Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
19749/19.8T8LSB-E.L1-1
Relator: RENATA LINHARES DE CASTRO
Descritores: PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
VENDA DE IMÓVEL
CASA DA MORADA DE FAMÍLIA
EXECUÇÃO FISCAL
CONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/29/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. A limitação prevista no n.º 2 do artigo 244.º do CPPT, segundo a qual a Autoridade Tributária não poderá promover a venda do imóvel penhorado que corresponda à casa de morada de família do devedor e respectivo agregado familiar (habitação própria e permanente) tem aplicação restrita no âmbito das execuções fiscais, não podendo ser transposta para o processo de insolvência.
II. Neste último, uma vez apreendido para a massa insolvente o imóvel que corresponda à casa de morada de família, inexiste fundamento legal para que não se proceda à sua venda, no âmbito do competente apenso de liquidação, sem prejuízo da possibilidade da dispensa desta última a que alude o artigo 171.º do CIRE.
III. A tal conclusão não obsta a circunstância de, na pendência do processo de insolvência, os devedores terem liquidado todo o seu passivo, com excepção do crédito reclamado pela Autoridade Tributária (permanecendo o Estado como único credor), tanto mais que sempre a venda será promovida pelo Administrador da Insolvência (e não por aquela credora).
IV. Entendimento que não ofende os princípios constitucionais da proporcionalidade e do direito à habitação – artigos 18.º, n.º 2 e 65.º, n.º 1, ambos da CRP.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as juízas na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa.

I - RELATÓRIO
Por sentença proferida em 02/11/2019, já transitada em julgado, foi declarada a insolvência de J … e de M ….
Em 27/12/2019, o administrador de insolvência (AI) juntou aos autos o relatório a que alude o artigo 155.º do CIRE.
Para a massa insolvente foi apreendido apenas um bem imóvel (cfr. auto de apreensão de 07/01/2020 junto ao apenso C).
Por despacho de 13/03/2020, para além do mais, foi determinado o prosseguimento do processo para liquidação do activo, nos termos prescritos pelos artigos 158.º e ss. do mesmo código[1].
Em 21/04/2020 foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos, a qual já transitou em julgado (apenso A).
Por despacho de 03/09/2020, no seguimento de os insolventes terem manifestado intenção de chegar a acordo com todos os credores, o tribunal a quo pronunciou-se nos seguintes termos: “Visto, sempre se recordando aos Devedores que caso estes venham a estabelecer acordos de pagamento com todos os credores reconhecidos no âmbito do presente processo de insolvência e obtenham o consentimento destes para o encerramento do processo de insolvência (sem a liquidação do imóvel apreendido nos autos) deverão dar cumprimento ao preceituado no art.º 231º, n.º 2, do CIRE.”
E, em despacho de 02/03/2021, decidiu: “(…) por se legalmente inadmissível a apresentação requerida de um plano de pagamento nesta fase do processo por parte dos Insolventes, não se admite o plano de pagamento apresentado, indeferindo-se, por conseguinte, o requerido.”
Por requerimento apresentado em 03/08/2021, os insolventes peticionaram: “a) Seja desde já suspenso, e posteriormente encerrado, sem venda, o Leilão Electrónico de referência LO801762021; // b) Seja o Ministério Público notificado, nos termos e para os efeitos do artigo 231.º, n.º 2 do C.I.R.E., do conteúdo do presente Requerimento.”[2] E, em novo requerimento de 20/08/2021, requereram que fosse “proferida decisão de encerramento dos presentes autos de insolvência, ao abrigo do artigo 231.º, n.º 2 do C.I.R.E., em face do pagamento integral ao Banco Santander Totta, S.A. e à NOS, e ao deferimento do pagamento em prestações quanto à Autoridade Tributária, e da não oposição dos Credores.”
Após outras vicissitudes processuais, por decisão proferida em 20/01/2022 foi indeferido o requerido encerramento do processo, cujo prosseguimento foi ordenado[3].
Já em sede de liquidação, por requerimento de 27/11/2023, vieram os insolventes requerer ao tribunal que determinasse a “isenção da liquidação da casa de morada de família” dos mesmos e decidisse “no sentido do encerramento” do processo.  
Para tanto alegaram: - terem liquidado integralmente a dívida a praticamente todos os seus credores, com excepção da referente à autoridade tributária e aduaneira; - esta última dívida foi alvo de um acordo de pagamento em prestações, já deferido; - o imóvel apreendido corresponde à casa de morada de família do casal, destinando-se à sua habitação própria e permanente; - o artigo 244.º, n.º 2 do CPPT impede a venda do imóvel que esteja afecto a tal destino; - considerando que apenas permanece como credor a AT, o citado preceito tem aplicação nos autos; - a situação económica, social e familiar dos insolventes é precária (tem ambos mais de 60 anos e uma saúde frágil, vivem com dois filhos e não dispõem de outra habitação); - a liquidação não deverá prosseguir, devendo ser assegurado o “direito condigno à habitação dos insolventes e do seu agregado familiar”, tanto mais que a AT não fica prejudicada (o pagamento em prestações satisfaz o direito de crédito da mesma); - a prosseguir a liquidação ocorre violação do princípio da proporcionalidade, designadamente por violação dos subprincípios da necessidade e da racionalidade.
O AI opôs-se a tal pretensão por requerimento apresentado em 30/11/2023, alegando que a casa de morada de família própria é “insusceptível de exclusão da execução insolvencial”, não estando protegida por uma “impenhorabilidade ex lege”; encontrar-se ainda em dívida o crédito da AT (no montante global de 133.984,55€); a requerida isenção contrariar a finalidade que subjaz ao processo (satisfação dos credores); terem os insolventes outros mecanismos legais que permitem a manutenção do imóvel no seio familiar (dispensa de liquidação ou recurso ao direito de remição). Em novo requerimento de 20/12/2023 reiterou tal posição.
O Ministério Público, em 17/01/2024, aderiu à posição do AI, pugnando pelo prosseguimento da liquidação.
Por despacho proferido em 15/02/2024, a Mma. Juíza a quo indeferiu a requerida isenção de liquidação.
Para tanto consignou-se em tal despacho:
(…) a massa insolvente abrange a totalidade do património do devedor à data da declaração de insolvência, inclusive a casa de morada de família, não sendo aplicável ao processo insolvencial as regras do processo de execução fiscal nomeadamente o disposto no art.º 244.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, termos que terá de improceder o fundamento invocado. // No que concerne à difícil situação económica, social e familiar dos Insolventes, apenas cumpre dizer o CIRE, na remissão operada pelo nº5 do art. 150º do CIRE para o art. 862º do CPC, e deste para os artº 863º a 866º do CPC tem outros mecanismos, que caso se justifiquem e se comprovem, permitem acautelar os problemas invocados. // Isentar de liquidação o único bem a liquidar, contra a vontade do credor, porque a situação económica, social e familiar dos Devedores é difícil, não só não tem fundamento legal como não tem assento constitucional porque o direito do credor à satisfação do seu crédito concretiza-se por via da garantia que o património do devedor representa (arts. 601.º e 817.º do Cód. Civil). // Pelo exposto, e como já sobejamente expostos no despacho de 20.01.2022, nada justifica que se prolongue, mais do que já se verificou, a fase da liquidação, devendo os autos prosseguir os seus termos. (…)
Inconformados com tal despacho, os insolventes dele interpuseram RECURSO, tendo formulado as CONCLUSÕES que aqui se transcrevem:
“1. O despacho recorrido, ao indeferir o pedido dos Recorrentes para a isenção da liquidação da casa de morada de família, com fundamento na alegada falta de aplicação, ao caso dos autos, das regras do processo de execução fiscal (nomeadamente, do disposto no artigo 244.º, nº 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário), consubstanciou uma errada interpretação e aplicação da Lei e da Constituição:
Da errada interpretação e aplicação da Lei
2. No decurso do presente processo, os Recorrentes liquidaram integralmente a dívida a todos os seus credores privados, tendo, apenas, ficado por satisfazer a dívida à Autoridade Tributária e Aduaneira, ou seja, ao Estado (cfr. autos).
3. Não obstante, encontra-se apreendida a casa de morada de família, que se destina exclusivamente à habitação própria e permanente dos Recorrentes.
4. A liquidação da casa de morada de família dos Recorrentes, no presente processo de insolvência, vai destinar-se unicamente à satisfação de um crédito do Estado proveniente de dívidas fiscais.
5. Ora, o legislador tem introduzido restrições à venda de imóvel que seja habitação própria e permanente do devedor, com base na função social do Estado de assegurar o direito à habitação, entre as quais a alteração legislativa ao Código de Procedimento e de Processo Tributário que passou a estabelecer que não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar quando o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim (cfr., entre outros, art.º 244.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
6. No presente processo de insolvência (tal como ocorre no processo de execução fiscal), não existem quaisquer interesses jurídico-privados a tutelar (ou seja, não existem quaisquer credores privados), sendo os créditos fiscais os únicos que permanecem por satisfazer, entendendo a Jurisprudência que, nestes casos, a satisfação do crédito do Estado se deve subordinar ao dever constitucional do Estado de assegurar uma habitação condigna (cfr., com relevância, excerto do acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul de 17/10/2019, acima transcrito).
7. A limitação à venda da casa de habitação dos devedores que, nos termos do artigo 244º, nº 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, vigora no âmbito do processo de execução fiscal, justifica-se plenamente no caso concreto do presente processo de insolvência.
8. Não tem razão o Tribunal “a quo” quando se escuda na redação do artigo 46.º do CIRE, nos termos da qual a massa insolvente abrangeria todo o património do devedor, pois também consta expressamente da letra do referido artigo que a massa insolvente abrange todo o património do devedor “salvo disposição em contrário” (sublinhado e negrito nossos) (cfr. art.º 46.º, n.º 1 do CIRE).
9. No caso dos presentes autos e contrariamente ao que acontece com a generalidade dos processos de insolvência, não existem quaisquer interesses privados em jogo (não há nenhum outro credor para além do Estado) que pudessem justificar o afastamento da aplicação da norma decorrente do artigo 244.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
10. O processo de insolvência com liquidação consiste, na prática e do ponto de vista material, numa ação executiva para pagamento de quantia certa, sendo que, no caso concreto, a atual dívida dos Recorrentes corresponde unicamente a uma dívida de natureza fiscal, pelo que o presente processo de insolvência representa tal e qual um processo de execução fiscal.
11. Estando em causa a proteção de uma situação em que os devedores insolventes, por via do incumprimento de dívidas fiscais, estão em risco de ficar desalojados e sem abrigo e porque, no presente caso, não estão em causa quaisquer interesses de credores privados, tem plena aplicação ao caso a restrição da venda da casa de morada de família decorrente, designadamente, do disposto no artigo 244.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Em suma,
12. Ao indeferir o pedido dos Recorrentes de isenção de liquidação da sua casa de morada de família com fundamento na alegada falta de aplicação, ao caso dos autos, das regras do processo de execução fiscal, o Tribunal “a quo” violou as disposições conjugadas dos artigos 46.º, n.º 1, 149.º, n.º 1 do CIRE e, ainda, do artigo 244.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário,
13. Porquanto deveriam as normas jurídicas decorrentes de tais disposições ter sido interpretadas e aplicadas pelo Tribunal “a quo” no sentido do deferir o pedido dos Recorrentes de isenção de liquidação da sua casa de morada de família – razão pela qual deverá a decisão recorrida ser substituída por outra que assim decida, conforme à correta interpretação das acima referidas normas.
Da errada interpretação e aplicação da Constituição
14. Nos presentes autos, os Recorrentes alegaram e demonstraram estar a atravessar uma situação económica, social e familiar extremamente precária, designadamente em decorrência: da constituição do seu agregado familiar (cfr. relatório do administrador de insolvência de 27/12/2019, constante dos autos); da sua idade avançada (65 e 62 anos); da falta de disponibilidade de outra habitação (cfr. relatório do administrador de insolvência de 27/12/2019, constante dos autos); e da fragilidade do seu estado de saúde.
15. A decisão recorrida consubstanciou uma violação da Constituição, por via da violação do direito constitucional à habitação e por via da violação do princípio constitucional da proporcionalidade.
• Direito constitucional à habitação
16. Nos termos da Constituição, todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar (cfr. art.º 65.º, n.º 1 da Constituição e art.º 7.º, n.º 1 da Lei de Bases da habitação aprovada pela Lei n.º 83/2019 de 03 de setembro).
17. Nos termos da Lei de Bases da habitação, todos têm direito à proteção da sua habitação permanente, gozando a casa de morada de família de especial proteção legal (cfr. art.º 10.º, n.º 2 e 4 da Lei de Bases da habitação aprovada pela Lei n.º 83/2019 de 03 de setembro).
18. O Estado encontra-se, por sua vez, obrigado à defesa do referido direito fundamental à habitação, assumindo-se como o garante do direito à habitação (cfr. art.º 65.º da Constituição e arts.º 3.º, 7.º, 10.º, 11.º e 46.º da Lei de Bases da habitação aprovada pela Lei n.º 83/2019 de 03 de setembro).
19. Tem sido entendimento jurisprudencial e doutrinário que o dever de proteção e promoção do direito à habitação, que cabe ao Estado, não passa apenas por políticas que facilitem o seu acesso, mas também – e para o que aqui releva – pela abstenção de condutas do Estado que ponham em causa o referido direito.
20. Por isso, tem-se entendido que o Estado, quando atua como credor (como no caso dos autos), não pode adotar condutas que ponham em perigo o direito à habitação do devedor.
21. É neste contexto que o legislador previu, de forma expressa, a proteção da casa de morada de família dos devedores, estabelecendo restrições à venda de imóvel que seja habitação própria e permanente do devedor (cfr. art.º 244.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário) – normativo, este, que embora se reporte, formalmente, a processos de execução fiscal, remete, do ponto de vista material, para todos e quaisquer processos circunscritos a direitos de crédito do Estado decorrentes de dívidas fiscais, tal como ocorre precisamente no caso dos autos.
22. À semelhança do processo de execução fiscal, o presente processo de insolvência encontra-se, atualmente, circunscrito à relação entre os devedores insolventes (ora Recorrentes) e o Estado (não existe nenhum credor privado).
23. Logo, tendo em conta a ausência de recursos financeiros, por parte dos Recorrentes, para suportar o pagamento de uma renda, em conjugação com o dever do Estado de assegurar o direito constitucional à habitação e de proteger a casa de morada de família, resulta inevitavelmente a prevalência do direito à habitação dos Recorrentes sobre o direito do credor Estado de satisfação do seu crédito por via da liquidação da casa de morada de família.
• Princípio constitucional da proporcionalidade
24. Tendo em conta a precariedade da situação económica, social e familiar dos Recorrentes, a liquidação da sua casa de morada de família significa o desalojamento de uma família constituída maioritariamente por pessoas idosas, num contexto de recessão económica e de rendas habitacionais totalmente inacessíveis.
25. O impedimento do prosseguimento da liquidação relativamente à casa de morada de família visa assegurar o mínimo para um direito condigno à habitação dos Recorrentes e do seu agregado familiar.
26. Não sendo despiciendo sublinhar que, com isso, também não se prejudica o direito do único credor dos Recorrentes (Autoridade Tributária e Aduaneira), uma vez que, como resulta dos autos, os Recorrentes até já celebraram com o mesmo um acordo de pagamento em prestações.
27. A decisão de prossecução da liquidação da casa de morada de família consubstancia uma decisão violadora do princípio da proporcionalidade consagrado constitucionalmente (cfr. art.º 18.º, n.º 2 do Constituição da República Portuguesa), designadamente por violação: do subprincípio da necessidade (indispensabilidade da medida para o fim visado em comparação com outras medidas menos restritivas); e, ainda, do subprincípio da racionalidade (justeza da medida em termos qualitativos e quantitativos relativamente ao fim visado).
28. Pois, a satisfação do direito de crédito da credora Autoridade Tributária e Aduaneira pode ser plena e eficazmente obtida por via de um acordo de pagamento em prestações, o qual já foi, de resto, deferido,
29. Pelo que os custos da liquidação da casa de morada de família (desalojamento de uma família inteira) ultrapassam flagrantemente, tanto em termos qualitativos, como em termos quantitativos, o benefício visado (satisfação do direito de crédito da Autoridade Tributária e Aduaneira), o qual pode ser obtido por outra via menos danosa (acordo de pagamento em prestações que foi deferido).
30. O direito constitucional à habitação previsto no artigo 65.º da Constituição consubstancia, no caso, um direito, liberdade e garantia invocável diretamente e que vincula entidades públicas e privadas, por força do disposto no artigo 18.º, n.º 1 da Constituição.
Em suma,
31. A interpretação e aplicação, conforme à Constituição, do disposto nos artigos 46.º, n.º 1, 149.º, n.º 1 do CIRE, do artigo 244.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e, ainda, dos artigos 3.º, 7.º, 10.º, 11.º e 46.º da Lei de Bases da habitação aprovada pela Lei n.º 83/2019 de 03 de setembro, impunha o deferimento do pedido de isenção da liquidação do imóvel afeto à casa de morada de família dos Recorrentes.
32. Por isso, o despacho objeto do presente recurso incorre, igualmente, num vício de inconstitucionalidade normativa na medida em que, face à existência de outras interpretações normativas menos lesivas dos direitos dos Recorrentes e mais consentâneas com uma interpretação conforme à Constituição, optou por aplicar a norma jurídica extraída da interpretação conjugada dos artigos 46.º, n.º 1, 149.º, n.º 1 do CIRE, do artigo 244.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e, ainda, dos artigos 3.º, 7.º, 10.º, 11.º e 46.º da Lei de Bases da habitação aprovada pela Lei n.º 83/2019 de 03 de setembro, no sentido de que a liquidação nos presentes autos deveria prosseguir relativamente à casa de morada de família.
33. É inconstitucional esta norma resultante da interpretação que foi feita pelo despacho recorrido por violação, nomeadamente, do disposto nos artigos 65.º, n.º 1 (direito à habitação) e 18.º, n.º 1 e 2 (princípio da proporcionalidade) da Constituição, na medida em que a prossecução da liquidação da casa de morada de família unicamente para liquidação de dívidas fiscais implica o desalojamento dos Recorrentes e do seu agregado familiar, quando a satisfação do credor Estado poderia ser obtida por outra via menos danosa (nomeadamente, por via do acordo de pagamento em prestações que foi deferido).
Nestes termos, deve conceder-se provimento ao presente recurso e, em consequência, ser a decisão recorrida revogada, sendo substituída por outra que defira o pedido dos Recorrentes de isenção da liquidação da casa de morada de família.
Ao julgardes assim, Venerandos Juízes Desembargadores, estareis uma vez mais a fazer a tão COSTUMADA JUSTIÇA!”
O Ministério Público apresentou RESPOSTA, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1.º O processo de insolvência visa a satisfação de todos os direitos de crédito por recurso ao património do devedor.
2.º É um processo especial regulado pelas disposições próprias do CIRE, nos termos do art.º 17.º do CIRE, e, subsidiariamente, nos casos omissos, pelo Código de Processo Civil, em tudo o que não contrarie as disposições daquele.
3.º Os insolventes privilegiaram chegar a acordo com todos os demais credores, tendente à regularização da sua dívida, com exceção do credor tributário - porque se recusaram a apresentar a garantia exigida pela AT para esse efeito.
4.º Os insolventes referem que os créditos em falta podem ser plena e eficazmente obtidos por via de um acordo de pagamento em prestações, mas até ao momento, não efectuaram o pagamento de nenhuma prestação.
5.º Conforme decorre da leitura e interpretação da norma do n.º 2 do artigo 244.º do CPPT, a proteção conferida por esta norma (sustação da venda dos imóveis para habitação nas execuções fiscais), apenas tem aplicação nos processos de execução fiscal, não se aplicando aos processos de insolvência – (Neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 04/10/2022, Processo nº 2251/18.2T8BRR-F-L1-1).
6.º O pedido de isenção de liquidação da casa de morada de família, formulado pelos insolventes, com base no n.º 2 do artigo 244.º do CPPT, não tem fundamento, uma vez que estamos no âmbito da liquidação de um imóvel que integra a massa insolvente, a qual, nos termos do n.º 1 do artigo 46.º do CIRE, abrange todo o património do devedor à data da declaração da insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendencia do processo.
7.º A interpretação que os recorrentes extraem do art.º 46º do CIRE para obter a reclamada conformação do seu âmbito com o direito do devedor a habitação em imóvel próprio - no sentido de este prevalecer sobre o direito dos credores em caso de insuficiência económica do executado -, surge rebatida pelo Tribunal Constitucional no acórdão nº 612/2019 e pelo Acórdão nº 649/99 do Tribunal Constitucional, pelo que não se verifica qualquer inconstitucionalidade.
8.º O despacho recorrido fez uma correcta apreciação dos factos e aplicação do Direito e não merece reparo. Não foram violadas quaisquer disposições jurídicas, mormente as alegadas pelos recorrentes.
9.º O presente recurso deve ser considerado improcedente e deve ser mantida a douta decisão judicial de 15/02/2024, devendo os autos prosseguir com a liquidação do ativo dos insolventes.
Face a todo o exposto, deve ser julgado totalmente improcedente o recurso interposto pelos devedores/recorrentes e ser o despacho recorrido mantido nos seus precisos termos.
Vossas Excelências, decidirão, porém, como for de JUSTIÇA.”
O recurso foi correctamente admitido.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II – DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, ressalvadas as questões que forem de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, sem prejuízo de o tribunal ad quem não estar limitado pela iniciativa das partes - artigos 5.º, n.º 3, 608.º, n.º 2, ex vi artigo 663.º, n.º 2, 635.º e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC.
Assim, as questões a decidir são:
- Se poderá haver isenção da liquidação do imóvel apreendido (casa de morada de família), por aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 244.º do CPPT;
- Na negativa, se tal entendimento enferma de inconstitucionalidade normativa, por violação dos artigos 65.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2 da CRP.
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III – FUNDAMENTAÇÃO

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Para além das incidências fáctico-processuais descritas no relatório que antecede, no despacho recorrido, o tribunal a quo considerou:
- Não obstante o pagamento realizado pelos Insolventes aos demais credores, encontra-se, ainda, em dívida o crédito devido à “AT - Autoridade Tributária e Aduaneira”, no montante global de 133.984,55€;
- Encontra-se arrolada em inventário o prédio urbano sito em …, concelho de Sintra, descrita na CRP sob o n.º … e inscrito na matriz predial sob o art.º …;
- Por decisão de 20.01.2022, já transitada em julgado, foi indeferido o encerramento do processo e determinado que os autos prossigam para liquidação.
Mais se consigna estar demonstrado nos autos que:
- Por despacho de 16/08/2021, a Autoridade Tributária indeferiu o pagamento em prestações requerido pelos devedores com fundamento em inidoneidade da garantia proposta - cfr. requerimento apresentado em 10/01/2022 (Ref.ª/Citius 20204679).
- Da informação prestada pelo Serviço de Finanças em 06/01/2022 resulta nada ter sido pago por conta da dívida fiscal à AT - cfr. requerimento apresentado em 10/01/2022 (Ref.ª/Citius 20204709).
- Por despacho proferido em 20/01/2022, o tribunal a quo decidiu:
“(…) Por requerimento de 10-01-2022, o Ministério veio clarificar, pormenorizadamente, a posição assumida nos autos pela Autoridade Tributária, justificou a informação anteriormente prestada, juntando, para tanto, documentos e manteve a oposição ao encerramento do processo. // Vê-se de tais documentos que, efectivamente, terá havido deferimento parcial da pretensão dos devedores, isto é, apenas em 24 prestações (e não nas 107 prestações  que os mesmos haviam requerido), mas vê-se igualmente dessa documentação que a questão da suficiência e da idoneidade da garantia proposta que, supostamente, se encontrava pendente de apreciação pela entidade competente nos termos do art. 199.º do CPPT, afinal, havia já merecido decisão de indeferimento, proferida em 16-08-2021 e notificada aos devedores por carta registada com aviso de recepção, recebida em 18-08-2021. // Resulta, portanto, dos ditos documentos que quando, em 20-08-2021, os devedores requereram ao Tribunal o encerramento do processo com fundamento no facto de já ter sido deferido o pagamento em prestações das dívidas fiscais, já sabiam que a garantia oferecida tinha sido considerada inidónea para o fim pretendido, tratando-se, portanto, de omissão que lhes é censurável. // Mas seja como for, a verdade é que as questões suscitadas pelos devedores a propósito da idoneidade ou da obrigatoriedade da garantia a prestar no âmbito das execuções fiscais são irrelevantes para estes autos, carecendo, de resto, este Tribunal de competência para as apreciar. // Na verdade, a única questão que importa decidir é a de saber se, no caso, se mostram ou não preenchidos os pressupostos de que depende o encerramento do processo.  (…) // Pois bem, no caso e conforme resulta da sentença proferida, em 21-04-2020, no apenso A (reclamação de créditos), já transitada em julgado, foram julgados verificados os seguintes créditos: // - Banco Santander Totta, S.A., no valor total de € 35.824,10; // - Autoridade Tributária, no valor total de € 136.466,08; // - Nos Comunicações, S.A., no valor de € 849,92. // São, assim, estes os credores que, de acordo com o CIRE, devem prestar o seu consentimento para que o processo possa ser declarado encerrado nos termos dos arts. 230.º, n.º 1, al. c), 2.ª parte e 231.º, n.º 2, do CIRE // Ora, se é verdade que os credores Banco Santander Totta, S.A. e Nos Comunicações, S.A. prestaram o seu consentimento nos sobreditos termos, não é menos certo que a Autoridade Tributária não o prestou, resultando, ao invés, da posição por si assumida nos autos que a mesma se opõe expressamente ao encerramento do processo, sendo que tal é quanto basta para que a pretensão dos devedores não possa ser deferida. Destarte, não se mostrando preenchido o pressuposto legal de que depende o encerramento do processo, tem o mesmo de ser indeferido, com o consequente prosseguimento do processo de insolvência. // Refira-se, de resto, que se os devedores tivessem informado o Tribunal, em Agosto de 2021, tal como lhes competia, que a Autoridade Tributária não tinha aceite a garantia pelos mesmos apresentada, certamente que já há muito o processo tinha prosseguido os seus termos. (…) // Face a todo o exposto, indefiro o requerido encerramento do processo, devendo este, consequentemente, prosseguir os seus termos.”
*
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Como expressamente previsto no n.º 1 do artigo 1.º do CIRE, o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.
E, embora regendo-se pelas regras que lhe são próprias, subsidiariamente, são aplicáveis as regras previstas no CPC (desde que não contrariem o CIRE) – artigo 17.º do CIRE.
Tratando-se de questões atinentes à venda[4] de bens apreendidos para a massa insolvente importa, assim, atender ao que CIRE prescreve quanto à fase de liquidação – artigos 156.º e ss do CIRE – e, na falta de norma expressa, ao regime legal da venda executiva previsto no CPC.
Dir-se-á, ainda, que destinando-se a massa insolvente à satisfação dos credores da insolvência (depois de pagas as suas próprias dívidas), “salvo disposição em contrário” a mesma abrangerá todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo – artigo 46.º, n.º 1 do CIRE. Contudo, no que concerne a bens isentos de penhora, os mesmos apenas serão abrangidos se o devedor voluntariamente os apresentar e a impenhorabilidade não for absoluta (n.º 2 do mesmo artigo).
Para a massa insolvente poderão, assim, ser apreendidos os bens do devedor que integrem o seu património, nos termos previstos pelo artigo 601.º do CCivil, artigo 46.º do CIRE e artigo 735.º do CPC.
Entre esses bens inclui-se o imóvel do qual sejam proprietários, mesmo que corresponda à casa de morada de família (porquanto o legislador, tanto em sede processual civil, como em sede insolvencial, deliberadamente decidiu não o excluir).
Citando Letícia Marques Costa[5], “uma vez decretada a insolvência, a pessoa singular verá (…) de imediato os seus bens serem liquidados para pagamento dos créditos sobre a massa insolvente e da insolvência (artigos 156.º e ss. do CIRE). De entre estes bens, destaca-se a casa de morada de família que constitui, em muitas situações, o único bem que compõe o activo do devedor.”.
Feita esta breve nota introdutória, reportemos ao objecto do recurso.
Pretendem os recorrentes que seja aplicável no processo o estatuído no artigo 244.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)[6], segundo o qual “não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar quando o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim”.
Ou seja, o imóvel que corresponde à casa de morada de família, apesar de poder ser penhorado, não poderá ser vendido.
Sendo inquestionável que, através desta norma, se visa a protecção da casa de morada de família do devedor – por forma a salvaguardar a função social do Estado de assegurar o direito à habitação, a qual se mostra prevista no artigo 65.º da CRP -, não se poderá deixar de realçar que a mesma se reporta exclusivamente ao processo de execução fiscal (como, aliás, os recorrentes reconhecem), no âmbito da qual está apenas em causa a satisfação de créditos do Estado.
Trata-se, pois, de uma norma especialmente prevista para as execuções fiscais e cuja aplicação está restrita a estas últimas[7].
Veja-se, inclusive, que a redacção do n.º 2 do artigo 244.º teve subjacente a alteração introduzida pela Lei n.º 13/2016, de 23/05, em cujo artigo 1.º se refere expressamente que a mesma visa proteger a casa de morada de família no âmbito de processos de execução fiscal, estabelecendo restrições à venda executiva de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado.
Já segundo o regime processual civil, designadamente em sede de processo executivo, e, consequentemente, em sede de processo insolvencial, essa mesma restrição não foi prevista pelo legislador, pelo que nada obsta a que o imóvel que corresponda à casa de morada de família do devedor/insolvente, uma vez penhorado/apreendido, seja depois vendido – cfr. artigos 751.º, n.º 4, 756.º, n.º 1, al. a), e 862.º (ex vi artigo 828.º), todos do CPC, aplicáveis por força do artigo 17.º do CIRE.
Sucede que os recorrentes defendem que a ratio legis que justifica a restrição prevista para o processo de execução fiscal tem plena aplicação ao presente processo de insolvência, sendo que, no caso, apenas estão por satisfazer os créditos reclamados pela credora AT (os demais créditos foram já integralmente pagos).
Tal aplicação, acrescentam, justifica-se em face da inexistência no processo de “interesses jurídico-privados a tutelar” (credores privados) - “ A liquidação e desocupação de um imóvel que constitui a casa de habitação própria e permanente dos insolventes apenas poderiam ser concebidas na presença de direitos de créditos de credores privados (…) os quais não existem no presente processo de insolvência” – pelo que a satisfação do crédito do Estado deverá ficar subordinado ao dever constitucional de o mesmo ter de assegurar a todos uma habitação condigna[8].
Por seu turno, o Ministério Público contrapõe que apenas estarão excluídos da massa insolvente os bens isentos de penhora – artigos 736.º e 737.º do CPC.
Enfatizando a finalidade do processo de insolvência (satisfação de todos os direitos de crédito por recurso ao património do devedor), invoca que “só em situações excecionais de declarado estado de emergência ou de calamidade pública ou de declarado interesse publico e mediante o pagamento da justa contrapartida ou indemnização, é que o Estado pode recorrer à ablação ou oneração de direitos privados para dar cumprimento aos deveres sociais que constitucionalmente lhe compete tutelar (como se viu com as normas transitórias que vigoraram durante a pandemia do COVID-19 e que, entretanto, cessaram). // Fora dessas situações, e fora do âmbito das relações com o Estado, o direito à habitação do insolvente não se sobrepõe ao direito do credor à satisfação do seu crédito à custa do património do devedor, património que inclui o direito pleno de propriedade sobre o imóvel onde aquele detém a sua habitação.”
Mais defende que o direito à habitação não corresponde ao direito a ter casa própria em detrimento dos interesses dos credores.
Por fim, refere que nunca se poderá considerar que o crédito da AT ficará satisfeito com o plano de pagamento em prestações, porquanto este último foi indeferido, ao que acresce o facto de os insolventes nada terem ainda pago (para além de se terem recusado a apresentar a garantia exigida pela AT para que fosse deferido o pagamento prestacional, nenhuma prestação foi paga), concluindo tratar-se de uma manobra de adiamento do prosseguimento dos autos e com vista a obstar à liquidação do imóvel, dessa forma se inviabilizando o pagamento ao credor.
Cumpre decidir.
Resulta do transcrito n.º 2 do artigo 244.º do CPPT que a AT não poderá promover a venda do imóvel que tenha sido penhorado no âmbito de uma execução fiscal, quando esse imóvel corresponda à casa de morada de família do devedor. Embora, mesmo aqui, não se trate de um impedimento absoluto, como decorre do previsto nos números seguintes[9].
Já o CPC e o CIRE, no que concerne à execução comum e à execução insolvencial, não contêm qualquer norma similar.
E, ao contrário do pretendido pelos recorrentes, não poderá aquela limitação ser transposta para o processo de insolvência, como se passará a demonstrar.
Desde logo por estarmos em face de um regime especial (tributário) e de uma norma excepcional[10], a qual, no caso, não comporta interpretação extensiva, nem é susceptível de aplicação analógica por forma a que a pretensão dos recorrentes seja viabilizada.
A interpretação extensiva terá de ser afastada por não ter um mínimo de correspondência verbal na letra da lei (cfr. artigo 9.º, n.º 2 do CCivil), a qual refere expressamente ser aplicável às execuções fiscais (e já não às demais) – o que resulta ainda do teor do artigo 1.º da Lei n.º 13/2016 (já anteriormente transcrito). E também o elemento histórico nos conduz ao mesmo desfecho - o espírito do legislador não foi, claramente, no sentido de alargar a limitação da venda a todas as situações nas quais estejam em causa créditos fiscais, mas tão somente às execuções fiscais[11].
Igual conclusão terá de ser retirada no que concerne à aplicação analógica – cfr. artigos 10.º e 11.º do CCivil.
Como escreve Catarina de Oliveira Carvalho[12], “A proibição de aplicar analogicamente normas excecionais assenta, fundamentalmente, em considerações de certeza e segurança, evitando subtrair ao regime-geral situações que não foram valoradas pela lei como merecedoras de um tratamento contrário. Com efeito, se uma norma é «adotada para uma situação excecional, não pode ser aplicada analogicamente a casos em que não se verifique a situação excecional, nem a casos em que se verifiquem outras situações excecionais. (NOGUEIRA DE BRITO, 2022, 282). // A insegurança jurídica não é a mesma se a situação estiver abrangida pelo espírito da norma, apesar de não estar prevista na sua letra, daí se admitir a interpretação extensiva das normas excecionais.  (…) Já a aplicação analógica envolve aplicar o preceito a um caso excluído do seu âmbito de aplicação, «o que equivale à elaboração de uma nova norma» (NOGUEIRA DE BRITO, 2022, 285)”.
A tal argumento acresce o facto de, não obstante, actualmente, subsistir apenas o crédito reclamado pela autoridade tributária (uma vez que os demais credores foram já integralmente ressarcidos), aquando da apreensão do imóvel em causa eram três os credores reclamantes (para além da AT, as credoras Banco Santander Totta, SA e NOS – Comunicações, SA).
Ora, o regime pelo qual se deverá proceder à liquidação insolvencial não poderá ser interpretado consoante as contingências ou vicissitudes processuais com que os autos sejam confrontados, desde logo em prol do respeito e salvaguarda da segurança e coerência pelos quais qualquer ordenamento jurídico se terá de reger (o qual tem carácter geral e abstracto, não podendo ser moldado e ajustado a cada uma das concretas situações, sem que exista fundamento, designadamente por recurso às regras interpretativas).
Mais concretamente, não se poderá defender a não aplicação do artigo 244.º, n.º 2 do CPPT aos casos em que existem vários credores, designadamente particulares (no que a jurisprudência e a doutrina não divergem, e que os recorrentes também não questionam), mas admitir-se já tal aplicação quando, num concreto caso (como no presente), tais credores fiquem reduzidos apenas ao Estado (em consequência de os insolventes, por sua iniciativa, embora devidamente autorizados no processo, terem optado por ressarcir integralmente apenas os credores particulares).
Tal entendimento afrontaria o princípio da segurança jurídica, permitindo aos devedores contornar o regime legalmente previsto (o que não terá sido claramente pretendido pelo legislador).
Referindo-se aos casos em que ocorra concurso de credores, Delgado Carvalho escreve: “o impedimento legal à realização da venda de imóvel afeto a habitação própria e permanente previsto no n.º 2 do art. 244.º do CPPT só opera em função do tipo de garantia real (em sentido impróprio) invocada pela administração fiscal: se esta garantia for a penhora, não há lugar à realização da venda; mas se houver concurso do crédito fiscal com os créditos dos outros credores do executado, seja qual for a natureza (fiscal ou não fiscal) do processo executivo em que for admitido o concurso de credores, já a venda daquele imóvel pode realizar-se. Neste caso, o imóvel é vendido para cobrança de créditos não fiscais e o crédito do Estado, invocando este último os privilégios creditórios.”[13].
Também Inês da Mota Santos afirma: “quando haja concurso de credores, não há qualquer impedimento à venda. Apenas divergindo quanto ao processo em que a venda pode ser promovida”[14].
E, mais relevante ainda, sempre se terá de ter em consideração que, no caso, a liquidação/venda do imóvel não ocorre por iniciativa da autoridade tributária (não será esta quem irá promover a venda), mas antes por iniciativa do Administrador da Insolvência, pelo que, uma vez mais, a limitação constante do n.º 2 do artigo 244.º se mostra desfasada do contexto insolvencial.
A isto acresce que, para além do crédito da Autoridade Tributária, permanece igualmente por liquidar o montante referente às despesas da própria massa insolvente, sendo que a instauração do processo só aos insolventes é imputável (para além de assentar no incumprimento das respectivas obrigações, no caso, foram, inclusive, os próprios que se apresentaram à insolvência).
Em reforço da posição que defendemos importa ainda realçar inexistir suporte constitucional para a pretensão dos recorrentes.
Estatui o n.º 1 do artigo 65.º da CRP (invocado nas alegações), que “Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar”, acrescentando o número seguinte ser incumbência do Estado assegurar o direito à habitação[15].
Sucede que, como já decidido pelo Tribunal Constitucional, para além de não se tratar de um direito imediato a uma prestação efectiva (porquanto não é directamente aplicável ou exequível, exigindo uma actuação do legislador que permita concretizar tal direito, pelo que o seu cumprimento só pode ser exigido nas condições e nos termos definidos na lei)[16], desta norma sequer decorre qualquer defesa do direito de habitação de casa própria.
Por outras palavras, protege-se o direito à habitação propriamente dita e não o direito de propriedade sobre o concreto imóvel no qual os devedores residam permanentemente com o respectivo agregado familiar[17].
Também não obsta a este entendimento o regime inerente à Lei de Bases da Habitação, aprovada pela Lei n.º 83/2029, de 03/09, mais concretamente os artigos invocados nas conclusões de recurso – artigos 3.º, 7.º, 10.º, 11.º e 46.º (os quais nos dispensamos de reproduzir por desnecessário), referindo-se tão somente que o n.º 2 do artigo 10.º se limita apenas a salvaguardar o direito a uma “habitação permanente”.
No que concretamente respeita ao processo de insolvência, Maria do Rosário Epifânio[18] escreve: “Uma derradeira questão prende-se com a sujeição da casa de morada de família ao processo de insolvência, dependendo a sua resposta de uma distinção preliminar entre a casa de morada de família arrendada e a casa de morada de família própria. // Tratando-se de uma casa de morada de família arrendada, uma vez que o direito de arrendamento da casa de morada de família constitui um direito inalienável e, em consequência, um bem absolutamente impenhorável, não pode ser inserido na massa insolvente com vista à satisfação dos credores da insolvência. // Já a casa de morada de família própria, pelo contrário, é insusceptível de exclusão da execução insolvencial, encontrando-se adstrita ao pagamento dos credores.”
Já Letícia Marques Costa[19] acrescenta: “Atualmente, no nosso ordenamento jurídico, não existe qualquer possibilidade de arredar da liquidação a casa de morada de família, excetuando no caso de ser utilizada a figura da dispensa de liquidação (…)”.
Neste caso, previsto no artigo 171.º do CIRE, os bens que forem dispensados da liquidação ficarão liberados da massa insolvente, não mais podendo ser executados para pagamento dos créditos verificados no processo insolvencial.
Uma última nota ainda quanto à inconstitucionalidade suscitada pelos recorrentes, sendo que se pode ler nas conclusões formuladas:
“27. A decisão de prossecução da liquidação da casa de morada de família consubstancia uma decisão violadora do princípio da proporcionalidade consagrado constitucionalmente (cfr. art.º 18.º, n.º 2 do Constituição da República Portuguesa), designadamente por violação: do subprincípio da necessidade (indispensabilidade da medida para o fim visado em comparação com outras medidas menos restritivas); e, ainda, do subprincípio da racionalidade (justeza da medida em termos qualitativos e quantitativos relativamente ao fim visado).
28. Pois, a satisfação do direito de crédito da credora Autoridade Tributária e Aduaneira pode ser plena e eficazmente obtida por via de um acordo de pagamento em prestações, o qual já foi, de resto, deferido,
29. Pelo que os custos da liquidação da casa de morada de família (desalojamento de uma família inteira) ultrapassam flagrantemente, tanto em termos qualitativos, como em termos quantitativos, o benefício visado (satisfação do direito de crédito da Autoridade Tributária e Aduaneira), o qual pode ser obtido por outra via menos danosa (acordo de pagamento em prestações que foi deferido).
32. Por isso, o despacho objeto do presente recurso incorre, igualmente, num vício de inconstitucionalidade normativa na medida em que, face à existência de outras interpretações normativas menos lesivas dos direitos dos Recorrentes e mais consentâneas com uma interpretação conforme à Constituição, optou por aplicar a norma jurídica extraída da interpretação conjugada dos artigos 46.º, n.º 1, 149.º, n.º 1 do CIRE, do artigo 244.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e, ainda, dos artigos 3.º, 7.º, 10.º, 11.º e 46.º da Lei de Bases da habitação aprovada pela Lei n.º 83/2019 de 03 de setembro, no sentido de que a liquidação nos presentes autos deveria prosseguir relativamente à casa de morada de família.
33. É inconstitucional esta norma resultante da interpretação que foi feita pelo despacho recorrido por violação, nomeadamente, do disposto nos artigos 65.º, n.º 1 (direito à habitação) e 18.º, n.º 1 e 2 (princípio da proporcionalidade) da Constituição, na medida em que a prossecução da liquidação da casa de morada de família unicamente para liquidação de dívidas fiscais implica o desalojamento dos Recorrentes e do seu agregado familiar, quando a satisfação do credor Estado poderia ser obtida por outra via menos danosa (nomeadamente, por via do acordo de pagamento em prestações que foi deferido).”
Não lhes assiste razão.
Tendo subjacente que o invocado princípio da proporcionalidade se desdobra em três subprincípios – princípio da adequação (o acto deve ser efectivamente capaz de atingir os objectivos pretendidos), princípio da necessidade (o acto deve ser, de todos os meios existentes, o menos restritivo aos direitos) e princípio da proporcionalidade em sentido estrito (deve haver uma proporção adequada entre os meios utilizados e o fim desejado, uma justa medida) -, é nosso entendimento que a interpretação defendida na decisão recorrida não o ofende.
Dando aqui por reproduzido o que já anteriormente se defendeu – no sentido de não poder a previsão do artigo 244.º, n.º 2 do CPPT ser aplicável nos autos e inexistir qualquer outro preceito que permitisse viabilizar a pretendida “isenção de liquidação” -, importa ainda realçar que, ao contrário do invocado pelos recorrentes, os créditos reclamados pela Autoridade Tributária sequer se encontram assegurados em face de um putativo acordo de pagamento prestacional. Com efeito, o requerimento que os insolventes formularam nesse sentido foi indeferido (sendo que, para além do mais, nada os mesmos pagaram por conta da dívida em apreço).
Nessa medida não se mostra violado, ou mesmo beliscado, o invocado princípio da proporcionalidade (em qualquer dos seus subprincípios), sendo que o objectivo visado pelo processo de insolvência (pagamento dos créditos reconhecidos à custa do património dos devedores), de outro modo não seria alcançado (independentemente de, presentemente, apenas o Estado permanecer como credor).
Acresce que o decidido pela 1.ª instância tão pouco traduz qualquer resultado excessivo (considerando o que seria necessário para atingir tal finalidade), apenas tendo sido aplicado o que, nessa matéria, o legislador quis e previu.
Em face de tudo o que se deixou exposto, terá a presente apelação de improceder.
***
IV - DECISÃO
Perante o exposto, acordam as Juízas desta Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação improcedente, mantendo-se o decidido pela 1.ª instância.
Custas pelos apelantes – artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

Lisboa, 29 de Outubro de 2024
Renata Linhares de Castro
Fátima Reis Silva
Paula Cardoso
_______________________________________________________
[1] Nesse despacho pode ler-se: “Tendo sido apreendido um bem imóvel nos autos (cfr. apenso de apreensão de bens), não tendo nenhum interessado requerido a convocação de assembleia de credores (dispensada em sentença) e tendo já decorrido o prazo para o efeito, inexiste qualquer deliberação em contrário à liquidação e partilha do ativo dos Insolventes proposta pelo Sr. Administrador da Insolvência. // Assim, os autos prosseguirão para liquidação do ativo, nos termos prescritos no art.º 158º e ss. do CIRE.”
[2] Para tanto tendo alegado: “1.º Os Insolventes lograram reunir o montante necessário para liquidar a dívida ao Credor Hipotecário, Banco Santander Totta, S.A. // 2.º Os Insolventes pretendem, nos termos do artigo 231.º, n.º 2 do C.I.R.E., que seja encerrado o presente Processo de Insolvência, com vista a proteger a sua casa de morada de família, e concomitantemente, liquidar as suas responsabilidades perante os seus Credores: Banco Santander Totta, S.A., Autoridade Tributária, e NOS S.A. // 3.º Quanto ao Credor NOS S.A., a dívida encontra-se liquidada. // 4.º Quanto ao Credor Hipotecário, Banco Santander Totta, S.A., os Insolventes aguardam que lhes sejam remetidos pelo Banco os dados para o pagamento respectivo. // 5.º Quanto à Autoridade Tributária, os Insolventes apresentaram pedido de pagamentos prestacional (Doc. n.º 1, que se junta) face ao qual respeitosamente requerem desde já que seja o Ministério Público (Sintra) notificado do mesmo, plano este apresentado dentro dos normativos legais do CPPT. // 6.º O encerramento do presente Processo de Insolvência nos termos supra expostos cumprirá o desiderato de protecção de casa de morada de família, em consonância com os artigos 65.º e 67.º da Constituição da República Portuguesa (…)”.
[3] Despacho do qual foi interposto recurso mas que foi mantido por esta Relação por acórdão proferido em 07/02/2023, já transitado em julgado.
[4] A venda do activo da insolvente incide, exclusivamente, sobre os bens/direitos que, pertencendo à insolvente, são apreendidos para a massa, competindo ao AI diligenciar pela entrega dos bens e posterior venda (é ele quem tem competência para proceder à liquidação do activo tendo em vista o pagamento aos credores, nessa medida devendo proceder “com prontidão à venda de todos os bens apreendidos para a massa insolvente” – cfr. artigos 36.º, n.º 1, al. g), 55.º, n.º 1, al. a), 149.º, 150.º e 158.º, n.º 1, todos do CIRE). Tal função é exercida sob a fiscalização da Comissão de Credores ou, na falta desta, da Assembleia de Credores, e pelo juiz – artigos 55.º, n.º 5, 58.º e 68.º, do mesmo diploma.
[5] A Insolvência de Pessoas Singulares, Almedina, 2021, pág. 259.
[6] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26/10, diploma que foi alvo de posteriores alterações introduzidas pela Lei n.º 64-B/2011, de 30/12, Lei n.º 13/2016, de 23/05, e Lei n.º 7/2021, de 26/02.
[7] Cfr. ABRANTES GERALDES/ PAULO PIMENTA/PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, Coimbra, 2020, pág. 209, os quais, em comentário ao artigo 794.º do CPC, referem que “o artigo 244º, nº 2 do CPPT, configura um impedimento à venda judicial do imóvel penhorado que apenas vigora no âmbito do processo de execução fiscal, e já não no processo de execução comum” (sublinhado nosso).
[8] Em reforço de tal entendimento citam o acórdão do TCA Sul de 17/10/2019 (Proc. n.º 32/19.5BESNT), no qual se pode ler: “se ao Estado incumbe assegurar o direito à habitação, que mais não é do que a outra face do direito à reserva da vida privada, quer através de politicas que facilitem o seu acesso, quer abstendo-se de condutas que ponham em causa tal direito – como sucede quando actua nas vestes de credor executivo -, então não é aceitável que possa ser posto em causa esse direito fundamental numa situação como a dos autos” em que está provado, sem margem para dúvidas e até absolutamente aceite pela Recorrente, que no imóvel penhorado e cuja venda foi determinada vivem com caracter de permanência, pelo menos, o agregado familiar do Executado (ora Recorrido), que inclui a sua companheira, dois filhos desta, um filho do Recorrido e, com elevada probabilidade, um recém-nascido filho de ambos. (…)”. Trata-se, contudo, também aqui, de um aresto proferido com relação a uma execução fiscal (e não a um processo de insolvência).
[9] Cfr. J. H. DELGADO CARVALHO, As alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2016, de 23/5, no Código de Procedimento e de Processo Tributário e na Lei Geral Tributária e as suas repercussões no concurso de credores,  págs. 4/5, disponível in blogippc.
[10] Cfr. Comentário ao Código Civil, Parte Geral, UCP editora, 2.ª edição, 2023, pág. 72 - normas excepcionais são aquelas que se contrapõem “às normas gerais/direito-regra, ao consagrarem, para uma parte restrita do setor de relações jurídicas reguladas por estas últimas, por razões privativas, um regime oposto ao regime-regra. (…) Trata-se de preceitos relativamente aos quais é aplicável o argumento a contrario, ou seja, se eles consagram para certo(s) caso(s) um regime excecional, então todas as situações não previstas na hipótese da norma deverão seguir o regime inverso que será o direito-regra.
[11] Quanto a esta questão, importa referir que alguns grupos parlamentares avançaram com projectos de lei tendentes a criar um verdadeiro regime de impenhorabilidade da habitação própria e permanente, fixando restrições à penhora e à execução de hipoteca, assim como limitando a possibilidade da sua venda. Quanto a tais projectos, o quais não foram, pois, acolhidos pelo legislador, veja-se DANIELA RIBEIRO HENRIQUES, O sobre-endividamento das famílias portuguesas e a penhora da casa de morada de família, Dissertação de Mestrado, ISCAL, Lisboa, Dezembro de 2019.
[12] Comentário ao Código Civil, Parte Geral, já citado, pág. 72.
[13] Obra citada, pág. 10.
[14] A (Im)penhorabilidade da Casa de Morada de Família, Considerações em torno da Lei 13/2016, de 23 de maio, Dissertação de Mestrado, FDUC, Coimbra, Janeiro de 2018, pág. 39, o qual se encontra disponível online.
[15] Designadamente: “a) Programar e executar uma política de habitação inserida em planos de ordenamento geral do território e apoiada em planos de urbanização que garantam a existência de uma rede adequada de transportes e de equipamento social; b) Promover, em colaboração com as regiões autónomas e com as autarquias locais, a construção de habitações económicas e sociais; c) Estimular a construção privada, com subordinação ao interesse geral, e o acesso à habitação própria ou arrendada; d) Incentivar e apoiar as iniciativas das comunidades locais e das populações, tendentes a resolver os respectivos problemas habitacionais e a fomentar a criação de cooperativas de habitação e a autoconstrução.”. Mais se referindo no seu n.º 3 que “O Estado adoptará uma política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar e de acesso à habitação própria.”
[16] Como assim o referem os acórdãos n.º 401/2020, de 18/04/2023 (Proc. n.º 197/2023, relator José Eduardo Figueiredo Dias), n.º 280/93, de 30/03/1993 (Proc. n.º 143/91, relator Vítor Nunes de Almeida), n.º 130/92, de 01/04/1992 (Proc. n.º 104/90, relator Alves Correia) e n.º 374/02, de 26/09/2022 (Proc. n.º 321/01, relator Tavares da Costa).
[17] Tanto mais que, sendo vendido o imóvel apreendido para a massa, apesar de os recorrentes ficarem privados de nele continuarem a residir, nem assim se poderá concluir verem o seu direito à habitação violado (aliás, com o produto da venda, e uma vez pago o crédito da AT e as demais despesas do processo, sempre aqueles poderão afectar o remanescente a uma nova  habitação, seja própria, seja arrendada ou, se tal não se afigurar possível, requerer concessão de uma habitação social) – nesse sentido, cfr. acórdão da Relação do Porto de 29/04/2021 (Proc. n.º 25742/19.3T8PRT-A.P1, relator Paulo Mesquita Duarte).
[18] Manual de Direito da Insolvência, Almedina, 7.ª edição, 2020, pág. 117.
[19] Obra citada, pág. 260 e 267.