Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2319/21.8T8ALM.L1-8
Relator: CARLA CRISTINA FIGUEIRA MATOS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANO FUTURO
REPARAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I. A indemnização por dano biológico, quer na vertente patrimonial, quer na vertente não patrimonial, deve ser fixada com base em equidade dentro dos limites que o Tribunal tiver como provados (cf. Art. 566 nº3 do Código Civil), não podendo seguir a teoria da diferença (entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos) prevista no art. 566 nº2 do Código Civil, por o valor exato de tal dano biológico não ser determinável.
II. Na ponderação casuística a efetuar no âmbito do recurso à equidade para efeitos de fixação da indemnização deverá ter-se em conta o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei decorrente do art. 13º da Constituição da Republica Portuguesa e do art. 8º nº 3 do Código Civil, pelo que se deverá atender, em termos de parâmetros, a decisões jurisprudenciais relativas a casos similares ou aproximados.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório:
A, solteiro, maior, contribuinte fiscal n.º …, residente na Rua …, n.º … – 1.º Dt.º, …, Cova da Piedade - Almada, instaurou acção declarativa de condenação, a qual segue a forma de processo comum, contra B  [ ..Companhia de Seguros …S.A.] , pessoa colectiva n.º 503 384 089, com sede na Avenida Engenheiro Duarte Pacheco, n.º … – 3.º, 1070-100 Lisboa.
Para fundar a respectiva pretensão, alegou o autor, muito em suma, que, em 18.02.2017, quando seguia como passageiro no veículo de matrícula ..-FV-.., seguro na ré, o seu condutor adormeceu no exercício da condução, tendo o veículo perdido a sua trajectória e indo a embater no separador central, em consequência do que o autor sofreu lesões, foi sujeito a tratamento hospitalar e cirurgia, sofreu dores, perda de capacidade para o trabalho e actividades de lazer, bem como perda de rendimento e afectação do seu estado anímico, lesões que persistirão no seu futuro.
Concluiu o autor peticionando seja a acção julgada procedente e, em consequência, seja a ré condenada:
a) A pagar a quantia global de € 71.372,05, a título de indemnização, à qual acrescem juros de mora desde a data da citação, até efectivo e integral pagamento;
b) A custear todas as despesas futuras e previsíveis que resultem de agravamento das sequelas de que o autor é portador, incluindo com consultas, tratamentos, apoio médico e medicamentoso, bem como eventuais cirurgias, ou a fornecê-las em espécie, bem como as incapacidades temporárias ou permanentes, às quais, para efeitos de integrar o valor desta ação, se atribui o valor de € 8.000,00.
Regularmente citada, veio a ré contestar, invocando a prescrição do direito do autor e impugnando os factos por este alegados para caracterizar a dinâmica no sinistro, incluindo a culpa do condutor do veículo cuja responsabilidade civil pela sua circulação terreste foi para si transferida, bem como refutou a verificação e extensão dos danos alegados, cujo valor pedido para sua reparação reputa de desajustado e exagerado.
Concluiu a ré que deverá considerar-se procedente a exceção perentória de prescrição ou, caso assim não se entenda, seja a presente ação julgada apenas parcialmente procedente e a ré condenada no pagamento ao autor de quantia não superior a € 4.250,00, com custas pelo mesmo, que lhe deu causa injustificadamente.
Foi exercido o contraditório face à exceção perentória de prescrição invocada, a qual foi julgada improcedente no despacho saneador.
Após saneamento e instrução dos autos, teve lugar a realização do julgamento.
Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Com base nos fundamentos fáctico-jurídicos que ficaram precedentemente exarados, julgo a acção parcialmente procedente, por provada em parte, e, em consequência:
a) Condeno a ré a pagar ao autor as seguintes indemnizações, todas acrescidas de juros à taxa legal de 4%, desde a citação e até integral pagamento:
i. € 9.000,00 (nove mil euros), pelo dano patrimonial correspondente à perda de capacidade de trabalho, que impõe ao autor esforços acrescidos no desempenho do seu trabalho habitual;
ii. € 13.000,00 (treze mil euros), pelo dano biológico (incapacidade geral);
iii. € 2.479,94 (dois mil e quatrocentos e setenta e nove euros e noventa a quatro cêntimos), por perda de rendimento patrimonial;
iv. Até ao limite de € 8.000,00 (oito mil euros), a indemnização para reparação de danos futuros que venham a ocorrer, incluindo com consultas, medicação, tratamentos e intervenções cirúrgicas, mediante comprovativo da sua necessidade e efectiva realização;
v. A quantia que se vier a apurar em incidente ulterior à sentença, incluindo com medicação, consultas e deslocações, até ao limite do pedido, correspondente a € 872,05 (oitocentos e setenta e dois euros e cinco cêntimos),
vi. € 18.000,00 (dezoito mil euros), a título de danos não patrimoniais;
b) Absolvo a ré do restante pedido contra a mesma deduzido pelo autor;
c) Condeno o autor e a ré nas custas do processo, na proporção dos respectivos decaimentos, que se fixam em 1/3 para o autor e em 2/3 para a ré.
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Registe e notifique.”
*
Inconformado, o autor recorreu, apresentando alegações com as seguintes conclusões:
“1. O Apelante tem como bem julgada a matéria de facto relativamente a existência e forma como ocorreu o acidente de viação, a existência de e eficácia do contrato de seguro, nascimento do Apelante, conduta e assunção da responsabilidade da Apelada, consequências hospitalares imediatas e lesões sofridas, tratamentos efetuados e a condenação da Ré no valor de € 872,05 a título de despesas, restringindo o objeto desta apelação, à decisão dos factos constantes de 46, 59 e 60, bem como...quanto as verbas fixadas a título de reparação por danos materiais, patrimoniais e biológico, moral e a fixação do limite de capital em 8.000,00€ para danos futuros.
2. A redação dada ao facto 46, decorrente da perícia médica que desconsiderou a nevralgia cervicobraquial, por a vítima, no momento do exame não ter respondido que tinha dor, quando o tribunal julgou em diversos pontos que a mesma vítima manterá dores intensas ao longo da vida, cada vez com maiores dificuldades e limitações pela evolução medicamente previsível das sequelas (por exemplo, o facto provado no numero 76) deve ser modificada, assegurando a coerência entre o julgamento material, alterando-se para 8 pontos, em conformidade com o relatório de especialista em neurocirurgia, junto com a Petição Inicial e não impugnado.
3. Desta forma, a redação deve modificar-se, passando a ser a seguinte: Tendo em consideração todos os parâmetros, queixas persistentes e objectiváveis, nos termos descritos, bem como a data da consolidação das sequelas de que o autor é portador em 1 de Outubro de 2018, as manifestações das consequências do acidente no autor continuam a afectá-lo, sendo portador de défice funcional permanente da integridade Físico-Psíquica de 8 (oito) pontos.
4. A redação dada aos pontos 59 e 60, atendendo aos depoimentos transcritos, que aqui se dão por reproduzidos, deve ser modificada, passando a ser a seguinte:
59 - No Verão de 2018 e 2019, o autor, devido ao seu estado físico adveniente das descritas lesões, não foi admitido ao concurso para preenchimento da posição de Vigilante Apeado nas Praias, a cargo da Marinha Portuguesa.
60 - Função essa que, como contrapartida, implicava o pagamento de “ajudas de custo”, no decurso da época balnear, correspondente a cerca de cem dias, para retribuir o exercício da função e as despesas com alimentação e alojamento, no valor mensal de cerca de € 1.000,00 a € 1.200,00.
5. Estas quantias, em substância, são dinheiro com caráter remuneratório, embora pago com a cobertura formal de “ajudas de custo”, o que dispensava a Marinha desse eventual encargo e permite ao pessoal um rendimento não tributável.
6. Como rendimento que são, a sua perda, por via de incapacidade física decorrente das lesões sofridas no acidente, é indemnizável.
7. É adequada a indemnização pela quantia que o Apelante deixou de auferir, no valor mínimo dos 4.000,00€, atendendo a que ficou impedido no verão de 2018 e de 2019, em períodos máximos de cem dias, com direito a receber de 1.000,00€ a 1.200,00€ por mês.
8. Mais, o facto de, num mesmo ano, embarcar no navio escola Sagres, não impediria, necessariamente, que exercesse esta atividade de vigilante apeado nas praias, porque os períodos de ocorrência de cada um não são totalmente sobrepostos, pelo que, inclusive, poderia o Apelante estar por apenas um mês como vigilante nas praias e, na sequência, embarcar no navio escola Sagres ou em outro qualquer, tudo ainda dentro do período balnear.
9. Logo, a percepção de uma verba de uma atividade não exclui a da outra, devendo o Apelante ser devidamente indemnizado por ambas.
10. Acresce que, também se pode considerar aqui a perda de chance decorrente de não ter podido aceder ao curso de formação de sargentos.
11. Equitativamente, a verba global de 8.872,05€, para estes danos, é adequada. Ou, se quisermos, além dos 872,05€ que não constituem objeto deste recurso, a verba de 8.000,00€, integrando os 2.479,94€ já objeto de condenação.
12. É adequada a verba de 37.500,00€ para indemnizar o Apelante que tinha 32 anos à data do acidente, tem a expectativa de trabalhar, pelo menos, mais 30 anos, durante os quais vai ter que sofrer as consequências descritas em dezenas de pontos dos factos provados, que aqui se dão por reproduzidos e que, biologicamente, está afetado na utilização plena do seu corpo por mais de 50 anos, segundo as tabelas de mortalidade.
13. Tenha-se em atenção os factos provados em 75 e 76, por via dos quais se julga que o Apelante, em virtude do acidente, nunca mais pode fazer uma vida normal, uma vez que as dores e as sequelas de que padece não permitem de forma paralela a anterior, tudo significando um esforço físico acrescido e suplementar, acompanhado de dor intensa ao longo da vida, cada vez com maiores limitações.
14. A douta sentença que fixou 9.000,00€ para este dano profissional e 13.000,00€ para este dano biológico, perfazendo 22.000,00€, não pode merecer acolhimento, por não fazer devida aplicação da equidade legalmente prevista.
15. O Apelante é portador de défice funcional permanente da integridade Físico-Psíquica e, consideráveis limitações, tais como Quantum doloris: 4 numa escala de 7, Dano estético:
1 numa escala de 7, repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer em grau 2 numa escala de 5, risco de necessidade de efetuar novas intervenções cirúrgicas, 589 dias de doença, uma intervenção cirúrgica à coluna cervical e dezenas de factos provados que demonstram a intensidade do dano moral, que acompanhará o Apelante nos possíveis 50 anos de vida que pode durar, pelo que, salvo o devido respeito, entende- se que a componente de danos não patrimoniais em que houve condenação, no montante de 18.000,00€ peca por defeito.
16. Mostra-se adequada, ainda que modesta, a verba de 25.000,00€.
17. Tendo o Apelante formulado o pedido de condenação da Apelada a custear todas as despesas futuras e previsíveis que resultem de agravamento das sequelas de que o Autor é portador, incluindo com consultas, tratamentos, apoio médico e medicamentoso, bem como eventuais cirurgias, ou a fornecê-las em espécie, bem como as incapacidades temporárias ou permanentes, às quais, para efeitos de integrar o valor desta ação, se atribui o valor de 8.000,00€, não pode a sentença condenar até ao limite de € 8.000,00 (oito mil euros), a indemnização para reparação de danos futuros que venham a ocorrer, incluindo com consultas, medicação, tratamentos e intervenções cirúrgicas, mediante comprovativo da sua necessidade e efetiva realização, porquanto viola o princípio do pedido, transformando-o duma condenação em espécie, indeterminada e futura, num montante de capital sem o menor indício quanto a essa quantificação.
18. A condenação deve respeitar o pedido e este não se confunde com o valor sugerido para efeitos tributários, no âmbito da justiça.
19. Mostram-se violados, entre outros, os artigos 483°,487°,496°, 564° e 566° do código civil e do art.° 3° e 609°código de processo civil.
Termos em que, julgado procedente o presente recurso, deve ser revogada parcialmente a douta sentença recorrida, condenando-se a Apelada no pedido, quer no que respeita ao montante líquido de 71.372,05 (setenta e um mil trezentos e setenta e dois euros e cinco cêntimos), quer no custeio de todas as despesas futuras e previsíveis que resultem de agravamento das sequelas de que o Autor é portador, incluindo com consultas, tratamentos, apoio médico e medicamentoso, bem como eventuais cirurgias, ou a fornecê-las em espécie, bem como as incapacidades temporárias ou permanentes, como é de DIREITO e inteira JUSTIÇA!”
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A Ré apresentou contra-alegações, nas quais conclui da seguinte forma:
“I. Veio o Apelante interpor recurso de apelação por não concordar com os montantes peticionados na douta sentença em crise.
II. Não aceitando igualmente factos 46, 59 e 60, constantes da matéria provada, porquanto, entende o Recorrente que o ponto 46 conflitua com as conclusões provenientes do relatório médico junto com a petição inicial, devendo o relatório do INMLCF ser derrogado em face daquele; e, que, quanto aos pontos 59. e 60., resultará dos depoimentos das testemunhas, … que a atividade de vigilante apeado nas praias “previa um pagamento adicional dum subsídio diário, na forma de “ajuda de custo”, sendo um adicional ao rendimento do Apelante por exercer aquela função”.
III. Quanto aos pontos 59. e 60. da matéria assente, resultava já da douta sentença, o seguinte: “(…) sendo que o facto 60., foi somente confirmado pelas testemunhas … e a realidade do facto 61. também se sustentou na valoração do documento de fls. 105 verso, cuja exactidão não foi impugnada e do qual se extraiu a duração e data do embarque mencionado nesse facto. Pelas indicadas razões, mereceu credibilidade  quanto foi declarado pelas ditas testemunhas, porquanto congruentes entre si os seus depoimentos, bem como consonantes com o que nos ditam as regras da experiência comum e ainda parcialmente corroborados pelo indicado documento, sendo a descrição dos eventos que relataram as testemunhas ao tribunal perfeitamente plausível e congruente entre si, merecendo, por isso, acolhimento quanto declararam e sendo essas as razões que estão subjacentes à demonstração dos factos que ficaram plasmados sob os pontos 54. a 61. e 66. a 75. da matéria julgada assente.” (bold e sublinhado nossos)
IV. Ora, sobre a matéria constante de tais pontos da matéria de facto provada, o depoimento da testemunha … foi bastante esclarecedor, ao afirmar, que em maio de 2019, o Recorrente estaria já embarcado no Navio Escola Sagres.
V. Deste modo, o embarque no Navio Escola Sagres àquela data, exclui, necessariamente, a candidatura/função de vigilante apeados nas praias, por sobreposição temporal.
VI. Resultou ainda do depoimento das testemunhas … o carácter não remuneratório das ajudas de custo, revistas para os militares que desempenham função de vigilante, tratando-se de reembolso por despesas de alimentação e alojamento em localidades próximas das praias.
VII. Relativamente ao ponto 46. da matéria dada como assente, o douto Tribunal concluiu o seguinte:
“Para demonstração do facto 46., o tribunal atendeu ao relatório pericial de fls. 108 verso a 112 verso, datado de 24 de Outubro de 2022, perante cujos fundamentos e conclusões dele constantes inexistem fundadas razões de discordância, o qual o tribunal sopesou em detrimento das conclusões exaradas no relatório de avaliação de dano corporal datado de 12 de Junho de 2019, de fls. 32 a 35 verso, atenta a actualidade da perícia, bem como o rigor e segurança que lhe subjazem no que toca à avaliação do dano corporal sofrido pelo autor como consequência do sinistro de que foi vítima e que se encontra em discussão nos presentes autos, em consequência do que ficou o tribunal persuadido da realidade desse facto que, por isso, julgou demonstrado.”(bold e sublinhado nossos)
VIII. Foi solicitada uma perícia judicial ao Instituto de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P., na qual o Senhor Perito Médico, Dr. …, concluiu pela atribuição de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 3 pontos.
IX. Vem o ora Apelante asseverar o seguinte: “Não é preciso ser médico para perceber que, um espaçador aplicado em cirurgia (pontos 24 a 38 e 37), que é um corpo estranho cuja deslocação pode levar à tetraplegia ou mesmo à morte, não pode ser valorizado com ridículos 3 pontos. “
X. Conforme resulta do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19-05-2016, Proc. nº 45-14.3T8FNC-A.L1-8, disponível em www.dgsi.pt : “ Há que ter em atenção que os peritos do INML aliam à natural imparcialidade, idoneidade e capacidade técnica inerente às funções que desempenham, a formação especifica na área da perícia médico-legal e da avaliação do dano corporal no âmbito do processo civil (cfr. arts. 27, 28 da Lei 45/2004, de 19.08).
XI. Veja-se, ainda, a título de exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 09-03-2017, Proc. nº 81/14.0T8FAR.E1, disponível em www.dgsi.pt :
“(…) quando está em causa a avaliação do dano em direito civil em que não basta a apreciação de um médico ainda que especialista na área, estando o cálculo da incapacidade permanente do lesado para efeitos de reparação civil do dano que lhe foi causado, (…), a médicos especialistas em medicina legal ou por especialistas noutras áreas com competência específica no âmbito da avaliação médico-legal do dano corporal no domínio do direito civil e das respectivas regras.
VII - Deste modo, reconhecendo o legislador a especial complexidade da avaliação em causa, e não dispondo o juiz de conhecimentos especiais na área a que respeita a perícia, apesar da sua liberdade de apreciação das provas, incluindo a pericial, o julgador não pode, sem fundamentos suficientemente sólidos, afastar-se do resultado das peritagens, sobretudo quando os peritos oferecem as garantias de competência e imparcialidade que aquela formação específica exige.
VIII - Assim, salvo casos de erro grosseiro ou de aplicação de um critério ilegal, o juiz em regra não estará em condições de sindicar o juízo científico emitido pelo perito, havendo que o aceitar, salvo se existirem nos autos outros elementos que possuam o referido grau de segurança, fiabilidade e objectividade. “ (bold e sublinhado nossos)
XII. É manifesto que as conclusões a que chegou o Sr. Perito Médico do INMLCF revestem carácter científico. Ora, em regra, não dispondo de conhecimentos especiais quanto à matéria da avaliação do dano corporal, o douto Tribunal, ainda que não se encontre vinculado às mesmas, por estarem sujeitas à sua livre apreciação, não poderá afastar-se delas sem mais.
XIII. Pelo que, a douta sentença decidiu bem, apoiando-se no Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal, de 24-10-2022, que se caracteriza por especial rigor, imparcialidade e objetividade.
XIV. No caso concreto, o Recorrente não ficou impossibilitado de exercer a sua profissão habitual, embora suporte dor e realize esforços acrescidos para o seu desempenho, que se manterão até à idade da reforma, ou seja, 66 anos, pelo que, nada há a apontar ao montante de €.9.000,00, fixado pela douta sentença, que se revela adequado.
XV. O Apelante ficou portador de um défice funcional permanente da integridade físico- psíquica de 3 (três) pontos pelo qual o douto Tribunal a quo decidiu indemnizá-lo no equitativo valor de €.13.000,00.
XVI. Ora, tal entendimento não diverge do que vem sido aplicado pelos tribunais superiores, designadamente, pelo Supremo Tribunal de Justiça. Conforme são exemplo:
- Acórdão de 01-03-2016 - Revista n.º 689/10.2VCT.G1.S1 - 1.ª Secção - Paulo Sá (Relator), Garcia Calejo e Helder Roque, no caso de uma lesada portadora de um défice funcional da integridade físico-psíquica de 3 pontos: “Tendo a autora, em consequência do acidente: i) ficado a padecer de um défice funcional fixado em 3 pontos num universo de 100 e de dores nos movimentos de flexão e lateralização direita do pescoço; ii) ficado receosa e traumatizada com a condução e com medo de ser encontrada pelo lesante que causou dolosamente o acidente; e iii) e passado a ter pesadelos e sonos alterados, é de fixar a indemnização devida em € 15 000, como se decidiu na Relação.”
- Acórdão de 16-11-2017 - Revista n.º 576/14.5TBSJM.P1.S1 - 2.ª Secção Rosa Tching (Relatora) Rosa Ribeiro Coelho João Bernardo, no caso de um lesado portador de um défice funcional da integridade físico-psíquica de 3 pontos: “ II – O montante de € 5 000 mostra-se adequado para indemnizar o dano biológico sofrido pelo lesado em consequência de acidente de viação, traduzido na rigidez à mobilização cervical nos movimentos de extensão, rotações bilaterais e inclinação lateral esquerda, ligeira diminuição da força muscular do membro superior esquerdo e hipoestesia localizada a nível da totalidade do antebraço esquerdo, correspondentes a um défice funcional da integridade físico-psíquica de 3 pontos.”
- Acórdão de 13-09-2018 - Revista n.º 1173/14.0T8BCL.G1.S1 - 2.ª Secção- Rosa Tching (Relatora) Rosa Ribeiro Coelho João Bernardo, no caso de um lesado portador de um défice funcional da integridade físico-psíquica de 3 pontos: “O valor de € 12 713,33 mostra-se adequado a indemnizar os seguintes danos patrimoniais: (i) o autor ficou com défice funcional de 3 pontos; (ii) as sequelas são impeditivas do exercício da sua actividade profissional habitual ou de outra na área de preparação técnico profissional; (iii) exigem esforços acrescidos em tarefas não laborais; (iv) atenta a sua idade, o autor tem período previsível de vida de cerca de 36 anos; (v) suportou os valores de € 106,18 em medicação, € 60, em consulta de ortopedia, € 8,36 em relatórios clínicos e de alta, € 160,18 em consulta de ortopedia e medicação e € 150 em relatório de avaliação da incapacidade.”
XVII. Relativamente ao valor respeitante aos danos futuros por encargos médicos, com reparação das lesões resultantes do acidente dos presentes autos, tratar-se-á de um pedido genérico que, só em incidente de liquidação de sentença, poderá vir a ser determinado.
XVIII. Ora, a este título, o douto tribunal a quo condenou a ora recorrida no montante máximo do pedido formulado pelo Recorrente, ou seja, €.8000,00, pelo que, quanto ao fixado, nada se poderá apontar!
XIX. Relativamente aos danos não patrimoniais, dispõe o referido artigo 496.º, n.º 4, 1.ª parte, que, na fixação do montante da indemnização por danos não patrimoniais, o Tribunal deverá proceder de forma equitativa.
XX. Analisando-se os danos sofridos pelo Recorrente à luz da jurisprudência proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, não é despiciendo afirmar que se encontram casos semelhantes e outros até mais gravosos que o dos presentes autos, aos quais foi fixada uma indemnização por danos não patrimoniais próxima da de €.18.000,00, fixada nos presentes autos.
De que são exemplo:
- Acórdão de 05-12-2017 - Revista n.º 1881/13.3TJVNF.G1.S1 - 1.ª Secção Helder Roque (Relator), Roque Nogueira e Alexandre Reis, no caso de um acidente de viação com vítima de 31 anos e um Quantum Doloris de grau 4 de uma escala de 7: “Resultando da factualidade provada que a autora: (i) tinha 31 anos de idade à data do sinistro. (…) Tendo ainda em atenção as lesões que a autora sofreu em consequência do acidente (em concreto, traumatismo da coluna cervical), com as inerentes dores e incómodos que teve de suportar, sendo que o quantum doloris ascendeu ao grau 4, numa escala de 1 a 7, e os tratamentos a que teve de se submeter e, bem assim as sequelas de que ficou a padecer considera-se ser de manter o montante indemnizatório fixado pela Relação por danos não patrimoniais no montante de € 15 000.”
- Acórdão de 14-11-2017 - Revista n.º 3316/13.2TJVNF.G1.S1 - 1.ª Secção – Maria de Fátima Gomes (Relatora), Sebastião Póvoas e Garcia Calejo, no caso de vítima de acidente de viação com 34 anos e um Quantum Doloris de grau 4 de uma escala de 7: “Tendo em conta que (i) como consequência do acidente, o autor sofreu vários traumatismos (no punho direito e na região lombar); (ii) ficou, a partir da alta clínica, com um grau de incapacidade permanente parcial de 5%...; (iii) tinha, à data do acidente, 34 anos de idade; (iv). VI - Provado que o autor, em consequência do acidente, (i) sofreu dor de grau 4 numa escala de 7, (ii) esteve impossibilitado de exercer a sua actividade profissional durante um período de meses, receando ser prejudicado na sua carreira; (iii) teve uma recuperação demorada para as lesões sofridas, que afectaram a sua vida familiar e recreativa – desporto e lazer; considerando o critério da equidade e os casos análogos decididos pelo STJ, afigura-se equitativa a compensação de € 18 000 (e não de € 15 000, como decidiu a Relação, nem de € 25 000, como arbitrou a 1.ª instância).
- Acórdão de 15-09-2016 - Revista n.º 1737/04.0TBSXL.L1.S1 - 7.ª Secção – Távora Victor (Relator), Silva Gonçalves e António Joaquim Piçarra, no caso de um Quantum Doloris de grau 5 de uma escala de 7: “ É ponderado e ajustado o valor de € 15 000 fixado a título de indemnização por danos não patrimoniais emergente de acidente de viação atento o seguinte circunstancialismo: (i) o autor foi sujeito a internamento, intervenções cirúrgicas e tratamentos, e o pós-operatório decorreu sem complicações; (ii) sofreu dores correspondente a um quantum doloris fixável em 5/7; (iii) antes do acidente era saudável e trabalhador; (iv) nos instantes que precederam o acidente, apercebeu-se que corria perigo de vida; (v) viveu com preocupação e angústia a evolução da sua situação clínica; (vi) continua receoso relativamente à possibilidade de agravamento futuro das sequelas que o afectam.”
- Acórdão de 27-11-2018 - Revista n.º n.º 46/13.9TBGLG.E1.S1 - 1.ª Secção – Cabral Tavares (Relator), Fátima Gomes e Acácio das Neves, no caso de um Quantum Doloris de grau 4 de uma escala de 7:: “ III - Tendo ficado provado que (i) o autor exerce função de Director de um Banco; (ii) à data do acidente, tinha 47 anos de idade; (iii) por força do acidente, ficou a padecer de um défice funcional de 3 pontos, causador de acréscimo de esforço físico no desenvolvimento da actividade que exercia, com redução na sua capacidade económica geral e para execução de tarefas quotidianas, mesmo para além da idade da reforma; (iv) no dia do acidente, 01-02- 2011, foi submetido a intervenção cirúrgica; (v) no dia 14-10-2011, foi submetido a intervenção cirúrgica para remoção do material de osteossíntese; (vi) por via das lesões sofridas, teve dores de grau 4, numa escala crescente de 7 graus; (vii) esteve internado durante 9 dias; (viii) necessitou de ajuda de terceira pessoa para tomar banho, subir e descer escadas, e de canadianas; (ix) e, foi sujeito a tratamentos de fisioterapia, consideram-se adequados os valores (…) de €.17.000,00 para indemnizar (…) os danos não patrimoniais, (…), por ele sofridos.”
XXI. O que o repositório de jurisprudência supra permite concluir, em face dos factos provados nos presentes autos, é que – salvo melhor entendimento - o juízo efetuado pelo Tribunal a quo na douta sentença recorrida, para fixação do montante da indemnização por danos não patrimoniais é correto, ponderado e respeita todos os destinatários dos acórdãos citados.
XXII. E é por isso que a Recorrida entende que decidiu bem o Tribunal a quo ao fixar ao Recorrente uma indemnização de €.18.000,00 pelos seus danos não patrimoniais.
XXIII. Devendo, pois, manter-se inalterada a decisão sob judice quanto a todos os valores indemnizatórios fixados!
Nestes termos, e com o muito que V. Exas. doutamente suprirão, não deve ser dado provimento ao recurso, mantendo-se a douta sentença recorrida, com todas as consequências legais.
Decidindo-se assim, far-se-á JUSTIÇA.”
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O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata e nos próprios autos, e efeito meramente devolutivo.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. OBJETO DO RECURSO:
De acordo com as conclusões do recurso, são as seguintes as questões a apreciar no âmbito do recurso:
 - Impugnação da decisão da matéria de facto (relativa aos factos 46, 59 e 60);
-  Aferir de erro de julgamento na fixação de verbas a título de reparação por danos materiais, patrimoniais e biológico, moral e na fixação do limite de capital em 8.000,00€ para danos futuros.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
O tribunal de 1ª instância deu como provada a seguinte factualidade:
1. Em 18 de Fevereiro de 2017, a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo com a matrícula ..-FV-.. encontrava-se transferida para a B , através de apólice de seguro n.º 01417287, nos termos constantes do instrumento de fls. 49 e 49 verso, cujo teor se considera reproduzido.
2. O autor nasceu no dia 8 de Junho de 1985.
3. Por carta datada de 28 de Fevereiro de 2018, a ré informou o autor que procedeu ao pagamento de despesas a seu favor no valor de € 44,91.
4. A ré suportou despesas atinentes a tratamentos realizados nos dias 26.02.2017, 28.07.2017, 20.11.2018 e 21.12.2018, que perfizeram o valor global de € 1.166,32 (mil e cento e sessenta e seis euros e trinta e dois cêntimos), as quais incluem o valor referido em 3..
5. A ré foi citada para a presente acção em 20 de Maio de 2021.
6. No dia 18 de Fevereiro de 2017, pelas 04h58, o veículo automóvel de matrícula ..-FV-.. circulava na autoestrada 33, ao quilómetro 0,4, no sentido decrescente, em direcção ao Montijo, conduzido por DG ……..
7. O local em causa é uma autoestrada com três vias de trânsito em cada sentido, delimitadas por um separador central em betão e em que o piso, à data e hora indicadas em 6., se encontrava em bom estado, com boa visibilidade em toda a sua extensão e largura, bem como sem obstáculos naturais.
8. O limite de velocidade é de 120 (cento e vinte) quilómetros por hora.
9. No dia 18 de Fevereiro de 2017, pelas 04 horas e 58 minutos, no local descrito em 6., o autor circulava como passageiro do veículo automóvel de matrícula ..-FV-.., sendo condutor DG ……...
10. O veículo de matrícula ..-FV-.. circulava na via de trânsito da direita, no sentido Monte da Caparica – Montijo.
11. O condutor do ..-FV-.. adormeceu momentaneamente no exercício da condução, tendo o veículo perdido a sua trajectória e indo, em consequência, a embater no separador central, pelo que o respectivo condutor perdeu o controlo da viatura, originando o consequente despiste, com capotamento.
12. A ré reconheceu “a culpa no acidente” por parte do condutor do ..-FV-.., DG ……, e a sua “obrigação de indemnizar” o autor, em consequência do que efectuou os pagamentos referidos em 4..
13. Na sequência do facto descrito em 11., o autor sofreu diversas lesões, em virtude do despiste, capotamento e embates violentos e sucessivos ocorridos até à imobilização do veículo.
14. O autor foi conduzido ao Hospital Garcia de Orta, no qual deu entrada pelas 5 horas e 40 minutos, sendo-lhe atribuída uma pulseira de cor laranja, correspondente a situação de “muito urgente”.
15. Após observação e perante queixas de “cervicalgia e toracalgia”, para além das “escoriações nas mãos”, foram realizados exames complementares de diagnóstico, incluindo imagiológicos ao tórax, grelha costal e bacia, TAC crânio encefálica, bem como TC da coluna, região cervical.
16. Após o diagnóstico primário de “Traumatismo do tronco”, o diagnóstico de saída aquando da alta hospitalar, ocorrida no dia 18 de Fevereiro de 2017, pelas 09h33m, foi mantido, mas indicado “traumatismo do tronco (em investigação)”.
17. O RX da coluna cervical revelou rectificação da curvatura lordótica cervical na posição de estudo.
18. A TAC da coluna cervical mostrou hérnia discal postero-lateral à direita em C6/C7 com compressão da medula.
19. O autor, em virtude de “manter queixas de cervicobraquialgia direita sem melhoria sob tratamento médico”, iniciou, em 08/03/2017, tratamento em consulta de Neurocirurgia do Hospital dos Lusíadas em Lisboa.
20. Foi solicitada a realização de imagem por ressonância magnética (IRM) da coluna cervical.
21. À data da mencionada consulta, o autor apresentava “reflexo radial direito abolido e hipoestesia álgica em C8 direito”.
22. Em 17 de Abril de 2017, o exame complementar de diagnóstico acima referido mostrou “hérnia discal em C6/C7 para-mediana direita condicionando a compressão medular a este nível.”
23. Em 20 de Junho de 2017, uma vez que o autor mantinha, também, queixas de cefaleias, realizou, no mesmo hospital, angio-TAC crânio encefálico, o qual “não mostrou alterações estruturais nomeadamente de natureza vascular”.
24. O autor manteve tratamento conservador, sob medicação, e com restrição de esforços físicos, evitando cargas e pesos.
25. Perante a persistência de queixas álgicas e parestésicas pelo membro superior direito, a proposta de tratamento foi objecto de revisão e, em consequência, a situação clínica passou a ter indicação cirúrgica à coluna cervical.
26. Para preparação da aludida intervenção cirúrgica, em 9 de Janeiro de 2018, o autor realizou TAC pré-operatório, o qual “documentou a persistência de hérnia discal C6/C7 para mediana direita com compressão das estruturas nervosas a este nível.”
27. Em 1 de Fevereiro de 2018, o autor foi operado no Hospital dos Lusíadas pelo Dr....
28. No aludido acto médico, destinado ao tratamento cirúrgico da identificada hérnia discal, foi “efectuada extirpação de hérnia discal C6/C7, foraminectomia e artrodese inter-somática com espaçador.”
29. Em 2 de Fevereiro de 2018, foi atribuída alta ao autor, com indicação para manutenção de colar cervical, cumprir medicação prescrita e foi agendada consulta de neurocirurgia no dia 12 de Fevereiro próximo.
30. O autor foi referenciado para tratamentos de medicina física e reabilitação (MFR).
31. O RX da coluna cervical de controlo pós-operatório em 02/02/2018 e de 27/07/2018 mostraram correcto posicionamento e alinhamento do espaçador.
32. Em virtude da cirurgia do dia 1 de Fevereiro de 2018, o autor permaneceu com “incapacidade temporária absoluta” até 29/03/2018, data em que esteve presente na junta de saúde naval.
33. Em resultado da “junta de saúde naval” a que foi submetido, o autor recomeçou o seu trabalho “com restrições inerentes a transporte ou levantamento de cargas superiores a 10 kg, permanência em pé por períodos superiores a 30 minutos e tarefas de esforço físico com impacto sobre a coluna vertebral”.
34. Tais restrições, precedentemente transcritas, traduzem-se em esforços suplementares e limitações ao exercício funcional, no que concerne às tarefas cometidas ao autor em cumprimento do respectivo posto de trabalho.
35. Em face das mesmas, o autor permaneceu em “incapacidade parcial” até 01/10/2018, data da alta pela junta de saúde naval considerado apto para todo o serviço não tendo sido recomendado, contudo, embarque nos primeiros 30 dias subsequentes.
36. Não obstante o parecer da junta de saúde naval, uma vez que o autor manteve episódios de cervicalgia e queixas frequentes de parestesias no membro superior direito, o mesmo manteve acompanhamento clínico em consulta de neurocirurgia do Hospital dos Lusíadas.
37. Em virtude do aludido acompanhamento pelo médico assistente da especialidade, em 15 de Janeiro de 2019, o autor realizou IRM da coluna cervical, o qual mostrou a “presença do espaçador intersomático ao nível do espaço C6/C7 sem evidência de compressão residual a este nível sobre as estruturas nervosas”.
38. O mesmo exame complementar de diagnóstico demonstrou “alterações do foro degenerativo em vários níveis em contexto de canal cervical com características estenóticas, e limitação da amplitude dos espaços intervertebrais com rectificação da curvatura cervical.”
39. Em 21 de Janeiro de 2019, o autor realizou electromiograma dos membros superiores (EMG), que “não mostrou alterações valorizáveis”.
40. O autor, como permaneceu com défice funcional temporário parcial entre 18.02.2017 e 31.01.2018 e entre 03.02.2018 e 01.10.2018, num período de 589 (quinhentos e oitenta e nove) dias, correspondente ao período que se iniciou logo que a evolução das suas lesões passou a consentir alguma autonomia na realização das actividades da vida diária, ainda que com limitações.
41. O autor permaneceu com défice funcional temporário total entre 01.02.2018 e 02.02.2018, num período de 2 (dois) dias, correspondentes ao internamento para tratamento cirúrgico.
42. Tendo o autor sido observado em consulta pelo Dr. Miguel Laia, em Junho de 2019, em exame objectivo, foi referenciada a persistência de fenómenos dolorosos, incluindo “cervicobraquialgia direita até à mão com parestesias no território radicular de C6 e C7; cervicalgia de agravamento nos movimentos da região cervical”.
43. No que concerne à manifestação das sequelas do sinistro nos actos da vida diária do autor, este sofreu “(…) dor ao esforço, nos movimentos de rotação e extensão do pescoço e com os membros superiores; cansaço na condução prolongada e quando carrega pesos em ambos os membros superiores.”
44. E, no tocante aos actos da vida afectiva, social e familiar do autor, o autor apresentou “queixas álgicas e de impotência funcional ao esforço com os membros superiores”, com repercussão em todas as actividades da sua vida”.
45. Na vida profissional ou de formação, o autor “tem dor ao esforço, quando carrega pesos” e necessidade de “medicação frequente”.
46. Tendo em consideração todos os parâmetros, queixas persistentes e objectiváveis, nos termos descritos, bem como a data da consolidação das sequelas de que o autor é portador em 1 de Outubro de 2018, as manifestações das consequências do acidente no autor continuam a afectá-lo, sendo portador de défice funcional permanente da integridade Físico-Psíquica de 3 (três) pontos.
47. Incapacidade essa que, atenta a “previsão fisiopatologicamente certa e segura, por corresponder à evolução lógica, habitual e inexorável do quadro clínico” permite afirmar a existência de dano futuro, que “pode obrigar a uma futura revisão do caso”.
48. O Quantum Doloris é fixável no grau 4 de uma escala de 7.
49. O autor sofre de dano estético de grau 1 numa escala de 7.
50. As sequelas têm repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer, em grau 2, numa escala de 5.
51. Exercendo o autor a profissão de Militar da Marinha (Cabo de Manobra) – Formador de Educação Física, as sequelas não o impedem de exercer a sua profissão, mas, por sentir dor insuportável, implica grandes e dolorosos esforços suplementares na actualidade e implicará no futuro.
52. O autor deixou de ter a força muscular que tinha anteriormente ao acidente.
53. Tem a necessidade de fazer com regularidade sessões de fisioterapia e massagens de relaxamento muscular.
54. O autor tem enorme dificuldade e sofre de imensa dor ao jogar futebol e a correr, não praticando estes desportos desde a data do acidente, quando antes o fazia regular e rotineiramente.
55. O autor mantém-se como Militar da Marinha, mas as lesões que resultaram do sinistro forçaram-no a interromper definitivamente a actividade como Formador de Educação Física.
56. O autor não voltou a embarcar como Cabo de Manobra até Junho de 2021.
57. Sendo o autor portador de prótese cervical em C6/C7, com sofrimento dos níveis cervicais adjacentes, importam cuidado acrescido e permanente no manuseamento de pesos ou actividades físicas.
58. O autor, à excepção do internamento cirúrgico, nunca faltou ao trabalho, mesmo tendo de exercer funções readaptadas.
59. No Verão de 2018, o autor, devido ao seu estado físico adveniente das descritas lesões, não foi admitido ao concurso para preenchimento da posição de Vigilante Apeado nas Praias, a cargo da Marinha Portuguesa.
60. Função essa que, como contrapartida, implicava o pagamento de “ajudas de custo”, no decurso da época balnear, correspondente a cerca de cem dias, para alimentação e alojamento, no valor de cerca de € 1.000,00 a € 1.200,00.
61. Não foram as sequelas resultantes do acidente, o autor teria a possibilidade de se propor embarcar e de vir a embarcar no Navio Escola Sagres, em Fevereiro de 2018, numa missão com duração de 153 dias.
62. O embarque no Navio Escola Sagres, confere aos militares, como contrapartida, a faculdade de auferirem um suplemento de embarque variável, em função do número de dias de mar, bem como em função dos portos praticados, o qual se traduziu, para um militar com o posto de Cabo, como o autor, no valor de € 2.479,94 (dois mil e quatrocentos e setenta e nove euros e noventa e quatro cêntimos), para o período precedentemente mencionado em 61., caso tivesse embarcado nesse período.
63. À data do acidente, o autor estava no início da sua carreira profissional, pelo que as limitações de que é portador, em consequência do acidente, implicaram necessidades de readaptação.
64. O autor suportou despesas médicas, medicamentosas e com deslocações desde a data do sinistro, de natureza, em número e de montantes não concretamente apurados.
65. O autor auferiu um salário bruto de € 19.754,47 (dezanove mil e setecentos e cinquenta e quatro euros e quarenta e sete cêntimos), em 2015 e 2016, do qual resultaram € 13.001,85 (treze mil e um euros e oitenta e cinco cêntimos) líquidos em 2015 e € 13.198,29 (treze mil e cento e noventa e oito euros e vinte e nove cêntimos) líquidos em 2016.
66. O autor sempre foi uma pessoa activa e saudável, como qualquer jovem adulto da sua idade, sendo frequente e habitual a prática desportiva, corrida e jogos de futebol.
67. Antes do acidente, costumava praticar inúmeras actividades físicas, quer em contexto social, quer em contexto profissional.
68. Desde a ocorrência do acidente, nunca mais pôde voltar a praticar desporto, em virtude das dores intensas que ainda sente.
69. Desde a data do sinistro até à presente data, o autor tem vindo a cair num estado de declínio anímico.
70. O autor sente-se revoltado pelo sucedido e incapaz de contornar os acontecimentos, para os quais não contribuiu.
71. O seu estado anímico tem vindo a piorar gradualmente desde o sinistro, em virtude da frustração que sente por não conseguir corresponder às expectativas que tinha para a sua vida profissional e pessoal.
72. Perdeu, em parte, o interesse pela vida profissional e pessoal.
73. Tem várias crises circunstanciais de negativismo, não vê um rumo futuro feliz para a sua vida, continuando apenas devido ao incentivo constante dos pais e da sua então companheira.
74. Viu os seus colegas de profissão progredirem na carreira e ele a não conseguir acompanhá-los, em virtude de uma causa em que não revê qualquer responsabilidade própria, mas que fisicamente o limitará para sempre.
75. O autor, em virtude do acidente, nunca mais pôde fazer uma vida normal, como qualquer jovem adulto da sua idade, uma vez que as dores e sequelas de que padece não o permitem de forma paralela à anterior, tudo significando um esforço físico acrescido e suplementar, acompanhado de dor intensa.
76. O autor manterá dores intensas ao longo da vida, cada vez com maiores dificuldades e limitações pela evolução medicamente previsível das sequelas.
77. O autor, por força do acidente, nada recebeu da Segurança Social, onde tem o número de beneficiário 120149168889, e nada recebeu da Caixa Geral de Aposentações, onde tem o número de beneficiário 1611492.
78. Em Junho de 2021, o autor voltou a embarcar.
79. Tendo o seu estado físico sofrido agravamento, passando a sofrer dores e limitações da cervical.
80. Pelo que foi transportado para terra, na sequência do que teve necessidade de observação hospitalar e de realizar exames complementares de diagnóstico.
E deu como não provada a seguinte factualidade:
“81. O condutor do ..-FV-.. sentiu que estava sonolento antes de ter adormecido.
82. O condutor do ..-FV-.., DG ….., sempre reconheceu “a culpa no acidente e a obrigação de indemnizar”.
83. Ao autor foram diagnosticadas as seguintes lesões: sofreu “traumatismo craniano sem perda de conhecimento (TCE) e traumatismo da região cervical por mecanismo súbito da flexão e extensão do pescoço”.
84. As queixas de cervicalgia que o autor apresentava na data do acidente foram-se mantendo e “de forma progressiva, a irradiar pelo membro superior direito até à mão, que consequentemente agravava a extensão do braço”.
85. O autor é portador de défice funcional permanente da integridade Físico-Psíquica de 8 pontos.
86. A existência perspectivada de dano futuro funda-se na idade do autor e inclui a eventual necessidade de este ter que vir a efectuar novas intervenções cirúrgicas para reposicionamento ou substituição do espaçador interdiscal.
87. A posição de Vigilante Apeado nas Praias, a cargo da Marinha Portuguesa, tem uma remuneração diária no decurso da época balnear (cerca de cem dias) não inferior a € 2.000,00 no total.
88. O embarque no Navio Escola Sagres, confere o direito ao pagamento de um subsídio diário de € 30,00 (trinta euros).
89. A perda remuneratória efectiva do autor, por não ter embarcado no Navio Escola Sagres, em Fevereiro de 2018, ascende a € 4.500,00, resultante da multiplicação do valor diário das ajudas de custo, de € 30,00, pelos 150 dias de duração da missão, em embarque.
90. O autor suportou a expensas suas os tratamentos referidos em 53., bem como as despesas que ascenderam aos seguintes valores, desde a data do sinistro:
a) Sessões de fisioterapia e consultas do fisiatra no valor de € 682,45;
b) Despesas de farmácia no valor de € 89,60;
c) Despesas de deslocação para consultas, fisioterapia e outras deslocações necessárias, em não menos de 300 km, o que corresponde a € 100,00.
91. O custo previsível em consultas, tratamentos, apoio médico e medicamentoso, bem como eventuais cirurgias, com sofrimento dos níveis cervicais adjacentes, ascenderá a € 8.000,00.
92. O autor não tem presente o sinistro, pois encontrava-se a dormir.”
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IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO: 
Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
Dispõe o artigo 640.º do CPC, com a epigrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, o seguinte:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
No caso dos autos o recorrente pretende a alteração do decidido sob os pontos 46, 59, e 60 da matéria de facto dada como provada.
O facto 46 tem a seguinte redação:
“Tendo em consideração todos os parâmetros, queixas persistentes e objectiváveis, nos termos descritos, bem como a data da consolidação das sequelas de que o autor é portador em 1 de Outubro de 2018, as manifestações das consequências do acidente no autor continuam a afectá-lo, sendo portador de défice funcional permanente da integridade Físico-Psíquica de 3 (três) pontos. “
O recorrente pretende que passe a ter a seguinte redação:
“Tendo em consideração todos os parâmetros, queixas persistentes e objectiváveis, nos termos descritos, bem como a data da consolidação das sequelas de que o autor é portador em 1 de Outubro de 2018, as manifestações das consequências do acidente no autor continuam a afectá-lo, sendo portador de défice funcional permanente da integridade Físico-Psíquica de 8 (oito) pontos.”
Considera para o efeito que “a redação dada ao facto 46, decorrente da perícia médica que desconsiderou a nevralgia cervicobraquial, por a vítima, no momento do exame não ter respondido que tinha dor, quando o tribunal julgou em diversos pontos que a mesma vítima manterá dores intensas ao longo da vida, cada vez com maiores dificuldades e limitações pela evolução medicamente previsível das sequelas (por exemplo, o facto provado no numero 76) deve ser modificada, assegurando a coerência entre o julgamento material, alterando-se para 8 pontos, em conformidade com o relatório de especialista em neurocirurgia, junto com a Petição Inicial e não impugnado.”
Fundamenta, pois, a sua pretensão no relatório de especialista em neurocirurgia que foi junto com a Petição Inicial.
A recorrida opõe-se.
Na sentença sob recurso fundamentou-se a prova do facto 46 nos seguintes termos: “Para demonstração do facto 46., o tribunal atendeu ao relatório pericial de fls. 108 verso a 112 verso, datado de 24 de Outubro de 2022, perante cujos fundamentos e conclusões dele constantes inexistem fundadas razões de discordância, o qual o tribunal sopesou em detrimento das conclusões exaradas no relatório de avaliação de dano corporal datado de 12 de Junho de 2019, de fls. 32 a 35 verso, atenta a actualidade da perícia, bem como o rigor e segurança que lhe subjazem no que toca à avaliação do dano corporal sofrido pelo autor como consequência do sinistro de que foi vítima e que se encontra em discussão nos presentes autos, em consequência do que ficou o tribunal persuadido da realidade desse facto que, por isso, julgou demonstrado.”
Cumpre apreciar.
Efetivamente, foi junto à p.i. relatório médico de 12.06.2019 que atribui ao autor défice funcional permanente de oito pontos, considerando para o efeito a existência também de nevralgia cervicobraquial.
Existe, pois, nesta sede, diferença de diagnostico relativamente à perícia medica de avaliação de dano corporal realizada no processo, cujo relatório, datado de 24.10.2022, atribui ao autor um défice funcional permanente de três pontos, excluindo expressamente outras queixas, nomeadamente cervicalgia, ou alterações ao exame clínico sugestivas de cervicobraquialgia.
Desde já cumpre referir que o relatório médico junto à p.i., ainda que não impugnado, não faz prova plena do facto pretendido pelo autor – a existência de sequelas que determinam défice funcional permanente de oito pontos-, configurando documento particular sujeito à livre apreciação do Tribunal.
A este propósito veja-se o Ac. do TRP de 07.04.2016 proferido no Proc. 197/14.2TTOAZ.P1, cujo sumário passamos a reproduzir:
“I - Os documentos têm uma função representativa ou reconstitutiva do objecto, destinando-se a servir como meio de prova real de determinados factos.
II - Os pareceres representam, apenas, a opinião dos jurisconsultos ou técnicos que os subscrevem, sobre a solução de determinado problema, e destinam-se a elucidar o tribunal sobre o significado e alcance de factos de natureza técnica, cuja interpretação demanda conhecimentos especiais.
III - Se as opiniões dos técnicos forem expressas em diligência judicial, valem como meio de prova pericial; se forem expressas por via extrajudicial, valem como pareceres, representam apenas uma opinião sobre a situação e têm a autoridade que o seu autor lhes confere, isto é, são meros documentos particulares para efeitos probatórios.
IV – Os pareceres técnicos, não constituindo prova documental com força probatória plena, não permitem, por si só, alterar a decisão de facto da 1.ª instância, nos termos do artigo 662.º, n.º 1, do CPC.”
Não fazendo, pois, tal relatório prova plena do facto cuja prova o autor pretende, importa, no entanto, aferir se o mesmo relatório deve ser privilegiado relativamente ao relatório pericial para efeitos de determinação do défice funcional permanente do autor.
Entendemos que não.
O relatório pericial mostra-se bem fundamentado, não tendo aliás merecido qualquer reclamação das partes.
Por outro lado, o relatório pericial mostra-se mais atualizado do que o relatório médico junto à p.i. (o qual foi elaborado mais de três anos antes da realização da perícia), considerando elementos que não existiam aquando do relatório médico junto à p.i., conforme resulta do confronto entre os elementos documentais descritos em cada um dos relatórios em causa. Veja-se que o relatório pericial considera, para além dos demais elementos, as informações clinicas relativas a uma observação do Serviço de urgência em 23.06.2021 (onde foi realizada tomografia computorizada da coluna cervical) e em 24.06.2021 (onde foi realizado raio x) e a uma consulta de neurocirurgia a 18.08.2021, elementos que não existiam aquando do relatório médico junto à p.i.. O relatório pericial é, portanto, mais completo e mais atual do que o relatório médico junto com a p.i..
Acresce que em sede de esclarecimentos prestados em audiência de julgamento, o Sr. Perito explicou de forma clara, designadamente com base em exames complementares e informações clínicas identificadas no relatório pericial, o afastamento da existência de nevralgia cervicobraquial.
Não há, portanto, razões objetivas para, nesta questão, dar prevalência ao relatório médico junto com a p.i.  em detrimento da perícia.
E, como tal, inexiste fundamento para alterar o facto 46 no sentido propugnado pelo autor/recorrente.
Avaliemos agora a pretensão do autor relativamente aos factos 59 e 60.
Os factos 59 e 60 têm a seguinte redação:
“59. No Verão de 2018, o autor, devido ao seu estado físico adveniente das descritas lesões, não foi admitido ao concurso para preenchimento da posição de Vigilante Apeado nas Praias, a cargo da Marinha Portuguesa.
60. Função essa que, como contrapartida, implicava o pagamento de “ajudas de custo”, no decurso da época balnear, correspondente a cerca de cem dias, para alimentação e alojamento, no valor de cerca de € 1.000,00 a € 1.200,00. “
Pretende o autor que a redação dada aos pontos 59 e 60 seja modificada, passando a ser a seguinte:
“59 - No Verão de 2018 e 2019, o autor, devido ao seu estado físico adveniente das descritas lesões, não foi admitido ao concurso para preenchimento da posição de Vigilante Apeado nas Praias, a cargo da Marinha Portuguesa.
60 - Função essa que, como contrapartida, implicava o pagamento de “ajudas de custo”, no decurso da época balnear, correspondente a cerca de cem dias, para retribuir o exercício da função e as despesas com alimentação e alojamento, no valor mensal de cerca de € 1.000,00 a € 1.200,00.”
Ou seja, o autor pretende ver incluído no facto 59 o Verão de 2019, e pretende que no facto 60 conste que o valor aí descrito corresponde também a retribuição do exercício da função (e não apenas para alimentação e transporte), bem como que conste que é um valor mensal.
Invoca para tal o depoimento das testemunhas …, reproduzindo trechos dos respetivos depoimentos.
A recorrida discorda, reproduzindo também trechos dos depoimentos em causa.
Na sentença recorrida fundamentou-se o sentido do provado sobre, entre outros, os pontos em causa nos seguintes termos:
“Ficaram assentes os factos 54. a 61. e 66. a 75. por força da credibilidade atribuída aos depoimentos das testemunhas …, sopesados de forma crítica, conjugada e à luz das regras da experiência comum, as quais nos reconduzem por padrões de racionalidade, lógica, normalidade e habitualidade, tendo as testemunhas explicado, de modo consistente, complementar e congruente entre si, todas as consequências que observaram pessoal e directamente como tendo sido provenientes do sinistro que vitimou o autor, descrevendo todos, designadamente e com pormenor, as consequências decorrentes do sinistro para a vida pessoal, profissional, social e familiar do autor, qual a afectação psicológica e física sofrida pelo mesmo nessa sequência, incluindo as dores sentidas, o receio de deslocação do material metálico que lhe foi colocado na coluna cervical (“espaçador”), a perda de força muscular, a incapacidade para realizar actividades desportivas a título de lazer e a limitação das funções que implicam maior esforço físico e força na sua vida profissional, a perda da oportunidade de concorrer ao curso de formação de sargentos, por inaptidão para prestar as necessárias provas físicas, como consequência das lesões sofridas no sinistro, com o inerente retardamento na possibilidade de progredir na sua carreira militar, a perda da possibilidade muito segura que tinha de embarcar no Navio Escola Sagres, como vinha fazendo ao longo dos anos e estaria previsto que o fizesse, não fora a debilidade da sua condição física, que impediu sequer se candidatasse a esse embarque, a impossibilidade de fazer vigilância na praia no período balnear e as alterações verificadas na personalidade e estado de espírito do autor, por cotejo com a época pretérita ao sinistro, sendo que o facto 60., foi somente confirmado pelas testemunhas …, e a realidade do facto 61. também se sustentou na valoração do documento de fls. 105 verso, cuja exactidão não foi impugnada e do qual se extraiu a duração e data do embarque mencionado nesse facto.
Pelas indicadas razões, mereceu credibilidade quanto foi declarado pelas ditas testemunhas, porquanto congruentes entre si os seus depoimentos, bem como consonantes com o que nos ditam as regras da experiência comum e ainda parcialmente corroborados pelo indicado documento, sendo a descrição dos eventos que relataram as testemunhas ao tribunal perfeitamente plausível e congruente entre si, merecendo, por isso, acolhimento quanto declararam e sendo essas as razões que estão subjacentes à demonstração dos factos que ficaram plasmados sob os pontos 54. a 61. e 66. a 75. da matéria julgada assente. “
.Apreciando.
Analisados os depoimentos em causa, entendemos que não procede a almejada alteração do ponto 59 da matéria provada.
Isto porque, conforme resulta aliás do trecho do depoimento reproduzido na contra-alegação da Ré, a testemunha …. referiu que em maio de 2019 o autor já se encontrava embarcado no Navio Escola Sagres e que as missões deste navio tendem a coincidir com as férias escolares, e, portanto, com o período de Verão. Deste depoimento resulta, pois, a forte possibilidade de o autor no Verão de 2019 estar embarcado no navio Escola Sagres, o que colide com o alegado facto de no mesmo Verão (de 2019) o autor não ter sido admitido ao concurso para vigilante de praias, pois não poderia estar em dois locais ao mesmo tempo.
Mantém-se assim o provado no ponto 59 nos seus precisos termos.
Quanto ao ponto 60, resulta expressamente do depoimento da testemunha …. que os valores pagos eram ajuda de custo, “uma ajuda extra ordenado”. Por outro lado, a testemunha … explicou claramente que a Marinha atribui uma ajuda de custo que serve para alimentação e para arranjar um sítio para pernoitar, esclarecendo até que o autor anteriormente tinha exercido a função em causa no Algarve (cf trechos dos depoimentos reproduzidos pela recorrente). Por último, a testemunha …, referiu tratarem-se de ajudas de custo para compensar a deslocação do militar para fora da sua unidade de origem por forma a colmatar os gastos que ele terá extra ao nível da alimentação e da dormida (cf trecho reproduzido na contra-alegação).
Ora, dos depoimentos em questão resulta inequivocamente que os valores em causa eram ajudas de custo destinadas a compensar despesas de alojamento e alimentação, tanto mais que o autor até já tinha exercido a função no Algarve.
Não procede, pois, a qualificação como remuneração que o recorrente pretende ver introduzida no ponto 60.
É irrelevante para efeitos de tal qualificação que exista um concurso para admissão ao lugar, conforme refere o recorrente (concurso confirmado pelos depoimentos das testemunhas …), pois a existência de um concurso não implica necessariamente que o lugar seja remunerado, podendo ser atrativo por outras razões, designadamente curriculares.
Já na parte do valor de €1000,00 a 1200,00 (de ajuda de custas) corresponder a um período mensal, assiste razão ao recorrente, pois as testemunhas … referiram um valor diário de ajudas de custas e concluíram que tal corresponderia, por mês, a valores entre €1000,00 a 1200,00, secundados nesta última parte pela testemunha … .
 Importa, pois, aditar ao ponto 60, a palavra “mensal” por referência ao valor de €1000, 00 a €1200,00 aí indicado.
O ponto 60 da matéria de facto provada passará então a ter a seguinte redação:
“60. Função essa que, como contrapartida, implicava o pagamento de “ajudas de custo”, no decurso da época balnear, correspondente a cerca de cem dias, para alimentação e alojamento, no valor mensal de cerca de € 1.000,00 a € 1.200,00. “
*
Aferição de erro de julgamento na fixação de verbas a título de reparação por danos materiais, patrimoniais e biológico, moral e na fixação do limite de capital em 8.000,00€ para danos futuros
Na sentença recorrida considerou-se procederem parcialmente as pretensões do autor, devendo a ré ser condenada no pagamento das seguintes quantias:
- € 9.000,00 (nove mil euros), pelo dano patrimonial correspondente à perda de capacidade de trabalho que impõe ao lesados esforços acrescidos no desempenho do seu trabalho habitual;
- € 13.000,00 (treze mil euros), pelo dano biológico (incapacidade geral);
- € 2.479,94 (dois mil e quatrocentos e setenta e nove euros e noventa a quatro cêntimos), por perda de rendimento patrimonial;
- Até ao limite de € 8.000,00 (oito mil euros), a indemnização para reparação de danos futuros que venham a ocorrer, incluindo com consultas, medicação, tratamentos e intervenções cirúrgicas, mediante comprovativo da sua necessidade e efectiva realização;
- A quantia que se vier a apurar em incidente ulterior à sentença, incluindo com medicação, consultas e deslocações, até ao limite do pedido, correspondente a € 872,05 (oitocentos e setenta e dois euros e cinco cêntimos),
- € 18.000,00 (dezoito mil euros), a título de danos não patrimoniais.
Considera o recorrente que deve ainda ser fixada indemnização pela quantia que o Apelante deixou de auferir enquanto Vigilante Apeado nas Praias, a cargo da Marinha Portuguesa, no valor mínimo dos 4.000,00€, atendendo a que ficou impedido no verão de 2018 e de 2019, em períodos máximos de cem dias, com direito a receber de 1.000,00€ a 1.200,00€ por mês.
Não lhe assiste razão.
Desde logo porque não se provou o alegado impedimento por referência ao Verão de 2019.
Por outro lado, mesmo tendo ficado provado que no Verão de 2018, o autor, devido ao seu estado físico adveniente das descritas lesões, não foi admitido ao concurso para preenchimento da posição de Vigilante Apeado nas Praias, a cargo da Marinha Portuguesa, também se provou que tal função implicava, como contrapartida, o pagamento de “ajudas de custo” para despesas com alimentação e alojamento, no valor mensal de cerca de € 1.000,00 a € 1.200,00.
Reportando-se o valor em causa a ajudas de custo para despesas de alimentação e alojamento, e não a remuneração, não há aqui qualquer perda de rendimento que seja indemnizável, pelo que se concorda, nesta parte, com a sentença recorrida, na qual se refere que:
“Quanto às quantias peticionadas pelo autor decorrentes do facto de, diversamente do que sucedia antes do sinistro, não poder ser admitido ao concurso para preenchimento da posição de Vigilante Apeado nas Praias, a cargo da Marinha Portuguesa, no Verão de 2018, como consequência do seu estado físico adveniente das descritas lesões, verifica-se que essa função apenas implicava o pagamento de “ajudas de custo”, para alimentação e alojamento, no valor de cerca de € 1.000,00 a € 1.200,00 mensais, quantias essas que, a não terem sido auferidas pelo autor, não implicam qualquer perda salarial ou de rendimento, pois correspondem a montantes que se destinam a assegurar as despesas suportadas pelo autor para realizar essa função, pelo que não existe fundamento para o indemnizar por tais quantias. “
Pretende também o recorrente que se considere indemnização pela perda de chance decorrente de não ter podido aceder ao curso de formação de sargentos (cf conclusão nº10).
Todavia, tal situação não consta da matéria provada, inexistindo qualquer específico facto relativo ao impedimento de acesso ao curso de formação de sargentos (nem tampouco foi tal facto concretamente alegado na p.i.).
Tanto basta para improceder esta pretensão do recorrente.
Opõe-se ainda o recorrente à sentença sob recurso  na parte em que nesta se fixa 9.000,00€ para dano profissional e 13.000,00€ para dano biológico, perfazendo 22.000,00€,  entendendo adequada a verba de 37.500,00€ para indemnizar o Apelante que tinha 32 anos à data do acidente, tem a expectativa de trabalhar, pelo menos, mais 30 anos, durante os quais vai ter que sofrer as consequências descritas em dezenas de pontos dos factos provados, e que, biologicamente, está afetado na utilização plena do seu corpo por mais de 50 anos, segundo as tabelas de mortalidade; chama a atenção para os factos provados em 75 e 76, por via dos quais se julga que o Apelante, em virtude do acidente, nunca mais pode fazer uma vida normal, uma vez que as dores e as sequelas de que padece não permitem de forma paralela a anterior, tudo significando um esforço físico acrescido e suplementar, acompanhado de dor intensa ao longo da vida, cada vez com maiores limitações.
A recorrida discorda.
Na sentença escreveu-se, a este respeito, o seguinte:
“Começando pelo dano decorrente da incapacidade para o trabalho, é de referir que o dano corporal, aqui entendido como lucro cessante, reporta-se à incapacidade funcional que afecta o lesado.
Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Junho de 2016, in www.dgsi.pt, a incapacidade pode projectar-se em duas vertentes:
“- a perda total ou parcial da capacidade do lesado para o exercício da sua atividade profissional habitual, durante o período previsível dessa atividade, e consequentemente dos rendimentos que dela poderia auferir;
- na perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando a perda ou redução da capacidade para o exercício profissional da atividade habitual do lesado, impliquem ainda assim um maior esforço no exercício dessa atividade e/ou supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, com alcance económico, no decurso do tempo de vida expectável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual.”
Na situação vertente, não ocorreu a perda total de capacidade do autor para o exercício da sua profissão habitual, a qual mantém, antes de constatando que o autor continua a desempenhar a mesma profissão de Militar da Marinha (Cabo de Manobra) – Formador de Educação Física, dado as sequelas decorrentes do sinistro não o impedirem de exercer a sua profissão, mas, por sentir dor insuportável, tal exercício implica grandes e dolorosos esforços suplementares ou acrescidos, na actualidade e no futuro, o que corresponde a uma diminuição das suas capacidades funcionais, a qual, mesmo não determinando a perda da capacidade para o exercício profissional da sua actividade habitual, conduzem a um esforço suplementar no exercício dessa actividade.
No que diz respeito à indemnização decorrente desses esforços suplementares que o autor terá que efectuar para manter o exercício da função profissional que desempenha, ponderando que tinha 32 anos de idade na ocasião do sinistro e que tais esforços persistirão até ao termo da sua vida profissional activa, o que sucederá, pelo menos, até aos 66 anos de idade (cfr. art.º 161.º, do Decreto-Lei n.º 90/2015, de 29 de Maio), o tribunal reputa por ajustado, por recurso à equidade e sopesando o facto de o pagamento do capital ocorrer de uma só vez, o que permite que o beneficiário o rentabilize financeiramente, fixar uma indemnização no valor de € 9.000,00 (nove mil euros).
Do quadro factual que ficou assente resulta ainda que o autor, em consequência do acidente, ficou com lesões, tendo-se fixado em 1 de Outubro de 2018 a data da consolidação das sequelas de que o autor é portador, sendo que as manifestações das consequências do acidente no autor continuam a afectá-lo, sendo portador de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3 (três) pontos.
Incapacidade essa que, atenta a “previsão fisiopatologicamente certa e segura, por corresponder à evolução lógica, habitual e inexorável do quadro clínico”, permite afirmar a existência de dano futuro, que “pode obrigar a uma futura revisão do caso”, evidenciando-se inclusivamente que o autor manterá dores intensas ao longo da vida, cada vez com maiores dificuldades e limitações pela evolução medicamente previsível das sequelas, tendo sucedido que, em Junho de 2021, voltou a embarcar, tendo o seu estado físico sofrido agravamento, passando a sofrer dores e limitações da cervical, pelo que foi transportado para terra, na sequência do que teve necessidade de observação hospitalar e de realizar exames complementares de diagnóstico.
No que tange ao cálculo da indemnização devida ao autor decorrente do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica e/ou física com repercussões nas actividades da vida diária, incluindo as familiares e as sociais, importa referir que o mesmo importa necessariamente um acréscimo de esforço na realização e execução das suas tarefas diárias, sejam elas pessoais, sejam familiares, sejam sociais. Esta incapacidade genérica conduz a uma incapacidade geral para a vida, implicando uma diminuição da condição física.
Como se defende no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Junho de 2011, in www.dgsi.pt, “(…) a incapacidade funcional importa sempre diminuição dessa capacidade, obrigando o lesado a um maior esforço e sacrifício para manter o mesmo estado antes da lesão e, inclusivamente, provoca inferiorização, no confronto do mercado de trabalho, com outros indivíduos por tal não afectados.
A repercussão negativa que a incapacidade funcional tem para o lesado centra-se, assim, na diminuição da sua condição física, resistência e capacidade de esforços, que se traduzirá numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das atividades pessoais em geral e numa consequente e igualmente previsível maior penosidade na execução de diversas tarefas que normalmente se lhe depararão no futuro.”
Trata-se de uma diminuição de capacidade geral de ganho do autor, fora os limites profissionais e que se estenderá até aos 78 anos de idade, correspondente à esperança média de vida actual de pessoa do sexo masculino, que se tem entendido como complemento indemnizatório e que não se confunde com a incapacidade que afecta a pessoa para o trabalho que habitualmente desempenha.
O autor apresenta lesões graves e que, atenta a factualidade assente, no futuro tenderão a agravar-se. Este agravamento conduzirá necessariamente a um esforço cada vez maior a aplicar na realização e execução das suas tarefas diárias, sejam elas pessoais, sejam familiares, sejam sociais. Tudo ponderado, entendo adequado fixar a indemnização decorrente do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica e/ou física com repercussões nas actividades da vida diária, incluindo as familiares e sociais (incapacidade esta que não se confunde com os esforços acrescidos para o desempenho da actividade profissional) no valor de € 13.000,00 (treze mil euros), o que se decide.
Conforme resulta deste segmento da sentença, o Tribunal a quo considerou ser de indemnizar o esforço acrescido do autor para o desempenho da sua atividade profissional (indemnização de €9000,00) e pelo défice funcional permanente da integridade físico-psíquica com repercussões nas atividades da vida diária, incluindo familiares e sociais (indemnização de €13,000,00), num total de €22.000,00.
Está, pois, em causa o ressarcimento de um acréscimo de dificuldade na sua atividade profissional com consequências numa vertente patrimonial, a que acresce a dimensão desse dano na globalidade da sua vida e para além da idade expectável de trabalho.
Tratam-se de diferentes dimensões do chamado dano biológico.
 Isto porque o dano biológico, correspondendo a uma perda de capacidade funcional ou geral, se reflete quer na vida profissional do lesado (mesmo que sem rebate profissional e sem perda do rendimento do trabalho), quer nas outras áreas da sua vida.
“O dano biológico, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial.”- cf Ac do STJ de 03.11.2016 proferido no processo 1971/12.0TBLLE.E1.S1..
 “O dano biológico é concebido como um dano com duas dimensões ou vertentes: patrimonial ou não patrimonial, consoante se materialize ou não em perdas de natureza económica” – Ac. STJ 23.04.2020 proferido no Proc. 1456/16.5T8VCT.G1.S1
“A ressarcibilidade do dano biológico na sua vertente patrimonial (também designado “dano patrimonial futuro”) não depende da comprovada perda de rendimentos do lesado, podendo e devendo o julgador ponderar, designadamente, os constrangimentos a que o lesado fica sujeito no exercício da sua actividade profissional corrente e na consideração de oportunidades profissionais futuras” – idem.
“A limitação funcional, ou dano biológico, em que se traduz a incapacidade resultante de um acidente é apta a provocar no lesado danos de natureza patrimonial, além dos danos de natureza não patrimonial; O dano biológico é ressarcível mesmo que implique apenas a realização de um maior esforço do lesado para obter o mesmo rendimento profissional” – Ac. do TRL de 22.11-2016 proferido no Proc. 1550/13.4TBOER.L1-7.
A indemnização por dano biológico, quer na vertente patrimonial, quer na vertente não patrimonial, deve ser fixada com base em equidade dentro dos limites que o Tribunal tiver como provados (cf. Art. 566 nº3 do Código Civil), não podendo seguir a teoria da diferença (entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos) prevista no art 566 nº2 do Código Civil, por o valor exato de tal dano biológico não ser determinável.
Na ponderação casuística a efetuar no âmbito do recurso à equidade para efeitos de fixação da indemnização deverá ter-se em conta o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei  decorrente do art. 13º da Constituição da Republica Portuguesa e do art. 8º nº 3 do Código Civil, pelo que se deverá atender, em termos de parâmetros, a decisões jurisprudenciais relativas a casos similares ou aproximados.
Tratando-se o dano biológico de um dano decorrente de défice de integridade físico-psíquica, teremos que atender, para esse efeito, ao concreto défice de integridade física de que padece o lesado, in casu 3 em 100, e à sua idade.
No caso dos autos provou-se que as sequelas não impedem o autor de exercer a sua profissão, mas implicam grandes e dolorosos esforços suplementares na atualidade e implicará no futuro.
O referido esforço suplementar enquadra-se na vertente patrimonial do dano biológico.
A indemnização fixada foi de €9000,00.
Por sua vez a perda de capacidade geral com reflexo nas outras áreas da vida diária do lesado, como as sociais ou familiares (que entendemos configurar vertente não patrimonial do dano biológico por não contender com perdas de natureza económica) foi valorizada com uma indemnização de €13.000,00.
Ora, no Ac. do STJ de 12.11.2020 proferido no Proc14697/16 a indemnização pelo dano biológico arbitrada a um lesado de 22 anos com défice de integridade física de 3 pontos foi €8271, 00; e no Ac. do STJ de 30.03.2023 proferido no proc. 4160/20 a um lesado de 33 anos com défice integridade física de 3 pontos, fixou-se indemnização pelo dano biológico no valor de €20.000,00.
Ora, o valor indemnizatório fixado in casu para o dano biológico não se afasta significativa e injustificadamente de indemnizações fixadas em casos similares como os dos Acórdãos ora referidos (relativos a lesados jovens e com idêntico défice de integridade físico-psíquica) e também não se afasta muito de indemnizações fixadas  em alguns casos em que o défice de integridade físico-psíquica era até superior (cf Ac. STJ de 25.02.2021 proferido no proc. 3014/14.0T8GMR.G1.S1, relativo a lesado de 27 anos e com défice de integridade físico-psíquica de  6 pontos, no qual se manteve indemnização no valor de €16318,00).
No sumário do acórdão do STJ de 25 de fevereiro de 2021 proferido no processo 3014/14.0T8GMR.G1.S1, pode ler-se: “I - A determinação de indemnizações por dano biológico, na sua vertente patrimonial, e particularmente por danos não patrimoniais, obedece a juízos de equidade assentes numa ponderação casuística, à luz das regras da experiência comum; II - Esse «juízo de equidade das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma questão de direito, pelo que tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido; III – Só assim não acontecerá, se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade de adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados e, em última análise, o princípio da igualdade.”
 Assim sendo, não divergindo o valor arbitrado pela 1ª instância, de modo substancial e injustificado, dos critérios/padrões adotados pelos Tribunais superiores em casos similares ou mesmo em casos em que o défice de integridade físico-psíquica do lesado era superior ao do ora autor/recorrente, conforme acima se referiu, entende-se não alterar o valor indemnizatório fixado na 1ª instância.
Veja- se que a recorrente pugna pela substituição dos valores indemnizatórios de €9.000,00 e 13.000,00 (no total de €22.000,00) pelo valor global de €37.500,00, o mesmo que já na p.i. considerava ser o adequado com base num défice de integridade física de oito pontos (cf art. 79 da p.i.), sendo certo que se provou um défice significativamente inferior (3 pontos).
Improcede, pois, esta parte do recurso.
Insurge-se ainda o recorrente contra o montante fixado pelo tribunal a quo relativamente danos morais -€18.000,00- considerando adequada a fixação do montante de €25.000,00, por ser portador de défice funcional permanente da integridade Físico-Psíquica e, consideráveis limitações, tais como Quantum doloris: 4 numa escala de 7, Dano estético:1 numa escala de 7, repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer em grau 2 numa escala de 5, risco de necessidade de efetuar novas intervenções cirúrgicas, 589 dias de doença, uma intervenção cirúrgica à coluna cervical e dezenas de factos provados que demonstram a intensidade do dano moral, que acompanhará o Apelante nos possíveis 50 anos de vida que pode durar.
A recorrida discorda.
Na sentença considerou-se o seguinte:
“Por fim e no que toca aos danos não patrimoniais sofridos pelo autor, na sua apreciação, o tribunal deve ponderar todos os aspectos que o compõem, mas a sua fixação em termos de valor monetário será apenas uma, ou seja, após ponderadas as várias vertentes do dano moral, o tribunal fixa uma indemnização que reflecte toda a dimensão do dano não patrimonial sofrido pelo autor.
Como se adiantou já, o art.º 496.º, n.º 1, do Código Civil, estabelece que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
Tratam-se agora de prejuízos que não afectam o património, diminuindo-o ou frustrando o seu acréscimo, mas outros bens de carácter imaterial, como a integridade física e psíquica, a saúde, a honra, a reputação, cuja violação ou lesão causa, normalmente, em quem a sofre, umas vezes dores físicas, outras de sofrimento psíquico ou moral, quando não os dois em simultâneo.
Tais danos ou prejuízos, dada a sua natureza não patrimonial, não indemnizáveis nos mesmos termos em que o são os danos patrimoniais, pois, contrariamente ao que em relação a estes se passa, não é possível, quanto àqueles, a reconstituição natural.
Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Abril de 1991 (BMJ, 406, 618), o art.º 496.º, do Código Civil, fixou “não uma concepção materialista da vida, mas um critério que consiste que se conceda ao ofendido uma quantia em dinheiro considerada adequada a proporcionar-lhe alegrias ou satisfações que, de algum modo, contrabalancem as dores, desilusões, desgostos, ou outros sofrimentos que o ofensor tenha provocado”.
Tudo isto é conseguido através dos juízos de equidade referidos no art.º 496.º, n.º 4, do Código Civil.
Da factualidade assente resulta que, do sinistro, resultaram lesões para o autor, tendo o mesmo sido inclusivamente sujeito a intervenção cirúrgica, mais se constatando que o autor tem sofrido dores por causa das lesões sofridas com o acidente, sendo o Quantum Doloris fixável no grau 4 de uma escala de 7, bem como sofre de dano estético de grau 1 numa escala de 7, tendo as ditas sequelas repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer, em grau 2, numa escala de 5, além de as lesões que resultaram do sinistro o terem forçado a interromper definitivamente a actividade como Formador de Educação Física, mais se constatando que, sendo pessoa activa e saudável, que praticava regularmente desporto, não pode prosseguir essas actividades, vindo o seu estado anímico a piorar gradualmente desde o sinistro, em virtude da frustração que sente por não conseguir corresponder às expectativas que tinha para a sua vida profissional e pessoal, tendo crises de negativismo, não vendo um rumo futuro feliz para a sua vida, vendo os seus colegas de profissão progredirem na carreira, a qual o autor não conseguiu acompanhar, devido às limitações físicas de que padece como consequência do sinistro.
Todos estes danos assumem, em nosso entender, um carácter suficientemente grave para permitir a sua tutela pelo direito.
A dor é uma “experiência subjectiva resultante da atividade cerebral como resposta a traumatismos físicos e/ou psíquicos”, ou seja, como resposta, entre outras situações, a um traumatismo de qualquer parte do corpo ou da mente. Esta definição pode ser tomada como "pedra de toque para a aceitação dos seus elementos nucleares, ou seja a dor física e a dor psicológica" (J. Coelho dos Santos, A reparação civil do dano corporal: reflexão jurídica sobre a perícia médico legal e o dano dor, Revista Portuguesa do Dano Corporal, Maio 1994, Ano III, n.º 4, APADAC, IML-Coimbra, pág. 77), devendo - portanto - ter-se em conta, que “o dano-dor abarca a dor física e a dor em sentido psicológico, a primeira resultante dos ferimentos aquando da acção lesiva e das posteriores intervenções cirúrgicas e tratamentos - tendentes à reconstituição natural da integridade física da vítima na situação em que se encontrava antes da lesão, pois, idealmente, procura-se a cura, ou seja, impedir que a lesão corporal deixe sequelas permanentes - integrando a segunda um trauma psíquico consequente do facto gerador da responsabilidade civil, quer resulte duma pura reacção emotiva individual sem relação com qualquer ofensa física, quer seja um reflexo desta” (Coelho dos Santos, ob. cit., pág. 78; cfr., ainda, Mamede de Albuquerque-Taborda Seiça-Paula Briosa, Dor e dano osteoarticular, Revista Portuguesa do Dano Corporal, Novembro 1995, Ano IV, n.º 5, APADAC, IML-Coimbra, pág. 73-86).
A avaliação da dor é, por seu turno, sempre algo complicada, por nela deverem intervir muitos factores, como sejam o sexo, a idade, a profissão, o meio social e cultural.
Assim, deve ser levado em conta, na falta de outros dados que infirmem estas constatações, que os limiares e a tolerância individual à dor são mais baixos na mulher que no homem e que no mesmo sexo, são tanto mais baixos quanto maior for a emotividade (Pinto da Costa, O Código Penal e a Dor, Revista de Investigação Criminal).
As dores foram aqui consideradas como fortes, repare-se que, numa escala de 7, o quantum doloris foi fixado em 4 pontos, o que permite concluir que o autor sofreu e padece presentemente de dores consideráveis.
Por outro lado, também o dano estético fixado, que reveste carácter permanente, será indemnizável, embora reduzido, porquanto de grau 1, numa escala de 7, ponderando que o “ressarcimento do dano estético não significa simplesmente valorar a beleza, mas reconhecer que a pessoa é um ente no qual importam os seus valores estéticos além dos biológicos e espirituais” (Gil Barragan Romero, Elementos del Daño Moral, Edino, Ecuador, 1995, pág. 163), havendo que sublinhar a compensação deste dano, “corresponde ao equilibrar dentro de um nível de razoabilidade, a desvantagem que todo o ser humano padece quando exibe cicatrizes que afectam o sentido estético próprio e alheio” (ob. cit., pág. 166).
É ainda de ponderar a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer para o autor, cujo grau foi fixado em 2, numa escala de 7.
E não pode ser deixar de ser ponderada a afectação do estado anímico do autor, com a inerente afectação da sua paz de espírito, bem-estar e qualidade de vida.
Assim, quanto aos danos não patrimoniais, evidencia-se nos autos, em suma, que o autor sofreu dores consideráveis, tomou medicamentos, sofreu intervenções médicas, sentiu limitações na sua vida pessoal, social e familiar, subsistindo, portanto, um estado de sofrimento físico e psicológico causado pelo sinistro em apreço.
Tratam-se de prejuízos de ordem não patrimonial verificados na esfera jurídica do autor, designadamente na sua saúde, no seu bem-estar e qualidade de vida, os quais revestem gravidade suficiente para merecerem ser ressarcidos, não se tratando de meros incómodos insignificantes e transitórios que não mereçam a tutela do direito, mas antes assumindo relevância bastante para serem objecto de reparação por via indemnizatória.
Aqui chegados, temos ainda que no quantum a arbitrar a título de indemnização é de ponderar, também, a culpabilidade do responsável e a flutuação do valor da moeda.
No caso sub judice, o condutor do veículo seguro na ré actuou com culpa, sob a feição da negligência, conforme se motivou anteriormente, desconhecendo-se as condições económicas das partes.
Tudo ponderado, entendo como adequada a atribuição de uma indemnização, a título de danos não patrimoniais, no montante total de € 18.000,00 (dezoito mil euros), montante este que já se encontra actualizado. “
O Art. 496º do Código Civil prevê a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Para tanto impõe o recurso à equidade tendo em atenção os danos causados, o grau de culpa, a situação económica do lesante e do lesado e as demais circunstâncias do facto - art. 496º nº 1 e nº 4 e art. 494º do Código CIvil.
Esta ponderação de fatores deve ser efetuada tendo em conta o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei decorrente do art. 13º da Constituição da República Portuguesa e do 8º nº 3 do Código Civil, pelo que se deverá atender, em termos de parâmetros, a decisões jurisprudenciais relativas a casos similares ou aproximados.
Estão em causa as dores sofridas pelo autor (quanto doloris de 4 em 7), tendo o autor tomado medicação e sido sujeito a intervenções médicas, o dano estético de 1 em 7, e as limitações sentidas na sua vida pessoal, social e familiar, designadamente atividades desportivas e de lazer (cujo grau foi fixado em 2 numa escala de 5), e a própria afetação do estado anímico do autor, conforme resulta do provado sob os pontos 69 a 74.
Na jurisprudência encontramos, relativamente a casos respeitantes a lesados jovens, sujeitos a internamentos, tratamentos médicos e/ou cirurgias (alguns também com necessidade de fisioterapia e/ou uso de colar cervical), com quantum doloris equivalentes ao do autor ou até superiores em um grau, com dano estético e limitações na atividade desportiva, e défice permanente da integridade físico-psíquica, entre outros, os seguintes Acórdãos:
 - Ac. do  STJ de 16.06.2016 proferido no Proc 1364/06.8T8BBCL: Fixação de indemnização por danos morais no valor de €20.000,00 a uma lesada com 40 anos à data da consolidação das sequelas, que sofreu internamentos e tratamentos médicos, com “quantum doloris” fixável no grau 4 numa escala de 7 graus de gravidade crescente, com incapacidade permanente geral da fixável em 6%, sendo que as sequelas sofridas em consequência do acidente são, em termos de rebate profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares;
 - Ac. do STJ de 22.02.2017 proferido no Proc. 5808/12.1TBALM. L1.S1: Fixação de indemnização no valor de €25.000,00 a lesado com 27 anos, sujeito a cirurgia com permanência de material de osteosintese, e com fortes dores;
  - AC. do STJ de 06.12.2017 proferido no P. 559 /10.4 TBVCT.G1.S1: Fixação de indemnização no valor de €15.000,00 a lesada com 31 anos sujeita a vários exames e tratamento de fisioterapia com sessões múltiplas e continuas, uso de colar cervical durante dois meses, tendo tido necessidade de tomar medicação analgésica e anti-inflamatória durante um ano e mantendo tal necessidade para o resto da vida, com défice funcional permanente da integridade físico psíquica de dois pontos e quantum doloris de grau 4;
- Ac. do STJ de 30.05.2019 proferido no Proc. 3710/12.6TJVNF.G1.S1: Fixação de indemnização no valor de €25.000,00 a lesado de 17 anos sujeito a varias cirurgias, tratamentos e fisioterapia, com  quantum doloris de grau 5, cicatrizes com dano estético de grau 3, e repercussão permanente relativamente a atividades desportivas e de lazer grau 1.
Ora, tendo em conta tais casos, verifica-se que a indemnização por danos não patrimoniais arbitrada no caso dos autos (€18.000$00) não diverge significativamente dos critérios seguidos na jurisprudência para casos semelhantes, não se podendo ainda esquecer que no caso dos autos já havia sido fixada indemnização de €13.000,00 especificamente para a repercussão do défice de integridade física nas atividades de vida diária do autor, familiares e sociais (excluindo os esforços acrescidos para o desempenho da atividade profissional).
Como tal, não se vê fundamento para alterar o montante de tal indemnização.       
Por último, insurge-se o recorrente contra a limitação ao valor de €8.000,00 da condenação da Ré a reparar danos futuros, incluindo consultas, medicação, tratamentos e intervenções cirúrgicas.
Considera que tendo o Apelante formulado o pedido de condenação da Apelada a custear todas as despesas futuras e previsíveis que resultem de agravamento das sequelas de que o Autor é portador, incluindo com consultas, tratamentos, apoio médico e medicamentoso, bem como eventuais cirurgias, ou a fornecê-las em espécie, bem como as incapacidades temporárias ou permanentes, às quais, para efeitos de integrar o valor desta ação, se atribui o valor de 8.000,00€, não pode a sentença condenar até ao limite de € 8.000,00 (oito mil euros), a indemnização para reparação de danos futuros que venham a ocorrer, incluindo com consultas, medicação, tratamentos e intervenções cirúrgicas, mediante comprovativo da sua necessidade e efetiva realização, porquanto viola o princípio do pedido, transformando-o duma condenação em espécie, indeterminada e futura, num montante de capital sem o menor indício quanto a essa quantificação. Reitera que a condenação deve respeitar o pedido e este não se confunde com o valor sugerido para efeitos tributários, no âmbito da justiça.
Efetivamente, na sentença condenou-se a recorrida a pagar ao recorrente, até ao limite de € 8.000,00 (oito mil euros), a indemnização para reparação de danos futuros que venham a ocorrer, incluindo com consultas, medicação, tratamentos e intervenções cirúrgicas, mediante comprovativo da sua necessidade e efetiva realização.
Para tanto, escreveu-se na sentença o seguinte:
“Peticiona ainda o autor, a título de despesas futuras, a condenação da ré em quantia a liquidar em incidente posterior à sentença, atenta a imprevisibilidade no momento da extensão das necessidades do autor.
Alega o autor que no futuro continuará a necessitar de medicação e tratamentos médicos.
Relativamente a esta questão está somente assente que a “previsão fisiopatologicamente certa e segura, por corresponder à evolução lógica, habitual e inexorável do quadro clínico” permite afirmar a existência de dano futuro, que “pode obrigar a uma futura revisão do caso”.
Neste âmbito, preceitua o art.º 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que “Se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja liquida”.
Existindo apenas como provados danos futuros, sem que se mostrem concretizados quanto à sua natureza, extensão e valor, a possibilidade de relegar a sua liquidação para momento posterior à decisão final tem suscitado divergências jurisprudenciais.
Com efeito, a aplicação e interpretação deste preceito não tem sido uniforme na jurisprudência.
Uma corrente jurisprudencial mais restritiva e antes dominante (referindo-se ao anterior art.º 661.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), defendia que “O artigo 661º, nº 2, do Código de Processo Civil apenas permite remeter a condenação para execução de sentença quando não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, entendendo-se, porém, essa falta de elementos não como a consequência do fracasso da prova na ação declarativa, mas apenas como consequência de ainda se não conhecerem, com exatidão, as unidades componentes da universalidade ou de ainda se não terem revelado ou estarem em evolução algumas ou todas as consequências do facto ilícito no momento da propositura da ação declarativa” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de Janeiro de 1995, processo n.° 085801, in www.dgsi.pt). De acordo com esta posição, a fase executiva destina-se a uma mera quantificação, não possível anteriormente, seja porque ao autor apenas era possível a dedução de um pedido genérico, nos termos do disposto no art.º 471.° do Código de Processo Civil, ou, podendo formular um pedido específico, não era, ainda assim, possível, no momento da decisão, fixar a quantidade da condenação, quer por se desconhecerem todas ou algumas das consequências do facto ilícito, por estas ainda não se terem produzido, quer por não se terem produzido ainda todos os factos capazes de determinar o montante a fixar.
Porém, esta linha de pensamento jurisprudencial tem vindo a ser substituída por um entendimento mais permissivo que, com o decurso do tempo, se tornou maioritário.
Seguindo esta corrente recente e atual “I - Sempre que o tribunal verificar o dano, mas não tiver elementos para fixar o seu valor, quer se tenha pedido um montante determinado ou formulado um pedido genérico, cumpre-lhe relegar a fixação do montante indemnizatório para liquidação em execução de sentença. II - Mesmo que se possa afirmar que se está a conceder uma nova oportunidade ao autor do deduzido pedido líquido de provar o quantitativo dos danos, não se vislumbra qualquer ofensa do caso julgado, material ou formal. III- É que a existência de danos já está provada e apenas não está determinado o seu exato valor. IV- Só no caso de se não ter provado a existência de danos é que se forma caso julgado material sobre tal objeto, impedindo nova prova do facto no posterior incidente de liquidação.” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Maio de 2009, no processo n.° 2684/04.1TBTVD.S1, in www.dgsi.pt).
Subjacente a esta jurisprudência temos razões de justiça e de equidade, que impedem que se absolva o réu na demandada uma vez demonstrada a sua obrigação — apenas tendo ficado indemonstrado o valor de tal dever de indemnizar.
No que diz respeito aos danos futuros, indemnizáveis nos termos sobreditos, embora não concretizados, nem o seu montante, tem, assim, o autor direito a ser indemnizado por eles, caso se venham efectivamente a produzir, mediante comprovativo da sua necessidade e da sua efectiva realização, mas até ao limite do pedido que formulou de € 8.000,00 (oito mil euros). “
Na p.i. o autor formula o seguinte pedido de condenação da Ré: “- A custear todas as despesas futuras e previsíveis que resultem de agravamento das sequelas de que o Autor é portador, incluindo com consultas, tratamentos, apoio médico e medicamentoso, bem como eventuais cirurgias, ou a fornecê-las em espécie, bem como as incapacidades temporárias ou permanentes, às quais, para efeitos de integrar o valor desta ação, se atribui o valor de 8.000,00€.”
Cumpre então apreciar se a alusão ao valor de €8000,00 integra o pedido, limitando-o, ou pelo contrário, se se trata de algo externo ao pedido, designadamente visando efeitos tributários, conforme alega o recorrente.
Para esse efeito de interpretação do pedido formulado, importa recorrer à alegação de suporte que consta da p.i., já que o pedido é o corolário lógico da causa de pedir.
Ora, no capítulo da p.i. que se refere aos danos patrimoniais descrevem-se, ao longo de diversos artigos, vários danos, sendo que no art 81º da p.i. consta especificamente o seguinte texto:
“Bem assim, em acréscimo das despesas já documentadas e ajuizadas, no valor de 872,05€, os custos previsíveis em consultas, tratamentos, apoio médico e medicamentoso, bem como eventuais cirurgias, uma vez que é portador de prótese cervical em C6/C7, com sofrimento dos níveis cervicais adjacentes, montante pedido a título de dano patrimonial futuro, prevenindo o agravamento das sequelas de que o Autor é portador, em montante que não pode ser contabilizado, mas que, para efeitos de integrar o valor desta ação se atribui em 8.000,00€.”
Ou seja, resulta deste artigo que os custos previsíveis com consultas, tratamentos, apoio médico e medicamento, bem como eventuais cirurgias constituem montante pedido a título de dano patrimonial futuro “em montante que não pode ser contabilizado, mas que, para, efeitos de  integrar o valor  esta ação se atribui em €8000,00.”
Conforme se refere no Ac. do STJ de 04.11.2021 proferido no processo 590/13.8TVLSB.L1.S1 “Os danos futuros indemnizáveis compreendem as despesas implicadas pelos tratamentos médico-cirúrgicos que a vítima de acidente estradal haja de suportar quando o julgador dê como assente que tais despesas ocorrerão segundo um critério de atendibilidade razoável e fundada, de segurança bastante ou elevada probabilidade.”
Dispõe o art. 556 al. b) do CPC que é permitido formular pedidos genéricos quando não seja ainda possível determinar, de modo definitivo, as consequências do facto ilícito, ou o lesado pretenda usar da faculdade que lhe confere o art. 569º do CC.
Em anotação (anot. 4) a esse artigo 556º, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa in CPC anotado, vol. I, Almedina, 3º ed. Pag. 667  referem que: “ É também permitida  a formulação de pedido genérico quando, no momento da propositura da ação, não é ainda possível fixar de modo definitivo as consequências do facto ilícito, por não se poder ainda determinar a extensão dos danos. As ações destinadas à efetivação da responsabilidade civil emergente de acidente de viação são aquelas em que, com mais frequência, se assiste á formulação de pedidos genéricos, precisamente porque aí, tantas e tantas vezes, não há, no momento da instauração da ação, elementos que permitam determinar, com rigor e segurança, as consequências danosas.”
Ora, é esse o caso uma vez que no art. 81º da p.i. o autor refere expressamente como dano os custos previsíveis com custos, tratamentos, etc, em montante que não pode ser contabilizado, de onde resulta que o correspondente pedido é um pedido genérico.
Acrescenta, todavia, que para efeitos de integrar o valor da ação lhe atribui o valor de €8000,00.
Ora, tal indicação nada mais é do que a atribuição (provisória) de um valor ao pedido genérico para efeitos de inclusão no valor da causa.
Efetivamente o art. 299 nº4 do CPC refere que “Nos processos de liquidação ou noutros em que, analogamente, a utilidade económica do pedido só se define na sequência da ação, o valor inicialmente aceite é corrigido logo que o processo forneça os elementos necessários.”
Em anotação a este preceito (anot 11), António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, na obra citada, referem que: “Ainda que seja formulada pretensão genérica (art. 556) a lei não dispensa o autor de indicar na petição o valor económico provável que atribui à ação (v.g. o valor da indemnização que previsivelmente será arbitrada na ação de indemnização ou o das receitas ou das despesas que provavelmente serão apresentadas pelo réu na prestação de contas). Trata-se de um valor provisório, suscetível de atualização, para mais ou para menos, em função da posterior liquidação, designadamente quando esta ocorra no âmbito do incidente previsto nos arts. 358º e ss.(…)”.
       Daqui resulta que cabia ao autor atribuir um valor provisório ao pedido genérico correspondente aos danos patrimoniais futuros, para efeitos de inclusão desse valor no valor da causa, sem prejuízo de posterior correção nos termos referidos no art. 299 nº4 do CPC.
Foi o que fez, esclarecendo que se tratava de valor destinado a integrar o valor da ação.
Conclui-se, pois, que a alusão, no petitório, ao valor de €8000,00 não integra o pedido, destinando-se antes a integrar o valor da ação.
Nesta parte o recurso procede, impondo-se a substituição do segmento condenatório a). iv por condenação no pagamento de indemnização (pelos danos em causa) sem o limite de €8.000,00, pois o único limite a considerar é o limite de responsabilidade da Ré nos termos do contrato de seguro referido no facto provado 1, deduzido do valor das demais indemnizações pagas pela Ré ao autor.
No mais, deverá manter-se a decisão recorrida.
As custas do recurso deverão ser suportadas por recorrente e recorrida na proporção do decaimento, que se fixa em 2/3 para o recorrente e 1/3 para a recorrida-art. 527º do CPC.
***
V- DECISÃO:
Pelo exposto acordam as Juízes desta 8ª seção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente a apelação, e em consequência:
- Revogam o segmento condenatório a). iv da sentença recorrida;
- Condenam a Ré a pagar ao autor a indemnização para reparação de danos futuros que venham a ocorrer, incluindo com consultas, medicação, tratamentos e intervenções cirúrgicas, mediante comprovativo da sua necessidade e efectiva realização, até ao limite de responsabilidade da Ré nos termos do contrato de seguro referido no facto provado 1, deduzido do valor das demais indemnizações pagas pela Ré ao autor, acrescida de juros de mora civis desde a data da interpelação da Ré para o pagamento até integral pagamento.
- No mais, mantêm a sentença recorrida.
Custas do recurso por recorrente e recorrida, na proporção do decaimento, que se fixa em 2/3 para o recorrente e 1/3 para a recorrida.
Notifique.

Lisboa, 06.06.2024                                   
Carla Cristina Figueira Matos
Carla Mendes
Teresa Sandiães