Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6044/08.7TMSNT.L1-8
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: COMPROPRIEDADE
USO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. - De acordo com o artº 1405º nº 1 do Código Civil, os comproprietários exercem, em conjunto, todos os direitos que pertencem ao proprietário singular; separadamente, participam nas vantagens e encargos da coisa, em proporção da suas quotas e nos termos dos artigos seguintes.
2. -Segundo o artº 1406º nº 1 do mesmo diploma legal, na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito.
3. - O que houver sido acordado entre os interessados, tanto pode constar do título constitutivo da compropriedade, como resultar de acordo posterior, ditado pelo consenso unânime dos interessados ou pela simples maioria dos consortes, nos termos em que esta decide sobre a administração da coisa.
4. - A maioria, porém, nunca poderá privar qualquer dos consortes, sem o respectivo consentimento, do uso da coisa a que tem direito. Apenas lhe será lícito disciplinar esse uso, de modo a evitar conflitos e choques de interesses entre os vários comproprietários.
(sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I - RELATÓRIO

M… residente na … e A… residente na … intentaram acção ordinária contra C…, pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhes uma prestação mensal de € 266,66, sendo €133,33 a cada um, desde Fevereiro de 2008 até à sua saída do imóvel.

Alegaram, em síntese, que após a morte da mãe de autores e ré, esta continuou a habitar a fracção de que é comproprietária com os autores, não tendo pago a estes qualquer contrapartida pela utilização da fracção. Se a fracção fosse arrendada nunca seria por preço inferior a € 400,00.

A ré contestou, alegando, em síntese, que vive na fracção desde 2.06.1981. A compra foi efectuada pelos três irmãos em regime de compropriedade e com recurso ao crédito à habitação, tendo sido apenas a ré quem pagou a totalidade do empréstimo no montante de € 6.995,28, assim como outros encargos. Após a morte da mãe, a ré sempre acreditou que, um dia, fosse feita a escritura de doação a seu favor, das quotas dos irmãos.

Em reconvenção, pede que os autores sejam condenados a pagarem à ré a quantia de € 25.592,56, sendo a quantia de € 9.192,56 a título de reembolso das despesas tidas com a fracção e a quantia de € 16.400,00 a título de enriquecimento sem causa.

Os autores responderam à contestação, alegando que liquidaram desde sempre a sua quota-parte e algumas das prestações foram liquidadas pela mãe dos autores e da ré. A fracção foi adquirida em regime de compropriedade para habitação da mãe, tendo acordado que, se algum casasse sairia do imóvel, o que aconteceu com a autora M… e com o autor A…, respectivamente, em 20.12.1981 e 07.04.1984.

Terminam, pedindo que seja considerada improcedente a reconvenção.

Foi proferida SENTENÇA que julgou a acção improcedente por não provada e absolveu a ré do pedido. Julgou parcialmente procedente a reconvenção e condenou os autores no pagamento à ré da quantia de € 4.596,28, absolvendo-os do demais peticionado.

Absolveu a ré do pedido de condenação como litigante de má fé.

Não se conformando com a sentença, dela recorreram os autores, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:

I. No dia 05 de Março de 1981 os ora apelantes e apelada registaram a aquisição da fracção autónoma designada pela letra “C” que corresponde à Cave Esq. do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º000, inscrito na matriz predial sob o n.º 0000, conforme docs. n.º 1 e n.º 2 que se juntaram com a p.i;

II. Em data anterior à referida no artigo 2.º da p.i., os apelantes e a apelada adquiriram a já referida fracção em regime de compropriedade, segundo o disposto no n.º1 do art. 1403.º do C.C.

III. A aquisição da referida fracção tinha por único objectivo garantir a habitação da mãe dos ora apelantes e da apelada., D… e não da família, sendo isso que resultou provado;

IV. No dia 20 de Janeiro de 2008, faleceu a mãe dos ora apelantes e apelada, na freguesia e concelho de …, no estado de viúva de P…, conforme doc. nº 3 que se juntou com a p.i.;

V. A apelada passou habitar a referida fracção em data anterior à morte da progenitora com o intuito de lhe fazer companhia e ajudar no que fosse necessário;

VI. Após a morte da progenitora a apelada continuou a habitar a referida fracção;

VII. A apelada, ainda que instada para o fazer, nunca pagou qualquer contrapartida pela utilização da fracção aos irmãos;

VIII. Em 12 de Fevereiro de 2008, a mandatária dos apelantes enviou à apelada as cartas que se juntaram com a p.i. como docs. n.ºs 4 e 5;

IX. Se a fracção fosse arrendada nunca seria por preço inferior a € 400,00;

X. Sempre foi intenção dos apelantes e mormente da apelada fazer da fracção dos autos uma fonte de rendimento após ter a mesma cumprido o fim a que se destinava, ou seja, habitação da mãe das partes;

XI. Assim, após a morte da mãe dos apelantes e apelada ficou acordado que seria o prédio dado para arrendamento, o que nunca foi levado a efeito por não ter sido aceite pela apelada, a qual se apoderou do imóvel;

XII. Sendo a referida fracção propriedade dos apelantes e da apelada, o valor da renda teria de ser dividido pelos três, pois cabe aos comproprietários participarem nas vantagens e encargos da coisa, em proporção das suas quotas, nos termos do n.º1 do artº 1405º do C.C.,

XIII. Como contrapartida pela utilização da fracção os apelantes requereram que a apelada lhes pague a contrapartida de € 266,66 mensais até à sua saída do imóvel, isto é, dois terços do valor referido no ponto IX das presentes conclusões;

XIV. É completamente falso que a apelada tenha suportado e liquidado todas as despesas e prestações relativas ao empréstimo à habitação e tal não logrou provar;

XV. Salvo o devido respeito por melhor opinião, não resultou provado quer da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento quer da documentação junta aos autos pela apelada que tenha sido esta a liquidar a totalidade do empréstimo;

XVI. Aliás, nem sequer se entende, porquanto não faz a douta sentença recorrida menção, onde suportou e como formou a sua convicção no que esta questão concerne;

XVII. Ora, tendo sido inequivocamente provado que a fracção dos autos foi adquirida pelas partes em 1981 e tendo a apelada sido presa entre 1999 e 2003, período durante o qual o empréstimo à habitação ainda se encontrava a ser liquidado, é de todo impossível que a apelada tenha procedido ao pagamento das prestações relativas àquela obrigação;

XVIII. Assim, desde logo não se entende como foi este facto dado como provado pelo tribunal a quo, sendo totalmente impossível que a apelada tenha, conforme consta dos factos assentes, liquidado a totalidade do empréstimo à CGD;

XIX. Nunca foi sequer posto em discussão que a aquisição da fracção dos autos foi realizada com recurso ao empréstimo à habitação, tendo tal facto resultado provado por nunca ter sido tão pouco impugnado pelas partes;

XX. O que se contestou e impugnou foi tão-somente a afirmação da apelada no que concerne ao pagamento integral do empréstimo à habitação relativo ao imóvel;

XXI. Os apelantes sempre liquidaram a sua quota-parte do empréstimo em apreço, tendo algumas prestações sido pagas pela mãe dos apelantes e da apelada, porquanto era ela quem habitava o imóvel de forma permanente;

XXII. Na réplica deduzida pelos apelantes impugnaram os mesmos a letra e assinatura do referido documento, sendo certo que o tribunal a quo nunca se pronunciou sobre tal facto;

XXIII. No que se refere às restantes despesas alegadamente suportadas apenas pela apelada, relativamente às quais juntou a mesma documentação em sede de p.i.;

XXIV. Ora, salvo o devido respeito por melhor opinião não comprova a documentação junta pela apelada que tenha sido esta a liquidar a totalidade das despesas, mas apenas e só que tais recibos ficaram em seu nome, o que aliás, demonstra mais uma vez a má fé com que a apelada sempre actuou, e o excesso de boa fé que os apelantes sempre demonstraram para com a irmã;

XXV. Os apelantes sempre entregaram à irmã, aqui apelada e à mãe as quantias relativas à sua quota-parte nas despesas, as quais procediam ao respectivo pagamento, uma vez que eram elas quem recebia a correspondência e habitavam no imóvel;

XXVI. Mais uma vez nos vemos obrigados a questionar como foram as contas do imóvel, liquidadas no período entre 1999 e 2003, enquanto a apelada esteve presa??!!

XXVII. Estes factos foram alegados pelos apelantes, tendo resultado provado com a prova carreada para os autos que a apelada esteve efectivamente presa, no entanto, parece que o tribunal a quo não teve em consideração os depoimentos das testemunhas no que a esta questão concerne;

XXVIII. Aliás, mais uma vez não se entende onde e como o julgador formou a sua convicção para proferir a presente sentença recorrida;

XXIX. Importa para o efeito mencionar alguns dos princípios do julgamento, aos quais o julgador deve obediência, nomeadamente aos princípios da aquisição processual, da imediação, da oralidade e o princípio da livre apreciação da prova;

XXX. O juiz deve decidir sobre a matéria de facto da causa segundo a sua íntima convicção, formada no confronto dos vários meios de prova;

XXXI. Na apreciação da prova a regra é a livre apreciação por parte do tribunal e a excepção reside nos casos em que a lei impõe a conclusão a tirar de certo meio de prova, o que no caso concreto não se verificou;

XXXII. Sendo certo que o julgador tem em si uma liberdade de apreciação e convicção, não é menos verdade que terá obrigatoriamente de a formar com base nos factos e nas provas que à luz dos princípios do dispositivo e da aquisição processual foram levadas ao seu conhecimento pelas partes;

XXXIII. Assim, algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final (art. 652º/3-b, c, d, CPC) estão sujeitas à livre apreciação do tribunal (art. 65º/1 CPC), é o caso da prova pericial (art. 389º CC; art. 591º CPC), da inspecção judicial (art. 391º CC) e da prova testemunhal (art. 396º CC).

XXXIV. Em geral, as provas produzidas na audiência final estão sujeitas à livre apreciação e o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado, o que não se verificou in casu;

XXXV. Assim, deve a presente decisão ser considerada nula, nos termos e para os devidos efeitos da alínea b) do nº1 do artigo 668º do CPC, o qual dispõe que: “É nula a sentença: b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”;

XXXVI. Ora, conforme já supra explicitado, não aduz o tribunal a quo a fundamentação de facto em que fundou a sua decisão, o que motiva a presente invocação de nulidade da mesma, a qual desde já se requer;

XXXVII. Foi evidenciado pelo apelantes a existência de erro de julgamento traduzido em desconformidade flagrante entre os elementos probatórios e a decisão, pelo que deverá ser dado provimento ao recurso;

XXXVIII. Se assim não se entender, o que só por mera hipótese académica se admite, deverá a presente sentença recorrida ser revogada, porquanto não foram as disposições legais invocadas correctamente aplicadas, ora vejamos,

XXXIX. É feita referência na decisão que ora se impugna ao estipulado no artigo 1405º do CC, o qual dispõe que: “ os comproprietários participam nas vantagens e encargos da coisa, em proporção da sua quota. Por outro lado, os comproprietários devem contribuir, em proporção das respectivas quotas, para as despesas necessárias à conservação ou fruição da coisa comum, sem prejuízo da faculdade de se eximirem do encargo renunciando ao direito (artigo 1411º nº 1 do Código Civil).”

XL. Conforme foi amplamente invocado pelos apelantes em sede de p.i, e durante a produção da prova testemunhal, o imóvel dos autos foi adquirido para uso e fruição da mãe, sendo certo que ficou acordado que os irmãos (apelantes e apelada) ficaram a habitar o imóvel até ao momento do casamento, o que sucedeu com os apelantes;

XLI. Na verdade, o fundamento primordial desta aquisição foi garantir que a falecida mãe dos apelantes e apelada tivesse um tecto até ao fim da sua vida, o que infelizmente já teve lugar, sendo certo que a apelada permaneceu no imóvel depois dessa data;

XLII. Os apelantes nunca receberam qualquer “contrapartida” ou vantagem do imóvel de que eram comproprietários, tendo a apelada sempre habitado o imóvel, mesmo após a morte da progenitora;

XLIII. A apelada apoderou-se do imóvel vedando o acesso dos apelantes ao mesmo, o que não lhe é legítimo, motivo que levou os apelantes a deduzir a presente pretensão;

XLIV. A douta sentença recorrida não parece levar a efeito uma única linha de conduta, pois se, por um lado, começa por afirmar o constante no artigo 1406º do CC, o qual faz referência a que a qualquer dos consortes é lícita a utilização do imóvel, vem mais adiante por em crise esta premissa quando considera improcedente o pedido de indemnização peticionado pela apelante com a justificação de que já enriqueceu o suficiente com o uso exclusivo da fracção;

XLV. Ora, dúvidas não restam de que a apelada usou e fruiu da fracção dos autos em exclusivo desde a saída do apelante, sendo certo que os apelantes nunca deixaram de contribuir com a sua quota-parte para todas as despesas, nomeadamente obras e condomínio como, alias, resultou provado com o depoimento das testemunhas carreadas para os autos;

XLVI. No que se refere às despesas de condomínio, refere a douta sentença recorrida que liquidou a apelada todas as quantias que lhe estão inerentes, o que é total e completamente impossível dado que a mesma foi presa nesse mesmo ano até 2003, conforme já se fez referencia;

XLVII. Não se entende igualmente o valor da sucumbência em que os apelantes foram condenados na sentença ora recorrida, ou seja, € 4.596,28, não resultando o mesmo de qualquer soma das despesas alegadamente suportadas pela apelada;

XLVIII. Toda a decisão que ora se impugna se encontra minada de imprecisões e contradições que importam ver revogadas e decidas diferentemente pelo tribunal ad quem, por forma a ser reposta a verdade dos factos

Termina, pedindo que seja revogada a sentença recorrida na parte em que absolve a apelada do pedido formulado pelos apelantes e por sua vez dá provimento ao pedido reconvencional da apelada condenando os apelantes no pagamento da quantia de 4.596,28.

A ré apresentou RECURSO SUBORDINADO, tendo apresentado as seguintes CONCLUSÕES:

1ª – A recorrida vem recorrer da sentença na fixação do valor a pagar pelos autores e requer a clarificação da sentença e a rectificação do valor da condenação para o valor de € 6.128,38 a pagar pelos autores e apelantes à ré e apelada.

2ª – E ainda da sentença na absolvição de parte do pedido reconvencional feito a título de compensação. Pelo que se requer que deve ser reconhecido o provimento do presente recurso, sendo revogada a sentença recorrida na parte em que se absolve os autores e recorrentes do pagamento da segunda verba no valor de € 16.400,00, a título de compensação pelo dinheiro investido para garantir a propriedade dos recorrentes, e dessa forma dar provimento à condenação requerida pela ré em reconvenção.

Em resposta às alegações dos apelantes, referiu o seguinte:

3ª – Os elementos do objecto do recurso dos recorrentes estão incorrectos, fora do contexto do julgamento, da base instrutória e da matéria de facto assente.

Pelo que requer que improceda o presente recurso dos recorrentes, por não provados o que pela gravação total se verificara. Nos termos do artigo 639º.

4ª – Existe uma litigância de má fé por parte dos recorrentes, pelo que devem ser condenados a pagar uma verba a uma instituição social da comarca de Sintra, nos termos do artigo 456º e ss..

Colhidos os vistos, cumpre decidir

II - FUNDAMENTAÇÃO

A) Fundamentação de facto

Mostra-se assente a seguinte matéria de facto:

1º - Os AA. e a R. são irmãos - (A).

2º - Os AA. e a R. adquiriram a fracção autónoma designada pela letra "C" a que corresponde à Cave Esq. do prédio urbano sito na Rua …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 000, inscrito na matriz predial sob o n.º 0000, no dia 2 de Junho de 1981 - (B).

3º - No dia 20 de Janeiro de 2008, faleceu a mãe dos ora AA. e R., na freguesia e concelho de …, no estado de viúva de P… - (C).

4º - No dia 05 de Março de 1981 os ora AA. e R. registaram a aquisição da fracção autónoma designada pela letra “C” que corresponde à Cave Esq. do prpdio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 000, inscrito na matriz predial sob o n.º 0000 - (1º).

5º -A aquisição da referida fracção tinha por objectivo garantir a habitação da família - (2º) .

6º - A R. passou habitar a referida fracção em data anterior à morte da progenitora - (3º).

7º - Após a morte da progenitora a R. continua a habitar a referida fracção - (4º).

8º - A R. vive na fracção autónoma designada pela letra "C" a que corresponde à Cave Esq. do prédio urbano sito na Rua …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 000, inscrito na matriz predial sob o n.º 0000, desde data posterior à realização da escritura de compra e venda -(8º).

9º - A compra foi efectuada com o recurso ao Crédito Habitação da Caixa Geral de Depósito - (10º).

10º - A C… pagou a totalidade do Empréstimo Habitação da CG D. com o n.º … no montante de € 6.995,28 - (11º).

11º - Pagou desde 1981 até 2008, a Tarifa Anual de Conservação de Esgotos da fracção no montante de € 166,62 - (12º).

12º - Pagou desde 1991 até 2002, a Contribuição Autárquica/Imposto Municipal sobre Imóveis, referente à fracção no montante de € 179,72 - (13º).

13º - Pagou desde Julho de 1998 até à presente data a quantia de € 1.221,13, referente a quotas de condomínio e obras efectuadas no prédio da responsabilidade também do condomínio - (14º).

14) Pagou desde 1981 até 2008 o montante de € 424,28 referente ao seguro de incêndio da fracção - (15.º).

15º - Pagou também o termo de cancelamento da Hipoteca na CG.D. no valor de € 98,80 -  (16º).

16º - Assim como pagou o Registo de Cancelamento da Hipoteca a favor da Caixa Geral Depósitos no valor de € 106,73 - (17º).

B) Fundamentação de direito

As questões colocadas e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aplicável por força do seu artigo 5º nº 1, em vigor desde 1 de Setembro de 2013, são as seguintes:

- Nulidade da sentença;

- A questão de direito;

- O recurso subordinado.

NULIDADE DA SENTENÇA

Argumentam os apelantes que a sentença é nula, nos termos da alínea b) do nº1 do artigo 668º do CPC, pois não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; ou seja, não aduz o tribunal a quo a fundamentação de facto em que fundou a sua decisão.

Cumpre decidir.

Nos termos do artigo 615º nº 1 alª b) do NCPC, que corresponde ao anterior artigo 668, nº1-b) do CPC a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

Só existe nulidade quando falta em absoluto a fundamentação. Não faltando em absoluto, como é o caso dos autos, haverá fundamentação deficiente, errada ou incompleta, que contende apenas com o valor lógico da sentença, sujeitando-a a alteração ou revogação em recurso, mas não produzindo nulidade[1].

Conclui-se, pois que a sentença não padece do apontado vício.

A QUESTÃO DE DIREITO

Os autores, ora apelantes, pediram que a ré vieram peticionar que a Ré fosse condenada no pagamento de uma quantia, a título de contrapartida pela utilização da fracção da qual é comproprietária em conjunto aqueles.

Alegaram que, se a fracção fosse arrendada a renda mensal nunca seria inferior a € 400.00, o que perfaz o montante proporcional de € 133.33 a cada um.

Essa matéria foi levada ao quesito 7º com a seguinte redacção:

“ Se a fracção fosse arrendada nunca seria por preço mensal inferior a € 400.00?”.

Este quesito obteve resposta negativa.

Entrando na discussão do mérito, podemos adiantar que nenhuma razão assiste aos apelantes no inconformismo que manifestam.

De acordo com o artº 1405º nº 1 do Código Civil, os comproprietários exercem, em conjunto, todos os direitos que pertencem ao proprietário singular; separadamente, participam nas vantagens e encargos da coisa, em proporção da suas quotas e nos termos dos artigos seguintes.

E, segundo o artº 1406º nº 1 do mesmo diploma legal, na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito.

Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela[2], “a possibilidade de uso integral da coisa, como se, nesse aspecto, o contitular da propriedade fosse titular único da coisa, vale apenas como princípio supletivo e nos termos que adiante se desenvolvem. Em primeiro lugar, há que respeitar o que houver sido acordado entre os interessados. Este acordo tanto pode constar do título constitutivo da compropriedade, como resultar de acordo posterior, ditado pelo consenso unânime dos interessados ou pela simples maioria dos consortes, nos termos em que esta decide sobre a administração da coisa. A maioria, porém, nunca poderá privar qualquer dos consortes, sem o respectivo consentimento, do uso da coisa a que tem direito. Apenas lhe será lícito disciplinar esse uso, de modo a evitar conflitos e choques de interesses entre os vários comproprietários”.

“Há – continuam os mesmos autores – casos em que os comproprietários harmonizam os seus interesses conflituantes no uso da coisa comum, mediante uma divisão material do gozo dela. Sem chegarem a uma divisão da coisa, que ponha termo à compropriedade, os condóminos podem acordar em usar, separadamente, as dependências em que dividem a casa comum, ou os vários lotes de terreno em que repartem para o efeito o prédio rústico comum”.

Ainda segundo a lição daqueles autores, “nos casos em que não é possível ou conveniente o uso por partes ou fracções da coisa, ou o uso por turnos, os interessados acordam por vezes no uso directo promíscuo ou simultâneo. Este é perfeitamente exequível em muitos casos de propriedade comum (couto de caça, lago para pescar, jardim de recreio, pátio ou logradouro que sirva várias casas, etc.). Podem todavia, levantar-se dificuldades práticas e teóricas, quanto ao uso directo promíscuo de prédios urbanos, que não se prestem a divisão”.

No caso de compropriedade de uma casa de habitação, não podendo aos comproprietários ser imposto o dever de co-habitarem uns com os outros, ou é materialmente possível dividir o uso, habitando cada um uma parte determinada da casa, ou a única alternativa será o gozo indirecto, que se traduzirá, em regra, na locação do imóvel, a terceiro ou a um dos consortes, conforme decidir a maioria, no exercício dos poderes de administração que o artº 1407º lhe confere.

O que nenhum comproprietário pode é, a pretexto de que a lei lhe faculta o uso integral da coisa, comportar-se como se fosse proprietário exclusivo, privando os demais consortes do uso a que, tal como ele, têm direito.

No caso “sub judice” constatamos que, do núcleo essencial dos nºs 2º a 8º da matéria de facto, existiu um acordo sobre o uso da coisa comum. Efectivamente, provou-se que a aquisição da fracção tinha por objectivo garantir a habitação da família – (5º)- ou seja, o uso pelos três irmãos, comproprietários e não exclusivamente pela ré.

Por outro lado, e como bem observa a sentença, os autores não lograram demonstrar que a ré os privou do uso e fruição do imóvel bem como da efectiva e real possibilidade de arrendamento da fracção pelo valor alegado, pelo que temos de concluir que o uso que a ré deu à fracção se contém dentro dos limites legais.

 Nesta conformidade, improcedem os argumentos das conclusões.

O RECURSO SUBORDINADO

Neste recurso subordinado, a ré coloca as seguintes questões:

- A rectificação da sentença;

- O enriquecimento sem causa;

- A litigância de má fé por parte dos autores.

A rectificação da sentença

Pretende a ré que a sentença seja rectificada no sentido de que os autores devam ser condenados a pagar à ré a quantia de € 6.128,38 e não apenas a de € 4.496,28.

A sentença julgou a reconvenção parcialmente procedente e condenou os autores no pagamento à ré da quantia de € 4.596,28, pois os considerou responsáveis pelo pagamento de parte dos encargos tidos com o imóvel pela ré, na proporção de 2/3 do montante total de € 9.192,56.

Ora, a proporção de 2/3 de € 9.192,56, são € 6.128,38 e não o valor constante da sentença, acima referido.

Nesta conformidade e porque se tratou de um mero lapso da sentença, rectifica-se a condenação para o valor de € 6.128,38 a pagar pelos autores à ré.

O enriquecimento sem causa

Finalmente, no recurso subordinado, a ré pede ainda que seja julgada procedente parte do pedido reconvencional feito a título de compensação, revogando-se a sentença recorrida na parte em que se absolve os autores e recorrentes do pagamento da segunda verba no valor de € 16.400,00, a título de compensação pelo dinheiro investido para garantir a propriedade dos recorrentes.

Cumpre decidir.

Estabelece o artigo 473º do Código Civil, o seguinte:

1. Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restiuir aquilo com que injustamente se locupletou.

2. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.

A procedência de uma reconvenção deduzida com fundamento no enriquecimento sem causa pressupõe a prova dos seguintes pressupostos legais: a) a “inexistência de qualquer negócio” celebrado entre a ré e os autores; b) o “enriquecimento dos autores” com a integração na sua esfera jurídica de determinada quantia; c) que essa integração se faça sem ocorrência de justa causa; d) e com o correlativo empobrecimento da ré. Não estando provada nos autos a incorporação injustificada de quaisquer valores no património dos autores, nem a existência de qualquer negócio celebrado entre a ré e os autores ou tão pouco que estes se tivessem locupletado à custa daquela, forçoso é concluir pela improcedência da reconvenção nesta parte.

 Por conseguinte, incumbindo à ré, reconvinte, a prova do enriquecimento sem causa dos autores – cf. artigo 342º nº 1, do Código Civil, e não a tendo feito, como claramente resulta dos autos, improcede a reconvenção por falta dos respectivos pressupostos legais plasmados no artigo 473º do Código Civil  e, consequentemente, improcede o presente recurso.

A litigância de má fé por parte dos autores 

Para a ré, os autores litigam de má fé pois o objecto do recurso é incorrecto ou fora do contexto do julgamento, não faz sentido e apenas se justifica para protelar o pagamento à ré do devido dinheiro.

Os argumentos utilizados pela ré no recurso subordinado, embora não o diga expressamente e com clareza, prendem-se com  as conclusões das alegações dos autores, designadamente nos seus números I a XXXIV, sem qualquer interesse para a decisão da causa, contendo ainda factos que não foram provados

Vejamos.

A averiguação da existência de litigância de má fé deve ser feita nos termos do artigo 542º do NCPC, que corresponde ao anterior artigo 456º do Código de Processo Civil, segundo o qual litiga de má-fé, em síntese, quem, com dolo ou negligência grave, deduz pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, altera a verdade dos factos ou faz um uso manifestamente reprovável do processo.

Como refere Lebre de Freitas, a propósito das alterações introduzidas pelo nº 2 do Decreto-Lei nº 329-A/95, a lei processual “ passou a sancionar, ao lado da litigância dolosa, a litigância temerária: quer o dolo, quer a negligência grave, caracterizam hoje a litigância de má fé, com o intuito, com se lê no preâmbulo do diploma, de atingir uma maior responsabilização das partes”[3].

A lide temerária ocorre quando se actua com culpa grave ou erro grosseiro. É dolosa quando a violação é intencional ou consciente. Mas será sempre de exigir que a prova de tal culpa ou do dolo seja clara e indiscutível.

Ora, da matéria de facto provada, não nos parece de modo algum evidente que os autores tenham litigado de má fé, pelo que improcedem as conclusões.

SÍNTESE CONCLUSIVA

- De acordo com o artº 1405º nº 1 do Código Civil, os comproprietários exercem, em conjunto, todos os direitos que pertencem ao proprietário singular; separadamente, participam nas vantagens e encargos da coisa, em proporção da suas quotas e nos termos dos artigos seguintes.

-Segundo o artº 1406º nº 1 do mesmo diploma legal, na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito.

- O que houver sido acordado entre os interessados, tanto pode constar do título constitutivo da compropriedade, como resultar de acordo posterior, ditado pelo consenso unânime dos interessados ou pela simples maioria dos consortes, nos termos em que esta decide sobre a administração da coisa.

- A maioria, porém, nunca poderá privar qualquer dos consortes, sem o respectivo consentimento, do uso da coisa a que tem direito. Apenas lhe será lícito disciplinar esse uso, de modo a evitar conflitos e choques de interesses entre os vários comproprietários.

III - DECISÃO

Atento o exposto, julga-se improcedente, tanto a apelação apelação dos autores, como o recurso subordinado da ré.

Custas da apelação pelos apelantes e do recurso subordinado pela apelada.

Lisboa, 3 de julho de 2014

Ilídio Sacarrão Martins  

Teresa Prazeres Pais

Isoleta de Almeida Costa


[1] Ac STJ de 5.1.1984, in BMJ 333º-398 e RLJ, 121º-305, com anotação de Antunes Varela.
[2]  Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª edição, pág. 357.
[3] “ Código de Processo Civil Anotado”, pág. 196-197.