Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
29547/22.6T8LSB.L1-4
Relator: PAULA POTT
Descritores: ISENÇÃO DE HORÁRIO DE TRABALHO
RETRIBUIÇÃO
IRREDUTIBILIDADE
SUSPENSÃO DO CIT
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/20/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: Prestações incluídas na retribuição – Isenção de horário de trabalho – Suspensão do contrato de trabalho por acordo das partes – artigos 258.º e 295.º do Código do Trabalho
(sumário da autoria da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência, na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

Resumo do litígio
1. O litígio entre as partes prende-se com saber se a quantia paga pelo recorrente ao recorrido, sob a designação de Isenção de horário de trabalho, equivalente a 75% do seu nível remuneratório, tem ou não natureza de retribuição. O autor, trabalhador (aqui recorrido), defende que se trata de retribuição e o Tribunal a quo julgou procedente essa pretensão; o réu, empregador (aqui recorrente) defende que tal quantia não deve ser qualificada como retribuição.
Sentença recorrida
2. Por sentença de 5.5.2023 (referência citius 424074246/rectificada mediante referência citius 426563370), o 3.º Juízo do Trabalho de Lisboa, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, (doravante também Tribunal de primeira instância, Tribunal recorrido ou Tribunal a quo), proferiu a seguinte decisão:
3.1. Nos termos e fundamentos expostos, julga-se a acção totalmente procedente e, em consequência decide-se:
1. Reconhecer a natureza de retribuição ao montante pago ao autor a partir de Julho de 2001, sob a designação formal de IHT 75% correspondendo a quantia equivalente a 75% do seu nível remuneratório de 2014, integrando a retribuição do autor.
2. Condenar o réu “Instituto Nacional de Estatística” a pagar [a pagar] ao autor a quantia global de 63.189,20 € (sessenta e três mil, cento e oitenta e nove euros e vinte cêntimos) vencidos desde Abril de 2014.
3. Condenar o réu “Instituto Nacional de Estatística” a pagar ao autor os juros de mora à taxa legal vencidos e vincendos sobre a quantia referida em 2 desde a data de vencimento e até integral pagamento
Alegações do recorrente
3. Inconformado com a sentença mencionada no parágrafo anterior, o recorrente (réu, empregador), dela veio interpor o presente recurso (cf. referência citius 36198679 de 7.6.2023).
4. Nas suas alegações vertidas nas conclusões, o recorrente impugna a decisão recorrida com base nos argumentos que o Tribunal a seguir sintetiza:
- De acordo com a jurisprudência e doutrina mencionadas nas alegações, os montantes pagos pelo recorrente ao recorrido relativos a isenção de horário de trabalho não constituem retribuição, pelo que não se encontram abrangidos pelo princípio da irredutibilidade da retribuição previsto no artigo 129.º n.º 1 – d) do Código do Trabalho (CT);
-  Ainda que assim não fosse, o recorrido não teria direito a diferenças salariais respeitantes ao pagamento do valor de isenção de horário de trabalho entre Novembro de 2018 e 5 de Junho de 2022, período em que o recorrido esteve a trabalhar para gabinetes governamentais e não para o recorrente.
Contra-alegações do recorrido
5. O recorrido (autor, trabalhador) contra-alegou (cf. referência citius 36444532 de 4.7.2023), pugnando pela improcedência do recurso, defendendo, em síntese:
- A argumentação do recorrente não tem suporte nos factos provados 21, 22 e 23, fixados com base no acordo do próprio recorrente, dos quais resulta que o valor pago por isenção de horário de trabalho se destinava a complementar e compensar o valor da retribuição base;
- Na contestação, o recorrente nunca alegou não ser o responsável pelo pagamento da retribuição do recorrente entre Novembro de 2018 e 5 de Junho de 2022, pelo que esse segmento da defesa alegado na fase do recurso, é extemporâneo.
Parecer do Ministério Público
6. O digno magistrado do Ministério Público junto ao Tribunal da Relação, emitiu parecer (cf. referência citius 20626938 de 28.10.2023), ao abrigo do disposto no artigo 87.º n.º 3 do Código de Processo do Trabalho (CPT), pugnando pela procedência parcial do recurso e defendendo a redução do montante da condenação, em síntese, pelos seguintes motivos:
- Ficou demonstrado que o pagamento ao recorrido de uma quantia a título de isenção de horário de trabalho não correspondia a nenhum acordo sobre isenção de horário de trabalho, mas se destinava a compensar o valor da retribuição base praticado pelo recorrente, considerado mais baixo do que o de outros organismos semelhantes;
- Pelo que, esse valor deve ser qualificado como retribuição;
- Dos factos provados 13 e 14 resulta que entre Novembro de 2018 e 5 de Junho de 2022 o recorrido desempenhou funções de assessor no Gabinete do Ministro da Economia e da Transição Digital e no Gabinete do Ministro da Economia do Mar, tendo regressado ao recorrente em 6.06.2022, até à sua reforma por idade, com efeitos desde 1 de Agosto de 2022;
- Pelo que, nesse período, em que se encontrou suspensa a relação laboral com o recorrente, este não é responsável pelo pagamento das diferenças salariais em causa, devendo o montante da condenação ser reduzido em conformidade:
7. As partes reponderam ao parecer mencionado no parágrafo anterior, o recorrido, mediante requerimento com a referência citius 659507 de 10.11.2023 e o recorrente, mediante requerimento com a referência citius 659738 de 13.11.2023; cada uma delas manteve, em síntese, as posições já expressas, respectivamente, nas alegações e contra-alegações.
Delimitação do âmbito do recurso
8. Têm relevância para a decisão do recurso as seguintes questões, vertidas nas conclusões:
A. Prestação paga por isenção de horário de trabalho
B. Suspensão do contrato de trabalho
Factos
9. Nota prévia: os factos provados e não provados serão a seguir agrupados, respectivamente, em dois parágrafos mantendo-se indicada, entre parêntesis, a numeração pela qual foram enunciados na sentença recorrida, para facilitar a leitura e remissões
10. Factos provados:
(…)
11. Factos não provados:
(…)
Quadro legal relevante
12. Para a apreciação do recurso tem relevo, essencialmente, o quadro legal seguinte:
Código do Trabalho ou CT
Artigo 129.º
Garantias do trabalhador
1 - É proibido ao empregador:
a) Opor-se, por qualquer forma, a que o trabalhador exerça os seus direitos, bem como despedi-lo, aplicar-lhe outra sanção, ou tratá-lo desfavoravelmente por causa desse exercício;
b) Obstar injustificadamente à prestação efectiva de trabalho;
c) Exercer pressão sobre o trabalhador para que actue no sentido de influir desfavoravelmente nas condições de trabalho dele ou dos companheiros;
d) Diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho;
e) Mudar o trabalhador para categoria inferior, salvo nos casos previstos neste Código;
f) Transferir o trabalhador para outro local de trabalho, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, ou ainda quando haja acordo;
g) Ceder trabalhador para utilização de terceiro, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho;
h) Obrigar o trabalhador a adquirir bens ou serviços a ele próprio ou a pessoa por ele indicada;
i) Explorar, com fim lucrativo, cantina, refeitório, economato ou outro estabelecimento directamente relacionado com o trabalho, para fornecimento de bens ou prestação de serviços aos seus trabalhadores;
j) Fazer cessar o contrato e readmitir o trabalhador, mesmo com o seu acordo, com o propósito de o prejudicar em direito ou garantia decorrente da antiguidade.
k) Obstar a que o trabalhador exerça outra atividade profissional, salvo com base em fundamentos objetivos, designadamente segurança e saúde ou sigilo profissional, ou tratá-lo desfavoravelmente por causa desse exercício.
2 - O disposto na alínea k) do número anterior não isenta o trabalhador do dever de lealdade previsto na alínea f) do n.º 1 do artigo anterior nem do disposto em legislação especial quanto a impedimentos e incompatibilidades.
3 - Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto neste artigo.
Artigo 218.º
Condições de isenção de horário de trabalho
1 - Por acordo escrito, pode ser isento de horário de trabalho o trabalhador que se encontre numa das seguintes situações:
a) Exercício de cargo de administração ou direcção, ou de funções de confiança, fiscalização ou apoio a titular desses cargos;
b) Execução de trabalhos preparatórios ou complementares que, pela sua natureza, só possam ser efectuados fora dos limites do horário de trabalho;
c) Teletrabalho e outros casos de exercício regular de actividade fora do estabelecimento, sem controlo imediato por superior hierárquico.
2 - O instrumento de regulamentação colectiva de trabalho pode prever outras situações de admissibilidade de isenção de horário de trabalho.
3 - (Revogado.)
4 - (Revogado.)
Artigo 219.º
Modalidades e efeitos de isenção de horário de trabalho
1 - As partes podem acordar numa das seguintes modalidades de isenção de horário de trabalho:
a) Não sujeição aos limites máximos do período normal de trabalho;
b) Possibilidade de determinado aumento do período normal de trabalho, por dia ou por semana;
c) Observância do período normal de trabalho acordado.
2 - Na falta de estipulação das partes, aplica-se o disposto na alínea a) do número anterior.
3 - A isenção não prejudica o direito a dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, a feriado ou a descanso diário.
4 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no número anterior.
Artigo 258.º
Princípios gerais sobre a retribuição
1 - Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho.
2 - A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.
3 - Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
4 - À prestação qualificada como retribuição é aplicável o correspondente regime de garantias previsto neste Código.
Artigo 260.º
Prestações incluídas ou excluídas da retribuição
1 - Não se consideram retribuição:
a) As importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respectivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador;
b) As gratificações ou prestações extraordinárias concedidas pelo empregador como recompensa ou prémio dos bons resultados obtidos pela empresa;
c) As prestações decorrentes de factos relacionados com o desempenho ou mérito profissionais, bem como a assiduidade do trabalhador, cujo pagamento, nos períodos de referência respectivos, não esteja antecipadamente garantido;
d) A participação nos lucros da empresa, desde que ao trabalhador esteja assegurada pelo contrato uma retribuição certa, variável ou mista, adequada ao seu trabalho.
2 - O disposto na alínea a) do número anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, ao abono para falhas e ao subsídio de refeição.
3 - O disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 não se aplica:
a) Às gratificações que sejam devidas por força do contrato ou das normas que o regem, ainda que a sua atribuição esteja condicionada aos bons serviços do trabalhador, nem àquelas que, pela sua importância e carácter regular e permanente, devam, segundo os usos, considerar-se como elemento integrante da retribuição daquele;
b) Às prestações relacionadas com os resultados obtidos pela empresa quando, quer no respectivo título atributivo quer pela sua atribuição regular e permanente, revistam carácter estável, independentemente da variabilidade do seu montante.
Artigo 263.º
Subsídio de Natal
1 - O trabalhador tem direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição, que deve ser pago até 15 de Dezembro de cada ano.
2 - O valor do subsídio de Natal é proporcional ao tempo de serviço prestado no ano civil, nas seguintes situações:
a) No ano de admissão do trabalhador;
b) No ano de cessação do contrato de trabalho;
c) Em caso de suspensão de contrato de trabalho por facto respeitante ao trabalhador.
3 - Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto neste artigo.
Artigo 264.º
Retribuição do período de férias e subsídio
1 - A retribuição do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efectivo.
2 - Além da retribuição mencionada no número anterior, o trabalhador tem direito a subsídio de férias, compreendendo a retribuição base e outras prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho, correspondentes à duração mínima das férias.
3 - Salvo acordo escrito em contrário, o subsídio de férias deve ser pago antes do início do período de férias e proporcionalmente em caso de gozo interpolado de férias.
4 - Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto neste artigo.
Artigo 294.º
Factos determinantes de redução ou suspensão
1 - A redução temporária de período normal de trabalho ou a suspensão de contrato de trabalho pode fundamentar-se na impossibilidade temporária, respectivamente parcial ou total, de prestação de trabalho por facto relativo ao trabalhador ou ao empregador.
2 - Permitem também a redução do período normal de trabalho ou a suspensão do contrato de trabalho, designadamente:
a) A necessidade de assegurar a viabilidade da empresa e a manutenção de postos de trabalho, em situação de crise empresarial;
b) O acordo entre trabalhador e empregador, nomeadamente acordo de pré-reforma.
3 - Pode ainda ocorrer a suspensão de contrato de trabalho por iniciativa de trabalhador, fundada em falta de pagamento pontual da retribuição.
Artigo 295.º
Efeitos da redução ou da suspensão
1 - Durante a redução ou suspensão, mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes que não pressuponham a efectiva prestação de trabalho.
2 - O tempo de redução ou suspensão conta-se para efeitos de antiguidade.
3 - A redução ou suspensão não tem efeitos no decurso de prazo de caducidade, nem obsta a que qualquer das partes faça cessar o contrato nos termos gerais.
4 - Terminado o período de redução ou suspensão, são restabelecidos os direitos, deveres e garantias das partes decorrentes da efectiva prestação de trabalho.
5 - Constitui contra-ordenação grave o impedimento por parte do empregador a que o trabalhador retome a actividade normal após o termo do período de redução ou suspensão.
Código de Processo do Trabalho ou CPT
Artigo 74.º
Condenação extra vel ultra petitum
O juiz deve condenar em quantidade superior ao pedido ou em objeto diverso dele quando isso resulte da aplicação à matéria provada, ou aos factos de que possa servir-se, nos termos do artigo 412.º do Código de Processo Civil, de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho.
Código Civil ou CC
Artigo 804.º
(Princípios gerais)
1. A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor.
2. O devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido.
Artigo 805.º
(Momento da constituição em mora)
1. O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.
2. Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação:
a) Se a obrigação tiver prazo certo;
b) Se a obrigação provier de facto ilícito;
c) Se o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido.
3 - Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número.
Artigo 806.º
(Obrigações pecuniárias)
1. Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora.
2. Os juros devidos são os juros legais, salvo se antes da mora for devido um juro mais elevado ou as partes houverem estipulado um juro moratório diferente do legal.
3 - Pode, no entanto, o credor provar que a mora lhe causou dano superior aos juros referidos no número anterior e exigir a indemnização suplementar correspondente, quando se trate de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco.
Doutrina e jurisprudência que o Tribunal leva em conta
13. O Tribunal leva em conta os seguintes elementos:
Doutrina
- António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 21.º Edição, Almedina
- Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, parte II, 9.ª Edição, Almedina
Jurisprudência
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa no processo 25106/15.8T8LSB.L1-4, publicado em dgsi.pt
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa no processo 23664/22.0T8LSB.L1, não publicado
Apreciação do recurso
A. Prestação paga por isenção de horário de trabalho
14. A título liminar o Tribunal começa por recordar que não está em causa no presente recurso a qualificação do vínculo laboral feita pela sentença recorrida mas tão só a qualificação de certa atribuição patrimonial como fazendo parte da retribuição e se for esse o caso, o período em que é devido o seu pagamento pelo recorrido. O Tribunal começa aqui por analisar a primeira questão acima referida, deixando a segunda para a análise que será feita em B. Assim, a qualificação de certa atribuição patrimonial como fazendo parte da retribuição deve ser feita à luz do disposto no artigo 258.º do CT, levando, porém, em conta que a circunstância de uma atribuição patrimonial se enquadrar no padrão retributivo definido pelo artigo 258.º do CT não permite, sem mais, fornecer um tratamento pré-determinado às vicissitudes dessa prestação (cf. António Monteiro, Fernandes, Direito do Trabalho, 21.º Edição, Almedina, páginas 408 e 409).
15. Para resolver a questão aqui em análise importa acima de tudo distinguir as prestações patrimoniais que se integram no conceito de retribuição e estão sujeitas ao princípio da irredutibilidade, previsto no artigo 129.º n.º 1 – d) do CT, não podendo, por isso, ser retiradas ou diminuídas, das restantes prestações patrimoniais que, por expressa determinação da lei (cf. artigo 260.º do CT), não estão sujeitas à regra da irredutibilidade (ou intangibilidade).
16. Neste contexto, é útil recorrer à distinção doutrinal entre retribuição em sentido amplo, que engloba o conjunto das vantagens patrimoniais de que o trabalhador beneficia em razão do seu contrato de trabalho e que podem ou não ser contrapartida do trabalho prestado, e retribuição em sentido estrito, que corresponde à prestação patrimonial, em dinheiro ou em espécie, regular e periódica, que é devida ao trabalhador por força do seu contrato, das normas que o regem ou dos usos, como contrapartida do seu trabalho (cf. Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, parte II, 9.ª Edição, Almedina, páginas 610 a 611).
17. Dito isto, o problema colocado ao Tribunal é o de saber se a prestação paga ao recorrido no valor de 75% do seu nível salarial, qualificada como isenção de horário de trabalho (IHT 75%), integra ou não o conceito de retribuição e, consequentemente, está ou não sujeita ao princípio da irredutibilidade.
18. Para dar resposta a esta questão, o Tribunal acompanha aqui a seguinte doutrina e começa por apreciar se se verificam todos os elementos do conceito de retribuição previstos no artigo 258.º do CT (cf. Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, parte II, 9.ª Edição, Almedina, páginas 611 616). Assim, os elementos que devem verificar-se cumulativamente para qualificar a prestação aqui em crise como retribuição, são os seguintes:
- Tratar-se de um direito do trabalhador pelo que, o seu pagamento não corresponde a um animus donandi mas a um dever do empregador emergente de um contrato oneroso;
- Decorrer do próprio contrato, seja porque resulta directamente do contrato de trabalho, seja porque decorre da remissão para o instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou para os usos;
- Ter caracter sinalagmático na medida em que é contrapartida da actividade laboral, entendida como a disponibilidade do trabalhador para a prestação de trabalho;
- Ser regular e periódica, embora possa variar quanto à unidade de tempo considerada;
- Ser uma prestação patrimonial no sentido de ser avaliável em dinheiro.
19. Dos factos apurados resulta que a prestação aqui em crise preenche todos os requisitos enunciados no parágrafo anterior. Adicionalmente, por um lado, tais requisitos têm de ser conjugados com a presunção constante do artigo 258.º n.º 3 do CT, de que qualquer prestação do empregador ao trabalhador integra a noção de retribuição, presunção que cabia ao recorrente ilidir nos termos do artigo 350.º n.º 2 do Código Civil (CC), o que não sucedeu. Por outro lado, a noção de retribuição tem de ser integrada mediante a delimitação do elemento “contrapartida do trabalho” (cf. artigo 258.º n.º 1 e 262.º n.º 2 do CT). Ora, a este propósito, resulta dos factos provados 21 a 24 que a prestação aqui em crise foi uma contrapartida da prestação de trabalho normal do recorrido.
20. Em consequência, afigura-se ser de qualificar a prestação do empregador como prestação retributiva com os dois efeitos essenciais previstos no artigo 258.º n.º 4 do CT: a sujeição dessa prestação à garantia da irredutibilidade que se traduz na sua proibição de ser retirada ao trabalhador (artigo 129.º n.º 1 – d) do CT) e a aplicação a essa prestação do regime especial de tutela dos créditos retributivos do trabalhador (cf. artigo 33.º e seguintes do CT).
21. Com efeito, embora o acréscimo remuneratório aqui em causa tenha sido qualificado contabilisticamente como isenção de horário de trabalho, na realidade provou-se que ele não tem tais características.
22. A prestação devida por isenção de horário de trabalho não deve, em regra, ser qualificada como retribuição uma vez que corresponde a um modo particular de prestação do trabalho, ou seja, só é devida naquelas condições concretas e enquanto elas subsistirem (incluindo para cálculo dos subsídios de férias, nos termos do artigo 264.º n.º 2 do CT), mas não é intangível. Assim, se o trabalhador perder a isenção de horário, a sua remuneração baixa, sem que isso viole o princípio da irredutibilidade da retribuição.
23. A isenção de horário regulada pelos artigos 218.º e 219.º do CT deve ser estabelecida por acordo entre o trabalhador e o empregador. A lei exige a forma escrita – cf. artigo 218.º n.º 1 do CT. A isenção de horário de trabalho tem efeitos a três níveis: no âmbito do direito ao repouso; na qualificação do trabalho prestado pelo trabalhador dentro dos limites dessa isenção (cf. artigo n.º 3 – a) do CT); no acréscimo remuneratório global destinado a compensar o trabalhador pela disponibilidade temporal acrescida perante o empregador. Esse acréscimo remuneratório é fixado por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou na sua falta, nos termos do artigo 265.º n.º 1 a) e b) do CT (cf. Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, parte II, 9.ª Edição, Almedina, páginas 506 a 507). 
24. Ora, dos factos provados 21 a 24 e 50 a 54, não resulta a existência de qualquer acordo sobre isenção de horário de trabalho celebrado entre o recorrente e o recorrido, nem que a prestação remuneratória aqui em crise foi a contrapartida da disponibilidade temporal acrescida do recorrido. O que se apurou foi que o recorrente aumentou a retribuição de determinados cargos, entre os quais o exercido pelo recorrido e como esse aumento não estava contemplado nas suas tabelas salariais o recorrente passou contabiliza-lo como prestação devida por isenção de horário embora essa prestação se destinasse a remunerar a prestação de trabalho normal do recorrido.
- Assim, foi apenas em termos contabilísticos, determinados pelo próprio recorrido para ultrapassar os limites que resultavam das suas tabelas salariais e as aproximar dos valores praticados por outra entidade que tomou como modelo, que o valor de 75 % da do nível salarial do recorrido foi qualificado como acréscimo por isenção de horário de trabalho, já que, na realidade, isso correspondeu a um aumento da retribuição devida como contrapartida do trabalho prestado (cf. factos provados 60 a 62 e 68 a 81). Não se provou que segundo o acordo das partes esse valor correspondesse a um modo particular de prestação do trabalho pelo recorrido. Os factos demonstram, pelo contrário, que tal valor se insere na noção de contrapartida do trabalho prestado em condições normais – cf. artigo 258.º n.º 1 do CT (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa no processo 23664/22.0T8LSB.L1, não publicado).
25. Pelo que, a componente remuneratória aqui em crise, no valor de 1 988,27 correspondente a 75% do nível remuneratório do recorrido, está coberta pelo princípio da intangibilidade da remuneração previsto no artigo 129.º n.º 1 – d) do CT, não podendo o recorrente diminuí-la de 75% para 55% desse nível remuneratório, como fez a partir de 1.4.2014.
26. Em consequência, improcede este segmento da argumentação do recorrente.
B. Suspensão do contrato de trabalho
27. O recorrente defende que, de Novembro de 2018 a 5 de Junho de 2022 o recorrido exerceu funções em gabinetes ministeriais e, por isso, no caso de lhe ser devida a prestação em causa a título de remuneração, durante esse período não impende sobre o recorrente o dever de pagar tal quantia. O digno magistrado do Ministério Publico defende igualmente a procedência parcial do recurso nesses termos.
28. A este propósito, contrariamente ao que alega o recorrido, é forçoso constatar que os factos em questão (os períodos durante os quais o recorrido trabalhou em gabinetes ministeriais) foram alegados pelo recorrente nos artigos 81, 82, 135 e 136 da contestação (cf. referência citius 34813597 de 22.1.2023). Trata-se de defesa por via de excepção nos termos do artigo 571.º n.º 2, parte final do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 1.º n.º 2 – a) do Código de Processo do Trabalho (CPT). Tal matéria foi, pois, alegada tempestivamente e encontra-se apurada nos factos provados 12 e 13, não estando o Tribunal sujeito às alegações das partes no que toca à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito a tais factos – cf. artigo 5.º n.º 3 do CPC aplicável ex vi artigo 1.º n.º 2 – a) do CPT.
29. Dito isto, dos factos provados 12 e 13 resulta que entre Novembro de 2018 e 5 de Junho de 2022, o contrato de trabalho esteve suspenso por acordo das partes, hipótese que é admitida pelo artigo 294.º n.º 2 – b), primeira parte, do CT. A suspensão do contrato mantém o vínculo, mas paralisa os principais efeitos do contrato de trabalho, neste caso, a obrigação de o recorrido prestar o seu trabalho para o recorrente e a obrigação de o recorrente pagar a retribuição ao recorrido – cf. artigo 295.º o CT.
30. Em tal contexto, se os créditos laborais respeitantes ao lapso temporal anterior e posterior à suspensão do contrato se mantêm, já o mesmo não sucede com o pagamento da retribuição durante o período em que durou a suspensão, uma vez que durante esse período a obrigação de pagar a retribuição não impende sobre o recorrente (cf. António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 21.º Edição, Almedina, página 581 e acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa ai citado, proferido no processo 25106/15.8T8LSB.L1-4).
31. Assim, da análise dos factos provados 84, 87 e 88 resulta que de 1.4.2014 até Outubro de 2018 e posteriormente de 6.6.2022 a 31.7.2022 (data após a qual o recorrido se reformou, em 1.8.2022), o recorrente, em vez de pagar ao recorrido 75% do valor do seu nível remuneratório (75% do índice remuneratório = 1 988,27) passou a pagar-lhe menos 20% desse nível remuneratório. Aplicando a regra matemática de três simples, se 1 988,27 são 75% do nível remuneratório, 100% do nível remuneratório são 2 651,02. Pelo que, 20% do nível remuneratório mensal são 530,20 euros, quantia mensal essa que, fazendo parte da retribuição e sendo paga 14 vezes por ano (cf. factos provados 17 e 71), o recorrente deixou de pagar ao recorrido desde 1.4.2014 até à data em que o recorrido se reformou (cf. facto provado 87). De acordo com o que o recorrido alega no artigo 101 da petição inicial, esse valor de 530,20 euros, correspondente a 20% do seu nível remuneratório, manteve-se inalterado entre 2014 e 2022, ou seja, desde a data em que deixou de lhe ser pago até à data em que se reformou (cf. referência citius 34440115 de 13.12.2022).
32. Em consequência, ressalvando o período em que o contrato de trabalho esteve suspenso, o recorrente deve pagar ao recorrido a quantia mensal de 530,20 euros, desde 1.4.2014 até Outubro de 2018 e desde 6.6.2022 até 31.7.2022, os acertos diários quando aplicáveis (530,20/30 = 17,67 euros dia) e os proporcionais dessa quantia mensal correspondentes aos subsídios de férias e de Natal nesses períodos, uma vez que se apurou que integram a retribuição e não foram pagos (cf. artigos 74.º do CPT e 129.º n.º 1 – d), 263.º n.º 1 e 2, 264.º n.º 2 e 3 do CT). Valor este que não excede os limites do pedido.
33. Tratando-se de obrigações com prazo certo, o recorrente deve pagar ao recorrido os juros de mora à taxa legal, sobre as quantias indicadas no parágrafo anterior, a contar da data em que, respectivamente, se venceram, os valores mensais, os subsídios de férias e Natal e os acertos diários a que haja lugar – cf. 804.º. 805.º n.º 2 – a) e 806.º n.ºs 1 e 2 do CC.
34. Por todo o exposto, procede parcialmente o recurso, devendo a decisão recorrida ser revogada no que respeita ao valor da retribuição devida, que passa a não incluir o período em que o contrato foi suspenso.
Em síntese
35. A componente remuneratória do recorrido apesar de qualificado como acréscimo por isenção de horário de trabalho, na realidade, corresponde a retribuição devida como contrapartida do trabalho prestado em condições normais e está coberta pelo princípio da intangibilidade da remuneração – cf. artigos 129.º n.º 1 – d) e 258.º do CT e artigo 72.º do CPT.
36. Tendo o recorrente diminuído a remuneração, passando a pagar menos 530,20 euros mensais ao recorrido, a partir de 1.4.2014, é obrigado a pagar ao recorrido os valores em falta, ressalvado o período em que o contrato de trabalho esteve suspenso por vontade de ambas as partes – cf. artigos 294.º n.º 2-b) primeira parte e 295.º do CT.
37. Tratando-se de obrigações com prazo certo, são devidos juros de mora vencidos desde a data em que se venceram tais quantias e vincendos até integral pagamento – artigos 804.º, 805.º n.º 2- a) e 806.º n.ºs 1 e 2 do CC.

Decisão
Acordam as Juízes desta secção em julgar parcialmente procedente o recurso e, em conformidade:
I.Revogar parcialmente a decisão recorrida no que respeita ao ponto 3.1.2 da parte decisória acima transcrita no parágrafo 2.
II.Substituir, nessa parte, a decisão recorrida por outra que:
(i) Condena o recorrente a pagar ao recorrido a quantia mensal de 530,20 euros (quinhentos e trinta euros e vinte cêntimos), desde 1.4.2014 até Outubro de 2018 e desde 6.6.2022 até 31.7.2022, os proporcionais dessa quantia correspondentes aos subsídios de férias e de Natal nesses períodos, os acertos diários, quando aplicáveis,  à razão de 17,67 euros (dezassete euros e sessenta e sete cêntimos) por dia e os juros de mora à taxa legal, vencidos desde a data em que se venceu cada uma dessas quantias e vincendos até integral pagamento.
(i) Absolve o recorrente da restante parte do pedido.
III.Manter no mais a decisão recorrida.
IV.Condenar ambas as partes nas custas do recurso na proporção do decaimento – artigo 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 87.º n.º 1 do CPT.

Lisboa, 20 de Dezembro de 2023
Paula Pott
Francisca Mendes
Maria José Costa Pinto