Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | PAULO REGISTO | ||
Descritores: | PROPRIEDADE INDUSTRIAL MARCA CARÁCTER DISTINTIVO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/24/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I - Ao abrigo do disposto no art.º 640.º, n.º 1, als. a) a c), do CPC, deve ser rejeitado o recurso interposto, quando o recorrente, para além de não ter indicado os concretos pontos de facto que considera terem sido mal julgados, tendo por base a matéria de facto constante dos articulados, também não indicou os concretos o(s) meio(s) de prova que impunham diferente decisão da matéria de facto, remetendo, em termos genéricos, para os documentos constantes dos autos. II - A “marca” é caracterizada por ser um sinal distintivo, ou seja, por ser um sinal adequado a diferenciar junto dos consumidores os produtos ou os serviços de uma determinada empresa de outros existentes no mercado. III – Os arts. 208.º e 209.º do CPI admitem sinais com fraca ou com diminuta capacidade distintiva, simplesmente excluindo, enquanto marcas, os destituídos “de qualquer carácter distintivo”, o que constitui fundamento de recusa do registo, conforme resulta do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 231.º do CPI. IV - A lei não define o conceito indeterminado de “carácter distintivo”, ainda que nas als. c) e d) do n.º 1 do art.º 209.º, indique casos em que os sinais não reúnem condições para serem consideradas marcas, por falta de capacidade distintiva. V - Deve ser rejeitado o pedido de registo da marca “BEST FOR ALL” seja por ser destituída de qualquer carácter distintivo, seja por constituir uma expressão utilizada na linguagem corrente, desde que surja desacompanhada de quaisquer outros sinais distintivos dos serviços que pretende assinalar. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes que integram a secção da propriedade intelectual, concorrência, regulação e supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa I - RELATÓRIO: “United States Steel Corporation”, com sede em 600 Grant Street, Pittsburgh, Estados Unidos da América, veio interpor recurso da sentença proferida no âmbito destes autos, no dia 13-05-2024, pelo Tribunal de Propriedade Intelectual - J 3, que manteve o despacho proferido pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial que recusou o pedido de registo da marca nacional com o n.º 1620551, com o sinal “BEST FOR ALL”. * A recorrente “United States Steel Corporation” terminou o recurso interposto com a apresentação das seguintes conclusões: “I. O presente recurso de apelação vem interposto da sentença do TPI, de 13-05-2024, que julgou improcedente o recurso interposto pela aqui Apelante do despacho do INPI que recusou o Registo Internacional de Marca n.º 1620551 BEST FOR ALL para assinalar os seguintes serviços na classe 40 da Classificação Internacional de Nice: “metal processing, namely, custom steel fabrication to the order and specification of others”. II. A tradução livre dos referidos serviços é: “processamento de metais, nomeadamente fabricação de aço personalizado por encomenda e especificação de terceiros”. III. Em 30-10-2023, o INPI proferiu despacho de recusa provisória para todos os serviços, com base em motivos absolutos, nos termos da al. a) do n.º 1 do art.º 209.º e da al. b) do n.º 1 do art.º 231.º, ambos do CPI. IV. Em 06-02-2024, o INPI recusou definitivamente o registo da marca, limitando-se a reproduzir a argumentação vertida no despacho de recusa provisória. V. Em 15-04-2024, a Apelante interpôs recurso judicial para o TPI que, por sentença de 13-05-2024, foi julgado improcedente e mantida a recusa do registo da marca BEST FOR ALL. VI. A Apelante não se pode conformar com o sentido e a fundamentação da decisão recorrida, dado que a mesma assenta em pressupostos errados e incorre em erro na aplicação dos normativos legais aplicáveis à matéria de facto provada. VII. Em primeiro lugar, requer-se a este Douto Tribunal a reapreciação da prova, nos termos do disposto no art.º 640.º do CPC, pois os documentos juntos pela Recorrente e, bem assim, a total ausência de outros elementos probatórios, implica que na sentença recorrida não se pudesse ter dado como assente que BEST FOR ALL seja “de uma expressão que é usada em mensagens publicitárias ou “familiar do público”. VIII. Não existe absolutamente qualquer elemento probatório no processo do qual resulte que aquela expressão seja usada em campanhas publicitárias e muito menos que o público português esteja familiarizado com aquela expressão, e tais factos também não constante da “fundamentação de facto” da sentença em crise. IX. Dando-se como não provados aqueles factos e consequentes conclusões de facto é quanto basta se considerar demonstrada a distintividade da marca registanda. X. Por outro lado, inexplicavelmente, a sentença em crise não atribuiu qualquer relevância ao facto provado de que o registo da mesma marca nominativa BEST FOR ALL tem vindo a ser concedido à Apelante em diversos países de língua oficial inglesa sem que tenham sido levantadas quaisquer objeções quanto à sua distintividade. XI. Essas decisões, que são os únicos elementos probatórios constantes dos autos, impunham conclusão diametralmente oposta: a que os consumidores conseguem perfeitamente percecionar o sinal registando como uma marca. XII. O Intellectual Property Office do Reino Unido, país de língua oficial inglesa onde o significado de BEST FOR ALL é unanimemente entendido por todos os consumidores, concedeu à Recorrente o Registo Internacional de Marca n.º 1620551BESTFORALL (cf. Doc. n.º 4 junto com as alegações de recurso para o TPI). XIII. O Intellectual Property Office do Canadá, país de língua oficial inglesa onde o significado de BEST FOR ALL é unanimemente entendido por todos os consumidores, concedeu à Recorrente o Registo Internacional de Marca n.º 1620551BEST FOR ALL (cf. Documento n.º 5 junto com as alegações de recurso para o TPI). XIV. Assim, é evidente que se aqueles Institutos concederam o registo da marca BEST FOR ALL em países (i) onde a língua oficial é o inglês, (ii) onde o significado de BEST FOR ALL é conhecido e entendido por todos os consumidores e (iii) com economias muitíssimo mais competitivas que a nacional, é no mínimo surpreendente que a sentença recorrida sustente que os consumidores portugueses estariam familiarizados e habituados àquela expressão. XV. Noutras jurisdições, em Itália, o Registo Internacional de Marca n.º 1620551 BEST FOR ALL foi, também, concedido à Apelante pelo Ufficio Italiano Brevetti e Marchi (cf. Doc. n.º 6 junto com as alegações de recurso para o TPI), no México concedido pelo Instituto Mexicano de la Propriedad Industrial (cf. Doc. n.º 7 junto com as alegações de recurso para o TPI) e no Japão pelo Japan Patent Office (cf. Doc. n.º 8 junto com as alegações de recurso para o TPI). XVI. A demonstração de que a marca BEST FOR ALL alcançou o registo naquelas jurisdições constitui, no mínimo, um sério indício de facto de que BEST FOR ALL é uma expressão que reúne os requisitos necessários, nomeadamente de distintividade, para aceder a registo como marca para assinalar serviços na classe 40 em Portugal. XVII. é no mínimo surpreendente e ilegal que o TPI tivesse concluído que, ao contrário do que sucede em países de língua oficial inglesa – onde se concluiu que BEST FOR ALL será entendida pelos consumidores como marca –, em Portugal os consumidores entenderiam BEST FOR ALL como uma expressão comum, usada em mensagens publicitárias e sem a associarem a uma determina origem empresarial. XVIII. Trata-se de uma conclusão de facto perfeitamente arbitrária, que não se encontra alicerçada em nenhum elemento probatório, seja pela entidade administrativa recorrida ao abrigo do princípio do inquisitório, seja pelo próprio TPI. XIX. O que é quanto basta para se conceder o registo da marca registanda. XX. E, contrariamente ao referido na sentença recorrida, o facto de o Registo Internacional de Marca n.º 1620551 BEST FOR ALL ter sido recusado pelo EUIPO ao nível europeu, não significa que o mesmo tenha de suceder em Portugal, pois aquela decisão assenta em diferentes pressupostos fácticos, como seja, o público consumidor, e, em qualquer caso, não reveste natureza vinculativa. XXI. Aliás, as decisões anteriores do EUIPO não são vinculativas nem para o próprio EUIPO. XXII. Por outro lado ainda, confrontando-se a marca registanda com os serviços para os quais tal marca foi requerida, “processamento de metais, nomeadamente fabricação de aço personalizado por encomenda e especificação de terceiros”, alcançar-se-á a mesma conclusão, de que BEST FOR ALL não indica nem descreve qualquer característica dos serviços em causa. XXIII. O TPI limitou-se a fazer uma análise superficial de BEST FOR ALL e concluiu de forma ajurídica e en passant, limitando-se a transcrever excertos do despacho do INPI e de outras decisões proferidas por outros organismos, que tal expressão seria uma expressão de uso corrente, à qual o consumidor português se encontra familiarizado devido a motivos publicitários. XXIV. Porém, o TPI não fundamenta o seu raciocínio. E, por esse motivo, a Apelante terá de explorar nesta sede todos os possíveis motivos pelos quais se poderia concluir como concluiu o TPI, para demonstrar que nenhum deles se aplica. XXV. Tal como decidido noutras jurisdições, BEST FOR ALL possui distintividade para assinalar os serviços acima mencionados, uma vez que não designa, não descreve nem indica caraterísticas, a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica, a época ou meio de produção de qualquer um deles. XXVI. Também não corresponde à verdade que BEST FOR ALL seja uma mera frase promocional sem valor distintivo, mas caso assim se entenda então ter-se-á de conluir que estamos perante um slogan. XXVII. De acordo com o dicionário da língua portuguese, uma slogan é frase curta e apelativa, usada em publicidade ou propaganda política, uma palavra de ordem ou uma frase que identifica uma marca ou uma organização. XXVIII. De acordo com a doutrina e jurisprudência consolidadas, um slogan é um sinal registável como marca: BEST FOR ALL possui uma função promocional apelativa e vai muito além disso, sendo evidentemente apta a identificar e distinguir os serviços da Apelante, indicando ao consumidor a sua origem comercial. XXIX. Em suma, BEST FOR ALL não descreve nem indica caraterísticas, a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica, a época ou meio de produção de qualquer um dos serviços assinalados, não tendo correlação direta, necessária nem imediata com os serviços que assinala na classe 40 da Classificação Nacional de Nice. XXX. também não se entende, e o TPI não explica, por que motivo o facto de BEST FOR ALL ter entrado no vocabulário comum do público consumidor em Portugal lhe retiraria distintividade para ser registada como marca, pois é perfeitamente assente e todos sabemos, as marcas podem ser compostas graficamente tanto por expressões pertencentes ao vocabulário e gramática de uma determinada língua, como por expressões de fantasia, criadas pelos respetivos requerentes. XXXI. O TPI volta a não explicar, por que motivo o facto de BEST FOR ALL ser alegadamente muito utilizada em mensagens e spots publicitários lhe retiraria distintividade para ser registada como marca, pois perfeitamente assente e todos sabemos que o registo de marca em Portugal tem caráter constitutivo e, por conseguinte, o mero uso de marca não registada por terceiros, em publicidade ou outros, não constitui obstáculo ao registo de uma nova marca. XXXII. Além de que, em qualquer caso, tal uso sempre estaria balizado pelo princípio da especialidade, pelo que ter-se-ia que demonstrar que BEST FOR ALL seria uma expressão de uso corrente para assinalar serviços na classe 40. O que não é, evidentemente, o caso. XXXIII. é de enfatizar que a sentença recorrida também não se enquadra na prática habitual em Portugal em matéria de apreciação da distintividade das marcas. XXXIV. Com efeito, o INPI considerou distintivas, por exemplo, as seguintes marcas (cf. Documentos n.ºs 9 a 22 juntos com as alegações de recurso para o TPI): ART FOR ALL, BONDS FOR ALL, SURF FOR ALL, ACT FOR ALL, MENU FOR ALL, RESERVE FOR ALL,DANCEFORALL, CODEFOR ALL, BAG’S FOR ALL,YOGAFOR ALL, ACADEMYFOR ALL, CONCERTS FOR ALL, BEST ROCK FM e BEST ROCK FM. XXXV. Tal como BEST FOR ALL, todas as marcas elencadas são compostas pelas expressões inglesas BEST e/ou FOR ALL, e cujo significado é compreendido pelos consumidores portugueses. XXXVI. Se o INPI considerou que aquelas marcas possuem distintividade para assinalar os respetivos produtos e serviços, não se entende e o TPI também não conseguiu explicar, por que motivo considerou que BEST FOR ALL – que é também composta por expressões inglesas sem relação com os serviços assinalados – não teria distintividade para os serviços da Apelante. XXXVII. A este respeito, a sentença recorrida limita-se a referir que quanto às marcas referidas, as mesmas teriam de ser “casuisticamente analisadas”, pois “é possível atribuir-se um nome comum a uma marca, desde que existe um grau de aleatoriedade no sinal”. XXXVIII. Ora, fazendo uso das próprias palavras da sentença recorrida, BEST FOR ALL é um nome comum, que possui evidente aleatoriedade, pois não indica nem descreve quaisquer dos serviços assinalados, pelo que fazendo uma análise casuística do caso sub iudice, BEST FOR ALL pode ser registado como marca. XXXIX. Resulta, assim, demonstrada uma realidade fáctica diametralmente oposta à assumida pelo TPI: BEST FOR ALL tem capacidade distintiva intrínseca para assinalar os serviços da Apelante, cumprindo os requisitos constantes do art.º 208.º do CPI, não tendo aplicação in casu qualquer das previsões do art.º 209.º e 231.º do CPI. XL. A recusa o Registo Internacional de Marca n.º 1620551 BEST FOR ALL traduz-se numa decisão não só ilegal, como também numa decisão injusta, em manifesta contradição com as demais decisões proferidas pelos diversos institutos de marca das jurisdições supra invocadas.” * Admitido o recurso e colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. II – FUNDAMENTAÇÃO: a) Factos provados: A primeira instância considerou como provados os seguintes factos: “1. O Registo Internacional de Marca n.º 1620551 BEST FOR ALL foi apresentado pela Recorrente em 09-03-2023, para assinalar os seguintes serviços na classe 40 da Classificação Internacional de Nice: “metal processing, namely, custom steel fabrication to the order and specification of others” (tradução livre - “processamento de metais, nomeadamente fabricação de aço personalizado por encomenda e especificação de terceiros”). 2. Em 30-10-2023, o INPI proferiu despacho de recusa provisória para todos os serviços. 3. Em 06-02-2024, o INPI recusou definitivamente proteção em Portugal ao Registo Internacional da Marca n.º 1620551 BEST FOR ALL. 4. O Intellectual Property Office do Reino Unido concedeu à Recorrente o Registo Internacional de Marca n.º BEST FOR ALL, conforme documento nº 4 junto com as alegações de recurso. 5. O Intellectual Property Office do Canadá concedeu à Recorrente o Registo Internacional de Marca n.º 1620551 BEST FOR ALL, conforme documento nº 5 junto com as alegações de recurso. 6. O instituto italiano Ufficio Italiano Brevetti e Marchi concedeu à Recorrente o Registo Internacional de Marca n.º 1620551 BEST FOR ALL, conforme documento nº 6 junto com as alegações de recurso. 7. O Instituto Mexicano de la Propriedad Industrial concedeu à Recorrente o Registo Internacional de Marca n.º 1620551 BEST FOR ALL, conforme documento nº 7 junto com as alegações de recurso. 8. O Japan Patent Office concedeu à Recorrente o Registo Internacional de Marca n.º 1620551 BEST FOR ALL, conforme documento nº 8 junto com as alegações de recurso.” Para além destes, o tribunal de primeira instância não considerou provados quaisquer outros factos. b) Objecto do recurso: Como decorre do disposto nos arts. 635.º, n.º 3, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, as conclusões do recorrente delimitam o recurso apresentado, estando vedado ao tribunal hierarquicamente superior àquele que proferiu a decisão recorrida conhecer de questões ou de matérias que não tenham sido suscitadas, com excepção daquelas que sejam de conhecimento oficioso. Deste modo, compete à parte que se mostra inconformada com a decisão judicial proferida indicar, nas conclusões do recurso que interpôs, que segmento ou que segmentos decisórios pretende ver reapreciado(s), delimitando o recurso quanto aos seus sujeitos e/ou quanto ao seu objecto. A delimitação (objectiva e/ou subjectiva) do recurso condiciona a intervenção do tribunal hierarquicamente superior, que se deve cingir à apreciação e à decisão das matérias indicadas pela parte recorrente, com excepção de eventuais questões que se revelem de conhecimento oficioso. Isto significa que está vedado ao tribunal de recurso proceder a uma reapreciação de questões ou de matérias que não tenham sido suscitadas e, por consequência, que os seus poderes de cognição se encontram delimitados pelo recurso interposto no âmbito de um processo da iniciativa das partes. A iniciativa das partes condiciona a intervenção do tribunal de recurso e delimita os seus poderes de cognição, sem prejuízo do caso julgado já formado e de eventuais questões que possam ser apreciadas a título oficioso. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto: A recorrente “United States Steel Corporation” veio requerer a reapreciação da prova produzida, ao abrigo do disposto no art.º 640.º do CPC, com vista a que seja dado como não provado que “BEST FOR ALL” não é uma expressão usada em mensagens publicitárias ou que seja familiar do público. Afirma que esses factos e que essas conclusões de facto não se encontram alicerçados em nenhum elemento probatório constante dos autos. Conforme resulta do art.º 640.º, n.º 1, als. a) a c), do CPC, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, sob pena de rejeição do recurso, deve indicar os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, deve especificar os concretos meios de prova que imponham uma decisão diversa e deve indicar a decisão que devia ser proferida, no seu entender, sobre as questões de facto que foram impugnadas. De acordo com o disposto no art.º 5.º do CPC, compete às partes alegarem os factos integrantes da causa de pedir ou das excepções invocadas, o que, ao nível da matéria de facto, limita a intervenção juiz do processo, sem prejuízo do disposto nas als. a) a c) do n.º 2 deste mesmo preceito. Se o juiz é livre na escolha dos normativos aplicáveis ao caso e na interpretação jurídica que deles deve ser realizada, encontra-se vinculado, em processos desta natureza, pela matéria de facto que venha a ser alegada pelas partes, a qual está obrigado a conhecer, sob pena de nulidade da sentença. In casu, verifica-se que a recorrente “United States Steel Corporation” não indicou que factos concretos por si alegados nos articulados tenham sido incorrectamente julgados pelo tribunal a quo, nem tão-pouco que concretos meios de prova impunham uma diferente decisão sobre a matéria de facto. Compulsado o requerimento inicial verifica-se que a recorrente “United States Steel Corporation” nada alegou, a nível da matéria de facto, quanto à circunstância da expressão “BEST FOR ALL” ser (ou não) utilizada em mensagens publicitárias ou ser (ou não) conhecida pelo público em geral. Como nada tinha sido alegado nos articulados a este propósito, compreende-se que o tribunal de primeira instância não se tenha pronunciado sobre esta matéria no correspondente segmento decisório, seja considerando-a provada, seja julgando que não tinha ficado demonstrada. Por isso, não colhe fundamento a pretensão apresentada para que este tribunal de recurso reaprecie a prova produzida com vista a que seja considerada como não demonstrada a matéria acima descrita, que, repete-se, não decorre daquilo que foi alegado no requerimento inicial. Por outro lado, a recorrente “United States Steel Corporation” também não indicou que concreto(s) meio(s) de prova fundamenta(m) a sua pretensão de ver alterada a decisão proferida sobre a matéria de facto, remetendo, em termos muito vagos e genéricos, para todos os documentos constantes dos autos e para a ausência de quaisquer outros elementos probatórios. Como se viu, o recorrente deve indicar, sob pena de rejeição do recurso, os “concretos meios probatórios” que determinariam, na sua opinião, decisão diversa daquela que foi proferida sobre a matéria de facto, o que implicaria a explicação de que forma um documento individualizado (ou os documentos conjugados) serviria essa sua pretensão de ver alterada a matéria de facto. Mais: Afigura-se ainda que a recorrente “United States Steel Corporation” não parece pretender, na realidade, impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, mas antes contestar a solução jurídica encontrada pelo tribunal recorrido a respeito da falta de carácter distintivo do sinal em causa. A matéria que a recorrente “United States Steel Corporation” pretende levar à matéria de facto (como não provada) deriva das considerações que o tribunal a quo deixou expostas a respeito da “fundamentação de direito”. Refira-se que para defender que a expressão “BEST FOR ALL” não tem carácter distintivo, o Tribunal da Propriedade Intelectual sustentou que “(…) apesar de escrita em língua inglesa, já entrou no vocabulário comum do público consumidor em Portugal, habituado à exposição de expressões em língua inglesa (sendo, de resto, aquelas expressões muito utilizadas em spots publicitários)” ou que “(…) não existe aleatoriedade no sinal, tratando-se de uma expressão que é usada em mensagens publicitárias e familiar do público (…)”. Em face do exposto, ao abrigo do disposto no art.º 640.º, n.º 1, do CPC, deve ser rejeitado o recurso interposto, porquanto a recorrente “United States Steel Corporation”, para além de não ter indicado os concretos pontos de facto que considera terem sido mal julgados, tendo por base a matéria de facto constante dos articulados, também não indicou que concreto(s) meio(s) de prova impunha(m) diferente decisão sobre a matéria de facto, remetendo, em termos genéricos, para os documentos constantes dos autos. Carácter distintivo do sinal: A recorrente “United States Steel Corporation” veio alegar, com particular destaque, que a marca nominativa “BEST FOR ALL” se encontra registada em diversos países de língua oficial inglesa, que é surpreendente que a sentença recorrida sustente que os consumidores portugueses estariam familiarizados e habituados com a expressão e que apresenta capacidade distintiva intrínseca para assinalar os serviços por si prestados. Vejamos: De acordo com o art.º 208.º do CPI, a “marca” pode ser constituída por um sinal ou por um conjunto de sinais que se mostrem susceptíveis de representação gráfica (v.g. nominativa, figurativa, sonora ou mista), assim como por um sinal ou por um conjunto de sinais que, de modo claro e preciso, sejam adequados a distinguir determinados produtos ou serviços. A “marca” é caracterizada por ser um sinal distintivo, ou seja, por ser um sinal adequado a diferenciar junto dos consumidores os produtos ou os serviços de uma determinada empresa de outros existentes no mercado. Em complemento com este dispositivo, o art.º 209.º, n.º 1, al. a), do CPI, estabelece que “(…) não satisfazem as condições do artigo anterior (…) as marcas desprovidas de qualquer carácter distintivo (…)”. Note-se que a lei reconhece os sinais com fraca ou com diminuta capacidade distintiva, simplesmente exclui, enquanto marcas, os destituídos “de qualquer carácter distintivo”, o que constitui fundamento de recusa do registo, conforme resulta do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 231.º do CPI. Por outro lado, verifica-se que a lei não delimita, de modo expresso, o conceito indeterminado de “carácter distintivo”, ainda que nas als. c) e d) do n.º 1 do art.º 209.º do CPI, configure ou indique casos em que os sinais não reúnem condições para serem marcas, por falta de capacidade distintiva. De acordo com o disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 209.º do CPI, não podem ser consideradas marcas “(…) os sinais constituídos, exclusivamente, por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica, a época ou meio de produção do produto ou da prestação do serviço (…)”. De igual modo, também não reúnem as condições previstas pelo art.º 208.º do CPI, por falta da capacidade distintiva, “(…) as marcas constituídas, exclusivamente, por sinais ou indicações que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio”. Note-se que nestas duas alíneas consta o advérbio “exclusivamente”, o que significa que podem ser reconhecidos como marcas os sinais que apresentem capacidade distintiva devido a outras indicações, não obstante integrem, quanto ao mais, as excepções previstas pelo art.º 209.º do CPI. Em conformidade com o que acima se deixou exposto, o art.º 231.º, n.º 1, al. c), do CPI, estabelece que o registo de uma marca deve ser recusado, para além de outros casos, quando esta “(…) seja constituída, exclusivamente, por sinais ou por indicações referidos nas als. b) a d) do n.º 1 do art.º 209.º (…)”. No caso vertente, a recorrente “United States Steel Corporation” pretende o registo como marca da expressão inglesa “BEST FOR ALL”, que surge desacompanhada de quaisquer outros sinais ou indicações e que, traduzida para língua portuguesa, significa “O MELHOR PARA TODOS”, conforme, aliás, consta da sentença proferida pelo tribunal recorrido. Por outro lado, afigura-se que esta expressão (seja em língua inglesa, seja traduzida para língua portuguesa) é utilizada na linguagem corrente, ou seja, constitui uma expressão comum, que é vulgarmente utilizada pelas pessoas no seu dia-a-dia, podendo ser interpretada com o sentido do melhor caminho, da solução mais equilibrada ou da opção mais benéfica para todos. Enquanto linguagem corrente (seja ou não utilizada em mensagens publicitárias), a admissibilidade do seu registo encontrar-se-ia dependente desta expressão vir acompanhada por sinais ou por indicações que lhe atribuíssem capacidade distintiva dos serviços que pretende assinalar (a saber: serviços da Classe 40 da Classificação Internacional de Nice, referentes, muito em particular, ao “processamento de metais, nomeadamente fabricação de aço personalizado por encomenda e especificação de terceiros”). De modo a que um consumidor, medianamente informado e esclarecido, viesse a associar essa marca nominativa (que corresponde à expressão inglesa “BEST FOR ALL”) aos serviços de “processamento de metais” que a recorrente “United States Steel Corporation” pretende assinalar. A singela expressão inglesa, vulgarmente utilizada pelas pessoas no seu dia-a-dia, desacompanhada por outros sinais ou por outras indicações, não denota possuir capacidade distintiva dos serviços de processamento de metais que a recorrente “United States Steel Corporation” pretende assinalar. Ao ler ou ao observar esta expressão, o consumidor médio não iria, seguramente, associar a marca em causa (“BEST FOR ALL”) ao processamento de metais, enquanto serviços prestados pela recorrente “United States Steel Corporation”, distinguindo-os dos serviços oferecidos por outras empresas. Isto significa que, conforme se deixou vincado na decisão recorrida, a expressão “BEST FOR ALL” não apresenta qualquer carácter distintivo para os serviços que se pretendem assinalar, ou seja, não se mostra adequada para distinguir os serviços prestados pela recorrente “United States Steel Corporation” de serviços prestados por outras empresas no mercado. Deste modo, subscreve-se, por inteiro, a decisão reproduzida na sentença proferida pelo tribunal a quo, quando se afirma, com particular destaque, que “(…) o sinal contestado não tem qualquer carácter distintivo em relação aos serviços reivindicados (…)” ou que “(…) a marca requerida, que é dominada apenas pelos seus elementos nominativos, não é mais distintiva para os serviços em causa que o significado dos elementos que a compõem (…)”. Em face do exposto, deve ser rejeitado o pedido de registo da marca “BEST FOR ALL” seja por ser destituída de qualquer carácter distintivo, seja por constituir uma expressão utilizada na linguagem corrente e que surje desacompanhada de quaisquer outros sinais distintivos. Por último, importa apenas assinalar que a concessão do registo desta marca por outros Estados (como resultou provado pela sentença recorrida) ou a autorização concedida pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial para o registo de outras marcas (como alega a recorrente “United States Steel Corporation”) não vincula este tribunal de recurso na decisão a proferir, ainda que, refira-se, tenham constituído factores de ponderação. Em face do exposto, o recurso interposto pela empresa “United States Steel Corporation” deverá ser julgado improcedente e, em consequência, deverá ser confirmada a sentença recorrida, que, por seu turno, confirmou o despacho proferido pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial, que recusou o pedido de registo da marca nacional com o sinal “BEST FOR ALL”. III – DECISÃO: Em face do exposto, acordam os juízes que integram a secção da propriedade intelectual, concorrência, regulação e supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa em: --rejeitar o recurso apresentado pela “United States Steel Corporation” da decisão proferida sobre a matéria de facto; --julgar improcedente, quanto ao demais, o recurso apresentado pela “United States Steel Corporation” e, em consequência, confirmar a sentença proferida pelo Tribunal de Propriedade Intelectual – J3 (que confirmou o despacho proferido pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial, que, por seu turno, tinha recusado o pedido de registo da marca nacional com o n.º 1620551, com o sinal “BEST FOR ALL”); Custas a cargo da recorrente. Lisboa, 24 de Fevereiro de 2025 Paulo Registo Carlos M. G. de Melo Marinho Bernardino Tavares |