Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | CATARINA ARÊLO MANSO | ||
Descritores: | INSOLVÊNCIA DEVEDOR CITAÇÃO DISPENSA | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/30/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | O art. 12° do CIRE permite que seja dispensada a citação do devedor quando tal acarrete demora excessiva pelo facto de ser desconhecido o seu paradeiro. 2.Tem de se considerar ser desconhecido o paradeiro do devedor quando, não obstante haver indicação de morada, ele não seja nela encontrado, após a realização de diligências e tentativas adequadas (Sumário da Relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa I – Por despacho proferido no P. 664/10 de insolvência de pessoa colectiva a correr termos no Tribunal de Comércio de Lisboa, em que foi requerente o Banco …SA e requerida B…, S.A. foi proferido o despacho de fls.71 com o seguinte teor: “… Tentada a citação da requerida na respectiva sede social veio a mesma devolvida, fls.119. Tentou-se a citação na pessoa do seu legal representante legal C…, tendo o expediente sido devolvido. Efectuadas buscas previstas no art. 244/1 do CPC e foi tentada a citação sem êxito fls. 136. Tendo em conta a factualidade descrita e o disposto no art. 12,nº1,2,e3 do CIRE, sendo neste momento desconhecido o paradeiro quer da requerida, quer dos seus representantes, dispenso a audiência da requeira Imperáveis”. Designou-se dia para julgamento, no mesmo despacho proferido em 26.5.011, para o dia 17.1.2011. A requerida foi declarada insolvente por decisão de 20 de Janeiro de 2011. Por requerimento de fls. 74 e seg. veio o administrador da sociedade Imperavis, S.A. suscitar a nulidade do despacho que dispensou a citação do devedor. A arguida nulidade foi indeferida, não se conformando com a decisão interpôs recurso e nas suas alegações concluiu: - ao indeferir a invocada nulidade por falta de citação, preterição ou dispensa da mesma - ao abrigo do disposto no artigo 12.º do CIRE - por ser manifesto que a dispensa de citação (como possibilidade excepcional que é) deveria ser precedida de todos os cuidados ou exigências legalmente consagrados (v.g. citação através do agente de execução ou de funcionário judicial ou, no limite, de citação edital); - a preterição das formalidades legalmente exigidas para obviar ou remover quaisquer dificuldades de citação – designadamente a frustração da citação por via postal - é causa de nulidade, por ser manifesto que a preterição de tais formalidades poder influir (como efectivamente influiu) no bom exame ou decisão da i causa (artigo 201.° nº 1, in fine do CPC). Donde resulta que, devendo a "dispensa de citação (art. 12° do CIRE) ser anulada, anulados" deverão ser também "os termos subsequentes que dele dependam absolutamente" (art. 201, n.º 2, do CPC); - tendo o acto de citação sido completamente omitido (art. 195, nº 1, al. a) CPC) e não tendo nunca o destinatário da citação pessoal dela tido conhecimento por facto que não lhe é imputável (artigo 195, nº 1, al. e) do CPC) é manifesto que é nulo tudo o que se processou depois da petição inicial, salvando-se apenas esta (art.194 do CPC); - a invocação do artigo 12.° do CIRE - nos termos em que é feita pelo douto despacho recorrido - sem que nenhuma citação tenha sido feita, apesar de decorridos seis meses contados sobre o despacho que a ordenou, sob a invocação de uma qualquer "morosidade" ou "dificuldade" permitiria todo o tipo de negligências ou de abusos por parte de quem tem a seu cargo é efectuar a citação (secretaria judicial) e legitimada todo o tipo de inércias e laxismos por parte do requerente da insolvência, que acabariam por lhe aproveitar. Tal solução de tão absurda não pode ser judicialmente sufragada; - entendimento diverso do artigo 12 do CIRE seria flagrantemente inconstitucional porquanto permitiria, de forma sistemática e sem qualquer sindicância legal, dispensar a citação da entidade requerida em processo de insolvência, em flagrante violação das mais elementares regras constitucionais e legais da boa administração da Justiça (artigo 20, n.º 1 primeira parte e n.º 4 da Constituição da República Portuguesa), com destaque para o "princípio da tutela jurisdicional efectiva"; - no mesmo sentido estatui, em obediência a tal princípio, o disposto no artigo 3. do CPC ("princípio do contraditório"); - sem excluir a inconstitucionalidade das normas do artigo 12, n.º 1, 2 e 3 do CIRE quando interpretadas no sentido de que "a citação pode ser dispensada quando acarrete demora excessiva (...) pelo facto de ser desconhecido o paradeiro do devedor" ou dos "administradores do devedor quando este não seja uma pessoa singular", sem que previamente se tenha lançado mão do mecanismo de citação edital (artigo 248.o CPC) - inconstitucionalidade que desde já se invoca nos termos e para os efeitos dos artigos 20, n.º 1 primeira parte e n.º 4, e 280.n.º 1 al. b) da CRP; - deve o douto despacho proferido ser revogado e substituído por decisão superior que (decretando a nulidade do douto despacho ou verificando a errónea aplicação do direito por ele efectuada à situação que lhe era dado ajuizar) ordene a nulidade de todo o processo (art. 194, al. a), CPC), a citação edital que foi omitida ou preterida e o posterior prosseguimento dos autos. Factos A requerida é uma pessoa colectiva que não exerce qualquer actividade. Citada por via postal para a sua sede veio devolvida a correspondência com a indicação de “endereço insuficiente”. Foi ordenada a citação na pessoa do seu administrador único identificado na certidão, o ora apelante. Não foi conseguida a sua citação, vindo a primeira carta devolvida. Frustrada a citação foi tentada a citação na Rua ... nº 28 2º Dto. 0000-000 Lisboa, a correspondência foi devolvida, por não reclamada. Veio o requerente pedir a sua citação na morada já constante dos autos. Efectuada a pesquisa base de dados foi obtida a mesma morada. Tentada novamente a citação veio devolvida a correspondência por não reclamada, apesar de terem deixado aviso. Após, foi proferido despacho que dispensou a citação nos termos do art. 12 do CIRE. A citação foi ordenada por despacho de 25.10.2010 e o despacho que a dispensou em 11.11.2010. Houve contra alegações defendendo a manutenção da decisão Corridos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento II – Apreciando O recurso é balizado pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal apreciar e conhecer de matérias que naquelas não se encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso (art. 684º, nº 3 e 690º, nºs 1 e 3 do CPC), acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido. Não aceita o apelante a decisão que indeferiu a invocada nulidade por falta de citação, preterição ou dispensa da mesma ao abrigo do disposto no art. 12 do CIRE, defendendo que devia ser precedida de citação através de solicitador de execução ou de funcionário judicial ou até de citação edital. A citação é, o acto processual mais relevante para efeitos de realização do princípio do contraditório, sem o qual não existem garantias de defesa. Dispõe o art. 228° nº1 do CPC que, a citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender. Emprega-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa. A norma do art. 12º do CIRE apesar de consagrar o mecanismo de dispensa da citação para obviar a demoras excessivas na citação, para ultrapassar manifestos expedientes dilatórios, também encerra em si própria a preocupação em não ultrapassar direitos de defesa do citando a qual é patente na definição dos deveres consagrados no nº 2 do preceito. Por isso, é concedido ao Juiz um poder que deve ser utilizado com um especial cuidado e ponderados os interesses em jogo, potencialmente antagónicos: o da celeridade e o da segurança jurídica por via do exercício do contraditório. A lei consagra quatro modalidades de citação: citação feita por contacto pessoal do funcionário (art. 239°); citação via postal registada (art. 236°); citação via postal simples (art. 236º-A) e citação edital (art. 244º e 248°). Ao sistema processual civil repugnam as decisões proferidas à revelia dos interessados, pela fácil constatação de que, em tais circunstâncias, os riscos de injustiça material são muito superiores aos que se conseguem através de processos com contraditório efectivo. Dispõe o artigo 29 do CIRE quanto a citação do devedor 1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 31.º, se a petição não tiver sido apresentada pelo próprio devedor e não houver motivo para indeferimento liminar, o juiz manda citar pessoalmente o devedor, no prazo referido no artigo anterior. 2 - No acto de citação é o devedor advertido da cominação prevista no n.º 5 do artigo seguinte e de que os documentos referidos no n.º 1 do artigo 24.º devem estar prontos para imediata entrega ao administrador da insolvência na eventualidade de a insolvência ser declarada. Ora, se a petição não tiver sido apresentada pelo próprio devedor, o juiz manda citar pessoalmente o devedor para deduzir oposição, sob pena de se considerarem confessados os, factos alegados – art. 29° e 30° do CIRE. As pessoas colectivas ou sociedades, se a citação não puder efectuar-se por via postal registada na respectiva sede ou local onde funciona normalmente a administração, por aí não se encontrar nem qualquer representante nem qualquer empregado ao seu serviço, procede-se à citação do representante, mediante carta registada com aviso de recepção, remetida para a residência ou local de trabalho, nos termos do disposto no art. 236°-art ° 237° do CPC, quando seja impossível a realização da citação pessoal por o citando estar ausente em parte incerta, a secretaria diligencia por obter o seu paradeiro junto de quaisquer entidades ou serviços. No caso, o devedor é uma pessoa colectiva, uma sociedade anónima, pelo que, nos termos do disposto no art. 236,n°1, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art. 17° do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, se começou por dirigir a citação, por via postal, à sede da pessoa colectiva – cf. certidão permanente de fls. 15 a 17, e carta de citação de fls. 115. A correspondência foi devolvida por "endereço insuficiente ", conforme consta de fls. 119, com a menção "falta rua". Aliás, essa informação consta da falta de afixação de edital a fls.73, por falta de indicação de rua e não estar indicada qualquer artéria. Não sendo conhecido qualquer outro local onde funcionasse a administração que não a sede registral da requerida, passou-se, correctamente e oficiosamente à citação do legal representante da requerida, nos termos do disposto nos art. 237 do Código de Processo Civil e 405, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais, ou seja, tentou-se a citação da requerida Imperavis, S.A., na pessoa do seu administrador único identificado na certidão permanente actualizada disponível nos autos: o ora requerente – cf. fls. 123. Frustrada a citação tentou-se a sua citação na Rua…nº …., … L…, conforme fls. 126, sendo que a correspondência foi devolvida embora avisada, com a menção de “não reclamada”. Notificado o Mandatário da requerente, veio requerer a citação do legal representante da requerida na mesma morada, o que foi ordenado, mas sendo também ordenada a pesquisa prévia nas bases de dados disponíveis – cf. despacho de fls. 131. Após a pesquisa que deu cumprimento ao disposto no art. 244° n°1 do Código de Processo Civil – das várias bases de dados disponíveis, foi apenas apurada a morada do legal representante - Rua …, nº … …., … L… – conforme fls. 132 e 133. Ora, assim sendo, não era exigível a realização de qualquer diligência, para ser dispensada a citação, nos termos em que o foi. Nem se diga que vivia naquela morada com pessoa que não identificou, o que é seguro é que não recebeu a correspondência, sendo aquela a sua morada oficial. Por outro lado, “a dispensa de audiência do devedor é um desvio ao princípio do contraditório deve ser considerado apenas nos termos em que a lei o aceita” (…) “Porém com este art. 12, as preocupações com o regime nele fixado transitaram para a necessidade de acautelar a celeridade do processo, quando no direito anterior a preocupação essencial situava-se no plano de protecção dos interesses dos credores (…)” – CIRE, Carvalho Fernandes e João Labareda, pag. 106. E os mesmos autores continuam a fls. 107 “ A motivação do regime legal, como e vê da letra da lei do art. 12/1 do CIRE, é como já se referiu obviar a demora excessiva do processo que a audiência do devedor nessas condições poderia envolver (….) cremos que o pensamento legislativo vai mais longe do que a sua letra deixa antever, dirigindo-se no sentido de permitir excluir a audição do devedor sempre que, por circunstancias concretas a ele relativas seja de entender que ela implicaria demora excessiva do processo”. Neste mesmo sentido o Acórdão TRL de 20-10-2009, disponível no sítio www.dgsi.pt - o art. 12° do CIRE permite que seja dispensada a citação do devedor quando tal acarrete demora excessiva pelo facto de ser desconhecido o seu paradeiro. A razão de ser do preceito, como directamente emana do seu texto, é a de garantia da celeridade do processo (e não a protecção de interesses dos credores ou impedir o conhecimento dos autos por parte do devedor). E em face dessa razão essencial haverá de se considerar ser desconhecido o paradeiro do devedor, naqueles casos em que, não obstante haver indicação de morada, ele não seja nela encontrado, após a realização de diligências e tentativas adequadas. As preocupações com a fixação de tal regime transitaram da necessidade de se acautelar a celeridade do processo, uma vez que estamos perante um processo urgente, como bem resulta do artigo 9, n.º 1 do CIRE. " O processo de insolvência, incluindo lodos os seus incidentes, apensos e recursos, tem carácter urgente (...).» A audição concretiza pois o princípio geral do contraditório e destina-se a conferir ao devedor a possibilidade de defender os seus interesses no processo, nas suas diferentes fases, nos seus apensos e incidentes. Nem colhe a invocada inconstitucionalidade do art. 12, nº 1,2 e 3. Na verdade o regime aí fixado resulta da necessidade de acautelar a celeridade do processo, pois estamos perante um processo urgente, n.º 1 do CIRE. " O processo de insolvência, incluindo lodos os seus incidentes, apensos e recursos, tem carácter urgente (...).» Pretende a apelante que essa norma viola os princípios do contraditório, art. 3.º, 3.- A do C. P. Civil e art. 20, nº1, e n.º 4 da Constituição. Os art. 3.º e 3.º A do C. P. Civil consagram com grande amplitude os princípios do contraditório e da igualdade das partes, em processo civil, estabelecendo que a decisão sobre um concreto conflito de interesses não poderá ocorrer sem requerimento de uma das partes e chamamento da outra a deduzir oposição (n.º 1 do art. 3.º), que essa dialéctica entre pronunciamento ou possibilidade de pronunciamento das partes e decisão se mantenha ao longo do processo (n.º 3 do art. 3.º) e que esse equilíbrio seja substancial e não apenas formal (art. 3.º A). Aliás, nele não se ordena que o devedor não seja ouvido e há preceitos em que tal comando emana da lei e não é inconstitucional. O que se pretendeu foi dar celeridade após a impossibilidade de encontrar quem tem domicílio indicado, num processo urgente. Inconcebível é defender a procura sem fim dos legais representantes de uma sociedade que devia estar de portas abertas ou mesmo do seu administrador, no caso vertente as diligências demoraram seis meses, o que na vida de uma empresa é muito tempo e pode ser o suficiente para ficar sem hipótese de recuperação. Foi o que aconteceu no caso vertente, o não conhecimento da citação é imputada ao apelante, por duas vezes não reclama as cartas que lhe foram dirigidas para a residência do seu administrador. Invoca o apelante a inconstitucionalidade do art. 12, por violação do art. 20/1 e 4 da CRP Dispõe o art.20 da CRP em acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva: 1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos. 4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo. O n.º1 não tem aplicação ao caso vertente não está em causa os meios económicas da apelante. E o nº 4 tem de ser entendido em sentido contrário e até na defesa que foi feita na interpretação do art. 12 do CIRE. Afastada fica a aplicação do art. 280/1,al.b) da CRP Tribunal Constitucional que vem entendendo que o princípio da igualdade não proíbe ao legislador que faça distinções; proíbe, isso sim, o arbítrio, ou seja, proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, isto é, sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objectivo, constitucionalmente relevantes. Proíbe também que se tratem por igual situações essencialmente desiguais e proíbe ainda a discriminação, ou seja, as diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjectivas. Acórdão do Tribunal Constitucional de 08.10.1992; www dgsi.pt. Improcedem, assim, todas as conclusões do apelante Concluindo 1. O art. 12° do CIRE permite que seja dispensada a citação do devedor quando tal acarrete demora excessiva pelo facto de ser desconhecido o seu paradeiro. 2.Tem de se considerar ser desconhecido o paradeiro do devedor quando, não obstante haver indicação de morada, ele não seja nela encontrado, após a realização de diligências e tentativas adequadas. III – Decisão: em face do exposto, julga-se improcedente a apelação, mantendo-se a decisão impugnada. Custas pelo apelante Lisboa, 30 de Novembro de 2011 Maria Catarina Manso Alexandrina Branquinho Ana Luísa Geraldes |