Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2755/23.5T8ALM.L1-4
Relator: PAULA PENHA
Descritores: BANCÁRIO
PENSÃO DE REFORMA
CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL
REGRA PROPORCIONAL
DIREITOS INDISPONÍVEIS
CONDENAÇÃO ULTRA PETITUM
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I – Depois de cessada uma relação laboral cessa a indisponibilidade/irrenunciabilidade dos respectivos direitos do ex-trabalhador que, doravante, pode dispor livremente dos mesmos e/ou exigir, ou não, os mesmos e seu ressarcimento ou restituição por parte da ex-empregadora. Cabendo ao ex-trabalhador a liberdade de o fazer, se quiser, e de o fazer na totalidade ou apenas em parte.
Impondo-se ao Juiz respeitar essa autonomia da vontade e essa livre definição unilateral do âmbito do pedido de um ex-trabalhador, no âmbito de uma acção judicial por este intentada contra um ex-empregador, deve a sentença conter-se dentro dos limites daquele pedido.
Caso exceda o pedido, a sentença enferma de vício formal de nulidade nessa parte e nessa exacta medida que ficará sem efeito;
II – Em acção (declarativa sob a forma de processo comum) em que a autora/ex-trabalhadora bancária – relativamente a certo período temporal em que a já recebera da Segurança Social a [indisponível, indiscutível e unificada] pensão de reforma por velhice –, vem exigir da ré/ex-empregadora bancária a restituição de certa quantia pecuniária que esta retivera, na respectiva pensão de abate, alegadamente devida à autora com inerente prejuízo desta e benefício da ré, trata-se de um direito que estava na livre disponibilidade da autora.
Pelo que, independentemente do mérito ou desmérito que mereça tal pretensão formulada nesta lide, pela autora (ex-trabalhadora) relativamente à ré (ex-empregadora) e independentemente do cálculo efectuado pelo Tribunal conduzir a uma determinada quantia superior à peticionada na acção, o Tribunal sempre estaria limitado a conter a sua decisão aos precisos limites daquele pedido da autora;
III – Não sendo cumuláveis/sobreponíveis entre si (as pensões de reforma por velhice pagas, por um lado, pela instituição bancária e, por outro lado, pelo Centro Nacional de Pensões, referentes à mesma ex-trabalhadora bancária e ao mesmo período temporal de trabalho no sector bancário em que esta, também, efectuara descontos para a Segurança Social), este factor temporal é o único que importa como referência para o efeito.
A ex-trabalhadora bancária recebe a pensão unificada de velhice por todo o tempo de trabalho prestado, a cargo do Centro Nacional de Pensões e, através da aplicação da regra proporcional ao hiato temporal em causa (regra de três simples pura/”pro-rata temporis”), obtém-se a diferença/o valor da respectiva parte da pensão de reforma recebida, do Centro Nacional de Pensões, a entregar pela ex-trabalhadora bancária à respectiva entidade bancária/ ex-empregadora.
(sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
Relatório

Na acção, sob a forma de processo comum nº 2755/23.5T8ALM do J2 do Juízo do Trabalho de Almada, intentada por AA contra Caixa Económica Montepio Geral, Caixa Económica Bancária, S.A., a autora pediu a condenação da ré:
no pagamento das prestações de reforma, vencidas e vincendas, cujo valor, em Abril de 2023, ascendia a €2.672,17, acrescida de juros de mora; e
a abster-se de reter percentagem superior a 47,05% da pensão atribuída, em cada momento, pela Segurança Social.
A ré contestou, pugnando pela improcedência da acção com absolvição de todos os pedidos.
Realizou-se audiência prévia no decurso da qual as partes acordaram nos factos relevantes para a decisão da causa e concluíram pela desnecessidade de ulterior produção de prova ou alegações.
Foi proferida sentença cuja parte decisória consigna (transcrição):
«III. DISPOSITIVO
Por tudo quanto se deixou exposto, o tribunal julga procedente a acção e, em consequência:
a) condena a ré no reconhecimento do direito da autora a receber a pensão de reforma, deduzida do valor de 8/17 avos, correspondente à percentagem de 47,05882%, decorrente dos 8 anos de descontos para a Segurança Social enquanto trabalhadora bancária;
b) condena a ré a restituir à autora a quantia de €3.028,24 (três mil e vinte e oito euros e vinte e quatro cêntimos), desde Março de 2021 até Março de 2023 (inclusive), acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações que a integra até efectivo e integral pagamento;
c) condena a ré, na decorrência do referido em a), do dispositivo, a restituir à autora os valores que, após Abril de 2023 (inclusive), haja deduzido em proporção diversa da supra definida (8/17 avos, correspondente à percentagem de 47,05882%), acrescida de juros vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações até efectivo e integral pagamento;
d) condena a ré a, nas prestações vincendas, aplicar a regra referida em a). …»
Inconformada, a ré interpôs recurso desta decisão, tendo terminado as respectivas alegações com as seguintes conclusões e respectivo pedido:
«1. Nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo Civil, é nula a sentença quando o juiz condene em quantidade superior ou objeto diverso do pedido.
2. Salvo o devido respeito, que é muito, a douta Sentença recorrida enferma da referida nulidade, conforme se passa a expor.
3. Nos presentes autos, a Autora terminou a sua petição inicial formulando o seguinte pedido: “Nestes termos e nos mais que doutamente irão suprir, deve a presente ação ser julgada por provada e procedente e condenar-se a R: (…) b. A pagar à A. o valor de €2.672,17 Euros, acrescido de juros de mora no montante de 208 Euros, num valor total global de €2880,17 Euro, correspondente ao valor excessiva e ilegalmente descontado e respeitante aos meses de Março de 2021 e até à presente data, valor onde se encontram englobados os respetivos subsídios de férias e de Natal, acrescidos de juros vencidos até integral pagamento; (…)”
4. Sucede que, na fundamentação da douta Sentença recorrida escreve a Mm.ª Juiz a quo:
“(…) Transpondo o raciocínio exposto para os valores que são devidos à Autora desde Março de 2021 até Março de 2023 (inclusive), temos, assim, que, a titulo de diferencial entre a pensão de abate acolhida pela ré e a pensão de abate que, efetivamente, deveria ter aplicado a coberto da cláusula 98.ª do ACT, lhe é devia a quantia global de € 3.028,24 (…)”
5. E, mais adiante, “Pese embora o valor supra alcançado seja superior ao valor liquidado e apurado pela Autora na sua petição inicial e, subsequentemente, peticionado, entende-se não se proceder a condenação para além do pedido atendendo à natureza das prestações em presença (art.º 74.º do Código de Processo do Trabalho), resultando o apurado valor de operação de mero cálculo aritmético.”
6. Ora, não obstante as considerações tecidas (e acima transcritas) sobre o valor apurado pelo Tribunal a quo ser superior ao valor peticionado pela Autora, a Mm.ª Juiz, talvez por lapso, condena a Ré nos seguintes termos:
7. “Por tudo quanto se deixou exposto, o tribunal julga procedente a acção e, em consequência: b) condena a ré a restituir à autora a quantia de 3.028,24 €, desde Março de 2021 até Março de 2023 (inclusive), acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações que a integra até efetivo e integral pagamento. (…)”
8. Ou seja, em quantidade superior à peticionada pela Autora (2.672,17€).
9. Pelo exposto, a douta Sentença recorrida padece, assim, da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo Civil – que aqui expressamente se invoca – e que impõe a nulidade dos presentes autos.
10. Por outro lado, a Recorrente impugna a matéria de facto dada por provada nos autos, pois a prova produzida nos autos não permite dar-se por provado o facto que ficou vertido no ponto 5.
11. Este ponto teve a seguinte redação: “5. A Autora passou à situação de reforma por invalidez presumível, com efeitos a 11 de Setembro de 2019.”
12. Sucede, todavia, que os meios probatórios constantes do processo, designadamente o DOC. 4 junto pelo Autor com a p.i., impunha decisão sobre a matéria de facto diversa da recorrida.
13. De facto, não só a Ré impugnou expressamente o artigo 5.º da petição inicial do Autor [cfr. artigo 132.º da Contestação], alegando que a Autora passou à situação de reforma em 31/12/2018.
14. Como o ofício da Segurança Social, junto como DOC. 4 com a p.i., confirma que a última contribuição da Autora para o Regime Geral de Segurança Social ocorreu em Dezembro de 2018, e não em Setembro de 2019.
15. Face ao exposto, o facto em apreço deve ter a seguinte redação: “5. A Autora passou à situação de reforma por invalidez presumível no mês de Dezembro de 2018.”
16. Deve, assim, alterar-se a matéria de facto nos termos supra expostos.
17. Além da impugnação da matéria de facto que acima se deixou expressa, a Recorrente não pode conformar-se com a decisão de direito que constitui a douta Sentença recorrida.
18. Com efeito, a interpretação das cláusulas regulativas de convenção coletiva de trabalho deve fazer-se de acordo com as regras de interpretação da lei, em particular de acordo com o disposto no artigo 9.º do Código Civil, como vem sendo entendimento da Jurisprudência, e como recentemente foi defendido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2019, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 55, de 19 de Março de 2019.
19. Na INTERPRETAÇÃO da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário, deve atender-se aos seus elementos literal, sistemático, histórico e teleológico.
20. No que respeita ao elemento literal, a redação da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário (cláusula que veio a ser substituída pela cláusula 98.ª do ACT do Montepio) é clara nos dois aspetos que aqui relevam.
21. Primeiro, que nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por Instituições ou Serviços de Segurança Social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas Instituições ou seus familiares - como sucede com a Recorrida, a partir de 1.1.2011, dada a sua integração no regime geral de segurança social por imposição do Decreto-Lei n.º 1-A/2011, de 3 de Janeiro -, apenas será garantida, pelas Instituições de Crédito, a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos no ACT – cfr. 2.ª parte do n.º 1 da cláusula 136.ª.
22. Segundo, que o benefício a “abater” é o que decorre de contribuições feitas no período de serviço contado pelo Banco para o cálculo da pensão a pagar por este, pois, como se refere no n.º 2 daquela cláusula estão em causa os benefícios decorrentes de contribuições.
23. A “pensão de abate” é, assim, o benefício do CNP pelo tempo de carreira ao serviço do banco (pensão teórica) que resulta das contribuições feitas no período em apreço, apurado segundo as regras do regime geral da segurança social, que são as regras aplicáveis ao cálculo do benefício a pagar pelo CNP.
24. As cláusulas aludem, literalmente, ao benefício decorrente das contribuições com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador.
25. Acresce ainda que, quando no Acordo Coletivo se pretendeu exprimir o critério pro rata temporis tal foi feito de modo particularmente claro e direto (n.º 3 da cláusula 102.ª) sem qualquer semelhança com a redação da analisada cláusula 98.ª.
26. O elemento sistemático é também conducente ao mesmo resultado interpretativo.
27. A norma em causa insere-se no sistema de previdência e, no caso concreto, na conjugação de dois regimes de reformas, a saber: o regime de segurança social do sector bancário e o regime geral de segurança social.
28. Para isso, por se tratar de um sistema previdencial, remete para as regras de cálculo utilizadas pelo regime geral da segurança social.
29. A fim de as utilizar e não de aproveitar os seus resultados.
30. A inserção sistemática da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário impõe a sua interpretação no sentido da aplicação das mesmas regras que servem para o cálculo da pensão do CNP.
31. São essas as regras aplicadas pela Recorrente, para apuramento da “pensão de abate”.
32. Este sentido saí reforçado, por um lado, por não haver dúvidas quanto à aplicação das regras de cálculo do regime da segurança social quando não há tempo “extra-banco” e, por outro lado, pela redação da cláusula 98.ª do ACT do Banco Montepio.
33. Naquela cláusula as Partes Outorgantes, acautelando o caso de o trabalhador não requerer a atribuição do benefício do CNP, expressamente previram como seria feito o “abate” daquele benefício à pensão a pagar pelo Banco, remetendo expressamente para as regras do regime geral de segurança social.
34. Caso o trabalhador não requeira o pagamento do benefício do CNP, o Banco estima qual o valor desse benefício e apenas garante o pagamento da diferença entre a pensão prevista do ACT e o benefício do CNP.
35. O que significa que as Partes sempre tiveram presente que o benefício a “abater” é apurado de acordo com as regras aplicáveis ao cálculo desse mesmo benefício e não de acordo com uma qualquer regra de repartição em “três simples” ou pro rata temporis.
36. Ao invés, não há qualquer elemento do sistema que aponte para a interpretação que defende a Recorrida, ou seja, não há qualquer norma no sistema em que se insere a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e a cláusula 98.ª que lhe sucedeu, que contenha norma para o cálculo de benefícios de pensão em razão de qualquer critério de pro rata temporis.
37. O montante da pensão do CNP é igual ao produto da remuneração de referência pela taxa global de formação da pensão e pelo fator de sustentabilidade., como resulta do disposto no artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio.
38. E a remuneração de referência é definida no artigo 28.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, pela fórmula TR/(nx14), em que TR representa o total das remunerações anuais revalorizadas de toda a carreira contributiva e n o número de anos civis com registo de remunerações, até ao limite de 40.
39. São estas as regras do sistema a que apela a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e que, com recurso ao elemento sistemático, devem aplicar-se no apuramento da parte da pensão a pagar pelo CNP que há-de ser entregue pela Recorrida à Recorrente.
40. Quanto ao elemento histórico, pode dizer-se que a redação da cláusula 136.ª do ACT do setor bancário remonta ao ACT do setor bancário de 1980 e manteve-se praticamente inalterada na cláusula 98.º do ACT do Montepio.
41. A sua origem remonta ao ano de 1980 e sempre teve o objetivo de articulação dos regimes de segurança social quando o trabalhador está abrangido por mais do que um regime, de forma a impor a duplicação de benefícios. E, tais benefícios não se limitam às pensões de reforma, pois incluem outros como prestações de parentalidade e morte, observando-se a regra de cálculo de cada um dos regimes que atribui o benefício que esteja em causa.
42. Por fim, o elemento teleológico é particularmente relevante na tarefa interpretativa, pois a norma da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário tem por fim coordenar o percebimento de benefícios por trabalhadores submetidos a diferentes regimes de forma a impedir que, por força co mesmo período contributivo, o trabalhador venha a auferir, de forma cumulada, dois benefícios.
43. Fá-lo, limitando a responsabilidade da instituição bancária, à diferença entre os benefícios devidos por aplicação do IRCT e os benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou serviços de segurança social com fundamento na prestação do serviço no sector bancário.
44. É uma expressão clara do princípio da não acumulação de prestações plasmado no artigo 67.º, n.º 1 da Lei de Bases da Segurança Social (Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro).
45. A não acumulação de prestações não pode alcançar-se com recurso, para a repartição da pensão a pagar pelo CNP, a um critério de “regra de três simples pura”.
46. Tal conclusão ofende diretamente o fim a que se propõe a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e a cláusula 98.ª que lhe sucedeu, que é, precisamente, abater à pensão paga pelo Banco Recorrente, a pensão (ou parte de pensão) que for paga à Recorrida pelo CNP que respeite ao tempo de Banco.
47. O entendimento da Recorrente é, de resto, o que conduz a um resultado mais equitativo.
48. É bom notar que a carreira extra-banco pode ser mais favorável ao trabalhador, o que sucede no caso de as remunerações registadas nesse período serem superiores às registadas na carreira ao serviço do Banco.
49. Por isso, acrescenta-se, a este propósito, que o entendimento da Recorrente assegura, inclusivamente, que nesses casos, em que a pensão teórica extra-banco seja mais favorável ao pensionista (por as remunerações auferidas nesse período serem superiores), não veja este o seu benefício penalizado.
50. A questão não é meramente teórica, tendo sido objeto do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22/11/2017, disponível em www.dgsi.pt
51. Como sucedeu no caso julgado no referido douto Acórdão do Tribunal de Relação de Évora de 22/11/2017, em que estava em causa uma pensão da Caixa Geral de Aposentações e em que o Banco ali Réu reconhecera parte da carreira na CGA, verificou-se que as remunerações auferidas pelo trabalhador no período extra-banco eram superiores àquelas que auferira no período que o Banco lhe contara, tendo o tribunal concluído que não era aplicável a regra de pro rata temporis, que aquele Banco aplicara.
52. O Tribunal da Relação de Évora acolheu o entendimento aqui defendido pela Recorrente que, naquele caso, era favorável ao pensionista.
53. O elemento teleológico da norma não consente, assim, outra interpretação que não seja a que lhe dá a Recorrente.
54. A INTERPRETAÇÃO da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e da cláusula 98.ª que lhe sucedeu, com recurso aos elementos de interpretação literal, sistemático e teleológico, conduz ao resultado oposto ao da Sentença recorrida.
55. A interpretação preconizada pela douta Sentença recorrida olvida que para o cálculo do beneficio pago pelo CNP concorre, nos termos do disposto no artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, não só o tempo (por via da taxa de formação a pensão) mas também as remunerações (por via da remuneração de referência que é definida no artigo 28.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, pela fórmula TR/(nx14), em que TR representa o total das remunerações anuais revalorizadas de toda a carreira contributiva e n o número de anos civis com registo de remunerações, até ao limite de 40).
56. Em suma: porque a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário (tal como a cláusula 98.ª do atual ACT do Montepio) se refere expressamente a benefícios decorrentes de contribuições para o regime geral de segurança social e porque o benefício pago pelo regime geral de segurança social (através do CNP) é apurado considerando, além do tempo de carreira contributiva (que determina a taxa de formação da pensão), os montantes das contribuições feitas ao longo da carreira contributiva (por via da determinação da remuneração de referência), torna-se imperioso calcular as duas pensões teóricas respeitantes a cada um dos períodos em causa e, em função desses resultados, repartir o benefício pago pelo CNP.
57. Entendimento que foi sufragado pelos doutos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 10/10/2016 e do Tribunal da Relação de Lisboa de 25/09/2017, que se juntaram aos autos.
58. Mais recentemente foi também este o entendimento versado nas três doutas sentenças proferidas pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho do Porto, Juiz 1, de 20/02/2020 e de 01/10/2020, e Juiz 2 de 25/04/2020, já juntas a estes autos.
59. E é também a douta opinião do SENHOR PROFESSOR DOUTOR BERNARDO LOBO XAVIER expressa no douto Parecer de Direito junto aos autos.
60. As remunerações registadas ao longo da carreira contributiva da Recorrida não são iguais, ocorrendo que as remunerações registadas na carreira ao serviço do Banco são devaloressubstancialmentesuperioresàsqueforamregistadasnoperíododacarreira fora do Banco, como se pode verificar da simples análise do Doc. 4 junto com a petição inicial, onde constam as seguintes remunerações registadas na carreira da Autora:

AnoValores
revalorizados das remunerações
19694.005,52€Carreira
Exrta-Banco
19709.798,83€
19712.926,52€
19725.581,53€
19737.761,41€
19747.719,11€
197512.773,48€
197612.588,42€
19774.166,34€
201130.460,48€Carreira no Banco
201229.449,92€
201323.210,88€
201423.210,88€
201523.105,60€
201622.975,68€
201723.370,27€
201823.847,69€

61. Na interpretação da Recorrida, por exemplo, o ano de 1971 em que tem registado o montante de remunerações revalorizadas de 2.926,52€ tem exatamente o mesmo peso na repartição da pensão (!) que o ano de 2011 em que tem registadas remunerações revalorizadas de 30.460,48€.
62. A interpretação da Recorrida tem como efeito que, independentemente dos montantes das remunerações, cada ano da carreira contributiva tem igual peso, quando nos termos a lei, como se viu, não é assim, pois o cálculo da pensão é efeito em função do tempo (taxa de formação)edasremunerações(remuneraçõesdereferência),detalformaqueremunerações mais elevadas (a que correspondem contribuições mais elevadas) significam pensão de valor mais elevado.
63. Ainda que se entendesse que não estaria em causa a interpretação da cláusula 136.ª do ACT do setor bancário (atual cláusula 98.º do ACT do Montepio), por se verificar que a cláusula é omissa quanto à fórmula de cálculo no caso em que se torna necessário proceder à repartição da pensão do CNP, chegar-se-ia, por via da INTEGRAÇÃO, ao mesmo resultado.
64. Nesse sentido, pronunciou-se a EXMA SENHORA PROF. DOUTORA MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO em douto parecer junto aos autos no processo que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Juízo do Trabalho das Caldas da Rainha, Proc. n.º 1718/19.0T8CLD, já junto aos autos.
65. No entendimento sufragado pela Recorrida, as clausulas 136.ª do ACT do Setor Bancário e 98.º do ACT do Montepio, violam também o disposto no artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República.
66. Ao remeter-se o cálculo da “pensão de abate” para uma “regra de três simples” está a Recorrida, inevitavelmente, a transferir para si, como pensionista, parte do benefício que o Banco deve abater à mensalidade que está obrigado a pagar, potenciando, ilegalmente e em afronta àquele comando constitucional, o benefício que o pensionista teria a receber se isoladamente lhe fosse considerada apenas a carreira contributiva extra-banco.
67. O efeito de tal entendimento é, efetivamente, a violação do preceito constitucional vertido no artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República que determina que “Todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de atividade em que tiver sido prestado.”.
68. Na interpretação dada pela Recorrida à cláusula 136.ª do ACT do Sector Bancário e à cláusula 98.ª do atual ACT do Montepio, tais cláusulas são MATERIALMENTE INCONSTITUCIONAIS por violação do artigo 63.º, n.º 4 da Constituição.
69. A douta Sentença recorrida deve, pelos fundamentos expostos, ser revogada, concedendo-se provimento ao Recurso e, consequentemente, absolvendo-se a Recorrente dos pedidos.
70. Ao decidir como decidiu, violou a douta Sentença recorrida o disposto na cláusula 136.ª do Acordo Coletivo de Trabalho do sector bancário (BTE n.º 3 de 22/01/2011 - Data de Distribuição: 24/01/2011), cláusula que veio a ser substituída, com redação similar, pela cláusula 98.ª do Acordo Coletivo de Trabalho do Montepio, (BTE n.º 8 de 28/02/2017 -Data de Distribuição: 01/03/2017), os artigos 26.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio e, bem assim, violou também o disposto no artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República.
71. A douta sentença recorrida padece ainda de nulidade por condenação em quantidade superior ou objeto diverso do pedido, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo Civil.
Termos em que, concedendo provimento a esta Apelação e, consequentemente, quer pela ILEGALIDADE da decisão – por via da INTERPRETAÇÃO das normas ou da INTEGRAÇÃO de lacuna-, quer por via da INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL das cláusulas 136.ª do anterior ACT do setor bancário e da cláusula 98.ª do ACT do Montepio, na interpretação que lhes deu a douta Sentença recorrida, julgando a ação totalmente improcedente, farão V. Exas, JUSTIÇA! ! »
Foram apresentadas contra-alegações, pugnando a autora pela total improcedência do recurso e manutenção integral da sentença recorrida. Em suma, enumerando vários acórdãos do Tribunal Constitucional, do STJ e de todas as Relações, bem como sentenças da 1ª instância que atestam a sedimentação pacífica no sentido peticionado pela autora, mas que a ré insiste em questionar.
O recurso foi admitido e a propósito da invocada nulidade da sentença por alegada condenação em quantidade superior ao pedido, o Tribunal recorrido refutou tal vício. Em suma, por estar explicitada e fundamentada a razão de ser da condenação e que caso não esteja correcta tal constituirá erro de julgamento e não nulidade da sentença.
Recebidos os autos nesta Relação, o Exmº. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência da apelação e manutenção integral da sentença recorrida. Em suma, considerando: estar sedimentada na jurisprudência a posição da autora quanto à regra de três simples para o cálculo da pensão de abate; estar assente por acordo das partes, aquando da audiência prévia, a data da reforma da autora com efeitos a 11/9/2019; e estarmos perante direitos indisponíveis/irrenunciáveis que impuseram valor superior ao peticionado pela autora.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões da recorrente [conforme preveem os artigos 635.º, n.º 4, 637º, nº 2, e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante com a abreviatura CPC), aplicáveis “ex vi” do art.º 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho (doravante com a abreviatura CPT)] – sem prejuízo do conhecimento oficioso de outras [conforme prevê o art.º 608º, n.º 2, parte final, aplicável “ex vi” do art.º 663º, n.º 2, parte final, do CPC aplicáveis “ex vi” do art.º 87.º, n.º 1, do CPT ] – as questões a decidir são as seguintes:
1ª – Há nulidade da sentença por ter condenado em quantia superior à peticionada pela autora?
2ª – Há decisão factual errada quanto à data constante do item 5 dos factos provados?
3ª – Há errada decisão jurídica por o cálculo do valor a reter pela ré (aquando do pagamento da pensão de reforma da autora) deve fazer-se em função da diferença de valores (entre a pensão a seu cargo e a pensão a cargo do CNP) relativamente ao mesmo período temporal e ao valor das respectivas retribuições recebidas durante o mesmo?
Fundamentação de facto
Conforme já havia sido referido no nosso relatório, aquando da audiência prévia, foi prescindida a produção de prova e de alegações, tendo ambas as partes acordado que ficassem como assentes os seguintes factos relevantes para a decisão da causa (transcrição):
«a) São os seguintes os factos provados (1 Resultantes do acordo das partes):
1. A ré é uma instituição de crédito e exerce a actividade bancária.
2. Participou nas negociações e outorgou o ACT para a Caixa Económica Montepio Geral, publicado no B.T.E., 1ª Série, n.º 8, de 28/02/2017, instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que aplicou e aplica aos trabalhadores integrados nos seus quadros ou que deles fizeram parte.
3. A autora encontra-se filiada no Mais Sindicato, que também usou Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, onde figura como sócia n.º 28462.
4. A autora foi admitida ao serviço da ré em 25 de Março de 1977.
5. A autora passou à situação de reforma por invalidez presumível, com efeitos a 11 de Setembro de 2019.
6. A autora passou então à situação de reforma integrada no nível 10 do ACT para o Montepio.
7. Na presente data, a ré entrega à autora uma pensão de reforma, pagável 14 vezes por ano, com a pensão base de €1.230,03 + diuturnidades no valor de €299,81 + complemento no valor de €291,24 + subsídio de apoio familiar no valor de €156,09.
8. A autora foi informada por carta do Centro Nacional de Pensões, datada de 03 de Março de 2022, que o requerimento de pensão oportunamente apresentado foi deferido, sendo que a pensão por velhice tem início em 11 de Março de 2021, sendo o seu valor €558,66 Euros.
9. Tendo aquele valor sido actualizado para €596,12 no ano de 2023.
10. Após o que a autora remeteu à ré a informação que lhe fora prestada pela Segurança Social relativamente à sua pensão, conforme por esta solicitado.
11. Com data de 11 de Abril de 2022, a ré comunicou à autora como segue:
«(...)Assunto: Pensão de Reforma
Exma. Senhora,
A partir deste mês, iremos deduzir à pensão paga pela CEMG o valor de 373,57€, respeitante ao período de descontos de 2011 a 2018.
Dado que o CNP pagou desde 11/03/2021, também iremos efectuar os respectivos retroactivos, o que perfaz um valor de 5.715,37€. (...)».
12. A autora liquidou o valor de € 5.715,37 no dia 12 de Maio de 2022.
13. Na presente data, a ré deduz à pensão de reforma do Centro Nacional de Pensões o valor de 373,57 Euros.
14. A carreira contributiva da autora caracterizou-se do seguinte modo:
a) carreira no regime geral da Segurança Social, composta pelos períodos de 08/1969 a 06/1971, de 01/1972 a 03/1977, fora do banco, e de 01/01/2011 a 31/12/2018, este último período no banco;
b) outra carreira no regime de Segurança Social no Sector Bancário composta pelo período de 25/03/1977 até 31/12/2018, ao serviço da ré.
15. À autora foi atribuída uma pensão pelo CNP no valor mensal, desde 11 de Março de 2021, de €558,66, valor esse actualizado, a partir de Janeiro de 2023, para €590,12, mensais.
16. Até Dezembro de 2022, a ré deduziu na pensão paga à autora o valor mensal de €373,57; desde Janeiro até à presente data, a ré deduz o valor mensal de €373,57, inclusive no subsídio de férias pago em Janeiro de 2023.
17. As remunerações registadas ao longo da carreira contributiva da autora são as constantes do quadro enunciado no artigo 110.º, da contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
18. A ré procedeu, à data do início do cálculo da pensão da autora, ao seguinte apuramento:
1) Cálculo da pensão com a carreira total CNP (igual CNP) = 558,66€
2) Cálculo da pensão teórica da carreira no Banco 31/12/2018= 365,57€
3) Cálculo da pensão teórica da Carreira tempo antes do Banco = 181,13€
4) Apuramento do acréscimo que resulta da diferença entre o valor da pensão total e o valor resultante da soma das duas pensões autónomas = 11,96€.
5) Repartição do acréscimo de acordo com o valor relativo de cada pensão teórica no valor total da pensão paga pela Segurança Social.
6) Os valores encontrados somam-se às pensões calculadas autonomamente, totalizando o valor de 185,09€ para o período anterior à banca e o valor de 373,57€ para o período de banca.»
Apreciação das questões recursivas
1ª questão – Há nulidade da sentença por ter condenado em quantia superior à peticionada pela autora?
A recorrente/ré invoca a nulidade da sentença, nos termos do art.º 615º, nº 1, al. e), do CPC, por a ter condenado a restituir à autora uma quantia superior à pedida por esta e que tal impõe a nulidade dos presentes autos.
Cumpre apreciar e decidir.
Desde já, se adianta que a sentença enferma da invocada nulidade, mas importa fazer uma ressalva prévia.
É que – contrariamente ao ambicionado pela ré/recorrente – daí não advém a nulidade dos presentes autos, tão somente a nulidade da viciada parte da sentença, apenas na parte em que condenara em quantidade superior ao pedido da autora.
Como sabemos, o art.º 615º do CPC prevê (sob o título “Causas de nulidade da sentença”) no nº 1 que: «É nula a sentença quando: … e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido
Esta regra decorre do princípio do pedido e do dispositivo, consagrado no art.º 3º, nº 1, do CPC segundo o qual: «1 - O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição».
E, também, do consignado no artigo 609º, nº 1, do CPC (sob o título “Limites da condenação” segundo o qual: «1 - A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir
Seguindo os ensinamentos constantes do Acórdão do STJ de 5/5/2016 relatado pelo Exmº Conselheiro Gabriel Catarino (acessível em dgsi.pt) e da doutrina ali convocada, o princípio do dispositivo, na sua vertente de princípio da congruência, enquanto limite à atividade jurisdicional, desdobra-se em três vertentes: (i) adequação da sentença às pretensões das partes, de maneira que aquela dê arrimada resposta a todas estas; (ii) correlação entre as petições de tutela e os pronunciamentos da decisão; e (iii) harmonia entre o solicitado e o decidido.
Digamos, pois, que, por força do princípio do pedido ou do dispositivo, os concretos contornos do litígio, isto é, o seu objeto/”thema decidendum”, são – à luz dos princípios constitucionais do direito à propriedade privada e da autonomia da vontade –, os definidos pelo autor na petição inicial através da enunciação nesse articulado da causa de pedir (facto jurídico concreto do qual dimana o pedido) e do pedido (pretensão de tutela jurisdicional para uma dada situação dela carecida).
Portanto, com a propositura da ação e a definição autónoma do pedido e da causa de pedir, o autor conforma o objeto do processo – objeto este que só pode ser alterado ou ampliado nas circunstâncias previstas nos arts. 264º e 265º, do CPC –, estabelecendo o mesmo (como ato gerador da instância) a relação jurídica controvertida triangular formada pelas partes e pelo juiz (tribunal) a quem a petição é dirigida, em equidistância relativamente a cada uma delas.
Nesta perspetiva e como se salienta ainda no mesmo Acórdão do STJ, citando a Prof.ª Mariana França Gouveia: “No fundo, (o princípio do dispositivo ou do pedido) é um princípio que estabelece os limites de decisão do juiz — aquilo que, dentro do âmbito de disponibilidade das partes, estas lhe pediram que decidisse. Só dentro desta limitação se admite a decisão.
Por isso, como também se escreve no mesmo Acórdão do STJ: “A congruência de uma sentença atina com uma qualidade que se refere, não à relação entre si das distintas partes e elementos da sentença, mas sim à relação da sentença com a pretensão dos litigantes. Uma sentença é congruente na medida em que decide na coerência interna do processo e é incongruente, ainda que revelando coerência na sua argumentação lógico-racional, se se afasta da estrutura performativa que resulta ou decorre da composição de interesses postos em tela de juízo na causa.”
Tal só não sucederá se [dadas as especificidades da jurisdição laboral e da desigualdade (jurídica e económica) de uma das partes contratantes (o trabalhador) relativamente à outra parte contratante (o empregador) que o legislador jus-laboral quis salvaguardar através do art.º 74º do CPT (intitulado “Condenação extra vel ultra petitum”)]:
. se tratar de uma acção do foro laboral;
. relativamente a uma relação jus-laboral que ainda esteja a vigorar (salvo tratando-se de acidente de trabalho ou doença profissional cuja tutela perdura mesmo após a cessação do respectivo vínculo);
. que o objecto da lide verse sobre algum direito imperativo e indisponível do trabalhador imposto por preceitos absolutamente inderrogáveis contidos em leis ou em instrumentos de regulamentação coletiva;
. e que estes imponham uma condenação “extra vel ultra petitum” em face da matéria factual provada ou de factos notórios (do conhecimento geral) ou do conhecimento do tribunal em virtude do exercício das suas funções.
Depois de cessada uma relação laboral cessa tal indisponibilidade/inalienabilidade/irrenunciabilidade dos respectivos direitos do ex-trabalhador que, doravante, poderá dispor livremente dos mesmos e/ou exigir, ou não, os mesmos e o seu ressarcimento ou restituição por parte da ex-empregadora. Cabendo ao ex-trabalhador a liberdade de o fazer, se quizer, e de o fazer na totalidade ou apenas em parte.
Impondo-se ao Juiz respeitar essa autonomia da vontade e essa livre definição unilateral do âmbito do pedido de um ex-trabalhador, no âmbito de uma acção judicial por este intentada contra um ex-empregador. E, impondo-se que haja harmonia/concordância lógica entre o pedido do ex-trabalhador que subjaz a uma acção judicial e a decisão judicial que é a sentença e que deve conter-se dentro dos limites daquele pedido.
Caso tal não suceda, o vício formal que afecte o necessário silogismo judiciário relativamente aos limites da sentença irá obstar ao pronunciamento de mérito nessa exacta medida que exorbite os limites do pedido.
Posto isto, vejamos o caso concreto.
Esta acção (declarativa sob a forma de processo comum) emerge de um contrato de trabalho que existiu entre a autora (ex-trabalhadora) e a ré (ex-empregadora), já cessado (por caducidade nos termos dos arts. 340º, al. a), e 343º, al. c), do Código do Trabalho de 2009) devido à reforma daquela por velhice.
Cujo pedido desta acção se reporta [na parte com interesse para esta questão solvenda] à restituição da quantia de €2.672,17 (acrescida de juros de mora) pretendida pela autora (ex-trabalhadora) relativamente à ré (ex-empregadora) no tocante a certas prestações de reforma daquela que esta reteve (em percentagem superior a 47,05% da pensão atribuída pela Segurança Social), desde Março de 2021 até final de Março de 2023 inclusive.
E cuja sentença recorrida [na parte com interesse para esta questão solvenda] condenou a ré a restituir à autora a quantia de € 3.028,24 (acrescida de juros de mora) no tocante a certas prestações de reforma desta que aquela reteve (em percentagem superior a 47,05882% da pensão atribuída pela Segurança Social) desde Março de 2021 até final de Março de 2023 inclusive.
Ora, aquando da acção a que se reportam os presentes autos, já não havia qualquer relação laboral entre as partes, atenta a reforma por velhice da autora (ex trabalhadora) da ré (ex-empregadora).
E tão pouco se questiona a dimensão previdencial da pensão de reforma por velhice paga pela Segurança Social à autora (ex-trabalhadora bancária). Nem se questiona o cariz universalista do sistema de previdência social estabelecido no nosso país para todos os trabalhadores (quer tenham sido bancários ou não). Nem se questionam as contribuições feitas, para esse efeito, quer pela autora quer pela ré. Nem se questiona a pensão de reforma por velhice que tem vindo a ser paga à autora, pela Segurança Social, tendo em conta toda a carreira contributiva da autora (de 17 anos, sendo 8 deles, também, no regime de Segurança Social do sector bancário). Nem se questiona a aplicação dos respectivos regimes, legal e regime convencional, aplicáveis.
Esta questão solvenda apenas diz respeito ao período temporal desde Março de 2021 até Março de 2023 inclusive em que a autora já recebera da Segurança Social a [indisponível, indiscutível e unificada] pensão de reforma por velhice, apenas vindo exigir da ré a restituição de certa quantia pecuniária que esta retivera na respectiva pensão de abate, alegadamente devida à autora com inerente prejuízo desta e benefício daquela – sendo este um direito que estava na livre disponibilidade da autora.
Pelo que, independentemente do mérito ou desmérito que mereça esta pretensão formulada nesta lide, pela autora (ex-trabalhadora) relativamente à ré (ex-empregadora) e independentemente do cálculo efectuado pelo Tribunal conduzir a uma determinada quantia superior a essa parte do peticionado na acção, o Tribunal sempre estaria limitado a conter a sua decisão aos precisos limites daquela parte do pedido da autora.
Por conseguinte – e salvo o devido respeito pelo entendimento da Exmª Juiz da 1ª instância explanado na parte final do item 5 da respectiva fundamentação de direito – a decisão recorrida enferma de nulidade no tocante à quantia pecuniária de €356,07 constante do item 5 da respectiva fundamentação de direito e da alínea b) do respectivo dispositivo que devem cingir-se à estrita medida da quantia de €2.672,17 peticionada a esse título na acção em apreço.
Nesta exacta conformidade, tendo provimento esta questão recursiva.
2ª questão – Há decisão factual errada quanto à data constante do item 5 dos factos provados?
A recorrente/ré vem impugnar a data constante do item 5 dos factos provados, alegando que essa (constante do art.º 5º da petição inicial) havia sido por si impugnada (no art.º 132º da contestação) e que a prova produzida nos autos não permite tal, mais concretamente que o documento nº 4 junto com a petição inicial impunha que se fixasse no mês de Dezembro de 2018 (e não com efeitos a 11 de Setembro de 2019).
Cumpre apreciar e decidir.
Desde já se adianta – salvo o devido respeito – não ter qualquer cabimento esta questão recursiva.
Pois, apesar do inicial desacordo das partes em sede de articulados (em que o art.º 132º da contestação impugna a data constante do art.º 5º da petição inicial), aquando da audiência prévia, houve um acordo expresso de ambas as partes, nos termos constantes da respectiva acta sob a refª. 427415953 (aqui como reproduzida), mais concretamente quanto ao teor daquele art.º 5º da petição inicial. E com base no qual foi fixado o item 5 dos factos provados da sentença.
Por outro lado – e contrariamente à confusão em que incorre a ré/recorrente – a matéria factual constante do item 5 dos factos provados da sentença não se confunde com a matéria factual constante do documento nº 4 da petição inicial, cujo teor consta do art.º 8º da petição inicial e que a ré aceitara, expressa e totalmente, no art.º 131º da contestação que, apenas, foi reiterado aquando da audiência prévia (nos termos constantes da respectiva acta supra-aludida). E com base no qual foi fixado o item 8 dos factos provados da sentença.
Ora, sendo esta acta de audiência prévia um documento autêntico [nos termos do art.º 369º, nº1, do Código Civil, doravante com a abreviatura CC] porque emitido por uma autoridade pública competente para o efeito, aquando do exercício da respectiva função.
E, como tal, sendo um documento dotado de força probatória plena relativamente aos factos nele atestados [nos termos previstos pelo art.º 371º, nº1, do CC] só poderia ter sido ilidida através do respectivo incidente da sua falsidade [nos termos previstos pelo art.º 372º do CC em conjugação com os arts. 446º e segs do CPC] – incidente este que não fora suscitado pela ré/recorrente.
Por isso, só restava à Exmª Juiz da 1ª instância fazer consignar (como fez) na fundamentação de facto da sentença os exactos termos dessa mesma factualidade acordada entre ambas as partes, nos exactos termos constante dos itens 5 e 8 dos factos provados.
Por conseguinte, improcede esta questão recursiva.
3ª questão – Há errada decisão jurídica por o cálculo do valor a reter pela ré (aquando do pagamento da pensão de reforma da autora) deve fazer-se em função da diferença de valores (entre a pensão a seu cargo e a pensão a cargo do CNP) relativamente ao mesmo período temporal e ao valor das respectivas retribuições recebidas durante o mesmo?
A recorrente/ré considera que o critério a aplicar não deve ser apenas o factor temporal, mas sim uma ponderação do factor tempo com o factor retribuições recebidas pela autora nesse mesmo período temporal.
Desde já se adianta que – salvo o devido respeito – não lhe assiste qualquer razão.
Conforme já salientaram quer a Exmª Juiz da 1ª instância, quer a recorrida, quer o Digno Procurador-Geral Adjunto (tudo nos termos já referidos, constantes dos autos e aqui dados como reproduzidos), trata-se de uma questão já tão apreciada de forma exaustiva, pacífica e uniforme por toda a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que (desde há vários anos) já deixou de ser controvertida.
Vejamos o que dispunha a cláusula 136ª do Acordo Colectivo de Trabalho do Sector Bancário (publicado no BTE nº 3 de 22/1/2011):
«Cláusula 136.ª - Âmbito
1 — As instituições de crédito, por si ou por serviços sociais privativos já existentes, continuarão a garantir os benefícios constantes desta secção aos respectivos trabalhadores, bem como aos demais titulares das pensões e subsídios nela previstos. Porém, nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por instituições ou serviços de segurança social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas instituições ou seus familiares, apenas será garantida, pelas instituições de crédito, a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos neste acordo.
2 — Para efeitos da 2.ª parte do número anterior, apenas serão considerados os benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou serviços de segurança social com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador nos termos das cláusulas 17.ª e 143.ª
3 — As instituições adiantarão aos trabalhadores abrangidos pelo regime geral da segurança social as mensalidades a que por este acordo tiverem direito, entregando estes à instituição a totalidade das quantias que receberem dos serviços de segurança social a título de benefícios da mesma natureza.»
Vejamos o que dispõe a cláusula 98ª do Acordo Colectivo de Trabalho entre a Caixa Económica Montepio Geral e outros e a Federação do Sector Financeiro -FEBASE e outro (publicado no BTE nº 8, de 28/2/2017):
«Cláusula 98.ª - Garantia de benefícios e articulação de regimes
1- As instituições subscritoras garantem os benefícios constantes da presente secção aos trabalhadores referidos no número 3 da cláusula 96.ª, bem como aos demais titulares das pensões e subsídios nela previstos. Porém, nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por instituições ou serviços de Segurança Social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas instituições ou seus familiares, apenas é garantida pelas instituições subscritoras a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos nesta secção.
2- Para efeitos da segunda parte do número anterior, apenas são considerados os benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou serviços de Segurança Social com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador nos termos da cláusula 107.ª
3- Os trabalhadores ou os seus familiares devem requerer o pagamento dos benefícios a que se refere o número 1 da presente cláusula junto das respetivas instituições ou serviços de Segurança Social a partir do momento em que reúnam condições para o efeito sem qualquer penalização e informar, de imediato, as instituições subscritoras logo que lhes seja comunicada a sua atribuição, juntando cópia dessa comunicação. (…) »
Desta forma, no sector bancário (onde a Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários fora extinta, com integração no Instituto da Segurança Social, I.P. por imposição do D.L. nº 1-A/2011, de 3-1, com efeitos a partir de 1/1/2011) se visava e visa evitar que o mesmo trabalhador bancário auferisse uma dupla reforma por velhice – paga pela entidade bancária e paga pelo Centro Nacional de Pensões – relativamente ao mesmo período de desconto para o regime geral da Segurança Social enquanto trabalhador de instituição bancária.
Assim se evitando um enriquecimento sem causa (previsto no art.º 473º do Código Civil) do trabalhador do sector bancário, por duplicação de benefícios da mesma natureza e relativamente ao mesmo período temporal, indevidamente recebidos.
Aliás, este regime convencional [enquanto fonte específica de normas aplicáveis aos contratos individuais de trabalho existentes no sector bancário – conforme a previsão do art.º 12º, nº 1, do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho (aprovado pelo D.L. nº 49 408, de 24-11-1969) que vigorou até 30/11/2003 e conforme a previsão do art.º 1º do Código do Trabalho (doravante CT) em qualquer das redacções vigentes desde 1/12/2003 em diante] estava e está em consonância com o art.º 67º, nº 1, da Lei nº 4/2007 de 16-1 (com a redacção dada pela Lei nº 83-A/2013, de 30-12) que – a propósito das bases gerais do sistema de segurança social – prevê, expressamente:
«Artigo 67º - Acumulação de prestações
1 - Salvo disposição legal em contrário, não são cumuláveis entre si as prestações emergentes do mesmo facto, desde que respeitantes ao mesmo interesse protegido.»
Ora, não sendo cumuláveis/sobreponíveis entre si as pensões de reforma por velhice pagas, por um lado, pela instituição bancária e, por outro lado, pelo Centro Nacional de Pensões, referentes ao mesmo ex-trabalhador bancário e ao mesmo período temporal de trabalho no sector bancário em que este efectuara descontos para a Segurança Social, este factor temporal é o único que importa como referência para o efeito.
Não se descortinando, no supra-transcrito regime convencional que (em termos literais, teleológicos, sistemáticos ou quaisquer outros) haja qualquer outra ponderação e/ou correcção a ser feita no valor a descontar/reter pela instituição bancária – nomeadamente qualquer ponderação do valor das retribuições sobre as quais incidiram aquelas contribuições (nos termos defendido pela ré/recorrente).
Sendo de salientar – o que a recorrente/ré olvida ou quer que seja olvidado – que a pensão atribuída pelo Centro Nacional de Pensões obedeceu ao regime contido no Decreto-Lei nº 187/2007, de 10-5 (incluindo com as alterações introduzidas pelo D.L. n.º 16-A/2021, de 25-2) que definiu e regulamentou o regime de protecção na velhice dos beneficiários do regime da Segurança Social, cujos arts. 26º e 28º consignam expressamente:
«Artigo 26º - Montante
1 - A pensão estatutária é a que resulta da aplicação das regras de cálculo da pensão.
2 - O montante mensal da pensão estatutária é igual ao produto da remuneração de referência pela taxa global de formação da pensão e pelo factor de sustentabilidade, nos termos previstos na presente secção.»,
«Artigo 28º - Remuneração de referência
1 - A remuneração de referência para efeitos do cálculo das pensões é definida pela fórmula TR/(n x 14), em que TR representa o total das remunerações anuais revalorizadas, nos termos do artigo anterior, de toda a carreira contributiva e n o número de anos civis com registo de remunerações, até ao limite de 40.
2 - Quando o número de anos civis com registo de remunerações for superior a 40, considera-se, para apuramento da remuneração de referência, a soma das 40 remunerações anuais, revalorizadas, mais elevadas.
3 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, a remuneração de referência, para efeitos de determinação de P1, a que se refere o artigo 33.º, é definida pela fórmula R/140, em que R representa o total das remunerações dos 10 anos civis a que correspondam as remunerações mais elevadas, compreendidos nos últimos 15 anos da carreira contributiva até ao mês de início da pensão, com registo de remunerações.
4 - Nos casos em que o número de anos civis com registo de remunerações seja inferior a 10, a remuneração de referência a que alude o número anterior obtém-se dividindo o total das remunerações registadas pelo produto de 14 vezes o número de anos civis a que as mesmas correspondam.
5 - Quando, pela natureza e antiguidade dos registos de remunerações existentes nas instituições de segurança social, se não mostrar tecnicamente possível a aplicação dos critérios estabelecidos nos n.ºs 1 e 3, são considerados os valores convencionais de remunerações fixados na Portaria n.º 56/94, de 21 de Janeiro, nos termos nesta estabelecidos e sem prejuízo da possibilidade aí prevista de os beneficiários comprovarem, relativamente a todos os anos a que a mesma se aplique, os valores das remunerações efectivamente auferidas e que sejam base de incidência contributiva para a segurança social. »
Isto é, a pensão fixada pelo Centro Nacional de Pensões já ponderou a remuneração de referência da respectiva trabalhadora e tendo como base as remunerações anuais revalorizadas de toda a carreira contributiva da respectiva trabalhadora e o número de anos civis com registo de remunerações, nos termos de todas essas sobreditas correcções e ajustamentos legalmente fixados.
Por isso, se fosse acolhido o entendimento da ré/instituição bancária/ recorrente (no sentido de uma segunda/acrescida ponderação do valor das retribuições recebidas pela mesma trabalhadora durante o período temporal em apreço já abrangido pela ponderação de toda a sua carreira contributiva) aquela sobredita diferença – destinada a evitar o enriquecimento sem causa da respectiva ex-trabalhadora – redundaria num enriquecimento sem causa da ex-empregadora/ré/instituição bancária recorrente (nos termos da definição contida no art.º 473º do Código Civil).
Pois, aproveitar-lhe-ia (a esta ex-empregadora/instituição bancária) outro factor, sem qualquer fundamento (quer convencional quer legal) e relativamente ao qual o montante da pensão (do Centro Nacional de Pensões a favor desta ex-trabalhadora) já havia atendido e relativamente ao qual esta mesma trabalhadora já havia contribuído com os respectivos descontos. E, consequentemente, geraria uma inerente sobreposição valorativa em prejuízo, injustificado, desta trabalhadora.
Em suma, não há qualquer dúvida de que é o factor temporal o único que releva.
Sendo durante essa respectiva duração temporal (em que uma trabalhadora esteve a trabalhar no sector bancário, também, efectuando descontos para o regime geral da Segurança Social) que houve uma inequívoca/indiscutível sobreposição e relativamente a esse hiato temporal é que importará descontar, na pensão de reforma por velhice a cargo da instituição bancária, o valor da pensão de reforma por velhice pago pelo Centro Nacional de Pensões à mesma ex-trabalhadora.
Estando o cumprimento do sobredito regime (quer convencional quer legal) a dar cumprimento ao desiderato constitucional de aproveitamento integral do tempo de serviço para cálculo da pensão de reforma por velhice.
Como sabemos, o art.º 63º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa (sob título “Segurança social e solidariedade” integrado no Capítulo dos “Direitos e deveres sociais”) consigna:
«4 - Todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado
Seguindo de perto a interpretação de Gomes Canotilho e Vital Moreira (em “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 4ª edição, pág.819), em termos técnicos, pretende-se o aproveitamento total do tempo de trabalho para efeitos de pensões de velhice, acumulando-se os tempos de trabalho prestados em várias actividades e respectivos descontos para os diversos organismos da Segurança Social, impondo-se a prorratização, isto é, a totalização dos períodos de seguro e a repartição das cargas prestacionais de acordo com a duração dos períodos cumpridos em cada um dos sistemas.
Posto isto, é tempo de voltar aos autos em apreço.
Conforme ficou assente, a autora teve a seguinte carreira contributiva:
- no regime geral da Segurança Social, composta pelos períodos de 08/1969 a 06/1971 e de 01/1972 a 03/1977 fora do banco e de 01/01/2011 a 31/12/2018 este último período no banco;
- no regime de Segurança Social no Sector Bancário composta pelo período de 25/03/1977 até 31/12/2018, ao serviço da ré.
Havendo duas pensões de reforma reportadas ao mesmo período temporal, ao mesmo trabalho prestado pela mesma ex-trabalhadora e tendo havido a correspectiva contribuição da ex-trabalhadora para cada uma delas, através dos respectivos descontos que esta trabalhadora suportara/efectuara na sua remuneração laboral ilíquida durante esse mesmo hiato temporal.
Por isso, é acertada a decisão da Exmª Juiz da 1ª instância ao considerar que a autora tem direito a receber a pensão unificada de velhice por todo o tempo de trabalho prestado (17 anos de carreira contributiva), a cargo do Centro Nacional de Pensões. Sendo aplicada a regra “pro-rata temporis” ou regra de três simples pura no apuramento da respectiva parte da pensão do Centro Nacional de Pensões a entregar pela autora/trabalhadora à instituição bancária empregadora/ré.
Não se vislumbra que a decisão recorrida tenha efectuado uma errada interpretação das aplicáveis e aludidas cláusulas do respectivo ACT que se sucederam no tempo e com regime convencional similar.
Pois, conforme já vimos, a pensão de reforma por velhice da autora é uma só/unificada, em função da totalidade da respectiva carreira contributiva da autora, quer dentro quer fora do sector bancário, e para a qual, na totalidade desta sua carreira contributiva, a autora, também, sempre efectuou descontos.
Não sendo de confundir nem devendo ser confundidas as regras de formação do valor da pensão única de reforma (por velhice) com regras de repartição do valor dessa pensão em função do tempo de trabalho prestado ao serviço de uma instituição bancária empregadora e ao serviço de outras entidades patronais.
Não se vislumbrando que haja qualquer lacuna/omissão em tais normas convencionais, a propósito da aplicação dessas regras no tocante ao apuramento da aludida diferença/parte da pensão do Centro Nacional de Pensões a entregar à instituição bancária empregadora/ré.
Pois, esse acordo colectivo de trabalho exprimiu aquilo que, exactamente, foi pretendido [como fonte interna especifica de direito para as relações individuais de trabalho desse sector de actividade] para impedir um duplo benefício da mesma natureza e relativamente ao mesmo período temporal.
Bastando para este efeito (de evitar essa sobreposição/acumulação de pensões, já calculadas nos termos legais, relativamente a esse período temporal) obter a diferença através da regra proporcional ao tempo em causa [regra de três simples pura/”pro-rata temporis” como era esta expressão de origem latina], reportada a esse mesmo concreto período temporal. E, assim, sanando-se essa acumulação durante esse hiato temporal.
Não se vislumbrando que qualquer uma dessas cláusulas atente contra o art.º 63º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa.
Pois, conforme já vimos, é atendido o respectivo tempo de trabalho da autora e, durante a sua carreira contributiva, todo o tempo de trabalho tem igual peso ou igual importância para a formação da respectiva pensão desta trabalhadora.
E, aliás, para a qual esta trabalhadora, também, contribuiu através dos descontos que a mesma efectuou.
Em suma, esta parte do recurso em apreço não é credora de qualquer provimento.
Decisão
Em conformidade com o exposto, os juízes da Secção Social deste Tribunal da Relação acordam em:
I – Julgar procedente a apelação na parte em que invoca nulidade da sentença recorrida, apenas no tocante à parte em que havia condenado a ré a restituir a quantia de € 356,07 não peticionada pela autora, ficando sem efeito esta parte da condenação. E, consequentemente, alterando-se a quantia de € 3.028,24 constante do item b) do dispositivo da sentença recorrida para a quantia correspondente ao peticionado valor de € 2.672,17;
II – Quanto ao mais, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
*
Custas do recurso a cargo de ambas as partes, na proporção do respectivo decaimento que se fixa em 90% para a recorrente e 10% para a recorrida (art.º 527.º, nºs 1 e 2 do CPC “ex vi” do art.º 1º, nº 2, al. a), do CPT).
Notifique.
(Este acórdão foi elaborado pela relatora, revisto por todos os signatários e com assinatura manuscrita de todos)

Lisboa, 5 de Junho de 2024
Paula de Sousa Novais Penha
Leopoldo Soares
Alves Duarte