Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5534/19.0T9LSB.L1-5
Relator: ESTER PACHECO DOS SANTOS
Descritores: OMISSÃO DE PRONÚNCIA
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
NON BIS IN IDEM
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/07/2024
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário: 1–Sendo inequívoco que o tribunal de julgamento se deve pronunciar sobre os factos alegados na contestação, tal, porém, pressupõe que os mesmos tenham interesse para a decisão a proferir. O tribunal apenas está obrigado a emitir um juízo de prova sobre factualidade propriamente dita, e não sobre matéria argumentativa, conclusiva ou de direito – art. 379.º, n.º 1, al. c) do CPP.

2–Fundamentar é justificar, apresentar as razões, de forma coerente e objetiva, que determinaram a decisão naquele sentido e não noutro. Não significa autonomizar exaustivamente, o que decorre, desde logo, da leitura do estatuído no art. 374.º, n.º 2 do CPP por referência à expressão “concisa” aí contemplada.

3–A circunstância de serem novamente abordados temas que já tinham sido abordados em reportagem anterior, que fora objeto de processo crime, não belisca sequer o princípio do ne bis in idem, mas antes traduz uma renovação de uma conduta suscetível de vir a ser classificada como difamatória. Diferente interpretação significaria que, independentemente do desfecho condenatório, da motivação da decisão absolutória ou de arquivamento de um primeiro processo de difamação, o agente passaria a estar livre para renovar a sua conduta difamatória sempre que quisesse desde que o conteúdo da imputação fosse o mesmo.

(Sumário da responsabilidade da relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Em conferência, acordam os Juízes na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I–Relatório


1.–No processo comum singular n.º 5534/19.0T9LSB do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal de Lisboa – Juiz 11, em que são arguidos AA e BB (e de igual modo CC e DD, entretanto absolvidos), melhor identificados nos autos, foi proferida sentença a 18.09.2023, que decidiu, para aquilo a que a ambos importa, nos seguintes termos (transcrição):

Absolver o arguido BB, da prática de um crime de ofensa a organismo serviço ou pessoa colectiva, previsto e punido pelo artigo 187.°, n.°s 1 e 2, e 183.°, n.° 2, ambos do Código Penal;
Absolver a arguida AA, da prática de um crime de ofensa a organismo serviço ou pessoa colectiva, previsto e punido pelo artigo 187.°, n.°s 1 e 2, e 183.°, n.° 2, ambos do Código Penal;
Absolver o arguido BB, da prática de um crime de difamação agravada, previsto e punido pelos artigos 180.°, n.° 1, 183.°, n.° 1, alíneas a) e b) e n.° 2, e 184.°, todos do Código Penal, por referência ao artigo 71.° da Lei da Televisão, na pessoa da assistente EE;
Absolver o arguido BB, da prática de um crime de difamação agravada, previsto e punido pelos artigos 180.°, n.° 1, 183.°, n.° 1, alíneas a) e b) e n.° 2, e 184.°, todos do Código Penal, por referência ao artigo 71.° da Lei da Televisão, na pessoa do assistente FF;
Absolver a arguida AA, da prática de um crime de difamação agravada, previsto e punido pelos artigos 180.°, n.° 1, 183.°, n.° 1, alíneas a) e b) e n.° 2, e 184.°, todos do Código Penal, por referência ao artigo 71.° da Lei da Televisão, na pessoa do assistente FF;
Condenar a arguida AA, pela prática em autoria material de um crime de difamação agravada, previsto e punido pelos artigos 180.°, n.° 1, 183.°, n.° 1, alíneas a) e b) e n.° 2, e 184.°, todos do Código Penal, por referência ao artigo 71.° da Lei da Televisão, na pessoa da assistente EE, na pena de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de € 15,00 (quinze euros) o que perfaz a quantia de € 3.000,00 (três mil euros).
Condenar a arguida AA no pagamento das custas do processo fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) U. C., e nos demais encargos com o processo, nos termos do disposto nos artigos 513.°, 514.° ambos do Código de Processo Penal e artigo 8.° do Regulamento das Custas Processuais.

2.–Recurso Arguida

Inconformada com a sua condenação, veio a arguida AA interpor correspondente recurso, formulando as seguintes conclusões (transcrição):
1.–A douta sentença sob recurso é desde logo nula por violação do disposto na alínea c), do n.º 1, do art. 379.º, do CPP.
2.–Na sentença sob recurso não se efetua a transcrição da contestação junta aos autos pela Recorrente, nem uma sumula do alegado pelos arguidos para justificar e fundamentar a sua conduta e a informação divulgada na reportagem jornalística dos autos.
3.–Se numa primeira análise esta omissão parece configurar apenas uma irregularidade, sem repercussões graves na apreciação da conduta da arguida AA, na determinação da matéria de facto e no sentido da decisão, a verdade é que é evidência de uma total omissão de apreciação dos factos alegados pela arguida na sua contestação e de uma incompreensível limitação quando às possíveis soluções de direito a aplicar ao caso concreto.
4.–cuja indagação, apuramento e determinação eram essenciais para uma correta análise da atuação e responsabilidade da arguida,
5.–Pela leitura da totalidade da sentença, o que se pode verificar, é que a omissão de indicação das conclusões ou factos vertidos na contestação dos arguidos se traduziram na pura e simples omissão da sua apreciação e não apenas no esquecimento da sua referência, em violação do disposto na alínea d), do n.º 1, do art. 374º, do CPP.
6.–O Tribunal a quo, não apreciou os factos alegados pela arguida, pois, caso contrário, teria obrigatoriamente de os ter vertido - pelo menos os mais relevantes – nos factos provados ou nos não provados.
7.–Analisando a contestação apresentada pela arguida, na parte em que alegou matéria de facto diretamente relacionada com a reportagem em causa nos autos, o seu contexto e o comportamento da Recorrente, verifica-se que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre eles, nem os analisou.
8.–Vejam-se os factos alegados sob o ponto 19, 23 a 32 e 44 a 53 da contestação da Recorrente e facilmente se conclui que são inúmeros os factos determinantes e relevantes para a boa apreciação da causa, quer para o preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do tipo de crime de difamação, quer para a necessária contextualização da atuação da ... e das suas motivações, que pura e simplesmente não foram apreciados pelo tribunal.
9.–Tal conclusão resulta óbvia se colocarmos em perspetiva os factos alegados sob os números 19, 23 a 23 e 44 a 53 da contestação supra transcrita, e os confrontarmos com o elenco efetuado na sentença dos factos dados como provados e dos factos não provados.
10.–Nenhum dos factos alegados nesses pontos da contestação da arguida foi analisado e apreciado pelo Tribunal na sentença sob recurso, nenhum mereceu qualquer referência, nem nos factos provados ou sequer nos factos não provados, elencando-se apenas um conjunto de quatro factos não provados, sob as alíneas a) a d), manifestamente diversos do alegado pela arguida na sua contestação.
11.–E não se diga que os factos alegados na contestação da ... não são essenciais para uma boa decisão do processo e para o apuramento da sua verdade material ou para sopesar todas as hipóteses de decisão a dar à causa.
12.–Pois, versam na sua esmagadora maioria sobre a conduta e intenção da arguida na elaboração das notícias referidas nos autos – quer a de 2017, quer a 2019 - e sobre a decisão de reprodução do documento judicial que deu origem aos presentes autos.
13.–Sendo essenciais e determinantes para apurar da efetiva responsabilidade da arguida, a forma de participação nos factos sob julgamento ou até a medida da sua culpa.
14.–A enumeração dos factos provados e dos factos não provados, mais não é do que a narração de forma metódica, dos factos que resultaram provados e dos factos que não resultaram provados, com referência aos que constavam da acusação e da contestação.
15.–Mas é esta enumeração de factos que permite concluir se o tribunal conheceu ou não de todas as questões de facto que constituíam o objeto do processo, permitindo perceber o processo lógico que conduz à sentença e sindicá-lo, assim como verificar o processo de formação da convicção do tribunal.
16.–O que se verifica na sentença sob recurso, pela análise da enumeração dos factos provados e não provados efetuada, é que o tribunal omitiu totalmente a necessária apreciação das questões de facto e direito que lhe foram trazidas pela ... arguida na sua contestação.
17.–O tribunal a quo não procedeu como estava obrigado, não tendo apreciado e por isso não se tendo pronunciado sobre questões essenciais que lhe foram trazidas pelas arguidas em contestação, o que determina, nos termos do art. 379.º, n.º 1, alínea c), do mesmo código, a nulidade da sentença.
18.–Simultaneamente a sentença omitiu o exigível exame crítico das provas, tendo violado o disposto no n.º 2 do artigo 374.º do C.P.P.
19.–Limitando-se apenas, a Mma. Juíza a quo, a efetuar uma longa descrição do que disseram os arguidos, assistentes e testemunhas em audiência julgamento, concluindo sempre da mesma forma e com a mesma fórmula e redação.
20.–Fica por explicar o porquê da sua convicção e o que, em concreto, teriam as testemunhas contribuído para cada facto dado como provado.
21.–Da mesma forma, o Tribunal a quo não efetuou a mínima análise critica dos documentos juntos ao processo, não explicando em que medida e porquê contribuíram para o apuramento de cada um dos factos dados como provados e o que contribuíram para cada facto dado como provado.
22.–A sentença recorrida na sua fundamentação da matéria de facto, como resulta da sua simples leitura, não procedeu, como é sua obrigação legal, a uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
23.–O rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita exteriorizar as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte.
24.–A fundamentação utilizada na decisão recorrida, resume-se a designar os meios de prova de que o tribunal se serviu para formar a sua convicção, sem, no entanto, minimamente explicitar as razões da sua apreciação e de justificar o que cada testemunha ou prova contribuiu para cada facto provado ou não provado.
25.–O que, de todo, não é suficiente para que o tribunal de recurso possa controlar a prova produzida, reanalisando-a, confrontando os diversos pontos de vista em debate - para mais, sendo certo que, as arguidas não prestaram declarações.
26.–Estamos, assim, pela importância da apontada insuficiência, perante uma omissão que acarreta a nulidade da sentença, nos termos do art. 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP.
27.–Impõe-se ordenar o suprimento das nulidades verificadas, com a consequente revogação da decisão e a determinação de prolação de nova sentença na qual seja apreciada e conhecida a contestação apresentada pela arguida, e na qual conste de forma explicita a motivação da decisão de facto e o exame critico das provas.
28.–Esta ação penal é mais do que um exercício e defesa de um direito pessoal dos assistentes, uma peça na estratégia política da Senhora ..., EE, de constrangimento e condicionamento dos Recorrentes ...s, da sua liberdade de expressão e de divulgação de factos lhe que possam dizer respeito ou aos seus líderes.
29.–Estratégia que foi concretizada por via da multiplicação de ações judiciais e dos seus elevados pedidos de indemnização e que não pode deixar de ter os devidos e necessários reflexos processuais e judiciais.
30.–Este processo judicial é claramente, uma ação contra a participação publica, geralmente designada pelo acrónimo SLAPP (strategic lawsuits against publc participacion) - ações judiciais estratégicas contra a participação publica – tendo sido desenhado e proposto com o principal objetivo de censurar, intimidar e silenciar os ...s, a Recorrente e todos os demais que pretendessem investigar e divulgar noticias que não são do interesse da Senhora ... e podem interferir com a sua estratégia politica.
31.–Este tipo de processos têm consequências adversas e reais para todos os visados e comprometem a capacidade de os ...s exercerem de forma efetiva e livre a sua atividade, resultando em impedimentos de publicação de informações sobre uma questão de interesse publico.
32.–O recurso a este tipo de processos judiciais está a aumentar radicalmente nos países da União Europeia, incluindo Portugal, e são cada vez mais utilizados numa tentativa de silenciar o debate publico e impedir a divulgação de informação relevante e de manifesto interesse publico e comunitário.
33.–Na União Europeia, o combate e prevenção deste tipo de ações judiciais e das suas consequências devastadoras para a liberdade de expressão e informação, é uma prioridade desde o assassinato à bomba da ... … GG, em 2017, altura em que já era visada 47 processos SLAPP.
34.–Tendo sido objeto da Recomendação EU 2020/758 da Comissão Europeia de 27 de abril de 2022, que não só reconhece a importância e impacto deste tipo de ações e a necessidade de proteger os ...s dos seus efeitos, como recomenda a adoção de várias medidas legais e processuais para as prevenir e combater.
35.–Entende a Recorrente, que não só a presente ação preenche claramente os pressupostos elencados na referida Recomendação, como o quadro jurídico nacional prevê já formas de combate eficazes contra a sua disseminação das denominadas ações SLAPP, designadamente o instituto do abuso de direito, previsto no disposto no art. 334.º do Código Civil.
36.–Esta ação, é parte integrante e significativa deste evidente Bullyng Judicial, utilizando os legítimos e regulares mecanismos e salvaguardas do estado de direito democrático, para, de forma aparentemente legal e legítima atacar, constranger e limitar a liberdade dos ...s e dos órgãos de comunicação social e do seu direito de investigar, divulgar e acompanhar factos de relevante interesse público e jornalístico.
37.–O Tribunal a quo, apesar de ter verificado esta realidade e a instrumentalização que os Assistentes tentaram fazer da presente ação e do seu julgamento, foi incapaz de retirar desta manipulação do sistema judicial português qualquer consequência processual e legal.
38.–Os assistentes ao proporem a presente ação, com os fundamentos apresentados, agiram em claro abuso de direito, nos termos do disposto no art. 334.º, do Código Civil, excedendo manifestamente os limites impostos pela boa-fé e pelo fim social e ou económico do direito que invocam, o que torna ilegítima o seu exercício e paralisa a sua invocação.
39.–A arguida não pode de forma alguma conformar-se com decisão da matéria de facto operada pelo Tribunal a quo e entende que face à matéria de prova junta aos presentes autos e às declarações e testemunhos prestados em audiência de julgamento se impõe uma decisão completamente diferente sobre vários pontos da matéria de facto enunciados sob os factos provados e a necessária inclusão de factos alegados na contestação tempestivamente apresentada.
40.–A arguida entende que o Tribunal a quo andou muito mal na apreciação da matéria de facto, tendo aderido acriticamente a uma versão vertida na acusação/pronuncia particular, que não tem qualquer suporte probatório, é contrariada pelos elementos probatórios existentes e desafia os mais elementares raciocínios de lógica e da razão.
41.–Tendo para mais motivado esses específicos factos de forma de forma absolutamente insuficiente, inconsistente e incoerente com os demais elementos do processo, operando um verdadeiro salto lógico que não encontra justificação na prova, fixando um facto objetivamente falso.
42.–É o caso do facto 32, onde se diz que a arguida sabia que, quando afirmou que a senhora ... tinha sido ouvida no âmbito do processo crime proc n.º 1789/17.3T9LSB, estava a transmitir factos falsos com o objetivo de prejudicar e causar dano à assistente EE.
43.–Não é verdade e não colhe a justificação para o efeito apresentada pelo Mma. Juíza a quo.
44.–A Mma. Juíza operou um salto lógico para o qual não tinha suporte e que se revela absolutamente injusto, desproporcional e falso.
45.–A arguida pode ter divulgado um facto que na data em que foi revelado não correspondia à verdade do processo n.º 1789/17.3T9LSB, mas não é possível afirmar que o fez de forma intencional, sabendo que o estava a fazer para prejudicar a assistente.
46.–A explicação prestada pela arguida ... em sede de julgamento sobre estes factos foi clara, lógica, coerente e sustentada, explicando detalhadamente como chegou a essa informação, como a confirmou e porque a considerou credível
47.–Declarações registadas na sessão do dia 9/05/2022, através do sistema integrado de gravação digital, com a referência 20220509 104155, dos 7 minutos e 20 segundos, até aos 13 minutos e 1 segundo, e que impõem decisão radicalmente oposta á dos autos.
48.–As declarações da arguida em julgamento não foram de forma alguma colocadas em causa pela Mma. Juíza, não suscitaram da sua parte nenhum pedido de esclarecimento relevante ou qualquer questão, nem foram contraditadas posteriormente no depoimento da arguida.
49.–Alega a Mma. juíza que tais declarações não são credíveis porque o processo estava em segredo de justiça e porque o comunicado da PGR a que a arguida aludiu, datado de ... de ... de 2017, não fazia referência à ..., mas só genericamente a uma ... profissional
50.–Não só a justificação é curta, conclusiva e insuficiente, como notoriamente descontextualiza o aludido comunicado da PGR e desconsidera diversa documentação junta aos autos e a própria atuação da ... arguida.
51.–Não é natural e normal um ... querer perceber o âmbito de um processo-crime que foi despoletado por uma notícia que investigou e divulgou, como o confirma o despacho relativo às buscas não domiciliárias, junto como documento 2 da contestação, a fls 1099 e seguintes, foi despoletado pela reportagem da arguida de ...2017.
52.–Documento que, como a arguida explicou, chegou ao seu conhecimento antes da sua inquirição no processo n.º 1789/17.3T9LSB, junto pelos assistentes em diversos processos cíveis que contra si intentaram, sendo aí claro que se investigavam factos relativos também ao mandato da assistente EE, cfr. fls 1099 e seguintes.
53.–Não seria normal a ... querer saber, mais de ano e meio volvido sobre a reportagem e sobre a notícia de que existiria um processo crime a correr, quem eram os investigados e se já tinham sido ouvidos.
54.–Porque coloca em causa a Mma. Juíza as declarações da … arguida, quando, para mais, indeferiu a audição da senhora … HH, referida pela Recorrente, como fonte primeira da informação.
55.–Não se percebe e a Mma. Juíza não se deu ao cuidado de minimamente o justificar e fundamentar.
56.–Para mais, a alusão que faz ao comunicado da PGR de ... de ... de 2017 está claramente descontextualizada e ignora que nessa data, como é também é facilmente consultável, só ocorreram buscas numa ... profissional. A ....
57.–Ignorar esse facto, insinuando que a arguida fez alusão a um comunicado da PGR que não corresponderia às buscas à …, é incompreensível e injustificável.
58.–Tal como é incompreensível que a Mma. Juíza a quo insinue que o processo n.º 1789/17.3T9LSB não investigava, na altura em que a arguida nele foi inquirida, em novembro de 2018, fatos relativos ao mandato da senhora ... EE
59.–A Assistente EE, expressamente admitiu nas suas declarações que foi posteriormente ouvida no âmbito do processo n.º 1789/17.3T9LSB, que foi constituída arguida.
60.–E, neste momento, e depois de terminado o julgamento do presente processo foi inclusivamente nele acusada da prática de vários crimes.
61.–O processo crime n.º 1789/17.3T9LSB, sempre teve como alvo da sua investigação também o mandato da atual .... E isso é incontornável, indesmentível e factual.
62.–Tal como é o facto de o comunicado da PGR de ... de ... de 2017 dizer respeito a buscas realizadas nesse dia nas instalações da ….
63.–A arguida pode ter divulgado um facto que não correspondia à verdade do processo, mas estava inteiramente convencida que estava a relatar factos efetivamente ocorridos, que lhe tinham sido relatados por fontes efetivamente credíveis, que tinha confirmado e que se apresentavam como inteiramente verosímeis e razoáveis.
64.–Veja-se o que a arguida afirma quando é entrevistada no serviço noticioso ..., antes da emissão da reportagem de 2019 e que se pode ler como documento 13 da queixa, a fls 139 e seguintes.
65.–Acresce que, a Mma. Juíza omite que a versão da ... e da senhora ... também é relatada e comunicada na reportagem dos autos e antes e depois da sua emissão. Isto é que a senhora ... negava ter sido ouvida no processo e que não tinha de qualquer forma sido constituída arguida.
66.–O que é patente na própria reportagem e também do documento 14 da queixa, a fls 143 e seguintes.
67.–Facto que não bate certo com a conclusão da Mma. Juíza, de que a arguida queria apontar a assistente EE como única visada do processo crime em curso.
68.–Por isso devem ser dados como não provados o facto inscrito no ponto 32 e também no do ponto 33.
69.–Factos estes que devem ser pura e simplesmente eliminados dos factos provados, pois resultam de uma errada apreciação dos elementos de prova do processo e de meras presunções sem cabimento num processo criminal justo e equitativo.
70.–Entende a arguida que existe um conjunto de factualidade que, em função da prova dos autos e que por não ter sido posta em crise, deveria ter sido dada como provada e que corresponde a boa parte dos factos alegados na contestação apresentada pela arguida.
71.–O que sobre estes factos consta do processo é esclarecedor, coerente e credível, não tendo sido de qualquer forma posto em causa no decurso dos depoimentos das testemunhas ou por qualquer outra forma, nem pelo Ministério Público, nem pelo Tribunal, nem pelos assistentes.
72.–Veja-se o despacho de arquivamento do processo n.º 5819/17.0T9LSB – proposto pelos assistentes contra a Recorrente em virtude da reportagem de 2017 - ou o Acórdão da Relação de Lisboa que confirma o despacho de não pronuncia, a fls 1554 a 1656, e o que se diz sobre a veracidade das informações reveladas pela arguida sobre a gestão da ....
73.–Veja-se a cópia do mandado de busca e respetivo despacho relativo às buscas não domiciliárias – fls 1098 e 1099 e seguintes - á sede da ..., o que aí é alegado como estando na origem do processo, os factos sob investigação e os visados.
74.–Veja-se o relatório da …, de fls 1155 a 1192, que confirma a substância da informação revelada nas reportagens de 2017 e 2019 e conclui pela existência de irregularidades financeiras da atual gestão.

75.–Tendo em consideração o que nesses documentos está plasmado e as declarações da arguida já supra transcritas, que não foram minimamente contraditadas no decurso dos depoimentos, nem por qualquer outro meio de prova, impõe-se que, pelo menos, se dê como provado que o seguinte relativamente aos factos assinalados:
a.-A reportagem de 2017, versou sobre denuncias de irregularidades e ilegalidades relativas à forma como os órgãos sociais e diretivos da ... gastavam o dinheiro da instituição e sobre, nomeadamente, a existência de um acordo de compensação remuneratória para os membros dos seus órgãos sociais e diretivos através do pagamento mensal e sucessivo de ajudas de custo.
b.-A arguida estava convencida da veracidade dos factos relatados na reportagem de 2017 e tinha todas as razões para considerar como verdadeiros os factos então relatados pelos denunciantes.
c.-Estava igualmente convencida da veracidade dos factos que relatou na reportagem de fevereiro de 2019, que versava sobre a circunstância de a gestão da ... da ... estar sob investigação num inquérito criminal do Ministério Público, depois das denuncias de irregularidades na gestão de verbas da ... noticiadas em 2017.
d.-A arguida Identificou na reportagem de fevereiro de 2019 o processo, que corre os seus termos na 9.ª Secção de Lisboa, do DIAP, sob o n.º 1789/17.3T9LSB, tendo exibido parcialmente Mandado de Busca e Apreensão emitido nos autos e concretizado à sede da ... em 7/03/2017.
e.-A ... foi ouvida como testemunha no mencionado processo n.º 1789/17.3T9LSB, o que ocorreu na sede da Policia Judiciária de Lisboa no dia 21/11/2018.
f.-A Arguida ... tomou como verdadeira a informação que havia recebido de que, na data da emissão da reportagem de 2019, a ... da ... já tinha sido ouvida no referido processo n.º 1789/17.3T9LSB.
g.-O que tendo em atenção a fonte da informação, o seu cruzamento com outras fontes e informações no mesmo sentido, o próprio objeto do processo, as buscas realizadas e o tempo volvido, lhe pareceu absolutamente credível e verídico.
h.-É verdadeiro o relatado pela ... na extensa reportagem de fevereiro de 2019 sobre os vencimentos e despesas auferidas pelo assistente FF, vice-presidente da ...
i.-Foi ordenada uma sindicância pelo ... à ..., que foi conduzida pela ...).
j.-O jornal …, no dia ... de ... de 2019, noticiou que a sindicância da ... terminou encontrou motivos para dissolver os órgãos da …, podendo ler-se que “O documento afirma que foram detetados gastos sem justificação da ... dos Enfermeiros e evidências da sua participação na greve cirúrgica”
k.-Notícia que foi também difundida por outros órgãos de comunicação social, como o ..., de 28 de julho de 2019, com o titulo “... ganhou 10 580 € em quilómetros” e que refere que “O relatório, que já foi entregue à PJ, diz que a ... recebeu mais de 3 mil euros por mês em junho, agosto e setembro de 2016 por deslocações em viatura própria, num total de 10.580 euros. Só em setembro foram 3.940 euros, o que significa que fez 498 quilómetros por dia(0,36€/Km)(...)indicia um complemento de remuneração e não a realização efetiva de deslocações em viatura própria”.
l.-O ...afirma, em 1 de agosto de 2019, em título: “MP junta sindicância à ... a inquérito no DIAP de Lisboa.”

76.–Os factos referidos são manifestamente importantes para a defesa da arguida, contextualizam a sua atuação e são necessários para uma análise ponderada da decisão final, que inclua a avaliação rigorosa das várias soluções de direito a aplicar ao caso concreto.
77.–A arguida, nas suas especificas funções ... agiu claramente no âmbito do exercício da liberdade de expressão, na manifestação concreta do dever de informar, prevista no art. 37.º da CRP, e nada indica, ao contrário do que defende a sentença, que tenham sido excedidos os limites que têm vindo a ser definidos para o exercício de tal liberdade que também é uma responsabilidade.
78.–Liberdade de Imprensa está constitucionalmente consagrada como modalidade especial de liberdade de expressão no art. 37.º e 38.º da CRP, fazendo parte dos direitos fundamentais a que é aplicável o regime específico dos arts. 17.º e 18.º também da CRP, sendo ainda tributária da liberdade de opinião e expressão constante da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 10 de dezembro de 1948, para a qual remete o seu artigo 16.º, n.º 2, e constando também no art. 10.º da Convenção Europeia dos Direitos de Homem, em vigor em Portugal.
79.–Destaca-se aqui, sobretudo, a liberdade de publicação, difusão ou de divulgação, a qual, nos termos das referidas disposições, se traduz na inexistência de impedimentos, de discriminações, de censura, de autorização, de caução ou de habilitação prévia, apreensão ou embaraço ilegal de composição, impressão, distribuição e livre circulação de quaisquer publicações.
80.–A defesa da honra e bom nome, tal como a liberdade de expressão, são corolários da ideia de estado de direito assente na dignidade da pessoa humana que a Constituição da República Portuguesa proclama logo no primeiro dos seus preceitos.
81.–Do princípio da dignidade humana decorre a consagração do direito do indivíduo a exprimir livremente o seu pensamento. O direito a ser informado prende-se com o reconhecimento de que o Homem tem direito a ser devidamente esclarecido sobre a realidade que o rodeia, sem qualquer espécie de manipulação ou censura.
82.–Entre os direitos consagrados nos art.s 26.º e 37.º da CRP, não é possível estabelecer qualquer relação de hierarquia, pois, ambos se revestem de idêntica dignidade constitucional, a avaliar quer pela respetiva inserção sistemática, no capítulo da lei fundamental dedicado aos “Direitos, liberdades e garantias pessoais”, quer pela sua submissão ao regime especial de proteção conferido pelo art. 18.º da CRP.
83.–Mas, se assim é, também há que reconhecer que nenhum direito pode subsistir ilimitado no ordenamento jurídico. A existência de direitos tem como contrapartida e pressuposto necessário o respeito por deveres.
84.–A nossa Constituição, no seu art. 37.º, rejeita por completo a submissão do exercício da liberdade de expressão e de informação a qualquer forma de censura, apenas admitindo limites ao seu exercício, reconhecendo que as infrações cometidas no seu exercício ficam sujeitas aos princípios gerais de direito criminal e do ilícito de mera ordenação social.
85.–Compete ao julgador ponderar os valores e interesses envolvidos, avaliando a eventual medida da restrição, em face da necessidade prática de aplicar os dois direitos em conflito, definindo qual o que deverá ceder no caso concreto de acordo com o princípio da proporcionalidade consagrado no art.18.º, n.º 2 da CRP.
86.–É o que para este efeito dispõe o art. 335.º do Código Civil, considerado como materialmente constitucional, que concede ao intérprete um critério para a resolução prática do conflito de direitos, regulando que “(...) devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes.”
87.–No caso em apreço, a arguida com a emissão da reportagem de fevereiro de 2019, pretendeu apenas e só cumprir a sua função pública de informar, de esclarecer a opinião pública sobre um tema de incontornável interesse e significado para o público português em geral, fornecendo toda a informação que para isso possa ser relevante, quer ela seja coincidente com a versão defendida por uns, ou oposta à versão defendida por outros.
88.–Os factos impõem inclusivamente que se determine que não existe qualquer conflito de direito, já que foram os assistentes os principais responsáveis pelos factos relatados e ainda tentaram de forma manifesta ocultar a verdade e manipular o decurso e fim do presente processo judicial.
89.–Em sede de apreciação da concordância prática entre os direitos dos Assistentes e da arguida deve determinar-se a prevalência do direito de liberdade de expressão de que beneficia a ... arguida, pois atuou unicamente no cumprimento de um dever, bem como no exercício do seu direito legítimo de radiodifundir um conteúdo jornalístico, tendo-o feito de forma adequada e proporcional, apenas pretendendo a informação e o esclarecimento da opinião pública num caso de evidente e manifesto interesse publico e jornalístico.
90.–A notícia em apreço tem um claro e inequívoco interesse público, tem um claro e inequívoco interesse noticioso e informativo e a arguida ... teve uma conduta ético profissional irrepreensível, atuando com o zelo e a diligência que lhe cabia no correto exercício da profissão de ....
91.–E apenas atuou no âmbito do direito de informar e da liberdade de expressão, revelando tão só a intenção de relatar as informações que foram recolhidas e investigadas, não tendo ultrapassado a fidelidade do que apurou, agindo, unicamente com animus narrandi.
92.–Para que o Tribunal a quo condenasse a Recorrente pelo crime supra descrito era necessário que tanto os elementos objetivos como os subjetivos do crime, bem como todas as demais condições de punibilidade, se encontrem verificados, o que in casu não se verifica.
93.–Desvalorizou por completo o Tribunal a quo o facto de os Assistentes terem de facto sido ouvidos e constituídos arguidos no processo n.º 1789/17.3T9LSB, sendo que já em 2019, na data de difusão da reportagem, estavam a ser investigados atos do seu respetivo mandato.
94.–Para mais, o crime de difamação caracteriza-se pela sua relatividade. Com efeito, o carácter injurioso de determinada palavra ou ato depende em larga medida, do contexto, lugar ou ambiente em que ocorre, das pessoas entre quem ocorre e mesmo do modo como ocorre.
95.–Da prova junta aos autos resulta que a Recorrente teve presente várias fontes que considerou idóneas e fidedignas para a elaboração da notícia objeto dos presentes autos, fontes essas, que mereceram a maior credibilidade quanto às informações prestadas, sendo que, na data da publicação da notícia, não havia justificações ou factos que fizessem a Recorrente não acreditar nas mesmas.
96.–A nossa melhor Jurisprudência e Doutrina defende que, para que se considere preenchido o critério da "veracidade" dos factos divulgados bastará o ... utilizar fontes de informação fidedignas, se possível diversificadas, por forma a testar e controlar a veracidade aos factos, o que in casu se verificou.
97.–Perante a forma como a Recorrente obteve e confirmou os factos que posteriormente relatou na notícia objeto dos presentes autos, deveria o Tribunal a quo entender que a Recorrente atuou com a cautela e a ponderação que no exercício das suas funções lhe era exigível.
98.–Entende ainda a Recorrente que, na sua conduta, se encontra preenchida a causa de justificação prevista no artigo 180.º, nº 2, alíneas a) e b) do CP.
99.–A notícia em concreto, tinha o intuito de informar o público sobre acontecimentos relevantes em determinadas atividades e setores sociais e tinha assim um valor socialmente relevante, sem intenção de atacar ou ofender gratuitamente qualquer pessoa ou instituição.
100.–A reportagem era substancialmente verdadeira, e, onde não era, a Recorrente tinha de boa fé uma convicção séria para acreditar na veracidade dos factos reportados.
101.–No caso em apreço o erro das afirmações proferidas na extensa reportagem da Recorrente não deveria assumir uma relevância tão significativa na decisão do tribunal a quo: a notícia publicitada apenas divergiu dos factos que vieram a ser apurados em um facto: o momento em que a Assistente EE foi ouvida no processo n.º 1789/17.3T9LSB.
102.–Este erro é menor e nada deturpa o núcleo central da factualidade reportada pela Recorrente na sua notícia e a correção deste lapso em muito pouco mudaria o busílis da notícia e o sentido da mesma.
103.–Sendo que, para mais, afirmar no contexto de toda a informação avançada e comprovada pela arguida, que a Assistente EE, foi ouvida no âmbito de um processo que investiga factos praticados durante a sua gestão à frente da ... do Enfermeiro, não se traduz na imputação de nenhum facto desonroso que afete sua honra e bom nome.
104.–Por outro lado, para estar preenchido o elemento subjetivo do crime de difamação, é necessário existir dolo, em qualquer uma das suas formas, o que, no caso, não sucede.
105.–Não cometeu, portanto, a arguida o crime pelo qual foi injustamente condenada, ou seja, não pode ser criminalmente responsabilizada, “(...) pela prática em autoria material de um crime de difamação agravada previsto e punido pelos artigos 180.º, n.º 1, 183.º, n.º 1, alíneas a) e b) e n.º 2, e 184.º, todos do Código penal, por referência ao art. 71.º da lei da televisão(...)”.
106.–A sentença faz, assim, uma errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 180.º, n.º 1, n.º 2, alínea a) e b), 183.º, n.º 1, alíneas a) e b) e n.º 2, e 184.º, do Código Penal, assim como do art.s 71.º, da Lei n.º 27/2007, de 30/07(Lei da Televisão), do art. 335.º, do Código Civil, e dos os art.s 37.º e 38.º da Constituição da Republica Portuguesa e o art. 10.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, devendo em consequência ser revogada e substituída por outra que absolva a arguida do crime porque foi injustamente condenada.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser revogada a douta sentença recorrida e substituída por outra que absolva a arguida da condenação penal, pois só assim se fará a costumada JUSTIÇA!

3.–Recurso Assistentes

Inconformados com a sentença proferida nos autos, vieram os assistentes EE e FF interpor correspondente recurso, formulando as seguintes conclusões (transcrição):

II.Erro de Direito na Não Apreciação de Factos por força do Princípio ne bis in idem
1.–Incorreu em erro de Direito o Tribunal a quo, ao ter decidido, a título de questão prévia, na sentença recorrida, depois de produzida toda a prova necessária à determinação da responsabilidade criminal dos Arguidos relativamente às imputações da reportagem contra ambos os Assistentes, que, à luz do princípio ne bis in idem, não podia conhecer de factos atinentes à repetição de imputações que já haviam sido feitas numa reportagem em 2017 que foi já objeto de processo-crime com decisão transitada em julgado.
2.–Não tem razão o Tribunal a quo porque não só não confrontou corretamente o objeto do presente processo com o objeto do processo n.° 5819/17.0T9LSB relativo à reportagem de 2017, mas também porque o caso dos presentes autos não constitui um caso de concurso de prossecuções abrangido pelo âmbito de aplicação do princípio ne bis in idem.
3.–Desde logo, a sentença recorrida caiu em erro de Direito quando estabelece como termo de comparação dos objetos de ambos os processos as queixas-crimes que lhes deram início e, também, quando, de seguida, invoca os factos indicados na decisão de não pronúncia proferida no processo n.° 5819/17.0T9LSB sem que dela constem, no entanto, expressamente listados os factos dados como suficiente e insuficientemente indiciados.
4.–Na verdade, quase todos os factos daquela decisão de não pronúncia são elencados por remissão para a acusação particular dos Assistentes do processo n.° 5819/17.0T9LSB que não consta dos presentes autos, sendo certo que só através da sua comparação com o despacho de pronúncia proferido nestes autos poderia o Tribunal a quo ter verdadeiramente confrontado os respetivos objetos dos processos.
5.–Ademais, não obstante a falta de acesso por parte do Tribunal a quo ao verdadeiro objeto do processo n.° 5819/17.0T9LSB, em rigor, mesmo que a ele tivesse acedido, ou mesmo que o despacho de não pronúncia ali proferido contivesse a descrição total da matéria suficientemente indiciada e não indiciada, o cúmulo das prossecuções de ambos os processos sempre cairia fora do âmbito material de aplicação do princípio ne bis in idem.
6.–Na reportagem exibida em 2019 e sobre a qual recaem os presentes autos, tal como havia sido feito na reportagem de 2017, voltou a imputar-se ao Assistente FF o recebimento indevido de dois vencimentos e o uso exclusivo de um apartamento arrendado pela ... em Lisboa.
7.–Mas, no que à Arguida AA diz respeito, o despacho de não pronúncia proferido no processo n.° 5819/17.0T9LSB, já transitada em julgado, assenta na circunstância de se ter considerado que, à data da emissão da reportagem de 2017, a Arguida teria atuado com a convicção da veracidade do que aí propalara, sendo que a decisão relativa ao Arguido SF teve que ver com o facto de se ter dado como suficientemente indiciado que este não vira aquela reportagem.
8.–A tutela da proibição de bis in idem apenas se ativa em casos de cúmulo de prossecuções quando haja uma identidade do facto objeto dos processos, ou seja, do conjunto de circunstâncias factuais concretas envolvendo o mesmo visado e ligadas no tempo e no espaço.
9.–O facto de serem novamente abordados temas que já tinham sido abordados na reportagem de 2017, que fora objeto do processo n.° 5819/17.0T9LSB, nomeadamente os vencimentos do Assistente FF e o apartamento que seria para ser de uso exclusivo deste, não belisca sequer o princípio do ne bis in idem, tendo o Tribunal a quo confundido os factos criminalmente relevantes com os factos objeto da reportagem.
10.–Nos presentes autos, está em causa uma nova reportagem de 2019 da autoria da Arguida AA, que representa uma nova imputação de factos, uma renovação da conduta ilícita, com um novo e autónomo sentido de tipicidade, ilicitude e punibilidade e uma nova criação ou potenciação de um risco proibido para o bem jurídico honra e consideração.
11.–Se assim não fosse, a tese do Tribunal a quo significaria que, independentemente do desfecho condenatório, da motivação da decisão absolutória ou de arquivamento de um primeiro processo de difamação, o agente passaria a estar livre para renovar a sua conduta difamatória sempre que quisesse desde que o conteúdo da imputação fosse o mesmo.
12.–Mesmo que o processo relativo à reportagem de 2017 tenha terminado com uma não pronúncia, já transitada em julgado, tal não obriga minimamente à mesma conclusão neste processo relativamente aos temas comuns a ambas as reportagens.
13.–Além de a reportagem de 2019 configurar uma nova imputação e, por isso, um facto novo, no processo n.º 5819/17.0T9LSB, por um lado, punha-se o problema da falta de consciência da Arguida AA da falsidade das imputações que fez, o que já não se verifica em face dos elementos explicativos que lhe foram entregues desde a primeira reportagem, nomeadamente através dos processos-crime e civis contra si intentados, e, por outro lado, deu-se como indiciado que o Arguido BB não vira a reportagem de 2017, estando agora por decidir a sua intervenção na de 2019.
14.–Pelo que, em face do exposto, deverão V. Ex.as julgar verificado o erro de Direito em que incorreu o Tribunal a quo ao decidir não conhecer dos factos atinentes ao suposto recebimento indevido de dois vencimentos e ao uso exclusivo de um apartamento arrendado pela ... por parte do Assistente FF, revogando parcialmente a sentença recorrida na parte respeitante à decisão da questão prévia e conhecendo dos factos respeitantes àquelas imputações.

III.–Do Crime de Difamação Agravada Contra o Assistente FF
15.–O Tribunal a quo apenas decidiu não considerar as imputações feitas na reportagem contra o Assistente FF, por força da sua equívoca interpretação dos limites objetivos do princípio ne bis in idem, mas, em sede de audiência de discussão e julgamento, foi produzida toda a prova relativa à falsidade de tais imputações constantes da reportagem.

III.1.–Impugnação da Matéria de Facto

III.1.1.- A imputação na reportagem do recebimento injustificado por parte do Assistente FF de dois vencimentos pagos pela ...
16.–Na reportagem, imputa-se falsamente que o protocolo entre a ... e a ... não é justificação legítima para o pagamento de mais um ordenado ao Assistente FF, o que significaria um recebimento injustificado, indevido ou irregular de dois vencimentos, tendo sido esta a mensagem passada aos telespetadores.
17.–É totalmente falso que o protocolo tripartido celebrado entre a ..., a ... e o Assistente FF não fosse justificação legítima para que este recebesse o valor correspondente aos seus dois vencimentos de origem, o que resulta claro dos números 1 e 2 da cláusula segunda do próprio protocolo, do número 2 da cláusula terceira do acordo de cedência de interesse público celebrado entre o ..., a ... e o Assistente FF e das declarações em juízo de ambos os Assistentes.
18.–Acresce que o intuito pouco sério e o propósito de achincalhamento e difamatório da peça televisiva são evidentes quando na reportagem se refere que o protocolo tripartido não autoriza a retribuição paga ao Assistente FF, mas nela se mostra, no seu minutos 09:01, 09:10 e 09:19, apenas uma imagem do protocolo onde se visiona a expressão “licença sem retribuição”, correspondente ao número 1 da cláusula segunda, sem nunca se mostrar aos telespectadores o n.º 4 dessa mesma cláusula onde se previa expressamente que a ... assumiria a responsabilidade pelo pagamento da retribuição.
19.–A AA sabia que a imputação constante da reportagem da sua autoria segundo a qual o Assistente FF recebia indevidamente dois vencimentos era falsa, tendo feito essa mesma imputação com a consciência de que estava a transmitir factos falsos e inverídicos com o objetivo de prejudicar e causar dano ao Assistente FF, o que conseguiu.
20.–É que a AA, além de ter exibido o próprio protocolo tripartido que justificava o recebimento do segundo vencimento e que veio descontextualizar nos minutos 09:01, 09:10 e 09:19 da reportagem, o que significa que o conhecia, não só exibiu a ata n.° 1/2016 da reunião ordinária do … da ..., de 02.02.2016, nos minutos 03:09 da reportagem, onde se encontrava a decisão de mandatar a Assistente EE para todos os assuntos relativos aos recursos humanos e, portanto, para celebrar aquele acordo, mas também, à data da reportagem, a AA já havia tomado conhecimento da queixa-crime sobre a reportagem de 2017 e que deu origem ao processo n.° 5819/17.0T9LSB, de fls. 155 a 247, cujos documentos n.ºs 28 a 32, logo demonstravam a inexistência de qualquer irregularidade na circunstância de o Assistente FF auferir dois vencimentos.
21.–Pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 428.° e 431.°, alínea a), do CPP, perante a existência de provas concretas que impõem decisão diversa da sentença recorrida como impõe o artigo 412.°, n.° 3, línea b), do CPP, deverão ser acrescentados os seguintes factos à matéria dada como provada:
56.-A reportagem imputa ao assistente FF o recebimento injustificado de dois vencimentos pagos pela ....
57.-Os dois vencimentos que são pagos ao assistente FF pela ... correspondem aos seus dois vencimentos de origem, isto é, aos dois vencimentos que auferia antes de ter sido eleito … daquela ….
58.-Antes de iniciar funções na ..., o assistente FF exercia a sua atividade profissional no ... e acumulava, de forma devidamente autorizada, funções na ..., pertencendo ao quadro de ambas as entidades.
59.-Tendo o assistente FF sido eleito … da ... e passando a exercer funções a tempo inteiro na ..., foi acordado, tanto com o ... como com a ..., que a ... assumiria a responsabilidade pelo pagamento dos seus vencimentos, em montante equivalente ao que este auferia, até ao termo da vigência do mandato.
60.-O recebimento por parte de FF de dois vencimentos encontrava-se justificado pelo acordo de cedência de interesse público celebrado com o ... e pelo protocolo tripartido celebrado com a ....
61.-A arguida AA ao referir que o ... da ..., aqui assistente FF, recebia injustificadamente dois vencimentos pagos pela ..., fê-lo com a consciência de que estava a transmitir factos falsos e inverídicos com o objetivo de prejudicar e causar dano ao assistente, o que conseguiu.

III.1.2.-A imputação na reportagem do uso exclusivo pelo Assistente FF de um apartamento cujas rendas eram pagas pela ...
22.–Na reportagem, imputa-se ainda falsamente ao Assistente FF o uso exclusivo de um apartamento em … arrendado pela ..., o qual, segundo a reportagem, deveria ser visto como uma verdadeira retribuição que lhe era paga em espécie.
23.–Resulta já do ponto 27 da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida que o apartamento não era do uso exclusivo do Assistente FF.
24.–Uma assinalável diferença entre a reportagem de 2017 e a de 2019 é que naquela, ainda seria admissível que se dissesse que a AA, em face da redação do contrato original, atuou convencida da veracidade da imputação do uso exclusivo do apartamento, mas, na de 2019, isso já não seria possível, uma vez que da adenda ao contrato que data de 01.03.2017 consta, de forma ainda mais clara, que o apartamento não era para uso exclusivo do Assistente FF.
25.–A AA já tinha tido acesso a toda esta explicação por força da queixa-crime e da petição inicial apresentadas por causa da reportagem de 2017.
26.–Ao abrigo do disposto no artigo 428.º e 431.º, alínea a), do CPP, perante a existência de provas concretas que impõem decisão diversa da sentença recorrida como impõe o artigo 412.º, n.º 3, línea b), do CPP, deverão ser acrescentados os seguintes factos à matéria dada como provada:
62.-A reportagem imputa ao assistente FF o uso exclusivo de um apartamento cujas rendas eram pagas pela ....
63.-A arguida AA ao referir que o ... da ..., aqui assistente FF, usava exclusivamente um apartamento cujas rendas eram pagas pela ..., fê-lo com a consciência de que estava a transmitir factos falsos e inverídicos com o objetivo de prejudicar e causar dano ao assistente, o que conseguiu.

III.2.-Da Responsabilidade Criminal da AA

27.–Em razão da requerida alteração da matéria de facto dada como provada, a decisão recorrida deverá ser modificada também na sua parte de Direito e no seu dispositivo, condenando-se a AA pela prática de um segundo crime de difamação agravada, ao abrigo do disposto nos mesmos artigos, agora na pessoa do Assistente FF.
28.–Não obstante constituir o crime de difamação um crime de perigo abstrato, a verdade é que o Assistente FF foi significativamente afetado a nível profissional e pessoal, tendo não só a sua esposa, que é enfermeira, sofrido uma acentuada censura por parte dos seus pares, mas também os seus próprios filhos sentiram as graves repercussões da reportagem tendo tido necessidade de terapia.
29.–A ideia que com a reportagem se quis criar foi a de que o Assistente FF seria uma espécie de criminoso que vive indevidamente em apartamentos de luxo e que recebe dois vencimentos aos quais não tem direito.
30.–A reportagem procurou manifestamente a difusão do escândalo e do sensacionalismo, bastando atentar no seu primeiro minuto, no qual se descreve um retrato das dificuldades laborais dos enfermeiros portugueses para, logo depois, se associar as imputações feitas na reportagem ao aumento da precariedade da profissão, não tendo o direito e a liberdade de informar desempenhado papel algum.
31.–Acresce que é claro o propósito da AA de difamação do Assistente FF, que reconheceu, em entrevista de apresentação da reportagem no dia anterior ao da sua emissão, que a reportagem foi elaborada e transmitida como meio de resposta aos processos judiciais e extrajudiciais contra si movidos pelos Assistentes, por causa da reportagem de 2017.
32.–A AA estava munida de todos os elementos para saber que as imputações que fez na reportagem não eram verdadeiras, tendo a própria reconhecido, por diversas vezes, que recebeu todos os elementos necessários ao esclarecimento da verdade.
33.–A AA não cumpriu o dever de razoável esclarecimento imposto pelo artigo 180.º, n.º 4, do CP, tendo apenas efetuado um contacto para uma aparência de contraditório, nem sequer tendo recolhido ou consultado todos os documentos que estariam à sua disposição na sede da ....
34.–Além de que não restam dúvidas relativamente à culpa jurídico-penal com que a AA atuou, mais a mais quando, depois de todas as explicações dadas neste e nos outros processos relativamente às imputações que faz na reportagem, aquela afirma categoricamente que, se fosse “hoje”, voltaria a exibir a reportagem como o fez.
35.–Pelo que, em face do exposto, a acrescer à condenação decidida pelo Tribunal a quo, deverá a AA ser condenada pela prática em autoria material de um segundo crime de difamação agravada, previsto e punível pelos artigos 180.°, n.° 1, 183.°, n.° 1, alíneas a) e b) e n.° 2, e 184.°, todos do CP, por referência ao artigo 71.° da Lei da Televisão, desta feita contra a pessoa do Assistente FF.

IV.– Da Responsabilidade Criminal do BB

36.–O Tribunal a quo decidiu absolver o BB em razão de ter dado como provado que este não tomara conhecimento da reportagem, entendimento que teve única e exclusivamente como fundamento um elemento: as declarações do próprio BB que disse que havia delegado a responsabilidade pela visualização da reportagem no diretor adjunto II.

IV.1.- Impugnação da Matéria de Facto
37.–O único elemento onde se diz que havia uma competência delegada para acompanhamento da reportagem no diretor adjunto II são as declarações do próprio BB, mas, não só nada mais nos autos aponta nesse sentido – muito pelo contrário –, como as declarações do BB se encontram em contradição com o que resultou do processo n.° 5819/17.0T9LSB atinente à reportagem de 2017.
38.–No processo n.° 5819/17.0T9LSB, o BB produziu prova, através do depoimento de II, no sentido de que fora este e não o próprio quem vira a reportagem de 2017, mas, nos presentes autos, o Arguido afinal vem dizer que viu aquela de 2017 e não esta de 2019, o que impõe uma elevadíssima desconfiança da credibilidade das declarações do BB nos presentes autos.
39.–É que, face às declarações prestadas na audiência de discussão e julgamento dos presentes autos, percebe-se que o BB parece ter a ideia de que pelo menos viu uma das reportagens antes de ser exibida e autorizou essa mesma exibição.
40.–E, se II, no processo n.° 5819/17.0T9LSB, asseverou que foi o próprio quem viu a reportagem de 2017 e autorizou a sua emissão, não merece qualquer credibilidade a declaração do BB nos presentes autos segundo a qual, afinal, em 2017 viu e autorizou e em 2019 foi II quem viu e autorizou.
41.–A própria AA, quanto à reportagem de 2019, remete para o seu diretor de informação, sendo que, quanto à reportagem de 2017, confirmou que quem estava responsável pela sua reportagem era II.
42.–Sendo que a falta de credibilidade do BB não resulta apenas destes elementos, mas também de ter faltado à verdade quando, em sede de audiência de discussão e julgamento, referiu que a reportagem aqui em causa foi motivada por um pedido de sindicância do Governo à ..., por buscas na sede da ... e pelo contacto da AA com a procuradora do processo n.° 1789/17.3T9LSB.
43.–É que o despacho de abertura da sindicância é posterior à emissão da reportagem aqui julgada, as buscas na ..., datam 2 anos antes da emissão da reportagem e nenhuma prova existe de que haja ocorrido aquele contacto com a procuradora do processo n.° 1789/17.3T9LSB.
44.–Além da credibilidade que falta à declaração do BB de que não tomou conhecimento do teor da reportagem de 2019, vários elementos de prova existem que demonstram cabalmente que o Arguido conhecia o teor da reportagem, havendo elementos de prova que mostram precisamente que estava consciente da possibilidade de a reportagem da AA transmitir factos falsos e inverídicos ofensivos da honra e da consideração dos Assistentes EE e FF.
45.–O BB tinha conhecimento de que aquela reportagem estava a ser feita, da sua evolução e dos elementos recolhidos pela AA.
46.–O BB tinha conhecimento da inexperiência da AA, sendo que a reportagem em causa nestes autos havia sido apenas a sua segunda grande reportagem, tendo a primeira sido justamente a de 2017 que também versou sobre a ....
47.–O BB tinha conhecimento de que a primeira reportagem, a de 2017, já havia sido muito problemática do ponto de vista da imputação aos Assistentes de factos falsos, tanto que sabia que tinha dado origem a processos judiciais, como o próprio reconhece, já que contra si também foram intentados.
48.–Ao que acresce que o BB tinha conhecimento de que havia a possibilidade de a reportagem de 2019 levantar problemas atinentes a imputações feitas aos Assistentes, o que soube através dos contactos que assumiu em momento prévio à reportagem.
49.–Perante esta possibilidade representada pelo BB, certo é que, enquanto diretor de informação da ..., nada fez para evitar a emissão da reportagem.
50.–Assim, ao abrigo do disposto no artigo 428.° e 431.°, alínea a), do CPP, perante a existência de provas concretas que impõem decisão diversa da sentença recorrida como impõe o artigo 412.°, n.° 3, línea b), do CPP, o facto b) dado como não provado deverá ser dado como provado:
64.–O arguido BB tomou conhecimento do teor da reportagem de 2019.
51.–Devendo, ao abrigo dos mesmos artigos, ser acrescentados os seguintes factos à matéria dada como provada:
65.- O arguido BB sabia que a reportagem de 2017, da autoria da arguida AA, havia sido polémica e tinha dado origem a processos judiciais contra ambos.
66.-O arguido BB sabia que, à data da emissão da reportagem de 2019, a arguida AA apenas havia feito uma grande reportagem.
67.-O arguido BB autorizou a arguida AA a realizar a reportagem de 2019.
68.-O arguido BB não realizou nenhuma diligência para impedir a emissão da reportagem.
69.-O arguido BB admitiu a possibilidade de a reportagem de 2019 transmitir factos falsos e inverídicos ofensivos da honra e consideração dos assistentes, tendo-se conformado com essa possibilidade.
70.-Ao atuar da forma descrita, agiu o arguido BB de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

IV.2-Do Direito
52.–Tendo em conta a alteração da matéria de facto que os meios de prova acima indicados impõem relativamente ao arguido BB, a qualificação jurídico-penal da sua conduta constante da sentença recorrida também deverá ser revista por V. Ex.as, dando-se por reproduzido a este propósito, no que toca à falsidade dos factos imputados à Assistente EE pela reportagem, a sentença recorrida, e, no que às imputações ao Assistente FF diz respeito, o que se deixou exposto no capítulo III do presente recurso.
53.–De resto, tendo o BB tomado conhecimento do teor da reportagem e não tendo evitado a sua emissão, o que enquanto diretor de informação tinha a possibilidade de fazer, são-lhe imputáveis os 2 (dois) crimes de difamação agravada por omissão, ao abrigo do artigo 10.º do CP, pelos quais a AA deve ser responsável por autoria.
54.–O BB estava investido numa posição de garante relativamente à conduta da AA, por força da sua função de diretor de informação, mais a mais tratando-se esta de uma ... com muito pouca experiência em grandes reportagens.
55.–Assim, tendo o BB conhecimento do teor da reportagem, a qual autorizou que fosse realizada, dos elementos que lhe foram transmitidos pela AA, do histórico de reportagens desta e dos problemas causados pela reportagem de 2017, não há outra conclusão senão a de que o BB representou a possibilidade de a reportagem de 2019 transmitir factos falsos e inverídicos ofensivos da honra e consideração dos Assistentes.
56.–Hipótese essa com a qual se conformou ao não ter evitado que esta reportagem fosse exibida, sendo que tinha a possibilidade técnica e fáctica de a suspender já que era o diretor de informação do canal ....
57.–Pelo que, em face do exposto, deverá a sentença recorrida ser alterada e ser o BB condenado pela prática em autoria material, por omissão, de 2 (dois) crimes de difamação agravada, nos termos dos artigos 10.º, 180.º, n.º 1, 183.º, n.º 1, alíneas a) e b) e n.º 2, e 184.º, todos do CP, por referência ao artigo 71.º da Lei da Televisão, contra as pessoas da Assistente EE e do Assistente FF.
Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis, deverão V. Ex.as conceder total provimento ao presente recurso e substituir a decisão recorrida por outra que determine:
a.-Ao abrigo do disposto no artigo 428.º e 431.º, alínea a), do CPP, perante a existência de provas concretas que impõem decisão diversa da sentença recorrida como impõe o artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a alteração da matéria de facto dada como provada, acrescentando-se os factos 56 a 70 identificados na motivação e nas conclusões do presente recurso;
b.-A condenação da AA pela prática em autoria material de 1 (um) crime de difamação agravada, previsto e punível pelos artigos 180.º, n.º 1, 183.º, n.º 1, alíneas a) e b) e n.º 2, e 184.º, todos do CP, por referência ao artigo 71.º da Lei da Televisão, contra a pessoa do Assistente FF; e
c.-A condenação do BB pela prática em autoria material, por omissão, de 2 (dois) crimes de difamação agravada, nos termos dos artigos 10.º, 180.º, n.º 1, 183.º, n.º 1, alíneas a) e b) e n.º 2, e 184.º, todos do CP, por referência ao artigo 71.º da Lei da Televisão, contra as pessoas da Assistente EE e do Assistente FF.

4.–Resposta do Ministério Público ao recurso da Arguida

A Magistrada do Ministério Público junto da 1ª instância apresentou resposta ao recurso interposto pela arguida, no sentido de que o mesmo deverá ser julgado improcedente e manter-se a decisão recorrida, concluindo nos seguintes termos (transcrição):
A.–Vem o presente recurso interposto da douta sentença que condenou a arguida pela prática de um crime de difamação agravada, previsto e punido pelo art.º 180º, n.º 1, art.º 183º, n.º 1, als. a) e b), e n.º 2, art.º 184º, todos do Código Penal, por referência ao art.º 71º, da Lei 27/2007, de 30/7, na pena de 200 dias de multa;
B.–Não se verifica, no texto da decisão recorrida, qualquer dos vícios elencados no art.º 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
C.–Não se verifica qualquer omissão de pronúncia na sentença por exclusão de factos relevantes contidos na contestação da recorrente, pois que em tal peça não se mostram vertidos factos, circunscrevendo-se a um extenso rol de considerações quanto à circunstância de estar convencida de que os factos que reportava eram verdadeiros e de manifesto interesse público, bem como quanto à circunstância de estar a ser alvo de uma manobra de intimidação e constrangimento por parte dos assistentes, que mais não pretendem do que cercear a sua liberdade enquanto ....
D.–Por assim serem, por se tratarem “de matéria argumentativa, conclusiva ou de Direito”, não foram os mesmos, e bem, reproduzidos na factualidade considerada provada e não provada, não originando tal omissão qualquer vício da sentença.
E.–A Mm.ª Juíza a quo efectuou o exame crítico da prova, pois, na motivação da decisão de facto, elencou não só as provas que serviram para formar a sua convicção, de natureza documental e testemunhal, desvendando em que medida umas e outras contribuíram para a formação da sua convicção, bem como as razões por que não deu às declarações da arguida, ora recorrente, a credibilidade que esta pretende que lhe seja dada.
F.–Não foi feito um errado julgamento da matéria de facto, que imponha a correcção, eliminação ou aditamento de factos, não podendo a recorrente considerar que basta formular a sua discordância quanto ao julgamento da matéria de facto feita pela Mm.ª Juíza a quo, para que o tribunal de recurso faça um “segundo julgamento”, com base na gravação da prova.
G.–O poder de cognição do Tribunal da Relação, em matéria de facto, não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento e faça tábua rasa da livre apreciação da prova, da oralidade e da imediação.
H.–A recorrente não cumpriu o ónus de especificação dos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, considerando, em termos genéricos incorrectamente apreciada a prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, não indicando também as provas que impunham decisão diversa, limitando-se a discordar, sem daí extrair novas formulações da matéria de facto que, do seu ponto de vista, deveria ter sido cristalizada.
I.–Na sentença não se descortina qualquer falha grosseira que seja detectável, do mesmo passo que não se mostra que tenham sido considerados provados factos incoerentes ou inconciliáveis entre si, nem que o decisor se tenha baseado em juízos ilógicos, arbitrários, absurdos ou contraditórios, desrespeitando as regras da experiência comum e da normalidade da vida.
J.–Face ao princípio da livre apreciação da prova, da oralidade e da imediação, e não visando o presente recurso um segundo julgamento, mais não resta do que reconhecer que a sentença proferida não se mostra ferida de qualquer vício, nem de um evidente erro de julgamento, estando devidamente fundamentada, e a motivação da convicção do julgador permite seguir, de modo lógico, todo o percurso analítico desenvolvido.
K.–O presente processo não foi instrumentalizado, numa clara situação de abuso de direito, pelos assistentes, inserindo-se no desenvolvimento de uma estratégia política da Sr.ª ... da ..., ao arrepio da Recomendação EU 2020/758, de 27/4/2022, da Comissão Europeia.
L.–A consulta da jurisprudência nacional e internacional permite concluir que são muito poucas as queixas de abuso da liberdade de imprensa e da liberdade de expressão que conduzem à condenação do visado, até mesmo por razões histórias e como recção aos muitos anos de censura, sendo a liberdade de expressão um dos direitos mais valiosos que nos é permitido exercer e de que nos é permitido desfrutar no presente.
M.–Nenhum dos direitos consagrados na Constituição - de que a liberdade de expressão e a liberdade da imprensa são paradigmas - se tem por absoluto, sendo os direitos, liberdades e garantias susceptíveis de limitações com vista a salvaguardar o “núcleo essencial” de outros direitos também com consagração constitucional, como o direito à honra e ao bom nome.
N.–Também o direito à liberdade de expressão, o direito de informar e de ser informado tem de coexistir com os diversos direitos de personalidade, como o direito à privacidade, à honra e ao bom nome.
O.–Em causa, nestes autos, não está qualquer compressão do direito de informar, mas sim a propalação de factos quando se sabe que o que se divulga não é verdade ou quando há razões sérias para crer que o noticiado pode não corresponder à verdade.
P.–A recorrente tinha na sua posse documentos que contrariavam o que propalava e após a reportagem de 2017 foi interveniente em processo judicial que lhe trouxe um conhecimento aprofundado da realidade na ..., o que lhe impunha um escrutínio mais rigoroso dos factos que queria divulgar, tanto mais sendo esta apenas a sua segunda reportagem de fundo para a TV.
Q.–Apenas esta responsabilidade lhe está a ser imputada, pelo que invocar obstruções à imprensa, à liberdade de expressão e ao direito a informar é desviar as atenções da análise jurídica que se impõe.

5.–Resposta do Ministério Público ao recurso dos Assistentes

Junto da 1ª instância apenas a Magistrada do Ministério Público apresentou resposta ao recurso interposto pelos assistentes, não o tendo feito os arguidos afetados pelo mesmo (AA e BB).

Pugnando no sentido de que o recurso deverá ser julgado improcedente e manter-se a decisão recorrida, concluiu o Ministério Público nos seguintes termos (transcrição):
A.–Vem o presente recurso interposto da douta sentença que condenou a arguida pela prática de um crime de difamação agravada, previsto e punido pelo art.º 180º, n.º 1, art.º 183º, n.º 1, als. a) e b), e n.º 2, art.º 184º, todos do Código Penal, por referência ao art.º 71º, da Lei 27/2007, de 30/7, na pessoa da assistente EE.
B.–Mm.ª Juíza a quo aplicou correctamente o princípio in dubio pro reu, tendo tido a prudência de circunscrever, com rigor, as questões que não seriam apreciadas, cingindo a apreciação da conduta dos arguidos no tocante às duas questões que foram introduzidas ex novo na reportagem de 2019, apreciando a responsabilidade criminal dos arguidos à luz dos novos factos que foram transmitidos à opinião pública como se de verdadeiros se tratassem:
C.–Não foi feito um errado julgamento da matéria de facto, que imponha a correcção, eliminação ou aditamento de factos, não podendo os recorrentes considerar que basta formular a sua discordância quanto ao julgamento da matéria de facto feita pela Mm.ª Juíza a quo, para que o tribunal de recurso faça um “segundo julgamento”, com base na gravação da prova.
D.–O poder de cognição do Tribunal da Relação, em matéria de facto, não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento e faça tábua rasa da livre apreciação da prova, da oralidade e da imediação.
E.–Face ao princípio da livre apreciação da prova, da oralidade e da imediação, e não visando o presente recurso um segundo julgamento, mais não resta do que reconhecer que a sentença proferida não se mostra ferida de qualquer vício, nem de um evidente erro de julgamento, estando devidamente fundamentada, e a motivação da convicção do julgador permite seguir, de modo lógico, todo o percurso analítico desenvolvido.

6.–Resposta dos Assistentes ao recurso da Arguida

Os assistentes apresentaram resposta ao recurso interposto pela arguida, concluindo nos seguintes termos (transcrição):

Das alegadas nulidades da Sentença
1.–Em primeiro lugar, não constitui omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.°, n.° 1, alínea c), do CPP, a não transcrição das conclusões vertidas na contestação da AA junta aos autos, em violação do artigo 374.°, n.° 1, alínea d), do CPP, mas tão somente uma mera irregularidade que não vicia a sentença.
2.–Assim, apenas sendo exigível ao Tribunal a quo proceder a um esforço de síntese das conclusões da Arguida, e tendo esse esforço sido levado a cabo, devem V. Ex.as considerar absolutamente improcedente o recurso na parte em que sustenta a nulidade da Sentença, nos termos do artigo 379.°, n.° 1, alínea c), do CPP, (erradamente) conjugado com o disposto no artigo 374.°, n.° 1, alínea d), do CPP.
3.–Em segundo lugar, a Arguida errou ainda na configuração da alegação de que “o Tribunal não se pronunciou sobre factos essenciais por si alegados na Contestação, não os considerando como factos provados ou não provados” como um caso de omissão de pronúncia, quando o que parece que a Arguida pretendia era que este Tribunal de recurso procedesse a uma reapreciação da matéria de facto que, segundo o entendimento daquela, era essencial para a boa decisão da causa.
4.–No entanto, pretender, no fundo, que o Tribunal se pronuncie sobre a essencialidade de determinado facto alegado na Contestação não se trata de uma questão de omissão de pronúncia – porque, na verdade, o Tribunal a quo pronunciou-se, simplesmente entendeu não serem factos essenciais que não careciam de constar da matéria de facto –, trata-se, sim, de uma questão de saber se, da perspetiva do Tribunal a quo, aqueles factos podiam ser, ou não, considerados essenciais para a descoberta da verdade.
5.–Acrescentando-se que, ainda que se pretendesse aproveitar agora a substancialidade do alegado pela Arguida, nem isso seria possível, na medida em que aquela não cumpriu com os ónus de especificação exigidos para a impugnação da matéria de facto, nos termos do artigo 412.°, n.° 2, do CPP.
6.–Pelo que deverá esta parte do Recurso interposto pela Arguida ser rejeitada, por, tendo sido configurado incorretamente o problema de reapreciação da matéria de facto como um problema de omissão de pronúncia, ter a Arguida incumprido o ónus de impugnação específica previsto no artigo 412.° do CPP, não devendo V. Ex.as conhecer do seu objeto e não havendo lugar a convite ao aperfeiçoamento, ao abrigo dos artigos 414.°, n.° 2, e 420.°, n.° 1, alínea b), do CPP.
7.–Ainda que assim não se entenda, nenhum dos pontos elencados na motivação de recurso incide sobre verdadeiros factos sobre os quais se impunha que o Tribunal se pronunciasse, mas antes formulações absolutamente genéricas, descritivas e conclusivas – consoante os casos –, que comportavam meros juízos valorativos ou de pendor eminentemente jurídico.
- Os supostos factos elencados 19.°, 24.°, 25.°, 27.° e 28.° têm teor exclusivamente descritivo e conclusivo, não contendo, nenhuma asserção que carecesse, ou não, de ser provada pelo Tribunal a quo.
- Os pontos 23.°, 26.° 32.°, 44.°, 45e 53.° são meras conclusões que envolvem juízos valorativos e, sobretudo, de teor jurídico que foram devidamente apreciadas pelo Tribunal a quo.
- Os pontos 29.°, 30.°, 31.° não configuram nenhum facto, sendo o seu conteúdo absolutamente opinativo e, por isso, de tónica subjetiva, são insuscetíveis de prova.
8.–Os únicos factos descritos na contestação invocados na motivação de recurso suscetíveis de prova são os referentes às notícias da comunicação social (cf. pontos 46.°, 47.°, 48.°-50.°, 51.° e 52.° da Contestação), mas: (i) todas as notícias, salvo a da ..., são posteriores à data da reportagem da ... da autoria da AA e, como tal, irrelevantes para o Tribunal aferir da sua responsabilidade penal quanto aos factos que falsamente veiculou com a sua reportagem de 09.02.2019; e (ii) a notícia da ..., de 05.02.2019, apesar de ser anterior à data da reportagem, não carecia de ser dada como provada ou não provada pelo Tribunal a quo, pois versava sobre a atividade sindical dos Enfermeiros no período de greve, pelo que consubstancia factualidade alheia ao processo em causa.
9.–Pelo exposto, a sentença a quo não enferma de omissão de pronúncia, para efeitos de desencadear a aplicação do regime de nulidade da sentença, previsto no artigo 379.°, n.° 1, alínea c), do CPP.
10.–Em terceiro lugar, o cumprimento do artigo 374°, n.° 2, do CPP, não impõe a enumeração dos factos provados e não provados que sejam irrelevantes para a caracterização do crime e/ou para a medida da pena.
11.–Considerando o que ficou exposto nos pontos §3-§5 destas Conclusões, sendo os únicos factos suscetíveis de prova irrelevantes para a caracterização do crime e do próprio processo em causa, não há violação do artigo 374.°, n.° 2, do CPP, e, consequentemente, não se encontra a sentença a quo viciada por qualquer omissão de pronúncia, para efeitos de desencadear a aplicação do regime de nulidade da sentença, previsto no artigo 379.°, n.° 1, alínea a), do CPP, por suposto incumprimento do dever de enumeração, como provados ou não provados, dos factos elencados na contestação dos Arguidos.
12.–Em quarto lugar, o Tribunal a quo levou a cabo um esforço de análise do suporte probatório constante dos autos, enunciando especificamente os meios de prova (in casu, as declarações da Arguida e da Assistente, os depoimentos das testemunhas, os documentos juntos aos autos e respetivas fls. do processo) que serviram para formar a convicção do tribunal.
13.–Em especial, e no que concerne ao objeto do presente recurso, o Tribunal a quo analisou criticamente o conteúdo das declarações proferidas pela AA referindo a credibilidade que a mesma mereceu do tribunal quando mencionou que a fonte de informação do facto de “EE ter sido ouvida pela Polícia Judiciária” foi a Senhora Procuradora HH, tendo mesmo confrontado essa informação com diversas fls. do processo (em especial, fls. 437 e 1422-1424).
14.–O Tribunal a quo analisou também a informação constante de fls. 437, bem como a certidão de fls. 1422 a 1424 da inquirição de AF, de 21.11.2018, tendo concluído que, à data da emissão da reportagem, a Assistente ainda não tinha sido ouvida em sede de inquérito, analisando também, nesse âmbito, as declarações de EE, nas quais esclareceu que só foi ouvida em 2022; bem como o comunicado da Procuradoria Distrital de Lisboa, de 07.03.2017.
15.–Ao invocar a falta de exame crítico, a Recorrente ignora que o exame crítico da prova não se pode confundir com o exame correto da prova, não estando em causa a exatidão da convicção do julgador, mas apenas a sua exteriorização e, portanto, o exame crítico da prova deve ser de molde a ficar clara a razão de o julgador ter formado aquela convicção e não outra.
16.–O Tribunal a quo foi exímio na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas produzidas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos e o valor de documentos que o Tribunal privilegiou na formação da sua convicção, em ... a que os destinatários ficassem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo Tribunal e das razões da sua convicção.
17.–Pelo que deverá o recurso da Arguida, na parte em que sustenta a nulidade da sentença por omissão do exame crítico das provas, nos termos dos artigos 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP, ser considerado absolutamente improcedente.

Da alegada instrumentalização da presente ação e do abuso de direito
18.–O recurso a que ora se responde alicerça-se numa ideia que constitui uma absoluta inversão do núcleo essencial da prevenção de verdadeiras SLAPP, que têm potenciado – em especial, no domínio da legislação europeia –, o desenvolvimento de mecanismos de combate ao número crescente de ações judiciais estratégicas contra a participação pública.
19.–No entanto, não está em causa, como é característico das SLAPP, nem uma multiplicação de ações judiciais e de elevados pedidos de indemnização, nem um qualquer desequilíbrio de poderes entre as partes – desde logo, porque a Arguida tem a sua defesa bem assegurada pela equipa jurídica da estação de televisão que divulgou a reportagem –, nem a coerção dos direitos da Arguida a um julgamento justo e à presunção de inocência.
20.–A Assistente não ignora o efeito nocivo subjacente às SLAPP e a necessidade premente de proteção da liberdade de imprensa e de expressão, mas este não é manifestamente o caso do presente processo, sob pena de, ao catalogá-lo acriticamente dessa forma, se estar a contribuir para um total menosprezar de situações que configuram autênticas ações judiciais estratégicas contra a participação pública.
21.–No entanto, a reportagem julgada nestes autos extravasa largamente o direito de liberdade de expressão e de imprensa, posicionando-se na brecha das restrições à liberdade de expressão: não só pelo conjunto de falsidades que a Arguida imputa à Assistente, mas também pelo total incumprimento da Arguida ... dos mais básicos deveres que a profissão lhe impõe e que obrigavam a que esta tivesse comprovado e esclarecido os factos sobre os quais versaram a reportagem, tivesse garantido a integridade e verdade do facto noticiado e utilizado fontes de informação fidedignas.
22.–O que está em causa neste processo não é uma alegada SLAPP, mas o exercício do direito de repor a verdade, de fazer reverter os efeitos nefastos que a narrativa falsa veiculada pela Arguida teve para a Assistente, bem como de conseguir um desfecho em que a Arguida deixe de apresentar uma versão tendenciosa dos factos sem qualquer suporte probatório.
23.–Ainda por cima quando a Arguida não extrai do instituto do abuso do direito que invoca qualquer consequência palpável, nem sequer vertendo as repercussões desse regime nas conclusões por si apresentadas, em violação do artigo 412.°, n.° 1, do CPP.
24.–Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões, nos termos do artigo 412.°, do CPP, não se fazendo sequer nenhum pedido no final do Recurso que derive da aplicação daquele instituto jurídico, deverão V. Ex.as considerar totalmente improcedente o recurso da Arguida nesta parte.

Do alegado errado julgamento de vários pontos da matéria de facto
25.–No artigo 412.° do CPP, prevê a lei regras específicas sobre a forma do recurso penal, em especial os requisitos para a impugnação da matéria de facto que têm de ser cumpridos pelo recorrente, sob pena de o recurso não ser conhecido.
26.–O recurso da Arguida não obedece às exigências de forma do artigo 412.° do CPP, não só em razão da ininteligibilidade das suas conclusões, mas também em virtude da circunstância de a sua motivação da impugnação de matéria de facto não indicar as razões pelas quais os meios de prova recenseados – que rigorosamente nem sequer especifica – impõem uma decisão diversa da recorrida.
27.–Analisando as conclusões do recurso – que são uma espécie de quase reprodução da motivação –, as quais deveriam fixar o seu objeto, é indecifrável como é que das conclusões n.os 39 a 67 do recurso se peticiona o referido nas conclusões n.os 68 a 69.
28.–Não sendo as conclusões compreensíveis, existe um verdadeiro problema de delimitação objetiva do recurso porque não é possível nem ao tribunal, nem aos sujeitos processuais, nomeadamente os recorridos, perceber a fundamentação da pretensão e os objetivos do recorrente.
29.–Pelo que deverá o recurso da matéria de facto interposto pela Arguida ser rejeitado, por violação do artigo 412.° do CPP, não conhecendo V. Ex.as do seu objeto e não havendo lugar a convite ao aperfeiçoamento, ao abrigo dos artigos 414.°, n.° 2, e 420.°, n.° 1, alínea b), do CPP.
30.–Aliás, a interpretação normativa do artigo 412.°, n.° 3, do CPP, interpretado e aplicado no sentido de que o ónus do recorrente de impugnação da matéria de facto – em que é imposta a indicação clara e precisa (i) dos factos concretos que se consideram incorretamente julgados, (ii) das concretas provas que impõe decisão diversa e/ou (iii) das provas que devem ser renovadas – se satisfaz com a indicação dos factos e a menção genérica a elementos de prova, sem qualquer demonstração da relação entre o específico conteúdo dos meios de prova que impõem decisão diversa da recorrida e os factos individualizados que se consideram incorretamente julgados é materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 2.°, 3.°, 13.°, n.ºs 1 e 2, 18.°, n.ºs 1, 2 e 3, 20.°, n.ºs 1 e 4, e 32.°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa, e artigo 6.° da Convenção Europeia dos Direitos Humanos “CEDH”, inconstitucionalidade que se deixa alegada para os devidos efeitos legais.
31.–Assim, a interpretação normativa dos artigos 412.°, n.° 3, e 417.°, n.° 3, ambos do CPP, isolada ou conjuntamente interpretados, no sentido de que as conclusões do recurso, quando não cumpram as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 do artigo 412.º do CPP, podem ser aperfeiçoadas (completadas ou esclarecidas) ainda que a própria motivação do recurso não obedeça às exigências constantes do referido artigo 412.º, n.ºs 2 a 5, do CPP é materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 2.º, 3.º, 13.º, n.ºs 1 e 2, 18.º, n.ºs 1, 2 e 3, 20.º, n.ºs 1 e 4, e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, e artigo 6.º da CEDH, inconstitucionalidade que se deixa alegada para os devidos efeitos legais.
32.–Depois, o recurso da Arguida desconsidera gravemente quais os poderes do Tribunal de 2.ª instância que conhece de facto em sede de recurso, evidenciando pretensões de alteração da matéria de facto fora dos casos do artigo 410.º, n.º 2, do CPP.
33.–Resulta do recurso apresentado pela Arguida que se pretende, no tocante a matéria de facto: dar como provados os factos descritos nos pontos 32) e 33) da Sentença a quo.
34.–Sucede que tais alterações parcamente fundamentadas assentam inter alia em elementos de prova que não impõe, antes, segundo a própria Arguida, parecem permitir, um entendimento diverso.
35.–Ora, salvo o previsto no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, a alteração da factualidade dada como provada pelo tribunal de 1.ª instância implicaria a prevalência do entendimento de um tribunal perante o qual não foi produzida prova em imediação.
36.–O Tribunal da Relação, em sede de recurso, apenas deve alterar a matéria de facto em situações excecionais, sendo-lhe reconhecida uma função de controlo e de correção de erros.
37.–Em concreto, essa intervenção no juízo de quem julgou com imediação só será legítima quando a matéria de facto dada como provada ou não provada pelo tribunal de 1.ª instância não tem qualquer respaldo na prova produzida.
38.–Assim, no Tribunal de recurso não há possibilidade de análise do comportamento não verbal de testemunhas, formulação de perguntas e esclarecimentos, confrontação de testemunhas com outros elementos de prova ou análise da linguagem verbal.
39.–É por essa mesma razão que a análise da prova que gerou a decisão, bem como a própria decisão sobre a matéria de facto devem ser o mais respeitadas possível, porque a decisão recorrida constitui o resultado acabado do trabalho do tribunal de 1.º instância, onde foram concretizados, da forma mais autêntica possível, os princípios da imediação e da oralidade na análise da prova e a posterior definição da factualidade provada e não provada.
40.–Pelo que, se a decisão de facto pudesse ser alterada por este Tribunal da Relação porque, como entende a AA, “também é possível” retirar da prova – prova esta que nem sequer específica ou concretiza –, determinado entendimento, estariam abertas as portas a que as decisões dos tribunais sobre a matéria de facto fossem proferidas ao arrepio dos princípios basilares do processo penal.
41.–Como também o que alega como suporte probatório suscetível, de acordo com a Arguida, de sustentar uma conclusão diversa, consubstancia apenas uma tentativa de impor uma sua interpretação distinta e de alterar a convicção obtida pelo tribunal recorrido.
42.–Mais a mais, tratando-se os princípios da imediação e a oralidade de corolários de um processo justo e equitativo, a interpretação normativa dos artigos 430.°, 431.°, 410.°, 412.°, n.° 6, 355.° e 127.°, todos do CPP, isolada ou conjuntamente interpretados e aplicados, no sentido de que os tribunais da relação podem conhecer em recurso de alterações à matéria de facto podendo alterar a que foi fixada em primeira instância fora dos casos em que a reanálise imponha uma decisão diversa da recorrida ou em que se detete um erro notório, é materialmente inconstitucional, por violação por violação dos artigos 2.°, 3.°, 13.°, n.ºs 1 e 2, 18.°, n.ºs 1, 2 e 3, 20.°, n.ºs 1 e 4, 32.°, n.ºs 1 e 9, 202.°, n.ºs 1 e 2, 203.° e 204.° da Constituição da República Portuguesa, e artigo 6.° da CEDH, inconstitucionalidade que se deixa alegada para os devidos efeitos legais.
43.–Prosseguindo, no que toca à impugnação da matéria de facto deduzida pela Arguida, o seu recurso deverá ser julgado totalmente improcedente na parte respeitante à alteração dos factos 32. e 33. da Sentença a quo.
44.–Porque os meios de prova indicados pela Arguida quanto a estas não impõem decisão diversa da recorrida quanto à matéria de facto e porque os factos sugeridos pela Arguida não se encontram redigidos de forma objetiva, delimitada e concreta, não encontrando suporte probatório nos elementos de prova referidos na motivação de recurso, nem nos restantes elementos constantes dos autos.

45.–Em concreto:
- A AA, quando afirmou que a Assistente EE tinha sido ouvida no âmbito do processo-crime n.° 1789/17.3T9LSB, sabia que estava a transmitir factos falsos;
- A Recorrente reconhece na sua motivação de recurso, ao mencionar a dado momento que a reportagem em causa tem inerente um “significado social” (cf. p. 51 da motivação de recurso), que conhecia o significado (estigmatizante) associado aos factos que imputou a EE;
- Nunca em momento algum do processo a Arguida fez um mínimo esforço probatório para demonstrar a veracidade das suas afirmações, em concreto, ter requerido a inquirição como testemunha da Procuradora da República, HH ou das supostas “pessoas próximas” da Senhora ... que, segundo AA, a terão informado de que EE se havia deslocado às instalações da PJ.
46.–O despacho de não pronúncia proferido no processo n.° 5819/17.0T9LSB assenta na circunstância de se ter considerado que, à data da emissão da reportagem de 2017, a AA teria atuado com a convicção da veracidade do que aí propalara – mas, reitera-se, em momento algum ficou dado como provado na matéria de facto a veracidade dessas declarações.
47.–Além disso o processo n.° 5819/17.0T9LSB nem sequer incidiu sobre a imputação feita pela Arguida à Assistente que foi julgada nos presentes autos.
48.–Pelo que não se encontram razões para sobrepor o juízo interpretativo da Arguida referente àqueles factos ao que foi alcançado na decisão impugnada, motivo pelo qual a decisão da matéria de facto, no que concerne aos factos 32. e 33., não deverá ser alterada.

Da alegada errada interpretação e aplicação do direito
49.–Apesar de existir tendencialmente um consenso na jurisprudência e doutrina – em especial, considerando a jurisprudência do TEDH –, sobre a prevalência da liberdade de expressão sobre a honra, a liberdade de expressão não é um direito absoluto.
50.–E a Arguida extravasou em larga medida o “discurso possível” ao abrigo da liberdade de expressão e do dever de informar, abrindo portas à proteção da honra como bem jurídico constitucionalmente consagrado.
51.–E isto porque, a proteção que é conferida e bem pelo TEDH está sujeita à condição de cumprimento por parte dos … dos deveres e responsabilidades inerentes à sua função, os quais foram manifestamente violados pela Arguida (deveres de cruzamento de fontes, dever de garantir o contraditório, dever de assegurar o rigor e a veracidade daquilo que se afirma).
52.–Por isso, não sobram dúvidas quanto ao preenchimento do tipo de crime por que vem a Arguida condenada: do ponto de vista da tipicidade objetiva, como decorre da sentença a quo, o contexto e ambiente em que as imputações desonrosas foram imputadas a EE foram aptas a denegrir a honra da Assistente (cf. p. 33 da Sentença recorrida); e, da perspetiva do elemento subjetivo, a Arguida, sabendo da falsidade das afirmações que proferiu, pelo menos, previu o resultado ofensa à honra de EE como consequência possível da sua conduta e, apesar disso, concretizou a mesma, conformando-se com o respetivo resultado.
53.–Da perspetiva da exclusão da ilicitude, a Arguida não conseguiu demonstrar, como V. Ex.as certamente concluirão, a verificação de nenhuma causa de justificação.
54.–Com efeito, não é possível identificar qualquer prossecução de interesses legítimos com a presente reportagem, pois, por um lado, não existe um nexo automático entre as contas de uma ... profissional e a justificação de uma conduta a título de prossecução de interesses legítimos, apenas pelo facto de estar em causa uma associação pública profissional; e, por outro lado, a realização de interesses legítimos pressupõe necessariamente o exercício leal da função pública da imprensa e não se compagina com a difusão do escândalo e do sensacionalismo, paradigma do populismo penal.
55.–É claro o propósito de vendetta pessoal da AA que reconheceu, em entrevista de apresentação da reportagem no dia anterior ao da sua emissão, que a reportagem de 2019 foi elaborada e transmitida como meio de resposta aos processos judiciais e extrajudiciais contra si movidos pela Assistente EE, por causa da reportagem de 2017.
56.–Também não sendo possível identificar fundamento sério para, em boa-fé, reputar de verdadeira as imputações que se fazem na reportagem: a AA não deu uma real oportunidade de contraditório à ... e aos aqui Assistentes, apenas simulando a concessão desse direito, chegando mesmo a incluir na reportagem o facto da inquirição na PJ, quando havia sido expressamente esclarecido que EE não tinha sido constituída sequer Arguida, além de que também não procurou selecionar e contactar fontes credíveis e sem interesse nos factos em causa.
57.–Não existiu, por isso, no que concerne às garantias do contraditório e do cruzamento das respetivas fontes de informação que estivessem em condições de transmitir dados sobre o assunto, o cumprimento de deveres de rigor e cuidado que se impõem no apuramento da veracidade de uma notícia, de indiscutível valia no contexto dos factos imputados à Assistente e que se previa que teria, como tiveram, uma grande repercussão pública.
58.–Impondo-se julgar totalmente improcedente o recurso da Arguida, confirmando a sentença recorrida na parte que decidiu condenar a AA pela prática em autoria material de um crime de difamação agravada, previsto e punido pelos artigos 180.°, n.° 1, 183.°, n.° 1, alíneas a) e b) e n.° 2, e 184.°, todos do CP, por referência ao artigo 71.° da Lei da Televisão.

Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis, deverão V. Ex.as:
a.-rejeitar o recurso interposto pela Arguida, considerando absolutamente improcedente a nulidade da sentença com fundamento em omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.°, n.° 1, alínea c), do CPP, e com fundamento na violação do disposto na alínea b) do n.° 3 do artigo 374.°, nos termos do artigo 379.°, n.° 1, alínea a), do CPP;
b.-rejeitar o recurso interposto pela Arguida, por violação do artigo 412.º do CPP, não conhecendo V. Ex.as da motivação de recurso, não vertida nas suas conclusões, que apela à aplicação do instituto do abuso de direito, nos termos do artigo 334.º do Código Civil.
c.-rejeitar o recurso interposto pela Arguida, por violação do artigo 412.° do CPP, não conhecendo V. Ex.as do objeto da impugnação da matéria de facto e não havendo lugar a convite ao aperfeiçoamento, ao abrigo dos artigos 414.°, n.° 2, e 420.°, n.° 1, alínea b), do CPP;
d.-julgar improcedentes os pedidos da Arguida de alterações à matéria de facto, por violação dos poderes de conhecimento do Tribunal ad quem, em razão da inexistência de erros de julgamento na apreciação da prova e na definição da matéria de facto e dos vícios constantes do artigo 410.°, n.° 2, do CPP; e
e.-julgar totalmente improcedente o recurso da Arguida, confirmando a sentença recorrida na parte que decidiu condenar a AA pela prática em autoria material de um crime de difamação agravada, previsto e punido pelos artigos 180.°, n.° 1, 183.°, n.° 1, alíneas a) e b) e n.° 2, e 184.°, todos do CP, por referência ao artigo 71.° da Lei da Televisão.

7.–Parecer
Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, acompanhando apenas parcialmente a resposta ao recurso apresentada pelo Ministério Público na 1ª instância.
Em suma, pugnou pela rejeição do recurso da arguida e pelo parcial provimento do recurso dos assistentes, concretamente, e quanto a este último,

8.–Cumprido o disposto no art. 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (doravante designado CPP), não foi apresentada resposta.

9.–Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II–Fundamentação

1.–Objeto do recurso

De acordo com o estatuído no art. 412.º do CPP e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem deve apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no art. 410.º n.º 2 do CPP.

No caso concreto, conforme as conclusões das respetivas motivações, cumpre apreciar as seguintes questões:

Recurso da arguida AA:
Das nulidades da sentença: omissão de pronúncia por não transcrição das conclusões vertidas na contestação e falta de exame crítico da prova;
Do erro de julgamento: impugnação matéria de facto;
Da alegada instrumentalização da presente ação e do abuso de direito;
Do exercício da liberdade de imprensa enquanto modalidade especial de liberdade de expressão e consequente errada interpretação e aplicação do direito.

Recurso dos assistentes EE e FF:
Do erro de direito na não apreciação de factos por força do princípio ne bis in idem;
Da impugnação da matéria de facto e consequente responsabilidade criminal da arguida AA pela prática de um segundo crime de difamação agravada, praticado na pessoa do assistente FF;
Da impugnação da matéria de facto e consequente responsabilidade criminal do arguido BB pela prática de dois crimes de difamação, sendo ofendidos os assistentes EE e FF.

SENTENÇA RECORRIDA

2.1.–O Tribunal a quo tratou a título de questão prévia a seguinte (transcrição):

- Questão prévia
Nos presentes autos foi apresentada queixa pelos assistentes ..., EE e FF, imputando aos arguidos factos susceptíveis de integrarem a prática de um crime de ofensa a pessoa colectiva previsto e punido pelo artigo 187.º, n.ºs 1 e 2 e 183.º, n.º 1, alíneas a) e b) e n.º 2, ambos do Código Penal, por referência ao artigo 71.º da Lei da Televisão; e de dois crimes de difamação agravada, previsto e punido pelos artigos 180.º, n.º 1, 183.º, n.º 1, alíneas a) e b) e n.º 2, e 184.º, todos do Código Penal, por referência ao artigo 71.º da Lei da Televisão, em virtude da exibição da reportagem da autoria de AA, intitulada “Des...” em 9 de Fevereiro de 2019, no canal de televisão ... na rubrica Repórter ....
Mais resulta dos presentes autos, que os assistentes apresentaram ainda uma queixa contra os aqui arguidos e ainda contra JJ e KK, queixa esta que deu origem ao processo n.º 5819/17.0T9LSB, em face da exibição da reportagem da autoria de AA, exibida em ...2017, no canal de televisão ..., intitulada “...”.
Ora, nos presentes autos, resultam elencados factos referentes ao processo n.º 5819/17.0 T9LSB, em concreto, a reportagem exibida em ...2017, no canal de televisão ... - “As contas da ...” -, sendo que, é a própria reportagem de ...2019 que coloca no ar excertos da reportagem de ...2017, situação que está devidamente identificada, na margem inferior direita do ecrã, assim como, volta abordar questões já previamente integradas na reportagem de ...2017.
No âmbito do processo n.º 5819/17.0T9LSB, mostra-se já proferido Acórdão transitado em julgado em 3 de Fevereiro de 2023, que confirmou a decisão de não pronúncia, na qual se elencaram os factos indiciariamente provados e não provados (cf. teor de fls. 1554 a 1656).
Destarte, considerando que nos presentes autos se aborda temática que já foi objecto de decisão transitada em julgado, importa aquilatar da verificação ou não do princípio “ne bis in idem”, o qual de acordo com o artigo 29.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, dispõe que “Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime” sendo tal preceito constitucional aplicável a todos os procedimentos de natureza sancionatória.
O princípio em questão trata-se de uma disposição que preenche o núcleo fundamental de um direito, isto é, o de que ninguém pode ser duplamente incriminado e punido pelos mesmos factos sob o império do mesmo ordenamento jurídico.
A expressão julgado mais do que uma vez não pode ser entendida no seu estrito sentido técnico-jurídico, tendo antes de ser interpretada num sentido mais amplo, de forma a abranger, não só a fase do julgamento, mas também outras situações análogas ou de valor equivalente, designadamente aquelas em que num processo é proferida decisão final, sem que, todavia, tenha havido lugar àquele conhecido ritualismo.
É o que sucede com a declaração judicial de extinção da responsabilidade criminal por amnistia, por prescrição do procedimento ou por desistência de queixa, situações em que, obviamente, o respectivo beneficiário não pode ser perseguido criminalmente pelo crime ou crimes objecto da respectiva declaração de extinção da responsabilidade criminal, vide neste sentido o Acórdão da Relação de Lisboa, datado de 13 de Abril de 2011, onde se pode ler «O ne bis in idem, como exigência da liberdade do indivíduo, o que impede é que os mesmos factos sejam julgados repetidamente, sendo indiferente que estes possam ser contemplados de distintos ângulos penais, formal e tecnicamente distintos.»
Volvendo aos presentes autos, resulta claro que a queixa apresentada, que esteve na origem dos presentes autos, tem por base a reportagem exibida no dia 9 de Fevereiro de 2019, todavia, essa mesma reportagem, conforme referimos, continha passagens da reportagem exibida anteriormente em ...2017, as quais se mostravam devidamente identificadas, assim como foram efectuadas referências a situações que já haviam sido abordadas na reportagem de 2017, pelo que, considerando as matérias abordadas em ambas as entrevistas e ainda à identificação efectuada em alguns segmentos das mesmas, não podemos considerar que se tratam de novos factos, mas antes, uma repetição dos anteriores, nomeadamente no que tange à matéria relativa a ajudas de custo, compensações mensais, vencimentos auferidos por FF, e-mails datados de 2016, bem como, rendas de casa pagas pela ... a FF e LL.
Ora, considerando que tais segmentos de reportagem foram já objecto de apreciação, mormente, por decisão transitada em julgado, necessariamente que não pode este Tribunal tornar a apreciá-los, porquanto a fazê-lo estaria a violar o princípio constitucional “ne bis in idem”.
Com efeito, a não se decidir nestes termos, tal conduziria a uma possibilidade infinita de alguém ser sucessivamente acusado, pronunciado e julgado por tantas vezes quantas as reproduções que fossem efectuadas, o que não se integra com o espírito da Lei, nem nos princípios a esta subjacentes.
Deste modo, nos presentes autos não se apreciarão os factos que têm por base os dois vencimentos auferidos por FF, os km facturados pelos elementos do Conselho Directivo da ..., mais concretamente FF e EE, os dois vencimentos auferidos por FF, e os arrendamentos e respectivas rendas das casas utilizadas por FF e LL, por os mesmos já terem sido apreciados no âmbito do processo n.º 5819/17.0T9LSB.
Notifique.

2.2.-O Tribunal a quo deu como provada e não provada a seguinte factualidade (transcrição):

Factos provados

1.–A reportagem em causa nestes autos, intitulada “Des...”, da autoria da arguida AA foi exibida em … 2019, seguindo-se a uma primeira reportagem da autoria da mesma arguida, exibida em ...2017 intitulada “...”.
2.–A reportagem exibida a ...2017, foi objecto de queixa crime que deu origem ao processo n.º 5819/17.0 T9LSB.
3.–A ... é uma associação pública profissional representativa dos que exercem a profissão de ….
4.–A assistente EE é a actual ... da ..., cargo para o qual foi eleita em … 2016, em segunda volta das eleições, tendo iniciado segundo mandato a … 2020.
5.–Foram igualmente eleitos no primeiro mandato, o assistente FF e a arguida DD.
6.–O arguido CC exercia funções de … na ... desde … 2009.
7.–Em … 2016, foi deliberado pelo conselho directivo instaurar contra o arguido CC um processo disciplinar, bem como a sua suspensão preventiva.
8.–O processo disciplinar referido em 7., culminou com uma decisão de despedimento.
9.–Por deliberação do conselho directivo, tomada em … 2016, foram retiradas à arguida DD as áreas de (i) competência de responsabilidade política, (ii) a interlocução do conselho diretivo na relação com os órgãos, bem como (iii) a titularidade das contas bancárias e (iv) acessos bancários a cartões multibanco da ....
10.–Para além das competências referidas em 9, foram ainda retiradas à arguida DD, as competências delegadas pela ....
11.–Posteriormente, por decisão do conselho directivo datada de … 2016, foi ainda restringido à arguida DD o acesso a informações, decisões eletrónicas e EDOC e a recepção e envio de correio electrónico com deliberações e documentos referentes à ....
12.–Em …2017, foi aberto, contra a arguida DD, pelo plenário do conselho jurisdicional da ..., um procedimento com vista à deliberação sobre a perda de cargo de …, que veio a efetivar-se, por deliberação desse mesmo órgão, no dia 7 de Abril de 2017.
13.–Na mesma data referida em 12., foi igualmente deliberado pelo plenário do conselho jurisdicional da ..., proceder à abertura de processo disciplinar contra a arguida DD.
14.–Na data referida em 13., foi a arguida DD suspensa de funções.
15.–Como referido em 1., em ...2017, foi emitida pelo canal de televisão ..., pelas 20h46, no “Repórter ...” do “...”, a reportagem intitulada “...”, a qual foi amplamente divulgada pela ... e pela ..., através da exibição de promos, não só no próprio dia ...2017, mas também nos dias que antecederam a sua emissão.
16.–A reportagem referida em 1. e 15., foi ainda emitida no dia seguinte à primeira emissão, no mesmo canal.
17.–A arguida AA, criou e divulgou a nova reportagem, já em 2019, sobre a ... e sobre os titulares dos seus órgãos, com o mesmo contexto, escopo e objecto da de 2017, desta feita intitulando-a de “Des...”.
18.–A arguida AA, em 8 de Fevereiro de 2019, concedeu uma entrevista, no “...” da ..., para apresentar a nova reportagem.
19.–A reportagem (em causa nestes autos) foi exibida a 9 de Fevereiro de 2019, sendo da autoria da AA com edição de imagem de MM, imagem de NN e grafismo de OO.
20.–A reportagem referida em 17. a 19., foi igualmente divulgada nos canais ... e ..., através da exibição de promos, não só durante o "..." emitido no dia … 2019, mas também nos dias que antecederam a sua emissão.
21.–Tanto a reportagem, como a entrevista da arguida AA que a antecedeu estão ainda disponíveis para visionamento online no site do canal ..., sendo que a reportagem está também disponível para visionamento online no site da ....
22.–À data da reportagem referida em 17. a 21., o arguido BB era director de informação da ....
23.–A reportagem refere que a assistente EE, ... da ..., teria praticado irregularidades na gestão da ... que estariam a ser investigadas pelo Ministério Público.
24.–E que, no âmbito da referida investigação mencionada em 23., a assistente EE, teria sido inquirida nas instalações da Polícia Judiciária, por duas vezes, em Outubro e Novembro de 2018.
25.–Todavia, à data da reportagem em causa nos autos, a assistente não havia sido inquirida, nem pela Polícia Judiciária, nem por qualquer entidade, fosse em que qualidade fosse, isto é, suspeita, denunciada, arguida ou testemunha.
26.–Relativamente ao assistente FF, a reportagem em causa nos autos, cinge-se, novamente, aos dois vencimentos por este auferidos e ao apartamento em que permanece quando está em Lisboa.
27.–O apartamento utilizado pelo assistente FF, é igualmente usado por outros dirigentes da ... quando estes se deslocam a …, e não apenas para uso exclusivo do assistente.
28.–A reportagem dos autos refere irregularidades nas contas da ....
29.–A reportagem refere que as contas referidas em 28., relativas aos anos de 2016 e 2017 apresentam gastos com serviços externos e pessoal.
30.–A reportagem refere que as contas referidas em 28. foram aprovadas em assembleias convocadas em circunstâncias de tempo, modo e lugar anormais.
31.–As assembleias que aprovaram as contas foram convocadas de acordo com o Estatuto da ....
32.–A arguida AA ao referir que a ... da ..., aqui assistente EE, havia sido ouvida na Polícia Judiciária por duas vezes, fê-lo com a consciência de que estava a transmitir factos falsos e inverídicos com o objectivo de prejudicar e causar dano à assistente, o que conseguiu.
33.–Ao actuar da forma descrita, agiu ainda a arguida de forma livre, voluntária e conscientemente bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por Lei.

Relativamente ao enquadramento socioeconómico dos arguidos

- CC

34.–O arguido vive com a companheira, a arguida DD.
35.–A casa onde residem é arrendada suportando uma renda mensal no montante de €1.400,00 (mil e quatrocentos euros).
36.–O arguido trabalha auferindo vencimento líquido mensal no montante de €1.243,00 (mil, duzentos e quarenta e três euros).
37.–O arguido suporta uma prestação bancária mensal no montante de €800,00 (oitocentos euros), respeitantes a crédito pessoal e crédito para aquisição de veículo automóvel.
38.–O arguido tem como habilitações literárias Licenciatura em ….
Dos antecedentes criminais
39.– O arguido não tem antecedentes criminais registados.

- DD

40.–A arguida reside com o companheiro, o arguido CC e dois filhos de 23 e 20 anos de idade.
41.–A casa onde residem é arrendada suportando uma renda mensal no montante de € 1.400,00 (mil e quatrocentos euros).
42.–A arguida trabalha na realização de …, auferindo entre € 300,00 (trezentos euros) e € 400,00 (quatrocentos euros).
43.–A arguida tem como habilitações literárias Licenciatura em ... e Mestrado.
Dos antecedentes criminais
44.–Por sentença datada de 09/05/2023, transitada em 12/06/2023, proferida no âmbito do processo n.° 8678/19.5 T9LSB do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Lisboa – JL Criminal – Juiz 12, foi a arguida condenada, pela prática em 08/05/2019 e 17/05/2019, de dois crimes de difamação agravada, p. e p. pelos artigos 180.°, n.° 1, 183.°, n.° 1, alínea a) e 184.°, todos do Código Penal por referência ao artigo 132.°, n.° 2, alínea l) do Código Penal, na pena única de 180 dias de multa à taxa diária de € 5,00.

- AA

45.– A arguida vive com o companheiro.
46.–A casa onde residem é própria adquirida através de empréstimo bancário, suportando uma prestação mensal no montante de € 300,00 (trezentos euros).
47.–A arguida aufere a quantia de € 2.000,00 (dois mil euros) a título de retribuição mensal.
48.–A arguida tem como habilitações literárias Licenciatura em ….
Dos antecedentes criminais
49.–A arguida não tem antecedentes criminais registados.

- BB

50.– O arguido vive com a companheira e dois filhos.
51.–A casa onde residem é arrendada, suportando uma renda mensal no montante de € 1.400,00 (mil e quatrocentos euros).
52.–O arguido encontra-se desempregado, auferindo a título de subsídio de desemprego a quantia de € 1.000,00 (mil euros).
53.–O arguido suporta uma prestação bancária com crédito à habitação para aquisição de casa própria no montante mensal de € 690,00 (seiscentos e noventa euros), encontrando-se a mesma arrendada recebendo uma renda mensal no montante de € 1.400,00 (mil e quatrocentos euros).
54.–O arguido tem como habilitações literárias Licenciatura em ….
Dos antecedentes criminais
55.–O arguido não tem antecedentes criminais registados.
*

Factos não provados
a.-Os arguidos CC e DD produziram declarações na reportagem de 2019 que tivessem como destinatários os assistentes.
b.-O arguido BB tomou conhecimento do teor da reportagem de 2019.
c.-Os arguidos actuaram, à excepção da arguida AA, com a consciência de que estavam a transmitir e a permitir transmitir factos falsos e inverídicos com o objectivo de prejudicar e causar dano aos assistentes, o que conseguiram.
d.-À excepção da arguida AA, ao actuarem da forma descrita, agiram os arguidos de forma livre, voluntária e conscientemente bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por Lei.

2.3.–O tribunal recorrido fundamentou a sua convicção nos seguintes termos (transcrição):

O Tribunal fundou a sua convicção, concreta e globalmente, a partir da prova produzida em audiência de julgamento, depois de criticamente analisada, à luz das regras de experiência comum e da verosimilhança, incluindo-se as declarações dos arguidos BB e AA, do legal representante da assistente, os depoimentos das testemunhas inquiridas e os documentos juntos aos autos, designadamente, o certificado de registo criminal.
Assim vejamos.
Os arguidos BB e AA prestaram declarações quanto aos factos, tendo os arguidos DD e CC prestaram declarações apenas quanto à sua situação económica e pessoal.
O arguido DD disse que há data dos factos exercia funções de … da ..., cargo em que estava desde 1985, tendo sido informado por PP de que existiam novos elementos relativos à ..., elementos estes que estavam consolidados, razão pela qual autorizou a realização da reportagem, todavia, não procedeu à sua visualização previamente à exibição, tendo tido conhecimento da mesma quando da exibição, porquanto aquela passou a reportar ao … II, face à responsabilidade que lhe havia sido delegada.
Disse que AA era pivot, não conseguindo precisar se a reportagem de 2017 foi a sua primeira reportagem, mas que sempre incentivou a realização de reportagens de investigação.
Relativamente à publicidade da reportagem disse o declarante que era usual haver divulgação daquilo que ia sendo feito em sede de ... de investigação, como era o caso, nomeadamente, efectuar-se uma pré-visão da reportagem que iria para o ar no jornal da noite.
A reportagem em causa vinha na sequência de uma reportagem efectuada no ano de 2017, sendo que quanto a esta de 2017 foi o declarante quem visionou a reportagem e deu autorização para a mesma ir para o ar, já no tocante à de 2019 coube a II tal procedimento, face à referida delegação de poderes.
Mencionou ainda o arguido que relativamente à reportagem de 2019 a sua intervenção apenas surgiu por força dos e-mails que lhe eram endereçados, o que o levou a realizar algumas diligências, na medida em que as informações que lhe eram feitas chegar não eram congruentes entre si. Foi o declarante confrontado com o teor de fls. 660 e 661, esclarecendo que, muito embora não conseguisse confirmar, mas assumindo como provável ter questionado AA acerca do contraditório junto da ..., mais concretamente das diligências que esta teria efectuado para obter esse mesmo contraditório, no entanto, salientou não se recordar da carta remetida pelos Advogados da .... Mais disse que relativamente aos documentos de fls. 151, 153 e 149, apenas os vê como uma tentativa de exercer o contraditório junto da ..., não tendo conseguido pronunciar-se quanto ao conflito de interesses mencionado no documento de fls. 149.
Referiu o arguido que a reportagem de 2017 teve início com a colaboração de pessoas da ..., as quais deram a cara na referida reportagem, inexistindo nessa reportagem situações de anonimato.
Salientou ainda o declarante que foi abordado, quer por AA, quer por QQ, por causa de situações da ..., na mesma semana e num espaço de tempo curto entre ambas, referindo que QQ trazia consigo um saco com material sobre os anteriores bastonários, sendo que AA tinha material da actual ..., pelo que, sugeriu que trabalhassem em equipa, mas que tal não chegou a acontecer, por aquilo que II lhe relatou, mencionando que não estranhou tal situação “por uma questão de egos”.
Questionado disse que os elementos que justificaram a segunda reportagem foram, o pedido de sindicância por parte do Governo, as buscas da PJ à sede da ...; e ainda, informação de fonte judicial que mencionou diligências para aquilatar da instauração de um inquérito.
A arguida AA disse que não foi a única a efectuar reportagens sobre a ..., já que em 2018 também o JN o fez, esta acerca das contas não aprovadas na Assembleia Geral.
Referiu a declarante que após a primeira reportagem chegou a ser abordada na saída do elevador do piso onde reside por pessoas por si desconhecidas, assim como chegou a visualizar um carro estacionado na rua com duas pessoas envergando ambas um gorro na cabeça, o que lhe pareceu estranho, tendo na altura em que foi abordada no prédio contactado a PSP, no entanto, disse que das queixas que apresentou nunca “deram em nada”.
Mencionou a declarante que tinha elementos que indicavam uma investigação do Ministério Público, tendo sido convocada para comparecer na PJ, como testemunha, deslocando-se acompanhada de Advogado, tendo sido questionada acerca das contas da ..., referindo que foi nessas circunstâncias que perguntou à Procuradora da República quem tinha sido ouvido naquele processo tendo-lhe sido comunicado que a senhora ... tinha sido já ouvida duas vezes.
Disse igualmente que questionou a … Dr.ª HH, acerca do comunicado que havia sido publicado no site da PGR que dava conta de buscas relacionadas com ex-dirigentes da ....
Salientou a arguida que quando efectua reportagens como a dos autos, efectua a confrontação entre documentos, tenta sempre ouvir ambas as partes, assegurando deste modo o contraditório, bem como tenta sempre contactar peritos, esclarecendo que no âmbito da segunda reportagem os especialistas que contactou foram-lhe indicados pela Ordem dos Contabilistas, uma vez que não os conhecia, assim como não conhecia os Advogados que entrevistou.
Questionada como obteve alguma da documentação disse que provinha das acções cíveis intentadas contra quem “falava” com a arguida.
Referiu ainda a arguida que obteve contactos de outras pessoas, para além dos aqui arguidos CC e DD, no entanto, à excepção destes, os demais deixaram de colaborara partir de dada altura, salientando ainda que tentou sempre obter a posição da ..., mas que nunca o conseguiu.
Relativamente a contactos existentes com a ... QQ, disse que foi abordada para uma colaboração, que não foi aceite porque impunha à declarante a paragem da sua reportagem/investigação, na medida em que a documentação na posse daquela era inúmera, assim como, já tinha a reportagem em fase de edição, a par de que a paragem de uma investigação apenas pode ser determinada pelo Director ou pelo Director Adjunto, in casu, II, a quem reportava, e o que não sucedeu. Mais disse que a referida ... é amiga da casa da ... EE.
Mencionou ainda que na segunda reportagem em causa nestes autos, o arguido CC não foi objecto de qualquer entrevista, e que quanto a DD esta lhe referiu que lhe havia sido movido um processo disciplinar.
A assistente EE, disse ser ... da ..., tendo relações cortadas com os arguidos CC e DD, relações essas cortadas desde 2016, referindo no que respeita à reportagem transmitida em 2019 que a mesma a incomodou “face às mentiras que ali estavam”, concretizando-as como o facto de se mencionar que havia sido ouvida duas vezes na PJ, no âmbito de um inquérito, o que não havia acontecido, estando implícito na mesma que era arguida por ter “roubado” a ..., bem como a renovação da menção aos km fictícios, e a situação relacionada com a ..., assim como disse, terem sido exibidos documentos dos quais constavam assinaturas que não eram suas, referindo que a posição tomada de responder à interpelação da ... através dos Advogados, apenas resultou do facto de já existirem processos judiciais a decorrer.
Disse a declarante que a ... acabou por ser alvo de uma sindicância, atribuindo a existência desta à reportagem emitida, uma vez que esta ocorreu um mês após a exibição daquela.
Mencionou ainda que não a surpreendeu a participação de CC e DD na reportagem de 2019, uma vez que já haviam participado na primeira transmitida em 2017, após terem sido afastados da ... por via de processos disciplinares que lhes foram instaurados, encarando por isso a participação daqueles na reportagem como uma “vingança”.
Aludiu igualmente a assistente ao facto de não ter sido efectuada a consulta de documentação por parte da .../arguida AA nas instalações da ..., a qual alegava a ausência do país por parte da declarante o que não correspondia à verdade, referindo igualmente que não existia qualquer acordo de compensação de km feitos, ao contrário do que foi referido, já que eram efectuados os pagamentos de acordo com a tabela governamental, sendo esses valores pagos declarados à AT.
Questionada a declarante acerca da calendarização das Assembleias, disse que foram agendadas aleatoriamente, e quando à localização tentava-se descentralizar o mais possível, por forma a permitir a participação de todos os enfermeiros.
Perguntada quanto aos contratos de arrendamento que foram celebrados, disse que o foram por forma a que não existissem gastos elevados em reservas de hotéis, como sucedida anteriormente, já que o anterior Bastonário tinha um quarto de hotel reservado por 365 dias, muito embora ali não permanecesse esses mesmos 365 dias, pelo que a opção dos arrendamentos foi mais vantajosa e até proposta por CC, sendo que, muito embora os contratos de arrendamentos estivessem em nome de FF e LL, eram utilizados não só por estes, mas também pelos demais enfermeiros que ocupavam funções sempre que se deslocassem a Lisboa.
Relativamente à questão da ..., disse que o enfermeiro FF exercia funções, quer no ..., quer na ..., e por isso auferia dois salários, tendo sido celebrados dois contratos de cedência com ambas as instituições, assumindo a ... o pagamento dos respectivos vencimentos, ao abrigo desses mesmos contratos de cedência.
Questionada acerca do impacto que os factos tiveram na sua vida, disse que sofreu perturbações do sono, alterou os percursos de passeio do seu cão, solicitou e tem licença de porte de arma (gás pimenta), a par do sentimento de revolta pelas inverdades ditas na reportagem, os quais ainda hoje a afectam.
As declarações da assistente, muito embora parte interessada, foram prestadas de forma esclarecedora e clara, quer acerca dos factos de que teve conhecimento, bem como da forma como obteve esse mesmo conhecimento, permitindo a resposta aos pontos 1., 3. a 6., 15., 23. a 31. dos factos provados.
O assistente FF, disse conhecer os arguidos CC e DD pelas funções que exerceram na ... e com os quais não tem qualquer relação, a arguida AA da reportagem dos autos e não conhecer o arguido BB, tendo quanto aos factos referido que relativamente aos contratos de trabalho que tinha em vigor à data da posse em 2016, respeitavam ao ..., onde prestava 35 horas semanais, e , a à ..., onde prestava 20 horas semanais, fazendo-o em acumulação de funções devidamente autorizadas, pelo que com as funções que passou a exercer na ... que o levavam a permanecer toda a semana a Lisboa, foi celebrada cedência com o ... e quanto à ... foi objecto de protocolo tripartido, que conduziu a uma licença sem vencimento, passando ambos os vencimentos a ser pagos pela ..., desde Junho de 2016, ao que se recorda.
Mais disse que por força da sua presença toda a semana em Lisboa, a par do que acontecia anteriormente, existia um protocolo entre a ... e o ..., no qual permaneceu neste último durante 15 dias, após o que houve alteração do Hotel; no entanto, por se verificar que tal situação era onerosa para a ... foram celebrados por esta contratos de arrendamento, para uso, quer do declarante, quer da enfermeira AA, salientando que inicialmente foram os seus nomes a constar dos referidos contratos por exigência dos senhorios, mas que não implicava uso exclusivo daqueles, antes eram disponibilizados a quem dos mesmos necessitasse, como aconteceu com o apartamento em que ficava em várias ocasiões, sendo que a permanência durante a semana era, quer do declarante, quer da enfermeira AA.
Disse o declarante que o questionaram várias vezes, se aquilo que era relatado nas reportagens correspondia à verdade, tendo inclusivamente sido questionado pelo seu irmão, residente na ....
Referiu igualmente o assistente que todos os Km que foram facturados, foram efectivamente realizados, uma vez que tinha e tem deslocações semanais entre Lisboa e ..., as quais representam uma média de 800 km semanais.
Foi questionado o declarante acerca das Assembleias realizadas nos seus mandatos, tendo este referido que, quando tomaram posse, as contas respeitantes a ... ainda não estavam aprovadas, sendo essas contas que não foram aprovadas pelo Tribunal de Contas, e não as demais contas respeitantes aos mandatos do declarante.
Mencionou o declarante que todas as situações eram do conhecimento dos arguidos DD e CC, considerando que a primeira era membro da direcção que havia sido eleita em 2016 e o segundo porque já exercia funções como … na ..., mesmo antes do primeiro mandato do declarante.
Considerando que existiram duas reportagens, o assistente foi questionado acerca das mesmas, acabando por referir que a intervenção, quer de CC, quer de DD, foi igual, considerando que as imagens emitidas eram iguais.
No tocante ao exercício do contraditório na segunda reportagem, disse que foram enviadas questões via correio electrónico para a ..., mas por já existir um processo crime a decorrer – quanto à primeira reportagem – a resposta foi dada pelos Advogados, não conseguindo precisar para onde foram enviados, mencionando a propósito que no tocante à primeira reportagem foi enviado para a Sr.ª ... ou para o departamento de Comunicação, sendo que para o declarante nada foi enviado.
Confrontado com o teor de fls. 149, disse ter conhecimento do mesmo.
Questionado disse que toda esta situação o marcou a si, mas também à sua família, em particular aos filhos, adolescentes à data, o que quanto ao declarante ainda hoje persiste.
As declarações do assistente, muito embora parte interessada, foram prestadas de forma esclarecedora e clara, quer acerca dos factos de que teve conhecimento, bem como da forma como obteve esse mesmo conhecimento, permitindo a resposta aos pontos 1., 3. a 6., 15., 23. a 31. dos factos provados.
A testemunha RR, disse conhecer apenas os arguidos DD e CC, bem como os assistentes, não conhecendo os demais arguidos, tendo quanto aos factos referido que fez parte do ... e exerceu funções junto da ... ao que se recorda em Janeiro de 2015, não se recordando da segunda reportagem, mas apenas ter presente a primeira, na medida em que corria um processo disciplinar contra DD.
Disse o depoente que em Novembro de 2016 foi emitida uma nota interna na qual eram retiradas funções/competências a DD, apercebendo-se do mau ambiente existente, após um almoço com a mesma e com a troca de mensagens que tiveram, assumindo inicialmente a posição de que renunciaria ao cargo que exercia de vice-presidente, tendo posteriormente em chamada telefónica dito que não renunciava e que “fizessem o que tinham a fazer, assim como, se abrissem um processo disciplinar também tinha coisas que iriam acontecer e que envolveriam outros elementos do ...”, tendo este telefonema sido recebido pelo depoente em alta voz, partilhando na altura gabinete com SS, o qual entrou quando a conversa estava a decorrer.
Questionado disse que a participação do ... chegou em 28 de Dezembro de 2016, tendo tido decisão ao que recorda em finais de 2017, da qual DD recorreu para o TAF.
As declarações da testemunha foram prestadas de forma esclarecedora e clara, quer acerca dos factos de que teve conhecimento, bem como da forma como obteve esse mesmo conhecimento, permitindo a resposta aos pontos 9., 10. a 14. dos factos provados.
A testemunha TT, disse conhecer arguidos e assistente por força das funções que exerce como tesoureiro na ... desde 1 de Fevereiro de 2016, tendo quanto aos factos referido ter tido conhecimento de ambas as reportagens, ou seja, a de 2017 e a de 2019, mencionando relativamente à situação dos km que dos mesmos não tem conhecimento, sabendo apenas que anteriormente estes eram inflacionados, não tendo conhecimento de situação idêntica nos dois mandatos em que tem estado.
Foi a testemunha confrontada com fls. 1261 a 1262, tendo confirmado o seu recebimento e o respectivo envio à Sr.ª .... Relativamente a fls. 1343 verso a 1344 disse tratarem-se de folhas de vencimento, mas em relação às quais não tem acesso, apenas aos pagamentos respectivos. Referiu que relativamente aos km, existiam pessoas que tinham uma autorização genérica, tais como, vice-presidentes e ..., todavia, estes tinham que efectuar folhas de km, referindo que, também os enfermeiros RR e UU o recebiam. Disse o depoente desconhecera razão da menção a km, nunca tendo sido confrontado por parte de CC por causa dessas rubricas. Mais esclareceu que foi abordado por DD relativamente ao pagamento de km constante do recibo da VV, o que o levou a falar com a Sr.ª ....
Ainda no tocante ao pagamento de km, disse a testemunha que quando iniciou funções implementou um procedimento que se traduzia na autorização anterior à deslocação, com indicação do local, dia e para que efeitos eia ser a deslocação. A este respeito disse que após 2018, passou a ter que ser junta a documentação que justificava a deslocação, por exemplo, a admissão ou convocatória dos intervenientes e possíveis beneficiários dos pagamentos.
Disse a testemunha ter estado presente na Assembleia 1/2016, esclarecendo quanto ao subsidio de função ter ideia de ter emitido um recibo verde por forma a justificar o valor recebido, tendo tal emissão sido solicitada por DD, e ao que se recorda, também DD e FF terão emitido recibos verdes relativamente ao subsídio de função, o qual passou a estar orçamentado para o ano de 2017.
Esclareceu a testemunha quanto aos arrendamentos que estes foram efectuados por forma a reduzir a despesa existente com hotéis, afirmando, contudo, que continuam a existir protocolos, na medida em que o depoente quando fica em Lisboa, recorre ao hotel …. Salientou a propósito dos arrendamentos que chegou a ser questionado/chamado quanto ao valor da conta da água, pois esta havia duplicada e tal devia-se ao facto de permanecerem mais pessoas nos locados.
No tocante aos vencimentos auferidos por FF, disse que tem conhecimento dos mesmos, mas que já anteriormente a 2016 eram efectuados esses pagamentos, mas que esses pagamentos tinham que ver com as funções que exerciam antes das funções a exercer na ....
Esclareceu a testemunha que quando iniciou as funções de tesoureiro ficou preocupado com a inexistência de fecho de contas do ano de ..., sendo que houve uma alteração do gabinete de contabilidade responsável, manifestando este último o problema relacionado com o envio tardio da documentação, pelo que, foi sugerido pelo … UU a necessidade de existir um contabilista em permanência na .../instalações, tendo em Outubro de 2016 entrado a … e após a sua saída por razões de saúde permaneceu a ….
Questionado quanto à intervenção dos arguidos CC e DD nas reportagens que viu, disse não se recordar da intervenção do primeiro, assim como não tem memória de DD, apesar de referir que esta falou na casa do … FF.
As declarações da testemunha, foram prestadas de forma esclarecedora e clara, quer acerca dos factos de que teve conhecimento, bem como da forma como obteve esse mesmo conhecimento, permitindo a resposta aos pontos 1., 3. a 5., 26. dos factos provados.
A testemunha WW, disse exercer funções como assessora de imprensa na ... desde Setembro de 2017, tendo quanto aos factos referido que viu a reportagem emitida em 2019, mas não no próprio dia, assim como viu posteriormente a reportagem de 2017, referindo que para si elas são semelhantes, acrescentando apenas a de 2019 a menção de a Sr.ª ... ter sido ouvida na PJ.
Mais disse que recebeu um e-mail remetido pela ..., talvez uma semana antes da reportagem, o que a levou a contactar a Sr.ª ..., tendo sido decidido que por já existir um processo anterior com a mesma ..., seriam os Advogados a responder, tendo conhecimento de que foi enviada resposta, razão pela qual ficaram surpresos com a promoção da reportagem que foi efectuada em antena cerca de 1 ou 2 dias antes da emissão, daquilo que se recorda.
A testemunha foi confrontada com fls. 661, confirmando que foi o e-mail enviado à ..., datado de 9 de Fevereiro de 2019. Foi igualmente confrontada com fls. 660 a 660 verso, tendo referido que o primeiro respeita ao encaminhamento para a Sr.ª ... do primeiro e-mail de 29 de Janeiro de 2019, e ... 2019 a data do segundo e-mail.
Relativamente às consequências da reportagem disse que se falava, nomeadamente o do fim das Ordens profissionais, salientando que a ... foi objecto de uma sindicância, resultado da greve cirúrgica que havia sido levada a cabo no Verão de 2018, na qual se colocava a questão do crowdfunding, bem como da marcha branca pela ... em Março de 2019.
As declarações da testemunha, foram prestadas de forma esclarecedora e clara, quer acerca dos factos de que teve conhecimento, bem como da forma como obteve esse mesmo conhecimento, permitindo a resposta aos pontos 1., 3. a 5. dos factos provados.
A testemunha XX, disse conhecer os arguidos CC e DD da ... e os arguidos AA e BB, embora não pessoalmente, mencionando que exerce funções na secção Sul da ..., tendo quanto aos factos referido que exerceu até 2016 funções em contexto hospitalar até 2016 quando tomou posse na ..., mencionando que viu ambas as reportagens de 2017 e 2019.
Disse a testemunha que das reportagens que visualizou abordavam questões relacionadas com km fictícios, casa “alugada” pela ... para uso exclusivo de FF, má gestão do ..., e, que a Sr.ª ... tinha sido ouvida na PJ por causa dos km fictícios.
Referiu então o depoente que à data da reportagem ainda nenhum dos visados tinha sido ouvido pela PJ; que no que à casa respeita, tratou-se de uma necessidade para a ..., tendo já sido utilizada por vários elementos, descrevendo uma ocasião em que necessitava de ali pernoitar, mas já lá se encontrava outro colega, esclarecendo que a necessidade se prendia ainda com o facto de FF passar toda a semana em Lisboa.
No que respeita aos dois vencimentos auferidos por FF, disse que sempre actuaram com base em pareceres legais e por isso na sua óptica inexiste qualquer problema. Questionado quanto a DD e CC, disse que relativamente a este último nunca foram dadas respostas aos solicitado de forma atempada, nem tão pouco se tratava de serviço estruturado, o que sofreu alterações com a tomada de posse em 2016, passando a existir harmonização de procedimentos, na medida em que inexistia qualquer organização na área contabilística e financeira. Já no que concerne a DD, referiu que esta mantinha “reiteradamente comportamentos desviantes a nível deontológico”, que, contudo, não conseguiu concretizar.
Disse a testemunha que após a reportagem, chegaram a questionar a sua mulher, também enfermeira, mencionando “cobram as quotas para nos roubar”, mas também o próprio depoente, razão pela qual entende que a ... foi visada, colocando em causa a actuação da mesma.
Mencionou o depoente que a secção Sul adquiriu viatura em 2017, pelo que as deslocações que efectua são realizadas nessa viatura, sendo que quando se desloca a Lisboa, liga a FF, e caso não exista possibilidade de ficar no apartamento, fica no hotel ….
As declarações da testemunha, foram prestadas de forma esclarecedora e clara, quer acerca dos factos de que teve conhecimento, bem como da forma como obteve esse mesmo conhecimento, permitindo a resposta aos pontos 1., 3. a 5., 19. (quanto à exibição da reportagem), 23. a 28. dos factos provados.
A testemunha YY, disse conhecer DD e não conhecer os demais arguidos, esclarecendo que não exerce, nem nunca exerceu quaisquer funções na ..., tendo quanto aos factos referido que actualmente não fala com DD, mas que eram amigas por mais de 20 anos uma vez que trabalharam juntas.
Questionada quanto à razão da ruptura relacional, disse que decorreu do seu pedido de pagamento de quota especialista, o que quando falou com DD, esta concordou, mas posteriormente, em Assembleia foi-lhe “barrada” a entrada por não ter as quotas pagas, o que não correspondia à verdade pois havia enviado os valores para o efeito por via postal.
Mais disse que na sua opinião a reportagem foi “má para os enfermeiros” porque as pessoas comentavam, mesmo fora do meio profissional.
As declarações da testemunha, foram prestadas de forma esclarecedora e clara, quer acerca dos factos de que teve conhecimento, bem como da forma como obteve esse mesmo conhecimento, permitindo a resposta aos pontos 1. e 19. (quanto à exibição da reportagem) dos factos provados.
A testemunha QQ, disse ser ... e conhecer os assistentes e todos os arguidos, estes por razões profissionais, encontrando-se nesta altura de relações cortadas com a arguida AA, tendo quanto aos factos referido que em 2017 estava na ... e por esse motivo recorda-se da reportagem sobre a ..., esclarecendo que no seu caso concreto reportava directamente ao … – BB.
Disse a testemunha que por via anónima foi-lhe entregue um saco contendo informação variada respeitante à ..., razão pela qual o comunicou a BB, o qual lhe disse que AA se encontrava a efectuar uma reportagem/trabalho acerca da ... e que por essa razão deviam de comunicar entre si, referindo que quando abordou AA esta encontrava-se no corredor da sala de edição, comunicando-lhe que tinha na posse documentação variada relativamente à ..., todavia, esta disse-lhe não ter tempo para ver tal documentação, uma vez que a reportagem já estava feita, posição que na óptica da depoente não é correcta, na medida em que poderia ter visto a documentação e não a utilizar, foi a recusa em ver que foi incorrecta e erro grave, em termos profissionais, situação que disse ter relatado ao Director de Informação – BB -, mas também “a mais de metade da ...”, sendo a partir dessa altura que cortaram relações, muito embora a AA seja familiar de uma cunhada da testemunha.
Mais referiu a testemunha que após a conversa tida com a arguida, não mais teve qualquer contacto com esta, nem tão pouco a depoente lhe transmitiu que não devia emitir a reportagem, mencionando que nem tão pouco tinha poderes para o efeito.
Relativamente à documentação que lhe havia sido entregue, disse que se tratavam de elementos relativos às acções pendentes relativas a DD, processos disciplinares, mas também documentação relativa a duplicação de vencimentos, no entanto, quando a depoente saiu da ... em 2020, essa mesma documentação encontrava-se em caixotes que não lhe foram devolvidos, razão pela qual não os pode trazer consigo nesta data.
Questionada disse que tinha respeito por AA, tal como em relação a qualquer outro colega, sendo que daquilo que sabia, até aquela data a arguida não havia feito grandes reportagens, desconhecendo se continuou a fazer alguma.
Foi igualmente colocada a questão acerca da eventual visualização de reportagens por parte da ..., tendo referido que quanto às suas não era hábito, desconhecendo se o era relativamente aos colegas, no entanto, uma vez que a arguida AA era inexperiente na área da grande investigação, a reportagem deveria ter sido visualizada, nomeadamente por II.
Disse ainda que as reportagens as viu posteriormente à emissão, sendo que as tornou a rever uma vez que já não se recordava, mencionando a propósito que uma era de 2017, fundando-se unicamente em duas fontes, com exibição de documentos que colocavam em causa a actuação da ..., e a outra de 2019.
Foi igualmente perguntada a testemunha acerca da ligação que tem à assistente EE, tendo respondido que nenhuma ligação tem com esta, sendo sim amigo do ex-marido daquela, ZZ, tendo apenas se deslocado à casa de ambos uma única vez.
As declarações da testemunha, foram prestadas de forma esclarecedora e clara, quer acerca dos factos de que teve conhecimento, bem como da forma como obteve esse mesmo conhecimento, permitindo a resposta aos pontos 1. e 19. (quanto à exibição da reportagem) dos factos provados.
A testemunha AAA, disse ser presidente do ... da ...desde Janeiro de 2020, conhecendo os arguidos DD na altura das eleições desde 2011, com quem está de relações cortadas, CC em ..., AA e BB apenas da televisão, tendo quantos aos factos referido que ter visto ambas as reportagens emitidas pela ..., das quais achou a segunda ser uma repetição da primeira.
Perguntado quanto à segunda reportagem disse que daquilo que apurou não foi garantido contraditório de forma suficiente, na medida em que não viu ninguém do ... a fazê-lo, desconhecendo se o mesmo foi dado, opinando apenas enquanto telespectador quanto a esta parte, recordando-se vagamente de ter sido feita referência a resposta por parte de Advogados. No que respeita aos documentos exibidos na reportagem de 2019, disse que se tratavam de papéis avulsos com o símbolo da ..., e nos quais eram destacados valores e nomes, no entanto, na sua óptica desconhece se os mesmos são ou não verídicos.
Ainda no que respeita à segunda reportagem disse que a intervenção quer de DD, quer de CC foi “repescada” da reportagem de 2017, tendo a primeira na reportagem de 2019 feito referência à pena injusta que lhe havia sido aplicada no processo disciplinar.
Mencionou a testemunha ter ouvido uma chamada telefónica entre DD e BBB, em Dezembro de 2016, chamada que se encontrava em alta voz, e da qual retirou a tentativa de CCC promover a reconciliação no seio do ..., ao que DD referia que se lhe movessem processos disciplinares teriam de abrir muitos mais, uma vez que “tinha coisas acerca da ...”, e que haveria uma desforra caso isso acontecesse, situação que confirmou com a exibição da primeira reportagem. Referiu o depoente que na sua óptica existiram más práticas da parte de DD, sendo essa a razão dos processos disciplinares de que foi alvo, e em relação aos quais o depoente se declarou impedido, tendo, no entanto, conhecimento do resultado dos mesmos.
Questionado disse que a primeira participação recebida no ... deu entrada em Fevereiro ou Março de 2107, na sequência da exibição da primeira reportagem, uma vez que de acordo com a mesma, a sua participação naquela era violadora do estatuto, mencionando que este primeiro processo se encontra suspenso face à queixa remetida ao Ministério Público, sendo que a segunda reportagem para si “é mais do mesmo”.
Relativamente à reportagem emitida em 2019, disse ter sido questionado por familiares acerca de quem era arguido e quem não era, tendo-lhe sido perguntado até se o depoente também estava envolvido.
As declarações da testemunha, foram prestadas de forma esclarecedora e clara, quer acerca dos factos de que teve conhecimento, bem como da forma como obteve esse mesmo conhecimento, permitindo a resposta aos pontos 1., 15. e 19. dos factos provados.
A testemunha DDD, disse ser presidente do ... Regional da Secção do Centro da ... desde 1 de ..., razão pela qual conhece DD e CC, mas com os quais não tem qualquer relação, AA apenas das funções que o depoente exerce na ... e BB apenas de nome, tendo quanto aos factos referido recordar-se vagamente da reportagem de 2019, a qual na actuação dos órgãos sociais que teria repercussões criminais, tais como actas de assembleias, km fictícios, aprovação de contas e a Sr.ª ... ter sido ouvida na PJ, sendo estes dois últimos temas inovadores quanto à reportagem de 2017.
No tocante às contas disse que não lhe foi possível apresentar as contas relativas na assembleia que classificou como “terrível pelo clima que se vivia na mesma”, tendo sido logo requerida a sua aprovação que não aconteceu, tendo sido apenas possível aprovar tais contas numa Assembleia que teve lugar na ..., situação que foi referida na reportagem de 2017, no entanto, esclareceu que quando tomaram posse em Fevereiro de 2016, o departamento de contabilidade não se encontrava estruturado, tendo o ROC se negado a assinar as contas de ..., sendo que relativamente à reestruturação desse departamento a mesma veio a ocorrer logo a partir de 2016, esclarecendo que CC esteve em funções como director administrativo/financeiro até finais de 2016, cargo que ocupava desde o mandato anterior.
Foi a testemunha questionada se havia sido visada em alguma parte da reportagem, disse que o foi quanto à reportagem de 2017, tendo por essa razão sido contactado por um amigo para a necessidade de se reunir com um Advogado em Lisboa, do que se recorda EEE, tendo-lhe sido prometido alterarem toda a reportagem, uma vez que “importava a dimensão dos efeitos da reportagem” esclarecendo que nessa ocasião foi-lhe ainda proposto ser candidato a … caso concordasse, mencionando que estavam igualmente presentes DD e CC, desconhecendo o depoente quem o causídico representava.
Mais relatou o depoente que foi contactado por AA, tendo-lhe respondido que colaborava para a descoberta da verdade, tendo a chamada sido desligada e não mais foi contactado.
Referiu ainda no que respeita ao apartamento de FF que os custos de hotel eram superiores, pelo que foi sugerido por CC o arrendamento, já tendo o depoente ali ficado, assim como o presidente da Secção Sul e outros elementos da ..., apesar de ser FF que o ocupa em permanência.
Relativamente às consequências/repercussões da reportagem enquanto enfermeiro disse que não pode afastar a primeira reportagem de 2017, pois a de 2019 cimentou os efeitos da outra, tendo tido por causa destas dificuldades no relacionamento com as administrações hospitalares e mesmo com outro enfermeiros, para além da vertente familiar, mencionando que se sentiu igualmente afectado, até pelas funções de contabilidade que exercia, salientando a propósito que tem processos pendentes contra AA e BB.
As declarações da testemunha, foram prestadas de forma esclarecedora e clara, quer acerca dos factos de que teve conhecimento, bem como da forma como obteve esse mesmo conhecimento, permitindo a resposta aos pontos 1., 15., 19., 23. a 27. dos factos provados.
A testemunha FFF, disse conhecer arguidos e assistentes por razões profissionais uma vez que trabalhou na ... até Janeiro de 2021, tendo quanto aos factos referido ter conhecimento das duas reportagens emitidas pela ..., sendo que numa das quais surgiu o seu nome, por causa de e-mail que enviou e em relação ao qual ninguém lhe solicitou autorização para exibir, no entanto, exercia as funções de administrativa.
Ainda no tocante às funções exercidas, disse que desde 2007 era técnica de contabilidade, passando a partir de Maio ou Junho de 2015 a ser responsável pela conferência e controle de custos, sendo que o e-mail enviado o foi por sugestão de CC e porque este não lhe dava respostas.
Disse que das suas funções constava a organização do serviço que iniciou em Maio ou Junho de 2015, referindo que existiam regras para se efectuar os pagamentos quinzenalmente, e confrontada com fls. 1261, disse que quando fala em compensação esta respeita aos km, sendo que a referência a acordo respeitava ao pagamento, nomeadamente, por quem era efectuado esse pagamento de imediato.
Perguntada acerca do pagamento quinzenal, disse respeitar a despesas, nomeadamente de km efectuados.
No que respeita aos pagamentos disse que existia uma excepção ao pagamento quinzenal e tal aplicava-se à Sr.ª ..., aos elementos da direcção, tesoureiro, entre outros.
A testemunha esclareceu que entre Novembro de 2018 e Julho de 2019 se encontrou de baixa médica, tendo quando regressado passado a efectuar controle de folhas de fornecedores, não tendo ao que se recorda ter feito qualquer controle de folhas de despesas. Mais disse que as questões com os arrendamentos não passavam por si, ao contrário das situações com os hotéis, apesar de saber que os arrendamentos foram menos onerosos para a ... do que os hotéis.
Questionada disse ter pendentes processos contra os arguidos.
As declarações da testemunha, foram prestadas de forma esclarecedora e clara, quer acerca dos factos de que teve conhecimento, bem como da forma como obteve esse mesmo conhecimento, permitindo a resposta aos pontos 1., 26. e 27. (estes apenas quanto à existência de arrendamento) dos factos provados.
A testemunha GGG, disse ter sido Bastonário da ... entre 2012 e 30 de Janeiro de 2016, e conhecer DD e CC por razões profissionais, mais concretamente nas listas para as eleições da ... e a assistente conhece mas não tem com a mesma qualquer contacto, tendo quanto aos factos referido ter uma vaga ideia das reportagens emitidas, sendo que quanto à de 2019 que a mesma foi feita por uma ... da ..., sendo que quanto à primeira se recorda de ter sido contactado/entrevistado, não podendo confirmar o mesmo quanto à segunda.
Foi a testemunha questionada acerca dos reembolsos de despesas que eram efectuados pela ... aos seus funcionários, tendo dito que no seu mandato as despesas eram autorizadas em reunião de ..., sendo que cada secção regional também tinha autorização para efectuar o pagamento de contas, tanto mais que os presidentes das secções regionais tinham igualmente assento no .... Referiu a propósito que os órgãos dirigentes dispunham de autorização pata todo o mandato, tendo, no entanto, de ter autorização para se deslocarem em viatura própria, para que pudessem serem posteriormente pagas as respectivas despesas.
Ainda no tocante às deslocações, referiu que quando do seu mandato não tinha quaisquer despesas de transporte porquanto lhe estava atribuída viatura adquirida em renting assim como dispunha de plafond de despesas de € 5.000,00 mensais para os quais eram necessária autorização do tesoureiro, bem como de mais € 1.000,00 mensais, enquanto Bastonário, para os quais não necessitava de qualquer autorização, considerando, para além do mais que constavam de cartão que lhe havia sido atribuído.
Referiu ainda que os órgãos executivos tinham um acréscimo de vencimento, cujo valor era igual todos os meses, nomeadamente, € 800,00 para o Bastonário, € 400,00 para os vice-presidentes, cerca de € 400,00 para os presidentes das secções regionais, não se recordando do valor pago aos vogais do ..., considerando que a estes nada seria pago.
Relatou durante o seu depoimento que conhece ainda a arguida AA, porque por ela foi contactado no âmbito da primeira reportagem, tendo-lhe esta solicitado que esclarecesse como se passaram as coisas no seu mandato, atenta a documentação que possuía, por forma a ser efectuada uma comparação, tendo memória de que a arguida levou consigo alguns documentos, tendo-lhe dado, ao que se recorda mais ou menos os mesmos esclarecimentos que havia acabado de dar.
Questionado disse ter tido noção de que o impacto foi maior com a primeira reportagem em 2017, mencionando que a segunda “foi mais do mesmo”, não conseguindo estabelecer diferenças entre ambas.
Relativamente a CC disse que este exercia funções na área financeira mesmo antes do mandato do depoente, tendo permanecido nas mesmas funções.
As declarações da testemunha, foram prestadas de forma esclarecedora e clara, quer acerca dos factos de que teve conhecimento, bem como da forma como obteve esse mesmo conhecimento, permitindo a resposta aos pontos 1., 3. e 6. dos factos provados.
A testemunha HHH, disse conhecer DD e CC das funções que exerceu na ... entre 2004 e 2007 e posteriormente entre 2012 e ..., conhecendo também os assistentes, tendo quanto aos factos referido que CC já exercia funções na altura em que a testemunha se encontrava em funções na ... e que foi a depoente quem entregou as pastas a DD quando cessou o mandato após as eleições de ....
Disse a depoente que nos mandatos em que esteve em funções na ..., disse que no Conselho de ... não havia lugar a pagamento de ajudas de custo, sendo que quando existiam deslocações o pagamento era efectuado após ser confirmada actividade sendo no montante de € 0,36/km, tal como consta da portaria, sendo que a depoente tinha despesas de km e de refeições, que demoravam cerca de 2 meses a ser pagas. Referiu que entre 2012 e ... o procedimento era o mesmo, sendo que as folhas de reembolso passavam pela depoente, sendo necessárias as assinaturas de 3 pessoas, isto é, daquele que apresentava as despesas, da coordenação/presidente do órgão a quem competia validara despesa e efectuada a verificação pela tesouraria, sendo depois assinada a autorização de pagamento, esclarecendo que houve situações em que as folhas eram devolvidas à tesouraria para esclarecimentos. Salientou que a sua intervenção era apenas na assinatura das folhas de reembolsos, para além do Bastonário, tesoureiro e mais um vice-presidente, acrescentando que a sua responsabilidade era apenas do ponto de vista operacional.
Relativamente a ajudas de custo e despesas de representação, disse que o Bastonário recebia cerca de € 700,00, os vice-presidentes cerca de € 300,00, e 1/3 deste valor para tesoureiro e outros com funções equivalentes, sendo todos os valores pagos através de transferência bancária.
Questionada disse não conseguir distinguir a primeira da segunda reportagem, referindo que foram exibidos documentos e DD e CC faziam acusações.
As declarações da testemunha, foram prestadas de forma esclarecedora e clara, quer acerca dos factos de que teve conhecimento, bem como da forma como obteve esse mesmo conhecimento, permitindo a resposta aos pontos 1., 3. e 5. (quanto à arguida DD) dos factos provados.
A testemunha III, disse exercer funções na ... e por isso conhece DD e CC assim como os assistentes, não conhecendo AA e BB, tendo quanto aos factos referido recordar-se da primeira reportagem.
Disse a depoente que a ... não tinha viaturas próprias e que a Sr.ª ... utilizava a sua própria viatura, não conseguindo precisar se em alguma ocasião a Sr.ª ... lhe forneceu o número de km efectuados, atendendo a que a depoente apenas esporadicamente efectuava tal trabalho, esclarecendo que essas folhas eram assinadas pelo requerente e depois conformadas e autorizadas.
A testemunha foi confrontada com fls. 1208, referindo não conseguir dizer se foi preenchida por si.
As declarações da testemunha, foram prestadas de forma esclarecedora e clara, quer acerca dos factos de que teve conhecimento, bem como da forma como obteve esse mesmo conhecimento, permitindo a resposta aos pontos 1. e 4. dos factos provados.
A testemunha JJJ, disse conhecer DD, CC, AA e os assistentes, mas não conhecer BB, tendo referido que fez parte da comissão instaladora da ... em 1998, e sido vice-presidente do ... no primeiro e segundo mandatos, sendo eleita ... em 2003 permanecendo por três outros mandatos até 2011, tendo quanto aos factos referido que foi contactada por AA, para a reportagem de 2017, uma vez que esta se encontrava a efectuar um trabalho jornalístico sobre a ..., mas já trazia a sua opinião formada quando contactou com a depoente. Disse a propósito que AA lhe exibiu documentos, tais como, recibos de vencimento com dois ordenados relativos ao vice-presidente, situação que a depoente estranhou.
Referiu a testemunha que a entrevista que lhe foi efectuada decorreu em Lisboa, em local escolhido por si.
As declarações da testemunha, foram prestadas de forma esclarecedora e clara, quer acerca dos factos de que teve conhecimento, bem como da forma como obteve esse mesmo conhecimento, permitindo a resposta aos pontos 1. e 15. dos factos provados.
A testemunha KKK, disse ser ... da ... dos Contabilistas Certificados, conhecendo apenas AA que a contactou, dizendo não conhecer DD e CC, quanto a BB apenas conhece da comunicação social, conhecendo os assistentes, tendo quanto aos factos referido que foi contactada para uma entrevista na qual lhe foram feitas questões relativamente à ... não tendo respondido às mesmas, porquanto não se podia pronunciar apenas com os documentos que a arguida AA trazia consigo, sugerindo que fosse efectuada uma auditoria, não tendo, contudo, indicado ninguém para o efeito.
As declarações da testemunha, foram prestadas de forma esclarecedora e clara, quer acerca dos factos de que teve conhecimento, bem como da forma como obteve esse mesmo conhecimento, permitindo a resposta ao ponto 1. (apenas quanto à autoria da reportagem pelo contacto que teve) dos factos provados.
A testemunha LLL, disse ser ROC e conhecer apenas a AA porque esta o contactou, não conhecendo os demais arguidos e os assistentes não pessoalmente, tendo quanto aos factos referido que o contacto efectuado por parte de AA ocorreu por recomendação de outros colegas com fundamento na experiência do depoente em colaborar com outras reportagens jornalísticas, afirmando que foi AA quem se deslocou ao ..., tendo nessa ocasião lhe exibido documentação solicitando a sua opinião profissional acerca da mesma.
Referiu o depoente que a pretensão de AA, atento o que lhe transmitiu, era obter apoio técnico para interpretar os documentos de que dispunha, nomeadamente, acerca de prestação de contas, demonstração de resultados, mas também folhas de vencimento.
Disse a testemunha desconhecer a existência de uma primeira reportagem, uma vez que a abordagem que lhe foi feita foi para a reportagem de 2019.
Relativamente aos documentos que lhe foram exibidos disse que se encontravam bem organizados, sendo alguns públicos afigurando-se serem idóneos, salientando, no entanto, que confiou que os mesmos correspondessem à verdade. Disse ainda que lhe foi efectuado um contexto mínimo quanto a um recibo de vencimento de um membro de um órgão social da ..., sem que tenha sido dado qualquer enquadramento.
Mencionou ainda que o documento sobre o qual se debruçou foi a prestação de contas, mas que a reportagem reflectia aquilo que havia dito na entrevista.
As declarações da testemunha, foram prestadas de forma esclarecedora e clara, quer acerca dos factos de que teve conhecimento, bem como da forma como obteve esse mesmo conhecimento, permitindo a resposta ao ponto 1. (apenas quanto à autoria da reportagem pelo contacto que teve) dos factos provados.
A testemunha MMM, disse conhecer DD e AA apenas por razões profissionais, a primeira por causa de um processo crime e a segunda por contactos que efectuou acerca de questões relacionadas com a reportagem, tendo quanto aos factos referido que o contacto de AA ocorreu eventualmente em 2018, não tendo qualquer conhecimento anterior da mesma, tendo esta lhe solicitado opinião acerca de uma situação de direito público, mais concretamente quanto a algumas actas de Assembleias e quanto à competência para a prática de um acto.
Disse o depoente que quando AA o procurou já trazia alguns conhecimentos considerando as questões que colocava, no entanto, não pode precisar se já tinha uma ideia ou opinião pré-determinada.
Relativamente às actas AA transmitiu-lhe que provinham de fonte fidedigna, razão pela qual o depoente nada mais questionou.
As declarações da testemunha, foram prestadas de forma esclarecedora e clara, quer acerca dos factos de que teve conhecimento, bem como da forma como obteve esse mesmo conhecimento, permitindo a resposta ao ponto 1. (apenas quanto à autoria da reportagem pelo contacto que teve) dos factos provados.
A testemunha NNN, disse não conhecer os arguidos e conhecer os assistentes por força das funções que exerce enquanto Inspector Geral da ....
Foi a testemunha confrontada com fls. 1155 a 1192 verso, cujo teor confirmou, referindo desconhecer para quem foi enviado, eventualmente para o ..., desconhecendo se o foi para o Ministério Público.
Quanto à sindicância disse que foi ordenada pela … e efectuada pela Sr.ª …, uma vez que à data o depoente era subdirector, tendo conhecimento daquilo que está escrito no relatório.
As declarações da testemunha, foram prestadas de forma esclarecedora e clara, quer acerca dos factos de que teve conhecimento, bem como da forma como obteve esse mesmo conhecimento.
Para além das declarações dos arguidos, da prova testemunhal produzida em sede de audiência, o Tribunal teve ainda em consideração os documentos juntos aos autos, nomeadamente, a fls. 53 (reportagem emitida em 9 de Fevereiro de 2019, e promoção em antena no dia 8 de Fevereiro de 2019); fls. 123 a 134 (transcrição da reportagem emitida em 9 de Fevereiro de 2019); fls. 139 a 141 (transcrição da promoção em antena em 8 de Fevereiro de 2019); fls. 54 (acta 9/2016); fls. 56 (comunicação processo disciplinar ao arguido CC); fls. 58 (acta 14/2017 que aprovou proposta de decisão relativa ao processo disciplinar do arguido CC); fls. 78 (acta 10/2016); fls. 80 e 83 (notas internas); fls. 86 e 87 (notificação relativa à instauração de processo disciplinar e decisão perda de cargo elaborada pelo ... relativos à arguida DD); fls. 90 a 110 (decisão processo disciplinar relativa à arguida DD); fls. 143 (nota informativa ... online); fls. 149 e 151 (resposta do escritório de Advogados ao email remetido à ... em 29 de Janeiro de 2019); fls. 153 (comunicação dos Advogados da ... à ... na sequência de peça jornalística emitida em 6 de Fevereiro de 2019); fls. 155 a 247 (queixa crime relativa ao processo n.º 5819/17.0 T9LSB); fls. 249 (declaração relativa ao assistente FF); fls. 251 a 252 (CIT relativo ao assistente FF com a ...); fls. 254 a 257 (protocolo celebrado com a ... e a ... relativo ao assistente FF); fls. 219 e 261 a 263 (recibo vencimento e protocolo de cedência entre a ... e o ... relativos ao assistente FF); fls. 265 a 267 (Acta em minuta da AG Extraordinária de 3 de Janeiro de 2018); fls. 273 a 274 (Acta em minuta de AG Ordinária de 24 de Março de 2018); fls. 356 a 395 (relatório 16/2019 do Tribunal de Contas relativo ao exercício de ... da ...); fls. 660 a 660 verso (e-mail remetido pela arguida AA à ... em 29 de Janeiro e 6 de Fevereiro de 2019); fls. 661 a 661 verso (resposta por e-mail da ... enviado à ... em ...2019 e respectiva resposta do arguido BB na mesma data); fls. 691 a 725 (decisão da acção administrativa intentada no TAF de Sintra pela arguida DD); fls. 741 a 850 (processo do Juízo Central de Trabalho e respectivos recursos relativos ao arguido CC); fls. 1098 verso (cópia do mandado de busca no âmbito do processo n.º 1789/17.3 T9LSB); fls. 1099 a 1102 verso (despacho relativos a buscas não domiciliárias no âmbito do processo n.º 1789/17.3 T9LSB); fls. 1103 a 1104 (contrato de arrendamento); fls. 1108 a 1117 (documentos de tesouraria relativos a pagamentos); fls. 1117 verso a 1122, 1340 a 1346 verso (recibos de vencimento de funcionários da ...); fls. 1155 a 1192 verso (relatório de sindicância levada a cabo pela ... à ...); fls. 1208 (folha de declaração de despesas); fls. 1209 a 1211 (regulamento de recrutamento, selecção e condições para o exercício de funções); fls. 1251 a 1253 verso (despacho que determina a realização da sindicância); fls. 1256 a 1262 (documentação variada relativa a despesas e km); fls. 1281 a 1283 verso (acta 1/2016 – 2 de Fevereiro de 2016); fls. 1284 a 1305 (acta 2 – 25 de Março de 2017); fls. 1306 a 1313 verso (plano de actividades para 2017 e orçamento); fls. 1314 a 1314 verso (acta 13/2017 – reunião ordinária do ...); fls. 1315 a 1316 e 1334 a 1335 (e-mail trocado entre escritório de advogados e ... – 29 de Janeiro de 2019 _ - questões relativas ao contraditório); fls. 1336 a 1339 verso (documentação trocada quanto a questões relacionadas com arrendamento); fls. 437 e 1421 a 1424 (certidão do DIAP do processo n.º 1789/17.3 T9LSB); fls. 1363 (e-mail relativo a processamento salarial); fls. 1363 verso a 1366 (contrato de arrendamento e respectivo aditamento); fls. 1366 verso a 1373 verso (relatório de reestruturação de recursos humanos e respectiva aprovação pelo conselho directivo); fls. 1377 a 1379 (acta 13/2017 de 25 de Março de 2017), tendo todos estes elementos probatórios permitido a resposta aos pontos 1. a 31. dos factos provados.
Assim do cotejo da prova produzida com os documentos juntos aos autos sedimentou-se a convicção do Tribunal, deixando-se já a nota de que ao longo da produção de prova foram colocadas questões que se mostram afectadas pelo princípio ne bis in idem, conforme referido quando da questão prévia apreciada.
Da análise de toda a prova dos autos resulta à saciedade que no dia 9 de Fevereiro de 2019, foi exibida no “...” da ... uma reportagem, da autoria da arguida AA, intitulada “Des...”, reportagem esta na qual foram emitidos segmentos da reportagem emitida em ...2017, sendo estes segmentos devidamente identificados no canto inferior direito.
Da queixa apresentada pelos assistentes e da pronúncia resulta imputarem aos arguidos a prática de um crime de ofensa a pessoa colectiva, ou seja, ofensa à ..., e de dois crimes de difamação agravada, nas pessoas de EE – ... da ..., e de FF – Vice-Presidente da ....
Importa assim analisar os ilícitos imputados de forma autónoma.
Relativamente à prática do crime de ofensa a pessoa colectiva – ... -, analisada a reportagem emitida a 9 de Fevereiro de 2019, não resulta efectuada qualquer imputação à ... por forma a colocar em causa a sua credibilidade e bom nome.
Com efeito, a reportagem em causa emite juízos de valor relativos aos titulares de cargos na ..., a saber, a Sr.ª ... EE e o Vice-Presidente FF, deste modo, não sendo efectuados juízos de valor relativamente à instituição em si, mas antes aos titulares, concretos, de cargos na mesma, não se alcança de que modo esses mesmos juízos de valor possam afectar a credibilidade da ....
Na verdade, para que fosse visada a instituição teriam que ser reportadas situações e factos que só por si, fossem bastantes para afectar a credibilidade da instituição – ...-, ao invés, a reportagem pretende trazer a público a forma como essa instituição – a ... – estava a ser gerida.
A este propósito não podemos confundira instituição com quem cargos nesta exerce, na medida em que, são figuras distintas, sendo que, da prova produzida necessariamente se conclui que, mesmo os comentários que foram efectuados por familiares e conhecidos dos enfermeiros que exercem funções na ..., o foram relativamente às pessoas visadas e não à própria ....
Para além do mais, mostra-se necessário que sejam ainda propalados factos inverídicos, considerando que os mesmos fazem parte do elemento objectivo do tipo de ilícito, a par de que esses mesmos factos inverídicos sejam aptos a ofender a credibilidade, o prestígio e a confiança do organismo, serviço ou pessoa coletiva como tais. Destarte, considerando uma vez mais que a reportagem incidia sobre titulares determinados dos órgãos da ..., tendo nessa mesma reportagem, sido emitidos juízos de valor, os quais se mostravam sedimentados em alguns documentos que haviam sido entregues à arguida AA, necessariamente se conclui que o ilícito imputado não se mostra verificado, desde logo, por não se mostrar verificado o elemento objectivo, não podem os arguidos pelo mesmo ser condenados.
Relativamente ao crime de difamação agravado imputado aos arguidos e dirigido a cada um dos assistentes, isto é, EE e FF, há que analisar a conduta de cada um dos arguidos.
Assim, relativamente à arguida DD há, desde logo, que referir que esta surge na reportagem emitida a 9 de Fevereiro de 2019, quer através de entrevista para aquela emissão, na qual aborda o processo disciplinar de que foi alvo, bem como da sanção disciplinar que lhe foi imposta, quer através da reprodução da entrevista emitida a ... 2017.
Assim, na reportagem de 2019, são passadas imagens da arguida relativos à reportagem de 2017, passagens estas que se mostravam devidamente identificadas, sendo que para além destas, e das novas menções ao processo disciplinar e à sanção aplicada, nada mais é referido pela arguida.
Deste modo, analisado o conteúdo da intervenção da arguida, necessariamente se conclui que durante a mesma esta não efectua qualquer juízo de valor que permita ofender a honra e consideração dos assistentes. Com efeito, conforme supra-referido a arguida na reportagem em causa nos autos, para além de aludir ao processo disciplinar de que foi alvo, nada mais refere, sendo que, tudo o mais ali mencionado mais não é do que a reprodução do que já havia sido levado à antena dois anos antes.
A este respeito, e ainda que não se entendesse que essa situação já se mostra apreciada, e, portanto, afastada de nova apreciação, sempre se dirá que, as referências efectuadas pela arguida se limitam a uma reprodução de algo já emitido e como tal não se mostram contemporâneas da entrevista/reportagem de 2019, inexistindo assim quaisquer factos novos.
Com efeito, não se pode pretender que a repetição da reprodução de uma entrevista já emitida dois anos antes possa constituir facto juridicamente relevantes, por existir renovação da conduta ilícita, pois conforme supra se mencionou, tal conduziria a uma possibilidade ínfima de acusações, pronúncias e julgamentos, com a sujeição a juízo dos mesmos arguidos pelos mesmos factos, quiçá ad eterno.
Deste modo, atenta a posição da arguida DD nos presentes autos, não pode esta ser responsabilizada, porquanto não se verificam quaisquer factos integradores do elemento do tipo de ilícito que lhe era imputado.
No que respeita à intervenção do arguido CC na reportagem de 2019, resulta claro que este nada diz, limitando-se a surgir na mesma sala ao lado da arguida DD enquanto esta fala do seu processo disciplinar.
Ora, quer face à inexistência de qualquer intervenção por parte do arguido, quer atenta a matéria que estava a ser abordada pela arguida DD, considerando as regras da lógica e da experiência comum não pode pela mesma o arguido ser responsabilizado.
Na verdade, não tendo a arguida DD tecido quaisquer considerações relativamente aos assistentes, mas tão só feito referência ao processo disciplinar que lhe foi movido e à sanção aplicada, o que, conforme acima referido, afasta o preenchimento do elemento do tipo de ilícito que lhe era imputado, muito menos este se verifica em relação ao arguido CC, nem tão pouco conforme a título de cumplicidade, porquanto nenhum ilícito foi cometido.
Acresce que, da prova produzida e das inúmeras testemunhas ouvidas, inexistiu qualquer elemento de prova que nos permita concluir de forma diversa, na medida em que, as testemunhas limitaram-se a explanar a participação que tiveram na entrevista/reportagem de 2017, nada mais se apurando quanto ao arguido, concretamente na entrevista/reportagem de 2019, e sendo assim, não pode o arguido ser responsabilizado.
No tocante ao arguido BB, igualmente nenhuma prova foi alcançada, à excepção de que este à data da entrevista/reportagem ser Director de Informação da ..., mas importa agora apurar se por força dessa função existe alguma responsabilidade que possa a este ser imputada.
Com efeito, resultou claro que o arguido BB teve conhecimento da reportagem que foi para o ar em ...2017, mas que relativamente à reportagem em causa nos autos, isto é, datada de ...2019 não acompanhou o percurso da mesma, estando à data tal função atribuída ao vice-director II.
Para além do mais, decorre apenas dos elementos dos autos que o arguido teve intervenção, quando de um e-mail relativamente ao contraditório, e quanto a este diga-se, que o mesmo foi efectuado, considerando que a arguida AA, procedeu ao envio de um e-mail para a ..., conforme resulta de fls. 149 a 151, 660 a 660 verso, 661 a 661 verso, 1315 a 1316 e 1334 a 1335, tendo sido por opção que a resposta foi remetida pelos advogados da ..., EE e FF.
A este propósito, importa não olvidar que as questões colocadas o foram relativamente aos temas suscitados na entrevista, ainda que se possa dizer de uma forma um pouco generalista, mas sem que não se percebesse as questões que estavam em causa na reportagem.
Acresce ainda que resultou da prova produzida não ter o arguido BB visualizado a reportagem previamente à sua exibição, mas tal ser-lhe-ia exigível? Parece-nos que não, considerando para além do mais, que a arguida AA naquela altura reportava hierarquicamente a II e não ao arguido BB.
Ora, considerando o supra exposto, resulta das regras da lógica e da experiência comuns que apesar de o arguido exercer funções de Director de Informação, não é, de todo, o único responsável a quem a totalidade dos ...s reportam, sendo antes uma função que se exerce com poderes a delegar, tal como sucede com os vice-directores, e nos presentes autos tal encontrava-se delegado à data em II, pelo que, necessariamente não pode o arguido ser responsabilizado por omissão.
Finalmente, importa agora avaliar a conduta da arguida AA, a qual foi responsável quer pela reportagem emitida em ... 2017, como a reportagem emitida em 9 de Fevereiro de 2019.
Da prova produzida e conforme vem sendo referido, no âmbito da reportagem emitida em 9 de Fevereiro de 2019, apuraram-se duas questões inovadoras relativamente à reportagem de 2107, a saber, a aprovação das contas da ... em assembleia que estaria eivada de irregularidade, e a inquirição da Sr.ª ... na Polícia Judiciária.
Em primeiro lugar importa considerar a importância do dever de informar subjacente a qualquer peça jornalística, dever este protegido, quer pelo Direito Nacional, quer pelo Direito Europeu, legitimando-se dessa forma a liberdade de expressão e a liberdade de informação, no entanto, não podemos olvidar que essa mesma liberdade de informação não pode de forma alguma ultrapassar esse mesmo limite, nomeadamente em sede de ... de investigação, sob pena de deixar de ser informação para passar a ser uma “perseguição” aos visados nessas reportagens
Vejamos então.
Em primeiro lugar, importa avaliar se foi respeitado ou não o contraditório aos visados na reportagem. A este propósito, não podemos deixar de ter em atenção os documentos juntos aos autos, nomeadamente, conforme o teor de fls. 149 a 151, 660 a 660 verso, 661 a 661 verso, 1315 a 1316 e 1334 a 1335, dos quais decorre ter sido dado cumprimento ao contraditório, tendo sido opção dos assistentes responder ao referido e-mail através dos Advogados, o que revela uma opção por parte dos assistentes e não de que não tenha sido dado o contraditório, aliás diga-se, a referência ao contraditório e à posição dos assistentes é feita menção na mencionada reportagem de 9 de Fevereiro de 2019.
Volvida a questão relativa ao contraditório, importa agora avaliar se se mostram verificados factos que integrem a prática do ilícito imputado de difamação agravada, relativamente aos assistentes FF e EE.
No que concerne ao assistente FF, resulta manifesto que da reportagem emitida se exerceu o direito à informação, sedimentando-se na documentação que a arguida tinha na sua posse, não sendo efectuado qualquer juízo de desvalor que colocasse em causa a honra, bom nome e consideração do assistente, na medida em que, é verdadeiro que o assistente aufere dois vencimentos, decorrentes estes das funções que anteriormente exercia em duas instituições, bem como que reside num apartamento arrendado para o efeito pela ..., mas, tais matérias já se mostravam relatadas na primeira reportagem de 2017, não estando neste momento sob apreciação; todavia, sempre se dirá que tais relatos ainda que possam ter melindrado o assistente, por terem sido relatados em televisão, certo é que os mesmos não revestem qualquer carácter pejorativo, para além de que se trata da primazia do direito à informação sobre o direito à honra.
Destarte resulta claro, da prova produzida, que nenhuma prova se alcançou que permita responsabilizar a arguida AA pelo ilícito respeitante ao assistente FF.
No que concerne à assistente EE a situação é, face à prova produzida, diversa, nomeadamente, pela alegação junto da entrada das instalações da Polícia Judiciária de que a assistente havia já sido ouvida por duas vezes naquela instituição. Aqui chegados, e muito embora não tenha sido referido em que qualidade aquela havia sido ouvida, certo é que se faz referência a irregularidades na gestão da ..., bem como a buscas que terão sido levadas a cabo em ... de ... de 2017, aludindo-se ainda a este respeito a um comunicado da PGD de Lisboa.
Nas suas declarações referiu a arguida AA que a informação da inquirição da assistente EE lhe havia sido transmitida pela Procuradora da República responsável pelo inquérito da 9.ª secção do DIAP, em off, quando da inquirição da arguida como testemunha nesse inquérito. Ora, tal afirmação constitui um facto inverídico, inexistente, porquanto resulta da informação de fls. 437 datada de 14 de Maio de 2020 que a assistente EE, à data da emissão da reportagem ainda não tinha sido ouvida em sede de inquérito, na verdade a própria assistente foi peremptória em afirmar que o foi mas já no ano de 2022, salientando-se ainda que de acordo com a certidão de fls. 1422 a 1424, tendo a arguida AA sido ouvida em 21 de Novembro de 2018, o que necessariamente que naquela data a assistente EE ainda não tinha sido ouvida a qualquer título.
Por outro lado, a referência que foi efectuada pela a arguida ao comunicado da PGD de Lisboa também não o foi de acordo com o mesmo, porquanto, consultado tal comunicado datado de ... de ... de 2017, o mesmo refere-se a mandatos relativos a uma ... profissional, não fazendo referência em nenhum local à ..., em concreto, assim como apontava a diversos ex-dirigentes e não a quem naquela data dirigia a ..., in casu, a assistente EE, o que ao ser omitido e consequentemente alterado, o foi deliberadamente de modo a “apontar” de forma velada a uma única visada, pelo que, deste modo, verifica-se um facto inverídico.
Por sua vez, a referência que foi feita por parte da assistente de que viu os mandados de busca emitidos e que questionou a Procuradora da República a esse respeito, não se afigura minimamente verosímil, porquanto, tratando-se de processo em segredo de justiça, sendo a arguida AA e ouvida naqueles autos na qualidade de testemunha, não reveste qualquer credibilidade a sua afirmação, salientando-se a este propósito as afirmações tecidas pela sua defesa, que mais pretendia assumir-se como testemunha dos presentes autos.
Tudo conjugado, ainda que se possa referir que o mero facto de alguém ser ouvido na Polícia Judiciária não permite concluir que o foi na qualidade de arguido, podendo sê-lo enquanto testemunha ou até perito, no entanto, fazer-se notícia de que a assistente EE havia sido ouvida por duas ocasiões no inquérito que corria termos no DIAP é produzir uma notícia/informação inverídica e até falsa, na medida em que há data da reportagem tal não tinha ainda acontecido.
Ora, não tendo qualquer correspondência com a realidade necessariamente que não existe qualquer direito à informação, pelo que, ao proferir uma afirmação inverídica na reportagem emitida, ofendeu a assistente EE no seu bom nome e consideração, tendo deste modo que ser condenada.
A convicção do tribunal sedimentou-se nas declarações dos arguidos, no depoimento das testemunhas, e nos documentos juntos aos autos, conforme supra-mencionado, permitindo concluir pelos factos provados na forma em que o foram.
No que respeita aos elementos psicológicos e volitivos dados como provados, resultaram da análise da prova produzida, posto que de acordo com as regras da experiência e normalidade, outro não poderia ser o conhecimento e vontade da arguida aquando da prática dos factos.
No que concerne à falta de antecedentes criminais dos arguidos os mesmos resultaram dos respectivos certificados de registo criminal juntos aos autos sob as referências Citius n.ºs 37010466, 37010459, 37010460 e 37010461.
Relativamente às condições económicas e pessoais dos arguidos, a convicção do Tribunal sedimentou-se nas declarações por estes prestadas em sede de audiência, os quais mereceram credibilidade.
No que respeita à matéria de facto dada como não provada, resultou de a prova produzida ter imposto resposta negativa, ou não ter sido produzida qualquer prova.
*
Quanto ao demais o Tribunal não se pronunciou por se tratar de matéria argumentativa, conclusiva ou de Direito.
***

3.–Apreciando

Nos termos do estatuído no art. 368.º aplicável ex vi art. 424.º n.º 2, ambos do CPP, o Tribunal da Relação deve conhecer em primeiro lugar das questões que obstem ao conhecimento do mérito da decisão. Após, das que a este respeitem, começando pelas relativas à matéria de facto, e, dentro destas, pela impugnação alargada, se tiver sido suscitada e depois dos vícios previstos no art. 410.º n.º 2 do Código do Processo Penal. Finalmente, debruçar-se-á sobre as questões atinentes à matéria de Direito.
Nessa medida, independentemente da sequência pela qual os recorrentes suscitam as questões, na sua apreciação o tribunal de recurso deve seguir uma ... de precedência lógica que atende ao efeito do conhecimento de umas em relação às outras, tendo por referência a ... indicada na disposição legal citada.

RECURSO DA ARGUIDA

Das nulidades da sentença: omissão de pronúncia por não transcrição das conclusões vertidas na contestação e falta de exame crítico da prova

Importa, antes de mais, conhecer das invocadas nulidades da sentença.
Vejamos então.
Em primeira linha pugna a arguida pela nulidade da sentença, por alegada omissão do dever de pronúncia, uma vez que a factualidade por si elencada na contestação não foi tida em conta em termos de factualidade provada e não provada.
Na sua perspetiva essa apreciação impunha-se, na medida em que tais factos seriam “essenciais e determinantes para apurar da efetiva responsabilidade da arguida, a forma de participação nos factos sob julgamento ou até a medida da sua culpa”.
É nula a sentença, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c) do CPP, quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre as questões que devesse apreciar.
A existência da contestação não foi ignorada pelo tribunal recorrido, como o atesta, de acordo com o disposto no art. 374.º, n.º 1, al. d) do CPP, o relatório da sentença:
“Os arguidos AA e BB apresentaram contestação, na qual em síntese alegam ter-se tratado de uma peça jornalística com claro interesse público, actuando no âmbito de informar e da liberdade de expressão, concluindo pelo não cometimento dos ilícitos imputados, e arrolaram testemunhas (cf. fls. 1070 a 1084).”
Porém, a alegação nela contida não foi de facto “transportada” à sua fundamentação, o que o tribunal a quo justificou nos seguintes termos:
“Quanto ao demais o Tribunal não se pronunciou por se tratar de matéria argumentativa, conclusiva ou de Direito.”
Ora, sendo inequívoco que o tribunal de julgamento se deve pronunciar sobre os factos alegados na contestação, tal, porém, pressupõe que os mesmos tenham interesse para a decisão a proferir.
Deveras, o tribunal apenas está obrigado a emitir um juízo de prova sobre factualidade propriamente dita, e não sobre matéria argumentativa, conclusiva ou de direito.
Ora, estando em causa na contestação oferecida pela arguida apenas matéria desse tipo, o que resulta da sua simples leitura, nos termos bem sintetizados pelo Ministério Público em resposta ao recurso interposto pela arguida (“verifica-se que a mesma não se traduz na alegação de factos, mas tão só extenso rol de considerações quanto à circunstância de estar convencida de que os factos que reportava eram verdadeiros e de manifesto interesse público, bem como quanto à circunstância de estar a ser alvo de uma manobra de intimidação e constrangimento por parte dos assistentes, que mais não pretendem do que cercear a sua liberdade enquanto ...”), bem andou o tribunal recorrido ao assumir a sua não inclusão na fundamentação da sentença, sem prejuízo de a versão da arguida ter sido apreciada em sede da motivação da decisão sobre a matéria de facto com as devidas consequências.
Em segundo lugar, entende a recorrente que a sentença é nula por omissão da análise crítica da prova - nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. a) do CPP.
Nesse pressuposto, considera a recorrente que a sentença enferma do vício em questão, isto porque, na sua perspetiva, o tribunal recorrido se limitou a uma mera enumeração dos meios de prova, sem esclarecer o porquê da sua convicção.
Por força do disposto no art. 374.º, n.º 2 do CPP, sobre os requisitos da sentença, “ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”
Como é sabido, fundamentar é justificar, apresentar as razões, de forma coerente e objetiva, que determinaram a decisão naquele sentido e não noutro. E esta fundamentação abarca quer a decisão incidente sobre os factos quer a solução jurídica encontrada e aplicada.
Em suma, implica tornar possível sindicar a bondade da decisão recorrida.
Porém, fundamentar não significa autonomizar exaustivamente, o que decorre, desde logo, da leitura do preceito em análise por referência à expressão “concisa” aí contemplada.
Dito de outra forma, apenas a absoluta falta de fundamentação constitui nulidade.
Ora, analisada por nós a fundamentação exarada pela primeira instância afigura-se-nos não assistir razão à recorrente.
Com efeito, longe de ser sucinta, a mesma é tudo menos insuficiente e muito menos inexistente. Ao invés, permite compreender as razões pelas quais o tribunal a quo decidiu no sentido de declarar provados os factos que como tal foram considerados, o que não equivale a ter o tribunal recorrido conformado a sua valoração de acordo com os argumentos aduzidos pela recorrente, mas antes de acordo com a factualidade tida como assente que bem explicita e pormenorizada está.
Nessa medida, temos por não verificada nenhuma das invocadas nulidades, que comprometa o decidido.

Da impugnação da decisão sobre matéria de facto e alegado erro de julgamento

Conforme resulta do art. 428.º, n.º 1, do CPP “as relações conhecem de facto e de direito”.

A decisão sobre a matéria de facto pode ser impugnada por duas vias:
- com fundamento no próprio texto da decisão, por ocorrência dos vícios a que alude o art. 410.º, n.º 2 do CPP (impugnação em sentido estrito, no que se denomina de «revista alargada»);
- ou mediante a impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, do CPP (impugnação em sentido lato).
Ora, quanto a este último segmento, impõe-se, conforme resulta da análise do normativo correspondente (n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP), que a recorrente enumere/especifique os pontos de facto que considera incorretamente julgados, bem como que indique as provas que, no seu entendimento, impõem decisão diversa da recorrida, e não apenas a permitam, assim como que especifique, com referência aos suportes técnicos, a prova gravada.
Tal delimitação decorre da circunstância de a reapreciação da matéria de facto não se traduzir num novo julgamento, mas antes num “remédio jurídico”, destinado a suprir eventuais erros. Por conseguinte, se a decisão proferida for uma das soluções plausíveis, a mesma será inatacável.
Pretende, pois, a recorrente sindicar a valorização dos meios de prova realizada pelo tribunal a quo, visando a reapreciação da prova produzida, no âmbito do recurso amplo da matéria de facto, no respeitante à alteração dos factos 32. e 33. da sentença que, na sua ótica, devem ser dados como não provados (“pois resultam de uma errada apreciação dos elementos de prova do processo e de meras presunções sem cabimento num processo criminal justo e equitativo”).
Entende ainda, mas sem especificar, “que existe um conjunto de factualidade que, em função da prova dos autos e que por não ter sido posta em crise, deveria ter sido dada como provada e que corresponde a boa parte dos factos alegados na contestação apresentada pela arguida”.
Porém, não dá cumprimento ao disposto nos nºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP, na medida em que não indica qualquer prova produzida que tenha a virtualidade de impor, claramente, decisão diversa em relação aos factos da sentença recorrida que considera incorretamente julgados, chegando mesmo a sugerir que este tribunal de recurso proceda à audição de toda a prova testemunhal, quando refere, a fls. 26 das suas motivações, penúltimo parágrafo, o seguinte: (…) tendo em consideração a vasta documentação junta aos autos e o facto de a audiência de discussão e julgamento se encontrar documentada por gravação, é possível a reapreciação da decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto”.
Na verdade, limita-se a recorrente a questionar a avaliação que o tribunal a quo fez dos meios de prova, concretamente, das declarações da arguida, que, na sua perspetiva, mereceriam primazia absoluta, sugerindo, de forma prolixa, factos que não se encontram redigidos de forma objetiva, configurando (nos termos claramente observados pelos assistentes em resposta apresentada nos autos), incorretamente o problema de reapreciação da matéria de facto como um problema de omissão de pronúncia, que claramente confunde.
Apresenta, pois, uma apreciação dos factos diferente da do julgador, sem apontar quaisquer factos concludentes que permitam contraditar a apreciação efetuada.
Neste pressuposto, aquilo que manifestamente resulta das conclusões do recurso é a divergência entre a convicção pessoal da recorrente sobre a prova produzida em audiência e aquela que o tribunal fixou sobre os factos, o que se prende com a apreciação da prova em conexão com o princípio da livre apreciação da mesma consagrado no artigo 127.º do CPP.
Nessa medida, o tribunal de recurso não poderá fazer uma nova apreciação da matéria de facto, ficando apenas limitado ao poder/dever de conhecer oficiosamente qualquer dos vícios indicados no art. 410.°, n.°s 2 e 3 do CPP, que na prática também não se verificam.
Formou, pois, o tribunal recorrido a sua convicção de acordo com a prova produzida, segundo critérios lógicos, objectivos e em obediência às regras da experiência comum, pelo que o resultado do processo probatório levaria, sem qualquer margem para dúvidas, às conclusões obtidas.
Por conseguinte, o juízo probatório positivo alcançado pelo tribunal recorrido quanto à verificação dos factos que a arguida recorrente pretende ver como não provados (ou quanto a quaisquer outros que não chega a especificar) é logicamente correto, com indicação e exame critico das provas que serviram para formar a sua convicção.
Destarte, não merece qualquer censura, falecendo a pretendida impugnação ou sequer a verificação de qualquer dos vícios indicados no art. 410.°, n.°s 2 e 3 do CPP, que sempre seriam de conhecimento oficioso.

Da alegada instrumentalização da presente ação e do abuso de direito

A recorrente considera que o presente processo foi instrumentalizado, numa clara situação de abuso de direito, pelos assistentes, inserindo-se no desenvolvimento de uma estratégia política da Sr.ª ... da ..., ao arrepio da Recomendação EU 2020/758, de 27/4/2022, da Comissão Europeia e por referência ao art. 334.º do Código Civil.
Contudo, para além de todas as considerações que tece a esse propósito não retira disso qualquer consequência, que não apenas a afirmação de que “assistentes ao proporem a presente ação, com os fundamentos apresentados, agiram em claro abuso de direito, nos termos do disposto no art. 334.º, do Código Civil, excedendo manifestamente os limites impostos pela boa-fé e pelo fim social e ou económico do direito que invocam, o que torna ilegítima o seu exercício e paralisa a sua invocação”.
Com efeito, e conforme salientado pelos assistentes em reposta ao recurso, “não extrai do instituto do abuso do direito que invoca qualquer consequência palpável, nem sequer vertendo as repercussões desse regime nas conclusões por si apresentadas, em violação do artigo 412.°, n.° 1, do CPP (…) não se fazendo sequer nenhum pedido no final do Recurso que derive da aplicação daquele instituto jurídico”.
Ao invés, aquilo que está em causa, como claramente sintetizado pelo Ministério Público junto da 1ª instância, e que aqui reproduzimos por também corresponder à nossa apreciação da questão, é o seguinte:
“A arguida, ora recorrente, ao difundir a reportagem de 2019 sabia que apenas apresentava meias verdades, pois que tinha na sua posse documentos que contrariavam o que propalava e, mais, após a reportagem de 2017 foi interveniente em processo judicial em que se discutiram as questões em que voltou a pegar, o que lhe impunha um escrutínio mais rigoroso dos factos que queria divulgar, tanto mais sendo esta apenas a sua segunda reportagem de fundo para a TV (a primeira foi a de 2017, sobre a mesma ..., com os mesmos protagonistas).
Apenas esta responsabilidade lhe está a ser imputada com a presente condenação, pelo que invocar obstruções à imprensa, à liberdade de expressão e ao direito a informar é lançar uma cortina de fumo para desviar as atenções da análise estritamente jurídica que se impõe.”
Termos em que improcede esta sua pretensão.

Do exercício da liberdade de imprensa enquanto modalidade especial de liberdade de expressão e consequente errada interpretação e aplicação do direito.

Apelando, no essencial, à prevalência do direito de liberdade de expressão de que beneficia a ... arguida, entende a recorrente que a sentença faz “uma errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 180.º, n.º 1, n.º 2, alínea a) e b), 183.º, n.º 1, alíneas a) e b) e n.º 2, e 184.º, do Código Penal, assim como do art.s 71.º, da Lei n.º 27/2007, de 30/07 (Lei da Televisão), do art. 335.º, do Código Civil, e dos os art.s 37.º e 38.º da Constituição da Republica Portuguesa e o art. 10.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”.
Vejamos.
Escreveu-se na sentença recorrida, a propósito do respetivo enquadramento jurídico-penal, o seguinte (transcrição parcial):
Finalmente importa avaliar a conduta da arguida AA e subsumi-la aos elementos do tipo relativamente aos elementos novos constantes da reportagem emitida a 9 de Fevereiro de 2019, a saber, as irregularidades na gestão da ..., a emissão de mandados e realização de buscas na ... por via dessas irregularidades e a inquirição em duas ocasiões da Sr.ª ... da ... pela PJ.
Da prova produzida, logrou-se apurar a existência de um comunicado emitido pela PGD de Lisboa, datado de ... de ... de 2017, no qual se dá conta da emissão de mandados de busca a uma ... profissional de serviço público, não sendo efectuada qualquer referência, nem à ..., nem a dirigentes actuais, mencionando-se antes ex-dirigentes, o que, considerando a data do comunicado e a emissão da reportagem em 2019, poderia ter existido a obtenção de elementos por parte da arguida que lhe permitissem referir à ..., todavia, a informação prestada na reportagem vai mais além dessa referência, isto é, não se limita a mencionar um inquérito que estaria pendente, mas antes, refere expressamente que a assistente EE, ... da ..., havia sido ouvida na PJ por duas ocasiões, afirmação que não tinha, à data, qualquer correspondência com a realidade, considerando para além do mais, a documentação junta aos autos relativa ao mencionado inquérito, não colhendo a afirmação de que se tratando de processo em segredo de justiça, a Procuradora titular do mesmo, tivesse relatado essa situação, uma vez que a mesma não se havia ainda verificado.
(…)
Assim, atenta a prova produzida, dúvidas inexistem que foram propalados factos inverídicos, não relevando para o efeito a menção de que não se aludiu à audição da assistente EE como arguida, uma vez que, atenta a natureza da reportagem é manifesto que a referência efectuada de “ter sido ouvida por duas vezes”, independentemente da qualidade, não constituía uma informação verídica ou verdadeira, antes foi deliberadamente referida, quiçá, como forma de validar quer a reportagem emitida em 9 de Fevereiro de 2019, quer a reportagem anterior, na medida em que se faz alusão a que as buscas só ocorreram porque existiu a reportagem de 2017.
Na verdade, da prova produzida e atenta a matéria dada como provada, necessariamente se conclui que não estamos perante uma inócua informação jornalística ou tão pouco um juízo de valor, mas antes, uma informação inverídica e como tal, ao ser proferida é violadora do direito à honra e consideração da assistente EE.
Assim, dúvidas inexistem que a actuação da arguida AA preencheu os elementos objectivos e subjectivos do tipo do crime que lhe vinha imputado, inexistindo quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou de culpa, pelo que, é a mesma responsabilizada criminalmente.

Ora, olhando a essa fundamentação, obtida de acordo com a factualidade tida como assente, não vislumbramos em que medida possa a mesma ser alvo de critica.
Com efeito, o enquadramento jurídico pretendido pela recorrente assenta na sua visão dos factos que, como se viu, não obteve acolhimento, tendo aliás, este tribunal de recurso decidido no sentido da improcedência da impugnação da matéria de facto proposta pela recorrente.
Por conseguinte, e não se duvidando da afirmação respeitante à circunstância de poder o direito de liberdade de expressão e informação, em certos casos, prevalecer sobre o direito ao bom nome e reputação, a mesma não tem enquadramento no caso dos autos.
Verdadeiramente, aquilo que se apurou e que se mostra consolidado nos autos foi a divulgação de uma informação inverídica, logo violadora do direito à honra e consideração da assistente EE, sabendo a arguida, da perspetiva do elemento subjetivo, da falsidade das afirmações que proferiu (cf. facto assente em 32: “A arguida AA ao referir que a ... da ..., aqui assistente EE, havia sido ouvida na Polícia Judiciária por duas vezes, fê-lo com a consciência de que estava a transmitir factos falsos e inverídicos com o objectivo de prejudicar e causar dano à assistente, o que conseguiu”).
Para além do mais, não ficou assente que a imputação tivesse sido feita para realizar interesses legítimos (que não se descortinam), bem como não é possível identificar fundamento sério para, em boa-fé, reputar de verdadeira as imputações que se fazem na reportagem, ou seja, não resulta da factualidade apurada qualquer elemento que permita considerar verificada a pretendida condição de não punibilidade (art. 180.º, n.º 2, als. a) e b) do CP).
Finalmente, não se vislumbra qualquer interpretação desconforme às normas contidas nos arts. 37.º e 38.º da Constituição da Republica Portuguesa e no art. 10.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Assim concluindo, impõe-se julgar totalmente improcedente o recurso da arguida, o que se decide.

RECURSO DOS ASSISTENTES

Questão Prévia: da não apreciação de factos por força do princípio ne bis in idem

Como é sabido, estão em causa nos presentes autos duas reportagens: uma divulgada em 2017 e outra em 2019.
A decisão recorrida, não obstante considerar que a reportagem de ...2019 voltou a abordar questões já previamente integradas na reportagem de ...2017, o que aliás considerou assente sob o ponto 26 dos factos provados, entendeu por bem, à luz do princípio ne bis in idem, não conhecer dos factos integrantes dessa “repetição”, escudando-se na afirmação de que os mesmos já foram objeto de processo-crime (processo n.º 5819/17.0T9LSB), com decisão transitada em julgado, relativo à reportagem de 2017.
Tanto contestam os assistentes e no nosso entender com razão.
Com efeito, e independentemente da “bondade” da decisão, na parte em que considera que aqui se aborda temática que já foi objeto de decisão transitada em julgado, estabelecendo como termo de comparação dos objetos de ambos os processos as queixas- -crimes que lhes deram início, não é disso que se trata, mas antes de uma renovação de conduta supostamente ilícita (como infra se concluirá ou não).
Com efeito, e tal como afirmado pelos assistentes, confunde o tribunal a quo os factos criminalmente relevantes com os factos objeto da reportagem, porquanto a circunstância de serem novamente abordados temas que já tinham sido abordados na reportagem de 2017, que fora objeto do processo n.º 5819/17.0T9LSB, nomeadamente os vencimentos do assistente FF e o apartamento que seria para ser de uso exclusivo deste, não belisca sequer o princípio do ne bis in idem, mas antes traduz uma renovação de uma conduta suscetível de vir a ser classificada como difamatória.
Se assim não fosse, e nos termos sintetizados pelos assistentes, “a tese do Tribunal a quo significaria que, independentemente do desfecho condenatório, da motivação da decisão absolutória ou de arquivamento de um primeiro processo de difamação, o agente passaria a estar livre para renovar a sua conduta difamatória sempre que quisesse desde que o conteúdo da imputação fosse o mesmo”.
Assim também concluindo, temos também para nós que “mesmo que o processo relativo à reportagem de 2017 tenha terminado com uma não pronúncia, já transitada em julgado, tal não obriga minimamente à mesma conclusão neste processo relativamente aos temas comuns a ambas as reportagens”.
Nessa medida, é de reconhecer verificado o erro de direito em que incorreu o tribunal a quo ao decidir não conhecer dos factos atinentes ao suposto recebimento indevido de dois vencimentos e ao uso exclusivo de um apartamento arrendado pela ... por parte do assistente FF.
Em consequência, passará este tribunal de recurso a conhecer dos factos respeitantes àquelas imputações.

Impugnação da matéria de facto

• Da imputação na reportagem do recebimento injustificado por parte do assistente FF de dois vencimentos pagos pela ...

Considerando existirem provas concretas que impõem decisão diversa da sentença recorrida (art. 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP), pretendem os assistentes, ao abrigo do disposto no artigo 428.º e 431.º, alínea a), do CPP, levar à factualidade dada como provada os factos atinentes à imputação na reportagem do recebimento injustificado por parte do assistente FF de dois vencimentos pagos pela ....
Assim, tendo presente aquilo que já consta assente no facto provado em 26 (“Relativamente ao assistente FF, a reportagem em causa nos autos, cinge-se, novamente, aos dois vencimentos por este auferidos e ao apartamento em que permanece quando está em Lisboa”), pretendem os assistentes acrescentar os seguintes factos à matéria dada como provada:
56.-A reportagem imputa ao assistente FF o recebimento injustificado de dois vencimentos pagos pela ....
57.-Os dois vencimentos que são pagos ao assistente FF pela ... correspondem aos seus dois vencimentos de origem, isto é, aos dois vencimentos que auferia antes de ter sido eleito ...daquela ....
58.-Antes de iniciar funções na ..., o assistente FF exercia a sua atividade profissional no ... e acumulava, de forma devidamente autorizada, funções na ..., pertencendo ao quadro de ambas as entidades.
59.-Tendo o assistente FF sido eleito ... da ... e passando a exercer funções a tempo inteiro na ..., foi acordado, tanto com o ... como com a ..., que a ... assumiria a responsabilidade pelo pagamento dos seus vencimentos, em montante equivalente ao que este auferia, até ao termo da vigência do mandato.
60.-O recebimento por parte de FF de dois vencimentos encontrava-se justificado pelo acordo de cedência de interesse público celebrado com o ... e pelo protocolo tripartido celebrado com a ....
61.-A arguida AA ao referir que o ... da ..., aqui assistente FF, recebia injustificadamente dois vencimentos pagos pela ..., fê-lo com a consciência de que estava a transmitir factos falsos e inverídicos com o objetivo de prejudicar e causar dano ao assistente, o que conseguiu.
Para tanto indicam as seguintes provas concretas: a própria reportagem, junta com a queixa crime, cuja transcrição consta de fls. 123 e ss (doc. 11); a declaração do ..., de 16.02.2015 e contrato individual de trabalho entre FF e a ..., juntos, respetivamente, como Docs. n.ºs 19 (fls. 249) e 20 (fls. 251 e ss) com a queixa-crime; o protocolo tripartido celebrado entre a ..., a ... e FF, em 19.05.2016, junto como Doc. n.º 21 (fls. 254 e ss) com a queixa-crime; o acordo de cedência de interesse público celebrado entre o ..., a ... e FF, em 29.09.206, junto como doc.º 23 com a queixa crime (fls. 261 e ss); a ata n.º 1/2016 da reunião ordinária do Conselho Diretivo da ..., de 02.02.2016, junta aos autos na audiência de julgamento de 12.05.2022; as declarações do assistente FF em sede de audiência de discussão e julgamento, nos dias 11.05.2022 e 12.05.2022; as declarações da assistente EE em sede de audiência de discussão e julgamento, no dia 10.05.2022.
Da respetiva análise critica a que procedemos retira-se, de facto, a falsidade da imputação, porquanto não está em causa um recebimento injustificado, indevido ou irregular de dois vencimentos, ao contrário da mensagem passada aos telespetadores.
A tanto acresce o conteúdo da própria queixa-crime sobre a reportagem de 2017 e que deu origem ao processo n.º 5819/17.0T9LSB (cf. fls. 155 a 247), já conhecido pela arguida AA à data da reportagem de 2019, e cuja documentação correspondente era demonstrativa da inexistência de qualquer irregularidade na circunstância de o assistente FF auferir dois vencimentos.
Ou seja, à data da emissão da reportagem de 2019, e por contraposição à data da reportagem de 2017, já não é possível considerar que a arguida AA tivesse atuado com a convicção da veracidade do que aí propalara.
É, pois, procedente a correspondente impugnação, devendo ser acrescentada à matéria dada como provada os factos indicados pelos assistentes.

• Da imputação na reportagem do uso exclusivo pelo assistente FF de um apartamento cujas rendas eram pagas pela ...

De igual modo considerando existirem provas concretas que impõem decisão diversa da sentença recorrida (art. 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP), pretendem os assistentes, ao abrigo do disposto no artigo 428.º e 431.º, alínea a), do CPP, levar à factualidade dada como provada os factos respeitantes à imputação na reportagem do uso exclusivo pelo assistente FF de um apartamento cujas rendas eram pagas pela ....
Assim, tendo presente aquilo que já consta assente no facto provado em 27 (“O apartamento utilizado pelo assistente FF, é igualmente usado por outros dirigentes da ... quando estes se deslocam a Lisboa, e não apenas para uso exclusivo do assistente”), pretendem os assistentes acrescentar os seguintes factos à matéria dada como provada:
62.- A reportagem imputa ao assistente FF o uso exclusivo de um apartamento cujas rendas eram pagas pela ....
63.- A arguida AA ao referir que o ...da ..., aqui assistente FF, usava exclusivamente um apartamento cujas rendas eram pagas pela ..., fê-lo com a consciência de que estava a transmitir factos falsos e inverídicos com o objetivo de prejudicar e causar dano ao assistente, o que conseguiu.
O facto de o apartamento utilizado pelo assistente FF ser igualmente usado por outros dirigentes da ... quando estes se deslocam a Lisboa, e não apenas para uso exclusivo do assistente, mostra-se consolidado nos autos (facto 27), não carecendo de qualquer outra apreciação.
Vejamos então de que modo as provas concretas indicadas pelos assistentes permitem ir além dessa concretização.
Ora, e desde logo, a própria reportagem.
Com efeito, a circunstância de a reportagem ter imputado ao assistente FF o uso exclusivo do dito apartamento, cujas rendas eram pagas pela ... decorre da respetiva análise, sendo então afirmado pela arguida AA.
Porém, se aquando da reportagem de 2017 seria ainda admissível que se dissesse que a arguida AA, perante o contrato de arrendamento celebrado entre o senhorio e a ..., em 05.10.2016, atuou convencida da veracidade da imputação do uso exclusivo do apartamento pelo assistente, o mesmo já não é possível na reportagem de 2019, em face da adenda a esse mesmo contrato de arrendamento de 1.03.2017, que esclareceu essa mesma questão (cf. contrato de arrendamento e respetiva adenda, juntos aos presentes autos como doc. n.º 2, com o requerimento dos assistentes de 30.05.2022, com a referência 32717925 e não 42420802, como por lapso referem na sua motivação).
Com efeito, aquando da reportagem de 2019 tem a arguida necessariamente de estar alertada para esse esclarecimento, isto porque já tinha tido acesso a toda esta explicação por força da queixa-crime e da petição inicial apresentadas por causa da reportagem de 2017 (cf. pontos 77 a 83 da queixa crime de fls. 155 a 247 e pontos 162 a 166 da petição inicial que foi junta pelos assistentes aos presentes autos por requerimento de 10.11.2022), o que equivale a concluir que não tem porque cair no mesmo erro.
É, pois, procedente a correspondente impugnação, devendo também nesse segmento ser acrescentada à matéria dada como provada os factos indicados pelos assistentes.

• Da consequente responsabilidade criminal da arguida AA pela prática de um segundo crime de difamação agravada, praticado na pessoa do assistente FF

Aqui chegados, naturalmente que se mostra comprometida a absolvição da arguida AA, quanto à prática de um segundo crime de difamação agravada, previsto e punido pelos artigos 180.º, n.º 1, 183.º, n.º 1, alíneas a) e b) e n.º 2, e 184.º, todos do Código Penal, por referência ao artigo 71.º da Lei da Televisão, desta feita na pessoa do assistente FF.
Ao invés, impõe-se a sua condenação em conformidade, o que resulta da aplicação dos mesmos exatos critérios que justificaram a sua condenação pelo tribunal recorrido quanto aos elementos novos constantes da reportagem emitida a 9 de fevereiro de 2019, e que tem agora plena aplicação quanto à repetição das matérias respeitantes à reportagem de 2017.
Por conseguinte, atenta a factualidade agora tida como assente, dúvidas inexistem que foram propalados factos inverídicos, não estando em causa uma inócua informação jornalística ou tão pouco um juízo de valor, mas antes, uma informação inverídica e como tal, ao ter sido proferida foi violadora do direito à honra e consideração do assistente FF.
Assim, também quanto a estes factos (recebimento indevido de dois vencimentos e uso exclusivo de um apartamento arrendado pela ... por parte do assistente LB), temos como assente que a atuação da arguida AF preencheu os elementos objetivos e subjetivos do tipo do crime que lhe vinha imputado, inexistindo quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou de culpa, pelo que, é a mesma responsabilizada criminalmente.
Na mesma linha, não encontramos motivos para estabelecer qualquer distinção entre a pena concreta agora a aplicar e aquela então encontrada pelo tribunal recorrido quanto aos elementos novos constantes da reportagem emitida a ... 2019 (assistente EE).
Ou seja, tendo em conta a moldura abstrata da pena e a já a opção por multa (que se justifica), a culpa do agente e as necessidades de prevenção, entende este tribunal de recurso igualmente adequado aplicar à arguida uma pena de 200 (duzentos) dias de multa relativamente aos factos em que é ofendido o assistente LB. .
Haverá ainda que considerar o estatuído no art. 77.º do Código Penal, que dispõe no sentido de que quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena, para a determinação da qual serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
Por via do n.º 2 do mesmo artigo, temos que a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
Assim, a moldura legal abstrata do concurso equivale a um limite mínimo de 200 (duzentos) e um limite máximo de 400 (quatrocentos) dias de multa.
Para fixar a pena única dentro desses limites tem-se entendido que “na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluricasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta (…)” (Figueiredo Dias, in Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, pág. 291, § 421).
Ora, considerando as circunstâncias dos factos (essencialmente coincidentes), o lapso temporal em que os mesmos se verificaram (reportagem de 2019), a ausência de antecedentes criminais, sem esquecer as suas condições pessoais, a culpa e as necessidades de prevenção, entende este tribunal de recurso como ajustada a aplicação da seguinte pena única: 300 (trezentos) dias de multa.
Finalmente, nada há a alterar ao quantitativo diário fixado pelo tribunal recorrido em função da situação económica e financeira da arguida, ou seja, € 15,00 (quinze) euros, o que se traduz no montante global de € 4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros).

• Do conhecimento pelo arguido BB do teor da reportagem de 2019

De facto, o tribunal a quo decidiu absolver o arguido BB em razão de ter dado como não provado que este tivesse tomado conhecimento do teor da reportagem de 2019.
Fê-lo sustentando-se nas regras da lógica e da experiência comuns, e não apenas, como agora pretendem os assistentes, com base nas declarações do próprio arguido BB que disse que havia delegado a responsabilidade pela visualização da reportagem no diretor adjunto II.
Por outro lado, e fundamentalmente, fê-lo o tribunal a quo com base na prova que aqui foi produzida, e não de acordo com qualquer outra, designadamente, com aquela que foi produzida no âmbito do processo n.º 5819/17.0T9LSB e que agora os assistentes pretendem trazer à colação de modo a descredibilizar as declarações prestadas pelo arguido no julgamento dos presentes autos.
Assim, e em concreto, fundamentou o tribunal recorrido a absolvição do dito arguido nos seguintes termos:
No tocante ao arguido BB, igualmente nenhuma prova foi alcançada, à excepção de que este à data da entrevista/reportagem ser Director de Informação da ..., mas importa agora apurar se por força dessa função existe alguma responsabilidade que possa a este ser imputada.
Com efeito, resultou claro que o arguido BB teve conhecimento da reportagem que foi para o ar em ... 2017, mas que relativamente à reportagem em causa nos autos, isto é, datada de ...2019 não acompanhou o percurso da mesma, estando à data tal função atribuída ao vice-director II.
Para além do mais, decorre apenas dos elementos dos autos que o arguido teve intervenção, quando de um e-mail relativamente ao contraditório, e quanto a este diga- -se, que o mesmo foi efectuado, considerando que a arguida AA, procedeu ao envio de um e-mail para a ..., conforme resulta de fls. 149 a 151, 660 a 660 verso, 661 a 661 verso, 1315 a 1316 e 1334 a 1335, tendo sido por opção que a resposta foi remetida pelos advogados da ..., EE e FF.
A este propósito, importa não olvidar que as questões colocadas o foram relativamente aos temas suscitados na entrevista, ainda que se possa dizer de uma forma um pouco generalista, mas sem que não se percebesse as questões que estavam em causa na reportagem.
Acresce ainda que resultou da prova produzida não ter o arguido BB visualizado a reportagem previamente à sua exibição, mas tal ser-lhe-ia exigível? Parece-nos que não, considerando para além do mais, que a arguida AA naquela altura reportava hierarquicamente a II e não ao arguido BB.
Ora, considerando o supra exposto, resulta das regras da lógica e da experiência comuns que apesar de o arguido exercer funções de Director de Informação, não é, de todo, o único responsável a quem a totalidade dos ...s reportam, sendo antes uma função que se exerce com poderes a delegar, tal como sucede com os vice-directores, e nos presentes autos tal encontrava-se delegado à data em II, pelo que, necessariamente não pode o arguido ser responsabilizado por omissão.

Ora, da análise da peça processual colocada em crise e prova reanalisada neste recurso, em confronto com a fundamentação de facto da decisão, que acima se deixou integralmente transcrita, não se vislumbra a ocorrência de qualquer erro de julgamento.
Verdadeiramente, aquilo que está em causa, e que este tribunal de recurso pode efetivamente sindicar, são as declarações aqui prestadas pelo arguido BB, e não a alegada circunstância, relativa ao processo n.º 5819/17.0T9LSB, de que “o BB produziu prova, através do depoimento de II, no sentido de que fora este e não o próprio quem vira a reportagem de 2017”, para assim o descredibilizar.
Nesse pressuposto, que os assistentes pretendem ver invertido, não vemos como retirar credibilidade às declarações aqui prestadas pelo arguido SF, no sentido de que afinal, em 2017 viu e autorizou e em 2019 foi II quem viu e autorizou.
Acresce, ao contrário do pretendido pelos assistentes, não retirarmos das declarações da arguida, a cuja audição procedemos, qualquer certeza ou sequer a afirmação de que o arguido tivesse tomado conhecimento do teor da reportagem de 2019, independentemente de ser então diretor de informação.
Por outro lado, não pode a descredibilização do arguido sustentar-se na alegação de que faltou à verdade “quando, em sede de audiência de discussão e julgamento, referiu que a reportagem aqui em causa foi motivada por um pedido de sindicância do Governo à ..., por buscas na sede da ... e pelo contacto da AA com a procuradora do processo n.° 1789/17.3T9LSB”, pois tanto não equivale a concluir no sentido de que teve conhecimento do teor da dita reportagem.
Na mesma linha, e quanto à invocação da existência de vários elementos de prova que demonstram cabalmente que o Arguido conhecia o teor da reportagem”, os mesmos apenas traduzem a avaliação que deles fazem os assistentes, ou seja, não traduzem a avaliação que deles fez o tribunal recorrido, de modo a concluir, de forma segura e objetiva, que de facto o arguido BB estava “consciente da possibilidade de a reportagem da AAtransmitir factos falsos e inverídicos ofensivos da honra e da consideração dos Assistentes EE e FF”.
Verdadeiramente, aquilo que resulta das conclusões do recurso é a divergência entre a convicção pessoal dos recorrentes sobre a prova produzida em audiência e aquela que o tribunal fixou sobre os factos, o que se prende com a apreciação da prova em conexão com o princípio da livre apreciação da mesma consagrado no artigo 127.º do CPP.
Contudo, aquilo que constatamos é ter o tribunal recorrido formado a sua convicção em correspondência com a prova aqui produzida (e não no âmbito do processo n.º 5819/17.0T9LSB), segundo critérios lógicos, objetivos e em obediência às regras da experiência comum, pelo que o resultado do processo probatório sempre levaria às conclusões obtidas, ou mesmo, no limite, à aplicação do princípio in dubio pro reo.
Por conseguinte, o juízo probatório negativo alcançado pelo tribunal recorrido quanto à não verificação da factualidade que os assistentes pretendem ver como provada, que se traduziria no conhecimento pelo arguido do teor da reportagem de 2019, é logicamente correto, com indicação e exame critico das provas que serviram para formar a sua convicção (art. 374.º, n.º 2 do CPP).
Destarte, não merece qualquer censura, nada havendo, por isso, a acrescentar à matéria dada como provada.
Consequentemente, e porque de igual modo nenhum vício julgamos verificado, improcede a respetiva impugnação da matéria de facto, e com ela qualquer responsabilidade criminal do arguido SF pela prática de dois crimes de difamação, sendo ofendidos os assistentes EE e FF.
*

III–Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em:

1.-Julgar totalmente improcedente o recurso interposto pela arguida AA.
2.-Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelos assistentes EE e FF e, em consequência:
a.-Alterar a matéria de facto, aditando à mesma os seguintes factos provados:
56.-A reportagem imputa ao assistente FF o recebimento injustificado de dois vencimentos pagos pela ....
57.-Os dois vencimentos que são pagos ao assistente FF pela ... correspondem aos seus dois vencimentos de origem, isto é, aos dois vencimentos que auferia antes de ter sido eleito ...daquela ....
58.-Antes de iniciar funções na ..., o assistente FF exercia a sua atividade profissional no ... e acumulava, de forma devidamente autorizada, funções na ..., pertencendo ao quadro de ambas as entidades.
59.-Tendo o assistente FF sido eleito ...da ... e passando a exercer funções a tempo inteiro na ..., foi acordado, tanto com o ... como com a ..., que a ... assumiria a responsabilidade pelo pagamento dos seus vencimentos, em montante equivalente ao que este auferia, até ao termo da vigência do mandato.
60.-O recebimento por parte de FF de dois vencimentos encontrava-se justificado pelo acordo de cedência de interesse público celebrado com o ... e pelo protocolo tripartido celebrado com a ....
61.-A arguida AA ao referir que o ...da ..., aqui assistente FF, recebia injustificadamente dois vencimentos pagos pela ..., fê-lo com a consciência de que estava a transmitir factos falsos e inverídicos com o objetivo de prejudicar e causar dano ao assistente, o que conseguiu.
62.-A reportagem imputa ao assistente FF o uso exclusivo de um apartamento cujas rendas eram pagas pela ....
63.-A arguida AA ao referir que o ...da ..., aqui assistente FF, usava exclusivamente um apartamento cujas rendas eram pagas pela ..., fê-lo com a consciência de que estava a transmitir factos falsos e inverídicos com o objetivo de prejudicar e causar dano ao assistente, o que conseguiu.
b.-Condenar a arguida AF pela prática em autoria material de um crime de difamação agravada, previsto e punido pelos artigos 180.º, n.º 1, 183.º, n.º 1, alíneas a) e b) e n.º 2, e 184.º, todos do Código Penal, por referência ao artigo 71.º da Lei da Televisão, na pessoa do assistente FF, na pena de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de € 15,00 (quinze euros).
c.-Em cúmulo jurídico entre esta pena e aquela em que a arguida foi condenada pelo tribunal a quo, condená-la na pena única de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de € 15,00 (quinze) euros, o que perfaz o montante global de € 4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros).
d.-Confirmar quanto ao mais a sentença recorrida.
e.-Custas pela arguida, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC´s.
Notifique.
*

Lisboa, 7 de maio de 2024

(texto processado e integralmente revisto pela relatora – artigo 94.º, n.º 2 do Código de Processo Penal)

Ester Pacheco dos Santos
Alda Tomé Casimiro- (com vodo de vencido)
Manuel Advínculo Sequeira
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Voto vencida
Considero que a arguida AA deveria ter sido absolvida da prática dos imputados crimes de difamação agravada, quer na pessoa da assistente EE, quer na pessoa do assistente FF.
Sendo certo que a reportagem em causa contém inverdades e insinuações, creio que, ainda assim, os factos não consubstanciam a prática de crimes de difamação.
O bem jurídico protegido pelo tipo do art. 180º do Cód. Penal é a honra, perspectivada em duas vertentes: a interna, enquanto valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade – a ideia que cada um tem de si – e a externa, relativa à sua reputação ou consideração exterior, ou seja, a ideia que terceiros têm de nós (Faria e Costa, “Comentário Conimbricence do Código Penal”, Coimbra Editora, volume I, p. 607).
Assim, será difamatória a acção ou expressão que tenha aptidão (objectivamente, perseguindo critérios de normalidade e repudiando meras susceptibilidades pessoais) para colocar em causa a “auto-estima” ou a “fama” do sujeito visado.
Ou seja, a lesão do direito à honra e consideração ocorre quando alguém imputa a outrem um facto, ou formula um juízo, objectivamente adequado a depreciar ou desacreditar, quer individual quer socialmente, a vítima – o que significa que nem todo o facto ou juízo que envergonha, ou perturba, ou humilha, cabe neste conceito.
As imputações feitas na reportagem, em meu entender, não constituem ofensa exigível para que se considere terem sido praticados crimes.
Com efeito, em causa estão 3 inverdades:
- a de que a assistente EE, teria sido inquirida nas instalações da Polícia Judiciária, por duas vezes, em Outubro e Novembro de 2018;
- a de que o assistente FF receberia injustificadamente dois vencimentos pagos pela ...;
- a de que o assistente FF, usava exclusivamente um apartamento cujas rendas eram pagas pela ....
Creio que, mesmo não sendo verdade, nenhuma das afirmações ofendeu de maneira irrazoável a esfera de dignidade pessoal de cada um dos assistentes, tanto mais que se trata de ... e vice-presidente de ... profissional que, por via disso, se encontram sujeitos a compreensível escrutínio público e de quem se espera alguma tolerância.
(Alda Tomé Casimiro)