Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1054/04.6TBALM.L1-6
Relator: CARLOS VALVERDE
Descritores: DANOS MORAIS
NEXO DE CAUSALIDADE
OFENSAS À HONRA
RECONVENÇÃO
ADMISSIBILIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/29/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I - Para que haja causa adequada, não é necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano, bastando que o facto seja condição do dano, nada obstando a que, como frequentemente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano;
II - Apelidar alguém de mentiroso, bandalho, incompetente e de aberração para o exercício da sua actividade profissional é, sem qualquer espécie de dúvida e segundo o ponto de vista moral de qualquer pessoa de bem, atentar contra a sua honestidade, dignidade, reputação e consideração social.
(Sumário do Relator CV)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:



A intentou acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra B, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 15.619,20, respeitante a danos patrimoniais sofridos, decorrentes dos dias que faltou ao trabalho, perda de remuneração e atraso na progressão de escalão pelas faltas ao serviço, a quantia € 1.254,22, que deixou de auferir de subsídio de refeição, a quantia € 2.025,14, referente a medicamentos, tratamentos, taxas moderadoras e transportes e a quantia de € 15.000,00, por danos não patrimoniais, para o que alegou, em síntese, que, numa reunião efectuada na Escola onde é professora, o R., pai de uma sua aluna, lhe imputou factos não verdadeiros ofensivos da sua honra e consideração e da sua reputação profissional, apelidando-a ainda de mentirosa, bandalho, aberração para o ensino, incompetente e que precisava de tratamento médico urgente, o que lhe causou sofrimento e humilhação e perturbação, com stress, ansiedade que evoluiu para depressão a grave, acompanhada de hipertensão arterial, que culminou, em Abril de 2001, em crise hipertensiva grave e maligna, acompanhada de alterações neurológicas, com sequelas ao nível geral parte muscular (paralisia facial), da visão, da fala, do equilíbrio e da locomoção, do que continua em tratamento, sendo que antes era uma mulher saudável, bonita, bem disposta e que gostava de conviver com os colegas, o que hoje não sucede, vivendo em grande sofrimento.


Citado, contestou o R., contrariando a versão factual trazida aos autos pela A. e, em reconvenção, peticionou a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 5.000,00, por danos não patrimoniais e a quantia de € 892,04, respeitante as despesas médicas, alegando, para o efeito, que, com o processo crime que contra si intentou, a A. lhe causou diversos problemas de saúde, necessitando de tomar calmantes e outros medicamentos.

Após réplica, proferiu-se despacho saneador, onde se julgou inadmissível o pedido reconvencional e seleccionou-se a matéria de facto tida por pertinente.

Inconformado com o despacho saneador, na parte que não admitiu a reconvenção, dele o R. interpôs recurso, recebido como de agravo e subida diferida.
Procedeu-se a julgamento, posto o que foi proferida sentença em que, julgando-se a acção parcialmente procedente, se condenou o R. a pagar à A. a quantia de € 10.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Igualmente inconformado com esta decisão, dela atempadamente apelou o R..
Começando pelo recurso de agravo (art. 710º, 1 do CPC), não tem razão o agravante, porquanto a decisão recorrida contém sobre a questão levantada a solução correcta e deu-lhe a devida fundamentação.
Na apelação, atentas as conclusões da alegação, devidamente resumidas - art. 690º, 1 do CPC -, questiona o recorrente a adequação dos factos provados à produção dos danos não patrimoniais, pecando, em qualquer caso, por excesso, a indemnização fixada a este título.
Contra-alegou a apelada, pugnando pela manutenção do julgado.

Por não ter sido impugnada, nem haver lugar à sua alteração, ao abrigo do art. 713º, nº 6 do CPC, na redacção dada pelo DL nº 329-A/95, de 12/12, remete-se para a decisão factual da 1ª instância, aqui se dando como reproduzidos os factos dela constantes.
Como se deixou enunciado, na sentença entendeu-se que a conduta do R. causou danos não patrimoniais à A., tendo-se quantificado estes em € 10.000.00, do que dissente o apelante, por considerar que o seu comportamento não foi adequado à produção desses danos, cuja quantificação sempre será de ter como manifestamente exagerada.
Vejamos.
O nexo causal - pressuposto de que depende a obrigação de indemnizar na responsabilidade pela prática de factos ilícitos que vem questionado - envolve uma relação entre o facto praticado pelo agente e o dano, segundo o qual ele fica obrigado a indemnizar todos os danos que o lesado " provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão" (art. 563º do CC).
A lei acolheu, assim, a teoria da causalidade adequada: a causa jurídicamente relevante de um dano é aquela que, em abstracto, se mostra adequada ou apropriada à produção desse dano, segundo as regras da experiência comum ou conhecidas do agente.
Há, por isso, que restringir a causa àquela ou àquelas condições que se encontrem para com o resultado numa relação mais estreita, isto é numa relação tal que seja razoável impor ao agente responsabilidade por esse mesmo resultado, isto é, o agente só responderá pelos danos para cuja produção a sua conduta era adequada.
Se o agente produziu a causa donde resultou o dano, sem dúvida que a sua conduta é adequada ao resultado, mesmo que, concomitantemente com a sua conduta, haja a conduta de terceiros a concorrer para esse resultado ou, pelo menos, a não o evitar.
O concreto dos autos revela-nos, no mais relevante, que o R., numa reunião realizada na Escola Secundária Anselmo de Andrade, em Almada, por ele solicitada, a pretexto da falta de assiduidade da A., que nesse estabelecimento de ensino era professora de uma sua filha, na presença do Director de Turma desta e do Vice-Presidente do Conselho Executivo, começando por declarar que a A. terminava as aulas antes do seu tempo de duração, pedindo aos alunos para dizerem aos funcionários que estavam a sair de um teste e que a A. informava antecipadamente as “questões ipsis verbis” que iriam sair nos testes, em tom de voz acentuado e audível no corredor e salas contíguas, apelidou a a A. de “mentirosa”, “bandalho”, “aberração para o ensino” e “incompetente”, dizendo ainda que precisava de tratamento psiquiátrico urgente.
Isto é, o R., sem razão que se conheça, na escola onde a A. leccionava e na presença de dois dos seus colegas, com responsabilidades pedagógicas, pôs em causa a idoneidade e honestidade profissional desta, pois não pode ter-se como profissionalmente idóneo um professor que, tendo especial obrigação para contribuir para a educação e uma sã formação do carácter dos seus alunos, lhes pede para falsear as razões por que, irresponsavelmente, não cumpria a sua obrigação temporal de leccionar, comprometendo, ao torná-los cúmplices das suas faltas, a autoridade que lhe advém de ser o seu mestre e também não pode ter-se com profissionalmente honesto um professor que subverte o resultado dos testes de aferição, ao informar na véspera destes o seu teor, colocando, de forma injusta, em igual plano todos os alunos, independentemente do grau de aquisição de conhecimentos de cada um deles e do esforço por cada um feito na aquisição destes.
Como se não bastasse, o R. ainda ofendeu moralmente a A., ferindo-a na honra e reputação que lhe são devidas, pois apelidar alguém de mentiroso, bandalho, incompetente e de aberração para o exercício da sua actividade profissional, a precisar de tratamento psiquiátrico, é, sem qualquer espécie de dúvida e segundo o ponto de vista moral de qualquer pessoa de bem, atentar contra a sua honestidade, dignidade, reputação e consideração social.
E se assim é, parece-nos evidente que as referenciadas afirmações e imputações do R., pouco abonatórias, como se viu, do carácter pessoal e profissional da A., para mais feitas na presença de colegas seus, não podem ter deixado esta indiferente, antes - como seria natural acontecer com qualquer pessoa normalmente sensível e briosa daquilo que faz, que não se provou que a A. não fosse - triste e magoada e, como parece óbvio, pessoalmente desvalorizada e afectada na sua dignidade e reputação, sendo ainda de aceitar como natural a contribuição do sobredito comportamento desviante do R. para a evolução de sofrimento e stress na A., até porque, como observa Antunes Varela, "desde que o devedor ou lesante praticou um facto ilícito, e este actuou como condição de certo dano, comprende-se a inversão do sentido natural dos acontecimentos. Já se justifica que o prejuízo (embora devido a caso fortuito, ou, em certos termos, à conduta de terceiro) recaia, em princípio, não sobre o titular do interesse atingido, mas sobre quem, agindo ilícitamente, criou a condição do dano", acrescentando mais adiante o mesmo Autor que " para que haja causa adequada, não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano.
Essencial é que o facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como frequentemente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano " (Das Obrigações em Geral, I, 9ª ed., págs. 923/924).
Posto isto e não esquecendo que a indemnização por danos não patrimoniais não visa, propriamente, o ressarcimento do lesado, mas antes oferecer-lhe uma compensação que seja justo contrabalanço para o mal sofrido (cfr. Antunes Varela, ob. cit., pág. 626 e Rui Alarcão, Direito das Obrigações, 1983, pág. 270), devendo, para cobrar efeito dignificante, ser significativa e não meramente simbólica (cfr. Acs. do STJ de 16-12-93 e 11-9-94, CJ, Acs. do STJ, respectivamente, Ano I, Tomo II, pág. 182 e Ano II, Tomo III, pág. 92 e da RL de 5-5-95, CJ, Ano XX, Tomo III, pág. 95), na consideração da globalidade do quadro que se nos apresenta, ao abrigo das regras da equidade (arts. 494º e 496º do CC) e com o melindre que sempre acarreta a quantificação de tais danos, parece-nos ajustada e equilibrada a indemnização, a este título, fixada na instância recorrida.
Pelo exposto, decide-se:
- negar, nos termos conjugados dos arts. 713º, 5 - na redacção dada pelo DL nº 329-A/95, 12/12 - e 749º do CPC, provimento ao agravo, remetendo-se para os fundamentos do despacho recorrido;
- julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo agravante/apelante.
Lisboa, 29-10-2009
Carlos Valverde
Granja da Fonseca
Pereira Rodrigues