Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2767/2006-7
Relator: ROQUE NOGUEIRA
Descritores: SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/26/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I- A sanção pecuniária compulsória em que incorre o demandado, vencido em acção inibitória de proibição de cláusulas contratuais gerais, nos termos dos artigos 25º, 32º e 33º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, pressupõe, no caso de o vencido introduzir alteração na cláusula, a resposta à questão prévia de saber se a cláusula actualmente utilizada é ou não substancialmente idêntica àquela que o Tribunal proibiu utilizar.
II- Ora, essa coincidência substancial ocorre quando em ambas as cláusulas se permite que o Banco possa cancelar o cartão de débito/ crédito, dentro do período de respectiva validade, sem que, para isso, tenha de apresentar qualquer justificação.
III- Com efeito, apesar de a nova cláusula prever um período de pré-aviso para que o Banco possa proceder à denúncia do contrato, o que não se verificava na anterior cláusula, uma tal alteração é meramente formal porquanto, atento o quadro negocial padronizado, isto é, encarando as condições gerais de utilização dos cartões no seu conjunto, verifica-se que se trata de contratos de prestações duradouras por tempo determinado, devendo a denúncia ser feita para o termo do prazo de renovação destes e não em pleno período da sua validade, pois o cancelamento, dentro desse período, traduz resolução e não denúncia.

(SC)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

1 – Relatório.

Na 9ª Vara Cível de Lisboa, Deco – Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor requereu a aplicação de sanção pecuniária compulsória contra o Banco […] S.A., alegando que, por Acórdão de 28/6/01, do Tribunal da Relação de Lisboa, a requerida foi condenada a abster-se de utilizar, em todos os contratos que de futuro viesse a realizar com os seus clientes, a cláusula nº5.2 constante dos seus contratos de utilização de cartão de débito/crédito […], por ter considerado inadmissível a livre denúncia do contrato por parte do Banco, sem qualquer justificação ao cliente.

Mais alega que, não obstante, a requerida mantém actualmente nos seus contratos uma cláusula substancialmente idêntica à que foi declarada nula, o que a requerente verificou ter acontecido pelo menos em dois contratos, já que, apenas inseriu um prazo de aviso prévio de 15 dias, que, aliás, se revela claramente insuficiente.

Alega, ainda, que, desse modo, a requerida infringe a obrigação de se abster de utilizar as cláusulas contratuais gerais que foram objecto de proibição definitiva por decisão transitada em julgado, constante do art.33º, nº1, do DL nº446/85, de 25/10, pelo que, incorre numa sanção pecuniária compulsória.

Conclui, assim, que, verificando-se a existência de, pelo menos, duas infracções, deve ser decretada a aplicação de sanção pecuniária compulsória no valor de € 59.855,76.

Ouvida a requerida, veio alegar que deu total aplicação ao citado Acórdão, pois que, alterou as cláusulas em causa e apôs um prazo de denúncia cuja duração provém das directrizes do Banco de Portugal.

Mais alega que só após decisão judicial que, porventura, determine serem as novas cláusulas «substancialmente idênticas» às anteriormente sindicadas e seu não acatamento, é que haverá infracção subsumível à previsão do citado art.33º, nº1.

Conclui, deste modo, que deve ser inteiramente indeferido o requerimento da «Deco».

Seguidamente, foi proferida decisão, julgando justificada a aplicação à requerida de uma sanção pecuniária compulsória e fixando-a no valor de € 25.000,00 pelo comportamento registado, e, bem assim, na quantia de € 2.500,00, sempre que, após trânsito em julgado da decisão, se verifique a utilização da cláusula em questão em contratações individuais.

Inconformada, a requerida interpôs recurso de apelação daquela decisão.

Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2 – Fundamentos.

2.1. A recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões:

I - Ao redigir, na sequência do douto acórdão de 28 de Junho de 2001, do Tribunal da Relação de Lisboa, nova cláusula disciplinando o prazo de denúncia o banco
recorrente fixou o prazo de quinze dias.

II - O decreto-lei n.° 446/85, de 25 de Outubro aceita a possibilidade de proceder à denúncia, desde que (alínea f) do seu artigo 19.°) feita com pré-aviso suficiente ou (alínea b) do seu artigo 22.°) com pré-aviso adequado.

III - O prazo de quinze dias, indicado na nova redacção da cláusula em causa, é suficiente para acautelar os vários interesses em causa, nomeadamente os do utente do
cartão.

IV - Acresce que, ao inserir esse prazo nos seus cartões de crédito, o banco norteou-se pelo prazo estabelecido em aviso do Banco de Portugal, autoridade de supervisão, e não por qualquer tipo de considerações ou de interesses que, total ou tão só parcialmente, lhe aproveitassem.

V - Para a hipótese de se considerar ser indispensável ou ao menos útil submeter esta afirmação à prova, o banco recorrente arrolou testemunhas, contudo não ouvidas.

VI - Falta, assim, qualquer base objectiva para entender dever ser outro o prazo de denúncia a indicar nas condições gerais de utilização dos cartões de crédito emitidos e postos em circulação pelo banco ora recorrente, designadamente o prazo de trinta dias indicado no douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Novembro de
1999.
VII - O prazo de trinta dias (30 dias) constante do douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Novembro de 1999, não tem aqui qualquer aplicação, considerando que na situação em debate nesse Acórdão do S.T.J., a discussão centrava-se em torno de uma cláusula contratual geral, relativa à resolução contratual no âmbito de um contrato de seguro.

VIII - Ora, nestes autos está em causa uma cláusula de denúncia e um contrato de utilização de cartão de crédito.

IX - De resto, tal como no caso do prazo de quinze dias, a adopção do prazo de trinta dias também foi feita em função de critérios objectivos (cfr. artigo 5/1, do
Decreto-lei n.° 105/94, de 23 de Abril).

X - Ao decidir em contrário, a douta sentença recorrida violou os artigos 10.°, 19.°, alínea f), 22.°, alínea b) e 32.°, todos do decreto-lei n.° 446/85, de 25 de Outubro.
XI - A sanção compulsória fixada ultrapassa os limites legais previstos na lei, sendo que tais limites têm natureza imperativa.

Deve pois ser revogada a douta sentença recorrida e substituída por outra que julgue que o prazo de quinze dias para a produção dos efeitos da denúncia contratual, no âmbito das cláusulas contratuais gerais, não viola nem a alínea f) do artigo 19.° nem a alínea b)do artigo 22.°, em qualquer dos casos, do Decreto-lei n.° 446/85, de 25 de Outubro.
Ou, em alternativa,

se, porventura, assim não o vier a admitir - o que se aceita sem conceder mas, apenas e tão somente, por mera cautela de patrocínio - que, nos termos e pelos motivos já mais acima indicados, modifique, procedendo à sua redução, os limites da sanção compulsória constante da douta sentença recorrida.

2.2. A recorrida contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:

1. O apelante ao retomar nesta sede a discussão sobre a validade e justeza do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, está a desrespeitar o caso julgado - excepção que
se invoca - pelo que, sem mais considerações, não deverá esse venerando tribunal tomar conhecimento do mérito do recurso.

2. Quando assim se não entenda e sem conceder, decidiu bem a douta sentença recorrida ao considerar que o ora apelante desrespeitou o acórdão do Tribunal da
Relação de Lisboa de 28/06/2001 ao não alterar a cláusula 6 al. j) dos formulários juntos aos autos, porquanto continuou a não prever qualquer motivo justificativo para
o cancelamento do cartão ou para a sua não renovação no final da validade.

3. A cláusula em análise não contém uma verdadeira denúncia mas sim uma resolução contratual.

4. O prazo de quinze dias é manifestamente insuficiente, pelo que não acautela devidamente os direitos do titular do cartão.

5. Decidiu igualmente bem a douta sentença recorrida ao aplicar uma sanção pecuniária compulsória ao ora apelante no valor de 25.000,00 euros, uma vez que não excede o dobro da alçada do Tribunal da Relação e, tendo em conta o número de infracções e as circunstâncias do caso concreto, se revela adequada aos fins para que foi
estabelecida.

2.3. São os seguintes os factos constantes dos autos que têm interesse para a decisão do presente recurso:

- Por sentença proferida em 2/8/00, na 9ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, a cláusula respeitante ao cancelamento do cartão de forma unilateral e sem aviso prévio, ou seja, no caso, a cláusula 5.2 do cartão […], foi declarada nula, por ao consumidor não ter sido conferida a possibilidade de beneficiar de pré-aviso ou de prazo razoável para que a denúncia ou a resolução do contrato produzisse efeito, o que traduz violação do disposto nos arts.19º, al.f) e 22º, nº1, al.b), do DL nº446/85 (cfr. fls.548 e 549).

- Naquela sentença, foi a ré condenada a não mais utilizar a referida cláusula nos seus contratos com os particulares, fazendo-a desaparecer dos clausulados-tipo das respectivas «Condições Gerais», e, ainda, a dar publicidade à proibição, nos termos aí mencionados (cfr. fls.550).

- Tendo a ré interposto recurso daquela sentença, foi proferido o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28/6/01, onde se julgou o mesmo improcedente e se manteve o decidido na 1ª instância (cfr. fls.694 e segs.).

- Nesse Acórdão considerou-se que a cláusula em questão permite que o predisponente – que não o cliente – possa denunciar livremente o contrato sem justificação, o que é expressamente proibido pelos arts.19º, al.f) e 22º, nº1, al.b), do DL nº446/85, de 25/10 (cfr. fls.712 v.º). E referiu-se, ainda, no mesmo Acórdão: «Como acentua o Ac. da Rel. de Lx. de 26.11.1998 (C.J. 1998, 111) esta faculdade pode causar danos, incómodos e transtornos à contra parte, designadamente ao cliente/aderente, que pode ver frustrada a legítima expectativa de crédito assente na utilização do cartão e que instantaneamente vê ser-lhe negada sem qualquer justificação, nem aviso.

Bem se compreende que aqueles preceitos firam de nulidade tais cláusulas.

Este entendimento poder confortar-se com o decidido nos Acórdãos do STJ, de 23.11.2000, C.J. 2000, 3, pág.137 e Ac. Rel. Lx. de 4.2.1999, C.J. 1999, 1, 106» (cfr. fls.713).

- Tendo a ré Banco […] S.A., interposto recurso daquele Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, foi negada a respectiva revista, por Acórdão do STJ, de 4/6/02 (cfr. fls.881 e segs.).

- São do seguinte teor as cláusulas 5.1 e 5.2 das condições gerais de utilização do cartão […] :

«5.1 O cartão […] terá um prazo de validade que figurará impresso na frente do mesmo e, sem prejuízo da sua substituição em tempo oportuno, não poderá ser utilizado em data posterior à da referida validade.

5.2 Não obstante, o Banco […] reserva-se o direito de cancelar o Cartão em qualquer momento do prazo de validade do mesmo, assim como o de proceder à sua revalidação no final da validade, sem que para isto tenha que apresentar qualquer justificação, perdendo o seu titular e portador todos os direitos inerentes à sua posse e uso» (cfr. fls.31).

- Em contrato recolhido pela requerente, durante o mês de Outubro de 2002, nas instalações da requerida sitas na Praça do Chile, em Lisboa, consta a cláusula nº6, al.j), que se transcreve: «Em outras situações, o Banco poderá cancelar o cartão dentro do período de validade e proceder à denúncia do presente contrato desde que comunique essa intenção ao Titular com pré-aviso de 15 dias relativamente à data em que se pretende proceder ao cancelamento. Decorrido o prazo de pré-aviso, o Banco fica autorizado a impedir a utilização do cartão, permanecendo o Titular responsável por todas as utilizações efectuadas com o cartão até ao momento da recepção deste pelo Banco» (cfr. fls.994 v.º).

- Em contrato recolhido pela requerente, durante o mês de Junho de 2003, nas instalações da requerida sitas na Av. Guerra Junqueiro, em Lisboa, consta a cláusula nº6, al.j), precisamente do mesmo teor da anterior (cfr. fls.995 v.º).
- Na decisão recorrida considerou-se, após citações retiradas do mencionado Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28/6/01, que a proibição contida nos arts.19º, al.f) e 22º, nº1, al.b), do DL nº446/85, abrange não só a falta de pré-aviso adequado para a denúncia, mas também as situações em que tal denúncia possa ser imotivada, pelo que, a alteração da redacção da referida cláusula 5.2, por continuar a não prever qualquer motivação para a efectivação da denúncia, viola o decidido nos presentes autos, justificando, assim, a aplicação à requerida de uma sanção pecuniária compulsória (cfr. fls.1015 v.º e 1016).

2.4. As questões que importa apreciar são as seguintes:

1ª - saber se a referida cláusula nº6, al.j), incluída em contratos que a requerida celebrou depois do trânsito em julgado da decisão que proibiu definitivamente a cláusula nº5.2, se equipara substancialmente a esta, e se, por isso, não podia ser incluída nos aludidos contratos, nos termos do disposto no art.32º, nº1, do DL nº446/85, de 25/10;
2ª - saber se a sanção pecuniária compulsória fixada na decisão recorrida, ao abrigo do disposto no art.33º, do citado DL, ultrapassa os limites legais aí previstos, devendo proceder-se à sua redução.

2.4.1. A decisão que proibiu definitivamente a cláusula 5.2 consta da sentença proferida na 1ª instância, em 2/8/00, tendo a ré, ora recorrente, sido condenada, além do mais, a não utilizar a referida cláusula nos seus contratos com os particulares, fazendo-a desaparecer dos clausulados-tipo das respectivas condições gerais, por ao consumidor não ter sido conferida a possibilidade de beneficiar de pré-aviso ou de prazo razoável para que a denúncia ou a resolução do contrato produzisse efeito, o que traduz violação do disposto nos arts.19º, al.f) e 22º, nº1, al.b), do DL nº446/85, de 25/10. Por seu turno, o aludido Acórdão da Relação de Lisboa, de 28/6/01, manteve o decidido naquela sentença, por considerar que a cláusula em questão permite que o predisponente possa denunciar livremente o contrato sem justificação, o que é expressamente proibido pelos citados artigos, podendo tal faculdade causar danos e incómodos à outra parte, por ver frustrada a legítima expectativa de crédito assente na utilização do cartão, já que, vê instantaneamente ser-lhe negada, sem qualquer justificação, nem aviso. Por último, o mencionado Acórdão do STJ, de 4/6/02, limitou-se a negar a revista.

Entretanto, após o trânsito em julgado daquela decisão proferida na 1ª instância, foram detectadas duas situações de contratos em que o BCP fez inserir a cláusula nº6, al.j), que lhe confere o poder de cancelar o cartão dentro do período de validade e proceder à denúncia do contrato, desde que comunique essa intenção ao titular com pré-aviso de 15 dias relativamente à data em que se pretende proceder ao cancelamento.

Por conseguinte, a questão fulcral que interessa analisar consiste em saber se esta cláusula, que é formalmente diferente da cláusula 5.2, se lhe equipara substancialmente, atento o disposto no art.32º, nº1, do citado DL nº446/85. Na verdade, nos termos deste artigo, «As cláusulas contratuais gerais objecto de proibição definitiva por decisão transitada em julgado, ou outras cláusulas que se lhes equiparem substancialmente, não podem ser incluídas em contratos que o demandado venha a celebrar, nem continuar a ser recomendadas». Acrescentando o nº1, do art.33º, do mesmo diploma legal, que «Se o demandado, vencido na acção inibitória, infringir a obrigação de se abster de utilizar ou de recomendar cláusulas contratuais gerais que foram objecto de proibição definitiva por decisão transitada em julgado, incorre numa sanção pecuniária compulsória que não pode ultrapassar o dobro do valor da alçada da Relação por cada infracção». Sendo que, nos termos do nº2, do mesmo art.33º, «A sanção prevista no número anterior é aplicável pelo tribunal que apreciar a causa em 1ª instância, a requerimento de quem possa prevalecer-se da decisão proferida, devendo facultar-se ao infractor a oportunidade de ser previamente ouvido».

Do que se trata, pois, é de saber se a demandada, vencida na acção inibitória, infringiu ou não a obrigação de abstenção a que alude o citado art.33º, nº1. O que, no caso, implica a resposta à questão prévia de saber se a cláusula usada – nº6, al.j) – é ou não substancialmente idêntica à que se encontra especificada na sentença da 1ª instância – nº5.2.

Nos termos do art.22º, nº1, al.b), são proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, as cláusulas contratuais gerais que «Permitam, a quem as predisponha, denunciar livremente o contrato, sem pré-aviso adequado, ou resolvê-lo sem motivo justificativo, fundado na lei ou em convenção». Na decisão recorrida considerou-se que a proibição contida naquele preceito abrange, não só a falta de pré-aviso adequado para a denúncia, mas também as situações em que tal denúncia possa ser imotivada, pelo que, continuando a nova cláusula a não prever qualquer motivação para a efectivação da denúncia, viola o decidido nos presentes autos. Daí que se tenha concluído pela aplicação à requerida de uma sanção pecuniária compulsória.

Vejamos.

O que aquela al.b) proíbe é que se clausule a denúncia livre do contrato, isto é, sem pré-aviso adequado, e, por outro lado, a resolução sem motivo justificado, fundado na lei ou em convenção. Aliás, resulta do disposto no art.432º, nº1, do C.Civil, que esta faculdade de resolução deriva da lei ou de convenção das partes. Quanto à denúncia, a nossa lei não disciplina tal figura em termos gerais, mas apenas para certos casos. Assim, umas vezes o denunciante pode exercer essa faculdade «ad libitum» (arts.629º, nº2 e 1054º, do C.Civil), embora, porventura, com observância de prazo (art.1055º), ao passo que, outras vezes, se exigem fundamentos estritamente indicados, como por exemplo, quanto à denúncia do contrato pelo senhorio (cfr. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9ª ed., pág.288). Segundo este último autor, a denúncia analisa-se na manifestação da vontade de uma das partes, em contratos de prestações duradouras, dirigida à sua não renovação ou continuação, apresentando, assim, duas características: é exclusiva dos contratos com prestações duradouras e deve fazer-se para o termo do prazo da renovação destes, salvo tratando-se de contratos por tempo indeterminado. Nestes últimos contratos, acrescenta, deve admitir-se a denúncia sem uma específica causa justificativa, dada a tutela necessária da autonomia dos sujeitos, que fica comprometida por um vínculo demasiado longo, tornando-se, porém, indispensável um aviso prévio, cuja antecedência adequada se apura tendo em conta as circunstâncias de cada situação concreta, com o objectivo de evitar à contraparte desvantagens não razoáveis (cfr., ob.cit., págs.288 e 289). Quanto à resolução, esta define-se como o acto de um dos contraentes dirigido à dissolução do vínculo contratual, em plena vigência deste, e que tende a colocar as partes na situação que teriam se o contrato não se houvesse celebrado, produzindo, em princípio, os mesmos efeitos da nulidade ou anulabilidade do negócio, sendo que, nos contratos de execução continuada ou periódica, somente abrange as prestações já efectuadas, se, entre elas e a causa da resolução, existir um vínculo que o legitime (cfr. os arts.433º e 434º, nº2, do C.Civil, e, ainda, ob.cit., págs.285 e 287).

No caso sub judice, não se está perante contratos de duração indeterminada, pois que, resulta das condições gerais de utilização dos cartões que os mesmos têm um determinado prazo de validade neles gravado, em geral, um ano (cfr. as cláusulas nºs 2, al.e), 4, 6, als.c) e k), e 8, a fls.994 v.º). Trata-se, pois, de contratos de prestações duradouras por tempo determinado, pelo que, a denúncia deve fazer-se para o termo do prazo da sua renovação. Daí que, na referida cláusula 4 se estabeleça que «O cartão tem gravado um prazo de validade e não poderá ser utilizado para além desse período. O Banco poderá, no termo do prazo de validade, proceder à renovação do cartão, desde que o Titular a isso não se oponha nos 30 dias que precedem o respectivo termo de validade».

Assim sendo, a nosso ver, não há que falar em falta de motivo justificativo, enquanto reportado à denúncia do contrato. Todavia, já faz todo o sentido aludir-se a essa falta, em relação à resolução, que necessita de ser motivada. Ora, no caso dos autos, o que se passa é que, tal como, aliás, defende a recorrida, também entendemos que a cláusula nº6, al.j), não contém uma verdadeira denúncia, mas sim uma resolução. É que o Banco poderá cancelar o cartão dentro do período de validade e proceder à «denúncia» com pré-aviso de 15 dias. Isto é, a chamada «denúncia» mais não é do que o acto de um dos contraentes dirigido à dissolução do vínculo contratual, em plena vigência deste. Que o mesmo é dizer, tal acto mais não é do que uma resolução, não se exigindo, contudo, naquela cláusula, que o mesmo seja motivado, o que contraria o disposto na al.b), do nº1, do art.22º.

Com a citada alínea o que se pretendeu foi afastar as cláusulas que confiram, a quem as predisponha, a faculdade de denunciar livremente o contrato, sem pré-aviso adequado, ou de o resolver sem motivo justificativo, que resulte da lei ou de convenção. Por seu turno, com a decisão proferida na acção inibitória, o que se pretendeu foi assegurar aos titulares dos cartões em causa a utilização do serviço que contrataram e com o qual estão a contar, evitando que de um momento para o outro deles se vejam privados, sem invocação de qualquer fundamento, antes de poderem providenciar de outro modo. Ora, a cláusula nº6, al.j), apesar de prever um pré-aviso de 15 dias para aquilo a que chama «denúncia», acaba por permitir, tendo em conta o quadro negocial padronizado, que os titulares dos cartões sofram danos e incómodos, por se verem deles privados, sem qualquer justificação, com a inerente frustração da legítima expectativa de crédito que a sua utilização implica.

O que significa que tal cláusula é substancialmente idêntica à anterior cláusula nº5.2. Na verdade, em ambas se permite que o Banco possa cancelar o cartão dentro do período de validade, sem que, para isso, tenha que apresentar qualquer justificação. É certo que a nova cláusula prevê o referido pré-aviso para que o Banco possa proceder à chamada denúncia do contrato. Só que, como já vimos, essa alteração é meramente formal, porquanto, atento o quadro negocial padronizado, isto é, encarando as condições gerais de utilização dos cartões no seu conjunto, verifica-se que se trata de contratos de prestações duradouras por tempo determinado, onde a denúncia deve ser feita para o termo do prazo de renovação destes e não em pleno período da sua validade. Sendo que, o cancelamento dentro deste período traduz resolução e não denúncia. Resolução essa que seria admitida sem invocação de motivo justificativo, à semelhança do que acontecia no âmbito da cláusula objecto de proibição definitiva.

Assim sendo, consideramos que a questão de saber se o prazo de 15 dias, indicado na nova cláusula, é suficiente ou não para acautelar, nomeadamente, os interesses do utente do cartão, é uma falsa questão, ou, pelo menos, sempre teria que se entender que a decisão dela estaria prejudicada pela solução atrás defendida.

Haverá, deste modo, que concluir que a cláusula nº6, al.j), incluída em contratos que a requerida celebrou depois do trânsito em julgado da decisão que proibiu definitivamente a cláusula nº5.2, se equipara substancialmente a esta, e que, por isso, não podia ser incluída nos aludidos contratos, nos termos do disposto no art.32º, nº1, do DL nº446/85, de 25/10.

2.4.2. Resolvida a questão prévia de saber se a cláusula usada é ou não substancialmente idêntica à que se encontra especificada na sentença, e tendo-se concluído pela afirmativa, dúvidas não restam que a demandada, ora recorrente, vencida na acção inibitória, incorre numa sanção pecuniária compulsória, que, nos termos do nº1, do art.33º, não pode ultrapassar o dobro do valor da alçada da Relação por cada infracção. Entende, porém, a recorrente que a sanção compulsória fixada - € 25.000,00 – ultrapassa os limites legais previstos na lei, pelo que, deve ser reduzida.

Mas não tem razão. É que, sendo a alçada da Relação de € 14.963,94, o dobro atinge o valor de € 29.927,88. Logo, os € 25.000,00 fixados na decisão recorrida não atingem, sequer, o montante máximo previsto na lei. Consequentemente, não tem que ser reduzido o valor da sanção aplicada naquela decisão. Segundo Almeida Costa e Menezes Cordeiro, in Cláusulas Contratuais Gerais, pág.65, o quantitativo da sanção a aplicar, em concreto, será eminentemente variável, dependendo do prudente arbítrio do tribunal. Razão pela qual, a lei se limitou a fixar o valor máximo, que, no entanto, no caso, não foi ultrapassado, ao contrário do que alega a recorrente, não havendo, pois, que proceder à sua redução.

Improcedem, assim, as conclusões da alegação da recorrente.
3 – Decisão.

Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão apelada.

 Custas pela apelante.

Lisboa, 26 de Setembro de 2006

(Roque Nogueira)
(Pimentel Marcos)
(Abrantes Geraldes)