Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2045/13.1TTLSB.L1-4
Relator: PAULA SÁ FERNANDES
Descritores: TRABALHO SUPLEMENTAR
ÓNUS DA PROVA
TACÓGRAFOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/17/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: 1.A causa de pedir de um crédito relativo à prestação do trabalho suplementar é constituída pela alegação do horário de trabalho, com a indicação das horas de início e do termo do período normal de trabalho diário, os respectivos intervalos e a indicação das horas de trabalho prestado fora dos horários de trabalho estabelecidos.
2.Cabe ao trabalhador o ónus de demonstrar que prestou trabalho suplementar, não bastando para isso indicar o início e o termo da jornada de trabalho, pois, como resulta dos depoimentos das testemunhas inquiridas, existiam períodos de descanso, refeições e outras pausas ao longo da jornada.
3.O autor/trabalhador alega que, com base nos registos dos tacógrafos, fez prova do seu horário de trabalho, mas tal não é correcto, pois nessa alegação não incluiu os períodos de descanso, refeições e tempos de disponibilidade, requisitos essenciais à prova da prestação de trabalho suplementar.
4.Não pode colher a argumentação do autor de que competia ao tribunal recorrido, no âmbito do princípio do inquisitório, fazer a leitura dos tacógrafos, dada a impugnação deduzida pela ré, cuja leitura dos registos mereceu a credibilidade do tribunal recorrido.
(sumário elaborado pela relatora)
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.



I-Relatório:


AA intentou a presente acção declarativa de condenação com processo comum contra:

BB, LDA., com os fundamentos que constam da petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzida, pedindo que seja a ré condenada a pagar-lhe:

a)As retribuições que deixou de auferir entre a data do despedimento ilícito e a data do trânsito em julgado da sentença;
b)Uma indemnização, em alternativa à reintegração, de valor a fixar pelo tribunal, pelo despedimento ilícito, que não deverá ser nunca inferior a 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, (no mínimo de três anos) tendo em consideração o valor da retribuição e o grau de ilicitude do despedimento;
c)Subsidiariamente, para o caso de se entender que não se está perante uma situação de despedimento ilícito, trinta dias de retribuição pelo incumprimento por parte da ré da antecedência mínima exigida por lei para a denúncia do contrato de trabalho a termo certo;
d)A quantia global de € 2.066,62, a título de trabalho suplementar prestado em dias úteis, em dias de descanso semanal e em dia feriado;
e)A quantia de € 1.056,96, relativa a trabalho prestada sem direito a descanso compensatório;
f)Os diferenciais salariais relativos à remuneração mínima prevista em Convenção Colectiva de Trabalho, valor esse que se liquidará em execução de sentença;
g)Juros de mora vencidos e vincendos, até total e integral pagamento.

Notificada para o efeito, a ré contestou, pela forma expressa no articulado de fls. 118 a 163.

O autor requereu a ampliação do pedido, nos termos que constam do articulado de fls. 195 a 197, no sentido da ré ser condenada a pagar-lhe as horas de trabalho suplementar prestadas entre os dias 10/12/2012 e 15/01/2013, no valor global de € 456,55, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, assim como dos diferenciais salariais relativos à remuneração mínima prevista em Convenção Colectiva de Trabalho, valor esse que se liquidará em execução de sentença.
           
Após a realização da audiência de julgamento foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:
Por tudo o que ficou exposto, nos termos das disposições legais citadas, julgo a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolvo a ré do pedido.
           
O autor, inconformado, interpôs recurso, nas Conclusões suscitou: 
-A nulidade da sentença por deficiente valoração da matéria de facto e requereu a sua ampliação com a repetição do julgamento.

A ré, nas contra-alegações, alega que o autor não alegou, nem provou ter efectuado o trabalho suplementar peticionado e pugna pela confirmação da sentença recorrida.

A Examª Procuradora-geral Adjunta deu parecer a fls.817.

Colhidos os vistos legais. 

Cumpre apreciar e decidir.

Fundamentos de facto.

Foram considerados provados os seguintes factos:

A)–O autor foi admitido ao serviço da ré para desempenhar as funções correspondentes à categoria profissional de motorista de pesados, por contrato de trabalho a termo certo de seis meses, com início em 02/03/2012, cuja cópia consta de fls. 166 a 168 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
B)–A cláusula 4ª do contrato, referido em A), sob a epígrafe “VIGÊNCIA DO CONTRATO”, dispunha:
“4.1 – O prazo de vigência do presente contrato é de 6 (seis) meses a contar do dia 02 de Março de 2012 e será automática e sucessivamente renovado por igual período por mais duas vezes, caso não venha a ser enunciado por qualquer das partes.

4.2–Este contrato vigorará pelo prazo estabelecido na cláusula anterior em razão do seguinte motivo justificativo:
-início da laboração da empresa pertencente à 1ª outorgante – al. a) do nº 4 do art.º 140º do Código do Trabalho”.
C)–Em 15/01/2013, o autor foi vítima de um acidente de trabalho.
D)–A ré enviou ao autor a carta cuja cópia consta de fls. 19 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, datada de 08/02/2013, através da qual lhe comunicou que não pretendia renovar o contrato de trabalho, referido em A), o qual caducaria a 02/03/2013.

E)–A cláusula 2ª do contrato, referido em A), sob a epígrafe “LOCAL E HORÁRIO DE TRABALHO”, dispunha:

“ 2.1–(…).
2.2– (…).
2.3– O período normal de trabalho semanal é de 40 horas, distribuídas por 5 dias ou 5 dias e meio, sendo o período normal de trabalho diário de 8 horas.
2.4–(…)”.

F)–Era a ré quem definia, diariamente, o horário de trabalho do autor, verbalmente ou através de mensagens escritas enviadas ao autor no dia anterior ao da prestação do trabalho.
G)–Na data da cessação do contrato de trabalho o autor auferia, a título de retribuição, a quantia mensal ilíquida de € 550,00.
H)–Ao autor nunca foi dado pela ré descanso compensatório.
I)–A ré emitiu em nome do autor o cheque cuja cópia consta de fls. 173 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, datado de 01/03/2013, no valor de € 1.102,60.

Fundamentos de direito.

A única questão suscitada pelo recorrente é sobre a valoração da prova feita pelo tribunal recorrido no que diz respeito à prova da prestação do trabalho suplementar pelo autor/recorrente.

O tribunal recorrido entendeu que “… o autor não logrou fazer a prova da prestação de trabalho suplementar, nos dias e horas alegados na petição inicial e no articulado de ampliação do pedido, já que, os documentos juntos aos autos destinados a essa prova – quer os que foram juntos pelo autor, quer os que foram juntos pela ré -, por si só ou em conjugação não têm a virtualidade de provar os factos alegados destinados a suportar a prestação do dito trabalho suplementar, sendo que, do depoimento das testemunhas inquiridas, nomeadamente das arroladas pela ré e melhor identificadas na acta, resultou a dúvida razoável sobre a prestação do referido trabalho. A dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita, art.º414 do CPC. Quanto ao alegado pela ré na contestação, importa esclarecer que, relativamente aos factos alegados pelo autor na petição inicial, sobre a ré impende, tão só, o ónus da contraprova e não o ónus da prova do contrário, circunstância que se verificaria se, por hipótese, o autor beneficiasse de uma qualquer presunção legal quanto à verificação de tais factos, o que, no caso, não ocorre. Assim, bastaria à ré, relativamente aos factos alegados pelo autor, criar no espírito do julgador a dúvida razoável acerca da respectiva ocorrência, o que conseguiu. Razão pela qual não foram levados ao probatório os factos alegados pela ré na contestação, por desnecessários, ainda que, quanto a parte deles a ré tenha feito prova.”

Vejamos então.

O autor/recorrente pediu a condenação da ré no pagamento da quantia global de € 2.066,62, a título de trabalho suplementar prestado em dias úteis, em dias de descanso semanal e em dias feriados, e o valor correspondente ao descanso compensatório no montante €1,056,96. Deduziu ainda ampliação deste pedido, cf. requerimento de fls. 195 a 197, no valor global de €456,55 e respectivos juros de mora.

Como resulta do disposto nos artigos 197º a 202º do CT, a causa de pedir de um crédito relativo ao trabalho suplementar prestado é constituída pela alegação do horário de trabalho, com a indicação das horas de início e do termo do período normal de trabalho diário, os respectivos intervalos, e a indicação das horas de trabalho prestado fora dos horários de trabalho estabelecidos. 

O autor alegou, apenas, a hora do início e do termo dos dias de trabalho, tendo junto aos autos os tacógrafos respectivos, cf. artigo 21º da petição inicial, sem, contudo, indicar as pausas, os tempos de descanso e de refeição, que segundo a alegação da ré, também resultam da leitura dos mesmos tacógrafos. Na verdade a ré, na sua contestação, nos artigos 33º a 116º, faz a leitura dos registos dos tacógrafos juntos, concluindo pela inexistência do trabalho suplementar, face o número de horas de descanso, pausas e refeições não contabilizados pelo autor mas que se mostram registados.

Ora, cabe ao autor o ónus de demonstrar que prestou trabalho suplementar, não bastando para isso indicar o início e o termo da jornada de trabalho, pois como resulta dos depoimentos das testemunhas inquiridas existiam períodos de descanso, refeições e outras pausas ao longo da jornada, que são detectados nos registos dos tacógrafos, mas que o autor ignorou, não os contabilizando.

Assim sendo, não podia o tribunal recorrido substituir-se ao autor na leitura dos referidos registos, uma vez que a própria ré, nos artigos 33 a 116 da contestação, fez essa leitura, discriminando todos os tempos efectivos de trabalho do autor, ao incluir os períodos de descanso, refeições e tempos de disponibilidade.

Afigura-se-nos, assim, que o tribunal recorrido entendeu e bem, que bastaria à ré, relativamente aos factos alegados pelo autor, criar no espírito do julgador a dúvida razoável acerca da respectiva ocorrência, o que conseguiu, sendo certo que, como consta da fundamentação dos factos não provados (fls. 747 e 748), não foram levados à matéria provada os factos alegados pela ré na contestação, por desnecessários, ainda que, quanto a parte deles a ré tenha feito a respectiva prova, pois a dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita, nos termos do art.º414 do CPC. 

O autor/recorrente alega que, com base nos registos dos tacógrafos, fez prova do seu horário de trabalho, mas tal não é correcto pois alegou, apenas, os inícios e termos das suas jornadas de trabalho, o que não é suficiente para fazer prova da prestação do trabalho suplementar, pois naquela alegação não incluiu os períodos de descanso, refeições e tempos de disponibilidade, requisitos essenciais, como acima se referiu, à prova da prestação de trabalho suplementar.

Mas, também, não pode colher a argumentação do autor de que competia ao tribunal recorrido, no âmbito do princípio do inquisitório, fazer a leitura dos tacógrafos, dada a impugnação deduzida pela ré, cuja leitura dos registos mereceu a credibilidade do tribunal recorrido.  
     
Deste modo e, como resulta da factualidade apurada, não foi feita a prova pelo autor, como lhe competia, dos factos constitutivos da causa de pedir dos créditos que peticiona título de trabalho suplementar. Com efeito não se provou que o autor, ao serviço e por determinação da ré, tivesse prestado trabalho suplementar nos dias alegados na petição inicial e no articulado de ampliação do pedido.
           
Decisão.

Face ao exposto, julga-se improcedente o recurso interposto pelo autor/recorrente e confirma-se a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.


Lisboa, 17 de Fevereiro de 2016


Maria Paula Sá Fernandes 
Filomena Manso
Duro Mateus Cardoso