Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
| ||
| Relator: | EDGAR TABORDA LOPES | ||
| Descritores: | IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS REVOGAÇÃO OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO PRESSUPOSTOS ABUSO DO DIREITO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/24/2023 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
| Sumário: | I – A impugnação da matéria de facto em sede de recurso é mais do que uma manifestação de inconformismo inconsequente exigindo, com seriedade, razoabilidade e proporcionalidade, nos termos do artigo 640.º do Código de Processo Civil: i)- a indicação motivada (sintetizada nas Conclusões) dos concretos factos incorrectamente julgados – n.º 1, alínea a); ii)- a especificação dos concretos meios probatórios presentes no processo, registados ou gravados (com a indicação das concretas passagens relevantes) – n.º 2, alíneas a) e b) – que imporiam uma decisão diferente quanto a cada um dos factos em causa, propondo uma redacção alternativa – n.º 1, alíneas b) e c). II – Ao contrato de prestação de serviços (artigo 1154.º do Código Civil) que não seja de mandato, depósito ou empreitada, estendem-se as regras do mandato, nos termos do artigo 1156.º. III – Tal contrato pode ser livremente revogado por uma das partes desde que não exista interesse comum, nos termos do artigo 1170.º, nos 1 e 2, sendo que a comunicação dessa revogação constitui uma declaração receptícia (artigos 436.º, n.º 1 e 224.º, n.º 1). IV – Apesar de ser um acto livre, é um acto responsabilizante e susceptível de obrigar ao pagamento de uma indemnização (artigo 1172.º, alínea c)). V – A obrigação de indemnização estabelecida na alínea c) do artigo 1172.º constitui-se como uma situação típica de responsabilidade por facto lícito, estando depende a verificação dos seguintes requisitos: a) o exercício do direito unilateral de revogação por parte do/a mandante-beneficiário/a dos serviços acordados (artigo 1170.º, n.º 1); b) que o contrato tenha carácter oneroso; c) que o contrato tenha carácter duradouro (por ser por tempo determinado e a revogação antecipar o termo do prazo acordado; ou por ser para tratar de determinado assunto e a revogação não permite a sua conclusão; ou ainda por ser estabelecido por tempo indeterminado e a revogação não respeitar a antecedência adequada); e d) que se verifiquem prejuízos para o/a mandante-beneficiário/a em consequência da revogação unilateral do contrato. VI – Com a alínea c) do artigo 1172.º, tutelam-se as expectativas (responsabilidade pela confiança) do/a mandatário/a e o direito à retribuição que acordou para um determinado período de tempo (em que contava com a vigência da relação contratual), obtendo uma determinada e esperada retribuição global, tendo-se como finalidade colocar o/a dito/a mandatário/a (lesado/a) na situação patrimonial que teria se o mandato não tivesse sido revogado intempestivamente. VII – Um contrato de prestação de serviços por tempo determinado, revogado unilateralmente pelo/a mandante (sem justa causa), origina o direito a uma indemnização que tem como referência os lucros cessantes determinados em função da remuneração deixada de auferir pelo/a prestador/a dos serviços até ao termo do prazo previsto para a relação contratual, deduzidos os valores que o/a mesmo/a tivesse recebido por força dessa cessação e as despesas que por força dela tivesse deixado de fazer, tudo durante o mesmo período que faltava cumprir (correspondendo ao interesse contratual negativo). VIII – Não tendo nem a Autora (mandatária/lesada), nem a Ré (mandante/lesante) alegado expressamente o que quer que fosse no que respeita a eventuais despesas, ou verbas a abater à retribuição que seria devida, mas decorrendo das cláusulas do contrato, aceite por ambas, a existência de custos, despesas e gastos a cargo da referida Autora na execução do contrato (com a recolha, o transporte, a triagem e a entrega dos resíduos sólidos objecto do contrato, e com a estrutura administrativa necessária aos registos e elaboração de dados, com as vistorias, e com a conservação e manutenção), têm estes valores de ser “abatidos” no valor global correspondente aos montantes que aquela deixou de auferir em consequência da revogação do contrato (desde logo para evitar enriquecimentos ilegítimos). IX – Estando tais custos demonstrados, ainda que sem quantificação, importará relegar a fixação do quantum indemnizatório para sede de incidente de liquidação, nos termos do artigo 358.º, nº 2, do Código de Processo Civil. X – Existe uma situação de abuso do direito quando se constata que este foi exercido - em termos objectivos - inequivocamente em ofensa da justiça ou quando se trata de uma conduta clamorosamente ofensiva da justiça ou de uma afronta ao sentimento jurídico dominante. XI – Só uma situação que permita considerar a conduta do contraente como clamorosamente ofensiva da justiça, ou mesmo uma afronta ao sentimento jurídico dominante e que chocaria o cidadão/ã comum ou qualquer “pessoa de bem” permite o funcionamento do instituto do abuso de direito. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa Relatório M, LDA. instaurou injunção contra H, S.A. requerendo a condenação desta no pagamento da quantia global de €22.959,96 euros. Em suma, alegou a Autora: - ter celebrado com a Ré um contrato de prestação de serviços de gestão e recolha de serviços, em 01 de Agosto de 2019; - que em 03 de Outubro de 2021 a Ré procedeu à resolução do contrato e que, nessa altura, se encontrava em dívida o montante de €7.117,72, sendo esse montante devido; - que além desse montante, é devido o de €14.900, a título de indemnização em virtude da resolução antecipada do contrato. Citada, veio a Ré apresentar Oposição, defendendo a improcedência da acção. Alegou, em síntese, que: - não deve o valor de 14.900 euros, uma vez que por e-mail datado de 26 de Outubro de 2021 informou a Autora que iria cumprir a vigência do contrato, dando sem efeito a revogação efectuada no dia 03 de Outubro de 2021; - após essa data e pese embora essa comunicação, a Autora não mais procedeu à recolha do lixo, o que fez com que a Ré resolvesse o contrato por incumprimento em 04 de Janeiro de 2022; - ainda que assim não se entendesse, no dia 03 de Outubro de 2021, a Ré revogou unilateralmente o contrato de prestação de serviços celebrado, o que é legalmente admissível; - estamos perante uma situação de abuso de direito, uma vez que a Autora recusou retomar a prestação de serviços, motivo pelo qual não pode posteriormente peticionar a indemnização. Realizada a Audiência de Julgamento veio a ser proferida Sentença, da qual consta a seguinte parte decisória: “Por todo o exposto, julgo a ação totalmente procedente e em consequência: A) Condeno a Ré H, S.A. ao pagamento da quantia de 14.900,00 euros (catorze mil e novecentos euros) à Autora M, Lda., acrescida de juros, à taxa de 7%, desde 19 de Novembro de 2021 até efetivo e integral pagamento. B) Julgo prejudicados os montantes peticionados relativos às faturas dos serviços prestados em data anterior a Outubro de 2021 e juros relativos a essas faturas. C) Julgo improcedente a exceção perentória impeditiva de abuso de direito. D) Condeno a Ré H, S.A. ao pagamento da totalidade das custas processuais. Registe e notifique”. É desta Sentença que vem interposto Recurso de Apelação por parte da Ré, a qual apresentou as suas Alegações, onde lavrou as seguintes Conclusões: “A – O presente Recurso tem por objecto matéria de facto e de direito B – A Recorrente considera que deveria ser dado por provado que: – Foi estipulado, na cláusula 7.ª do contrato dos autos, que “O presente contrato tem início a 01 de agosto de 2019 e caduca a 31 de julho de 2020. Contudo as partes acordam, desde já, na sua renovação automática, por períodos de 1 (um) ano, sem prejuízo do estatuído na cláusula décima.” C – Este facto resulta provado do teor do referido contrato de fls. 10 a 11v. dos autos. D – Por outro lado, entende a Recorrente que deve ser aditado ao facto provado 22, o número e o motivo da emissão da factura que titula a indemnização pedida e para melhor concretização da mesma, nos seguintes termos [que se realça a negrito]: “22- No dia 20 de Outubro de 2021 foi emitida pela Autora, e remetida à Ré para pagamento, a fatura 2021/1243, com data de vencimento em 19 de Novembro de 2021, com o valor total de 14.900 euros, com a seguinte descrição: ‘INDEMNIZAÇÃO REF DENÚNCIA ANTECIPADA DO CONTRATO NÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA OUTUBRO 2021 A JULHO 2022’” E – Este aditamento resulta provado pelo documento de fls. 16 dos autos. F – Por fim, entende igualmente a Recorrente que deve ser aditado à matéria de facto assente, o seguinte facto, aduzido no artigo 16.º da Oposição de fls. 3 e ss. dos autos: – A Autora deixou de prestar definitivamente serviços para a Recorrente, a partir do dia 04.10.2021. G – Este facto resulta provado pela admissão da Autora/Recorrida quanto ao mesmo, nos artigos 5. e 10. da Resposta à excepção de abuso de direito, de fls. 40 e ss. dos autos; do depoimento da testemunha Joana Raquel Gomes Gonçalves, na passagem com início em 00:14:16 e fim em 00:14:30 do seu depoimento; e vem admitido na Sentença apelada, conquanto não figurado nos seus factos dados por provados. H – Entrando no Recurso de Direito, cumpre sublinhar que a questão que se coloca é a de saber se, sub judice, a Recorrida, tal como pedido por esta e decidido pelo Tribunal da Primeira Instância, teria direito, ou não, em consequência da revogação unilateral do contrato ajuizado, à indemnização consistente no valor total de €14.900,00, apurado através da multiplicação do valor mensal acordado de €1.490,00 pelos 10 meses que faltavam decorrer até final do período contratual em curso, i. e., desde o mês de Outubro de 2021 até ao mês de Julho de 2022. I – Salvo melhor opinião, atendendo (i.) ao acervo fáctico apurado e à factualidade que se preconiza, em sede recursiva, que também seja dada por provada, bem como (ii.) ao disposto nos artigos 1170.º, 1172.º, 562.º e 566.º do CC, e (iii.) à interpretação jurisprudencial e doutrinal que prevalentemente é dada aos mesmos, o Tribunal recorrido não poderia ter condenado a Recorrente no pagamento da indemnização, juros e custas em que a condenou, ocorrendo, salvo melhor entendimento, erro de julgamento do Tribunal a quo na prolação dos segmentos decisórios A), C) e D) ora sob recurso. J – E se a Jurisprudência exemplificativamente referida na Oposição não permite defender e sustentar a condenação da Recorrente no pagamento da indemnização peticionada no caso e que a Sentença recorrida sancionou a título de pretensos lucros cessantes, com base na factura indicada sob facto provado 22 e comunicação mencionada em 21 dos factos provados, K – a verdade é que também se afigura que a Jurisprudência citada na própria Sentença verberada, igualmente não o consente – é dizer, também a Jurisprudência invocada na Sentença em pretenso apoio do ali decidido, não permitirá esteá-la nem fundar a condenação da Apelante no pagamento da indemnização pedida nestes autos. L – Como bem decidido, o contrato de fls. 10 a 11v dos autos, trata-se de um contrato de prestação de serviços regulado pelos artigos 1154.º e ss. e, ex vi do artigo 1156.º, pelos artigos 1157.º e ss., todos do CC, aplicáveis ao contrato de mandato. M – A comunicação de cessação do contrato submetido a juízo, que a Recorrente enviou à Recorrida em 03.10.2021, constitui uma revogação unilateral do contrato, como também bem decidido pelo Tribunal recorrido (factos provados em 18, 19 e 20 da Matéria de Facto Provada). N – O contrato in casu era livremente revogável pela Recorrente, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 1170.º do CC, não sendo aplicável à situação controvertida o prescrito no n.º 2 do mesmo inciso, como igualmente bem decidido pelo Tribunal da Primeira Instância. O – Nesta acção, veio a Autora/Recorrida pedir a condenação da Recorrente no pagamento do valor de indemnização de €14.900,00, titulado pela fatura n.º 2021/1243, de 20.10.2021, “referente à indemnização de denúncia antecipada por parte do requerido, conforme expressa a cláusula 7.ª do contrato de prestação de serviços gestão de resíduos CPS/RSU/2019/0135 e no seguimento da comunicação efetuada pelo requerido em 26 de outubro de 2021” (cf. PI, 3., g), realce nosso). P – A antedita factura n.º 2021/1243, de 20.10.2021, de fls. 16 dos autos, foi emitida pela Recorrida em 20.10.2021, e, conforme decorre do respectivo teor e se requer seja dado por provado em 22 da matéria provada, contém o seguinte fundamento da respectiva emissão ou descrição: ‘INDEMNIZAÇÃO REF DENÚNCIA ANTECIPADA DO CONTRATO NÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA OUTUBRO 2021 A JULHO 2022” – sublinhado nosso. Q – Conforme resulta provado em 21 dos factos processualmente assentes: “No dia 20 de Outubro de 2021 a Autora remeteu uma carta à Ré”, na qual, entre o mais, fez consignar, que “[d]este modo salientamos que não aceitamos a rescisão solicitada, e enviamos em anexo a fatura referente à indemnização pela denuncia antecipada do contrato indevida, no valor de 14.900 euros pelos 10 meses que faltam até ao término do contrato. (…)’” – sublinhado nosso. R – A partir do dia 04.10.2021, a Recorrida deixou de prestar definitivamente para a Recorrente os serviços objecto do contrato de fls. 10 a 11v dos autos (facto que se defende que seja dado por provado). S – Desta forma, temos que a Autora/Recorrida não veio aos autos pedir o pagamento de uma indemnização por prejuízos eventualmente sofridos com a revogação unilateral do contrato equacionado, levada a cabo pela Recorrente, antes uma indemnização do valor global de €14.900,00, correspondente aos 10 meses que faltavam decorrer até ao fim do contrato, i.e. €1.490,00 de Outubro de 2021 a Julho de 2022 – pedido em que o Tribunal a quo condenou a Apelante, por entender que tal obrigação de pagamento, pelo “lucro cessante (…) resulta não só do artigo 1172º, alínea c), do Código Civil, como resultaria das regras gerais previstas no artigo 562.º e 566.º do Código Civil”. T – Com todo o respeito por diferente opinião, afigura-se que a Sentença sob recurso faz uma errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 1172.º, alínea c), 562.º e 566.º do CC, desde logo porque tais normativos não prevêem, nem consentem, a condenação automática da Recorrente no pagamento da referida indemnização pedida e judicialmente arbitrada na situação a pleito. U – Ou seja, diversamente da interpretação conferida pelo Tribunal recorrido aos indicados normativos legais, o entendimento interpretativo que é atribuído aos mesmos – entendimento que se revela pacífico na Doutrina e na Jurisprudência superior –, é o de que a eventual indemnização devida pela revogação unilateral do contrato de prestação de serviços “sem antecedência conveniente”, deve ser apurada com base na teoria da diferença, e não no lucro cessante apurado pela multiplicação do valor prestacional mensal acordada pelos meses que falta(ria)m decorrer até ao fim do contrato cessado [neste sentido, entre outros, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 10.02.2009, Processo: 4300/07.0TJCBR.C1, Relator Desembargador Jaime Ferreira, consultável em www.dgsi.pt, citado na Oposição dos autos]. V – E igual sentido se extrai do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 19.11.2020, Processo: 10608/19.5T8PRT.P1, Relator Desembargador Paulo Duarte Teixeira, in www.dgsi.pt, Acórdão que vem enunciado, e bem, na Sentença analisanda para apoiar a livre revogabilidade do contrato de prestação de serviço, mas cujo entendimento ali plasmado, de outro passo, não permite acolher a condenação da Recorrente no pagamento da indemnização em que foi condenada a Recorrente pelo Tribunal a quo, pelo contrário. W – Ainda na esteira do entendimento jurisprudencial que vem de ser referido, também nos parece, salvo o devido respeito e melhor opinião, que o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 07.01.2010, Processo: 2464/03.1TBALM.L1-6, Relatora Desembargadora Fátima Galante, acessível em www.dgsi.pt, no qual se funda a Sentença recorrida para acolher a indemnização pedida pela Recorrida, também não permite sufragá-la tal como o fez o Tribunal recorrido, porquanto o entendimento que ali se consagra é precisamente o do apuramento da indemnização por aplicação da teoria da diferença [e não o de poder fundar uma condenação automática e indevida de indemnização por contabilização de todos os meses vincendos até final do período contratual que se encontrava em transcurso]. X – Do que se poderá concluir, e com todo o respeito, que também não andou bem o Tribunal a quo na interpretação e sentido que conferiu, além de aos citados dispositivos legais, ao referido Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, interpretação incorrecta que, deste modo, também inquina o decidido. Y – Pelo que vem de ser exposto, e ao invés do também consignado na Sentença apelada, é de concluir que o disposto nos artigos 562.º e 566.º do CC também não faria incorrer a Recorrente, sem mais, no dever de pagar a indemnização pedida pela Recorrida – qualificada pelo Tribunal recorrido como lucros cessantes – mesmo que se “considerasse que a Ré efectuou uma resolução contratual”. Z – É dizer que, sempre e em qualquer caso, seria necessário a Recorrida alegar e demonstrar os danos eventualmente sofridos pela revogação unilateral ou com a resolução do contrato, o que, de todo em todo, encontra-se alegado ou se discute neste processo. AA – Sublinhe-se, sem prescindir, que a Recorrida também não teria direito à indemnização que pede ao abrigo do contrato sub judice [mormente, ao abrigo da Cláusula 7.ª do mesmo, invocada pela Recorrida para tentar fundar tal pedido de indemnização e que não prevê nenhuma indemnização, a pedida ou qualquer outra], dado que o mesmo não impede a “denúncia antecipada do contrato” ou a revogação unilateral do contrato, nem fixa nenhuma indemnização ou cláusula penal para o caso de a mesma verificar-se. BB – De facto, tendo presente que o contrato em equação (i.) não fixou nenhuma indemnização para o caso de revogação unilateral do mesmo, ou sequer para a respectiva “denúncia antecipada”, (ii.) não estipulou a irrevogabilidade do mesmo, (iii.) nem ali a Recorrente renunciou ao direito de revogação, então impõe-se concluir que, também com apoio naquele contrato, nem a Recorrida teria direito a receber a indemnização que pede, nem, decorrentemente, a Recorrente poderia ter sido condenada, como foi, no pagamento de tal indemnização. CC – E se a Recorrente não deveria ter sido condenada no pagamento da aludida indemnização, também não deveria ter sido condenada nos correspondentes juros e custas processuais, sendo que, nesta sequência, o Tribunal recorrido deveria ter julgado prejudicado o conhecimento da excepção de abuso de direito oportunamente arguida pela Apelante. DD – Ao assim não ter entendido, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento e violou o disposto nos artigos 1170.º, 1172.º, e 562.º e 566.º do CC e 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC. EE – Caso se entenda que a condenação da Recorrente no pagamento da indemnização pedida pela Recorrida e acolhida pelo Tribunal da Primeira Instância não merece censura, o que só hipoteticamente e por mera cautela se admite, sem conceder, então sempre a Sentença recorrida deveria ter absolvido a Recorrente de tal pedido indemnizatório, por o mesmo consubstanciar um manifesto abuso de direito, excepção que foi julgada improcedente na Sentença Recorrida. FF – Na verdade, tendo em mente (i.) que a Recorrida não alegou, nem demonstrou, a ocorrência de quaisquer eventuais prejuízos decorrentes da revogação unilateral do contrato referenciado, (ii.) que deixou de prestar qualquer serviço para a Recorrente após 04.10.2021, (iii.) apesar de a Apelante ter solicitado que a Recorrida retomasse a prestação do serviço contratado até ao fim previsto da duração do contrato, i.e., 10 meses, de Outubro de 2021 a Julho de 2022 (factos provados 23 e 25), (iv.) sempre se afigura manifestamente abusivo o pretenso direito de a Recorrida estar a receber uma indemnização correspondente ao valor da prestação mensal convencionada e correspondente aos 10 meses que restariam até final do período contratual então em curso, quando não prestou qualquer serviço em tal período e quando, por isso, ainda receberia muito mais do que receberia se o prestasse (basta ter presente, e.g., que não teria de despender quaisquer despesas/custos inerentes a esses serviços não prestados). GG – Em suma, a Recorrida pretendeu receber, sob a veste de uma indemnização – e o Tribunal acolheu tal pretensão –, a contraprestação prevista no contrato pelos 10 meses restantes da prevista vigência do mesmo até termo, sem prestar os serviços com base na execução dos quais aquela contraprestação seria devida, o que se mostra contra todos os princípios éticos, sociais e até económicos que norteiam o exercício de qualquer direito. HH – Do que vem de referir-se emerge, pois, que o Tribunal recorrido, entendendo, como entendeu, que a Recorrida teria direito ao pagamento da indemnização que esta pediu [o que não se concede], então sempre deveria ter julgado procedente a excepção peremptória de abuso de direito arguida pela Apelante na sua Oposição, absolvendo-a daquele pedido de indemnização. II – Ao assim não ter entendido, o Tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 334.º do CC e 576.º, n.º 3, e 579.º do CPC. JJ – Quanto às custas processuais inerentes à presente lide, e mercê de tudo quanto vem de ser aduzido, a Recorrente só deveria ter sido responsabilizada na proporção correspondente ao valor global de €7.745,60, relativo ao capital e juros das demais facturas dos autos e cujo pagamento ocorreu após a instauração do presente processo [valor patenteado na Sentença apelada]. KK – Significa dizer que, com o segmento dispositivo em D), o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento e violou o disposto no artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC”. A Autora não apresentou Contra-Alegações. ** Questões a Decidir São as Conclusões da Recorrente que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera de actuação do tribunal ad quem (exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial, como refere, Abrantes Geraldes[1]), sendo certo que, tal limitação, já não abarca o que concerne às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), aqui se incluindo qualificação jurídica e/ou a apreciação de questões de conhecimento oficioso. In casu, e na decorrência das Conclusões da Recorrente, importará: A – verificar se alguma da factualidade apurada se mostra adequadamente colocada em causa e, na afirmativa, se existe algo a alterar: I - quanto à redacção do Facto 22 (aditando o número e o motivo da emissão da factura que titula a indemnização pedida e para melhor concretização da mesma) para “No dia 20 de Outubro de 2021 foi emitida pela Autora, e remetida à Ré para pagamento, a fatura 2021/1243, com data de vencimento em 19 de Novembro de 2021, com o valor total de 14.900 euros, com a seguinte descrição: ‘INDEMNIZAÇÃO REF DENÚNCIA ANTECIPADA DO CONTRATO NÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA OUTUBRO 2021 A JULHO 2022’”; II - quanto à necessidade de acrescentar a seguinte factualidade: IIa- Foi estipulado, na cláusula 7.ª do contrato dos autos, que “O presente contrato tem início a 01 de agosto de 2019 e caduca a 31 de julho de 2020. Contudo as partes acordam, desde já, na sua renovação automática, por períodos de 1 (um) ano, sem prejuízo do estatuído na cláusula décima”; IIb- A Autora deixou de prestar definitivamente serviços para a Recorrente, a partir do dia 04.10.2021. B – apreciar se a acção se mostra correctamente decidida e devidamente apreciado o regime da revogação unilateral do contrato de prestação de serviços e a eventual existência de uma situação de abuso de direito. ** Corridos que se mostram os Vistos, cumpre decidir. ** Fundamentação de Facto O Tribunal considerou provada a seguinte factualidade[2]: 1- No dia 01 de Agosto de 2019, a Autora celebrou com a Ré um contrato denominado de Prestação de Serviços Gestão de Resíduos. 2- Foi estipulado, na cláusula 7.ª do contrato que “O presente contrato tem início a 01 de agosto de 2019 e caduca a 31 de julho de 2020. Contudo as partes acordam, desde já, na sua renovação automática, por períodos de 1 (um) ano, sem prejuízo do estatuído na cláusula décima”[3]. 3- Foi estipulado na cláusula 10.ª do contrato que em caso de violação grave dos deveres estipulados no presente contrato, a parte prejudicada poderia resolver o contrato, a todo o tempo, e sem direito a qualquer indemnização a pagar à parte faltosa, sem prejuízo da responsabilidade civil desta. 4- Foi estipulado, na cláusula 8.ª do contrato que como contrapartida pela prestação de serviços a Ré pagaria a quantia mensal de 1.490 euros mais IVA. 5- Foi estipulado no n.º 2 da cláusula 5.ª do contrato que caso existisse lugar a renovações do contrato proceder-se-ia à actualização do preço fixado por acordo entre os contraentes, na data das eventuais renovações. 6- Foi estipulado do n.º 3 da cláusula 5.ª do contrato celebrado que se os contraentes não lograssem entendimento quanto à fixação do novo preço o contrato poderia ser denunciado nos termos da cláusula 10.ª, observando-se até final do contrato o preço que então vigorar. 6A - Foi estipulado na cláusula 2.ª do contrato que: 1. Pelo presente contrato a SEGUNDA CONTRAENTE obriga-se a prestar à PRIMEIRA CONTRAENTE os seguintes serviços: 1.1 Recolha, transporte, triagem e entrega a entidades recetoras, devidamente licenciadas para o efeito, dos resíduos sólidos valorizáveis/recicláveis, nomeadamente cartão, filme plástico, embalagens de vidro, embalagens de metal e de plásticos» plásticos mistos, paletes, resíduos orgânicos e ainda de cerâmica, madeiras não especificadas e das resíduos indiferenciados gerais; 1.2 Registar diariamente em documentos de controlo interno, todas as quantidades recolhidas; 1.3 Fornecer, ao fim de cada mês, dados estatísticos, devidamente tratados, referentes às quantidades de todos os tipos de resíduos recolhidos; 1.4 Realizar vistorias às instalações (casa do lixo) da SEGUNDA CONTRAENTE, por um elemento do quadro técnico superior, a fim de avaliar a qualidade da nossa prestação e vice-versa, 1.5 Coordenação, estabelecimento e execução, em conformidade com as necessidades, e após aprovação prévia da PRIMEIRA CONTRAENTE, do programa de recolhas e evacuação de resíduos do H…; 1.6 Garantir a ausência de resíduos ou desperdícios acumulados, com as vantagens inerentes à minimização do espaço ocupado» incremento significativo do estado de limpeza e da organização dos mesmos, bem como minimização de riscos de incêndio; 1.7 Garantir o bom estado de conservação de todos os equipamentos afetas à prestação de serviços, assegurando sempre as boas práticas de utilização; 1.8 Adequada utilização dos meios operacionais (contentores devidamente identificados), em local previamente definido, de forma a permitir a deposição dos desperdícios em Função dos seus tipos, obtendo-se assim uma seleção na origem; 1.9 Colaboração na manutenção do estado de limpeza da zona de resíduos e dos meios operacionais instalados, propriedade da PRIMEIRA ou da SEGUNDA CONTRAENTES; 2. (...)” 6B – Foi estipulado na cláusula 3.ª do contrato que: 1. Todos os custos de mão-de-obra e de materiais necessários à manutenção e conservação dos equipamentos propriedade da SEGUNDA CONTRAENTE, são da sua responsabilidade, salvo se os danos causados forem causados por negligência, acidentes ou incêndio, provocados por pessoal estranho à SEGUNDA CONTRAENTE. 2. Os custos do material necessário à manutenção e conservação dos equipamentos, propriedade da PRIMEIRA CONTRAENTE, são da sua responsabilidade exceto se os danos forem causados por pessoal da SEGUNDA CONTRAENTE”. 7- No mês de Fevereiro de 2021, em virtude da pandemia de COVID 19, as partes acordaram uma redução temporária do valor contratado em 25%. 8- No dia 02 de Abril de 2021 foi emitida pela Autora e remetida à Ré para pagamento uma factura com data de vencimento em 20 de Maio de 2021, no valor global de 1.564,50 euros, sendo devido o valor de 1.203,46 euros, por se encontrar em vigor o desconto de 25%. 9- No dia 20 de Maio de 2021 foi emitida pela Autora e remetida à Ré para pagamento uma factura com data de vencimento em 19 de Junho de 2021, com o valor global de 1.564,50 euros, sendo devido o valor de 1.203,46 euros, por se encontrar em vigor o desconto de 25%. 10- No dia 20 de Junho de 2021 foi emitida pela Autora e remetida à Ré para pagamento uma factura com data de vencimento em 20 de Julho de 2021, com o valor global de 1.564,50 euros, sendo devido o valor de 1.203,46 euros, por se encontrar em vigor o desconto de 25%. 11- No dia 20 de Julho de 2021 foi emitida pela Autora e remetida à Ré para pagamento uma factura com data de vencimento em 19 de Agosto de 2021, com o valor global de 1.564,50 euros, sendo devido o valor de 1.203,46 euros, por se encontrar em vigor o desconto de 25%. 12- No dia 20 de Agosto de 2021 foi emitida pela Autora e remetida à Ré para pagamento uma factura com data de vencimento em 19 de Setembro de 2021, com o valor global de 1.564,50 euros, sendo devido o valor de 1.203,46 euros, por se encontrar em vigor o desconto de 25%. 13- No dia 20 de Setembro de 2021 foi emitida pela Autora e remetida à Ré para pagamento uma factura com data de vencimento em 20 de Outubro de 2021, com o valor global de 1.564,50 euros. 14- Essa factura já não previa o desconto de 25%. 15- Não existiram quaisquer negociações entre a Autora e a Ré em Julho de 2021. 16- Durante a vigência do contrato foram efectuados pela Ré vários pagamentos após a data de vencimento das facturas emitidas. 17- A Autora nunca cobrou juros à Ré na vigência do contrato. 18- No dia 03 de Outubro de 2021, a Ré enviou um e-mail à Autora com o seguinte conteúdo: “Bom dia, Exmos. Srs., Espero que este email vos encontre bem. Serve este email, a pedido da Administração do H…, para informar quer a partir de 04 de Outubro de 2021, cessamos a recolha de resíduos com a vossa empresa. Prescindimos do serviço devido à inflexibilidade na negociação das tarifas e à incerteza dos mercados de inverno. Deste modo, não podemos considerar uma tarifa tão alta para a recolha de resíduos. Agradecemos antecipadamente a vossa atenção. Com os melhores cumprimentos (…)”. 19- No mesmo dia, a Ré remeteu uma carta à Autora com o mesmo conteúdo. 20- A carta foi recebida em 11 de Outubro de 2021. 21- No dia 20 de Outubro de 2021 a Autora remeteu uma carta à Ré com o seguinte conteúdo: “Exmos. Srs. Acusamos a receção da vossa carta recebida no dia 11/10/2021, a qual mereceu a nossa atenção e à qual enviamos a devida informação. Entre a M, Lda. e o H, SA, foi celebrado um contrato de prestação de serviços, com efeito no dia 01 de Agosto de 2019 a 31 de Julho de 2020, renovável automaticamente por períodos iguais. No contrato em causa, estão devidamente identificadas as cláusulas do contrato, sendo que o contrato vigora até 31 de Julho de 2022. No que diz respeito à vossa carta, é do nosso entendimento que os motivos alegados por V.Exas., não constituem motivo para a denúncia antecipada do mesmo. Deste modo salientamos que não aceitamos a rescisão solicitada, e enviamos em anexo a fatura referente à indemnização pela denuncia antecipada do contrato indevida, no valor de 14.900 euros pelos 10 meses que faltam até ao término do contrato. No que respeita às faturas anteriores, enviamos também em anexo o vosso extrato de conta corrente, ao qual solicitamos o pagamento das faturas já vencidas. Esperamos receber notícias breves da vossa parte. Obrigado pela atenção”. 22- No dia 20 de Outubro de 2021 foi emitida pela Autora, e remetida à Ré para pagamento, a factura 2021/1243, com data de vencimento em 19 de Novembro de 2021, com o valor total de 14.900 euros, com a seguinte descrição: ‘INDEMNIZAÇÃO REF DENÚNCIA ANTECIPADA DO CONTRATO NÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA OUTUBRO 2021 A JULHO 2022’[4]. 23- No dia 26 de Outubro de 2021, a Ré remeteu à Autora uma carta com o seguinte conteúdo: “Exmos. Srs., No seguimento do vosso processo SUSP/M/0002, vimos por este meio informar que, iremos cumprir a vigência do contrato até 31/07/2022, não havendo lugar a qualquer indemnização. Informamos ainda que as recolhas serão cumpridas na totalidade. Agradecendo a colaboração prestada, subscrevemo-nos com os melhores cumprimentos”. 24- No dia 27 de Outubro de 2021, a Autora recebeu a carta remetida pela Ré em 26 de Outubro de 2021. 25- No dia 27 de Outubro de 2021, a Ré enviou à Autora um e-mail com o seguinte conteúdo: “Boa tarde, Exmos. Srs. Espero que este e-mail vos encontre bem. Em resposta à carta por vós enviada, datada a 20 de Outubro de 2021, foi enviada ontem uma resposta por carta registada, que envio também em anexo para que possam tomar conhecimento. Pedimos então uma retoma dos serviços para que o contrato possa ser cumprido, sem lugar a indemnização. Agradecia ainda que, se possível, fosse enviada uma cópia do contrato de prestação de serviços mencionado por vós na carta. Ficamos a aguardar a vossa resposta. Obrigada. Com os melhores cumprimentos”. 26- No dia 28 de Outubro de 2021, a Ré enviou um e-mail à Autora com o seguinte conteúdo: “Exmos. Srs. Espero que e-mail vos encontre bem. Após conversa telefónica há instantes com a Sra. HG, informamos que: - Continuamos a aguardar o contrato assinado por ambas as partes; - No que diz respeito aos pagamentos de avenças pendentes, foi-nos exigido o pagamento na totalidade para que as recolhas fossem reativadas. Informamos que se as recolhas não voltarem à sua normalidade, o contrato será cancelado com justa causa. Aguardo a vossa resposta. Obrigada. Com os melhores cumprimentos”. 27- No dia 04 de Janeiro de 2022, a Ré remeteu à Autora uma carta com o seguinte conteúdo: “Exmos. Srs., No seguimento do vosso processo SUSP/M/2021/0002, vimos por este meio informar que, dado o incumprimento nas recolhas da vossa parte, desde outubro, solicitamos o cancelamento dos vossos serviços. Agradecendo a colaboração prestada, subscrevem-nos com os melhores cumprimentos”. 28- A carta foi recebida no dia 06 de Janeiro de 2022. 29- No dia 15 de Novembro de 2022 a Ré procedeu ao pagamento do montante global de 7.745,60 euros, relativo às facturas em dívida anteriores a Outubro de 2021. *** O Tribunal considerou Não Provados os seguintes factos com relevância para a decisão proferida: A) A Autora informou a Ré de que a factura de 20 de Setembro de 2021 já seria emitida com o valor original, sem o desconto de 25%. B) A Autora, em data posterior a 27 de Outubro de 2021, exigiu o pagamento das quantias pendentes, acrescida da indemnização de 14.900 euros, para retoma do serviço. **** Apreciação da Matéria de Facto O artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil dispõe que o Tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que haja firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada. Neste momento processual releva ainda o artigo 662.º do Código de Processo Civil, que começa por afirmar que a “Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”[5]. Como, aliás, assinala o Conselheiro Tomé Gomes no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07 de Setembro de 2017 (Processo n.º 959/09.2TVLSB.L1.S1) é “hoje jurisprudência corrente, mormente do STJ, que a reapreciação, por parte do tribunal da 2.ª instância, da decisão de facto impugnada não se deve limitar à verificação da existência de erro notório, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, pelo tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa”. Quando uma parte em sede de recurso pretenda impugnar a matéria de facto[6], nos termos do artigo 640.º, n.º 1, impõe-se-lhe o ónus de: 1) indicar (motivando) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (sintetizando ainda nas conclusões) – alínea a); 2) especificar os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada (indicando as concretas passagens relevantes – n.º 2, alíneas a) e b)), que impunham decisão diversa quanto a cada um daqueles factos, propondo a decisão alternativa quanto a cada um deles – n.º 1, alíneas b) e c). Está aqui em causa, como sublinha com pertinência Abrantes Geraldes, o “princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”[7], sempre temperado pela necessária proporcionalidade e razoabilidade[8], sendo que, basicamente, o essencial que tem de estar reunido é “a definição do objecto da impugnação (que se satisfaz seguramente com a clara enunciação dos pontos de facto em causa), com a seriedade da impugnação (sustentada em meios de prova indicados e explicitados e com a assunção clara do resultado pretendido)”[9]. Como pano de fundo da apreciação a fazer dos factos que estejam em causa, também a circunstância de não se proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação “não forem susceptíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (art.ºs 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.)” (Acórdãos da Relação de Guimarães de 15 de Dezembro de 2016, Processo n.º 86/14.0T8AMR.G1 - Maria João Matos[10] e da Relação de Lisboa de 26 de Setembro de 2019, Processo n.º 144/15.4T8MTJ.L1-2 - Carlos Castelo Branco). Assim, caberá ao Tribunal da Relação apreciar a matéria de facto de cuja apreciação o/a Recorrente discorde e impugne (fazendo sobre ela uma nova apreciação, um novo julgamento, após verificar a fundamentação do Tribunal a quo, os elementos e argumentos apresentados no recurso e a sua própria percepção perante a totalidade da prova produzida), continuando a ter presentes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e que “o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta”, pelo que “o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. Por outras palavras, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância”[11] (sublinhado e carregado nossos). Ana Luísa Geraldes sublinha mesmo que, em “caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte»[12]. O Tribunal da Relação deve usar aquilo a que Miguel Teixeira de Sousa chama de “um critério de razoabilidade ou de aceitabilidade dessa decisão. Este critério conduz a confirmar a decisão recorrida, não apenas quando for indiscutível que a mesma é correcta, mas também quando aquela se situar numa margem de razoabilidade ou de aceitabilidade reconhecida pela Relação”[13]. Verificadas as Alegações e Conclusões da Recorrente os requisitos exigidos mostram-se preenchidos, pese embora no que concerne ao aditamento do artigo 16.º da Oposição, estar feita a referência a um depoimento testemunhal, cuja concreta passagem se não mostra transcrita (embora devidamente identificada e autonomizada nos 14 segundos a que se reporta). Por um critério de razoabilidade (14’’ facilmente encontráveis), quanto a esta concreta questão, não fica obstada a apreciação da impugnação. Assim sendo, verifiquemos as pretensões da Recorrente: I - quanto à necessidade de alterar a redacção do Facto 22 (aditando o número e o motivo da emissão da factura que titula a indemnização pedida e para sua melhor concretização), para melhor corresponder ao documento a que se reporta, nada obsta ao deferimento da pretensão em causa, pelo que se determina que o aludido Facto, passa a ter a seguinte redacção: “No dia 20 de Outubro de 2021 foi emitida pela Autora, e remetida à Ré para pagamento, a fatura 2021/1243, com data de vencimento em 19 de Novembro de 2021, com o valor total de 14.900 euros, com a seguinte descrição: ‘INDEMNIZAÇÃO REF DENÚNCIA ANTECIPADA DO CONTRATO NÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA OUTUBRO 2021 A JULHO 2022’”. II - quanto à necessidade de acrescentar um facto contendo a transcrição do que consta na Cláusula 7.ª do Contrato e seguindo o critério utilizado na elaboração da Sentença (onde, nos Factos 3 a 6, consta a transcrição de várias das cláusulas do contrato referido nos Factos 1.º e 2.º com relevância para a apreciação da acção), nada obsta também a que tal pretensão seja deferida (embora o Facto 2 já contemplasse parcialmente a matéria) e mesmo que se transcrevam outras duas Cláusulas com relevância para a decisão da causa (a 2.ª e a 3.ª). Assim, e em conformidade, determina-se seja corrigido, rectius, completado, o Facto 2 e acrescentados os Factos 6A e 6B, que passam a ter a seguinte redacção: Facto 2: “Foi estipulado, na cláusula 7.ª do contrato dos autos, que “O presente contrato tem início a 01 de agosto de 2019 e caduca a 31 de julho de 2020. Contudo as partes acordam, desde já, na sua renovação automática, por períodos de 1 (um) ano, sem prejuízo do estatuído na cláusula décima”; Facto 6A “Foi estipulado na cláusula 2.ª do contrato que: 1. Pelo presente contrato a SEGUNDA CONTRAENTE obriga-se a prestar à PRIMEIRA CONTRAENTE os seguintes serviços: 1.1 Recolha, transporte, triagem e entrega a entidades recetoras, devidamente licenciadas para o efeito, dos resíduos sólidos valorizáveis/recicláveis, nomeadamente cartão, filme plástico, embalagens de vidro, embalagens de metal e de plásticos» plásticos mistos, paletes, resíduos orgânicos e ainda de cerâmica, madeiras não especificadas e das resíduos indiferenciados gerais; 1.2 Registar diariamente em documentos de controlo interno, todas as quantidades recolhidas; 1.3 Fornecer, ao fim de cada mês, dados estatísticos, devidamente tratados, referentes às quantidades de todos os tipos de resíduos recolhidos; 1.4 Realizar vistorias às instalações (casa do lixo) da SEGUNDA CONTRAENTE, por um elemento do quadro técnico superior, a fim de avaliar a qualidade da nossa prestação e vice-versa, 1.5 Coordenação, estabelecimento e execução, em conformidade com as necessidades, e após aprovação prévia da PRIMEIRA CONTRAENTE, do programa de recolhas e evacuação de resíduos do H…; 1.6 Garantir a ausência de resíduos ou desperdícios acumulados, com as vantagens inerentes à minimização do espaço ocupado» incremento significativo do estado de limpeza e da organização dos mesmos, bem como minimização de riscos de incêndio; 1.7 Garantir o bom estado de conservação de todos os equipamentos afetas à prestação de serviços, assegurando sempre as boas práticas de utilização; 1.8 Adequada utilização dos meios operacionais (contentores devidamente identificados), em local previamente definido, de forma a permitir a deposição dos desperdícios em Função dos seus tipos, obtendo-se assim uma seleção na origem; 1.9 Colaboração na manutenção do estado de limpeza da zona de resíduos e dos meios operacionais instalados, propriedade da PRIMEIRA ou da SEGUNDA CONTRAENTES; 2. (...)”; Facto 6B Foi estipulado na cláusula 3.ª do contrato que: 1. Todos os custos de mão-de-obra e de materiais necessários à manutenção e conservação dos equipamentos propriedade da SEGUNDA CONTRAENTE, são da sua responsabilidade, salvo se os danos causados forem causados por negligência, acidentes ou incêndio, provocados por pessoal estranho à SEGUNDA CONTRAENTE. 2. Os custos do material necessário à manutenção e conservação dos equipamentos, propriedade da PRIMEIRA CONTRAENTE, são da sua responsabilidade exceto se os danos forem causados por pessoal da SEGUNDA CONTRAENTE”. III - Quanto à necessidade de acrescentar um Facto referindo que a Autora deixou de prestar definitivamente serviços para a Recorrente a partir do dia 04.10.2021 indefere-se tal pretensão, por inutilidade e insusceptibilidade de alterar a decisão do processo: é, de facto, matéria em que ambas as partes estão de acordo, mas, até por isso, nada é peticionado quanto a esse período. · Fundamentação de Direito A Sentença sob recurso assenta o decidido num processo de raciocínio estruturado a partir da análise de cinco matérias, assim identificadas: A - a natureza do contrato; B - a resolução por incumprimento; C - a resolução por fixação de novo preço; D - a revogação unilateral; E - os montantes em dívida/dever de indemnização; F - do abuso do direito. Deste modo, o Tribunal assume estes passos no seu raciocínio: I - A acção destina-se à efetivação de responsabilidade civil contratual. II – (A) Autora e Ré celebraram um contrato de prestação de serviços (artigo 1154.º do Código Civil: “Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”). III - o artigo 1155.º do Código Civil dispõe que o “mandato, o depósito e a empreitada, regulados nos capítulos subsequentes, são modalidades do contrato de prestação de serviço”, estabelecendo o artigo 1156.º as “disposições sobre o mandato são extensivas, com as necessárias adaptações, às modalidades do contrato de prestação de serviço que a lei não regule especialmente”. IV - A situação dos autos, não se tratando de um mandato, depósito ou empreitada, remete para a aplicação das disposições sobre o mandato. V - O contrato teve início a 01 de Agosto de 2019 e caducaria a 31 de Julho de 2020, tendo-se renovado automaticamente (de acordo com a Cláusula 7.ª) por um ano, até 31 de Julho de 2021 e, posteriormente, 31 de Julho de 2022, uma vez que nenhuma das partes manifestou intenção de lhe por fim. VI - Não restam dúvidas de que o contrato celebrado entre as partes se encontrava em vigor até 31 de Julho de 2022. VII - Quanto ao desconto de 25% efectuado pela Autora nas facturas emitidas entre Fevereiro e Agosto de 2021, tal resultou de um acordo entre as partes, em virtude da pandemia de COVID 19, para uma redução temporária do valor contratado nessa percentagem. VIII - Esta alteração temporária não configura uma modificação do contrato, nos termos do artigo 437.º do Código Civil, nem reuniria os requisitos para tal, tendo sido um simples acordo, temporário, de redução do preço cobrado pela Autora. IX - Assim sendo, o contrato renovou-se automaticamente até 31 de Julho de 2022, mantendo-se o valor contratado de 1.490 euros mais IVA (Cláusula 8.ª), não tendo existido qualquer negociação no sentido de modificar o valor contratualizado. X – (B) A 04 de Janeiro de 2022 a Ré resolveu o contrato de prestação de serviços por incumprimento da Autora (a Ré enviou e-mail e, após, carta registada com aviso de receção, no dia 03 de Outubro de 2021, tendo essa carta sido recebida em 11 de Outubro de 2021, a comunicar que cessava o contrato que se encontrava vigente entre as partes). XI - Esta comunicação efectuada pela Ré configura uma declaração receptícia, pelo que produziu os seus efeitos em 11 de Outubro de 2021 (artigos 436.º, n.º 1 e 224.º, n.º 1, do Código Civil). XII – A partir dessa data não é possível existir qualquer incumprimento por parte da Autora, uma vez que o contrato já tinha cessado, por resolução, não sendo, naturalmente, possível incumprir um contrato que já se encontrava extinto. XIII - Mostram-se, assim, irrelevantes as comunicações posteriores efectuadas pela Ré a dar sem efeito a resolução, uma vez que a mesma já havia operado. XIV – A solução não varia em nada se se entender que a comunicação da Ré não configurou uma resolução de contrato, mas sim uma revogação, uma vez que a revogação, tal como a resolução, configura uma declaração receptícia, que produz efeitos a partir do momento em que chega ao poder do destinatário ou é dele conhecida (artigo 224.º, n.º 1, do Código Civil), ou seja, 11 de Outubro de 2021. XV – (C) A resolução por fixação de novo preço (embora não alegada na Contestação, mas referida no depoimento de uma testemunha): em face do artigo do artigo 432.º do Código Civil (que admitida a resolução fundada em convenção) e da Cláusula 5.ª, n.º 2 (“Caso haja lugar a renovações do presente contrato nos termos da cláusula sétima, proceder-se-á à atualização do preço fixado no nº1 da cláusula oitava, por acordo entre os contraentes, na data das eventuais renovações, devendo a segunda contraente apresentar orçamento para o ano seguinte, até 15 dias antes do fim do respetivo prazo”) e 3 (“Se os contraentes não lograrem entendimento quanto à fixação do novo preço o presente contrato poderá ser denunciado nos termos da cláusula 10.ª, observando-se até final do contrato o preço que então vigorar”), e tendo o preço contratado sido de €1.490+IVA, tendo havido acordo para um desconto temporário de 25%, tal não consistiu numa alteração/modificação do contrato de forma permanente (não se fixou um novo preço), pelo que nada obstou à renovação automática até Julho de 2022, nos termos da Cláusula 7.ª, pelo que a Ré não poderia denunciar o contrato (o preço contratado foi sempre o mesmo). XVI – (D) A revogação unilateral: a Ré pretende que a sua comunicação de 03 de Outubro de 2021 não configurou uma resolução, mas sim uma revogação unilateral que é livre e consiste num direito que lhe assiste. XVII – Assente que o contrato é uma prestação de serviços que não é um mandato, um depósito ou uma empreitada e que, em face do artigo 1156.º do Código Civil, lhe são aplicáveis as disposições sobre o mandato, o artigo 1170.º do Código Civil, estabelece que este “é livremente revogável por qualquer das partes, não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito de revogação (n.º 1) e que se “tiver sido conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro, não pode ser revogado pelo mandante sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa”. XVIII – Seguindo Maria Helena Brito e Maria de Lurdes Vargas (Código Civil Anotado, Volume I - artigos 1.º a 1250.º, Almedina, páginas 1502 e seguintes): “(…) a livre revogabilidade tem natureza imperativa (…). A livre revogabilidade unilateral instituída no artigo 1170.º, nº1, não se aplica apenas aos contratos celebrados por tempo indeterminado, aplica-se a todos os outros: mandatos duradouros, por tempo determinado, e mandatos de execução instantânea diferida (…). É um poder de grande alcance, que não pode ser afastado por convenção em contrário ou renúncia. Produz efeitos ainda que não seja exercido com uma antecedência conveniente (quer assuma a natureza de denúncia ou de revogação imprópria). Sendo o mandato oneroso, por termo certo ou para assunto determinado, a revogação efetuada pelo mandante sem a antecedência conveniente constitui o mandante na obrigação de indemnizar a outra parte (1172.º, c)), mas não deixa de produzir os seus efeitos extintivos (…) O nº2 deste artigo afasta da livre revogabilidade um grupo importante de contratos, os chamados mandatos de interesse comum, nos quais ao interesse do mandante se soma um interesse do mandatário ou de terceiro. Tais contratos são celebrados com mais do que um fim. À vantagem económica ou social visada pelo mandante ou mandantes acresce uma outra ou outras, visadas pelo mandatário ou por terceiro, que é elevada a fim particular do contrato. Se o mandato for oneroso, há necessariamente uma vantagem económica para o mandatário, a obtenção de uma remuneração. Mas não é essa vantagem que está em causa. O interesse do mandatário não é suficiente para afastar o direito do mandante de recuperar a sua autodeterminação”. XIX – O contrato dos autos corresponde a uma prestação de serviços onerosa, existindo uma vantagem económica para a Autora; todavia, tal interesse da Autora não é suficiente para afastar o direito da Ré à livre revogação do mandato, não se podendo considerar que se trata de uma prestação de serviços de interesse comum. XX - À luz de tudo o referido, dúvidas não restam que o contrato de prestação de serviços celebrado entre a Autora e a Ré era livremente revogável. XXI – Configurando a revogação uma declaração receptícia, tornou-se eficaz quando chegou ao conhecimento da Autora (11 de Outubro de 2021), considerando-se o contrato revogado nessa data, sem prejuízo da existência de um dever de indemnizar. XXII – (E) Os montantes em dívida-Dever de indemnização: o artigo 1172.º do Código Civil dispõe que a “parte que revogar o contrato deve indemnizar a outra do prejuízo que esta sofrer: a) Se assim tiver sido convencionado; b) Se tiver sido estipulada a irrevogabilidade ou tiver havido renúncia ao direito de revogação; c) Se a revogação proceder do mandante e versar sobre mandato oneroso, sempre que o mandato tenha sido conferido por certo tempo ou para determinado assunto, ou que o mandante o revogue sem a antecedência conveniente; d) Se a revogação proceder do mandatário e não tiver sido realizada com a antecedência conveniente”. XXIII – Quanto à alínea c), Maria Helena Brito e Maria de Lurdes Vargas, escrevem que se refere apenas “ao mandato oneroso, nas hipóteses de mandato com termo, certo ou incerto, e ao mandato sem termo que haja sido denunciado pelo mandante sem uma antecedência conveniente. Restringindo-se ao mandato oneroso, parece ligar a indemnização ao defraudamento da expetativa de determinada retribuição. Daí poderá concluir-se que a indemnização cobrirá o lucro cessante, mas não o dano emergente (…) O lucro cessante corresponderá ao período diferencial. No mandato a termo corresponderá à remuneração que o mandatário deveria obter durante o período remanescente do contrato (…)”. XXIV - No caso dos autos a Ré tem o dever de indemnizar a Autora pelo lucro cessante, obrigação que resulta não só do artigo 1172º, alínea c), do Código Civil, como resultaria sempre das regras gerais previstas no artigo 562.º e 566.º do Código Civil. XXV - A Ré confunde na sua defesa a livre revogabilidade do contrato de prestação de serviços com o dever de indemnizar: a Ré pode revogar livremente o contrato, como revogou, mas, naturalmente, tem o dever de indemnizar a Autora pelos lucros cessantes, nos termos dos artigos 1172.º, alínea c) e 566.º do Código Civil, configurando uma indemnização por factos lícitos. XXVI - A ratio da previsão da alínea c) do art.º 1172.º do Código Civil é a tutela da confiança: tutelar o direito do mandatário à retribuição do mandato, pois que um dos pressupostos da responsabilidade do mandante-revogante é que o mandato seja retribuído (em ambas as situações da alínea c) o prejuízo do mandatário traduz-se na perda da retribuição a que tinha direito, procurando-se fixar o lucro cessante do mandatário). XXVII - A indemnização deve restabelecer o status quo ante, isto é, indemnizar o interesse contratual negativo da Autora (diferença entre o que teria gasto e o que teria recebido, deduzido do que ganhou, por não ter de cumprir integralmente o contrato celebrado com a Ré). XXVIII - No caso em apreço, o contrato foi revogado pela Ré em Outubro, não tendo esse mês sido cobrado pela Autora, pelo que é exigível pela Autora o lucro cessante dos meses de Outubro, Novembro, Dezembro, Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho e Julho (o lucro cessante de dez meses, face à renovação do contrato até 31 de Julho de 2022) - €1.490 x 10 (não se contabilizando o IVA, uma vez que o mesmo é devolvido ao Estado. XXIX – A Ré deve ser condenada ao pagamento à Autora da quantia de €14.900, a título de lucros cessantes, pela revogação antecipada (e livre) do contrato de prestação de serviços celebrado, a que acrescem juros, à taxa de 7% (por se tratar de relação comercial) desde a data do vencimento da factura emitida pela Autora para a Ré proceder ao pagamento dessa quantia (19 de Novembro de 2021). XXX – À mesma solução se chegaria se se considerasse que a Ré efectuou uma resolução contratual, nos termos dos artigos 436.º e 224.º do Código Civil, uma vez que sempre seria uma resolução sem base legal ou contratual, incorrendo a Ré no dever de indemnização nos termos gerais, previstos nos artigos 562.º e 566.º do Código Civil, pelos lucros cessantes. XXXI - Quanto à quantia peticionada a título de quantias por serviços prestados em data anterior a Outubro de 2021, a Ré - em 15 de Novembro de 2022 - procedeu ao pagamento do montante global de €7.745,60, tendo já sido emitidas notas de crédito quanto a essas quantias, motivo pelo qual nada é, neste momento, devido a esse título. XXXII – (F) Do abuso do direito. Invocou a Ré que a Autora age com abuso de direito, uma vez que se recusou a retomar os serviços quando a Ré comunicou que pretendia cumprir o contrato. XXXIII - Dispõe o artigo 334.º do Código Civil que “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”. XXXIV - A Autora não agiu com qualquer abuso do direito, porque não retomou a prestação dos serviços face à revogação do contrato por parte da Ré. XXXV - Tendo a Ré revogado o contrato de prestação de serviços é legitimo à Autora exigir os montantes relativos aos lucros cessantes, não excedendo o exercício desse direito manifestamente os limites impostos pela boa fé, bons costumes ou fim social ou económico. XXXVI – Quanto às custas do processo, o pedido da Autora é totalmente procedente, só não sendo a Ré condenada no pagamento da totalidade dos montantes peticionados pela Autora porque já procedeu ao pagamento de parte deles em 15 de Novembro de 2022. *** Estamos diante de uma Sentença particularmente bem estruturada e fundamentada, que utiliza uma fundamentação de facto e de Direito, assertiva, clara e compreensível. Resta saber se com soluções acertadas. Defende a Ré, depois de assumir que não questiona nem a qualificação do contrato (como de prestação de serviços), nem a qualificação da modalidade da cessação do mesmo (como de revogação unilateral levada a cabo por si), nem a liberdade para o poder ter feito (por nem o contrato em concreto, nem a Lei, a impedirem), que o Tribunal a quo cometeu um erro de julgamento. E isto porque entende que a livre (e unilateral) revogabilidade do contrato que celebrou com a Autora não lhe poderia acarretar o pagamento de qualquer indemnização. Ora, de facto: - o n.º 1 do artigo 1170.º do Código Civil (Revogabilidade do mandato), preceitua que o “mandato é livremente revogável por qualquer das partes, não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito de revogação”, acrescentando o n.º 2, que se “o mandato tiver sido conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro, não pode ser revogado pelo mandante sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa”; - o contrato dos autos não se enquadra na previsão do n.º 2 do artigo 1170.º; - a Ré-Recorrente enviou à Autora-Recorrida, a 03 de Outubro de 2021, a comunicação de cessação do contrato em causa nos autos (Factos 18, 19 e 20), revogando-o unilateralmente; - em sequência, a Autora enviou à Ré (a 20 de Outubro de 2021), a factura 2021/1243 (com data de vencimento a 19 de Novembro de 2021), com o valor de € 14.900, reportada a ‘INDEMNIZAÇÃO REF DENÚNCIA ANTECIPADA DO CONTRATO NÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA OUTUBRO 2021 A JULHO 2022’ (Facto 22). Mas, deste contexto factual, a Ré retira que a Autora/Recorrida não veio aos autos pedir o pagamento de uma indemnização por prejuízos eventualmente sofridos com a revogação unilateral do contrato equacionado levada a cabo pela Ré-Recorrente, mas sim uma indemnização correspondente aos 10 meses que faltavam decorrer até ao fim do contrato (Outubro de 2021 a Julho de 2022). E foi perante este mesmo enquadramento que o Tribunal, entendeu que a Ré tinha de indemnizar a Autora, nos termos do artigo 1172º, alínea c), do Código Civil (com o mesmo resultado que teria, seguindo as regras gerais previstas nos artigos 562.º e 566.º). Começa, a este propósito, por se dizer que o Tribunal, não condenou nem qualificou de modo distinto o que a Autora peticionou, limitando-se a - e bem - qualificar os montantes peticionados na acção como uma “indemnização a título de lucros cessantes”, sendo certo que esse mesmo montante foi o que foi liquidado através da Factura referida no Facto 22 (Factura n.º 2021/1243, no valor de €14.900, expressamente reportada à indemnização de denúncia antecipada por parte do requerido, de acordo com a Cláusula 7.ª do contrato de prestação de serviços gestão de resíduos CPS/RSU/2019/0135 e no seguimento da comunicação efectuada pela Ré em 26 de Outubro de 2021). O que importa averiguar é se o valor dessa indemnização está correctamente liquidado. A Recorrente pretende que não é correcta (à face do disposto nos artigos 1172.º, alínea c), 562.º e 566.º), a sua condenação automática no pagamento da referida indemnização (correspondente aos 10 meses em que o contrato ainda iria decorrer). Ora, no sentido não ser correcta a sua condenação automática, até se pode dizer que assistiria razão à Recorrente. O problema é que a visão que nos traz é particularmente limitada (nomeadamente na leitura que faz dos Acórdãos a que se refere). Vejamos porquê. Não há dúvidas – face aos artigos 1154.º a 1156.º do Código Civil – na conclusão de nos encontramos diante de um contrato de prestação de serviços – oneroso -, nem quanto à circunstância de, não se tratando de um contrato de mandato, de depósito ou de empreitada, serem as disposições sobre o mandato as que lhe serão aplicáveis “com as necessárias adaptações” (por se tratar de uma modalidade “do contrato de prestação de serviço que a lei não regule especialmente” - artigo 1156.º). Por outro lado, também não há forma de não se entenderem as comunicações referidas nos Factos 18, 19 e 20, como uma forma de cessação unilateral por parte da Ré quanto ao contrato em causa. Como assinala Rui Ataíde, o “artigo 1170.º, n.º 1 consagra a livre revogabilidade do mandato por qualquer das partes, não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito de revogação. Estabeleceu-se assim com carácter injuntivo a faculdade de livre revogação unilateral, a qual configura um direito potestativo que pode ser exercido sem dependência de forma especial; tratando-se de uma declaração receptícia, o efeito extintivo fica na dependência do seu conhecimento (ou mera recepção) pelo declaratário (artigo 224.º, n.º 1)”[14]. Com M. Januário da Costa Gomes podemos dizer que o “n.º 1 do art. 1170.º alberga o exemplo paradigmático de desvinculação unilateral de um contrato que, prima facie, não se compagina com a recíproca e livre vinculação que o contrato pressupõe e determina”[15], sendo que, a “razão de ser da livre revogabilidade do mandato assenta na sua especial configuração como contrato de prestação de serviço e sobretudo como contrato gestório, isto é, como contrato determinado pelo «impulso» do mandante para satisfação dos seus interesses específicos; o mandante, como dominus acti deve ter o poder de controlar – inclusivamente no sentido de poder fazer cessar – a produção de efeitos jurídicos que a actuação do mandatário provoca de forma directa ou indirecta, na sua esfera jurídica”[16]. A “livre revogabilidade pelo mandante tem, assim, por fundamento o seu interesse, o facto de o mandante ser o dominus do acto ou da actividade a desenvolver pelo mandatário”[17] e tem dois pressupostos básicos: “o pressuposto da não concorrência de interesses e o pressuposto da não realização do acto gestório”[18]. Neste contexto, o “importante é que a primazia dada ao interesse do mandante não prejudique o mandatário; é esta preocupação que se encontra na base do regime do artigo 1172.º do Código Civil”[19]. E é aqui que entramos na verificação das consequências da actuação da Ré, ora Recorrente. É que, embora constituindo um acto lícito, por permitido pelo artigo 1170.º, n.º 1, a revogação unilateral pode dar origem ao dever de indemnizar nos casos previstos no artigo 1172.º (a que se aplicam as regras gerais dos artigos 562.º e seguintes), o que consubstancia, portanto, “um caso de responsabilidade por facto lícito”[20] (como também se conclui no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Setembro de 2008, proferido no Processo n.º 08A1941 - Paulo Sá). Assim, há lugar a indemnização, no caso da alínea c), quando a revogação tiver origem no mandante, o mandato seja oneroso e o contrato tenha sido conferido por um certo tempo ou para certo assunto[21]. Acompanhando Adelaide Menezes Leitão, “ainda que o mandatário, pelo facto de o mandato ser oneroso não possa opor-se à revogação, não há dúvida que com a constituição do mandato se gera um conjunto de expectativas em relação às quais o legislador foi sensível”[22] (nos referidos casos de mandato conferido para certo tempo ou determinado assunto e no da revogação ser feita sem antecedência conveniente), assim se tutelando o seu direito à retribuição[23]: os “casos que o legislador acautelou são precisamente aqueles em que o mandatário podia legitimamente confiar”, “porque ao ser mandatado por certo tempo ou determinado assunto confiou na duração do mandato”[24]. Por isso, refere M. Januário Costa Gomes, que, quando “o mandato se integra numa destas espécies, o mandatário detém uma forte expectativa na permanência da relação contratual até final e na obtenção de uma determinada retribuição global”[25]. Na mesma linha, Irene de Seiça Girão, toma como a ratio da alínea c) do artigo 1172.º, a tutela das expectativas (responsabilidade pela confiança) do mandatário e o seu inerente direito à retribuição, quando escreve que “se ao mandato é fixado um termo, o mandatário obriga-se à prática de atos jurídicos durante um determinado período de tempo e daí deriva uma forte expectativa na permanência da relação contratual até final do prazo estipulado, sobretudo porque espera vir a obter, pelo desenvolvimento da sua atividade, uma determinada retribuição global. Por isso, se o mandante, valendo-se da faculdade que lhe é atribuída pela lei, pode fazer cessar o contrato antes de decorrido o prazo convencionado, frustrando desse modo as expectativas de permanência do vínculo contratual, é da mais elementar justiça que fiquem a seu cargo os prejuízos sofridos pelo mandatário em virtude de tal ato”[26]. É por isso que se entende que, no caso da alínea c) do artigo 1172.º, o prejuízo do mandatário se traduz “na perda da retribuição a que tinha direito. Portanto, se se tratar de mandato por tempo indeterminado ou para determinado assunto e for revogado sem justa causa, tem o mandatário direito a ser indemnizado da retribuição que perdeu (deduzindo-se todavia o que obteve em consequência da revogação por outra aplicação do seu trabalho) e, tratando-se de mandato por tempo indeterminado, revogado sem pré-aviso conveniente, tem o mandatário direito a ser indemnizado do dano a ele causado por não ter sido oportunamente avisado da intenção de revogar. A indemnização tem aqui como finalidade colocar o mandatário na situação patrimonial que teria se o mandato não tivesse sido revogado”[27]. Também estas considerações se podem considerar assumidas, sem esforço – no essencial[28] – pela jurisprudência dos Tribunais da Relação, por exemplo: i- no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12 de Setembro de 2023 (Processo n.º 12465/20.0T8LSB.L1-7 - Carlos Oliveira), onde se escreve que: - a “obrigação de indemnização estabelecida no Art.º 1172º al. c) do C.C. traduz uma situação típica de responsabilidade por facto lícito e depende a verificação dos seguintes pressupostos: a) O exercício do direito unilateral de revogação por parte do mandante (ou do beneficiário dos serviços acordados), nos termos do Art.º 1170.º n.º 1 do C.C.; b) O caráter oneroso do contrato; c) O caráter duradouro da prestação (por ser por tempo determinado e a revogação antecipa o termo do prazo acordado; ou por ser para tratar de determinado assunto e a revogação não permite a conclusão do mesmo; ou por ser estabelecido por tempo indeterminado e a revogação não respeita a antecedência conveniente); e d) A verificação de prejuízos sofridos em consequência da revogação do contrato. - tendo “o contrato de prestação de serviços (…) sido estabelecido por tempo determinado e verificando-se a sua revogação unilateral e sem invocação de justa causa, a medida do direito à indemnização deve ter por referência os lucros cessantes determinados em função da remuneração deixada de auferir pelo prestador dos serviços até ao termo do prazo previsto para a relação contratual, deduzido o valor que o mesmo veio a receber doutro clube, que o contratou para exercer as mesmas funções, durante o mesmo período que faltava cumprir”; ii- no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 19 de Novembro de 2020 (Processo n.º 10608/19.5T8PRT.P1-Paulo Duarte Teixeira), onde se conclui que um “contrato de prestação de serviços pode ser livremente revogado por uma das partes desde que não exista interesse comum”, que essa revogação unilateral “é eficaz independentemente do prazo de antecedência com que foi efectuada”, que o “cumprimento ou não desse prazo releva apenas para a concessão e fixação da indemnização”, que o “valor do dano a indemnizar terá de ser proporcional ao período de antecedência que não foi efectivamente cumprido”, que cabe “ao lesado demonstrar a dimensão do seu dano real que deve ser calculado de acordo com a teoria da diferença” e que não “tem direito a qualquer indemnização o contraente que sofreu apenas uma diminuição de 3 dias no período de comunicação, foi remunerado pela sua prestação por mais 30 dias e não alegou e provou qualquer dano efectivo”; iii- no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 03 de Março de 2016 (Processo n.º 1376/14.6YIPRT.L1-2 - Ondina Carmo Alves), onde se conclui que a indemnização nesses casos deve corresponder aos lucros cessantes do período em causa, sendo os danos a considerar os que decorram da ruptura do contrato; iv- no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27 de Setembro de 2012 (Processo n.º 1737/10.1YXLSB.L1-2 - Jorge Leal), onde se escreve que: i- tendo “no contrato de prestação de serviços de limpeza ficado clausulado que o mesmo seria celebrado pelo prazo de 12 meses, automaticamente renovável por iguais períodos, salvo se denunciado por qualquer das partes, mediante carta registada com aviso de receção, até 90 dias antes do termo do prazo inicial ou da renovação em curso na data da expedição, e tendo o credor dos serviços revogado injustificadamente o contrato com efeitos imediatos, sem respeito pela antecedência convencionada para a denúncia do contrato, por força da aplicação subsidiária das regras que regulam o contrato de mandato a dita declaração de rescisão produzirá a imediata cessação do contrato, mas conferirá à contraparte o direito a uma indemnização pelos prejuízos que lhe tiverem sido causados”; ii- o “prestador de serviços não poderá exigir, pura e simplesmente, as retribuições previstas para o período contratual ainda não decorrido; estas serão um termo de referência, mas o prejuízo relevante será o que resultar da eventual diferença entre as receitas que deixam de entrar e as despesas que deixam de ter lugar; mais, a disponibilidade ganha pelo prestador de serviços que fica desonerado do cumprimento da obrigação decorrente do contrato de prestação de serviços é uma vantagem também a considerar, devendo ser também deduzidas nas retribuições acordadas as receitas decorrentes de atividades exercidas em substituição do contrato cessado, receitas essas cujo ónus probatório recairá, porém, sobre o lesante”; iii – a lesada “prestadora de serviços tem direito a uma prestação pecuniária de ressarcimento equivalente à diferença entre o montante da retribuição que receberia se o contrato não tivesse sido revogado e o montante da despesa com o pessoal que a autora utilizaria nessa atividade, sendo certo que não se provou que a A. teve à mesma que suportar a aludida despesa e, por outro lado, não foi alegado nem provado que a autora obteve benefício (lucro) pela utilização dessa mão de obra noutro local”; v- no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07 de Janeiro de 2010 (Processo n.º 2464/03.1TBALM.L1-6 - Fátima Galante), onde se escreve que: - a “obrigação de indemnizar prevista no art.º 1172 do C.C. resulta da revogação unilateral do contrato de mandato, ou seja, do exercício do direito facultado pelo nº1, do art.º 1170”; - tal “obrigação de indemnização não supõe, em nenhum dos casos referidos no citado art.º 1172, a prática de um acto ilícito, pelo que se traduz na responsabilidade fundada na prática de actos lícitos”; - a “ratio da previsão da alínea c) do art.º 1172.º do CCivil é a tutela da confiança. Tutela-se o direito do mandatário à retribuição do mandato, pois que um dos pressupostos da responsabilidade do mandante-revogante é que o mandato seja retribuído. Por isso, em ambas as situações da alínea c) o prejuízo do mandatário traduz-se na perda da retribuição a que tinha direito, procurando-se fixar o lucro cessante do mandatário”; - a “indemnização deve restabelecer o status quo ante, isto é, indemnizar o interesse contratual negativo da Autora. Será na diferença entre o que teria gasto e o que teria recebido deduzido do que ganhou por não ter de cumprir integralmente o contrato celebrado com a Ré, que se encontrará a indemnização justa”; - e que não “havendo elementos nos autos para proceder a essa avaliação, deverá relegar-se a fixação de indemnização nos termos do art.º 661.º, n.º 2, do CPC”; vi- no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10 de Fevereiro de 2009 (Processo n.º 4300/07.0TJCBR.C1-Jaime Ferreira), onde se escreve que: - “nos termos do artº 1170º, nº 1, do C. Civ., ‘o mandato é livremente revogável por qualquer das partes, não obstante convenção em contrário...’ - princípio da livre revogabilidade do mandato -, apenas assim não sucedendo se ‘o mandato tiver sido conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro, caso em que não pode ser revogado pelo mandante sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa’ – artº 1170º, nº 2, C. Civ”; - “o contrato de prestação de serviços é livremente revogável por qualquer das partes, não obstante acordo em contrário, salvo se tal contrato tiver sido celebrado no interesse de ambas as partes ou de terceiro”; - “a parte que revogar um contrato de prestação de serviços bilateral, oneroso e de execução continuada, sem o acordo da outra e sem a antecedência acordada (dita conveniente), deve indemnizar esta do prejuízo causado, nos termos do artº 1172º, als. c) e d), do C. Civ.”; - esta “indemnização visa apenas reparar o dano resultante da dita revogação extemporânea, nos termos dos artºs 562º, 563º e 564º, do C. Civ., o que não passa por obrigar a parte que revogou o contrato, em tais circunstâncias, a ter de pagar todas as prestações que seriam devidas até ao prazo contratual ficar esgotado”; vii- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16 de Setembro de 2006, proferido no Processo n.º 4191/2006-8 - Salazar Casanova), no qual se conclui que: - “o mandante deve indemnizar o mandatário do prejuízo que este sofrer nos termos do artigo 1172.º, alínea c) do Código Civil, mas o ónus da prova do prejuízo não se basta com a mera invocação do montante que, nos termos contratados, auferiria o mandatário se o mandato não fosse revogado”; - o “mandatário tem de o ónus de alegar as despesas que deixa de suportar com a revogação do mandato a fim de se possibilitar determinar o saldo, não preenchendo o ónus de alegação dos concretos prejuízos a sua equivalência ao somatório das retribuições a auferir até ao termo do contrato”. E mesmo sucede com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, da qual retiramos os seguintes – e significativos – exemplos: - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 2018 (Processo n.º 216/15.5T8GRD.C1.S1-Fernanda Isabel Pereira), onde se assinala que a “revogação unilateral do mandato não prejudica o direito do mandatário aos honorários que se hajam vencido em momento anterior, nem a obrigação de o indemnizar pelos danos sofridos, o que, no entanto, pressupõe a alegação e prova quer do momento em que se venceram os direitos, quer dos prejuízos efectivamente sofridos com a cessação do contrato (art.º 342.º, n.º 1, 1171.º, n.º 1, e 1172.º do CC)”, sendo que, “o prejuízo adveniente da revogação determina-se em função da compensação que o mandato deveria, na normalidade das coisas, propiciar ao mandatário, a tal correspondendo o respectivo lucro cessante”, o que “não significa, porém, que a medida do ressarcimento deva, sem mais, corresponder às retribuições contratualmente previstas, cabendo antes à parte afectada com o exercício desta faculdade o ónus de alegar e provar quais os prejuízos efectivamente sofridos para o que relevarão, ademais, as despesas em que não se incorreu em virtude da cessação intempestiva do vínculo contratual, já que a indemnização visa repor a situação que existiria se o mandato não tivesse sido revogado, isto é, visa indemnizar o interesse contratual negativo”; - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05 de Fevereiro de 2015 (Processo n.º 4747/07.2TVLSB.L1.S1 - Abrantes Geraldes), onde se escreve que - no caso de revogação unilateral de um contrato de prestação de serviços oneroso por tempo determinado, por iniciativa do solicitante dos serviços, é este responsável pelos prejuízos causados pela revogação; - a quantificação dos lucros cessantes pela antecipação da cessação do contrato deve equivaler à diferença entre a situação patrimonial que existiria se o contrato tivesse sido integralmente executado e aquela que resultou da revogação antecipada; - a quantificação dos lucros cessantes em função das receitas projetadas para o período em falta satisfaz os requisitos de probabilidade e previsibilidade do dano a que se reportam os artigos 563.º e 564.º, n.º 3, sendo que, a falta de prova de factos necessários à quantificação da diferença patrimonial - mesmo com recurso à equidade - determina a prolação de sentença genérica (artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil) e que, não tendo as partes deduzido qualquer alegação em torno de eventuais despesas que o prestador de serviços tenha deixado de realizar por causa da revogação antecipada, nem sendo possível afirmar a existência de tais despesas, a indemnização por lucros cessantes corresponde ao valor das receitas projetadas para o período contratual em falta; - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02 de Março de 2011 (Processo n.º 2464/03.1TBALM.L1.S1 - Nuno Cameira), onde se conclui que a parte que revoga o contrato unilateralmente deve indemnizar a outra do prejuízo que sofrer com tal revogação, sempre que o contrato seja oneroso e não seja respeitada a “antecedência conveniente”, nos termos do artigo 1172.º, alínea c), do Código Civil, importando ressarcir os lucros cessantes do mandatário; - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07 de Julho de 2010 (Processo n.º 4865/07.7TVLSB.L1.S1-Barreto Nunes), onde se assinala que aos contratos de prestação de serviço que a lei não regula especialmente são extensíveis, com as necessárias adaptações, as disposições sobre o contrato de mandato, e que “no que à revogação unilateral do contrato concerne é aplicável o art. 1172º do Código Civil, que prevê o direito a indemnização da outra parte, preenchidos que estejam algum ou alguns dos seus pressupostos”, sendo que: - “Segundo a previsão da alínea c) do art.º 1172º, basta o preenchimento de um dos seus requisitos para que contraente que revogue unilateralmente um contrato de prestação de serviço tenha a obrigação de indemnizar o contratado”; - a ratio da alínea c) do artigo 1172.º “é a tutela da confiança, já que nela se tutela o direito do contratado à retribuição do contrato, pois que um dos pressupostos da responsabilidade do contraente-revogante é que o contrato seja retribuído”; - “com a revogação do contrato, ocorre prejuízo para o contratado, que se traduz na perda de retribuição a que tinha direito, devendo a indemnização colocá-lo na situação patrimonial que teria se o contrato de prestação de serviço não tivesse sido revogado”; - “No que respeita à quantificação da indemnização são aplicáveis as disposições dos art.ºs 562º e seguintes do Código Civil”; - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Junho de 2009 (Processo n.º 288/09.1YFLSB-Hélder Roque), onde se assinala que: - a “revogação unilateral do contrato de prestação de serviço, por parte do mandante, mais precisamente, a denúncia do contrato, é uma faculdade discricionária, que não carece de fundamento, de qualquer pré-aviso, nem de forma especial, podendo ocorrer, a todo o tempo, não sendo susceptível de apreciação judicial, e goza de eficácia «ex nunc», conferindo ao prestador de serviços, tratando-se de contrato oneroso, o direito de ser indemnizado dos prejuízos que este venha a sofrer, a menos que tenha ocorrido uma situação de justa causa”; - inexistindo “qualquer causa justificativa para o recebedor fazer terminar o contrato de prestação de serviço, antes de concluído o resultado do trabalho do prestador, pondo aquele, não obstante, termo ao contrato, revogando-o, unilateralmente, responde por danos emergentes e lucros cessantes, perante o prestador, com o dever de indemnizar os prejuízos causados, segundo a teoria da diferença”; - quando “o mandato oneroso tiver sido conferido, por certo tempo ou para um determinado assunto, o prejuízo da revogação calcular-se-á, em função da compensação que o mandato deveria proporcionar, normalmente, ao mandatário, deste modo se procurando fixar o seu lucro cessante”; - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Setembro de 2008, proferido no Processo n.º 08A1941-Paulo Sá), no qual se escreve que o prejuízo do mandatário se traduz “na perda da retribuição a que tinha direito, procurando-se fixar o lucro cessante do mandatário”, e que a “indemnização deve restabelecer o status quo ante, isto é, indemnizar o interesse contratual negativo da Autora”, pelo que “será na diferença entre o que teria gasto e o que teria recebido (…) deduzido do que ganhou por não ter de cumprir integralmente o contrato celebrado com a Ré, que se encontrará a indemnização justa. Não havendo elementos nos autos para proceder a essa avaliação, deverá relegar-se a fixação de indemnização nos termos do art.º 661.º, n.º 2, do CPC)”; - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 1998[29] (Processo n.º 803/98 - Ribeiro Coelho), onde se assinala que é livre a revogação do mandato, sem necessidade de qualquer motivação, mas que tal cria, no entanto, não havendo justa causa, o dever de indemnizar, sendo certo que operada a “revogação, a outra parte não pode pedir, sem mais, as retribuições ajustadas, cabendo antes, alegar e provar qual o prejuízo por si sofrido, receitas não auferidas e existência ou inexistência de despesas não efectuadas”. De tudo o exposto decorre que a Ré surge no presente recurso parecendo desconhecer a figura da indemnização por actos lícitos (como se tivesse de haver um acto ilícito para poder haver responsabilidade civil) e fazendo por ignorar o expresso teor do artigo 1172º do Código Civil. A Ré celebrou um contrato de prestação de serviços com a Autora, oneroso, assumindo o seu clausulado. Pelas razões que entendeu (insusceptíveis de poderem ser consideradas como justificadas), no exercício da sua liberdade contratual e porque a lei (no n.º 1 do artigo 1170.º) lho permite fazer (em excepção à regra base pacta sunt servanda) revogou unilateralmente o contrato (10 meses antes do seu termo). Mas tem de assumir as consequências do seu acto: com esta acção da sua parte (enquanto mandante) violou desde logo a confiança da sua contraente (mandatária e ora Autora) e a lei é clara ao afirmar que, agindo desta forma, tem de indemnizar a outra parte, enquanto lesada: é “de toda a justiça que o mandante que põe cobro às expectativas da permanência do vínculo indemnize o mandatário pelos prejuízos sofridos”[30]. A Recorrente ao arrepio de qualquer razão jurídica válida (e aproximando-se de uma litigância temerária), chega ao extremo de dizer que como o contrato não fixou nenhuma indemnização para o caso de revogação unilateral (ou para uma denúncia antecipada), nem se estipulou a sua irrevogabilidade, nem ela própria renunciou ao direito de revogação, então seria “forçoso (…) concluir que, também com arrimo no contrato em referência, nem a Recorrida teria direito a receber a indemnização que pede, nem, decorrentemente, a Recorrente poderia ter sido condenada, como foi, no pagamento de tal indemnização”. Como se não existisse o artigo 1172.º! Onde assiste alguma razão à Ré é no que concerne à concreta indemnização fixada. É que, assumindo que as receitas expectáveis pela Autora (enquanto prestadora dos serviços) corresponderiam à remuneração que esta estaria à espera (e deixou de auferir[31]) e que - assim - ficaria ressarcida dos seus lucros cessantes[32], também temos como certo que sempre haveria que deduzir a esse montante o que tivesse sido por si obtido, auferido ou ganho em consequência da revogação, no exercício da mesma actividade (nomeadamente as despesas em que não tivesse incorrido por força da revogação antecipada do vínculo contratual, ou o lucro com a alocação dos seus meios a outras actividades[33]). Tudo de forma a que a indemnização correspondesse ao interesse contratual negativo e colocando a lesada (mandatária e ora Autora) na situação patrimonial que teria se o contrato não tivesse terminado intempestivamente: ou seja, a indemnização haveria de corresponder à diferença entre o que teria gasto e o que teria recebido, deduzido do que ganhou por não ter de cumprir integralmente o contrato celebrado com a Ré[34]. Sucede que nem a Autora nem a Ré alegaram, expressamente, o que quer que fosse no que respeita a eventuais despesas, ou verbas a abater à retribuição que seria devida. Para dar resposta a esta situação, socorremo-nos das palavras utilizadas com a sua habitual lucidez pelo Conselheiro Abrantes Geraldes, no acima citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05 de Fevereiro de 2015 (Processo n.º 4747/07.2TVLSB.L1.S1), quando, a propósito de enquadramento processual aproximado, diz: “A atribuição de uma indemnização deve pautar-se pelo critério da diferença entre a situação existente e aquela que existiria se não houvesse responsabilidade civil. Nessa medida, em abstracto, não seria destituída de interesse a alegação e demonstração de que a antecipada revogação do contrato libertou a A. da realização de determinadas despesas cujo cômputo deveria ser correspondentemente deduzido. Porém, no caso concreto, nenhuma das partes alegou qualquer facto com relevo para a quantificação dessas eventuais despesas que apenas relevariam se e na medida em que estivessem causalmente ligadas à execução do contrato de que a R. intempestivamente se desvinculou. A Relação, a partir das regras da experiência ou da assunção da notoriedade de tais despesas, concluiu pela sua existência, inferindo-se do excurso respectivo que o ónus de prova da sua dimensão recairia exclusivamente sobre a A. Afirmação que serviu para sustentar a total improcedência dessa pretensão indemnizatória por falta de demonstração do dano. O primeiro obstáculo a uma tal solução é encontrado através da análise da defesa da R. Com efeito, quando a mesma foi directamente confrontada com uma pretensão que se reportava a danos efectivamente sofridos (“receitas líquidas” que a A. teria deixado de auferir por causa da denúncia unilateral do contrato), não desenvolveu qualquer tipo de defesa em torno da quantificação dos reais prejuízos correspondentes a danos emergentes, ficando-se pela negação genérica do quantitativo global das receitas alegadas pela A., sem qualquer referência aos eventuais custos que teriam sido poupados pela A. Ora, relativamente aos lucros cessantes, a alegação e demonstração das receitas projectadas para o período contratual em falta traduz o elemento constitutivo do direito de indemnização da A., servindo a alegação e prova de eventuais despesas associadas a tais receitas de elemento modificativo, na medida em que, de acordo com o referido critério da diferença, pudessem determinar a redução do montante indemnizatório. Posto que a determinação da indemnização através da observação do aludido critério diferencial o tribunal não esteja necessariamente dependente da alegação pelo demandado desse específico meio de defesa (cfr. neste sentido Jaime Santos Briz, La Responsabilidad Civil, 3ª ed., págs. 240 e 241), o princípio do dispositivo que vigora no processo civil, associado às regras substantivas previstas para a quantificação da indemnização, não permite ao tribunal a efectivação de uma operação de cálculo com base em meras suposições que não encontram verdadeiro reflexo na matéria de facto provada. Sem embargo dos poderes oficiosos do tribunal, a alegação de tais despesas e a sua quantificação inscrever-se-ia fundamentalmente no exercício do direito de defesa, devendo ser a R. a suportar os efeitos da falta de cumprimento do respectivo ónus de alegação. Em segundo lugar, ainda que se assuma, com a naturalidade que emerge das regras da experiência, que o exercício de uma actividade comercial como a que era desenvolvida pela A. implica a realização de despesas, a sua dedução apenas se justificaria se acaso pudesse igualmente concluir-se, a partir da matéria de facto alegada e provada, que o facto de a R. ter cessado antecipadamente o contrato, determinou uma redução do montante das despesas, o que nem as regras da experiência. Pode ainda asseverar-se que o facto de se reduzir o período de execução de um contrato como aquele que foi celebrado com a R. não implica necessariamente um redução de custos que deva ser relevado para efeitos de contabilização dos prejuízos patrimoniais, não estando de todo afastada a possibilidade de, apesar da cessação do contrato por iniciativa da R., se ter mantido o nível de despesas associadas à actividade comercial da A. em torno de um universo mais ou menos alargado de clientes (…). Acresce ainda que, tal como é legítimo supor a existência de despesas associadas ao exercício de uma determinada actividade (mas já não directa e causalmente associadas a um dos diversos contratos que faça parte da carteira de quem exerce a actividade prestadora de serviços), também não custa admitir, relativamente à actividade exercida pela A., que, uma vez implantada no mercado, apetrechada com meios humanos e materiais necessários a prestar os serviços em estabelecimentos hoteleiros ou noutros locais públicos, os custos da actividade se diluam e percam a conexão com um determinado contrato num universo mais alargado. Enfim, ainda que, a partir de dados revelados pelas regras da experiência a que a Relação também aludiu, seja possível asseverar que a uma actividade comercial como aquela que a A. desenvolve está associada a existência de encargos com meios humanos e materiais, a absoluta ausência de discussão e de demonstração desses encargos não permite determinar, com o mínimo grau de segurança, que o facto de a R. ter cessado extemporaneamente o contrato determinou para a A. uma redução nos encargos inerentes à sua actividade, por forma a interferir no montante dos prejuízos patrimoniais efectivos”.[35] Mas independentemente do entendimento quanto aos ónus alegatórios e probatórios, o certo é que o processo nos fornece elementos que não podemos ignorar. Se já sabemos que a indemnização deve ser fixada à luz da teoria da diferença[36] consagrada no artigo 566.º, n.º 2, e que o prejuízo da Autora corresponde (como decorre do artigo 564.º, n.º 1), ao acréscimo patrimonial frustrado, traduzido nos lucros cessantes (correspondentes aos benefícios que deixou de obter em consequência da lesão decorrente da revogação do contrato por parte da Ré), com os dados dos autos haveria que apurar a subtração pecuniária resultante da comparação entre a situação patrimonial real da Autora e a situação patrimonial que, na sua esfera jurídica, a ausência dos prejuízos decorrentes da cessação do contrato, suporia, na data mais recente que o Tribunal pudesse acolher. Ora o próprio contrato e o seu clausulado acabam por nos dar elementos que não podem ser escamoteados (e que permitem concluir sem grande margem de manobra, que não resultaram apenas prejuízos para a Autora, mas também benefícios): referimo-nos aos gastos e despesas que, de forma assumidamente constante no decurso da vida do contrato, resultam patentes das suas Cláusulas 2.ª e 3.ª (Factos 6A e 6B). Podemos, pois, considerar que, ainda que de forma implícita, se mostram invocadas (por Autora e Ré) no processo, despesas com a recolha, o transporte, a triagem e a entrega dos resíduos sólidos objecto do contrato, com a estrutura administrativa necessária aos registos e elaboração de dados, com as vistorias, e com a conservação e manutenção. E todas estas despesas são custos e gastos que a lesada/mandatária/Autora deixou de fazer em consequência da revogação do contrato pela Ré-mandante e que têm necessariamente de ser “abatidos” no valor global correspondente aos montantes que aquela deixou de auferir em consequência de tal cessação do contrato (desde logo para evitar enriquecimentos ilegítimos). Podemos assim considerar que tais custos, gastos, despesas a que a Autora se comprometeu durante a execução do contrato, estão demonstrados, ainda que sem quantificação, motivo pelo qual, importará relegar a fixação do quantum indemnizatório para sede de incidente de liquidação, nos termos do artigo 358.º, nº 2, do Código de Processo Civil. ** Defende, por fim, a Ré Recorrente que a Sentença recorrida deveria tê-la absolvido a do pedido indemnizatório, por o mesmo consubstanciar um manifesto abuso de direito (porque a Cláusula 7.ª não prevê qualquer indemnização, porque a Autora não alegou, nem demonstrou, prejuízos decorrentes de revogação unilateral, nem que tenha deixado de prestar serviço à Ré após 04.10.2021, apesar de esta lhe ter solicitado que os retomasse e porque seria manifestamente abusivo estar a receber uma indemnização correspondente ao valor da prestação mensal convencionada e correspondente aos 10 meses que restariam até final do período contratual então em curso). Não assiste qualquer razão à Recorrente, mas perante a sua posição e argumentação, impõe-se o equacionar do recurso ao instituto jurídico do abuso de direito que está legalmente consagrado no nosso ordenamento jurídico no artigo 334.º do Código Civil, o qual tem como epígrafe “abuso do direito” e preceitua que “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”. Embora se possa defender a desnecessidade, no nosso sistema legal, desta norma, como faz Mafalda Miranda Barbosa[37], esta é não apenas a norma que delimita os seus contornos e limites no direito português (boa fé, bons costumes e fim social ou económico do direito), mas também a linha orientadora da apreciação da matéria respeitante ao abuso do direito, sem prejuízo de podermos ainda ir além dela[38]. Presente haverá sempre de estar a ideia de que o “direito deve ser exercido honestamente, como deveria ser exercido por uma pessoa de bem”[39], verificando-se “abuso sempre que o exercício de um direito se mostre em desconformidade com a teleologia desse mesmo direito, com o seu fundamento.(…) Pelo que se pode dizer que o exercício de um direito é abusivo quando choque com os princípios normativos do direito enquanto direito”[40]. Se se preferir, ele traduz uma “disfuncionalidade de comportamentos jussubjectivos por, embora consentâneos com normas jurídicas, não confluírem no sistema em que estas se integrem”[41]. Pedro Pais de Vasconcelos diz – lapidarmente – que o abuso do direito, “como instituto jurídico, é uma válvula de segurança do sistema que atua sobre o exercício dum direito subjectivo (público ou privado) que existe, que tem vigência e que pertence ao seu titular. A questão é só de acertar o exercício do direito subjectivo dentro dos limites da boa fé, dos bons costumes e do seu fim social ou económico. Quer dizer, dentro dos limites da licitude”[42]”. Perante as tradicionais manifestações típicas do chamado exercício inadmissível de posições jurídicas, como o são a exceptio doli, o venire contra factum proprium, as inalegabilidades formais, a supressio e a surrectio, o tu quoque e o exercício em desequilíbrio, seria este último o que mais poderia estar em causa. Mas sempre teria de estar verificada uma situação que configurasse um qualquer excesso que violentasse a consciência jurídica. Relativamente a esta modalidade, Pedro Pais de Vasconcelos/Pedro Leitão Pais de Vasconcelos assinalam que se trata de “um caso de exercício danoso do direito. O formalismo positivista conduz por vezes as pessoas juridicamente menos preparadas a pensar que a titularidade do direito lhes permite exercê-lo de qualquer modo, causando quaisquer danos a outrem e que os danos que assim causar são lícitos porque causados no exercício de um direito (qui jure suo utitur neminem laedit). É um grave erro. O exercício do direito deve ser feito de modo a causar o mínimo dano a outrem – princípio do mínimo dano. Quem exerce um seu direito deve, ao fazê-lo, usar da cautela e do cuidado necessários para que não ofenda direitos alheios ou cause danos a outrem. (…) São quatro as principais situações em que o exercício danoso é abusivo: - Exercício emulativo – é abusivo o exercício do direito quando o titular é movido pela intenção exclusiva de prejudicar ou de fazer mal a outrem (caso da chaminé de Colmar); - Exercício danoso inútil ou injustificado: é abusivo o exercício do direito que não represente qualquer vantagem para o seu titular, enquanto dele resulte para outrem um sacrifício injusto; - Exigência de algo que deva ser imediatamente restituído (dolo agit quei petit quod statim redditurus est): é abusivo o exercício do direito sempre que a vantagem dele resultante para o titular é mínima e desproporcionada com um sacrifício severo de outrem”[43]. Como refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Fevereiro de 2004 (Processo n.º 03B4273-Luís Fonseca) o “abuso de direito abrange o exercício de qualquer direito de forma anormal quanto à sua intensidade ou à sua execução de forma a poder comprometer o gozo dos direitos de terceiro e a criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício por parte do seu titular e as consequências que outrem tem de suportar”, constituindo “uma ‘válvula de segurança’ do sistema jurídico, destinado a fazer face e neutralizar situações de flagrante injustiça a que por vezes pode conduzir o exercício de um direito subjectivo”. Na situação que nos ocupa, nada deste tipo de imagem impressiva ressalta, nada havendo que factualmente permita vislumbrar qualquer conduta caracterizável como abusiva, excessiva ou injusta imputável à Autora, a qual, enquanto lesada e perante uma revogação unilateral de um contrato que decorreria mais dez meses, se limitou a peticionar o que a própria lei lhe atribuía (indemnização pelos seus lucros cessantes), sem que qualquer outra factualidade tenha sido alegada e comprovada no sentido de lhe atribuir qualquer tonalidade de excesso ou injustiça e sem que a própria ora Recorrente tivesse invocado qualquer factualidade susceptível de fazer reduzir o valor da dita indemnização. Por outro lado, o próprio comportamento errático da Ré, apenas é susceptível de gerar desconfiança na outra contraente (no caso, a Autora): depois de ter posto fim ao contrato (porque lhe apeteceu) veio, logo de seguida, pedir a retoma do serviço, mesmo tendo facturas em dívida, e teve a resposta mais natural e expectável possível … Ora, o “julgador do caso está perante um abuso do direito quando constata que este foi exercido, em termos objectivos, inequivocamente em ofensa da justiça ou quando se trata de uma conduta clamorosamente ofensiva da justiça (Manuel de Andrade) ou de uma afronta ao sentimento jurídico dominante (Vaz Serra)”, como sintetiza, com simplicidade, Heinrich Ewald Hörster[44] e nada permite – factualmente – pintar esse quadro. Este recurso jurídico só pode e deve ser utilizado para situações gritantemente injustas ou, como diz Carneiro da Frada, quando a “injustiça resultante do exercício da posição jurídica pelo sujeito é “excessiva”, isto é, não pode ser adequadamente removida mediante o ressarcimento dos danos. Não porque incompatibilidades menos graves com os (mesmos) ditames da justiça – com a boa fé, portanto – não ultrapassem o limiar da relevância jurídica e não mereçam a intervenção do Direito, mas pelo motivo de que, onde uma conduta não se apresenta à partida valorada como ilícita, há que ponderar, em nome da proporcionalidade, os meios que menos atinjam a liberdade do sujeito, para obviar à injustiça que ela possa gerar. A preclusão do exercício de um direito constitui efectivamente um recurso último, apenas justificável em situações extremas. É este o sentido da proibição da conduta abusiva”[45]. No caso dos autos não há qualquer conduta abusiva, mas o comum e banal funcionamento das regras do comércio, que, voltando à síntese de Hörster - objectivamente – não corresponde a nenhuma conduta clamorosamente ofensiva da justiça, ou mesmo a uma afronta ao sentimento jurídico dominante (não choca o/a cidadão/ã comum, nem choca a já referida “pessoa de bem”). Como conclui acertadamente o Tribunal a quo, tendo “a Ré revogado o contrato de prestação de serviços é legitimo à Autora exigir os montantes relativos aos lucros cessantes, não excedendo o exercício desse direito manifestamente os limites impostos pela boa fé, bons costumes ou fim social ou económico. Após revogar o contrato não tem a Ré o direito de exigir à Autora que retome os serviços como se não tivesse operado a revogação do contrato”. Neste enquadramento, não há fundamento para utilizar este instrumento jurídico de salvaguarda da justiça e do equilíbrio contratual[46]. *** Assim sendo e tudo dito, nada há a apontar à correcta, linear e bem fundamentada Sentença, a qual tira as consequências jurídicas devidas da factualidade apurada. n Nas palavras de Eric Voegelin as “sociedades dependem para a sua génese, a sua existência harmoniosa continuada e a sobrevivência, das acções dos seres humanos componentes. A natureza do homem e a liberdade da sua acção para o bem e para o mal, são factores essenciais na estrutura da sociedade"[47]. Recorrente e Recorrida escolheram o seu caminho de actuação. Ao Tribunal resta, no "acto de julgar", dar parcial razão à Recorrente, considerando parcialmente procedente o recurso (tendo, na linha de Paul Ricoeur, como "horizonte um equilíbrio frágil entre os dois componentes da partilha" - "demasiado próximos no conflito e demasiado afastados um do outro na ignorância, no ódio, ou no desprezo" - mas impondo-se, "por um lado, pôr fim à incerteza, separar as partes; por outro, fazer reconhecer a cada um a parte que o outro ocupa na mesma sociedade, em virtude do que o ganhador e o perdedor do processo seriam reputados ter cada qual a justa parte no esquema de cooperação que é a sociedade"[48]). *** DECISÃO Com o poder fundado no artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e nos termos do artigo 663.º do Código de Processo Civil, acorda-se, nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, face à argumentação expendida e tendo em conta as disposições legais citadas, em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, alterar a Decisão recorrida nos seguintes termos: - Condena-se a Ré H, S.A. a pagar à Autora M, LDA., a título de indemnização, o concreto montante que, em sede de incidente de liquidação, nos termos do artigo 358.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, se vier a apurar, correspondente à diferença entre a quantia de 14.900 (catorze mil e novecentos euros) - que Autora deixou de auferir em consequência da revogação do contrato -, e a quantia correspondente aos custos, gastos e despesas que, em consequência do mesmo facto deixou de realizar; - ao valor apurado acrescerão juros de mora, contados a partir da data em que a Ré for notificada da Sentença que efectuar tal liquidação, até efectivo e integral pagamento. As Custas do Recurso ficam a cargo de Recorrente e Recorrida (na proporção de ¼ para a Recorrida e ¾ para a Recorrente). As custas da acção ficarão a cargo de Autora e Ré na proporção do decaimento. * Notifique e, oportunamente, remeta à 1.ª Instância (artigo 669.º do Código de Processo Civil). *** Lisboa, 24 de Outubro de 2023 Edgar Taborda Lopes José Capacete Cristina Coelho _______________________________________________________ [1] António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 183. [2] Os Factos colocados em causa pela Recorrente estão destacados com letra em carregado e de maior tamanho (e os não provados também em itálico). [3] Redacção já decorrente do deferimento da reclamação apresentada. [4] Redacção já decorrente do deferimento da reclamação apresentada. [5] “O atual art. 662º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava. Como se disse, através dos n.ºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia” - Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 332. [6] Por todos, vd. António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, páginas 193 a 210. [7] António Abrantes Geraldes, Recursos…, cit., página 200. [8] António Abrantes Geraldes, Recursos…, cit., páginas 201 a 205. [9] António Abrantes Geraldes, Recursos…, cit., páginas 206-207. [10] Que acrescenta, relevantemente, que “este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efetivo objetivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante» (Ac. da RC, de 24.04.2012, Beça Pereira, Processo nº 219/10, com bold apócrifo). Logo, «por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação for insuscetível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente» (Ac. da RC, de 27.05.2014, Moreira do Carmo, Processo nº 1024/12, com bold apócrifo). Por outras palavras, se, «por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente. Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º.» (Ac. da RC, de 24.04.2012, Beça Pereira, Processo nº 219/10, com bold apócrifo. No mesmo sentido, Ac. da RC, de 14.01.2014, Henrique Antunes, Processo nº 6628/10)”. [11] Acórdão da Relação de Guimarães de 15 de Dezembro de 2016, Processo n.º 86/14.0T8AMR.G1-Maria João Matos. [12] Assinalando ainda que “nessa reapreciação da prova feita pela 2ª instância, não se procura obter uma nova convicção a todo o custo, mas verificar se a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável, atendendo aos elementos que constam dos autos, e aferir se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão da matéria de facto, sendo necessário, de qualquer forma, que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido” (Ana Luísa Geraldes, Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, publicado nos Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, Coimbra Editora, 2013, páginas 589 e seguintes(609), com o texto disponível on line em http://www.cjlp.org/materias/Ana_Luisa_Geraldes_Impugnacao_e_Reapreciacao_da_Decisao_da_Materia_de_Facto.pdf, páginas 17-18. [13] Blog do IPPC, 19/05/2017, Jurisprudência (623), em anotação ao Acórdão da Relação de Coimbra de 07/02/2017, disponível em https://blogippc.blogspot.com/2017/05/jurisprudencia-623.html. Vd. também, neste sentido, o Acórdão da Relação do Porto de 14 de Dezembro de 2022 (Processo n.º 1720/20.9T8GDM.P1-Fernanda Pinheiro. [14] Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde, Direito dos Contratos II – Mandato, AAFDL, 2020, página 63. [15] Manuel Januário da Costa Gomes, Contrato de Mandato, AAFDL, 1990, página 120. [16] Manuel Januário da Costa Gomes, Em Tema de Revogação do Mandato Civil, Almedina, 1989, página 97. [17] Manuel Januário da Costa Gomes, Contrato de Mandato, cit., páginas 120-121 (onde se acrescenta quanto à livre revogabilidade pelo mandatário, que esta “só poderá explicar-se, formalmente, por razões de reciprocidade ou equivalência com a posição do mandante” – página 121). [18] Manuel Januário da Costa Gomes, Contrato de Mandato, cit., página 122; e, mais desenvolvidamente, Em Tema de Revogação…, cit., páginas 145 a 143. [19] Manuel Januário da Costa Gomes, Contrato de Mandato Comercial – Questões de Tipologia e Regime, in As Operações Comerciais, Almedina, 1988, página 532. [20] Manuel Januário da Costa Gomes, Contrato de Mandato, cit., página 125; Manuel Januário da Costa Gomes, Em Tema…, cit., página 269; Adelaide Menezes Leitão, «Revogação Unilateral» do Mandato. Pós-Eficácia e Responsabilidade pela Confiança, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, Volume I, Almedina, 2002, páginas 343-344. [21] Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde, Direito…, cit., páginas 65-66; Manuel Januário da Costa Gomes, Contrato de Mandato, cit., páginas 125-126; Manuel Januário da Costa Gomes, Em Tema…, cit., página 272. [22] Adelaide Menezes Leitão, «Revogação…, cit., páginas 340-341. [23] Está em causa, como assinala de forma pertinente Adelaide Menezes Leitão, uma questão de tutela da confiança: “Enquanto disposição de tutela da confiança, o art. 1172.º tem de possuir os três elementos comuns a estas disposições: 1.º uma situação de confiança conforme com o sistema e traduzida na boa fé subjectiva ética, própria da pessoa que sem violar os deveres de cuidado e de indagação, que ao caso concreto caibam, ignore estar a lesar posições alheias; 2.º uma justificação para essa confiança, requerendo que a confiança se tenha alicerçado em elementos razoáveis, susceptíveis de provocar a adesão de uma pessoa normal e com consistência jurídica; 3.º um investimento de confiança, traduzido no assentar efectivo de actividades sobre a confiança justificada” («Revogação…, página 345; Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde, Direito…, cit., página 65). [24] Adelaide Menezes Leitão, «Revogação…, página 341. [25] Manuel Januário da Costa Gomes, Em Tema…, cit., página 272. [26] Irene de Seiça Girão, Mandato de Interesse Comum, in Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, Volume III, Coimbra Editora, 2007, página 376. [27] Adelaide Menezes Leitão, «Revogação…, página 341. [28] As variações de redacção que acabam por conter algumas expressões utilizadas e que parecem ser distintas soluções, decorrem - em geral - apenas das situações concretas a que se reportam (tipo de clausulado, tipo de contrato, tratar-se de ou não de contrato por tempo indeterminado, etc.) e do contexto processual particular em que se inserem. [29] Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano VI, Tomo III, 1998, páginas 34 a 38. [30] Manuel Januário da Costa Gomes, Em Tema…, cit., página 272. [31] A referência pela Recorrente à jurisprudência que decorre do Acórdão da Relação de Coimbra de 30 de Junho de 2015 (Processo n.º 2397/13.3TBLRA.C11 - Anabela Luna de Carvalho) no sentido ser desproporcionada, nula e de nenhum valor uma cláusula “que estabelece que a denúncia ocorrida sem aviso prévio, ou fora do prazo do aviso-prévio, relativamente à renovação automática do contrato, por parte do aderente/cliente, por não querer continuar a manter-se vinculado à prestadora de serviços dá a esta o direito a uma indemnização correspondente ao pagamento total das prestações vincendas exatamente nos mesmos termos que decorreria do cumprimento integral do contrato – ficando eximida da correspondente prestação de serviços naquele período”, por criar “um desequilíbrio notório nas prestações típicas do contrato, sem justificação para tal, o que significa que a cláusula não é admissível à luz do princípio da boa-fé contratual” irreleva para a situação com que nos debatemos, uma vez que tal cláusula impunha o aludido valor, ao contrário do que decorre do artigo 1172.º, no qual sempre têm de se provar os lucros cessantes e podem resultar provados também, nomeadamente, as despesas que sejam deduzíveis, sendo mesmo possível que não chegue a haver dano indemnizável. [32] De forma, particularmente pertinente, M. Januário da Costa Gomes sublinha que “os próprios termos da alínea c) do art. 1172.º constituem – na parte em que limitam o âmbito de aplicação aos mandatos onerosos – um argumento de peso no sentido da circunscrição do cálculo indemnizatório ao lucrum cessans; se não fora essa a mens legis, também o mandatário que actuasse gratuitamente em execução do mandato para determinado assunto teria direito a uma indemnização – o que, face ao regime actual, não acontece, a não ser sob a tutela do instituto do abuso do direito” (Em Tema…, cit., página 273; Contrato de Mandato, cit., páginas 125-126). [33] Nesta linha, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13 de Julho de 2010 (Processo n.º 923/08.9TVLSB.L1-7 - Cristina Coelho), escreve-se que visando “a indemnização ressarcir os lucros cessantes sofridos pelo mandatário, os mesmos deverão ser calculados em função da retribuição estipulada no contrato, deduzida das despesas que se deixam ou não de efectuar”. [34] “Se o mandatário cujo mandato foi revogado sem justa causa e sema antecedência conveniente iniciar outra actividade remunerada no decurso do “período diferencial”, devem os proventos por este obtidos ser considerados (“abatidos”) na indemnização? Em princípio, pensamos que sim, por aplicação das regras gerais – compensatio lucri cum damno – salvo se a nova actividade não é substitutiva da anterior mas estava destinada a ser cumulativa” (Em Tema…, cit., página 275). [35] Nesta mesma linha, o Acórdão da Relação de Lisboa de 27 de Setembro de 2012 – Processo n.º 1737/10.1YXLSB.L1-2-Jorge Leal. [36] Pelo que a indemnização deve ser fixada na diferença que o património do lesado acuse e que seja igual ao valor dos danos, deduzido do valor dos ganhos. [37] Liberdade vs. Responsabilidade - A precaução como fundamento da responsabilidade delitual?, Almedina, 2006, páginas 317 a 323; também, Coutinho de Abreu (Do Abuso do Direito – Ensaio de um Critério em Direito Civil e nas Deliberações Sociais, Almedina, 2006 - reimpressão), admitindo a sua desnecessidade, não deixa de assinalar a sua conveniência, para ultrapassar dúvidas quanto à sua aplicabilidade, nomeadamente por parte de quem seja mais positivista-legalista (página 50). [38] Vd., sobre esta matéria, recentemente, Daniel Bessa de Melo, “O abuso do direito: contributos para uma hermenêutica do artigo 334.º do Código Civil português”, in Julgar on line, outubro de 2020, disponível in http://julgar.pt/wp-content/uploads/2020/10/20201029-JULGAR-O-Abuso-do-Direito-contributos-para-uma-hermen%C3%AAutica-do-art-334-do-C%C3%B3digo-Civil-portugu%C3%AAs-1.pdf; e Eva Dale, Abuso do Direito: para (e através da) superação do paradigma, Revista de Direito da Responsabilidade, Ano 2 – 2020, disponível in http://flowpaper.com/flipbook/20205kr3/?wp-hosted=1. [39] Pedro Pais de Vasconcelos-Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 9.ª edição, 2019, página 278; Fernando Augusto Cunha de Sá, Abuso do Direito, Almedina, 1997 (reimpressão da edição de 1973), página 171. [40] Mafalda Miranda Barbosa, ob. cit., página 322. [41] Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, II, Almedina, 1984, página 882. [42] Pedro Pais de Vasconcelos, O abuso do abuso do direito – um estudo de Direito Civil, Revista do Centro de Estudos Judiciários, 2015-I, página 34. [43] Pedro Pais de Vasconcelos-Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 8.ª edição, 2015, páginas 248-249. [44] Heinrich Ewald Hörster, A Parte Geral do Código Civil Português – Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, 1992, página 282. [45] Manuel Carneiro da Frada, Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, Almedina, 2007, página 861. [46] Mais “do que realizar positivamente uma situação, o abuso representa um instrumento destinado a obviar injustiças manifestas (insusceptíveis de adequada correcção por meios indemnizatórios)” - Manuel Carneiro da Frada, Teoria..., cit., página 861. [47] Eric Voegelin, A Natureza do Direito e outros textos jurídicos, Vega, 1998, página 95. [48] Paul Ricoeur, O Justo ou a Essência da Justiça, Instituto Piaget, 1997, páginas 168-169; cfr., também, com interesse, François Ost, A Natureza à Margem da Lei - A Ecologia à Prova do Direito, Instituto Piaget, 1997, páginas 19 a 24. |