Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1024/21.0JGLSB-A.L1-9
Relator: GUILHERME CASTANHEIRA
Descritores: APREENSÃO DE ENCOMENDAS JÁ ABERTAS E MANUSEADAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: I– Aquando da apreensão das encomendas encontrando-se estas todas abertas e manuseadas, pela "DHL", no contexto de controlo e prevenção estipulado no contrato celebrado entre cliente e empresa de transporte e que consta, de forma expressa, dos TERMOS E CONDIÇÕES GERAIS DE TRANSPORTE - PORTUGAL, da "DHL" é certo que os clientes da "DHL", entenda-se, os expedidores de cada uma das encomendas, consentem e estão de acordo que a empresa se abstenha de proceder ao transporte e entrega, designadamente, de cartões bancários, encontrando-se aquela contratualmente autorizada a proceder à abertura e inspecção da encomenda suspeita - foi o que se verificou no caso concreto;

II– Não se verifica neste caso qualquer vício processual, no acto de abertura das encomendas, já que se trata de uma abertura de correspondência que, no caso concreto e devido aos contornos específicos explicitados, não carecia de ser autorizada nem ordenada por Juiz de Instrução;

III– A Policia Judiciária, no âmbito das respectivas competências, quando, ao deparar-se com os cartões bancários, documentação associada e cartões SIM que se encontravam no interior das encomendas (legitimamente já abertas pela "DHL"), bem determinou a imediata apreensão cautelar dos objectos, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 178º, nºs 1 e 5, 249º, nº s 1 e 2, alíneas a) e c), ambos do Código de Processo Penal, pelo que no atinente à apreensão, concretamente dita, não se vislumbra a existência de qualquer vício processual;

IV– “ In casu” não será de aplicar o prazo ínsito no art. 252º, nº 3 do Código de Processo Penal, porquanto tal norma mostra-se desajustada ao caso concreto, já que a Policia Judiciária se deparou com objectos já retirados do seu invólucro/envelope, de modo legítimo, e que a "DHL" já não iria remeter ao seu destino final. Por essa razão, não se justificava a apresentação de um pedido de abertura de correspondência, perante o Juiz de Instrução, nem tão pouco a convalidação de uma ordem de suspensão de remessa de correspondência (a qual, essa sim, tinha se ter lugar, no prazo de 48 horas), pelo singelo motivo de que não havia qualquer correspondência por abrir, nem cujo envio importasse suspender.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa


I.RELATÓRIO:


No nuipc 1024/21.0JGLSB-A.L1, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Instrução Criminal de Lisboa - Juiz 1, o Ministério Público, interpôs recurso do despacho judicial, constante a fls. 217 a 220 do presente traslado, concluindo:
1. No presente inquérito investigam-se factos susceptíveis de integrar, em abstracto e sem posterior de ulterior qualificação jurídica, a prática do crime de branqueamento, p. e p. pelo art. 368.°-A do Código Penal, sendo o crime precedente de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217.°, n.° 1 e 218.°, n.° 2, alínea b), ambos do Código Penal.
2.O inquérito iniciou-se quando, no dia 26/10/2021, chegou ao conhecimento da Policia Judiciária que na "DHL Express", sita na Av.ª Dom ... ..., n.° ..., Piso ..., em L_____, se encontravam 11 (onze) encomendas, com destino ao Benin - as quais já se mostravam manuseadas/abertas pela "DHL", no contexto de controlo e prevenção estipulado no contrato celebrado entre cliente e empresa de transporte -, que continham, no seu interior, documentação bancária, cartões bancários e cartões SIM por activar.
3. Tal indicia que nos encontramos perante um fenómeno de angariação de indivíduos para agir como Money Mules, os quais terão aderido ao plano de proceder à abertura de contas bancárias, nas quais virão a ser creditadas quantias provenientes, nomeadamente, de ilícitos de burla. De acordo com tal plano, estes indivíduos facultam, posteriormente - como terão feito, no caso destes autos -, os seus acessos bancários virtuais - ao serviço de homebanking - e físicos - dos cartões bancários e respectivos códigos, a terceiros, os quais se encontram, in casu, no Benin, e que poderão, deste modo, movimentar livremente as contas bancárias tituladas por Money Mules, mantendo a sua identidade oculta.
4.Por esse motivo, procedeu-se à respectiva apreensão, nos termos do previsto no art. 178.°, n.° 5 do Código de Processo Penal, no dia 26/10/2021.
5. Em conformidade com as disposições conjugadas dos arts. 178.°, n.°s 5 e 6, 179.°, n.°s 1 e 3, 249.°, n.° 2, alínea c), 252.°, 268.°, n.° 1, alínea d) e 269.°, n.° 1, alínea d), todos do Código de Processo Penal, promoveu-se, ao Mmo. Juiz de Instrução Criminal, no dia 04/11/2021, a validação das apreensões do conteúdo das encomendas postais, bem como que tomasse conhecimento desse conteúdo das encomendas e determinasse a respectiva junção aos autos.
6. Quando a Polícia Judiciária se deslocou às instalações da "DHL Express", as encomendas em causa já se encontravam todas abertas e manuseadas, pela "DHL", no contexto de controlo e prevenção estipulado no contrato celebrado entre cliente e empresa de transporte e que consta, de forma expressa, dos TERMOS E CONDIÇÕES GERAIS DE TRANSPORTE - PORTUGAL, da "DHL" - juntos aos autos -, obtidos através do link https://www.dhl.com/content/dam/dhl/local/pt/dhl-parcel/documents/pdf/pt-dhl-parcel-/pt/dhl-parcel-portugal-gtc-pt.pdf, em concreto da cláusula 2. (Envios não aceites).
7.Assim, os clientes da "DHL", entenda-se, os expedidores de cada uma das encomendas, consentem e estão de acordo que a empresa se abstenha de proceder ao transporte e entrega, designadamente, de cartões bancários, encontrando-se contratualmente autorizada a proceder à abertura e inspecção da encomenda suspeita - foi o que se verificou no caso concreto.
8. Não se verifica qualquer, por isso, qualquer vício processual, no acto de abertura das encomendas, já que se trata de uma abertura de correspondência que, no caso concreto e devido aos contornos específicos explicitados, não carecia de ser autorizada nem ordenada por Juiz de Instrução.
9. Bem agiu a Policia Judiciária, no âmbito das respectivas competências, quando, ao deparar-se com os cartões bancários, documentação associada e cartões SIM que se encontravam no interior das encomendas (legitimamente já abertas pela "DHL"), determinou a imediata apreensão cautelar dos objectos, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 178.', n.'s 1 e 5, 249.', n.'s 1 e 2, alíneas a) e c), ambos do Código de Processo Penal. Consequentemente, também no atinente à apreensão, concretamente dita, não se vislumbra a existência de qualquer vício processual.
10. Não se considera que in casu seja de aplicar o prazo ínsito no art. 252.', n.' 3 do Código de Processo Penal, porquanto tal norma mostra-se desajustada ao caso concreto, já que a Policia Judiciária se deparou com objectos já retirados do seu invólucro/envelope, de modo legítimo, e que a "DHL" já não iria remeter ao Benin. Por essa razão, não se justificava a apresentação de um pedido de abertura de correspondência, perante o Juiz de Instrução, nem tão pouco a convalidação de uma ordem de suspensão de remessa de correspondência (a qual, essa sim, tinha se ter lugar, no prazo de 48 horas), pelo singelo motivo de que não havia qualquer correspondência por abrir, nem cujo envio importasse suspender.
11.Concede-se que a promoção para validação da apreensão do conteúdo das encomendas, junto do Juiz de Instrução, se deu para além do prazo de setenta e duas horas, mencionado no art. 178.', n.' 6 do Código de Processo Penal.
12. Todavia, não prevendo o citado normativo a consequência para a inobservância do prazo de validação judiciária das apreensões, deverá considerar-se tal acto como meramente irregular, nos termos do disposto nos arts. 118.°, 119.° a contrario e 120.° a contrario, todos do Código de Processo Penal, o qual, como é consabido, encontra-se dependente de arguição, que não ocorreu, nos termos e para os efeitos do preceituado no art. 123.°, n.° 1 do Código de Processo Penal.
13.Ao ter proferido o despacho a quo, incorreu o Tribunal recorrido numa incorrecta interpretação e aplicação dos arts. 178.°, n.°s 1, 5 e 6, 179.°, n.°s 1 e 3, 249.°, n.° 2, alínea c), 252.°, 268.°, n.° 1, alínea d) e 269.°, n.° 1, alínea d), todos do Código de Processo Penal - no que à abertura de correspondência e apreensão concerne - e dos arts. 118.° a 123.°, 125.° e 126.°, n.° 3, do mesmo diploma - no atinente ao vício de nulidade, que considerou verificar-se -, o que deve conduzir à revogação da decisão recorrida”.
Termina por dever o “recurso ser julgado procedente e, consequentemente, revogada a decisão recorrida, sendo substituída por outra, na qual se valide a apreensão do conteúdo das encomendas e, ainda, que considere sanada a irregularidade da apresentação extemporânea para validação (cfr. art 178.°, n.° 6 do Código de Processo Penal), nos termos do prescrito no art. 123.', n.' 2 do Código de Processo Penal”.
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Neste Tribunal, o Ex.º Procurador-Geral Adjunto teve vista dos autos e, “aderindo aos fundamentos elencados no recurso interposto pelo Ministério Público”, emitiu “parecer consonante, no sentido de que o recurso em apreço deve ser julgado procedente, devendo a decisão recorrida ser revogada, tendo por consideração todos os argumentos e fundamentos aduzidos, e substituída por outra na qual se valide a apreensão do conteúdo das encomendas e, ainda,  que considere sanada a irregularidade da apresentação extemporânea, para validação (cfr. art.' 178.°. n.' 6 do Código de Processo Penal), nos termos do prescrito no art.' 123.°. n.' 2 do Código de Processo Penal”.
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Após, foi proferido despacho preliminar, colhidos os necessários vistos, tendo, de seguida, lugar a conferência, cumprindo decidir.

IIFUNDAMENTAÇÃO:

1.Passemos, pois, ao que, do alegado, cumpre conhecer. Para tanto, veja-se o conteúdo da decisão recorrida.
“Compulsados os presentes autos, designadamente o auto de notícia de fls. 13 a 17 e o auto de apreensão de fls. 22 a 24, deles resulta que no dia 26 de Outubro de 2021, pelas 15H30, Inspectores da Polícia Judiciária procederam à apreensão de onze pacotes postais, os quais se encontravam nas instalações da DHL Express, em Lisboa, com destino ao Benin - cfr. auto de notícia de fls. 13 a 18 e auto de apreensão de fls. 22 a 24.
A Polícia Judiciária justificou a apreensão dos onze pacotes postais e do seu conteúdo, a título de medida cautelar - cfr. fls. 16.
É no art. 179.' do Cód. Processo Penal, que se prevêm os pressupostos da apreensão de correspondência, estatuindo o n.' 1 deste preceito que "Sob pena de nulidade, o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão, mesmo nas estações de correios e de telecomunicações, de cartas, encomendas, valores, telegramas ou qualquer outra correspondência, quando tiver fundadas razões para crer que: a) A correspondência foi expedida pelo suspeito ou lhe é dirigida, mesmo que sob nome diverso ou através de pessoa diversa; b) Está em causa crime punível com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos; e c) A diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova", acrescentando-se, no n.' 3 desta disposição legal, que "O juiz que tiver autorizado ou ordenado a diligência é a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência apreendida. Se a considerar relevante para a prova, fá-la juntar ao processo, caso contrário, restitui-a a quem de direito (...)".
De acordo com o disposto no art. 249.', n.' 1 do Cód. Processo Penal, "compete aos órgãos de polícia criminal, mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária competente para procederem a investigações, praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, competindo-lhes, nomeadamente (...), c) proceder a apreensões no decurso de revistas e buscas ou em caso de urgência ou perigo na demora, bem como adoptar as medidas cautelares necessárias à conservação da integridade dos animais e à conservação ou manutenção das coisas e dos objectos apreendidos".
Relativamente à apreensão de correspondência, dispõe, igualmente, o art. 252.º do Cód. Processo Penal, que "1. Nos casos em que deva proceder-se à apreensão de correspondência, os órgãos de polícia criminal transmitem-na intacta ao juiz que tiver autorizado ou ordenado a diligência; 2. Tratando-se de encomendas ou valores fechados susceptíveis de serem apreendidos, sempre que tiverem fundadas razões para crer que eles podem conter informações úteis à investigação de um crime ou conduzir à sua descoberta, e que podem perder-se em caso de demora, os órgãos de polícia criminal informam do facto, pelo meio mais rápido, o juiz, o qual pode autorizar a sua abertura imediata; 3. Verificadas as razões referidas no número anterior, os órgãos de polícia criminal podem ordenar a suspensão da remessa de qualquer correspondência nas estações de correio e de telecomunicações. Se, no prazo de quarenta e oito horas, a ordem não for convalidada por despacho fundamentado do juiz, a correspondência é remetida ao destinatário".
No caso vertente, e como resulta do auto de notícia de fls. 13 a 17 e do auto de apreensão de fls. 22 a 24, a apreensão foi efectuada no dia 26 de Outubro de 2021, pelas 15H30. Contudo, só na presente data, 08/11/2021, os autos nos foram conclusos. No caso sub judice, não foi autorizada ou ordenada a apreensão de qualquer correspondência ou encomenda. Tendo o órgão de polícia criminal procedido ao abrigo do disposto no art. 249.', n.' 1, al. c) do Cód. Processo Penal, deveria ter sido observado o disposto no art. 252.' do mesmo diploma. Ou seja, não tendo a apreensão em análise sido ordenada ou autorizada pelo juiz de instrução, deveria o OPC competente ter informado desse facto o juiz de instrução e pelo meio mais rápido, o qual poderia ter autorizado de imediato a abertura da correspondência (art. 252.', n.' 2 do Cód. Processo Penal) ou poderia o OPC competente ter ordenado a suspensão da remessa da correspondência que se encontrava nas instalações da DHL Express, em Lisboa, devendo essa ordem ser convalidada por despacho fundamentado do juiz de instrução no prazo de 48 horas, contado do momento em que a ordem policial foi comunicada às estações da DHL Express.
Ora, no caso vertente, não foi observado nenhum dos procedimentos a que se fez alusão, sendo que só decorridos mais de doze dias é que se veio suscitar perante o juiz de instrução a validação da apreensão efectuada, nos termos em que se encontram expostos na promoção do Ministério Público de fls. 45 e 46, datada de 04/11/2021.
É, pois, clara a lei no sentido de que não pode ocorrer apreensão de correspondência sem prévia intervenção do juiz, mas apenas pode ser tomada a medida cautelar de suspensão da sua remessa, e, não sendo tal ordem convalidada, no prazo de 48 horas, pelo juiz de instrução, a correspondência deve ser (imediatamente) remetida ao destinatário, independentemente de quaisquer outros procedimentos a que possa haver lugar, pois a suspensão constitui medida restritiva de direito constitucionalmente consagrado (arts. 34.°, n.° 4 e 32.°, n.° 8, ambos da Constituição República Portuguesa).
Resulta, assim, do que antecede, que, no caso vertente, por a apreensão efectuada o ter sido em violação do disposto nas disposições legais referidas, não se poderá validar a apreensão efectuada, sendo a apreensão realizada nula, por se tratar de uma prova resultante de uma intromissão inadmissível na correspondência, por força do disposto no art. 179.°, n.° 1 do Cód. Processo Penal, e, tratando-se de nulidade atinente a meio de prova, não segue o regime do art. 122.° do Cód. Processo Penal, mas antes dos arts. 125.° e 126.°, n.° 3 do mesmo diploma, que proíbem as provas obtidas mediante intromissão na correspondência sem consentimento do titular e fora da previsão dos referidos preceitos, que delimitam os casos em que pode ser realizada a sua apreensão.
Nestes termos, e ao abrigo do disposto nos arts. 179.°, n.° 1, 118.°, n.°s 1 e 3, 122.°, n.° 1, 125.° e 126.°, todos do Cód. Processo Penal, declara-se nula a apreensão efectuada no âmbito dos presentes autos, a que respeita o auto de apreensão de fis. 22 a 24, não podendo ser utilizada a prova obtida em consequência da sua realização.
Notifique.
Devolva os autos de inquérito ao D1AP”.
***

2.Do que se observa, e de jure constituto, é manifesta a razão do recorrente quanto ao global da pretensão jurisdicional formulada, pois que o motivado assenta em fundamentos juridicamente válidos, no reporte, v.g., aos normativos invocados:
i.- Não se verifica, in casu, a nulidade constante do art. 179.°, n.° 1 do Código de Processo Penal, nem qualquer outra;
ii.- A correspondência foi aberta de forma legítima, ao abrigo das condições contratuais gerais existentes, entre a "DHL" e os seus clientes;
iii.- Ao se verificar o conteúdo das encomendas já abertas, por se constatar a existência de fortes indícios de crime, procederam os Órgãos de Polícia Criminal à necessária apreensão cautelar, nos termos do disposto nos arts. 178.°, n°s 1 e 5, 249.°, n.°s 1 e 2, alíneas a) e c), ambos do Código de Processo Penal;
A decisão de que ora se recorre considera que a apreensão da correspondência se mostra ferida de nulidade insanável (prevista no art. 179.°, n.° 1 do Código de Processo Penal, conjugado com os arts. 125.° e 126.°, n.° 3 do mesmo diploma):
- Pelo facto de o acto da apreensão não ter sido ordenado por Juiz de Instrução de Instrução Criminal;
- Por ter sido suscitada a respectiva validação, também junto do Juiz de Instrução, para além do prazo de setenta e duas horas, legalmente previsto.
Sucede, porém, que tal raciocínio tem por base um pressuposto essencial que não corresponde à realidade do caso concreto e que se prende com a alegada ilicitude do acto da abertura da correspondência.
Importará, assim, proceder a uma análise da presente situação em três momentos:
(1)-O da abertura da correspondência;
(2)-O da apreensão do seu conteúdo;
(3)-A solicitação de validação, junto do Juiz de Instrução Criminal. Primeiramente, tal como consta da nossa promoção, de fls. 45 e 46, baseada no que vinha descrito no Auto de Notícia de fls. 13 a 18, quando a Polícia Judiciária se deslocou às instalações da "DHL Express", sitas na Avª. Dom ... ..., n.º ..., Piso ... em L_____, no dia 26/10/2021, as encomendas em causa já se encontravam todas abertas e manuseadas, pela "DHL", no contexto de controlo e prevenção estipulado no contrato celebrado entre cliente e empresa de transporte.
Efectivamente, não existiu uma decisão discricionária, por parte da "DHL" - e, ainda menos, dos elementos da Policia Judiciária, que se depararam já com as encomendas abertas pela aludida empresa - que, sem qualquer tipo de autorização ou consentimento, tenha resolvido proceder, de modo ilícito, à abertura de encomendas.
Como resulta dos TERMOS E CONDIÇÕES GERAIS DE TRANSPORTE - PORTUGAL, da "DHL" - juntos aos autos -, obtidos através
do link              https://www.dhl.com/content/dam/dhl/local/pt/dhl-
parcel/documents/pdf/pt-dhl-parcel-/pt/dhl-parcel-portugal-gtc-pt.pdf, em concreto da cláusula 2. (Envios não aceites):
"O Remetente está de acordo em que um Envio se considerado  inaceitável e, portanto, seja excluído do transporte ("Envio proibido") se:
a)- Conter falsificações, cópias não licenciadas de produtos, não respeitam as restrições comerciais nu embargos aplicáveis, ou são enviados para um destino negado (pela ONU, a UE, os Estados Unidos ou outra listagem pública de restrições), ou se trate de qualquer artigo que legalmente não se possa transportar;
b)- Requer uma gestão ou licenças especiais, incluindo produtos perecíveis que necessitam de controle de temperatura ou humidade;
c)- Tem uma embalagem inadequada ou defeituosa;
d)- Contém animais vivos ou plantas, ou restos humanos ou de animais;
e)- É classificado como material perigoso, mercadoria perigosa, proibido ou são artigos considerados restritos, ou proibidos por qualquer organização relevante, pela IATA (Associação Internacional de Transporte Aéreo), e ICAO (Organização da Aviação Civil Internacional) para os Envios transportados por via aérea, ou da ADR (Acordo Europeu relativo ao Transporte Internacional de Mercadorias Perigosas por Estrada) para os envios transportados por via rodoviária;
f)- O seu valor bruto (incluindo o IVA) é superior a 25.000 euros por Envio (aplicar-se-ão sempre os limites de responsabilidade da DHL);
g)- Contém metais preciosos, jóias e pedras preciosas com um preço de compra de mais de 50 euros por peça e tem um valor total de mais de 500 euros por Envio. Objetos de arte, antiguidades, peças únicas ou outros objetos de valor especial e de "alto risco", dinheiro em numerário, cartões de débito e crédito bancário, títulos negociáveis, selos, valores, ações e letras de cambio.;
h)- Contém armas, imitações de armas, munições ou artigos de uso militar.
A DHL PARCEL não tem a obrigação de verificar se um Envio é aceitável em virtude da disposição anterior.
Se existe a suspeita razoável de estar perante qualquer Envio Proibido seja por motivos de segurança, aduaneiros ou outros motivos regulados, a DHL PARCEL terá o direito de abrir e inspecionar um Envio.
Qualquer inspeção por parte da DHL PARCEL não libertará o Remetente das suas obrigações.
Se um Envio é considerado inaceitável, a DHL PARCEL poderá (i)  recusar o Envio sem dar os motivos, (ii) devolver o Envio a custo do Remetente ou manter o Envio para ser recolhido pelo Remetente, ou (iii) aceitar e transportar o Envio sem notificar o Remetente e, posteriormente, solicitar um custo adicional ajustado ao tratamento especial exigido pelo mesmo." (bold e sublinhado nossos).

Ora, sobressai de modo claro, que os clientes da "DHL", entenda-se, os expedidores de cada uma das encomendas, consentem e estão de acordo que a empresa se abstenha de proceder ao transporte e entrega, designadamente, de cartões bancários, encontrando-se contratualmente autorizada a proceder à abertura e inspecção da encomenda suspeita.

Foi, precisamente, o que se verificou no caso concreto, sendo que, após os funcionários da "DHL" se terem deparado com a panóplia de cartões bancários e documentação associada, que se encontrava no interior de onze encomendas, contactaram a Policia Judiciária, que se deslocou ao local.

Deste modo, não se verifica qualquer vício processual, no acto de abertura das encomendas, uma vez que a "DHL" se encontrava, com o consentimento (contratual) dos respectivos expedidores, autorizada a proceder à fiscalização e abertura - não se verificando, assim, a violação de qualquer preceito legal, mormente do constante no art. 252.º do Código de Processo Penal, nem a nulidade consagrada no art. 179.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.

Ou, dito de outro modo, trata-se de uma abertura de correspondência que, no caso concreto e devido aos contornos específicos supra explicitados, não carecia de ser autorizada nem ordenada por Juiz de Instrução.

No que concerne ao segundo momento, dir-se-á que bem agiu a Policia Judiciária, no âmbito das respectivas competências, quando, ao deparar-se com os cartões bancários, documentação associada e cartões SIM que se encontravam no interior das encomendas (legitimamente já abertas pela "DHL"), determinou a imediata apreensão cautelar dos objectos, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 178.°, n.°s 1 e 5, 249.°, n.°s 1 e 2, alíneas a) e c), ambos do Código de Processo Penal.

Na verdade, o conteúdo das encomendas indicia que nos encontramos perante um fenómeno de angariação de indivíduos, em território nacional, para agir como Money Mules, os quais terão aderido ao plano de proceder à abertura de contas bancárias, onde virão a ser creditadas quantias provenientes, nomeadamente, de ilícitos de burla. De acordo com tal plano, estes indivíduos facultam, posteriormente, os seus acessos bancários virtuais - ao serviço de homebanking - e físicos - dos cartões bancários e respectivos códigos - a terceiros, os quais se encontram, in casu, no Benin, e que poderão, deste modo, movimentar livremente as contas bancárias tituladas por Money Mules, mantendo a sua identidade oculta.

Trata-se de um tipo de criminalidade altamente organizada [vide art. 1.º, alínea m), atento o crime de branqueamento, que se investiga], com sérias consequências para as vítimas e com resultados nefastos (desde logo ao nível do financiamento do terrorismo), cada vez mais frequente, e que permite o enriquecimento ilegítimo muitíssimo elevado, dos indivíduos que se dedicam a tal actividade, como em tantas investigações similares se verifica - em que existem movimentações a débito e a crédito, por vezes na ordem dos milhões de euros, em contas bancárias abertas da mencionada forma, utilizadas com o exclusivo intuito de recepcionar fundos com origem ilícita e de, posteriormente, os transferir para diversos países, "mascarando", desse modo, a sua proveniência. Tem-se verificado, nos anos recentes, que o sistema bancário nacional tem sido aproveitado e utilizado, do modo descrito, de forma reiterada.

Reitera-se, assim, que a actuação da Policia Judiciária, ao abrigo dos já referidos normativos, se mostra perfeitamente legitimada e legalmente sustentada, não merecendo qualquer reparo, tendo-se limitado a apreender objectos que já se encontravam fora do invólucro postal que os acondicionava e que a "DHL" já não iria enviar aos destinatários, nos termos contratualizados - como supra explicitado.
Consequentemente, também no atinente à apreensão, concretamente dita, não se vislumbra a existência de qualquer vício processual.
Não se considera, também, por tudo o referido, que in casu seja de aplicar o prazo ínsito no art. 252.º, n.º 3 do Código de Processo Penal:
1-Nos casos em que deva proceder-se à apreensão de correspondência, os órgãos de polícia criminal transmitem-na intacta ao juiz que tiver autorizado ou ordenado a diligência.
2-Tratando-se de encomendas ou valores fechados susceptíveis de serem apreendidos, sempre que tiverem fundadas razões para crer que eles podem conter informações úteis à investigação de um crime ou conduzir à sua descoberta, e que podem perder-se em caso de demora, os órgãos de polícia criminal informam do facto, pelo meio mais rápido, o juiz, o qual pode autorizar a sua abertura imediata.
3- Verificadas as razões referidas no número anterior, os órgãos de polícia criminal podem ordenar a suspensão da remessa de qualquer correspondência nas estações de correios e de telecomunicações. Se, no prazo de quarenta e oito horas, a ordem não for convalidada por despacho fundamentado do juiz, a correspondência é remetida ao destinatário.

Com efeito, tal norma mostra-se perfeitamente desajustada ao caso concreto, já que a Policia Judiciária se deparou - como referido - com objectos já retirados do seu invólucro/envelope, de modo legítimo, e que a "DHL" já não iria remeter ao Benin, sendo que tais objectos indiciam,  fortemente, a prática de ilícitos criminais em curso, designadamente de branqueamento.
Por essa razão, não se justificava a apresentação de um pedido de abertura de correspondência, perante o Juiz de Instrução, nem tão pouco a convalidação de uma ordem de suspensão de remessa de correspondência (a qual, essa sim, tinha que ter lugar, no prazo de 48 horas), pelo singelo motivo de que não havia qualquer correspondência por abrir, nem cujo envio  importasse suspender.
Diferentemente, no caso sub judice há que chamar à colação a regra constante do art. 178.', n.' 6 do Código de Processo Penal (As apreensões efectuadas por órgão de policia criminal são sujeitas a validação pela autoridade judiciária, no prazo máximo de setenta e duas horas.)
Por último e na sequência de tudo o anteriormente expendido, obviamente se concede que a promoção para validação da apreensão do conteúdo das encomendas, junto do Juiz de Instrução, se deu para além do mencionado prazo de setenta e duas horas.
Importa, todavia, não olvidar, que não prevendo o citado normativo a consequência para a inobservância do prazo de validação judiciária das apreensões, deverá considerar-se tal acto como meramente irregular, nos termos do disposto nos arts. 118.', 119.' a contrario e 120.' a contrario, todos do Código de Processo Penal.
E, como é consabido, o vício da irregularidade encontra-se dependente de arguição, a qual não ocorreu, nos termos e para os efeitos do preceituado no art. 123.', n.' 1 do Código de Processo Penal.
Razão pela qual, perante o vício de irregularidade que, efectivamente, ocorreu, e que não foi arguido nos termos legais, a decisão que validasse a apreensão - e que deveria ter sido produzida, pelo tribunal a quo -, consubstanciaria a sanação da aludida irregularidade, a qual poderia ser reparada, ao abrigo do disposto no art. 123.', n.' 2 do Código de Processo Penal.
Ao ter proferido o despacho a quo, incorreu o Tribunal recorrido numa incorrecta interpretação e aplicação dos arts. 178.', n.'s 1, 5 e 6, 179.', nos 1 e 3, 249.', n.' 2, alínea c), 252.', 268.', n.' 1, alínea d) e 269.', n.' 1, alínea d), todos do Código de Processo Penal - no que à abertura de correspondência e apreensão concerne - e dos arts. 118.' a 123.', 125.' e 126.', n.' 3, do mesmo diploma - no atinente ao vício de nulidade, que considerou verificar-se -, o que deve conduzir à revogação da decisão recorrida”.

A interpretação por que se pugna no motivado pelo recorrente tem, em qualquer dos segmentos em análise, nos termos vindos de transcrever, sustento fáctico/legal, como, aliás, é igualmente parecer, neste Tribunal da Relação, do Ex.° Procurador-Geral Adjunto.

Relembre-se que in casu se investigam factos susceptíveis de integrar, em abstracto, e sem prejuízo de ulterior, mais completa, qualificação jurídica, a prática do crime de branqueamento, p. e p. pelo artigo 368.°-A, do Código Penal, aferido ao, precedente, crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos, conjugados, 217.°, n.° 1 e 218.°, n.° 2, alínea b), do Código Penal, tendo o inquérito em causa tido começo em 2021.10.26, quando chegou ao conhecimento da Polícia Judiciária que na DHL Express, sita na Avenida Dom João II, n.° 51, Piso 4, em Lisboa, se encontravam 11 (onze) pacotes postais com destino ao Benin (já manuseadas/abertas pela DHL, no contexto de controlo e prevenção estipulado no contrato celebrado entre cliente e empresa de transporte) que continham, no seu interior, documentação bancária, cartões bancários e cartões SIM por activar, substanciando-se, por ali, fortes indícios de quadro de angariação de indivíduos para agir como Money Mules, em vista de adesão a plano para abertura de contas bancárias a serem creditadas de quantias provenientes v.g. de crimes de burla, e pelo qual indivíduos aqui, e ainda, não cabalmente identificados (mas que, assim, mantendo a sua identidade oculta, poderiam livremente movimentar as contas bancárias tituladas por aquelas Money Mules) facultam a terceiros (que na presente situação se encontrariam no Benin) acessos bancários virtuais (homebanking) e físicos, por reporte àqueles cartões bancários e inerentes códigos.

É nesse circunstancialismo e âmbito que se procedeu (em 2021.10.26.) às ditas apreensões apreensão e se apresentaram os autos a Juiz de Instrução Criminal para sua validação na menção ao conteúdo daqueles pacotes postais, com conhecimento dos mesmos, e em ordem à sua, formal, junção aos autos - cf. Código de Processo Penal, artigo 178.°, n.° 5 e 6, 179.°, n.°s 1 e 3, 249.°, n.° 2, alínea c), 252.°, 268.°, n.° 1, alínea d) e 269.°, n.° 1, alínea d).

A abertura daqueles pacotes postais foi efectuada no âmbito das competências próprias daquela entidade, a qual, sinalizado o conteúdo como proibido, ilegal e destinado à prática de crimes, os apresentou ao Ministério Público através da Polícia Judiciária (a actuar, igualmente, na esfera da sua competência), posteriormente se desencadeando a assinalada intervenção de juiz de instrução criminal (mantendo aqui, não obstante as entretanto operadas alterações legislativas, plena actualidade, na verificação do respeito pelas formalidades legais, sem qualquer nulidade ou irregularidade, a doutrina do Parecer n.º 15/95 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República).

De resto, e no caso, trata-se de um efectivo “achado” (para lá, pois, de qualquer mera medida cautelar de polícia/atividade típica de polícia, visando evitar a perda de um meio de prova que poderá desaparecer se não forem tomadas cautelas imediatas, por parecer iminente a fuga de um suspeito ou por existir fundada razão de que o lugar onde ele se encontra oculta objetos relacionados com o crime, suscetíveis de servir a prova, e que de outra forma poderiam perder-se) e não de quaisquer apreensões efetuadas no decurso de inquérito (a necessitarem de ser autorizadas ou ordenadas por despacho pela autoridade judiciária competente), relativamente ao qual, “achado”, haveria, em face da operada comunicação pela entidade DHL, que analisar, ponderando, da eventualidade de por ali haver, ou não, indícios de que os conteúdos daqueles  onze (11) pacotes postais, todos dirigidos ao Benin, simultaneamente enviados  por indivíduo(s) de identidade(s) não conhecida(s) (fazendo-se constar dos mesmos diversos remetentes, eventualmente desconhecedores até do sucedido, e nessa medida com, ao menos, discutível existência de um concreto direito fundamental à inviolabilidade), estavam, ou não, relacionados com a prática de crimes e de, a assim suceder, poderem, ou não, vir ser necessários como meios  de prova.

Ou seja, e em rigor, a situação de facto em análise mais não exigia do que o validar do conteúdo dos pacotes postais apreendidos e o determinar da respectiva junção aos autos, sem que aquele prazo tivesse a natureza invocada pela decisão recorrida, aliás sem justificação por, em concreto, não estarem em causa (valorado o substrato factual e em face dos apontados elementos, processualmente admissíveis) nem quaisquer concretos direitos fundamentais, nem necessidade de recurso ao princípio da proporcionalidade, nem observáveis perigos de injustiça no reporte à liberdade de quaisquer pessoas identificadas - sucedendo, de resto, que tais pacotes postais não se encontravam em lugar reservado ou não livremente acessível ao público.

Por outro lado, o acto em causa, praticado pela entidade/autoridade policial, nunca seria susceptível de integrar o conceito de apreensão em ordem a dever ser sujeito a validação pela autoridade judiciária no prazo máximo a que alude a decisão recorrida pois que, desde logo, não teve subjacente nem o periculum in mora, nem a fuga iminente de qualquer suspeito - sem, pois, prévio enquadramento, muito menos prefiguração, da real utilidade para, eventual, processo, antes, em face das circunstâncias do caso, com vista v.g. a avaliar, sem perda, de potenciais provas presumidamente albergadas pelo objecto da apreensão ocorrida, importando salvaguardar um mínimo de eficácia à investigação criminal, com o complexo dispositivo processual aplicável a ter natureza eminentemente cautelar, sob pena de a investigação criminal se tornar em clara inutilidade.

Aliás, no tocante ao cumprimento, ou não, do prazo para sujeição das apreensões a validação da autoridade judiciária, note-se o sentido, se não unânime ao menos maioritário, da jurisprudência portuguesa, no sentido de a lei apenas configurar aqui prazo para que seja efectuada a apresentação das apreensões à autoridade judiciária (não se tratando, pois, de prazo para a validação das apreensões, o qual, ainda assim, e se fosse esse o caso, no limite poderia substanciar mera irregularidade, a dever, no circunstancialismo em presença, ser tida por sanada).

O que significa que, independentemente, como supra se alude, de estarem, ou não, preenchidos anteriormente os pressupostos em ordem àquela apresentação, a poder considerar-se que, nos termos invocados, o órgão de polícia criminal não teria observado o prazo em questão, ainda assim a consequência jurídico-processual para essa ocorrência não importaria a nulidade
da “apreensão efectuada no âmbito dos presentes autos, a que respeita o auto de apreensão de fis. 22 a 24” como se consigna no despacho revidendo, nem acarretaria a impossibilidade, como ali escrito, de “ser utilizada a prova obtida em consequência da sua realização”.

É que a, eventual, não exacta correspondência do acto aos parâmetros normativos que a lei estabelece para a sua perfeição não constitui nulidade, muito menos insanável, ex vi legis, geral ou contida em disposição especial - cf. Código Processo Penal, artigos 118.° a 123.° -, permitindo a produção dos efeitos que lhe são próprios, sem que a apontada “insuficiência” seja susceptível das consequências jurídicas constantes da decisão recorrida, sendo, quando muito, e no limite, como se anotou já, meramente irregular - cf. Professor Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, II, p. 85.

Só que “(...) nem todas as ilegalidades cometidas no processo penal são irregularidades: só são relevantes as irregularidades que possam afetar o valor do ato praticado (princípio da relevância material da irregularidade). (...) Portanto, se for cometida uma irregularidade que não possa afetar o valor do ato praticado, não se verifica o vício previsto no artº 123º, isto é, a ilegalidade do ato é inócua e juridicamente irrelevante - cf. Professor Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, p. 310 e seguintes, em anotação ao artigo 123.º.

À “insuficiência”/irregularidade in judice, relativa àquele prazo, não afectando a validade substancial da apreensão de per se, o que o despacho recorrido, aliás, não questiona, tem, assim, de ser aferida a natureza do mesmo prazo, de casuística ordenação processual (maxime em ordem à salvaguarda de poderem continuar apreendidos bens e/ou valores relativamente aos quais tal já não fosse legalmente adequado, o que, como se constacta, não é manifestamente o caso, até porque o material em apreço nunca seria susceptível de qualquer envio ou devolução), sem que a verificada ultrapassagem tenha útil reflexo no relativo à validade da apresentação em referência.

O contido no recurso é, afinal, estruturado sem outro fim processualmente útil que não seja a legitimidade formal em, ao menos, como pretensão jurisdicional formulada, dever considerar-se “sanada a irregularidade da apresentação extemporânea, para validação (cfr. art 178.', n.' 6 do Código de Processo Penal), nos termos do prescrito no art. 123.', n.' 2 do Código de Processo Penal” e, sempre, ser de validar a apreensão do conteúdo dos pacotes postais uma vez que se verificam os pressupostos e requisitos para tanto necessários, assistindo, sem violação da Constituição da República Portuguesa e/ou dos princípios nesta consignados, razão ao recorrente na medida da
interpretação normativa invocada.
***

III.DECISÃO:
Em conformidade com o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em dar provimento ao recurso e, em consequência, substituir a decisão recorrida pelo validar do conteúdo (constante do apenso I) dos pacotes postais insertos na “apreensão efectuada no âmbito dos presentes autos, a que respeita o auto de fls. 22 a 24”, determinando-se a respectiva junção aos autos.
Sem custas.
Notifique.


Lisboa, 2021.12.09.


(Acórdão processado e integralmente revisto pelo relator e pelo Ex.º Juiz Desembargador Adjunto)


Guilherme Castanheira
Calheiros da Gama