Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
99/21.6YHLSB-A.L1-PICRS
Relator: PAULA POTT
Descritores: PROTECÇÃO DE SEGREDOS COMERCIAIS
PROVA
INFORMAÇÃO CONFIDENCIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: Protecção de segredos comerciais – Directiva (EU) 2016/943 - Medidas para obtenção de prova – Protecção de informações confidenciais em processos judiciais – Artigos 339.º e 352.º do Código da Propriedade Industrial – Protecção jurídica de programas de computador – Protecção de dados pessoais - Adequação formal 
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência, na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão, do Tribunal da Relação de Lisboa

Objecto da acção
1. A autora/recorrente, intentou a presente acção declarativa de condenação, que segue a forma de processo comum pedindo a condenação das rés, solidariamente, a:
§ Reconhecerem que a autora é titular em exclusivo da propriedade intelectual de todos os ensaios referidos nos artigos 54.º a 57.º da petição inicial, relativos á acreditação L0507 emitida pelo IPAC a favor da autora
§ Reconhecerem que a autora é titular exclusiva dos direitos de propriedade intelectual dos ensaios que a ré Wenou Lda comercializa, e que vão indicados no artigo 60º da petição inicial
§ Na proibição definitiva de utilização e de comercialização dos segredos comerciais de que a autora é titular, nomeadamente dos segredos comerciais relativos aos ensaios referidos supra nos artigos 54º a 57º e 60º da petição inicial
§ No pagamento à autora de indemnização no montante de €: 461.968,67.
2. A autora invocou, em síntese, como fundamentos da sua pretensão, que:
§ A primeira ré comercializa, sem autorização da autora, os ensaios no domínio alimentar e agroalimentar inventados pela autora a partir da ideia do marido da segunda ré (ensaios NGS ), usa as SOP directrizes, os métodos de validação experimental, os relatórios de validação, os procedimentos técnicos correspondentes e o saber fazer da autora, que foram coordenados e validados pela segunda ré a favor da autora e que pertencem à autora;
§ Uma gestora de clientes (comercial) chamada SB, e uma técnica administrativa, ex-trabalhadoras da autora e possuidoras do seu saber fazer, foram contratadas pela primeira ré;
§ A autora contratou o técnico MR, que adaptou à realização dos ensaios em causa, um programa informático de análise de NGS, tendo desenvolvido esse software com o envolvimento da segunda ré e do seu marido;
§ Este desenvolvimento foi custeado pela autora; 
§ A autora celebrou acordos de confidencialidade, nomeadamente com a segunda ré, que as rés desrespeitaram;
§ A primeira ré utiliza os ensaios, métodos e programas desenvolvidos pela autora sem ter feito o respectivo investimento, praticando preços mais baratos, e provocando a diminuição da clientela e das encomendas feitas à autora;
§ As rés violaram ilicitamente segredos comerciais da autora e praticaram actos de concorrência desleal.
3. As rés contestaram, pugnando pela improcedência da acção e pedindo a condenação da autora como litigante de má fé.
Requerimento de prova em crise
4. A autora/recorrente, na petição inicial, requereu ao Tribunal da Propriedade Intelectual (doravante também Tribunal de 1ª instância ou Tribunal a quo) que, ao abrigo do disposto no artigo 339º do Código da Propriedade Industrial (CPI), notificasse a primeira ré para juntar aos autos:
a) Cópia de todas as directrizes, planos de validação experimental, relatórios de validação do método experimental e procedimentos técnicos de cada um dos ensaios indicados no artº 60º desta petição;
b) Cópia do software funcional usado na elaboração dos ensaios indicados supra no artigo 60º desta petição, com identificação do código fonte actualmente em uso;
c) Cópia da última declaração mensal de remunerações feita à segurança social em 2020 e 2021;
d) Cópia de toda a facturação emitida em 2020 e 2021.
Despacho recorrido
5. Na audiência preliminar, na qual o Tribunal saneou o processo e selecionou os temas de prova, o Tribunal da Propriedade Intelectual, por despacho de 24.11.2021, indeferiu o requerimento de prova da autora, acima mencionado.
6. O despacho recorrido baseou-se essencialmente nos seguintes fundamentos:
§ A facturação, a lista de clientes e as remunerações, estão sujeitas à disciplina prevista no artigo 435º do Código de Processo Civil (CPC) e nos artigos 42º e 43º do Código Comercial, cujos pressupostos estão por demonstrar;
§ A ré não concorda com a exibição da informação;
§ O artigo 344.º do CPI ressalva a aplicação de outras disposições que prevêem o direito de invocar o sigilo profissional, a protecção da confidencialidade das fontes de informação ou o regime legal de protecção dos dados pessoais;
§ Não se verificam os pressupostos de que depende a requerida exposição da escrita ou segredos comerciais da primeira ré, nomeadamente, não está indiciada a violação de direitos de propriedade industrial.
Objecto do recurso
7. Inconformada, a autora/recorrente, veio interpor o presente recurso de apelação autónoma do despacho supramencionado
8. A autora/recorrente, invocou, em síntese, a seguinte motivação do recurso:
§ O despacho recorrido aplicou indevidamente os artigos 435.º do Código de Processo Civil e 42.º e 43.º do Código Comercial;
§ Violou o direito a um processo equitativo previsto no artigo 20.º n.ºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa;
§ Estando indiciada a violação de direitos de propriedade industrial verificavam-se os requisitos legais para que o pedido fosse deferido.
9. Concluiu a recorrente pedindo que seja jugado procedente o recurso, devendo:
A. O despacho recorrido (despacho, em sede de audiência prévia, que indeferiu o pedido formulado pela Recorrente de obtenção de elementos de prova em poder da Recorrida Wenou) ser declarado ilegal e, como tal, ser revogado na parte em que aplicou ao presente caso o artigo 435.º do CPC e os artigos 42.º e 43.º do Código Comercial e indeferiu o pedido de elementos de prova em poder da Recorrida Wenou realizado pela Recorrente por considerar que a procedência desse pedido dependia do preenchimento dos requisitos previstos naqueles preceitos e que esses requisitos não estavam verificados no presente caso;
B. O despacho recorrido ser declarado inconstitucional por violação do direito fundamental da Recorrente à tutela jurisdicional efetiva e, bem assim, do direito a um processo equitativo, previstos no artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa; e
C. O despacho recorrido ser declarado ilegal na parte em que indeferiu o pedido de obtenção de elementos de prova em poder da Recorrida Wenou realizado pela Recorrente, por considerar que não se encontra indiciada a violação de segredos comerciais, uma vez que estavam verificados todos os requisitos previstos na lei (artigo 339.º do CPI) de que depende o deferimento do referido pedido.
D. Por conseguinte, deve o despacho recorrido ser revogado na parte em que indeferiu o pedido de obtenção de elementos de prova em poder da Recorrida Wenou realizado pela Recorrente, e substituído por outro que defira o referido pedido.
10. As rés/recorridas, contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso. Invocaram, em síntese:
§ A informação cujo acesso está aqui em causa compreende a escrituração e segredos comerciais da primeira ré, dados pessoais e software desenvolvido por terceiros a pedido das rés/recorridas;
§ O acesso da autora a tais informações confidenciais e aos segredos de negócio da primeira ré seria desproporcional e injustificado;
§ Os ensaios aqui em causa baseiam-se em directrizes e procedimentos técnicos publicados no plano internacional aos quais qualquer laboratório tem acesso;
§ A autora pediu a realização de uma perícia técnica e financeira que tem por finalidade aceder às mesmas informações cujo acesso foi negado pelo despacho recorrido;
§ O Tribunal a quo indeferiu igualmente o requerimento das rés para que a autora juntasse registos técnicos laboratoriais e o respectivo processo de certificação a decisão quanto ao requerimento de prova da autora terá de abarcar o pedido similar feito pelas rés.
Delimitação do âmbito do recurso
11.  Foram as seguintes as questões suscitadas pelas partes nas alegações e vertidas nas respectivas conclusões, com relevo para a decisão do recurso:
A. Regime processual aplicável ao requerimento de prova feito pela autora.
B. Medidas para obtenção de prova em caso de violação de segredos comerciais.
C. Protecção de informações confidenciais em processos judiciais
Quadro legal
12. Têm relevo para a apreciação do recurso os seguintes textos legais, que adiante serão mencionados na fundamentação:
Código de Processo Civil
Artigo 6.º n.º 1
1 - Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável. (...)
Artigo 132.º
Processo electrónico
(…)
4 - A tramitação eletrónica dos processos deve garantir a respetiva integralidade, autenticidade e inviolabilidade, bem como o respeito pelo segredo de justiça e pelos regimes de proteção e tratamento de dados pessoais e, em especial, o relativo ao tratamento de dados referentes ao sistema judicial.
Artigo 164.º
Limitações à publicidade do processo
1 - O acesso aos autos é limitado nos casos em que a divulgação do seu conteúdo possa causar dano à dignidade das pessoas, à intimidade da vida privada ou familiar ou à moral pública, ou pôr em causa a eficácia da decisão a proferir.
2 - Preenchem, designadamente, as restrições à publicidade previstas no número anterior:
a) Os processos de anulação de casamento, divórcio, separação de pessoas e bens e os que respeitem ao estabelecimento ou impugnação de paternidade, a que apenas podem ter acesso as partes e os seus mandatários;
b) Os procedimentos cautelares pendentes, que só podem ser facultados aos requerentes e seus mandatários e aos requeridos e respetivos mandatários, quando devam ser ouvidos antes de ordenada a providência;
c) Os processos de execução só podem ser facultados aos executados e respetivos mandatários após a citação ou, nos casos previstos no artigo 626.º, após a notificação; independentemente da citação ou da notificação, é vedado aos executados e respetivos mandatários o acesso à informação relativa aos bens indicados pelo exequente para penhora e aos atos instrutórios da mesma.
d) Os processos de acompanhamento de maior.
3 - O acesso a informação do processo também pode ser limitado, em respeito pelo regime legal de proteção e tratamento de dados pessoais, quando, estando em causa dados pessoais constantes do processo, os mesmos não sejam pertinentes para a justa composição do litígio.
Artigo 417.º
Dever de cooperação para a descoberta da verdade
1 - Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspeções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados.
2 - Aqueles que recusem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil.
3 - A recusa é, porém, legítima se a obediência importar:
a) Violação da integridade física ou moral das pessoas;
b) Intromissão na vida privada ou familiar, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações;
c) Violação do sigilo profissional ou de funcionários públicos, ou do segredo de Estado, sem prejuízo do disposto no n.º 4.
4 - Deduzida escusa com fundamento na alínea c) do número anterior, é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado.
Artigo 433.º
Sanções aplicáveis ao notificado
O tribunal pode ordenar a apreensão do documento e condenar o notificado em multa, quando ele não efetuar a entrega, nem fizer nenhuma declaração, ou quando declarar que não possui o documento e o requerente provar que a declaração é falsa.
Artigo 435.º
Ressalva da escrituração comercial
A exibição judicial, por inteiro, dos livros de escrituração comercial e dos documentos a ela relativos rege-se pelo disposto na legislação comercial.
Artigo 494.º
Verificações não judiciais qualificadas
1 - Sempre que seja legalmente admissível a inspeção judicial, mas o juiz entenda que se não justifica, face à natureza da matéria, a perceção direta dos factos pelo tribunal, pode ser incumbido técnico ou pessoa qualificada de proceder aos atos de inspeção de coisas ou locais ou de reconstituição de factos e de apresentar o seu relatório, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos anteriores.
2 - Sem prejuízo das atestações realizadas por autoridade ou oficial público, as verificações não judiciais qualificadas são livremente apreciadas pelo tribunal.
Código Comercial
Artigo 42.º
Exibição judicial da escrituração mercantil
A exibição judicial da escrituração mercantil e dos documentos a ela relativos, só pode ser ordenada a favor dos interessados, em questões de sucessão universal, comunhão ou sociedade e no caso de insolvência.
Art.º 43.º -
Exame da escrituração e documentos
1 - Fora dos casos previstos no artigo anterior, só pode proceder-se a exame da escrituração e dos documentos dos comerciantes, a instâncias da parte ou oficiosamente, quando a pessoa a quem pertençam tenha interesse ou responsabilidade na questão em que tal apresentação for exigida.
2 - O exame da escrituração e dos documentos do comerciante ocorre no domicílio profissional ou sede deste, em sua presença, e é limitado à averiguação e extracção dos elementos que tenham relação com a questão.
Código da Propriedade Industrial
Artigo 313.º
Objeto de protecção
1 - Entende-se por segredo comercial e são como tais protegidas as informações que reúnem cumulativamente os seguintes requisitos:
a) Sejam secretas, no sentido de não serem geralmente conhecidas ou facilmente acessíveis, na sua globalidade ou na configuração e ligação exatas dos seus elementos constitutivos, para pessoas dos círculos que lidam normalmente com o tipo de informações em questão;
b) Tenham valor comercial pelo facto de serem secretas;
c) Tenham sido objeto de diligências razoáveis, atendendo às circunstâncias, por parte da pessoa que detém legalmente o controlo das informações, no sentido de as manter secretas.
2 - A proteção é extensiva aos produtos cuja conceção, características, funcionamento, processo de produção ou comercialização beneficia significativamente de segredos comerciais obtidos, utilizados ou divulgados ilicitamente.
3 - Entende-se por titular do segredo comercial a pessoa singular ou coletiva que exerce legalmente o controlo de um segredo comercial.
Artigo 314.º
Atos ilícitos
1 - Constitui ato ilícito a obtenção de um segredo comercial, sem o consentimento do respetivo titular, sempre que esse ato resulte:
a) Do acesso, da apropriação ou da cópia não autorizada de documentos, objetos, materiais, substâncias ou ficheiros eletrónicos, que estejam legalmente sob o controlo do titular do segredo comercial e que contenham este segredo ou a partir dos quais o mesmo seja dedutível;
b) De outra conduta que, nas circunstâncias específicas em que ocorre, seja considerada contrária às práticas comerciais honestas.
2 - Constitui ainda ato ilícito a utilização ou divulgação de um segredo comercial, sem o consentimento do respetivo titular, por pessoa que preencha uma das seguintes condições:
a) Tenha obtido o segredo comercial ilegalmente;
b) Viole um acordo de confidencialidade ou qualquer outro dever de não divulgar o segredo comercial;
c) Viole um dever contratual ou qualquer outro dever de limitar a utilização do segredo comercial.
3 - Constitui ainda ato ilícito a obtenção, utilização ou divulgação de um segredo comercial sempre que uma pessoa, no momento da obtenção, utilização ou divulgação, tivesse ou devesse ter tido conhecimento, nas circunstâncias específicas em que se encontrava, que o segredo comercial tinha sido obtido direta ou indiretamente de outra pessoa que o estava a utilizar ou divulgar ilegalmente nos termos do número anterior.
4 - É também considerada utilização ilícita de um segredo comercial a produção, oferta ou colocação no mercado de mercadorias em infração, ou a importação, exportação ou armazenamento de mercadorias em infração para aqueles fins, sempre que a pessoa que realize estas atividades tivesse ou devesse ter tido conhecimento, nas circunstâncias específicas em que se encontrava, que o segredo comercial tinha sido utilizado nas condições previstas no n.º 2.
Artigo 339.º
Medidas para obtenção da prova
1 - Sempre que elementos de prova estejam na posse, na dependência ou sob o controlo da parte contrária ou de terceiro, pode o interessado requerer ao tribunal que os mesmos sejam apresentados, desde que para fundamentar a sua pretensão apresente indícios suficientes de violação de direitos de propriedade industrial ou de segredos comerciais.
2 - Quando estejam em causa atos praticados à escala comercial, pode ainda o requerente solicitar ao tribunal a apresentação de documentos bancários, financeiros, contabilísticos ou comerciais que se encontrem na posse, dependência ou sob controlo da parte contrária ou de terceiro.
3 - Em cumprimento do previsto nos números anteriores, o tribunal, assegurando a proteção de informações confidenciais, notifica a parte requerida para, dentro do prazo designado, apresentar os elementos de prova que estejam na sua posse, promovendo as ações necessárias em caso de incumprimento.
Artigo 344.º
Obrigação de prestar informações
1 - O interessado pode requerer a prestação de informações detalhadas sobre a origem e as redes de distribuição dos bens ou serviços que se suspeite violarem direitos de propriedade industrial ou segredos comerciais, designadamente:
a) Os nomes e os endereços dos produtores, fabricantes, distribuidores, fornecedores e outros possuidores anteriores dos bens ou serviços, bem como dos grossistas e dos retalhistas destinatários;
b) Informações sobre as quantidades produzidas, fabricadas, entregues, recebidas ou encomendadas, bem como sobre o preço obtido pelos bens ou serviços.
2 - A prestação das informações previstas no presente artigo pode ser ordenada ao alegado infrator ou a qualquer outra pessoa que:
a) Tenha sido encontrada na posse dos bens ou a utilizar ou prestar os serviços, à escala comercial, que se suspeite violarem direitos de propriedade industrial ou segredos comerciais;
b) Tenha sido indicada por pessoa referida na alínea anterior, como tendo participado na produção, fabrico ou distribuição dos bens ou na prestação dos serviços que se suspeite violarem direitos de propriedade industrial ou segredos comerciais.
3 - O previsto no presente artigo não prejudica a aplicação de outras disposições legislativas ou regulamentares que, designadamente:
a) Confiram ao interessado o direito a uma informação mais extensa;
b) Regulem a sua utilização em processos de natureza cível ou penal;
c) Regulem a responsabilidade por abuso do direito à informação;
d) Confiram o direito de não prestar declarações que possam obrigar qualquer das pessoas referidas no número anterior a admitir a sua própria participação ou de familiares próximos;
e) Confiram o direito de invocar sigilo profissional, a proteção da confidencialidade das fontes de informação ou o regime legal de proteção dos dados pessoais.
Artigo 347.º
Indemnização por perdas e danos
1 - Quem, com dolo ou mera culpa, viole ilicitamente o direito de propriedade industrial ou segredo comercial de outrem, fica obrigado a indemnizar a parte lesada pelos danos resultantes da violação.
2 - Na determinação do montante da indemnização por perdas e danos, o tribunal deve atender nomeadamente ao lucro obtido pelo infrator e aos danos emergentes e lucros cessantes sofridos pela parte lesada e deverá ter em consideração os encargos suportados com a proteção, a investigação e a cessação da conduta lesiva do seu direito.
3 - Para o cálculo da indemnização devida à parte lesada, deve atender-se à importância da receita resultante da conduta ilícita do infrator.
4 - O tribunal deve atender ainda aos danos não patrimoniais causados pela conduta do infrator.
5 - Na impossibilidade de se fixar, nos termos dos números anteriores, o montante do prejuízo efetivamente sofrido pela parte lesada, e desde que esta não se oponha, pode o tribunal, em alternativa, estabelecer uma quantia fixa com recurso à equidade, que tenha por base, no mínimo, as remunerações que teriam sido auferidas pela parte lesada caso o infrator tivesse solicitado autorização para utilizar os direitos de propriedade industrial ou os segredos comerciais em questão e os encargos suportados com a proteção do direito de propriedade industrial ou do segredo comercial, bem como com a investigação e cessação da conduta lesiva.
6 - Quando, em relação à parte lesada, a conduta do infrator constitua prática reiterada ou se revele especialmente gravosa, pode o tribunal determinar a indemnização que lhe é devida com recurso à cumulação de todos ou de alguns dos aspetos previstos nos n.os 2 a 5.
7 - Em qualquer caso, o tribunal deve fixar uma quantia razoável destinada a cobrir os custos, devidamente comprovados, suportados pela parte lesada com a investigação e a cessação da conduta lesiva.
Artigo 352.º
Preservação da confidencialidade dos segredos comerciais em processos judiciais
1 - Qualquer pessoa que participe em processo judicial ou que tenha acesso aos documentos que dele fazem parte, não está autorizada a utilizar ou divulgar qualquer segredo comercial ou alegado segredo comercial que o tribunal, em resposta a um pedido devidamente fundamentado da parte interessada, tenha identificado como confidencial e do qual tenha tomado conhecimento em resultado dessa participação ou acesso.
2 - A obrigação de confidencialidade não se extingue com o termo do processo judicial, salvo quando se constate, por decisão transitada em julgado, que o alegado segredo comercial não preenche os requisitos previstos no artigo 313.º ou que as informações em causa tenham passado a ser do conhecimento das pessoas nos círculos que normalmente lidam com esse tipo de informações ou se tenham tornado facilmente acessíveis a essas pessoas.
3 - A pedido devidamente fundamentado de uma das partes ou por iniciativa do tribunal e tendo sempre em conta a necessidade de salvaguardar o direito à ação e a um tribunal imparcial, bem como os interesses das partes ou de terceiros, podem ser tomadas medidas específicas e proporcionais para preservar a confidencialidade de qualquer segredo comercial ou alegado segredo comercial utilizado ou mencionado no decurso de um processo judicial, nomeadamente as seguintes:
a) Limitação do acesso a documentos que contenham segredos comerciais ou alegados segredos comerciais e que tenham sido apresentados pelas partes ou por terceiros, na sua totalidade ou em parte, a um número restrito de pessoas;
b) Limitação a um número restrito de pessoas do acesso a audiências, assim como aos respetivos registos e transcrições, quando existir a possibilidade de divulgação de segredos comerciais ou alegados segredos comerciais;
c) Disponibilização a pessoas não incluídas no número restrito a que se referem as alíneas anteriores de uma versão não confidencial de decisões judiciais das quais tenham sido removidas ou ocultadas as passagens que contêm os segredos comerciais.
4 - O número de pessoas a que se referem as alíneas a) e b) do número anterior não deve exceder o necessário para assegurar o respeito do direito das partes à ação e a um julgamento imparcial e deve incluir, pelo menos, uma pessoa singular de cada uma das partes e os respetivos mandatários ou outros representantes.
Artigo 356.º
Medidas inibitórias
1 - Estando em causa a violação de segredos comerciais, a decisão judicial pode impor ao infrator:
a) A cessação ou, consoante o caso, a proibição da utilização ou divulgação do segredo comercial;
b) A proibição de produzir, oferecer, colocar no mercado ou de utilizar mercadorias em infração, ou de importar, exportar ou armazenar mercadorias em infração para aqueles fins.
2 - Se o tribunal determinar a limitação da duração das medidas enunciadas no número anterior, a duração estabelecida deve ser apta a eliminar qualquer vantagem comercial ou económica de que o infrator possa ter beneficiado em consequência da obtenção, utilização ou divulgação ilegal do segredo comercial.
3 - Na avaliação e aplicação das medidas previstas no presente artigo deve o tribunal ter em conta o disposto no artigo 354.º
4 - Às medidas inibitórias é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos n.os 3 e 4 do artigo anterior, bem como as causas de extinção e caducidade previstas no artigo 342.º
DL 252/94 de 20 de Outubro
(alterado pela última vez pela Lei 92/2019 de 4 de Setembro) (Protecção jurídica de programas de computador)
Artigo 1.º n.ºs 2 e 3
Âmbito
(...)
2 - Aos programas de computador que tiverem carácter criativo é atribuída protecção análoga à conferida às obras literárias.
3 - Para efeitos de protecção, equipara-se ao programa de computador o material de concepção preliminar daquele programa.
Artigo 7.º
Descompilação
1 - A descompilação das partes de um programa necessárias à interoperabilidade desse programa de computador com outros programas é sempre lícita, ainda que envolva operações previstas nos artigos anteriores, quando for a via indispensável para a obtenção de informações necessárias a essa interoperabilidade.
2 - Têm legitimidade para realizar a descompilação o titular da licença de utilização ou outra pessoa que possa licitamente utilizar o programa, ou pessoas por estes autorizadas, se essas informações não estiverem já fácil e rapidamente disponíveis.
3 - É nula qualquer estipulação em contrário ao disposto nos números anteriores.
4 - As informações obtidas não podem:
a) Ser utilizadas para um acto que infrinja direitos de autor sobre o programa originário;
b) Lesar a exploração normal do programa originário ou causar um prejuízo injustificado aos interesses legítimos do titular do direito;
c) Ser comunicadas a outrem quando não for necessário para a interoperabilidade do programa criado independentemente.
5 - O programa criado nos termos da alínea c) do número anterior não pode ser substancialmente semelhante, na sua expressão, ao programa originário
Artigo 15.º
Tutela por outras disposições legais
A tutela instituída pelo presente diploma não prejudica a vigência de regras de diversa natureza donde possa resultar uma protecção do programa, como as emergentes da disciplina dos direitos de patente, marcas, concorrência desleal, segredos comerciais e das topografias dos semicondutores ou do direito dos contratos.
Directiva (EU) 2016/943
relativa à proteção de know-how e de informações comerciais confidenciais (segredos comerciais) contra a sua aquisição, utilização e divulgação ilegais
Considerando (14)
É importante adotar uma definição homogénea de segredo comercial, sem restringir o objeto a proteger contra apropriação indevida. Essa definição deverá ser formulada de forma a abranger o know-how, as informações empresariais e as informações tecnológicas sempre que exista um interesse legítimo em mantê-los confidenciais e uma expectativa legítima de preservação dessa confidencialidade. Além disso, esse know-how ou essas informações deverão ter um valor comercial real ou potencial. Deverá considerar-se que esse know-how ou essas informações têm valor comercial, por exemplo, caso a sua aquisição, utilização ou divulgação não autorizadas sejam suscetíveis de lesar os interesses da pessoa que exerce o controlo legal das informações ou do know-how em causa, pelo facto de comprometerem o potencial científico e técnico, os interesses comerciais ou financeiros, as posições estratégicas ou a capacidade concorrencial dessa pessoa. A definição de segredo comercial exclui informações triviais e a experiência e as competências adquiridas pelos trabalhadores no decurso normal do seu trabalho, bem como as informações que são geralmente conhecidas pelas pessoas dentro dos círculos que lidam habitualmente com o tipo de informações em questão, ou que são facilmente acessíveis a essas pessoas.
Considerando (24)
A perspetiva da perda da confidencialidade de um segredo comercial no decurso do processo judicial dissuade, frequentemente, os titulares legítimos de segredos comerciais de instaurarem processos judiciais para defenderem os seus segredos comerciais, sendo desta forma posta em causa a eficácia das medidas, dos procedimentos e das vias de reparação previstos. Por este motivo, é necessário estabelecer, sob reserva das salvaguardas apropriadas que garantam o direito à ação e a um tribunal imparcial, requisitos específicos destinados a proteger a confidencialidade do segredo comercial em litígio no decurso do processo judicial instaurado em sua defesa. Essa proteção deverá continuar a ser assegurada após o fim do processo judicial e enquanto as informações que constituem o segredo comercial não forem do domínio público.
Artigo 9.º n.ºs 2, 3 e 4
Preservação da confidencialidade dos segredos comerciais no decurso de processos judiciais
(...)
2. Os Estados-Membros asseguram ainda que as autoridades judiciais competentes possam tomar, mediante pedido devidamente fundamentado de uma parte, medidas específicas necessárias para preservar a confidencialidade de um segredo comercial ou de um alegado segredo comercial utilizado ou mencionado no decurso do processo judicial relacionado com a aquisição, utilização ou divulgação ilegais de um segredo comercial. Os Estados-Membros podem também permitir que as autoridades judiciais competentes tomem tais medidas por sua própria iniciativa.
As medidas referidas no primeiro parágrafo compreendem, pelo menos, a possibilidade de:
a) limitar o acesso a documentos que contenham segredos comerciais ou alegados segredos comerciais e que tenham sido apresentados pelas partes ou por terceiros, na sua totalidade ou em parte, a um número restrito de pessoas;
b) limitar o acesso a audiências e aos respetivos registos ou transcrições, caso exista a possibilidade de serem divulgados segredos comerciais ou alegados segredos comerciais, a um número restrito de pessoas;
c) disponibilizar a pessoas não incluídas no número restrito de pessoas a que se referem as alíneas a) e b) uma versão não confidencial das decisões judiciais das quais tenham sido retirados, ou na qual tenham sido ocultados, os passos que contêm segredos comerciais.
O número de pessoas a que se referem as alíneas a) e b) do segundo parágrafo não excede o necessário para assegurar o respeito do direito das partes no processo à ação e a um tribunal imparcial, e inclui, pelo menos, uma pessoa singular de cada parte e os respetivos advogados ou outros representantes das partes no processo judicial.
3. Ao decidir das medidas mencionadas no n.o 2 e ao avaliar a sua proporcionalidade, as autoridades judiciais competentes têm em conta a necessidade de salvaguardar o direito à ação e a um tribunal imparcial, os interesses legítimos das partes e, se for caso disso, de terceiros, assim como os eventuais prejuízos para qualquer das partes e, se for caso disso, para terceiros, resultantes do deferimento ou indeferimento dessas medidas.
4.  O tratamento de dados pessoais por força dos n.ºs 1, 2 ou 3 é efetuado nos termos da Diretiva 95/46/CE.
Directiva 2009/24/CE
relativa à protecção jurídica dos programas de computador, cuja transposição para o direito nacional não foi comunicada por Portugal à Comissão Europeia
[https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/NIM/?uri=celex:32009L0024].
Artigo 1.º
Objecto da protecção
1. De acordo com o disposto na presente directiva, os Estados-Membros estabelecem uma protecção jurídica dos programas de computador, mediante a concessão de direitos de autor, enquanto obras literárias, na acepção da Convenção de Berna para a Protecção das Obras Literárias e Artísticas. Para efeitos da presente directiva, a expressão «programas de computador» inclui o material de concepção.
2.  Para efeitos da presente directiva, a protecção abrange a expressão, sob qualquer forma, de um programa de computador. As ideias e princípios subjacentes a qualquer elemento de um programa de computador, incluindo os que estão na base das respectivas interfaces, não são protegidos pelos direitos de autor ao abrigo da presente directiva.
3. Um programa de computador é protegido se for original, no sentido em que é o resultado da criação intelectual do autor. Não são considerados quaisquer outros critérios para determinar a sua susceptibilidade de protecção.
4. O disposto na presente directiva é igualmente aplicável aos programas criados antes de 1 de Janeiro de 1993, sem prejuízo de quaisquer actos realizados e dos direitos adquiridos antes dessa data.
Artigo 6.º
Descompilação
1.   Não é necessária a autorização do titular dos direitos quando a reprodução do código e a tradução da sua forma, na acepção das alíneas a) e b) do n.o 1 do artigo 4.o, sejam indispensáveis para obter as informações necessárias à interoperabilidade de um programa de computador criado independentemente, com outros programas, uma vez preenchidas as seguintes condições:
a) Esses actos serem realizados pelo licenciado ou por outra pessoa que tenha o direito de utilizar uma cópia do programa, ou em seu nome por uma pessoa devidamente autorizada para o efeito;
b) Não se encontrarem já fácil e rapidamente à disposição das pessoas referidas na alínea a) as informações necessárias à interoperabilidade; e
c) Esses actos limitarem-se a certas partes do programa de origem necessárias à interoperabilidade.
2.   O disposto no n.o 1 não permite que as informações obtidas através da sua aplicação:
a) Sejam utilizadas para outros fins que não o de assegurar a interoperabilidade de um programa criado independentemente;
b) Sejam transmitidas a outrem, excepto quando tal for necessário para a interoperabilidade do programa criado independentemente; ou
c)Sejam utilizadas para o desenvolvimento, produção ou comercialização de um programa substancialmente semelhante na sua expressão, ou para qualquer outro acto que infrinja os direitos de autor.
3.   De acordo com o disposto na Convenção de Berna para a Protecção das Obras Literárias e Artísticas, as disposições do presente artigo não podem ser interpretadas no sentido de permitirem a sua aplicação de uma forma susceptível de lesar os legítimos interesses do titular de direitos ou que não se coadune com uma exploração normal do programa de computador.
Artigo 8.º
Manutenção de outras disposições jurídicas
As disposições da presente directiva não prejudicam quaisquer outras disposições legais, nomeadamente as relativas a direitos de patente, a marcas, a concorrência desleal, a segredos comerciais, a protecção de produtos semicondutores ou ao direito dos contratos. (…)
Regulamento (EU) 2016/679
relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Diretiva 95/46/CE (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados)
Considerando (20)
Na medida em que o presente regulamento é igualmente aplicável, entre outras, às atividades dos tribunais e de outras autoridades judiciais, poderá determinar-se no direito da União ou dos Estados-Membros quais as operações e os procedimentos a seguir pelos tribunais e outras autoridades judiciais para o tratamento de dados pessoais. A competência das autoridades de controlo não abrange o tratamento de dados pessoais efetuado pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional, a fim de assegurar a independência do poder judicial no exercício da sua função jurisdicional, nomeadamente a tomada de decisões. Deverá ser possível confiar o controlo de tais operações de tratamento de dados a organismos específicos no âmbito do sistema judicial do Estado-Membro, que deverão, nomeadamente, assegurar o cumprimento das regras do presente regulamento, reforçar a sensibilização os membros do poder judicial para as obrigações que lhe são impostas pelo presente regulamento e tratar reclamações relativas às operações de tratamento dos dados.
Artigo 5.º
Princípios relativos ao tratamento de dados pessoais
1. Os dados pessoais são:
a) Objeto de um tratamento lícito, leal e transparente em relação ao titular dos dados («licitude, lealdade e transparência»);
b) Recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legítimas e não podendo ser tratados posteriormente de uma forma incompatível com essas finalidades; o tratamento posterior para fins de arquivo de interesse público, ou para fins de investigação científica ou histórica ou para fins estatísticos, não é considerado incompatível com as finalidades iniciais, em conformidade com o artigo 89.o, n.o 1 («limitação das finalidades»);
c) Adequados, pertinentes e limitados ao que é necessário relativamente às finalidades para as quais são tratados («minimização dos dados»);
d) Exatos e atualizados sempre que necessário; devem ser adotadas todas as medidas adequadas para que os dados inexatos, tendo em conta as finalidades para que são tratados, sejam apagados ou retificados sem demora («exatidão»);
e) Conservados de uma forma que permita a identificação dos titulares dos dados apenas durante o período necessário para as finalidades para as quais são tratados; os dados pessoais podem ser conservados durante períodos mais longos, desde que sejam tratados exclusivamente para fins de arquivo de interesse público, ou para fins de investigação científica ou histórica ou para fins estatísticos, em conformidade com o artigo 89.o, n.o 1, sujeitos à aplicação das medidas técnicas e organizativas adequadas exigidas pelo presente regulamento, a fim de salvaguardar os direitos e liberdades do titular dos dados («limitação da conservação»);
f) Tratados de uma forma que garanta a sua segurança, incluindo a proteção contra o seu tratamento não autorizado ou ilícito e contra a sua perda, destruição ou danificação acidental, adotando as medidas técnicas ou organizativas adequadas («integridade e confidencialidade»).
2. O responsável pelo tratamento é responsável pelo cumprimento do disposto no n.º 1 e tem de poder comprová-lo («responsabilidade»).
Para a decisão do recurso o Tribunal usa os factos/elementos seguintes que resultam dos autos
13. A autora, na petição inicial junta aos autos, requereu ao Tribunal que ordenasse a apresentação de elementos em poder da parte contrária e/ou de terceiros, para prova da alegada violação, pelas rés, dos segredos comerciais da autora.
14. Os elementos de prova requeridos pela autora, na petição inicial, são os seguintes:
1) Directrizes, planos de validação experimental, relatórios de validação do método experimental e procedimentos técnicos de cada um dos ensaios seguintes, elencados o artigo 60.º da petição inicial e usados no sector “alimentos e agroalimentar”:
ü detecção de CaMV P.35S em organismos geneticamente modificados por real time PCR;
ü detecção de DNA de cavalo por real time PCR;
ü detecção de DNA de porco por real time PCR;
ü detecção de P-FMV em organismos geneticamente modificados por real time PCR;
ü detecção de T-NOS em organismos geneticamente modificados por real time PCR;
ü identificação de espécies de carnes por PCR e sequenciação de DNA (método NGS);
ü identificação de espécies de crustáceos por PCR e sequenciação de DNA (método NGS);
ü identificação de espécies de moluscos por PCR e sequenciação de DNA (método NGS);
ü identificação de espécies de peixes por PCR e sequenciação de DNA (método NGS);
ü identificação de espécies de plantas por PCR e sequenciação de DNA (método NGS);
2) Software funcional usado na elaboração dos ensaios acima enunciados com identificação do código fonte;
3) Cópia da última declaração mensal de remunerações apresentada à segurança social em 2020 e 2021;
4) Cópia de toda a facturação emitida em 2020 e 2021.
15. O Tribunal a quo, na audiência prévia, por despacho com a referência Citius 462890, constante dos autos e que aqui se dá por reproduzido, indeferiu o requerimento com base, em síntese, nos seguintes fundamentos:
§ O regime jurídico previsto nos artigos 435.º do CPC e 42.º e 43.º do Código Comercial, para a apresentação e exame da escrituração comercial;
§ A norma especial prevista no artigo 344.º do CPI, que versa sobre o regime de recolha de informação para determinar o circuito de produção e/ou distribuição de bens ou serviços ilícitos;
§ A falta de concordância das rés;
§ O facto de o código fonte do software envolver direitos de terceiros protegidos pelo segredo comercial ou direito de autor;
§ A falta de indícios da violação de direitos de propriedade industrial e da responsabilidade das rés na mesma.
16. O Tribunal a quo selecionou os seguintes temas de prova, conforme resulta da acta de audiência prévia com referência Citius 462890, constante dos autos:
“1 – Circunstâncias de tempo, lugar e modo do desenvolvimento, acreditação e comercialização, dos ensaios referidos no objecto do litígio supra, por parte das RR..
2 – Uso pelas RR., na comercialização referida em 1, de ‘saber fazer’ e informação comercial da A., designadamente ensaios NGS inventados por esta, SOP directrizes, métodos de validação experimental, relatórios de validação e procedimentos técnicos correspondentes, coordenados e validados a favor da A. e propriedade desta.
3 – Início, termo e circunstâncias do vínculo contratual entre a A. e a R. SC e/ou algum dos colaboradores da R. Wenou Lda. envolvidos no desenvolvimento do ‘saber fazer’ referido em 2 ou com acesso ao mesmo em razão das funções contratadas com a A..
4 – Danos causados à A. em razão da actuação das RR. referida em 1.”
Apreciação das questões suscitadas pelo recurso
17. Na apreciação das questões suscitadas pelo recurso, o Tribunal segue de perto a seguinte doutrina, que pontualmente será também indicada infra:  Código da Propriedade Industrial Anotado, Coordenação de Luís Couto Gonçalves, Almedina, páginas 1185 a 1189, 1230 a 1231, 1234 a 1237, 1248 a 1251, 1282 a 1284, 1289 a 1290; Pedro Sousa e Silva, Direito Industrial, 2ª Edição, Almedina, páginas 585 a 587; Ana Clara Azevedo de Amorim, O regime jurídico dos segredos comerciais no novo Código da Propriedade Industrial, Revista Electrónica de Direito, Junho 2019, n.º 2 (vol 19), Universidade do Porto, Faculdade de Direito, páginas 18, 21 a 24; Alberto de Sá e Mello, Manual de Direitos de autor e Direitos Conexos, 4.ª Edição, Almedina, páginas 123 a 125.
A. Regime processual aplicável ao requerimento de prova feito pela autora.
18. A primeira questão prende-se com saber qual o regime processual à luz do qual deve ser apreciado o requerimento de prova aqui em crise. Para solucionar esta questão afigura-se necessário levar em conta o objecto da acção, ou seja, os factos jurídicos invocados pela autora como causa de pedir e o pedido que formulou.
19. A autora invocou a violação de segredos comerciais, a violação de direitos de propriedade intelectual sobre os ensaios que comercializa, assim como a prática de actos de concorrência desleal por parte das rés. Pediu que sejam reconhecidos os direitos e segredos comerciais invocados, decretadas medidas inibitórias e condenadas as rés a pagar-lhe uma indemnização. Assim, da leitura da petição inicial resulta que a presente acção é configurada pela autora como uma acção para protecção dos segredos comerciais, protecção essa instituída, entre outros, pelos artigos 313.º, 314º, 337.º, 347.º e 356.º do CPI, acima citados.
20. O objecto da protecção dos segredos comerciais consagrado no artigo 313.º do CPI não se limita à informação confidencial relativa à actividade comercial das empresas mas abrange também o know how e as informações tecnológicas, tal como resulta do considerando (14) da Directiva 2016/943. Os segredos comerciais compreendem, assim, os seguintes tipos de informação: informação secreta, patenteável ou não, relativa a métodos ou técnicas de produção e aos produtos; e informação secreta relativa à actividade das empresas, nomeadamente, as respectivas estratégias comerciais, políticas de vendas, estruturas de custos, listas de clientes e distribuidores, métodos de trabalho e marketing.
21. O actual regime de protecção dos segredos comerciais constante dos artigos 313.º e 314.º do CPI, que resultou da transposição da Directiva 2016/943, não requer uma relação de concorrência entre o titular e o infractor. Assim, embora tenha sido alegada na presente acção, não é necessária uma relação de concorrência entre os sujeitos, nem um acto de intervenção no mercado com fins concorrenciais, para desencadear a protecção dos segredos comerciais. Por seu lado, o artigo 313.º do CPI, enuncia os requisitos cumulativos que as informações devem preencher para gozarem da protecção e o artigo 314.º do CPI, estabelece que a violação dos segredos comerciais depende da obtenção da informação, seguida de divulgação ou utilização.
22. Feito este enquadramento legal, é forçoso concluir que, tal como alega a autora e contrariamente ao que defendem as rés, às medidas para obtenção de prova requeridas pela autora se aplica o regime especial que resulta do artigo 339.º do CPI. Este preceito legal consagra um mecanismo destinado a obter os elementos necessários à comprovação prática de uma violação aos direitos de propriedade industrial ou de segredos comerciais e ao apuramento da sua dimensão.
23. Com efeito, o artigo 339.º do CPI transpõe o artigo 6.º da Directiva 2004/48/CE (tutela judicial de direitos de propriedade intelectual) e estende a aplicação desse mecanismo de obtenção de prova aos segredos comerciais, em conformidade com a Diretiva 2016/943 (tutela judicial de segredos comerciais). A harmonização das normas processuais de protecção dos segredos comerciais constitui, aliás, um dos objectivos da Directiva 2016/943, como resulta dos seus artigos 6.º a 15.º
24. Pelo exposto, afigura-se que as normas processuais especiais consagradas no CPI, em matéria de protecção de segredos comerciais, afastam a aplicação do disposto nos artigos 435.º do CPC e 42.º a 43.º do Código Comercial, devendo ser revogada a decisão do Tribunal a quo que aplicou ao caso estes últimos preceitos legais.
B. Medidas para obtenção de prova em caso de violação de segredos comerciais.
25. Resolvida a primeira questão, importa agora distinguir as informações que podem ser requeridas ao abrigo do disposto no artigo 339.º do CPI, daquelas que se enquadram no disposto no artigo 344.º do CPI, uma vez que o Tribunal a quo julgou ser aplicável este último preceito e tal decisão está aqui em crise.
26. Os elementos cuja apresentação pode ser requerida ao abrigo do artigo 339.º do CPI podem ser documentos, objectos ou informações, na posse ou sob o controlo do requerido ou de terceiro. Quando estejam em causa actos praticados à escala comercial, pode ser solicitada a apresentação de documentos bancários, financeiros, contabilísticos ou comerciais que se encontrem na posse, dependência ou sob o controlo da parte contrária ou de terceiro (cf. n.º 2 do artigo 339.º do CPI).
27. Já as informações que se enquadram no artigo 344.º do CPI são informações sobre a origem e as redes de distribuição. Ou seja, o mecanismo processual de recolha de informação previsto no artigo 344.º do CPI tem por finalidade determinar o circuito de produção e/ou distribuição dos bens ou serviços ilícitos, versando, nomeadamente, sobre a identidade dos vários intervenientes nesse circuito, desde a origem até ao destino final/retalhista, e sobre a dimensão da infracção no que diz respeito a preços e quantidades.
28. Por último, no contexto da tutela contenciosa dos direitos de propriedade industrial e dos segredos comerciais, são actos à escala comercial os que se enquadrem na noção prevista no artigo 337.º do CPI, para efeitos de permitir o decretamento de medidas processuais mais gravosas, como as previstas nos artigo 339.º n.º 2 ou 344.º do CPI.
29. Feita a distinção entre o âmbito de aplicação dos artigos 339.º e 344.º, do CPI, resulta do requerimento de prova em análise que a autora aí pede essencialmente a obtenção de informações, nos pontos 1 e 2, e de documentos, nos pontos 3 e 4, conforme foi mencionado supra no parágrafo 14. Relativamente aos documentos, eles enquadram-se na previsão do artigo 339.º do CPI; a dúvida que pode colocar-se é a de saber se a prestação das informações se inclui no artigo 339.º ou no artigo 344.º, do CPI.
30.  Para resolver tal dúvida, há que levar em conta que as informações requeridas versam sobre os procedimentos técnicos de cada um dos ensaios e sobre o programa informático utilizado. Pelo que, não se afigura que essas informações se destinem a apurar a origem e as redes de distribuição de bens ou serviços, mas antes, se os procedimentos técnicos usados pela primeira ré para fazer os ensaios alimentares e agroalimentares aqui em questão, se baseiam na utilização ilícita de segredos comerciais da autora, neles incluído o programa informático originário da autora. É este também o objecto dos temas de prova selecionados pelo Tribunal a quo, acima citados no parágrafo 16.
31. Em consequência, não se afigura ser de aplicar ao requerimento de prova aqui em causa o disposto no artigo 344.º do CPI, como fez o despacho recorrido, mas antes o regime previsto no artigo 339.º do CPI.
32. Dito isto, importa agora analisar se se verificam os requisitos dos quais depende a medida requerida, que neste caso são três: (1) a existência de indícios suficientes da violação de direitos da propriedade intelectual ou de segredos comerciais; e (2) a necessidade ou relevância desses meios de prova para a defesa do direito da autora, como resulta do artigo 339.º n.º 1 do CPI; (3) e a qualificação  da conduta da primeira ré como actos praticados à escala comercial, nos termos do artigo 337.º do CPI, uma vez que, o artigo 339.º n.º 2 do CPI, exige este terceiro requisito quando se pede a apresentação de documentos bancários, financeiros, contabilísticos ou comerciais, como sucede no caso.
33. Sobre esta questão o despacho recorrido menciona a seguinte motivação: “Na presente fase, não se demonstram verificados os pressupostos de que depende a requerida exposição da escrita ou segredos comerciais da R., nomeadamente a indiciada violação de direitos de propriedade industrial e a responsabilidade desta na mesma.”
34. Ora, na petição inicial, a autora invoca os requisitos de que depende a protecção dos segredos comerciais instituída pelos artigos 313.º e 314.º do CPI, tal como acima mencionado nos parágrafos 19 a 21. Adicionalmente, da selecção dos temas de prova acima mencionados no paragrafo 16, resulta que há indícios suficientes da violação de segredos comerciais da autora (temas de prova 1 e 3) cuja veracidade o Tribunal irá comprovar em audiência. Pelo que, os meios de prova acima descritos no parágrafo 14 são necessários e relevantes para a defesa dos segredos comerciais da autora (temas de prova 2 e 4). Por último, a alegada actuação das rés, enquadra-se na noção de actos praticados à escala comercial (temas de prova 1, 2, 3 e 4).
35. Pelo que, verificam-se os pressupostos exigidos pelo artigo 339.º do CPI para que sejam ordenadas as medidas de obtenção de prova requeridas pela autora e mencionadas no parágrafo 14, devendo o despacho recorrido ser revogado na parte em que indeferiu tais medidas.
C. Protecção de informações confidenciais em processos judiciais
36.  Devendo ser decretadas as medidas para obtenção de prova requeridas pela autora e mencionadas supra no parágrafo 14, o Tribunal a quo deve ordenar às rés e a terceiros, se for o caso, que apresentem os elementos de prova requeridos, em determinado prazo, assim como deve promover as acções necessárias, em caso de incumprimento, como prevê o artigo 339.º n.º 3 do CPI.
37. A este propósito, a mera discordância das rés ou a circunstância de os documentos ou elementos de prova estarem na posse, dependência ou sob o controlo de terceiro, referidos no despacho recorrido, não impedem que sejam ordenadas as medidas previstas no artigo 339.º do CPI, como resulta do texto do próprio preceito.
38. O que ocorre é que, sendo decretadas as medidas de prova previstas no artigo 339.º do CPI, em caso de incumprimento, o n.º 3 deste preceito legal prevê que o Tribunal deve promover as acções necessárias. Pelo que, se depois de ordenada a medida houver incumprimento, aplica-se então o disposto no artigo 417.º do CPC, que prevê a condenação em multa por violação do dever de cooperação para a descoberta da verdade, sem prejuízo de virem a ser invocados os motivos de recusa legítima aí previstos, que o Tribunal nessa altura apreciará.
39. Adicionalmente, em caso de incumprimento, embora não tenha lugar a aplicação da garantia penal prevista no artigo 375.º do CPC, por não se tratar aqui de uma providência cautelar, o Tribunal pode ordenar a apreensão de documentos nos termos previstos no artigo 433.º do CPC e, se o incumprimento for imputável às rés, apreciará livremente a recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova – cf. artigos 417.º n.º 2 do CPC e 344.º n.º 2 do Código Civil.
40. No entanto, sobre esta questão as rés têm razão quando alegam a natureza confidencial da informação requerida e a necessidade de assegurar a proporcionalidade das medidas de prova, caso venham a ser decretadas, assim como a descaracterização dos documentos, que venham a ser juntos. A este propósito, importa sublinhar que o n.º 3 do artigo 339.º do CPI impõe ao Tribunal que assegure a protecção das informações confidenciais. Ora, no caso em análise, ao ordenar medidas tão gravosas como as previstas no artigo 339.º do CPI, o Tribunal deve assegurar, em particular: a protecção de informações confidenciais (cf. artigos 339.º n.º 3, 344.º n.º 3 e 352.º do CPI); a protecção jurídica conferida aos programas informáticos (cf. artigos 2.º, 6.º e 8.º Directiva 2009/24/CE); e a protecção de dados pessoais, de acordo com os princípios da finalidade e da necessidade, em matéria de tratamento de dados pessoais em processos judiciais (cf. artigo 5.º e considerando (20) do Regulamento (EU) 2016/679 e artigos 132.º n.º 4 e 164.º do CPC).
41. Importa assim reconhecer que, embora o despacho recorrido deva ser revogado pelos fundamentos aqui expostos,  as dificuldades apontadas pelo Tribunal a quo no despacho recorrido, existem, na medida em que, por um lado, o acesso a informação técnica reservada, know-how, processos utilizados, programas de computador, dados comerciais sensíveis, como a identidade de clientes, trabalhadores, valores de facturação, preços praticados, é essencial para a procedência da pretensão da autora; mas por outro lado, a sua divulgação pode lesar gravemente os interesses da primeira ré, numa altura em que ainda não se apurou, e pode até nem vir a apurar-se, a existência da alegada violação de segredos comerciais.
42. Porém, para solucionar tais dificuldades, o Tribunal deve ter em conta os dois interesses contrapostos, mencionados no parágrafo 41, sem ir ao extremo de, para preservar a confidencialidade, denegar à autora o exercício dos poderes que o artigo 339.º do CPI lhe confere. Para esse efeito, o Tribunal deverá decretar as medidas adequadas, específicas e proporcionais à preservação dos segredos comerciais em processos judiciais, nos termos previstos pelo artigo 339.º n.º 3 e recorrendo se necessário ao artigo 352.º do CPI.
43. Assim, no caso em análise, para proteger a confidencialidade da informação em causa, importa levar em conta o quadro legal seguinte.
44.  Os dados pessoais podem ser processados pelos Tribunais sem consentimento dos seus titulares, na medida em que tal se mostre necessário para os fins da administração da justiça, como resulta do artigo 5.º e do considerando (20) do Regulamento (EU) 2016/679, conjugados com os artigos 132.º n.º 4 e 164.º do CPC, supracitados. Em particular, resulta do artigo 164.º n.º 3 do CPC que, quando são recolhidos dados pessoais num processo judicial, com a finalidade de administrar justiça, o acesso ao processo pode ser limitado para garantir a protecção dos dados pessoais das pessoas singulares (únicas visadas pela protecção conferida pelo Regulamento (EU) 2016/679) se tais dados não forem pertinentes para a justa composição do litígio. Em consequência, em processos judiciais, cabe unicamente aos Tribunais – por força do princípio da independência do poder judicial – determinar em que medida tal tratamento é necessário e as finalidades do mesmo, por decisão que só mediante recurso pode ser impugnada.
45. Os programas de computador gozam, no plano nacional, da protecção jurídica conferida pelo DL 252/94 de 20 de Outubro (alterado pela última vez pela Lei 92/2019 de 4 de Setembro). Como resulta do artigo 15.º do DL 252/94, a protecção nele consagrada não prejudica a aplicação de outras disposições legais, nomeadamente as respeitantes aos segredos comerciais. De onde resulta que, contrariamente ao que defende a ré, o regime previsto no artigo 339.º do CPI, aqui aplicável, não é afastado pelo regime da protecção jusautoral dos programas informáticos devendo, no entanto, ser preservada pelo Tribunal, a confidencialidade das informações obtidas, recorrendo, se necessário, às medidas previstas no artigo 352.º do CPI.
46. O DL 252/94 deve ser interpretado em conformidade com a Directiva 2009/24/CE sobre a protecção jurídica dos programas de computador. O artigo 1.º da Directiva 2009/24/CE impõe aos Estados Membros o dever de consagrarem uma protecção dos programas de computador análoga à das obras literárias. No plano nacional, o artigo 1.º n.º 2 do DL 252/94 reconhece aos programas de computador que tenham carácter criativo, proteção análoga à conferida às obras literárias. O caráter criativo do programa reside na organização dos elementos que o compõem. Ou seja, o que merece tutela jusautoral não é apenas a linguagem que dá expressão ao programa, não é a sua aplicação, não é o código, mas é o conjunto destes elementos reunidos num objecto novo, que assume carácter criativo (cf. Alberto de Sá e Mello, Manual de Direitos de autor e Direitos Conexos, 4.ª Edição, Almedina, páginas 123 a 125).
47. É assim, em torno da descompilação do conteúdo do programa, ou seja, do acesso aos elementos que permitem a reprodução do código e a tradução da sua forma, que é delimitado negativamente o conteúdo do direito, como resulta dos artigos 6.º da Diretiva 2009/24/CE e 7.º do DL 252/94, ao preverem que é licita a descompilação, nas situações aí enunciadas, assim como os limites à utilização das informações obtidas mediante descompilação. Cabe ao Tribunal assegurar a observância de tais limites.
48. O que parece estar em causa na presente acção é, além do mais, comprovar se o programa informático usado pela primeira ré tem carácter criativo, nos termos mencionados supra no parágrafo 46, como defendem as rés ou se, como alega a autora, em consequência da violação dos segredos de comércio, é uma reprodução do programa informático originário da autora, ou é substancialmente semelhante na sua expressão, ao programa originário da autora, com desrespeito pelos limites à descompilação previstos no artigo 7.º do DL 252/94. Sobre esta questão, as partes invocam argumentos contrapostos e por isso a mesma carece de prova.
49. Neste caso, afigura-se ser necessária a descompilação do programa informático usado pela ré para prova da alegada violação dos segredos comerciais da autora, embora tal só deva ser ordenado mediante medidas de protecção da confidencialidade das informações obtidas, que garantam a observância dos limites previstos no artigo 7.º n.º 4 do DL 252/94, de modo a dar cumprimento ao disposto no artigo 339.º n.º 3 do CPI.
50. Do ponto de vista do procedimento formal a adoptar, não havendo outras regras processuais que regulem expressamente o modo de executar a protecção da confidencialidade imposta pelo artigo 339.º n.º 3 do CPI, há que recorrer às medidas de preservação da confidencialidade dos segredos comerciais em processos judiciais, enunciadas no artigo 352.º do CPI, devendo o Tribunal adoptar a solução que concretamente se mostre mais ajustada, recorrendo, se necessário, ao princípio da adequação formal consagrado no artigo 6.º n.º 1 do CPC (cf. Código da Propriedade Industrial Anotado, Coordenação de Luís Couto Gonçalves, Almedina, página 1236, e Abrantes Geraldes, obra aí citada).
51.  Por último, a autora alega que o despacho recorrido, ao indeferir as medidas de produção da prova requeridas, violou o disposto no artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa que consagram, respectivamente, o acesso ao direito e o direito a um processo equitativo. O que é verdade, mas a questão tem de ser resolvida através de uma solução que assegure o justo equilíbrio entre estes direitos e os demais direitos e interesses em jogo.
52. Em síntese, a solução a adoptar deve levar em conta o direito à acção e a um Tribunal imparcial, os interesses das partes e de terceiros, o princípio do contraditório previsto no artigo 3.º n.º 3 do CPC e o princípio da adequação formal previsto no artigo 6.º n.º 1, do CPC.
53. Com base no acima exposto, este Tribunal julga equilibrada a solução seguinte:
§ Os documentos mencionados nos pontos 3 e 4 do parágrafo 14 deverão ser juntos aos autos depois de descaracterizados pela autora como se segue:
ü Na declaração mensal de remuneração, deve ser ocultado o nome dos trabalhadores da ré, excepto os nomes dos trabalhadores especificadamente indicados na petição inicial, que alegadamente trabalharam para a autora, uma vez que quanto aos mesmos a prova dos seus nomes é necessária à justa composição do litígio (cf. temas de prova 2 e 3 mencionados no parágrafo 16);
ü devem ser ocultados a morada, número de identificação fiscal, de utente de saúde, da segurança social, contactos, números de contas bancárias e outros dados pessoais de todos os trabalhadores;
ü deve manter-se a indicação da respectiva categoria profissional de todos os trabalhadores por ser necessária à justa composição do litígio (cf. temas de prova 2 e 3 indicados no parágrafo 16);
ü Na facturação, devem ser ocultados o nome dos clientes e fornecedores e os elementos de identificação dos mesmos (e.g. números fiscais, contas bancárias, moradas, contactos), por tal não se mostrar necessário á justa composição do litígio (cf. temas de prova 1 e 4 indicados no parágrafo 16);
§ Quanto às informações e elementos mencionados nos pontos 1 e 2 do parágrafo 14 supra, embora o artigo 339.º do CPI não tenha por objectivo obter a prestação de depoimentos ou a realização de perícias ou inspecções, afigura-se que isso não impede que, para salvaguarda da confidencialidade, o procedimento previsto no artigo 339.º do CPI seja dividido em duas fases como se segue:
ü Numa primeira fase o Tribunal ordenará uma verificação não judicial qualificada dos elementos, relatórios e demais informações indicados nos pontos 1 e 2 do parágrafo 14 supra e a descompilação do programa de computador aí indicado, por pessoa qualificada, nomeada pelo Tribunal, sob declaração de confidencialidade, a qual apresentará um relatório, nos termos do artigo 494.º do CPC;
ü O relatório será inicialmente analisado apenas pelo juiz e pelos mandatários das partes, para assegurar o equilíbrio entre o princípio do contraditório previstos no artigo 3.º n.º 3 do CPC e a protecção da confidencialidade, no caso de as informações não serem necessárias à justa composição do litígio;
ü Se o Tribunal, após audição dos mandatários, concluir da análise do relatório, que existe violação dos segredos comerciais, o relatório será notificado também a uma pessoa singular a indicar por cada uma das partes, em cumprimento do disposto no artigo 352.º n.º 4 do CPI e será concedido prazo para exercício do contraditório e eventuais diligências complementares de instrução;
ü Se o Tribunal concluir, depois de ouvidos os mandatários das partes, que do relatório não resulta a violação dos segredos comerciais, o mesmo não será admitido como meio de prova e dele não será dado conhecimento a nenhuma outra pessoa ou representante das partes, além dos mandatários, que ficam sujeitos ao dever de sigilo previsto no artigo 352.º do CPI;
§ Quaisquer documentos e informações obtidos e admitidos como meio de prova ao abrigo do artigo 339.º do CPI só devem ser acessíveis aos mandatários e a uma pessoa singular de cada uma das partes, que ficam sujeitas ao dever de sigilo previsto no artigo 352.º n.º 1 do CPI e à proibição que resulta do artigo 7.º n.º 4 do DL 252/94;
§ Se necessário, para preservar a confidencialidade dos documentos e informações obtidos, o Tribunal limitará a um número restrito de pessoas o acesso à audiência, aos registos, transcrições e à versão não confidencial da sentença, como previsto pelo artigo 352.º n.ºs 3 e 4 do CPI;
§ O Tribunal deverá identificar nos autos os documentos e informações obtidos sobre o segredo comercial ou alegado segredo comercial, relativamente aos quais o artigo 352.º n.º 1 do CPI impõe o dever de sigilo dos intervenientes processuais e ordenar à secretaria que adopte as medidas necessárias, incluindo no que diz respeito à tramitação electrónica do processo, nos termos do artigo 132.º n.º 4 do CPC.
54. O procedimento acima enunciado afigura-se adequado na medida em que, em primeiro lugar,  evita sacrificar injustificadamente os interesses da primeira ré no caso de não haver, afinal, infracção  aos segredos comerciais da autora; em segundo lugar, assegura a obtenção de provas que, estando em regra na posse do infractor ou de terceiros, a autora não teria a possibilidade de produzir sem recurso à autoridade judicial, o que constitui a razão de ser do artigo 339.º do CPI; em terceiro lugar, garante que o acesso aos dados pessoais e ao programa de computador, na eventualidade de este estar protegido por direitos de autor, tem lugar na medida estritamente necessária à prossecução da actividade judicial e com a única finalidade de permitir comprovar se houve ou não violação dos segredos comerciais alegados pela autora (cf. Código da Propriedade Industrial Anotado, Coordenação de Luís Couto Gonçalves, Almedina, doutrina e jurisprudência comparada mencionadas na página 1236, nota 2076).
55. Pelos motivos expostos, o despacho recorrido deverá ser revogado e substituído por outro que ordene as medidas para obtenção de prova requeridas pela autora mencionadas supra, no parágrafo 14, mediante a protecção das informações confidenciais que venham a ser apresentadas, nos termos do artigo 339.º do CPI
56. Atento o disposto no artigo 6.º n.º 1 do CPC, o Tribunal a quo, ao proceder à adequação formal, deverá ouvir previamente as partes sobre as medidas de preservação da confidencialidade mencionadas supra no parágrafo 53 e só depois disso é que deverá notificar a parte requerida para apresentar os elementos de prova dentro do prazo que for designado, ordenando as medidas de preservação da confidencialidade mencionadas no parágrafo 53 ou adequando-as na medida em que tal se mostre necessário à prossecução dos fins previstos no artigo 339.º do CPI. Deve, além disso, o Tribunal a quo promover as acções necessárias, em caso de incumprimento, nos termos previstos no artigo 339.º n.º 3 do CPI, 417.º e 433.º do CPC.
57. Por último, as rés alegam que a autora pediu a realização de uma perícia técnica e financeira que tem por finalidade aceder às mesmas informações aqui em causa e que o Tribunal a quo indeferiu o pedido das rés, para que a autora juntasse registos técnicos laboratoriais e o respectivo processo de certificação. Segundo as rés, a decisão quanto ao requerimento de prova da autora agora objecto de recurso, terá de abarcar o pedido similar feito pelas rés.
58. No entanto, na falta de recurso autónomo ou subordinado, das decisões que incidiram sobre as questões mencionadas no parágrafo 57, tais questões estão fora do objecto do presente recurso (cf. artigos 627.º, 633.º e 635.º do CPC). Pelo que, este Tribunal não pode pronuncia-se sobre as mesmas.

Decisão
Acordam as Juízes desta secção em julgar procedente o recurso e em conformidade:
I. Revogar o despacho recorrido.
II. Substituí-lo por outro que ordena as medidas para obtenção da prova requeridas pela autora, mencionadas supra no parágrafo 14, mediante a protecção das informações confidenciais que venham a ser apresentadas, devendo para tal o Tribunal a quo dar seguimento aos trâmites previstos no artigo 339.º do Código da Propriedade Intelectual, ouvindo previamente as partes sobre as medidas de preservação da confidencialidade mencionadas no parágrafo 53, nos termos do artigo 6.º n.º 1 do Código de Processo Civil, e ordenando em seguida as que se mostrem adequadas.
III. Custas a cargo das rés – artigos 527.º n.º 2 e 528.º n.º 1 do Código de Processo Civil

Lisboa, 10 de Março de 2022
Paula Pott
Ana Mónica Pavão
Maria da Luz Teles Meneses de Seabra