como referimos supra, afigura-se-nos que os recorrentes incorreram no erro de terem considerado que a servidão que estava em causa seria uma servidão legal (art.º 1550.º do Código Civil) e não uma servidão constituída por usucapião como efectivamente foi delineada na petição inicial e veio a ser aceite em sede de sentença. Do que se deixa dito, há pois que concluir não terem os apelantes razão nesta questão, improcedendo assim as conclusões do recurso a ela inerentes. B - Impugnação da matéria de facto – artgs. 14.º, 16.º, 17.º, 18.º e 19.º da Base Instrutória Entendem os recorrentes que as respostas dadas aos quesitos 16.º, 17.º, 18.º e 19.º deveriam ser alteradas no sentido de se considerarem como não provadas, pois que o documento junto com a petição inicial sob o n.º 15 (fls. 30) apontaria para que assim se devesse ter respondido, sendo que no seu entender a prova testemunhal deve ceder perante a prova documental. Vejamos o que referiam tais quesitos e as respectivas respostas. Quesito16.º: “Os Réus, quando construíram o muro de suporte de terras do lado leste do seu prédio (... da Secção ...), à Ilharga do prédio ... ..., não lançaram uma escada, como era suposto fazerem, que desse acesso ao prédio da Secção ... ... e que permitisse ainda o acesso, ao longo do muro de suporte traseiro, ao prédio ... da Secção ...?” Resp.: Provado que por ocasião da construção do muro de suporte à partilha com o prédio inscrito na matriz sob o artº ... da Secção “...”, não lançaram uma escada que desse acesso ao prédio antes referido. Quesito 17.º: “Com a destruição da assinalada vereda, a terra cultivada no prédio (... ...) deixou de ter comunicação com a Estrada Regional ...?” Resp.: Provado que com a não construção da escada mencionada na resposta ao facto anterior, a terra cultiva no prédio inscrito na matriz sob o artigo ... da Secção “...” deixou de ter comunicação com a Estrada Regional. Quesito 18.º: “E assim a Autora B... deixou de aí poder cultivar ou agricultar?” Resp.: Provado. Quesito 19.º: “Por se achar encravado ou sem comunicação com a dita Estrada ou qualquer outra?” Resp.: Provado. Os apelantes entendem que tais quesitos deveriam ter a resposta de não provados, simplesmente por, no seu entender, a planta cadastral constante de fls. 30 não permitir concluir que o prédio inscrito na matriz sob o n.º ... ... não confina com a Estrada Regional. Sucede porém que os quesitos em causa falam em “comunicação” e “acesso” e não propriamente em “confinação”. A distinção torna-se importante, pois que a planta cadastral em causa é um documento heliográfico, logo, limita-se a reproduzir de forma planificada uma dada área, não permitindo no entanto aquilatar dos relevos que os espaços encerram. Esses são efectivamente detectados por via de fotografias, como sucede com as que resultaram da inspecção ao local e das que constam de fls. 41, 44, 45 e 46, donde é possível visionar a morfologia do terreno em causa. Ora do conjunto da prova produzida nos autos extrai-se claramente que com a obra efectuada pelos ora apelantes a “comunicação/acesso” (servidão de passagem) que antes existia entre os prédios ... e ... com a Estrada Regional deixou de existir, pelo que bem andou o Senhor Juiz ao ter respondido aos quesitos pela forma como o fez. Acresce dizer, na sequência do que já foi apontado na análise da questão anterior que, no caso em apreço, a natureza da servidão que aqui está em causa (constituída por usucapião) não exige necessariamente que para que a mesma seja reconhecida como existente tenha de haver uma situação de encrave de um prédio sobre outro (como é pressuposto existir nas servidões legais) pelo que a questão da confinação dum dos prédios à Estrada Regional não surja também como relevante para a questão de direito. Entendem ainda os apelantes que a resposta ao quesito 14.º se mostra deficientemente dada, pois que no seu entender ela não permite saber qual a parte da vereda que foi destruída pelas obras. No tocante a este quesito, entendemos que os recorrentes não cumpriram, como lhes competia, o disposto no art.º 690.º-A do Código de Processo Civil, designadamente o estipulado na al. b) do n.º 1 e no n.º 2 de tal preceito legal: “1. Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: (…); b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. 2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 522º-C. Efectivamente os recorrentes não só não indicam qual o teor da resposta que consideravam adequada, como também não fazem referência aos meios probatórios que em concreto poderiam levar à modificação da resposta ao quesito. Nesta conformidade rejeita-se a apreciação desta questão inerente ao quesito 14.º. Assim, face a tudo o que se deixa, há pois que concluir que o recurso não poderá proceder. IV – DECISÃO Por todo o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, nessa conformidade, mantém-se a sentença recorrida. Custas pelos apelantes. Lisboa, 22 de Abril de 2010. (José Maria Sousa Pinto) (Jorge Vilaça Nunes) (João Vaz Gomes) [1] Como é designada por Oliveira Ascensão, “Direitos Reais”, Almedina, 1978, pág. 199, pois que entende que legais são em última análise todas as servidões, na medida em que em abstracto se têm de fundar na lei e em concreto têm um facto constitutivo e não a lei. [2] Em que foi relator o Senhor Juiz Desembargador, Dr. Henrique Antunes |