Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4910/08.9TDLSB.L1-3-2ªPARTE
Relator: MARIA MARGARIDA ALMEIDA
Descritores: CRIME DE FRAUDE FISCAL QUALIFICADA
CONSUMPÇÃO
PRINCÍPIO NEMO TENETUR SE IPSUM ACCISARE
PRINCÍPIO “NON BIS IN IDEM”
NORMAS ADMINISTRATIVAS E NORMAS PENAIS
ABUSO DE CONFIANÇA
BURLA QUALIFICADA
BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS
BEM JURÍDICO PROTEGIDO
DEFESA TÉCNICA E AUTO DEFESA
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/16/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário: O prazo para interposição de recurso não se suspende com a apresentação do pedido de aclaração do despacho recorrido.

É inaplicável ao crime de fraude fiscal qualificada, com recurso a facturas falsas e com reflexo na tributação do IVA, o disposto no artigo 45º da LGT e no artigo 21º, nº 3, do Regime Geral das Infracções Tributárias, uma vez que a verificação de tal crime não depende de liquidação administrativa do imposto.

Inexiste relação de consumpção entre o crime de abuso de confiança e o crime de burla qualificada pois, embora em ambos os crimes o bem jurídico protegido seja a defesa do património, a tutela legal diversa e autónoma é dirigida aos diferentes modos como se processa o alcançar de tal desígnio - o ataque aos bens de outrem.

Inexiste, igualmente, consumpção entre o crime de branqueamento de capitais e os crimes de burla e de abuso de confiança, pois o crime de branqueamento de capitais tutela a pretensão estadual ao confisco das vantagens do crime, concretamente, o interesse da justiça na detecção e perda das vantagens de certos crimes.

E, de igual modo, inexiste consumpção entre estes ilícitos e o crime de fraude fiscal, pois o bem jurídico aqui protegido é o regular funcionamento do sistema fiscal.

Preenche o elemento constitutivo do tipo de crime de burla a determinação dos accionistas de uma sociedade, a empossarem e a manterem os arguidos à frente dos destinos da mesma, durante um período de quase uma década, por força do erro em que os induziram, uma vez que lhes ocultaram, por meios enganosos, a verdadeira situação dessa entidade, apresentando-lhes uma falsa representação da realidade.

Deve ser considerada vítima, ou sujeito passivo, em tais casos, a pessoa que efectivamente suporta o prejuízo patrimonial, uma vez que este se consuma quando a posição económica do lesado fica reduzida, diminuída.

Considerando que o princípio nemo tenetur se ipsum accusare é acolhido em sede de processo contra-ordenacional em moldes semelhantes aos do processo penal, deverá concluir-se pela aplicabilidade do regime previsto no artigo 133º do Código de Processo Penal a alguém que, sendo arguido em processo contra-ordenacional conexo, se vê chamado a depor como testemunha em sede de um processo de natureza criminal.

O nº 1 do artigo 98º do C.P.Penal confere ao arguido a possibilidade de, pessoalmente e sem a intervenção do defensor, apresentar no processo elementos que entenda serem úteis à sua autodefesa, auto-representando-se.  Por seu turno, a defesa técnica do arguido é assegurada pelo seu defensor e está regulada noutros locais do C.P.Penal, sendo-lhe inaplicável o disposto no artigo 98º. Defesa técnica e autodefesa não se confundem.

A comunicação de alteração não substancial de factos, efectuada nos termos do artigo 358º, nº 1, do C.P.Penal, é realizada quando não há ainda decisão quanto aos factos, que permita considerar afastados uns e demonstrados outros. Tal comunicação não terá de enumerar, de forma expressa, os meios de prova de onde resultam as possíveis alterações.

Embora a acusação ou a pronúncia delimitem o objecto do processo, não circunscrevem o âmbito da discussão.

Se o tribunal “a quo” não aditou nenhum facto novo mas discordou da análise jurídica realizada naquela sede, procedendo a uma alteração da qualificação jurídica de uma parte dos factos que constavam na mesma, após cumprimento da comunicação prevista no artº 358 do C.P.Penal, manteve-se a vinculação temática ao objecto da pronúncia, pelo que tal operação se mostra válida e legal, mostrando-se salvaguardado o favor defensionis.

O princípio do “ne bis in idem” determina que ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime. Tem de ser considerado sempre que se verifique a aptidão de várias normas para serem aplicadas ao mesmo facto, independentemente das mesmas se situarem no foro criminal ou no foro contra-ordenacional.

Não constitui violação do princípio “ne bis in idem”, a condenação dos arguidos pela prática de um crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo artº 256 do C.Penal e pela prática de contra ordenações previstas e punidas pelo art. 211.º als. g) e r), do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), dada a diversidade dos bens jurídicos tutelados por tais normas.

A tutela contraordenacional, na parte relativa quer à prestação de informações falsas, quer à falsificação de elementos contabilísticos, relativamente ao Banco de Portugal (ou à CMVM, nos casos aplicáveis), recai sobre a protecção da segurança e da confiança dos elementos que têm de ser entregues pelo regulado, no que respeita às funções de entidade supervisora exercidas pelo BdP (ou pela CMVM).

Os bens jurídicos protegidos pelas normas administrativas e pelas normas penais são claramente distintos.

A reformatio in pejus directa é aplicável por via indirecta, isto é, quando se esteja não perante uma apreciação em sede de recurso, mas quando a questão surge por virtude da realização de novo julgamento após a anulação do primeiro, em sede de decisão a proferir pela 1ª instância.

O princípio in dubio pro reo verifica-se e impõe-se, não nos casos em que ocorre mera dúvida, mas isso sim nos casos de dúvida irresolúvel, insuperável, inultrapassável;

As infracções tributárias consideram-se praticadas no momento e no lugar em que, total ou parcialmente, e sob qualquer forma de comparticipação, o agente actuou, ou, no caso de omissão, devia ter actuado, ou naqueles em que o resultado típico se tiver produzido (nº1 art 5.º do RGIT).

A adulteração da contabilidade de uma sociedade anónima integra-se na forma qualificada do crime de falsificação de documento, previsto no artº 256 do C.Penal.

O regime de prescrição mais favorável ao arguido analisa-se após o apuramento da matéria factual descritiva da actuação do agente e o subsequente – e consequente - enquadramento jurídico da mesma. A prescrição do procedimento criminal implica que o Estado tenha conhecimento de que, efectivamente, um crime se verificou, pois é com a notícia do crime que se dá início ao procedimento criminal.
Decisão Texto Parcial:CONTINUAÇÃO DO ACORDÃO
iv. Apreciando.
Como se constata pela leitura da motivação supra transcrita, o tribunal “a quo” apresenta e responde a todas as questões que o arguido de novo suscita, sucintamente:
«A testemunha AJo… pronunciando-se sobre esta matéria, em resumo, declarou:  
Em Novembro de 2002 estas sociedades entregaram uma carta a pedir um financiamento no Banco Insular para comprar a Camden.
Foi concedido o empréstimo e o mesmo destinou-se a pagar à Venice em BPN Cayman. Nesta data, deixou de haver qualquer dívida da Venice, e a mesma passou a estar concentrada nestas sociedades.
 Não foi prestada qualquer garantia por estas sociedades.
Recebeu instruções de RP… para fazer grande parte destas operações.
As cartas foram assinadas pelos fiduciários e as procurações deram poderes a IC… e AG….
 Não tem dúvidas que as ordens vieram de OC… e LC…, porque as operações estavam na égide da SLN, estas sociedades são detidas pela Marazion, pelo que nenhum administrador do BPN podia dar ordens para se fazerem estas operações.
Em 2009 os créditos passaram para o BPN e em 2010 passaram para a Parvalorem, sendo certo que os créditos, ainda no âmbito do Banco Insular, passaram do balcão 1 para o balcão 2. 
Em termos documentais: (…)
Quanto ao arguido OC… é manifesta a sua decisão/participação nos factos em questão, atendendo aos objectivos subjacentes aos movimentos/financeiros e às funções por si, então, exercidas, designadamente de Presidente do Conselho de Administração da SLN e do BPN, S.A.. (…)
A factualidade em apreço tem, pois, duas componentes: 
1) A definição da estratégia/plano, provada em relação aos arguidos OC…, LC…, FS…, LAl… e LM… (v. factos 520º a 522º, 524º, 526º a 529º, 532º, 538º e 539º, 540º e 542º da pronúncia; v. factos provados 495 a 497, 499, 501 a 504, 507, 513 e 514, 515 e 517); e
 A operacionalização da mesma, demonstrada em relação aos arguidos OC…, LC… e FS… (v. factos 530º, 531º, 533º, 534º da pronúncia; v. factos provados 505, 506, 508, 509);
 (…)
Se houvesse alguma intenção de pagamento dos montantes sacados no âmbito das contas correntes caucionadas abertas a favor das oito sociedades offshore tinham de existir garantias. Procedimento habitual em qualquer crédito bancário que seja concedido, pelo menos nos de valor mais elevado.
No caso, não foram prestadas quaisquer garantias aquando da abertura das c/c/c.
(…)
O arguido VM… confirmou que foram emitidas, nos anos de 2002 ou 2003, as “put option” a que alude o facto 530º da pronúncia na sequência de uma auditoria da “Ernst & Young” ao Banco Insular.
A elas o arguido se refere na carta de 6.2.2009 (v. apenso R do Banco de Portugal, vol. 39, fls. 9239 a 9241, págs. 53 a 55 pdf), por si subscrita em nome do Banco Insular, e remetida ao BPN, S.A. (administrador LS…), além do mais, nos seguintes termos:
 “(…)nunca a Administração do Banco Insular, a que presido, não quer, nem alguma vez teve a intenção de as invocar para exercer os direitos potestativos que nelas lhe são atribuídos.
(…).
 Sempre entendidas como uma peça que adequadamente instruísse os processos de crédito na perspectiva de inspecções e auditorias, não constituíam para a Administração do BI uma garantia exequível, dada a sujeição do Banco ao Grupo SLN (…)”.
(…)
Dos autos consta a “carta conforto” relativa ao empréstimo da offshore Rador, datada de 21.11.2002 (data em que foi concedido o crédito no Banco Insular), subscrita pelo arguido AF….
Não constam as “cartas conforto” das outras 7 sociedades offshore.
No entanto, as mesmas foram emitidas, pois, como referiu o arguido VM…, por cada um dos créditos abertos pelo grupo SLN/BPN no Banco Insular era sempre emitida a correspondente put-option.
É certo que ocorreram falhas na emissão.
Porém, detectadas essas falhas, como resulta da identificada missiva e das “cartas conforto” constantes de fls. 9242 a 9307 do vol. 39 apenso R, elas foram supridas em relação aos créditos que não tinham essa “garantia formal”, não se encontrando entre elas qualquer das outras 7 sociedades offshore, daí resultando que as “put option” destas foram emitidas na data em que foram concedidos os financiamentos no Banco Insular sob a forma de c/c/c, à semelhança do que aconteceu com a Rador.

v. O que daqui decorre é que o recorrente não concorda com essa apreciação. Mas não contrapõe outros argumentos que não a inexistência de elementos probatórios ou uma errónea compreensão por parte do tribunal “a quo”, isto é, não avança qualquer argumentação que refute os raciocínios expendidos em tal motivação, limitando-se a querer contrapor a sua.
Como supra já se referiu (vide F.), tal postura não permite a alteração da factualidade assente, uma vez que ela depende da existência de um comprovado erro na apreciação da prova, que imponha essa modificação.
Manifestamente, tal não é aqui o caso.

vi. Para além do mais, diga-se que exercendo o arguido as funções que executava no Grupo, mostrando-se mais do que demonstrado que mantinha um controlo sobre todas as grandes operações em que o mesmo se envolvia, não se mostra minimamente verosímil que, numa matéria como esta, com os valores que foram alvo de movimentação, que envolveu uma série de operações, bem como a colaboração do próprio dirigente máximo do Banco Insular, o arguido OC… não tivesse tido nos mesmos intervenção ou conhecimento (ou seja, na sua tese, todos os restantes, à sua revelia, determinaram os pagamentos, através dos mecanismos aí descritos, salvo o próprio).
Assim, o arguido limita-se a afirmar a ausência de prova, quando ela existe, mostrando-se exposta pelo tribunal “a quo”, sendo certo que, a tal respeito, o arguido se limita a negar a sua intervenção ou seja, pretende contrapor a sua pessoal convicção sobre a do julgador, o que não é fundamento de recurso.

vii. No que concerne à intenção de não pagamento, de igual modo o tribunal “a quo” explica as razões porque assim entendeu, desde logo face aos próprios contornos e objecto de todo este “financiamento”, bem como ao modo encoberto como tudo isto decorreu, a ausência da formalização de quaisquer garantias ou ordens escritas, o lapso de tempo já decorrido desde a realização destes financiamentos (mais de uma década, quase duas…), a falta de assumpção, sequer, da responsabilidade pela realização dessas operações, bem como a singela constatação de que, ainda hoje, tais quantitativos se mostram por pagar. A tudo isto, mais uma vez, o arguido apenas responde com a sua negação.
Ora, como se afirma no acórdão: «Apesar do que se acaba de mencionar, tal não significa que a operacionalização dos movimentos seja imputável a todos os arguidos, mas tão só aos arguidos OC…, LC… e FS…, pois que estes é que eram administradores da SLN SGPS, S.A., e, por isso, só eles tinham domínio sobre a operacionalização. (sublinhados nossos).
Não se vislumbra qualquer erro na fundamentação realizada, quanto a este segmento.

viii. No que se refere à questão das “put options”, é questão que já foi tratada em sede dos recursos interlocutórios que o arguido apresentou (vide recurso nº 24), pelo que, a este propósito, renovamos o que aí já se mostra explanado:
“a. Desde logo, contou o Tribunal com as declarações prestadas pelo arguido JV…, nas quais o mesmo afirmou que foram emitidas, nos anos de 2002 ou 2003, as “put option” a que alude o facto 530º da pronúncia na sequência de uma auditoria da “Ernst & Young” ao Banco Insular».
b. E em suporte dessas declarações do arguido foi colocada à disposição do Tribunal documentação, designadamente a carta de 6 de Fevereiro de 2009, na qual o mesmo se refere a tais instrumentos (cfr. apenso “R” do Banco de Portugal, vol. 39, fls. 9239 a 9241). Tal carta foi subscrita pelo arguido JV…, na qualidade de Administrador do Banco Insular, e foi remetida ao BPN, S.A..
Dessa missiva consta sobre tais instrumentos, além do mais, “(…) nunca a Administração do Banco Insular, a que presido, não quer, nem alguma vez teve a intenção de as invocar para exercer os direitos potestativos que nelas lhe são atribuídos. (…). Sempre entendidas como uma peça que adequadamente instruísse os processos de crédito na perspectiva de inspecções e auditorias, não constituíam para a Administração do BI uma garantia exequível, dada a sujeição do Banco ao Grupo SLN (…)”.
12. Se não constam dos autos as cartas de “put option” relativas às sete entidades indicadas a fls. 55.577, certo é que dos autos consta aqueloutra relativa ao empréstimo da offshore Rador (datada de 21.11.2002, data da concessão do crédito no Banco Insular), subscrita pelo arguido AF….
Efectivamente, como bem assinala o Ministério Público na sua resposta ao recurso, “no Apenso de Busca 7, documento 10.04, fls. 136 (pág. 34, do pdf), e documento 10.04, fls. 137 (pág. 35 do pdf), constam respectivamente carta de put option e carta de conforto, emitidas pelo BPN em 21/11/2002, remetidas ao Banco Insular, relativas ao crédito concedido à Rador Ltd, no montante de €4.600.000.”.
13. Não constam as “cartas conforto” das outras 7 sociedades offshore – os documentos em que a mesmas se consubstanciaram não estão nos autos.
No entanto, foi produzida prova sobre a emissão das mesmas – desde logo por declarações do arguido VM…, que afirmou que por cada um dos créditos abertos pelo grupo SLN/BPN no Banco Insular era sempre emitida a correspondente put-option.
14. Corroboram tal afirmação outros documentos juntos aos autos, tal como referido pelo Ministério Público na mencionada resposta ao recurso: “Igualmente, do Apenso Bancário 49, fls. 11 e 12 (págs. 13 e 14 do .pdf), constam cartas de conforto emitidas pelo BPN, respectivamente em 05/08/2004 e 28/01/2003, remetidas ao Banco Insular, relativas aos créditos concedidos ao arguido TR…, nos montantes respectivamente de €192.500 e €250.000. Por fim, do Apenso Bancário 48, fls. 12 (pág. 14 do .pdf), consta carta de conforto emitida pelo BPN em 26/03/2003, remetida ao Banco Insular, relativa ao crédito concedido ao arguido TR…, no montante de €1.250.000”.
15. E sobre a produção formal de cartas de put option contou o Tribunal, no decurso do julgamento, com a produção de prova testemunhal – cfr. as inquirições das testemunhas AJo… e PS…, também elas mencionadas pelo Ministério Público na sua resposta.”
O que decorre do que se deixa dito é simples - perante tal conjunto de meios probatórios produzidos – e não dependendo a demonstração da produção da totalidade das put option mencionadas na pronúncia da junção aos autos de prova documental da mesma (não é essa a única via de demonstração positiva do facto) – não pode deixar de se considerar que a fundamentação do tribunal “a quo”, relativa à verificação deste facto, se mostra fundamentada, não padecendo de falta de apoio probatório ou lógico.  
 
ix. Temos pois de concluir que improcede o peticionado pelo recorrente.

25. Ponto 518 da matéria julgada provada da pronúncia:

i. Esse ponto tem a seguinte redacção:
518) Tais montantes, à data da acusação, encontravam-se em dívida perante o BPN SA, por via da dação de créditos verificada após a cessação da licença bancária conferida ao Banco Insular;

ii. Vejamos.
O recorrente tece considerações a propósito das datas de acusação e de resgate do Banco, mas nessa sede nada desenvolve quanto ao erro que imputa ao decidido.
De seguida, indigna-se pela circunstância de ter sido dado como provada a existência de prejuízo, pois os créditos que somavam a quantia em questão foram, posteriormente à data da acusação, cedidos pelo BPN SA a uma terceira entidade, a Parvalorem, pelo valor correspondente ao capital e juros em dívida. Assim, entende que o BPN SA não sofreu qualquer prejuízo patrimonial, ao contrário do que a matéria de facto julgada como provada deixa presumir, matéria que o tribunal “a quo” deveria ter apreciado.
 
iii. Supra tivemos já oportunidade de nos pronunciar sobre esta questão, no âmbito da análise às nulidades da sentença que o arguido invocou.
Não obstante, para maior facilidade de leitura, transcreve-se aqui o que já ali se deixou dito:
“Por seu turno, a invocada cessão de créditos (venda do crédito mal parado do BPN SA, entre o qual se encontrava o crédito originariamente concedido pelo Banco Insular) à sociedade Parvalorem (sociedade veículo detida a 100% pelo Estado) ocorre em 23 de Dezembro de 2010.
Como expressamente decorre da respectiva escritura (vide vol. 130, fls. 41.177 e segs.), essa cessão destinou-se a:
Tomar medidas que permitissem a reprivatização do BPN (após nacionalização de todas as acções do capital social ocorrida em 12.11.2008), o que implicava a necessária capitalização de tal instituição (ou seja, pressupunha a sua presente descapitalização) e reposição de capitais próprios a nível regulamentar;
Para esse fim foi constituída a Parvalorem, a quem foram cedidos – após segregação – um conjunto de activos do balanço individual e consolidado do BPN designadamente créditos, sendo certo que os critérios de selecção dos mesmos foram: crédito vencido superior a 90 dias, crédito em contencioso, créditos com taxa de imparidade superior a 25% e com imparidades superiores a 500 mil euros e créditos em grau de vigilância “extinção”.
O que daqui decorre, desde logo, é que os créditos cedidos à Parvalorem eram, manifestamente, os que se encontravam, em tal data, por cobrar e, sejamos claros, cuja futura cobrança se mostrava duvidosa – basta atentar nos critérios que presidiram à sua segregação.
Por seu turno, o preço da cessão de créditos foi pago com fundos obtidos pela Parvalorem junto da CGD, designadamente no quadro e para os efeitos do artigo 65 da Lei n.º 3-EI/2010.
E esta cedência foi realizada de modo a viabilizar a venda do BPN, minimamente capitalizado, a terceiros.
Como resulta igualmente da leitura do sobredito contrato, nomeadamente das suas cláusulas 2ª nº4 e 3ª nº1, o preço da transmissão de cada crédito correspondeu ao respectivo preço do crédito.
Daqui decorre que o valor aí constante (venda ao par) não corresponde ao seu efectivo valor de mercado, tendo sido apenas um “preço de conveniência”, cujo objectivo era o de evitar que, caso fosse inferior (ou seja, mais próximo da real valia de tais créditos) o BPN acumulasse ainda maiores prejuízos e necessitasse, por virtude de tal, de ainda maior recapitalização.
Assim, constata-se que essa cessão à Parvalorem, no que ao objecto do processo se refere, é absolutamente indiferente, pois da mesma não resulta (ao inverso do que o arguido pretendeu convencer) que os ditos créditos teriam, em 2010, realística e verdadeiramente, o valor pelos quais foram cedidos.
Não ocorre, portanto, nenhuma omissão de pronúncia a ser suprida.”

iv. E não ocorre, igualmente, quanto a esta matéria, nenhum erro apreciatório, pelo que improcede o que o recorrente peticiona.

26. Pontos 519 a 539 da matéria julgada provada da pronúncia:

i. Esses pontos de facto têm a seguinte redacção:
519) Uma vez que algumas das referidas sociedades offshore haviam aberto contas junto do BPN Cayman, onde tinham gerado novas responsabilidades, em particular por aí terem sido abertas contas correntes caucionadas, para permitir a circulação de fundos para o BPN Cayman, os arguidos OC…, LC…, LM…, LAl… e FS…, formularam novo plano no sentido de liquidar tal passivo;
520) Com efeito, tendo o Banco de Portugal acesso a dados das contas do BPN Cayman, os mesmos arguidos visavam impedir que fosse identificado um fluxo financeiro não liquidado entre as contas das referidas sociedades offshore, a conta BPN Cayman da VENICE CAPITAL e a conta da entidade CAMDEN CAPITAL, também no BPN Cayman;
521) Assim, os arguidos OC…, LC…, LM…, LAl… e FS… conceberam uma estratégia que passava pela utilização de fundos de algumas das sociedades participadas, que seriam colocados numa nova entidade veículo, de onde, por sua vez, seriam transferidos para as contas onde existiam responsabilidades a regularizar;
522) Das oito sociedades offshore acima identificadas, existiam contas abertas no BPN Cayman e utilização de contas correntes caucionadas, em nome das seguintes:
- KEMUSA HOLDINGS LLC, conta BPN Cayman n° … ;
- RADOR LIMITED, conta BPN Cayman n° …;
- JAMAKI TRADING LTD, conta BPN Cayman n° …;
- ZALA HOLDINGS LTD, conta BPN Cayman n° …;
- QUILA HOLDINGS LLC, conta BPN Cayman n° …;
523)Tais entidades eram devedoras, por força da utilização de contas-correntes caucionadas, nas suas contas junto do BPN Cayman, dos seguintes valores:

SociedadeJAMAKIKEMUSAQUILARADORZALA
Descoberto bancário13.992,17924.976,4118.394,92
Amortização da C/C/C897.836,21 897.836,211.000.000,001.000.000,00
Pagamento de comissões 49,80
Pagamento de juros4.574,30 4.601,59
Levant. em numerário83.597,3275.023,5979.117,48
Total .....1.000.000,001.000.000,001.000.000,001.000.000,001.000.000,00


524) Dando execução ao planeado, de forma a fazer transferir fundos para liquidar os financiamentos pendentes sobre as referidas contas, os arguidos OC…, LC…, LM…, LAl… e FS… começaram por utilizar uma nova entidade em offshore, a ANIOLA TRADING LTD, também disponibilizada através da PLANFIN;
525)Tal entidade, a ANIOLA TRADING, era titular de uma conta junto do BPN Cayman, com o n° …, fazendo os arguidos abrir uma nova sub conta, com o n° …, cuja movimentação iniciaram a 5-11-2002;
526) Os arguidos OC…, LC… e FS… solicitaram então a colaboração do arguido JMo…, que exercia então a administração da SOGIPART (ex-SLN Imobiliária) em conjunto com o mesmo FS…;
527) O plano dos arguidos OC…, LC…, FS…, LM… e LAl…, a que o arguido JMo… aderiu, passava por determinar algumas das sociedades participadas pela já então designada SOGIPART a procederem ao pagamento dos suprimentos realizados pela sociedade mãe, desviando depois tais meios de pagamento para a conta da referida ANIOLA;
528) Assim, as sociedades IMONAÇÕES-Sociedade Imobiliária,SA e VILLAS D’AGUA-Construção à Beira Mar, SA, foram determinadas pelos arguidos a proceder ao pagamento dos suprimentos que lhes haviam sido feitos pela sociedade mãe, a SLN IMOBILIÁRIA, então designada SOGIPART;
529) O arguido FS… era administrador das sociedades Imonações, Villas D’Água e SLN Imobiliária e o arguido JMo… era administrador das sociedades Villas D’Água e SLN Imobiliária;
529) Para efeito desses pagamentos, de acordo com o estratagema montado por todos, foram emitidos os seguintes cheques bancários em nome da Sogipart:
- Cheque n° 11217105, no montante de € 122.098,00, sendo o custo da emissão pago sobre a conta n° … - IMONAÇÕES - SOCIEDADE IMOBILIARIA, SA;
- Cheque n° 11217114, no montante de € 3.600.000,00, sendo o custo da emissão pago sobre a conta n° … - IMONAÇÕES - SOCIEDADE IMOBILIARIA, SA;
- Cheque n° 11217113, no montante de € 2.557.174,00, sendo o custo da emissão pago sobre a conta n° … - VILLAS D’ AGUA-CONSTRUÇÕES À BEIRA MAR SA.
530) De seguida, ainda em execução do planeado por todos, os arguidos FS… e JMo…, na qualidade de administradores da SOGIPART, a favor de quem os cheques haviam sido emitidos, trataram de endossar os mesmos;
531) Os referidos cheques não foram contabilizados, nem por caixa nem por bancos, na referida SOGIPART, ex-SLN IMOBILIÁRIA.
532) Uma vez endossados, os arguidos OC… e LC… fizeram depositar tais cheques na conta da ANIOLA TRADING, na referida conta junto do BPN Cayman, com o n° …, onde assim foi consumado um crédito total de 6.279.272,00 €, movimento com data-valor de 5-11-2002;
533) Por último, colocados fundos na conta da ANIOLA, por desvio do seu real destino, que seriam os pagamentos de suprimentos feitos pela SOGIPART ou vendidos por esta à CAMDEN, conforme acordos de cessão de créditos referidos supra;
534) Os arguidos OC…, LC… e FS…, determinaram os seguintes movimentos a débito da conta da ANIOLA:

 
CONTA no BPN Cayman
TITULARES 
DATA -VALOR
DÉBITOCRÉDITO
ANIOLA05-11-2002 6.279.272,00
ANIOLA11-11-20021.000.000,00
ANIOLA11-11-20021.000.000,00
ANIOLA11-11-20021.000.000,00
ANIOLA11-11-20021.000.000,00
ANIOLA11-11-20021.000.000,00
KEMUSA11-11-2002 1.000.000,00
RADOR 1.000.000,00
11-11-2002
JAMAKI
11-11-2002 1.000.000,00
ZALA
11-11-2002 1.000.000,00
QUILA
11-11-2002 1.000.000,00


535) Face ao exposto, os arguidos identificados no facto 527º utilizaram fundos das sociedades IMONAÇÕES - SOCIEDADE IMOBILIARIA, SA e VILLAS D AGUA-CONSTRUÇÕES À BEIRA MAR SA, para reduzir contas-correntes caucionadas detidas pelas entidades offshore junto do BPN CAYMAN, e assim liquidar e encerrarem as contas.
536) Os mesmos arguidos identificados no facto 527° não fizeram reflectir na conta Bancos da contabilidade da SOGIPART, conta “12 – Bancos”, tais pagamentos recebidos, embora fosse esta sociedade a beneficiária dos cheques.
537) Assim, os valores que foram, em 11 de Novembro de 2002, transferidos para as contas das cinco sociedades offshore supra referidas, destinavam-se a ocultar o circuito de financiamento da sociedade CAMDEN;
538) Tendo os arguidos identificados no facto 527° levado a própria SOGIPART a um gasto de fundos de forma a suportar a ocultação do financiamento da sua própria accionista, a CAMDEN;
539) Na sequência dos factos supra narrados, a utilização das oito sociedades em offshore com conta no Banco Insular, incluindo operações subsequentes de financiamento da VENICE e juros contados, geraram os seguintes passivos, com referência ao final do ano de 2008, nas contas daquelas sociedades (valores em euros):

SOCIEDADEPAGAMENTOS À VENICEOUTRAS
UTILIZAÇÕES
DE CRÉDITO
TOTAL
FINANCIAMENTO
JUNTO DO BI
JUROSTOTAL
29-11-200213-12-2002
ABCd=a+b+cEf=d+e
ACLE1.073.549,082.483.180,07947.716,004.504.445,152.407.181,406.911.626,55
JAMAKI2.126.399,482.378.045,67-4.504.445,152.182.920,886.687.366,03
KEMUSA2.163.238,986.845.651,32-9.008.890,304.536.949,7013.545.840,00
MARTON1.058.485,382.498.243,77947.716,004.504.445,152.692.115,637.196.560,77
QUILA2.121.946,856.886.943,45-9.008.890,304.521.627,7313.530.518,03
RADOR2.014.439,152.490.006,00-4.504.445,152.258.118,766.762.563,91
RICIA1.059.557,802.497.171,35947.716,004.504.445,152.371.903,076.876.348,22
ZALA2.054.516,542.449.928,61-4.504.445,152.270.191,866.774.637,01
TOTAIS ...13.672.133,2628.529.170,242.843.148,0045.044.451,5023.241.009,0368.285.460,53


ii. Apreciando.
A tese de refutação quanto a esta matéria prende-se com a ausência de prova de endosso, por parte do arguido, dos cheques a serem depositados na conta da Aniola e da decisão das transferências da Aniola para as contas da Rador, da Kemusa, da Jamaki, da Quila e da Zala.

iii. O arguido parte de um equívoco – o que está descrito nesta factualidade não é se endossou ou não este ou aquele cheque, mas antes se teve ou não intervenção nesta operação, que levou a SOGIPART a um gasto de fundos de forma a suportar a ocultação do financiamento da sua própria accionista, a CAMDEN.

iv. E a esse propósito diz-se em sede de motivação:
À data dos factos era o Presidente do Conselho de Administração da SLN SGPS, S.A., BPN, SGPS, S.A. e BPN, S.A..
O BPN Cayman consolidava no grupo SLN/BPN.
O Banco Insular, como já foi analisado, era uma instituição bancária que pertencia ao grupo SLN/BPN.
As oito sociedades offshore identificadas tinham como último beneficiário a Marazion, sociedade que, por sua vez, também pertencia ao grupo.
As operações financeiras que temos vindo a analisar repartiram-se entre o Banco Insular, o BPN Cayman e o BPN, S.A..
O arguido decidiu e participou em todas as operações que temos vindo a analisar desde a alegada venda da SLN Imobiliária à Camden, sendo a presente operação mais uma que se liga a todas as outras.
Todos os negócios/operações analisadas tiveram por interlocutores sociedades do grupo SLN/BPN, residentes e não residentes, e beneficiaram este grupo.
O arguido assinou os cheques nos montantes de € 2.557.174,00 e 3.600.000,00 emitidos, respectivamente, em 03.10.2002 e 02.10.2002, à ordem da Sogipart e endossados à sociedade offshore Aniola (v. fls. 6 e 7 do apenso bancário 92 – conta titulada pela Aniola no BPN Cayman).
Por conseguinte, não restam quaisquer dúvidas quanto ao seu domínio, decisão e participação nos factos em questão.

v. Ora, atentos os contornos e os valores envolvidos nestas operações, o que decorre das regras de experiência comum é que as mesmas nunca poderiam ter sido executadas à revelia do arguido JO…, dadas as funções que exercia e a centralização de poder que impunha, dentro do Grupo.
Para além do mais, tratam-se de operações complementares de outras - que envolveram decisões tomadas pelo próprio arguido e que haviam determinado débitos assinaláveis em contas correntes caucionadas detidas pelas entidades offshore junto do BPN CAYMAN - através das quais se pretendeu, precisamente, cobrir tais débitos (ocultando o circuito de financiamento da Camden), liquidando-se tais contas, sendo que os quantitativos necessários a tal cobertura foram obtidos mediante a utilização de fundos das sociedades IMONAÇÕES - SOCIEDADE IMOBILIARIA, SA e VILLAS D AGUA-CONSTRUÇÕES À BEIRA MAR SA., via Sogipart que assim financiou a sua própria accionista, a Camden.

vi. Se assim é, como é, conclui-se não se impor a existência de erro e, consequentemente, improcede o pedido de alteração que o recorrente formulava.

27. Pontos 547 a 573 da matéria julgada provada da pronúncia:
Entende o recorrente que o tribunal “a quo” lavra num erro crasso na apreciação da prova produzida quando, em suma, considera que a transmissão dos suprimentos que a Invesco detinha sobre a Validus a favor da Keresley nunca existiu; isto é, em seu entender, a Invesco efectivamente vendeu os suprimentos que detinha sobre a Validus, à Keresley.
Considera, igualmente, que o uso da palavra “prejuízo” é, no contexto, conclusiva e, por isso, legalmente proibida, para além de errada.
Assim, pretende que o ponto 570 seja alterado e, onde se lê “o que determinou um prejuízo ao BPN” se passe a ler “o que determinou a concessão de crédito pelo BPN”.

i. Os factos acima mencionados têm a seguinte redacção:
547) Em Maio de 2000, os arguidos JO… e LC… formularam o propósito de sacar um financiamento para as entidades SLN SGPS e SLN IMOBILIÁRIA, à custa da entidade INVESCO WORLDWIDE, LTD, mas sem que a mesma fosse referenciada;
548) Assim, os arguidos JO… e LC…, decidiram camuflar o financiamento à SLN IMOBILIÁRIA através da criação de uma justificação para o recebimento dos fundos da INVESCO, que se traduzia numa venda parcial das acções da VALIDUS por parte da SLN IMOBILIÁRIA à mesma offshore INVESCO WORLDWIDE, LTD;
549)Por outro lado, para justificar a entrada de fundos na SLN SGPS, os mesmos arguidos conceberam uma pretensa venda à INVESCO WORLDWIDE, LTD, do suprimento que a primeira detinha sobre a VALIDUS;
550) Tais contratos, concebidos para justificar as transferências, nunca foram formalizados;
551) Os arguidos OC… e LC… desencadearam, no entanto, financeiros, a débito da conta da INVESCO WORLDWIDE junto do BPN;
552)No dia 31 de Maio de 2000, os mesmos arguidos fizeram debitar a conta da INVESCO WORLDWIDE junto do BPN, conta com o n° …, através de transferência para crédito da conta BPN da SLN Imobiliária com o n° …, no valor de 975.600.000$00;
553) No mesmo dia 31 de Maio de 2000, os arguidos JO… e LC… fizeram debitar a mesma conta BPN número …, titulada pela mesma INVESCO WORLDWIDE, LTD, através da transferência da importância de 427.270.262$00 a favor da conta BPN n° … titulada pela SLN SGPS S.A.;
554) Para justificar aquela primeira transferência, os arguidos JO… e LC… ficcionaram uma venda correspondente à transacção de 45.000 acções (90% do capital) da “Validus – Imobiliária e Investimentos S.A.”, pelo preço de 975.600.000$00;
555) Para justificar aquela segunda transferência, foi ficcionada uma venda do suprimento da SLN SGPS sobre a VALIDUS, que era no total de 432.000.000$00, que seria vendido à INVESCO WORLDWIDE, LTD, pelo montante de 427.270.262$00, correspondente a cerca de 99% do valor total do referido suprimento;
556) Assim, embora sem um justificativo formal, a INVESCO WORLDWIDE, LTD, financiou, sob o pretexto de aquisição parcial de acções da VALIDUS e dos suprimentos sobre a mesma, as sociedades SLN IMOBILIÁRIA e SLN SGPS;
557)Como os arguidos OC… e LC… pretendiam ocultar a intervenção da INVESCO WORLDWIDE, LTD, nesse financiamento, procuraram gerar justificativos contabilísticos para a realização daquelas operações;
558) Assim, na SLN SGPS foi lançada na contabilidade uma pretensa venda de suprimentos, em que a contraparte adquirente aparece identificada como sendo a INVESCO, mostrando-se no mesmo escrito de lançamento riscada a referência à entidade KERESLEY como pretensa adquirente;
559) Porém, os arguidos OC… e LC… sabiam que não tinha sido qualquer daquelas entidades a realizar o pretenso pagamento dos suprimentos, estando em causa um financiamento determinado a débito da conta da INVESCO WORLDWIDE, LTD, junto do BPN, conta esta que a partir de 29.09.2000 passou a estar titulada pela VENICE;
560) Já no final do ano 2000, os arguidos JO…, LC… e IC… formularam o propósito de dividir o património da VALIDUS, para o que, os arguidos JO… e LC… precisavam de fazer retornar o direito a suprimentos e as acções que haviam parqueado, ao tempo, na INVESCO WORLDWIDE, LTD;
561) O arguido FS… e, para esse efeito (facto 560°), os arguidos JO…, LC… e IC…, decidiram colocar a titularidade da VALIDUS na SLN INVESTIMENTOS, onde eram então administradores os arguidos LM… e LAl…, desempenhando, na prática, as funções de presidente o arguido LC…;
 562) Importava então, que a SLN INVESTIMENTOS viesse também a adquirir os suprimentos que, para ocultar o financiamento anterior, haviam sido colocados na INVESCO WORLDWIDE, LTD;
563) Para o efeito, os arguidos JO…, LC…, LM… e LAl… fizeram redigir um pretenso acordo de cessão de créditos, entre a nova adquirente da VALIDUS, a SLN INVESTIMENTOS, e uma entidade terceira, para o que resolveram lançar mão de uma outra entidade offshore, detida pelo Grupo SLN, no caso a KERESLEY LIMITED, com registo nas Ilhas Virgens Britânicas;
564) Nesse documento de cessão de créditos, os arguidos JO…, LC…, LM… e LAl… fizeram constar que a KERESLEY possuía um crédito no montante de 427.270.262$00 sobre a sociedade VALIDUS, isto é, precisamente no valor da transferência que os arguidos JO… e LC… haviam feito debitar na conta da INVESCO WORDWIDE, LTD, a favor da SLN SGPS;
565) Os arguidos JO…, LC…, LM… e LAl… fizeram depois assinar o referido documento, pelos representantes da entidade fiduciária, a FIDUCIARY DIRECTORS (BVI) LTD, que tinha a administração e nomeava os directores da KERESLEY, pretendendo fazer validar a afirmação de vontade por parte desta entidade;
566) O documento assim produzido, foi então também assinado pelos arguidos LM… e LAl…, respectivamente, na qualidade de Presidente e membro do Conselho de Administração da SLN INVESTIMENTOS;
567) Os arguidos LM… e LAl… fizeram constar no referido documento a data de 28 de Dezembro de 2000, data em que fizeram com que a mesma SLN INVESTIMENTOS viesse a adquirir a VALIDUS;
568) A referida entidade KERESLEY não possuía efectivamente qualquer crédito sobre a VALIDUS, o que os arguidos OC…, LC…, LM… e LAl… bem sabiam;
569) Os arguidos mencionados no facto anterior utilizaram a KERESLEY e o documento por si elaborado, como instrumento de forma a criar a aparência de aquisição pela SLN INVESTIMENTOS dos suprimentos sobre a VALIDUS;
570) Tal contrato de pretensa aquisição de créditos à KERESLEY visava ocultar o financiamento que a INVESCO havia realizado no dia 31 de Maio de 2000 à SLN SGPS, o que determinou um prejuízo ao BPN, com o saque da conta daquela, ali domiciliada, pelo valor de 427.270.262$00 (operação por transferência a débito da conta da INVESCO no BPN que entretanto foi renominada VENICE, com o n° …, e crédito da conta da SLN SGPS com o n° …), que nunca foi reembolsada;
571) Com efeito, de acordo com o estratagema a que aderiram e de forma a dar credibilidade, em sede de contabilidade, ao aparente acordo de cessão de créditos, os arguidos LC…, LM… e LAl… determinaram o pagamento da aludida aquisição de créditos à KERESLEY;
572) Tal pagamento foi efectuado por débito do montante de 427.270.262$00 da conta da SLN INVESTIMENTOS, junto do BPN, com o n° …, para crédito na conta da KERESLEY junto do BPN Cayman com o n° …, operação efectuada com a data de 29-12-2000;
573) Os arguidos LM… e LAl… sabiam que tal pagamento da SLN INVESTIMENTOS à KERESLEY não era suportado pela existência do direito de crédito sobre a VALIDUS que diziam estar a adquirir;

ii. No que ao ponto que o arguido questiona se reporta, o tribunal “a quo” fundou a sua convicção nos seguintes termos:
Relativamente a esta factualidade dos artigos 585º a 598º da pronúncia o arguido LC…, em resumo, declarou:
O retorno dos suprimentos estava previsto, uma vez que a venda deles à Invesco foi temporária.
(…)
Os suprimentos da Validus tinham sido adquiridos pela Invesco em Maio de 2000.
Não tem nota da venda dos suprimentos da Invesco à Keresley, mas tem nota de que houve uma transferência financeira da Keresley para a conta … da Venice em 25.9.2000, pelo montante de 944 milhões.
Não sabe qual a decomposição destes movimentos, mas admite que estava incluída a aquisição do suprimento da Validus que tinha sido adquirido pela Invesco.
Não sabe quem determinou a transferência da Keresley para a Invesco, ou seja, quem determinou que a Keresley adquirisse à Invesco os suprimentos que esta detinha sobre a Invesco, actual Venice.
Não convenceram as suas declarações em dois pontos essenciais.
O primeiro relativo ao alegado desconhecimento de quem determinou que a Keresley adquirisse à Invesco os suprimentos que esta detinha sobre a Invesco.
É que, como ele próprio mencionou, todo o processo tinha sido acompanhado por si e pelo arguido OC….
Não se vislumbra qualquer motivo, nem o arguido o invocou, para não determinar e acompanhar a cessão de créditos a que alude o art. 589º da pronúncia.
Era essencialmente o arguido LC… que estava ao corrente dos dados necessários para determinar essa cessão de créditos.
(…)
O segundo ponto tem a ver com o alegado e eventual pagamento dos suprimentos da Keresley à Invesco através da transferência de 944.000.000$00 por transferência da conta titulada pela Keresley para a conta titulada pela Invesco.
É certo que se verificou este movimento financeiro/bancário:
(…)
No entanto, não foi demonstrado, de modo algum, que esta transferência visou, em parte, pagar suprimentos da Validus eventualmente adquiridos pela Kesresley à Invesco.
Por um lado, os extractos bancários não fazem qualquer referência ao pagamento de suprimentos. Por outro lado, caso este crédito (suprimentos) estivesse na Invesco, o que apenas para efeito de raciocínio se admite, facto é que nada revela que a Keresley tenha adquirido o pretenso direito de suprimentos que cedeu à SLN, Investimentos. Sendo certo que não há qualquer contrato que suporte a suposta cessão, nem há qualquer evidência de que a Invesco tenha recebido o valor de 427.270.262$00 de suprimentos que, alegadamente, em 31.05.2000, teria adquirido à SLN, SGPS, SA.
De resto, a transferência da conta titulada pela Keresley para a conta da Invesco, que o arguido LC… alvitrou como sendo aquela que respeita ao pagamento da Keresley à Invesco daqueles suprimentos, não é o montante igual ao valor dos suprimentos, sendo o montante dessa transferência 944.000.000$00 e o valor dos suprimentos 427.270.262$00.
Por fim, nada mostra que o valor dos suprimentos – 427.270.262$00 – tenha sido junto a outro ou outros montantes que, somados, perfaçam o montante global de 944.000.000$00.
(…)
Daqui resulta um cenário contratual forjado, primeiro, a nível de registos bancários e elementos contabilísticos de suporte (546 a 559)», «cenário que provocou um prejuízo patrimonial ao BPN no montante de 427.270.262$00 (570)», «foi alcançado por meio de erro ou engano astuciosamente provocado de onde resultou, além daquele prejuízo patrimonial um benefício ilegítimo para a SLN.» «E isto porque, como resulta dos factos provados (570), o contrato de pretensa aquisição de créditos à Keresley visava ocultar o financiamento que a Invesco havia realizado a 31.5.2000 à SLN SGPS, o que determinou um prejuízo ao BPN, com o saque da conta daquela, ali domiciliada, pelo valor de 427.270.262$00 – operação por transferência a débito da conta da Invesco no BPN, entretanto renomeada para Venice, e crédito da conta da SLN SGPS -, que nunca foi reembolsada», sendo que «estes factos ocorreram com a participação directa do arguido OC… e adesão plena e consciente ao estratagema pelos arguidos LC…, LM… e LAl….”

iii. Apreciando.
Em defesa da sua tese, o recorrente limita-se a aduzir que a ausência de um descritivo e de não ter sido encontrado nos autos um documento que formalizasse a cessão dos suprimentos que a Invesco detinha sobre  a Validus, para a Keresley, não autoriza que se desconsidere a existência da materialidade do movimento bancário efectuado.

iv. Sucede, todavia, que o tribunal “a quo” refere precisamente essa questão, discutindo e rebatendo a tese que o arguido agora avança.
Efectivamente, constata a existência desse movimento, bem como a ausência de qualquer documento formal de cessão de suprimentos - o que, por muito informal que fosse o tratamento em sede de entidades offshore, ultrapassa, em sede de regras de experiência comum, o entendimento de como seria possível fazer prova de tal transmissão, em termos legais e que se mostra em desacordo com a formalização da cessão de suprimentos realizada posteriormente, no negócio da nova Validus – e constata ainda a discrepância de valores monetários resultantes de tal putativa transmissão, face ao quantitativo alegadamente relativo a “suprimentos” (mais do dobro do que a esse título seria “devido”), que resulta da mera análise dos fluxos financeiros efectivamente realizados.
O que daqui decorre é que, relativamente a tal debate, o arguido mostrou-se incapaz de proceder à sua contra-argumentação, a rebatê-la, nada aduzindo em seu contraponto.

v. Por seu turno, a palavra prejuízo mostra-se aqui usada no seu sentido corrente, comum, não jurídico (prejuízo é comumente utilizado para expressar a perda de algo, uma diminuição patrimonial), sendo certo que se mostra explicado pelo tribunal “a quo” porque razão entendeu que tal perda ocorria. Assim, não se vislumbra aqui qualquer impedimento à utilização de tal palavra.
 
 vi. Temos, pois, que nesta sede, mais uma vez o recorrente não conseguiu apresentar argumentos que demonstrassem a existência de um erro de apreciação, que impusesse uma alteração da factualidade dada como assente, razão pela qual improcede o por si peticionado.

28. Pontos 574 a 667 da matéria julgada provada da pronúncia:

i. Ponto prévio:
No que se reporta à questão da apreciação das declarações prestadas pelo arguido RO…, como já supra referimos, o tribunal “a quo” entendeu proceder à valorização das mesmas na parte em que não desfavorecessem os restantes arguidos. O recorrente afirma que tal não sucedeu.
O conteúdo das declarações prestadas pelo arguido RO…, na parte relativa a esta factualidade, é matéria que é infra apreciada, em sede do recurso que o MºPº interpôs (vide HC.) e, como se constata pela sua leitura, entendeu este tribunal, na reapreciação que realizou, que as mesmas não se mostravam credíveis.
Assim e nesta parte, fica parcialmente prejudicado o aqui alegado pelo arguido JO…, uma vez que partia do pressuposto de que se manteria a credibilidade dada a tais declarações.
O que daqui decorre é, por isso, simples:
Na reapreciação que aqui e agora se realizará e que abranja a actividade do arguido recorrente JO…, verificar-se-á se, para efeitos de formação da sua convicção, o tribunal “a quo” atendeu às declarações prestadas pelo arguido RO… ou não.
Se o fez, reapreciar-se-á; se o não fez e se for esse apenas o fundamento de discórdia apresentado pelo recorrente nesta sede, não haverá lugar a reapreciação, por ausência de base argumentativa.
No restante, proceder-se-á à análise, de acordo com os fundamentos que o arguido recorrente invoque.

ii. Apreciando.
No que se refere à reapreciação relativa ao ponto 581), já houve decisão quanto à mesma (vide ponto 13 supra).

iii. Ponto 620) da matéria de facto: Assim, no intervalo de tempo decorrido entre 15-12-2000 e 31-12-2001, a sociedade ASTROIMÓVEL foi valorizada em € 7.552.588,00, em prejuízo do fundo IMOGLOBAL. (como se verá da análise realizada em sede do recurso interposto pelo arguido RO…, esse ponto foi alterado, tendo sido rectificada a data de 15.12.2000 para 13.12.2000).
Afirma o recorrente que não se mostra demonstrado que o arguido soubesse de tal sobrevalorização, uma vez que a mesma terá sido determinada pela administração da Astroimóvel, da qual não fazia parte.

a. Salvo o devido respeito, não lhe assiste qualquer razão.
O arguido parece esquecer-se de alguns pequenos pormenores:
Em primeiro lugar, a sociedade Astroimóvel foi comprada em Dezembro de 2000, pelo montante total de € 11.447.412,19. Quem adquiriu essa sociedade foram a Kinasol e a Oardale, sendo certo que ambas as offshore foram integralmente financiadas para suportar os custos desta operação por débitos a descoberto das suas contas respectivas no BPN Cayman.
Estes descobertos tiveram de ser autorizados, tendo tal pedido sido formulado pela arguida IC… e ratificado pelo arguido JO….

b. Daqui decorre, desde logo, que este tinha pleno conhecimento do valor de aquisição desta sociedade, à data em que foi adquirida e passou a ser detida por pelo menos uma offshore, a Kinasol (em 65%), que pertencia ao Grupo a que presidia (vide questão da Oardale, reapreciada em sede do recurso interposto pelo MºPº em relação ao arguido RO…).

c. Posteriormente, esta mesma sociedade Astroimóvel foi vendida, pela Kinasol e pela Oardale, ao fundo Imoglobal, fundo este pertencente ao Grupo SLN/BPN.

d. O pagamento do valor desta transacção foi de € 19 milhões de euros e ocorreu cerca de um ano depois da primeira aquisição.
A criação daquele Fundo, bem como a autorização para o dispêndio daquela quantia naquela aquisição, passaram forçosamente pelo crivo do presidente do Grupo, uma vez que o financiamento do fundo dependia do dito Grupo.

e. Assim, e salvo o devido respeito, não se vislumbra como é que o arguido pode invocar desconhecimento dos quantitativos envolvidos nas diversas transacções havidas e desconhecimento da sobrevalorização realizada.
Na verdade, sabendo quanto financiamento foi necessário para cada uma das transacções realizadas e qual o único bem que constituía o património da Astroimóvel, ainda que estivesse muito distraído, o mero quantitativo da valorização (cerca de 8 milhões de euros, no período de um ano) determinaria que qualquer pessoa com funções de gestão tivesse de perguntar e averiguar as razões que a determinavam.

f. Inexistindo (como o tribunal explica) qualquer razão que justifique tal valorização, resta concluir que se tratou de uma sobrevalorização, querida e alcançada pelo arguido JO….

iv. No que concerne aos pontos 645) a 647):
645) Por outro lado, a mesma encenação contratual, montada pelos arguidos OC…, LC…, IC…, FS…, LM… e LAl…, gerou um prejuízo para a SLN IMOBILIÁRIA;
646) No que se refere à SLN IMOBILIÁRIA, porque vendeu à SLN INVESTIMENTOS a antiga sociedade VALIDUS e créditos sobre a mesma pelo preço de 1.084.000.000$00, enquanto as novas sociedades, saídas da cisão, foram vendidas/transmitidas pelo valor total de 2.327.382.255$00, assim discriminado:
- a “Quinta da Torre de Santo António-Sociedade Imobiliária, SA” é vendida ao BPN Vida por PTE 1.600.000.000$00;
- a nova sociedade VALIDUS é transmitida à GROUNDSEL por PTE 727.382.255$00; (vide, neste ponto, a alteração realizada em sede do recurso interposto pelo MºPº em relação ao arguido RO…, em que neste negócio se substituiu “transmitida” por “vendida”, sendo certo que tal alteração não tem qualquer repercussão em sede do presente recurso, uma vez que em nada altera o decidido quanto ao arguido JO…),
647) Os arguidos identificados no facto 646), entre os dias 28 de Dezembro de 2000 e 29 de Dezembro de 2000, valorizaram o património da VALIDUS, sociedade inicialmente existente, de 1.084.000.000$00 para 2.327.382.255$00, com prejuízo para a SLN Imobiliária;

a. Entende o arguido que a matéria de facto aí constante deve ser julgada como não provada quanto a qualquer prejuízo alegadamente decorrente da operação, para a SLN Imobiliária, dando-se ainda como não provado que foi essa a intenção dos arguidos.

b. A tese do arguido funda-se, essencialmente, na alegação de que, pertencendo a SLN Imobiliária e a SLN Investimentos ao mesmo Grupo, as transacções entre ambas ocorridas não importam prejuízo.

c. Discorda-se frontalmente de tal tese, sendo certo que debalde procurámos, no recurso do arguido, a indicação de quaisquer normas jurídicas que a suportem.
Uma sociedade é uma sociedade, ainda que se mostre inserida num determinado grupo societário. Tem contabilidade própria, gere o património que lhe pertence e desenvolve a sua actividade em autonomia, o que significa que suporta custos próprios, que têm de ser financiados pelos ganhos decorrentes dos propósitos que se incluem no seu objecto social e que lhe cumpre prosseguir.

d. Ora, no caso, se comprovadamente (e neste ponto, o arguido nada impugna) a SLN Imobiliária, quando vende a Validus à SLN Investimentos, a valoriza em 1.084.000.000$00 (que foi o preço da venda) e esta, por sua vez, limita-se a dividir o património dessa sociedade em duas e vende as mesmas pelo valor total de 2.327.382.255$00, sendo que essas operações – venda à SLN Investimentos, posterior cisão e venda das duas novas sociedades: a nova Validus e Quinta da Torre de Stº António – decorreram no período de dois dias (28 e 29 de Dezembro de 2000), há que concluir que a SLN Imobiliária teve, de facto, o prejuízo correspondente (2.327.382.255$00-1.084.000.000$00=1.243.382.255$00).

e. E uma vez que tudo isto se passou naquele mais que exíguo espaço temporal – de um dia para o outro – é absolutamente indiferente apurar se o projecto de cisão já vinha pensado há dias, meses ou anos, se havia isenção de sisa ou não, se houve autorizações de registo ou o que é que a SLN Investimento tencionava fazer com a Quinta da Torre de Stº António, porque forçosamente, em 24 horas, nada sucedeu (nem o arguido o invoca) que justifique a dramática alteração de valor do mesmíssimo acervo patrimonial (apenas dividido em dois – duas sociedades).
 
f. Para além do mais (como adiante melhor se explicará, em sede da apreciação do recurso interposto pelo MºPº em relação ao arguido RO…), quer na aquisição inicial da Astroimóvel, quer na sua venda inflacionada ao fundo Imoglobal, o Grupo SLN/BPN suportou 35% de todo esse negócio a favor de alguém que não pertencia a esse Grupo, a um terceiro, isto é, ao arguido RO….
Na verdade, foi o Grupo quem suportou o custo de aquisição de 35% das acções da Astroimóvel por este arguido bem como, quando se procedeu à venda ao Fundo Imoglobal, suportou os 35% de “mais-valias” que este recebeu. Assim, quanto mais não fosse por força desta factualidade, o prejuízo seria sempre real e efectivo.

g. Assim, o que decorre da reapreciação realizada é que se mostra por demonstrar que a factualidade vertida em tais pontos factuais foi erradamente apurada, o que determina a improcedência das alterações que o arguido propõe.

29. Ponto 744 da matéria julgada provada da pronúncia:
O recorrente entende que a matéria factual aí constante deve ser dada como não provada na parte em que se lê: “Tais facturas não correspondiam a serviços efectivamente prestados”.     

i. O ponto 744 tem a seguinte redacção:
744) Tais facturas não correspondiam a serviços efectivamente prestados, tendo os arguidos feito produzir as mesmas com um montante total, sem IVA, de 426.965,00 €, correspondente ao montante sacado sobre a conta da JARED no Banco Insular;

ii. Os fundamentos em que o recorrente assenta a sua discórdia resumem-se aos depoimentos prestados pelas testemunhas AFo… e MFe….
Vejamos então se o tribunal “a quo” atendeu ou não ao depoimento por estas testemunhas prestado e qual a correlação que fez entre o seu teor e o restante acervo probatório.

iii. Em sede de motivação, deixou o tribunal “a quo” exarado o seguinte:
Prosseguindo com a factualidade da pronúncia, façamos a análise crítica dos arts. 785º a 804º (“pagamento com origem na conta da Jared”).
 «Uma vez constituída a Labicer, os arguidos OC… e TR… acordaram que este negociasse a aquisição de prédios destinados a serem comprados pela Labicer, a fim de neles se construir e instalar a sua unidade industrial.
«Como se verá, os preços reais de aquisição dos prédios (terrenos) foram superiores aos declarados nas respectivas escrituras (arts. 785º a 788º; v. factos provados 733 a 736 e facto não provado 255).
(…)
«Com vista à disponibilização de fundos a despender no âmbito de tais negociações, o arguido deu as seguintes ordens de transferência da conta da Labicer, no BPN, S.A., para a sua conta pessoal no BPN, cujos montantes se destinaram a pagar o preço dos prédios para a construção das instalações industriais da LABICER: de 18.09.2001 a 28.12.2001 - 30.000.000$00 + € 5.000.000$00 + € 7.000.000$00 + 5.000.000$00 + 1.500.000$00 + 5.000.000$00 + 8.000.000$00 + 6.000.000$00 + 5.000.000$00 + 4.500.000$00, num total de 77.000.000$00 e que corresponde a € 384.074,38; e, em 04.03.2002, € 188.825,62. 
«O valor global destas transferências perfaz, pois, o montante de € 572.900,00 (art. 789º da pronúncia; v. facto provado 737 e facto não provado 256 quanto à data que consta daquele facto da pronúncia):
(…)
 «Resulta do exposto supra que, deste valor, a Labicer pagou directamente aos vendedores de dois terrenos (os lotes designados 35 e 36 no referido mapa), o montante de € 34.852,00 € (€ 11.807,00 + € 23.045,00), conforme cheques que, então, emitiu (os supra identificados). 
«Esse pagamento resulta, igualmente, do extracto de conta da Labicer:
 (…)
«Na eminência da outorga daquelas escrituras verificava-se, pois, que o arguido TR… tinha despendido ou despenderia € 945.984,76 (€ 980.836,76 – € 34.852,00) e tinha recebido da Labicer, adiantados, € 529.019,76 (€ 572.900,00 – € 43.880,24), restando-lhe, assim, receber € 416.965,00.  
 «Daí que TR… tenha informado por fax, em 17.03.2003, o arguido OC… da quantia que lhe faltava receber, fax esse do qual foi dado conhecimento aos arguidos LA… e RC…: 
- Apenso temático AJ, fls. 29 e 30, págs. 30 e 31 pdf – 31.12.2002 – fax da DEEF, com texto manuscrito de MMo…, que anexa declaração-minuta para o arguido TR… relativa ao pagamento que este fez dos terrenos, da alteração dos terrenos e com nota que despendeu € 934.800,00, valor superior àquele que a Labicer lhe disponibilizou (€ 572.900,00);
  Essa declaração foi assinada, na mesma data, pelo arguido TR… (v. fls. 31, pág. 32 pdf do mesmo apenso). 
«Com importância, assinala-se que do identificado mapa (v. apenso temático P, vol. 10, fls. 34, pág. 36 pdf) elaborado pela testemunha MJo… (directora de contabilidade do BPN), consta: “o diferencial entre o valor real dos terrenos e o valor escriturado foi regularizado com as facturas do BPN nºs 2160 e 2161” (bold nosso).
«Esse diferencial, como foi explicado, corresponde ao montante de € 416.965,00.  
- Apenso de busca 18 (efectuada na residência do arguido de LA…), doc.7, págs. 562 e 568 – 17.03.2003 - Fax do arguido TR… dirigido ao arguido OC…, com conhecimento aos arguidos LA… e RC…, no qual o arguido TR… refere as quantias que já despendeu e as quantias que recebeu ficando a faltar a quantia de € 416.965, ou citando “para poder concretizar a escritura dos terrenos descritos ser disponibilizado o diferencial entre o valor total e o já despendido ou seja (989.865,00 – 572.900,00 Euros) = 416.965,00 Euros”;  
- Processo, vol.107.2, fls. 34.997 a 34.999, págs. 77 a 79 – 31.05.2012 – informação da PT nos termos da qual o n.º 225432798 (n.º que consta do fax mencionado como sendo do arguido RC…) teve por data de início de facturação o dia 23.04.2003;  
- Apenso F, fls. 216, pág. 217 pdf – demonstração de resultados da sociedade offshore Jared - tem como custo o pagamento de € 426.965,00 à Labicer por conta do arguido TR…; 
«“En passant”, recorde-se que a Jared servia de “central de custos” ou “saco azul” do grupo SLN/BPN. 
- Processo, vol. 158, fls.48700, fls. 48700, pág. 184 pdf (documento junto pela defesa do arguido em sede de julgamento) – 03.04.2003 – Nota de crédito do Banif da quantia de € 426.965,00 na conta do arguido TR… com parte manuscrita do seguinte teor:
LABICER – Pagamentos Terrenos – (Extra) 
416.965,00 - deveria ter sido 
426.965,00 – Pagaram
10.000,00 - Troco para pagamento p/conta dos juros que eu suportei” 
 «Ora, para pagamento da diferença dos preços pagos directamente pelo arguido TR… e os valores que este recebeu da Labicer, o arguido OC…, com a colaboração do arguido FS…, em 01.04.2003, ou seja, dois dias antes da outorga das primeiras escrituras de compra e venda de terrenos destinados às instalações da Labicer, deu instruções para a movimentação a débito da conta da Jared no Banco Insular n.º … do balcão 2000, pelo montante de € 426.965,00.
«Este montante foi transferido para a conta do arguido TR…, no Banif (arts. 790º a 793º da pronúncia; v. factos provados 738 a 741):  
- Apenso temático AJ, fls. 49, pág. 50 pdf – nota de lançamento na conta da Jared do débito de € 426.965,00; 
- CD, vol. 13 - movimento a débito no indicado valor – (sublinhado amarelo nosso):
 
- Apenso temático AJ, fls. 50, pág. 51 pdf – 01.04.2003 – E-mail de AJo… para LRe… pedindo a transferência de € 426.965,00 para a conta de TR… no BANIF; 
- Apenso bancário 39, fls. 4, pág. 5 pdf – conta titulada pelo arguido TR… no Banif - 3.04.2003 – movimento a crédito de € 426.965,00, que cobriu o descoberto de € 112.692,90 e permitiu o pagamento dos terrenos aos vendedores (v. fls. 4 e 4 vº, 24 e 25, 27 e 28, 29 e 30);
 «Porque relevante, refira-se que a conta do arguido TR… no Banif só esteve a descoberto 1 dia e não evidencia qualquer cobrança de juros pelo descoberto, muito menos no valor de € 10.000,00.
«Ou seja, o arguido apropriou-se deste montante. 
«Todavia, o arguido OC… entendeu que a Labicer devia suportar também aquele custo de € 426.965,00 e, por isso, ele, o arguido FS… e o arguido TR… conceberam uma forma de forjar uma justificação para a Labicer proceder ao pagamento daquele montante. 
«E, assim, o BPN emitiu duas facturas com os n.ºs 2160 e 2161, ambas com data de 28.03.2003, e com os descritivos “assessoria no desenvolvimento técnico do projecto da nova unidade de produção cerâmica, conforme contrato oportunamente celebrado” e “assessoria e acompanhamento jurídico no desenvolvimento do projecto da nova unidade de produção de cerâmica, conforme contrato oportunamente celebrado”, no valor global de € 426.965,00, sem IVA.
«Estas facturas foram dirigidas à Labicer por fax de 01.04.2003.
 «É óbvio que estas facturas são forjadas.
«Desde logo, pela coincidência de valores entre o que o BPN pagou, através da Jared, e o pagamento que estava a solicitar à Labicer.
«Depois, pela circunstância de não ter sido outorgado nenhum dos contratos de assessoria a que as mesmas se referem.
«Por fim, caso estas quantias fossem efectivamente devidas pela Labicer por causa de serviços prestados, não havia qualquer justificativo para a Jared ter transferido igual valor para a conta do arguido TR…. 
«Importância, neste âmbito, têm também as declarações das testemunhas que serão referidas infra e que solidificam/sustentam a ausência de qualquer justificativo para emissão de facturas de serviços alegadamente prestados pelo grupo SLN/BPN à Labicer.
 «Desde já, assumem relevo os seguintes elementos probatórios documentais:
 Apenso temático AJ, fls. 35 e 36, págs. 36 e 37 pdf - 28.03.2003 - facturas do BPN n.ºs 2160 e 2161, no valor global de € 426.965,00, s/IVA - fax de 01.04.2003;
 «Note-se no pormenor que consta da factura n.º 2161: “despesas pagas com autenticação - € 6.965,00” que permitiu o “arredondamento” para o valor exacto pretendido. 
- Apenso de busca 18 (busca na residência do arguido LA…), doc.7, págs. 527 e 528 – 28.03.2003 - As facturas n.ºs 2160 e 2161 do BPN com anotações manuscritas “terrenos e aumento do capital”, as quais evidenciam, em pé de página e às avessas, elementos dos quais resulta que foram enviadas por fax do BPN – Presidente; 
- Processo, vol. 15, fls. 5906, pág. 5 pdf – informações prestadas por LP… a solicitação do inspector ASl… “a ordem para a emissão das facturas veio de instâncias superiores” “não existe qualquer contrato de assessoria técnica”; 
- Processo, vol.16, fls. 6485, pág. 235 - Resposta do BPN sobre as facturas n.ºs 2160 e 2161 e contratos que elas mencionam, a qual refere: “Não foi localizado, nos serviços que efectuaram as operativas, qualquer documento, instrução ou contrato que os mandou emitir”;
(…)
«A nível da prova testemunhal, são relevantes as seguintes declarações:
 «MFe… (Foi administrador da Labicer no processo de criação da empresa e, passado 1 ou 2 anos saiu do Conselho de Administração. Foi administrador no início da Labicer até cerca de 1 ano depois):
 A escolha, compra e pagamento dos terrenos foi um processo conduzido exclusivamente por TR…, que ia dando conta dos avanços das negociações.
 Relativamente às farturas, referiu que quando havia a necessidade de se proceder a algum pagamento, havia uma ficha da sua direcção que era enviada para a contabilidade.
 Confrontado com as farturas constantes do anexo AJ, pág. 36, explicou que não conhecia as facturas e tem a certeza que elas não saíram da sua direcção.
 (…)
«MJo… (trabalhou na Labicer desde a sua fundação (2001) até 18.10.2013. Durante este tempo sempre foi directora financeira e responsável pelas contas da empresa (TOC). Todas as questões contabilísticas da empresa passavam por si.).
Quanto à compra dos terrenos:
 Explicou que TR… tinha “carta branca” para negociar a compra dos terrenos (chegou a haver procuração com plenos poderes para ele comprar os terrenos).
 Recorda-se de ter havido várias transferências do BPN para a Labicer e depois desta para TR… para ele poder negociar os terrenos.
Ouviu falar de pagamentos por fora relativamente às escrituras, muito mais tarde (2009).
Nunca ouviu falar disso aquando das escrituras e das negociações.
Nunca lhe foi apresentado o valor de € 934.800,00.
O imobilizado corpóreo ficou sempre pelo valor próximo dos 570 mil euros.
Quanto aos faxes (facturas 2160 e 2161):
Sabe que que o indicativo 289 é do Algarve, sendo que o LA… trabalhava na Marina de Albufeira.
O indicativo 22 é do Porto e RC… trabalhava no Porto.
Relativamente ao documento constante do apenso P, vol. 10, pág. 36, explicou:
Não se recorda do documento em si, recorda-se da situação.
Havia uma diferença entre o valor escriturado e o valor pago aos vendedores.
Considerando que houve pagamentos suplementares aos vendedores, para regularizar este valor, foram emitidas estas facturas (2160 e 2161).
 Recorda-se de umas facturas que vieram do BPN por fax, sendo que os originais nunca foram remetidos.
 A propósito disso, referiu que havia documentos que não passavam pelo departamento financeiro, iam direitamente para a administração que tratava deles e depois mandava “para dentro para eles contabilizarem”.
No que concerne a outros documentos:
- apenso AJ págs. 41, 39 (o último está assinado por TR… e LA…).; busca 18, doc. 7, pág. 526 pdf:
Este layout era típico do seu departamento.
Esta tramitação de pagamentos “na hora” não era normal.
Isto foi um caso excepcional.
 As facturas fazem referência a “contrato oportunamente celebrado” mas, pessoalmente, não conhece nenhum contrato.
As facturas necessitam da documentação de suporte, porém, não a conhece.
Era da responsabilidade do departamento financeiro ter a documentação de suporte.
À partida o IVA destas facturas foi deduzido.
A Labicer beneficiou do crédito do IVA pago naquelas facturas.
Mais esclareceu, relativamente às facturas:
Pediu os elementos de suporte à administração das facturas 2160 e 2161, mas nunca lhe deram.
Admitiu, em julgamento, que pudessem ser confidenciais.
Perguntada, respondeu que tinha acordo de confidencialidade com a empresa Labicer durante 20 anos, não encontra explicação para o facto de, como directora financeira, não lhe terem dado esses elementos, caso existissem.
 Já na parte final da sua inquirição, mudou um pouco a sua versão, referindo que não se lembra se pediu ou não à administração os documentos de suporte das facturas, esclarecendo que esse seria o comportamento normal a adoptar por si.
Referiu ainda que a situação daquelas facturas foi “especial” porque veio por fax e foram logo pagas.
«LP… (foi presidente do Conselho de Administração da Labicer entre 3.4.2009 e 30.11.2011):
Explicou que foi para a Labicer com 3 objectivos específicos que lhe foram definidos:
1) Apurar tudo o que se tinha passado desde a sua constituição;
2) Tomar medidas de gestão para a empresa a nível operacional ser viável do ponto de vista económico/financeiro;
3) Se viável, vender a empresa;
Quanto aos terrenos adquiridos para a construção da unidade fabril apurou:
 Foram entregues € 572.900,00 a TR… para ele, a título particular, começar a comprar terrenos numa determinada zona, na expectativa de que a Câmara autorizasse a instalação nesses terrenos da unidade fabril.
 Da conta da Labicer, após a sua constituição, foram retiradas várias verbas para a conta de TR… que perfazem aquele montante.
Confirmou as contas de TR… quanto aos 416.965 euros, face aos registos constantes da empresa.
 Mais referiu que, do ponto de vista jurídico e contabilístico, a Labicer apenas pode registar na contabilidade aquilo que está na escritura.
Alguém teve que suportar o diferencial entre o valor das escrituras e valor real pago, mas não sabe quem foi.
No que concerne às facturas 2160 e 2161:
Mais explicou:
Estas facturas apareceram inicialmente por fax enviados pela administração do BPN na Avenida da República.
Na sequência da recepção por fax, TR…, no mesmo dia, emitiu uma ordem de transferência para pagamento das facturas, que ele próprio assinou, e mandou por fax para a Marina de Albufeira onde estava LA…. Este assina e devolve o fax no mesmo. Ainda no mesmo dia, TR… envia um fax o FS…, com conhecimento a LA… e RC…, que, pelo conteúdo, indica que o fax inicial foi enviado por FS….
 Especificou ainda que MJo… o informou que os três “vistos”/”certos” manuscritos é a confirmação típica de TR… de que enviou o fax a 3 pessoas.
 «AFo… (Na Socerfin era o director de assuntos jurídicos e contencioso, funções que manteve no banco até ser nomeado administrador em 2003. Foi administrador do BPN, S.A., desde 2003 até 24.6.2008. Tinha o pelouro da direcção de assuntos jurídicos e contencioso e recuperação de crédito):
Quanto às facturas 2160 e 2161 pronunciou-se no seguinte sentido:
 Neste caso, da Labicer, da facturação de serviços jurídicos prestados, MMo… disse à testemunha que isso foi feito a pedido do Presidente do BPN.
 A sua direcção não elaborava facturas autónomas de serviços jurídicos prestados. Os serviços jurídicos eram incluídos nos serviços económico-financeiros.
As facturas em questão foram emitidas pela contabilidade e a decisão de facturar foi do Presidente (OC…).
 O descritivo de uma das facturas não é o mais exacto (a empresa Labicer já estava constituída, o que precisava era de operar, a análise foi essencialmente técnica; a assessoria jurídica foi essencialmente a nível de negociações com os italianos).
 Não foi a testemunha que determinou que a facturação fosse feita, a descrição não se ajusta e o texto não foi indicado pela sua direcção.
As reuniões, embora penosas, não justificavam este montante de facturação.
 Também nunca indicou à contabilidade uma relação dos serviços jurídicos prestados à Labicer, tipo nota de honorários.
 Nunca faziam facturas autónomas de prestação de serviços jurídicos, esses valores eram sempre incluídos na facturação dos serviços técnicos.
Houve necessidade de recorrer a especialistas em matéria fiscal, designadamente GS… e um quadro do BCP.
No fundo, existiu uma assessoria jurídica a nível fiscal.
Não consegue quantificar o valor destes serviços.
 Por todos os serviços prestados da sua parte e da sua equipa na assessoria jurídica à Labicer e a TR…, entende que um valor de honorários de 120 mil euros seria bem pago.
 Voltou a frisar que não elaborou a factura 2161 e não deu quaisquer indicações para a sua elaboração.
 Aquela factura pelos serviços prestados pelo banco, por todos os serviços prestados a nível jurídico, 120 mil euros já era “muito bom”.
 «De toda a prova produzida, não subsistem quaisquer dúvidas, como salientado e explicado, de que as 2 facturas não correspondem a quaisquer serviços prestado à Labicer.
«(…)
 Analisemos, doravante, a factualidade das contestações conexa com a da pronúncia.
Iniciando essa abordagem pela contestação (fls. 17910 a 18110) do arguido OC…, refira-se que a matéria que àquela se refere é a que consta dos arts. 946º a 969º da contestação.
(…)
Considerando o teor da prova testemunhal elencada no âmbito do negócio “Labicer”, resulta claro que o “BPN prestou à Labicer diversos serviços, abrangendo a fase de análise de viabilidade do projecto e subsequente desenvolvimento e preparação do dossier de apresentação à API” (art. 967º da contestação; v. facto provado 66).
«Porém, isso não significa que esses serviços tivessem sido facturados à Labicer e muito menos que o tivessem sido pelas identificadas facturas n.ºs 2160 e 2161.
«Por outro lado, não se viu qualquer prova do que é alegado na 2ª parte do art. 967º da contestação (v. facto não provado 179)».
 
iv. Apreciando.
O tribunal “a quo” não duvida de que o BPN prestou diversos serviços à Labicer. Todavia, isso não significa que tais serviços (que, além do mais, a testemunha melhor preparada para o fazer, afirma que já seriam muito bem pagos pelo montante de 120 mil contos) tenham efectivamente sido pagos.

v. E a razão pela qual o tribunal considerou que as duas facturas em análise neste ponto não se reportavam a qualquer pagamento deste tipo, vão muito além dos singelos meios de prova a que o arguido alude, sendo certo que, quanto a esta prova e raciocínios, não se mostram os mesmos rebatidos pelo arguido.
Referimo-nos a:
Todavia, o arguido OC… entendeu que a Labicer devia suportar também aquele custo de € 426.965,00 e, por isso, ele, o arguido FS… e o arguido TR… conceberam uma forma de forjar uma justificação para a Labicer proceder ao pagamento daquele montante. 
E, assim, o BPN emitiu duas facturas com os n.ºs 2160 e 2161, ambas com data de 28.03.2003, e com os descritivos “assessoria no desenvolvimento técnico do projecto da nova unidade de produção cerâmica, conforme contrato oportunamente celebrado” e “assessoria e acompanhamento jurídico no desenvolvimento do projecto da nova unidade de produção de cerâmica, conforme contrato oportunamente celebrado”, no valor global de € 426.965,00, sem IVA.
Estas facturas foram dirigidas à Labicer por fax de 01.04.2003.
«É óbvio que estas facturas são forjadas.
Desde logo, pela coincidência de valores entre o que o BPN pagou, através da Jared, e o pagamento que estava a solicitar à Labicer.
Depois, pela circunstância de não ter sido outorgado nenhum dos contratos de assessoria a que as mesmas se referem.
Por fim, caso estas quantias fossem efectivamente devidas pela Labicer por causa de serviços prestados, não havia qualquer justificativo para a Jared ter transferido igual valor para a conta do arguido TR…. 
Importância, neste âmbito, têm também as declarações das testemunhas que serão referidas infra e que solidificam/sustentam a ausência de qualquer justificativo para emissão de facturas de serviços alegadamente prestados pelo grupo SLN/BPN à Labicer.
(…)
Note-se no pormenor que consta da factura n.º 2161: “despesas pagas com autenticação - € 6.965,00” que permitiu o “arredondamento” para o valor exacto pretendido. 
(…)
- Apenso de busca 18 (busca na residência do arguido LA…), doc.7, págs. 527 e 528 – 28.03.2003 - As facturas n.ºs 2160 e 2161 do BPN com anotações manuscritas “terrenos e aumento do capital”, as quais evidenciam, em pé de página e às avessas, elementos dos quais resulta que foram enviadas por fax do BPN – Presidente; 
- (…)
- Processo, vol.16, fls. 6485, pág. 235 - Resposta do BPN sobre as facturas n.ºs 2160 e 2161 e contratos que elas mencionam, a qual refere: “Não foi localizado, nos serviços que efectuaram as operativas, qualquer documento, instrução ou contrato que os mandou emitir”;
- MFe… (Foi administrador da Labicer no processo de criação da empresa e, passado 1 ou 2 anos saiu do Conselho de Administração. Foi administrador no início da Labicer até cerca de 1 ano depois):
-  A escolha, compra e pagamento dos terrenos foi um processo conduzido exclusivamente por TR…, que ia dando conta dos avanços das negociações.
-  Relativamente às farturas, referiu que quando havia a necessidade de se proceder a algum pagamento, havia uma ficha da sua direcção que era enviada para a contabilidade.
-  Confrontado com as facturas constantes do anexo AJ, pág. 36, explicou que não conhecia as facturas e tem a certeza que elas não saíram da sua direcção.

vi. O que decorre do que se deixa dito é que os depoimentos testemunhais que o recorrente avança apenas serviram de corroboração ao que já se mostrava documentalmente comprovado. Assim, os fundamentos que aduz para demonstrar o erro que alega ter sido cometido pelo tribunal “a quo”, na apreciação desta questão, não são de molde a impor que outra convicção tivesse de ser alcançada, razão pela qual improcede o por si peticionado (veja-se ainda, a propósito da mesma questão, o que se deixa vertido infra na apreciação dos recursos interpostos pelos arguidos FS…, TR…, LA… e RC…, quanto à matéria de facto para os quais remetemos, por meras razões de economia processual).

30. Ponto 782 da matéria julgada provada da pronúncia:
Entende o recorrente que resulta da matéria de facto dada como provada nos pontos 787 a 802 uma contradição com o que se afirma neste ponto 782, sendo assim incorrecto considerar como provado que “o próprio grupo é que tinha custeado a aquisição das acções que agora pretendiam comprar”, uma vez que o que o grupo fez foi financiar o arguido TR… para poder adquirir aquelas acções da Labicer.

i. O ponto 782 tem a seguinte redacção:
No sentido de ser encontrada uma solução, os arguidos OC… e FS… contactaram então com o arguido FB…, advogado, a quem pediram que fosse montada uma entidade, no sentido de vir a adquirir as acções detidas pelo TR…, apesar de os primeiros arguidos saberem que o próprio grupo é que tinha custeado a aquisição das acções que agora pretendiam comprar;

ii. O aí vertido reporta-se ao final do ano de 2006, quando o arguido OC… se incompatibilizou com o arguido TR… e, nessa sequência foi à procura de uma solução para o afastar definitivamente da titularidade do capital social da LABICER; isto é, deixar de ser este arguido detentor de acções desta sociedade (780)).

iii. Tais 2.350.000 acções, embora detidas pelo arguido TR…, haviam sido adquiridas sem que este tivesse realizado qualquer investimento financeiro pessoal, tendo recebido um total de 2.350.000,00 € a título de crédito concedido pelo BPN (781).

iv. E, posteriormente, não só o arguido TR… não fez qualquer esforço financeiro próprio para as pagar, como a verdade é que a aquisição dessas suas acções acaba por determinar novo dispêndio de fundos por parte do Grupo SLN/BPN (vide factos provados 782 a 829).

v. Não se vislumbra, assim, nessa matéria, qualquer erro ou vício, pelo que improcede o pelo arguido peticionado.

31. Pontos 803 e 804 e 6 a 26 da contestação do arguido FN…/pontos 806 e 807 da matéria julgada provada da pronúncia, bem como entre a fundamentação de fls. 1285 na parte em que se afirma que a Labicer estava, à data do acordo, votada ao insucesso e os pontos 19 a 26 da mesma contestação:

i. Esses pontos têm a seguinte redacção:
803)Assim, na data de 5 de Janeiro de 2007, veio a ser celebrado “um contrato de regularização de dívidas, compra e venda de acções e suprimentos”, entre o arguido TR… e as suas sociedades Tecpor e Reverse, por um lado, e o BPN, S.A. e o BPN Cayman, por outro lado, tendo ainda intervenção o Fundo “BPN Valorização Patrimonial” e a ETRAPANOB SGPS Lda;
804)Os arguidos OC… e FS… fizeram então constar do referido acordo que o arguido TR… e suas empresas tinham os seguintes activos:
- o TR… a titularidade de 2.350.000 acções da LABICER, 250.000 acções da QUIMICERAM e 87.500 acções da VALORCERAM, sendo ainda detentor de suprimentos no montante de 224.442,92€ sobre a QUIMICERAM, referindo ainda ser titular do capital de uma sociedade de direito italiana denominada LABICER.COM SRL.
- a Tecpor um prédio urbano em Bustos (Conserv. Registo Predial de Oliveira do Bairro, sob a descrição 3.109, estando inscrito na matriz predial urbana com o artigo 1697), um predito rústico em Vale de Cucos (Conserv. Registo Predial de Oliveira do Bairro, sob a descrição 3.015, estando inscrito na matriz predial rústica com o artigo 421) e outro prédio rústico em Vale de Cuques (Conserv. Registo Predial de Oliveira do Bairro sob a descrição 1.828, estando inscrito na matriz predial rústica com o artigo 399), denominados contratualmente como Imóveis TECPOR;
- a Reverse um imóvel em Vale de Cuques, Oliveira do Bairro, (inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1488);
806) No entanto, os arguidos OC… e FS… visavam apenas colocar na ETRAPANOB as acções da LABICER, que se encontravam na esfera do arguido TR…, aceitando conferir a este uma vantagem patrimonial no montante de dois milhões de euros e considerar liquidadas as dívidas do mesmo pelos créditos concedidos no âmbito do universo BPN;
807)Para tal, os arguidos OC…, FS… e TR… acertaram os valores dos activos identificados, fazendo coincidir os valores dos mesmos com os valores em dívida e com a vantagem que aqueles pretendiam conferir ao arguido TR…;
6) Em Novembro de 2006, foi solicitada ao arguido FN…, pelo arguido FS…, a prestação de serviços jurídicos para proceder à formalização, em conjunto com o advogado nomeado pelo arguido TR…, Dr.º MLe…, do acordo mediante o qual o co-arguido TR… transmitia para compradores a sua participação social na Labicer, na Quimiceram e na Valorceram e também na sociedade de direito italiano Labicer.com, bem como os imóveis detidos pelas sociedades Tecpor e Reverse, mediante um acordo de regularização de dívidas ao BPN, ao Banco Insular e ao BPN Cayman, e ao pagamento suplementar de € 2.000.000,00;
7) Todo o negócio foi concebido e gizado sem a intervenção do arguido FN…;
8) Os elementos essenciais do contrato foram negociados entre as partes envolvidas;
9) A intervenção do arguido FN… limitou-se à formalização dos instrumentos jurídicos no sentido da concretização do acordo negociado entre as partes envolvidas;
10)Tendo-lhe sido encomendada a elaboração da minuta do contrato de regularização de dívidas, compra e venda de acções e cessão de suprimentos e a organização de duas escrituras, uma de dação em cumprimento e outra de compra e venda de imóvel;
11)Bem como, em Dezembro de 2006, a criação de uma sociedade para detenção das participações na Labicer – a Etrapanob, SGPS, Ld.ª;
12) Para tanto que acertar os respectivos termos com o Dr.º LS…, nomeadamente no que respeita à forma e tempo de pagamento de € 2.000.000,00 e à garantia de pagamento da segunda prestação do preço;
13) No que respeita à contrapartida pela transmissão dos imóveis da Tecpor para o BPN, o arguido foi alheio à respectiva avaliação, bem como à determinação do valor atribuído aos mesmos em sede de dação em cumprimento, os quais se encontravam fixados;
14) Do mesmo modo, foi alheio à avaliação das acções da Labicer para efeitos da respectiva aquisição pela Etrapanob;
15) Pelo acordo de regularização de dívidas foram transmitidos ao BPN:
a) prédio rústico sito em Barreira, freguesia de Bustos, concelho de Oliveira do Bairro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira do Bairro sob o número 1.828, da referida freguesia, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 399; e
b) prédio rústico sito em Barreira, freguesia de Bustos, concelho de Oliveira do Bairro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira do Bairro sob o número 3015, da referida freguesia, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 421º;
16) No que respeita aos valores dos restantes activos, os mesmos foram fornecidos ao arguido pelos seus clientes, após negociação entre as partes;
17) Até à data de celebração do contrato de regularização de dívidas (5 de Janeiro de 2007), as contas sociais da Labicer referentes ao exercício de 2006 não se encontravam terminadas e encerradas;
18) À data do acordo de regularização de dívidas, a Labicer tinha um capital social de € 16.900.000,00 e representava um investimento de € 60.000.000,00;
19) A Labicer foi constituída em 2001 e só em 2005 iniciou a produção industrial de produtos cerâmicos tradicionais de revestimento e pavimentos da linha Keramoteca;
20) Trabalhou dois projectos de investigação e desenvolvimento (Reverse e Vitrakem), para os quais foram necessários avultados investimentos;
21) Em resultado desse investimento e trabalho, a Labicer desenvolveu um processo tecnológico que, utilizando como principal matéria-prima produtos inertes reciclados da indústria cerâmica, era capaz de produzir peças de revestimento cerâmico de superfícies com a dimensão unitária (60cm x 150 cm), reduzido peso (15 kg) e espessura (7 mm);
22) A produção deste produto cerâmico (Vitrakem) só foi iniciada no primeiro semestre de 2006 e a respectiva comercialização no primeiro trimestre de 2007;
23) Para o lançamento deste novo produto, a Labicer promoveu, durante o ano de 2006, acções destinadas à divulgação e promoção do Vitrakem;
24) Em Janeiro de 2007 a Labicer estava a entrar numa fase de crescimento de vendas;
25) O valor da dívida do arguido TR… ao Banco Insular foi indicado ao arguido FN… como sendo o fixado por acordo entre mutuante e mutuário;
26) Foi introduzida no acordo de regularização de dívidas “uma condição suspensiva inicial” consubstanciada na autorização da API (actual AICEP) à compra e venda das acções da titularidade do arguido TR…;
 
ii. Alega o recorrente que existe uma contradição insanável entre os pontos 803 e 804 (factos provados provenientes da pronúncia), os factos 6 a 26 (provenientes da contestação do arguido FN… - fls. 189 a 190) e os pontos 806 (onde se lê “visaram apenas”) e 807.

iii. Salvo o devido respeito, labora o recorrente em erro de interpretação do texto.
A expressão “visavam apenas” não se refere à totalidade do acordo, mas tão-somente ao destino das acções; ou seja, a constituição da sociedade Etrapanob teve apenas em vista o recebimento das acções que pertenciam ao arguido TR….
Explicando melhor: na Etrapanob apenas visavam colocar as acções e nenhum outro património. E foi o que fizeram.
E é por isso que no texto consta “visavam apenas colocar na Etrapanob as acções da Labicer”.

iv. Afirma ainda o arguido que é igualmente contraditório julgar como provado, por um lado, que as partes negociaram os valores dos activos transmitidos pelo acordo (“8) Os elementos essenciais do contrato foram negociados entre as partes envolvidas;”), com o recurso a advogados que o formalizaram, e, por outro, que “807) Para tal, os arguidos OC…, FS… e TR… acertaram os valores dos activos identificados, fazendo coincidir os valores dos mesmos com os valores em dívida e com a vantagem que aqueles pretendiam conferir ao arguido TR…;” É que, se houve efectiva negociação, de onde decorreu uma formalização com intervenção de mandatário que envolveu a determinação da transmissão de imóveis, inclusive de uma sociedade que nada devia, a REVERSE, então é contraditório julgar como provado que “houve acerto de valores” e a determinação de “vantagem que aqueles pretendiam conferir ao arguido TR….”

v. Salvo o devido respeito, claro que não é.
O recurso a advogados prende-se essencialmente com a elaboração dos aspectos formais e legais do acordo – e é nesse sentido que o mesmo é referido neste segmento do acórdão – sendo certo que quer o arguido recorrente, quer o arguido TR… (assim como o arguido FS…), pela sua formação académica e dadas as funções de gestão que desempenhavam, à frente de grandes sociedades, tinham mais do que capacidade para realizarem as operações matemáticas que estavam na génese do que queriam que fosse contratado.
Não tinham era formação jurídica bastante e daí a necessidade de recorrerem a quem lhes formalizasse o que pretendiam realizar e lhes fornecesse os mecanismos jurídicos para que pudessem firmar, com segurança jurídica, o acordo a que chegaram.

vi. Alega ainda o recorrente que existe contradição entre a fundamentação de fls. 1285 na parte em que se afirma que a Labicer estava, à data do acordo, votada ao insucesso e os pontos 19 a 26 acima transcritos.
Salvo o devido respeito, não se vê como.

a. A única factualidade remotamente fundamentadora do que alega surge no ponto 24) acima transcrito, em que se afirma que em Janeiro de 2007 a Labicer estava a entrar numa fase de crescimento de vendas.

b. Isso não significa que não estivesse já então votada ao insucesso, isto é, tecnicamente falida.
A mera afirmação de crescimento de vendas não implica que a empresa em questão demonstre, por tal motivo, que se mostra economicamente viável, uma vez que se desconhece sequer em que consistiu tal incremento, face ao investimento e aos números anteriores de transacções.

c. Essa questão, aliás, mostra-se fundamentada exaustivamente pelo tribunal “a quo” (vide fls. 1283 e segs) e bem assimilada pelo arguido, que até transcreve um trecho elucidativo dessa mesma fundamentação:
Desta resenha, resulta que o projecto Labicer está votado ao insucesso, há muito.
E estava, igualmente, em 2007, quando foi feito o acordo de regularização de dívidas.
Nessa altura já se tinham passado vários anos sem que os problemas técnicos dos sistemas inovadores (Vitrakem e Reverse) tivessem sido resolvidos.
A cerâmica tradicional (Keromateca) nunca conseguiria dar retorno à colossal dívida da Labicer que se cifrava em montantes superiores a 60 milhões de euros.

d. Aditamos agora nós os seguintes excertos:
O grupo SLN/BPN, até então, não tinha obtido o mínimo retorno com este projecto.
As acções, no fundo, tinham valor contabilístico negativo, uma vez que a Labicer estava em falência técnica (a questão dos custos diferidos – contabilizados no activo têm por efeito que o capital apresente um valor positivo, não contabilizados como custos diferidos, no activo, o capital passa a ser negativo).
(…)
No ofício que ora se indicou, a AICEP, tendo por base as demonstrações financeiras certificadas, mediu um valor de vendas acumulado desde 1 de Janeiro de 2005 até 31 de Dezembro de 2006 que representava apenas 4% do valor contratualmente previsto.
Este valor estava, obviamente, muito distante do volume de vendas acordado:

v. Atento o exposto, constata-se inexistir qualquer contradição.

32. Ponto 808 da matéria julgada provada da pronúncia:
Alega o recorrente que existe um erro notório na apreciação da prova na parte em que se julga como provado que o valor das acções era, à data do negócio com TR…, negativo e, consequentemente, a Labicer seria uma sociedade que se encontraria em “falência técnica”, uma vez que o Tribunal “a quo” reconhece que o valor das acções que resulta, de facto, da contabilidade da Labicer era positivo.

i. O ponto 808 tem a seguinte redacção:
808) Por esse motivo, as acções da LABICER foram avaliadas a 2,60 € por acção, valor que os arguidos OC…, FS… e TR… sabiam ser desfasado com a realidade, uma vez que as acções tinham um valor contabilístico negativo e a empresa se encontrava em falência técnica, de tal forma que, cerca de um ano depois, os arguidos OC… e FS… consideraram que as acções já só valiam 1,60 € cada;

ii. O tribunal “a quo” apresentou a seguinte fundamentação a este respeito:
Ora, a contrapartida da saída do arguido TR… foi alcançada, precisamente, através da atribuição do prémio que vinha exigindo.
Como?
Pela sobrevalorização das acções da Labicer de que era titular.
Com efeito:
O arguido FS… declarou que nunca acreditou no projecto Labicer.
E, pronunciando-se sobre o valor das acções, disse, em síntese:
A empresa estava numa situação de falência técnica, ou seja, tinha capitais próprios negativos. Uma empresa com capitais próprios negativos teria um valor de acções negativo.
No fundo, havia uma expectativa de OC… em recuperar os valores investidos.
Mas também adiantou que “era uma questão de fé”.
Neste âmbito, têm também relevância as declarações das testemunhas JFr…, JLo…, FA…, MFe…, AAu…, MJo…, LJ…, RMZ…, FSo…, MS… e RPD… acima sumariadas no âmbito da motivação do negócio Labicer, que aqui se dão por reproduzidas, e bem assim as seguintes declarações das testemunhas:
CT… (Economista e administrador judicial. Licenciado em gestão de empresas. Foi administrador da insolvência da Etrapanob):
Pronunciando-se sobre o teor do documento constante do apenso temático X, fls. 198 e segs., págs. 192 e segs. pdf (acção de insolvência intentada contra a Etrapanob) referiu:
Teve acesso às contas da Labicer e face ao seu teor entende que as acções ao preço de 2,60 estavam muito sobrevalorizadas.
JCa… (Engenheiro Civil com MBA em gestão e administração de empresas. Em 1997 pertencia aos quadros da gestora de patrimónios Soserfin, - gestor de valores, depois mudou nome para BPN Gestão de Valores e depois BPN Gestão de Activos. Entrou como director e depois foi administrador a partir de Fevereiro de 1998 e até 22 de Julho de 2012):
Uma das principais funções do fundo passava por valorizar os seus activos.
Em Dezembro de 2008 o Fundo não teve a menor dúvida que o valor das acções da Labicer era 0.
Em finais de Outubro/início de Novembro de 2008 deram o benefício da dúvida e foram comparar o cenário que tinha as melhores projecções de 22.12.2008 (BDO/Banco Efisa), sendo que estes eram muito menos optimistas do que o da DFK.
O Fundo não aceitou o relatório e contas de 2007 porque tinha dúvidas quanto à valorização da linha tradicional e também quanto aos custos diferidos que em termos contabilísticos aparecem no activo no valor de 21 milhões de euros.
Posteriormente o Fundo contratou a Ernst & Young para fazer um “restatement” (reanálise das contas) que concluiu por capitais próprios negativos de 61 milhões.
Outorgou o acordo de regularização de dívidas na qualidade de gestor do Fundo.
Numa reunião consigo, LA…, OC… e FS… apresentaram-lhe os contornos deste negócio, referindo que seria vantajoso para a Labicer e permitiria o seu desbloqueamento com a saída de TR….
O valor das acções foi transmitido e não negociado pelo Fundo, mas face aos elementos que tinham da empresa não lhes repugnou nada o preço indicado no contrato que viria a ser assinado.
AJo… (à data, assessor do Conselho de Administração do BPN):
 À data do acordo de regularização de dívidas, a Labicer já tinha uma dívida de 60 milhões de euros ao BPN e nenhum retorno.
O processo experimental sempre correu mal, designadamente nos processos inovadores.
Desta resenha, resulta que o projecto Labicer esta votado ao insucesso, há muito.
E estava, igualmente, em 2007, quando foi feito o acordo de regularização de dívidas.
Nessa altura já se tinham passado vários anos sem que os problemas técnicos dos sistemas inovadores (Vitrakem e Reverse) tivessem sido resolvidos.
A cerâmica tradicional (Keromateca) nunca conseguiria dar retorno à colossal dívida da Labicer que se cifrava em montantes superiores a 60 milhões de euros.
O grupo SLN/BPN, até então, não tinha obtido o mínimo retorno com este projecto.
As acções, no fundo, tinham valor contabilístico negativo, uma vez que a Labicer estava em falência técnica (a questão dos custos diferidos – contabilizados no activo têm por efeito que o capital apresente um valor positivo, não contabilizados como custos diferidos, no activo, o capital passa a ser negativo).
É certo que, pouco mais de um ano depois, em Março de 2008, a DFK procedeu a uma avaliação da Labicer nos termos da qual foi atribuído o valor de 1,60 € por cada acção:
- Apenso temático AM, anexo 68, fls. 411 a 422, págs. 412 a 423 pdf – avaliação da DFK, de 30.03.2008, com referência a 31.12.2007;
No entanto, esta avaliação assentou em pressupostos errados e até incompletos.
Tal resulta das próprias declarações da testemunha MLa… (licenciado em gestão de empresas e que, à data, trabalhava na DFK – sociedade de revisores oficiais de contas):
Foi contactado por LA… (telefonicamente) no sentido de a DFK fazer uma avaliação da Labicer.
Na sequência disso, foi à empresa onde teve uma reunião com vários responsáveis (LA…, o director de marketing e a responsável financeiro ou de contabilidade).
O contacto foi para solicitar as contas históricas e os elementos mais recentes da contabilidade.
Os elementos documentais também lhe foram facultados por LA….
O trabalho de avaliação foi suportado por um estudo, na altura recente, económico-financeiro, para efeitos de apoios bancários. Esse estudo baseava-se em contas económico-financeiros provisionais para os anos seguintes e a estratégia da administração constante do mesmo.
A administração da Labicer tinha uma convicção relativamente ao futuro a nível de lucros e vendas.
A BDO transpôs isto para números no seu relatório de avaliação.
A DFK seguiu os termos deste relatório.
Aquando da avaliação LA… ou RC… nunca lhe disseram que o sistema Reverse já não funcionava e que o Vitrakem estava com deficiências técnicas.
Para a avaliação da empresa tomaram por base:
- a informação dos relatórios e contas históricos que analisaram;
- o estudo da BDO que analisaram e discutiram com a gestão da empresa de forma a perceber se era aquela a convicção da gestão em relação ao futuro.
E não fizeram mais nada.
Não fizeram estudo de mercado sectorial e geográfico.
Não analisaram a capacidade produtiva da empresa.
Não indagaram de eventuais deficiências técnicas dos métodos de produção ou dos produtos finais.
No fundo, não fizeram mais nada.
Os custos diferidos não têm qualquer impacto sobre o cash-flow porque, no fundo, já foram pagos.
Os custos diferidos não foram de modo nenhum tidos em consideração para a avaliação da empresa.
Os custos estavam, portanto, como activo e não como custo.
Se tivessem sido registados como custos nos anos anteriores as contas históricas seriam bastante piores.
Os custos diferidos, as normas de contabilidade internacional, só os admitem, quando os mesmos tenham um impacto positivo nos exercícios seguintes em algum aspecto.
Admitindo que os custos foram de desenvolvimento (tecnologia, patentes), esses custos iriam permitir as vendas e as projecções previstas, os mesmos podiam ser diferidos.
Continuou a relevar no mesmo campo os custos diferidos porque nos anos anteriores também foi feito assim.
A referência da avaliação a 31 de Dezembro de 2008 é um lapso, pois o que estava em causa era uma avaliação reportada a 31 de Dezembro de 2007.
O âmbito do contrato de prestações de serviços (ou seja, aquilo que foi encomendado), neste caso, foi circunscrito à avaliação com base no relatório anterior da BDO e nas informações prestadas ou fornecidas pela Labicer.
O trabalho não se debruçou, nem isso foi contratado, sobre uma auditoria às contas, logo, não confirmou se os valores constantes dos elementos contabilísticos estavam ou não correctos.
Não foi feita qualquer confirmação dos custos diferidos, quer quanto aos valores, quer quanto aos itens lá eventualmente discriminados.
Quando fez a avaliação não fez qualquer confirmação se as contas de 2007 já estavam ou não aprovadas em sede de assembleia geral.
No final, esclareceu que verificou os custos diferidos no sentido de perguntar o que lá estava incluído, embora não tivesse feito qualquer confirmação da facturação a este nível.
Em resumo, não se tratou de uma verdadeira e efectiva avaliação da Labicer.
Repete-se:
A administração da Labicer tinha uma convicção relativamente ao futuro a nível de lucros e vendas.
A BDO transpôs isto para números no seu relatório de avaliação.
A DFK seguiu os termos deste relatório.
Para a avaliação da empresa tomaram por base, tão só:
- a informação dos relatórios e contas históricos que analisaram;
- o estudo da BDO que analisaram e discutiram com a administração da Labicer de forma a perceber se era aquela a convicção da gestão em relação ao futuro.
Aliás, esta avaliação da DFK é completamente posta em causa pela análise da testemunha JCa… do BPN Gestão de Activos pela qual concluiu que as acções da Labicer, em 2007, tinham valor “zero”.
Também refere e justifica a mesma análise que “a existência de custos diferidos de 21,8 milhões de euros, onde avultavam custos pré-operativos de 17 milhões de euros, deveria ter sido deduzida à situação líquida, em face do insucesso dos processos fabris «Reverse» e «Vitrakem”.”
A propósito dos processos produtivos inovadores que também faliram, o Reverse e o Vitrakem, evidencia-se que, já em 2006, as perspectivas de êxito eram mais que sombrias porquanto eles se mostravam técnica e comercialmente inviáveis, como bem está reflectido nas actas do conselho de administração da Labicer:
- Apenso temático P, vol. 4, fls. 33 a 86, págs. 35 a 87 pdf – 02.04.2004 até 30.08.2007 - Atas do conselho de administração da Labicer relativas ao arranque de testes e produção industrial dos processos inovadores Vitrakem e Reverse e do processo tradicional Keramoteca e o evoluir dos valores de investimento;
Particularmente, conforme se regista na acta da reunião do conselho de administração de 15.06.2006 (fls. 66 a 69, págs. 68 a 71 pdf), apenas o sistema tradicional Keramoteca, que arrancou mais tarde, estava em fase de produção industrial e com uma “produtividade abaixo do normal”.
E, após sucessivas calendarizações, sempre adiadas, do início da produção a ritmo industrial dos processos ditos inovadores, a acta da reunião de 30.08.2007 (fls. 84 a 88, págs. 86 a 90 pdf) refere-se ao processo Reverse como um “processo sem progressos visíveis e propostas de produção sem valor acrescentado justificativo de produção em série” e ao processo Vitrakem como um processo “sem níveis de industrialização necessários e previstos”.
O próprio Eng.º MS… relatou a falência dos ditos processos produtivos inovadores, o Reverse e o Vitrakem:
- Apenso 33 – 12\BCS 20090104\BCS 3.bfk\Pastas\cnc\1567 Labicer\E-Solution\Vitrakem\Vitrakem final.doc – 12.12.2007 - documento elaborado por MS… (v. propriedades do documento) – Relato cronológico da implementação dos processos produtivos inovadores Vitrakem e Reverse;
De resto, é também significativo o enorme grau de incumprimento dos objectivos da Labicer definidos no contrato de investimento que celebrou com a API e que estão expressos em ofício da AICEP à Labicer:
- Apenso temático P, vol. 8, fls. 7 e 8, págs. 9 e 10 pdf – 07.11.2007 – medições efectuadas relativas ao período que vai de 1 de Janeiro de 2005 a 31 de Dezembro de 2006;
No ofício que ora se indicou, a AICEP, tendo por base as demonstrações financeiras certificadas, mediu um valor de vendas acumulado desde 1 de Janeiro de 2005 até 31 de Dezembro de 2006 que representava apenas 4% do valor contratualmente previsto.
Este valor estava, obviamente, muito distante do volume de vendas acordado:
- Apenso temático AI, fls. 63, pág. 84 pdf – 30.04.2005 – contrato de investimento outorgado entre a API/Labicer/TR… – cláusula 2.1.3 (i) - objectivos estabelecidos, designadamente quanto ao valor das vendas;
A própria crença e fé do arguido OC… no projecto estava forçosamente abalada, como se revela da carta que em 12.04.2006 enviou a Wiliam Medici da E-Solution:
- Apenso temático O, fls. 131 e 132, págs. 133 e 134;
Face ao exposto é por demais evidente a sobrevalorização das acções da Labicer.
Ora, a manifesta sobrevalorização das acções teve em vista acomodar os valores globais do acerto de contas de modo a apurar-se um saldo final a favor do arguido TR… de € 2.000.000,00.
Ou seja, o valor atribuído às  acções da Labicer foi determinado para que juntamente com o valor pago pela BPN Valorização Patrimonial pela compra das acções da Quimiceram e Valorceram (€ 337.500,00) e com o valor dos suprimentos do arguido TR… na Quimiceram (€ 224.442,92), se perfizesse o valor global de € 1.000.000,00 destinado a ser pago de imediato ao arguido, ficando o restante, € 1.000.000,00, de ser pago quando fosse autorizada a transmissão das  acções pela AICEP por força da vigência do contrato de investimento celebrado com a Labicer (arts. 859° a 863° da pronúncia; v. factos provados 806 a 810).

ii. Apreciando.
a. Se atentarmos na fundamentação realizada pelo tribunal “a quo” a propósito desta questão, constatamos que não restam quaisquer dúvidas que entendeu que o valor das acções, à data da celebração do acordo com o arguido TR…, era nulo (valor contabilístico negativo).
É isso, aliás, que a primeira parte do ponto 808 dá conta.

b. Não obstante, consignou que, cerca de um ano depois, os arguidos OC… e FS… consideraram que as acções já só valiam 1,60 € cada.
O facto de os arguidos, um ano depois, terem valorizado tais acções nesse quantitativo, não altera o facto de, à data da celebração do acordo, não ser esse o seu valor, nem, muito menos, o de € 2,60.
Uma coisa é a valorização que esses arguidos fazem dessas acções – seja nesse ano, seja em qualquer outro momento temporal - outra, bem diversa, aquilo que elas efectivamente valem, que é o que importa.

iii. Não obstante, por uma questão de simplificação na leitura da factualidade assente e porque, de facto, essa última matéria nem sequer tem qualquer relevo para a decisão da causa, entende-se que a parte final do dito ponto 808) deve ser eliminado, ao abrigo do disposto no artº 431 als. a) e b) do C.P.Penal), passando o mesmo a ter a seguinte redacção:
808) Por esse motivo, as acções da LABICER foram avaliadas a 2,60 € por acção, valor que os arguidos OC…, FS… e TR… sabiam ser desfasado com a realidade, uma vez que as acções tinham um valor contabilístico negativo e a empresa se encontrava em falência técnica.
O segmento eliminado é aditado aos factos não provados.

33. Pontos 806 a 811, 816, 817, 826, 827, 829, 830, 831 e 835 da matéria julgada provada da pronúncia e pontos 6 a 26 da matéria de facto provada relativa à contestação do arguido FN…:
Alega o recorrente que:

a. Foi dado como provado que, apesar de o arguido JO… se ter incompatibilizado com o arguido TR…, lhe conferiu uma vantagem patrimonial à custa da lesão financeira do próprio BPN, o que se mostra errado.

a. Vejamos. O acórdão explica porque razão assim sucedeu – porque o arguido TR… tinha, em grande medida, a “faca e o queijo nas mãos” (O arguido TR… tinha investido vários anos da sua vida no projecto Labicer. Pretendia-se do mesmo que simplesmente abandonasse o projecto em que tanto tinha investido. Obviamente que não o faria sem obter a devida compensação, prémio ou lucro. Ademais quando, passa-se a expressão, “tinha a faca e o queijo na mão”. Não concordando com a sua saída, o arguido OC… continuava confrontado com a indesejada permanência do arguido TR… no projecto da Labicer, bem como na titularidade do capital social desta sociedade.); isto é, se o arguido JO… o queria afastar da Labicer, teria de lhe dar uma compensação que o persuadisse a tal, designadamente a abrir mão das acções daquela empresa, que detinha.
E foi isso o que o arguido JO… fez, não porque o quisesse fazer, mas porque tal foi o meio necessário para alcançar o objectivo que pretendia.
Assim, face às regras de experiência comum, não se mostra a factualidade assente, neste segmento, insustentada, não se impondo a sua alteração.

b. No que se refere à necessidade de contratação de advogado, já acima se explicou tal questão, entendendo-se que não existe qualquer contradição no que se mostra vertido. E no que concerne aos contornos do negócio celebrado, o mesmo resultou das negociações realizadas e do resultado final que se pretendia obter, que a motivação do tribunal “a quo” explica e que se mostra de acordo com as regras de experiência comum, atento o que acaba de se deixar exarado na alínea anterior.

c. No que concerne ao ponto 808, a questão já se mostra resolvida no ponto anterior (32.), ficando assim este tema prejudicado.

d. No que concerne ao real valor das acções, tendo em atenção a data da celebração do negócio, obviamente que o seu valor teria de se reportar àquele momento e não a anos ou meses anteriores ou posteriores.
Salvo o devido respeito, nenhum dos arguidos, com as competências que têm nesta área, aceitaria estar a determinar preços de acções reportados a datas diversas do que as contemporâneas às da realização do negócio, para mais quando tinham toda a informação necessária para tal, dados os cargos de chefia que exerciam, bem como aptidão técnica para procederem a tal apuramento.
E no que concerne ao seu valor ser negativo, pese embora o arguido discorde desse entendimento, a verdade é que não rebate os elementos probatórios que o tribunal “a quo” refere, nem demonstra a insustentabilidade dos mesmos. Limita-se a querer discutir inserções contabilísticas, mas não é disso que aqui se cuida.
Do que aqui se cuida é saber:
Atento o investimento de € 60.000.000,00, a Labicer conseguiu, ao longo dos anos em que esteve em funcionamento, pagar sequer parcialmente esse financiamento? Não.
Era um sucesso de produção e de vendas? Não, uma vez que desde 1 de Janeiro de 2005 até 31 de Dezembro de 2006 não conseguiu cumprir sequer 4% do valor contratualmente previsto (objectivo que se havia proposto perante o AICEP).
À data do acordo de regularização de dívidas, a Labicer já tinha uma dívida de 60 milhões de euros ao BPN e nenhum retorno? Sim.
 A análise das contas feita pela Ernst & Young (restatement) não concluiu que a Labicer tinha capitais próprios negativos de 61 milhões? Concluiu.
A cerâmica tradicional (Keromateca) alguma vez conseguiu dar retorno à dívida da Labicer de, pelo menos, 60 milhões de euros? Não.
Os problemas técnicos dos sistemas inovadores (Vitrakem e Reverse) ao longo dos anos de laboração, alguma vez foram resolvidos? Não.

e. Tudo o que se deixa exarado resulta da prova apreciada, sendo que o recorrente se limita a contabilisticamente discordar da mesma e a apresentar uma tese que, em momento algum foi sequer aventada perante o tribunal “a quo”, uma vez que o arguido não prestou declarações. Assim, essa discórdia, o avançar dessa tese, a ausência de rebatimento da prova efectivamente produzida e discutida, impõem que outra conclusão factual se alcance? A resposta é negativa.
 
f. Do que se deixa dito, decorre, igualmente, que a peticionada alteração dos restantes pontos da matéria de facto dada como assente se não impõe, uma vez que soçobraram os argumentos através dos quais se pretendia demonstrar a inexistência de vontade de celebração do acordo de saída do arguido TR…, com vantagem patrimonial para este e em prejuízo do universo BPN, ainda que à custa da alteração dos valores dos activos envolvidos.

34. Pontos 842, 863, 864, 865, 866, 867, 868, 870, 873, 874, 875, 880, 889, 893, 941, 942 e 961 da matéria julgada provada da pronúncia:

i. Os pontos de facto que o recorrente assinala são os seguintes:
842) Importando reunir um capital de, pelo menos, 1.275.000,00 €, o arguido OC…, visando ocultar ao máximo a intervenção do BPN, incluindo em sede de financiamento da nova entidade veículo, resolveu assim, deitar mão de um ganho que havia alcançado, à custa de saques de fundos do próprio Banco Insular, ganho esse que o mesmo arguido havia colocado fora das empresas do Grupo e diluído nas contas bancárias de uma sociedade, a “Filomena Soares e Santos”, que explorava uma galeria de arte, onde o arguido procedia a compra de obras, para si próprio e para o grupo;
Financiamento à “Galeria Filomena Soares e Santos” (arts. 894° a 916°):
863) Com efeito, o arguido OC…, sabia que a origem dos fundos que transferiu para a conta da Galeria lhe poderia vir a ser censurada e o poderia fazer incorrer em responsabilidade, razão pela qual visava que os fundos transferidos para a Galeria, depois de utilizados para criar a aparência de um pagamento ao BPN e depois de recebido do BPN o dinheiro correspondente à recompra, permanecessem na Galeria, à sua disposição;
864) O que o arguido OC… visava era cortar a ligação dos referidos fundos com os factos que sabia lhe terem dado origem e que eram os que se passam a narrar;
Ganhos do arguido OC… colocados na conta da Galeria (arts. 917° a 927° a pronúncia):
865) Conforme narrado supra, o arguido OC… havia adquirido um total de 29.000.000 de acções da SLN SGPS com base em operações de apropriação de fundos que envolveram as entidades EMKA, INVESCO e ZEMIO e com base num financiamento pelo Banco FORTIS, que havia sido pago pelo saque de fundos de uma conta designada A1, junto do Banco Insular;
866) O arguido OC… sabia assim, as circunstâncias em que se tinha feito financiar para adquirir as referidas 29 milhões de acções, ao preço de 1,00 €, títulos que foi vendendo ao longo do tempo;
867) De forma a incentivar tais vendas e fazer acrescer o preço por acção, o arguido OC… concebeu uma forma de garantir um ganho a quem lhe viesse a adquirir as acções, para o que, utilizando a sua qualidade de administrador da SLN VALOR, celebrava com os referidos adquirentes de acções contratos de obrigação de recompra das acções, dentro de um determinado prazo e por um valor superior;
868)Tais contratos de opção de venda e obrigação de recompra, transformavam as aquisições de acções numa verdadeira aplicação financeira, com rentabilidade certa, permitindo, nos casos em que o vendedor era o próprio OC…, aumentar o valor unitário das acções e as mais-valias a realizar, em prejuízo da entidade do Grupo BPN que viesse a consumar a recompra;
870) Porém, tal venda de acções, tinha subjacente uma aplicação financeira, firmada a 23 de Agosto de 2005, entre JVe… e OC…, em representação da SLN Valor e com intermediação de CM…, que se traduzia na aplicação do montante de 2.300.000,00 € na compra de acções SLN SGPS, contra a obrigação de recompra, com uma rentabilidade garantida de 4,5% findo o prazo de 307 dias;
873) Tal obrigação de recompra foi sendo renovada e remetida para data futura, ao mesmo tempo que eram associadas outras tranches de acções adquiridas pelo mesmo JVe…, sendo a última renovação realizada, na pendência da administração liderada pelo Dr. C…, com o pagamento de juros ao mesmo JVe…, sendo remetida para 2010 a data do vencimento da obrigação de recompra;
874) Por esta via, o arguido OC… induzia a verificação de encargos futuros para a sociedade do Grupo SLN, que ficava obrigada a recomprar as acções, de forma a obter uma valorização para as próprias acções que detinha e aumentar os seus ganhos, à custa do grupo SLN;
875) Por via desta actuação, o arguido OC… dispunha de fundos nas suas contas, à data de Setembro de 2006, de forma a poder colocar o montante referido supra na conta da “Filomena Soares e Santos, Lda., uma vez que sabia que o mesmo poderia ser recuperado e com nova justificação, logo que o BPN procedesse à recompra dos quadros;
Recompra das obras de arte pelo BPN e o gerar de fundos disponíveis na conta da Galeria (arts. 928° a 936° da pronúncia):
880) Deste modo, com a recompra pelo BPN das obras de arte à Galeria “Filomena Soares e Santos”, os fundos inicialmente colocados nas contas da mesma com origem na conta da JARED junto do Banco Insular e com origem nas contas do arguido OC…, ficaram livres e aparentemente com uma nova justificação, tal como pretendia o arguido OC…, uma vez que, aparentemente, eram provenientes das transacções entre a Galeria e o BPN;
889)Para justificar tal permanência de fundos, o arguido OC… propôs e o MSa… aceitou, subscreverem um acordo pelo qual se estabelecia a prestação de consultadoria pelo MSa… ao arguido, no domínio da pintura e da escultura contemporânea;
893) O MSa… nunca foi informado pelo arguido OC… da origem dos fundos e da razão de ser do procedimento do mesmo arguido, aceitando o MSa… a permanência dos fundos nas contas da “Filomena Soares e Santos, Lda.” face à perspectiva de ganho possibilitada pela operação inicial, atendendo a que o grupo BPN era o seu principal cliente e pela possibilidade de dispor dos fundos para a aquisição de obras de arte;
941) Os arguidos OC… e LC… actuaram ainda com o propósito de deitarem a mão a fundos criados ou disponíveis nas instituições que geriam, como se fossem beneficiários de empréstimos, mas sem o propósito de pagar juros e amortizar as quantias recebidas, apesar de saberem que se tratava de fundos que não lhes pertenciam e que deviam actuar perante esses fundos como entidades autónomas;
942) Os arguidos OC…, LC… e FS… actuaram ainda com o propósito de forjar documentos e alterar registos contabilísticos de forma a ocultar e a justificar as suas actuações de apropriação de fundos e de obtenção de ganhos, em particular ocultando o seu benefício e a utilização de contas junto do Banco Insular e do BPN Cayman tais como as da JARED FINANCE e as da VENICE CAPITAL;
961) A interveniente “Galeria” procedeu ao prévio depósito à ordem deste Tribunal/Processo da quantia de € 1.020.870,00, encontrando-se ainda apreendido à ordem dos autos a quantia de € 388.265,80, sendo que ambas constituem vantagens obtidas pelo arguido OC… na sequência de toda conduta por si perpetrada e dos factos provados 213 a 216, 272 a 286 e 865 a 893;

ii. O tribunal “a quo” fundamentou esta factualidade nos seguintes termos:
De regresso à pronúncia, entra-se no tema “ganhos do arguido OC… colocados na conta da Galeria” (arts. 917° a 927°).
Já vimos que, entre 17.11.2003 e 21.09.2005, o arguido OC… vendeu acções da SLN, SGPS que antes subscrevera no aumento do capital social de 28.10.2000, ao preço privilegiado de € 1,00, cada uma, sem ter disposto de capital próprio, salvo numa pequena parcela.
Com isso logrou substanciais mais-valias das “singulares vendas” de acções da SLN, SGPS à Emka, à Invesco e à Zemio, realizadas nas circunstâncias atrás referidas (remete-se para os elementos probatórios então indicados e motivação desenvolvida), com o valor do empréstimo do Fortis Bank que, em grande parte (mais de € 8.000.000,00) foi pago com financiamentos do Banco Insular sob a forma de contas correntes caucionadas associadas à conta alfanumérica A1, ao quais não foram formalizados, nem garantidos, e que nunca foram pagos quer quanto ao capital mutuado, quer quantos aos respectivos juros. (arts. 917° e 918° da pronúncia; v. factos provados 865 e 866).
Entre estas vendas avulta aquela que o arguido OC…, prevalecendo-se das posições que detinha no grupo SLN/BPN, designadamente presidente do BPN, SA e presidente da SLN, SGPS e da SLN VALOR, SGPS, SA, realizou com JVe…, respeitante a 821.429 acções da SLN, SGPS, com obrigação de recompra das acções vendidas em determinado prazo, por preço igual ao preço da compra, acrescido de uma remuneração de 4,5% ao ano, deduzida de eventuais dividendos que, entretanto, fossem distribuídos (arts. 919° e 920° da pronúncia; v. factos provados 867 e 868).
Com efeito, em 23.08.2005, ou 21.09.2005 (data do lançamento na conta), o arguido OC… vendeu 821.429 acções da SLN, SGPS pelo preço unitário de € 2,80 a JVe…, tendo o produto global da venda de € 2.300.001,20 sido creditado na sua conta pessoal no BPN, S.A. (art. 921° da pronúncia; v. facto provado 869).
Esta venda tinha, pois, por base uma ajustada aplicação financeira de € 2.300.000,00 na compra de acções da SLN, SGPS contra a obrigação de recompra com rentabilidade assegurada, primeiro de 4,5% ao ano, depois, a partir de Junho de 2006, de 5% ao ano, e, a partir de Junho de 2008, de 6,25% ao ano.
Em certa medida, a aplicação configurava um depósito a prazo com determinada taxa de rentabilidade, para a qual JVe… depositou na sua conta no BPN aquele montante, que depois foi aplicado na aparente compra das 821.429 acções da SLN, SGPS que eram tituladas pelo arguido OC… (arts. 921° a 927° da pronúncia; v. factos provados 870 a 874 e facto não provado 284).
O que se acaba de afirmar resulta dos seguintes elementos de prova:
- Apenso de busca 21, doc. 7, pág. 245 pdf ou Braga 35, pág. 3 pdf – 18.07.2005 - carta de JVe… dirigida à SLN, na qual, fazendo referência a uma reunião havida com o arguido OC… e CM…, respectivamente, Presidente e Administrador da SLN, SGPS, S.A., aceita a compra das acções pelo preço de € 2.300.001,20.
A carta tem despacho manuscrito do arguido OC… do seguinte teor: “certa a operação proposta, 05.08.23”.
- Apenso de busca 7, doc. 12.05, pág. 82 pdf ou Braga 35, pág. 9 pdf – 23.08.2005 - carta do arguido OC… para JVe… na qual é assumida a obrigação de recompra das acções por preço igual ao da compra acrescido duma remuneração de 4,5% ao ano e deduzido de eventuais dividendos entretanto distribuídos;
- Apenso de busca 21, doc. 7, pág. 244 pdf ou Braga, 35, pág. 2 pdf – 26.08.2005 - E-mail de RP… para FP… (unidade de títulos), com conhecimento a AD…, para realização de operação de venda de 821.429 acções da SLN do arguido OC… a JVe… ao preço de € 1,80 cada acção (a referência a € 1.80 dever-se-á a lapso, pois o valor negociado foi € 2,803));
- Apenso de busca 21, doc. 7, pág. 243 pdf ou Braga, 35, pág. 1 pdf – 20.09.2005 - E-mail de AD… para RR… para proceder à alteração da operação anterior no que respeita ao preço unitário das acções que passa para € 2,80;
- Apenso bancário 129, fls. 3 a 66 – conta de JVe… no BPN, S.A., - extracto da conta … de 07.01.2003 a 31.12.2007 que tem a fls. 36 e 37, primeiro, em 29.08.2005, a compra de títulos por € 1.478.572,00, e, depois, em 21.09.2005, com data-valor de 29.08.2005, a anulação daquela operação e a compra de títulos por € 2.300.001,20;
Esta anulação e lançamento da nova operação, mantendo-se as datas e número de acções, visou apenas corrigir o referido erro.
- Apenso bancário 7, fls. 45, pág. 47 – conta titulada pelo arguido OC… no BPN, SA:
– 29.08.2005: movimento a crédito de € 1.478.572,20 correspondente à venda dos títulos por € 1,80 por acção;
- 21.09.2005: anulação desta operação;
- 21.09.2005: nova operação, nesta data, com o crédito de € 2.300.001,20 correspondente à venda dos títulos por € 2,80 por acção.
Posteriormente, em Junho de 2006, houve renovação do prazo desta obrigação de recompra que passou para finais de Junho de 2008, tendo havido, também, alteração da taxa de remuneração anual que passou para 5%:
- Apenso de busca 21 doc. 7, pág. 98 pdf ou Braga 35, págs. 10 e 11 pdf – 23.06.2006 - nota interna do BPN, SA do administrador CM… para o arguido OC… sobre o assunto JVe…, com indicações que caracterizam a operação como aplicação a prazo, designadamente com alteração da taxa de remuneração que passa a 5%.
O prazo foi prorrogado para 30.06.2008.
A nota interna tem despacho de concordância do arguido OC….
- Apenso de busca 1A, doc. 59, pág. 149 pdf ou Braga 35, pág. 14 pdf – 26.06.2006 - Carta da administração (BPN, SA), assinada pelo arguido OC… e ACo…, para JVe…, na qual é assumida a obrigação de recompra de 6.578.948 acções, que englobam aquelas 821.429, em finais de 2008, por preço unitário igual ao preço de compra de € 3,04, acrescido duma remuneração de 5% ao ano e deduzido de eventuais dividendos entretanto distribuídos;
- Processo, vol. 142, fls. 44.796 e 44.797, págs. 292 e 293 – 17.02.2014 - Informação da Parvalorem sobre o englobamento das 821.429 acções na renovação de um total de 6.578.948 acções ocorrida em 2006;
Em 02.06.2008, JVe… enviou carta à administração da SLN, SGPS que, então, era presidida por AV…, exercendo o seu direito à revenda das 6.578.948 acções e de outras que entretanto havia adquirido em idênticos moldes, nos termos contratualmente ajustados.
Na sequência de negociações, a administração do BPN, SA, presidida pelo MC…, por carta de 10.10.2008, comunicou a renovação do prazo da obrigação de recompra que passou para 05.04.2010, com alteração da taxa de remuneração anual que, de 28.06.2008 a 05.04.2010, passou para 6,25%:
- Apenso de busca 1A doc. 59, pág. 148 pdf ou Braga 35, pág. 13 pdf – 02.06.2008 - carta de JVe… à SLN pela qual exerce o direito à recompra;
- Processo, vol. 142, fls. 44802 e 44803, págs. 298 e 299 pdf - 10.10.2008 - carta do BPN, SA, assinada pelos administradores AVi… e RPd…, para JVe… na qual o BPN, SA assume o compromisso relativamente às 6.578.948 acções;
- Processo, vol. 142, fls. 44813 e 44814, págs. 309 e 310 – 13.10.2008 – informação de CMo… para o administrador AVi… sobre as aplicações de JVe…, na qual, em síntese, declara que as mesmas correspondem a depósitos a prazo;
- Processo, vol. 142, fls. 44817, pág. 313 – 13.10.2008 – E-mail de AJo… para o administrador AVi… com conteúdo idêntico e no qual explica ainda que com “o exercício da opção por parte de alguns clientes, passou a existir a necessidade de alimentar esta "cadeia" negociando com outros novos contratos, dada a impossibilidade de aquisições de acções SLN pela SLN Valor por falta de liquidez desta.”
- Processo, vol. 142, fls. 44804 a 44.806, págs. 300 a 302 pdf – 30.10.2008 – Acta de reunião do conselho de administração do BPN, SA com referência à prorrogação até 05.04.2010;
Mais tarde, em 11.08.2010, o BPN, já nacionalizado, comprou as acções a JVe… pelo preço global de € 22.663.196,62, que corresponde ao preço unitário de € 3,44, tendo entregue ao Fisco o valor correspondente à taxa liberatória dos juros pagos.
E, finalmente, o BPN transferiu aquelas acções para a PARUPS a preço de custo, ficando o Estado Português detentor de acções cuja imparidade era de cerca de 100%.
- Processo, vol. 142, fls. 44.796 e 44.797, págs. 292 e 293 – 17.02.2014 - informação da Parvalorem (AJo…) que no ponto 4 refere que o BPN nacionalizado assumiu e pagou.
A testemunha JVe…, na generalidade e na parte em que se recordava, confirmou estes factos.
Resumidamente:
Desde 2004 que lhe foi proposto que fizesse este tipo de aplicações porque era igual a um depósito a prazo.
OC… nunca lhe falou neste tipo de aplicações e nunca falou com ele sobre isto.
Uma das cartas contém uma mentira na parte em que refere “reunião”.
No meio do ano de 2004, CM… foi a Braga e disse-lhe que se iam fazer umas aplicações, que eram iguais a depósito a prazo, que não lhe causavam prejuízo nenhum e que ele podia escolher o prazo.
Negociaram a taxa.
No fundo tratava-se de um contrato em que comprava acções e o banco se obrigava a recomprá-las, com uma taxa de juro fixa.
Confiava cegamente nas pessoas e não se questionou quanto à razão porque o banco se obrigava a recomprar com o pagamento de juros.
As aplicações de 2004 e 2005 (acordo de recompra de acções) venceram-se em 2006 e pagaram-lhe os juros, sendo que os juros e o capital foram reinvestidos na mesma aplicação.
Admite que recebeu uma carta que está assinada por OC….
Mas mantém que não falou com ele sobre o assunto.
Refere que ele mandou a carta, o que não significa que tenha falado com ele.
Para a testemunha, receber esta carta de O…, de CMo… ou de CM… era a mesma coisa.
Falou sim com CMo… ou CM….
Nunca se discutiu o número de acções nem o valor das acções.
Só se discutia o dinheiro a aplicar e a taxa de juro.
Nunca teve conhecimento de quem lhe estava a vender em concreto as acções do Banco, sempre entendeu que as acções eram do banco.
Não sabia que o dinheiro da venda das acções tinha ido para a conta de OC…, nem sabia que tinha sido OC… a vender-lhe as acções.
Mesmo confrontado com os extractos bancários, custa-lhe a acreditar que o dinheiro entrou na conta de OC… e que foi ele a vender-lhe as acções.
Em 2006, venceram-se as aplicações de 2004 e 2005.
O capital e juros destas aplicações perfaziam cerca de 17 milhões, com mais 3 milhões que saíram da sua conta fez aplicação igual na ordem dos 20 milhões de euros que se vencia em 2008:
Quando se chegou a data do pagamento em 2008, OC… já não estava no banco e não lhe puseram o dinheiro na conta (os 20 milhões e os juros).
Entretanto entra MC… e ele achou por bem ouvi-lo depois de ter escrito uma carta pouco agradável.
Explicou-lhe a história, C… pediu-lhe uns dias para pensar.
Deu-lhe uns dias.
Passado uns dias voltou a chamá-lo, MC… almoçou consigo, altura em que lhe disse que tinha razão e que lhe iam pagar.
MC… pediu para ser prorrogado o prazo para 2010.
Aceitou com a condição de lhe serem pagos os juros, os quais foram pagos no montante de 2 milhões e tal de euros.
Fez nova aplicação do capital de 20 milhões.
Depois recebeu uma carta da administração em que garantiram o pagamento do capital e juros desta aplicação em 2010.
Em 2010 a administração da Caixa Geral de Depósitos não pagava a aplicação.
Fez ultimatum e eles pediram-lhe para vir a Lisboa onde esteve reunido com LS… e JPe… e eles fizeram-lhe uma proposta em que lhe davam 20 milhões de euros e não lhe davam mais nada.
Não aceitou, saiu pela porta fora e foi-se embora.
Passados 8 dias mandaram-lhe 2 “mensageiros” (incluindo CMo…) a Braga e melhoraram a proposta, propondo o pagamento de 22 milhões e meio de euros.
Pediu a proposta por escrito.
Depois, o seu advogado ameaçou com um processo crime e eles acabaram por pagar os 20 milhões de euros e os juros ou seja, 22 milhões e 623 mil euros.
Ficou por pagar foi a aplicação dos 18 milhões e juros, situação que está no tribunal e ainda não foi decidida.
A entidade que no fim acabou por recomprar as acções no âmbito do acordo de recompra foi o BPN.
Para si havia um ponto que era sagrado, foi o BPN que lhe levou o dinheiro e era o BPN que tinha que devolver o dinheiro.
Por isso, nunca falou com a SLN SGPS ou a SLN Valor.
Daqui resulta que o arguido OC… onerou com encargos futuros o Grupo SL, através da recompra das acções a preços superiores ao seu valor real, ao mesmo tempo que obteve ganhos pessoais, valorizando artificialmente as suas próprias acções, na medida que ao adquirente era indiferente o valor unitário das acções adquiridas, dado que lhe estava assegurada a venda com lucro certo.
E dos ganhos com esta operação e com as operações que logrou realizar para obter meios que lhe possibilitaram a subscrição e realização dos 29 milhões de acções da SLN, SGPS do aumento de capital de finais de 2000, destacam-se:
(i) Operações Emka, Invesco e Zemio já analisadas;
(ii) O cheque de 17.01.2006 de € 200.000,00 que permitiu (proporcionou fundos), em 18.09.2006, a transferência de € 300.000,00 para a conta da Galeria; e
(iii) O cheque de 18.09.2006 de € 1.807.222,66 da sua conta para a conta da Galeria;
Vale o exposto por dizer que se encontra provado o facto 927° da pronúncia (v. facto provado 875), sem prejuízo de, oportunamente, serem indicados outros elementos probatórios para os quais, desde já, se remete.
E isto pela simples razão que se verificou a “recompra” dos quadros a que se refere a parte final do mesmo facto, assunto que será abordado de seguida, após a análise crítica dos factos da contestação do arguido que se relacionam com o tema da pronúncia ora terminado (arts. 917° a 927° da pronúncia).
*
Analisemos, pois, os factos da contestação (fls. 17910 a 18110) do arguido OC….
São os que concentram nos arts. 1099° a 1128° do seu articulado.
Não foram relevados os seguintes aspectos pelos motivos indicados infra:
(…)
Atendendo às declarações da testemunha JVe… é de concluir pelo que o arguido afirma na 1' parte do art. 1118° da pronúncia (v. facto provado 69), o que não põe em causa o que o arguido pretendia e que já foi explicado supra.
Aliás, uma correcta leitura da pronúncia permite concluir que nela não é dito que o arguido falou com JVe….
*
Vimos que a Galeria ficou com € 3.000.000,00 na conta por si titulada no BPN, S.A..
Parte deste montante, designadamente € 1.000,00, havia sido sacado pelo arguido OC… da conta titulada pela offshore Jared, no Banco Insular (v. motivação supra).
A parte restante foi transferida a débito das contas pessoais do arguido OC….
Também são conhecidas as origens destes fundos pessoais do arguido (v. motivação supra).
Deste modo, resulta claro e inequívoco que, como escreve a pronúncia, “com a recompra pelo BPN das obras de arte à Galeria Filomena Soares, os fundos inicialmente colocados nas contas da mesma com origem na conta da Jared junto do Banco Insular e com origem nas contas do arguido OC…, ficaram livres e aparentemente com uma nova justificação, tal como pretendia o arguido OC…, uma vez que, aparentemente, eram provenientes das transacções entre a Galeria e o BPN” (bold e sublinhado nosso) – v. art. 932° da pronúncia (v. facto provado 880).
Resta, agora, aferir do destino que foi dado a essa quantia (€ 3.000.000,00).
O montante de € 1.000.000,00:
A 22.08.2007, foi debitada na conta titulada pela Galeria, no BPN, S.A., e transferida para a Brunner Decurtins Attorneys at Law para, conforme referido supra, se dar início à constituição do capital necessário para que a entidade instrumental/fiduciária, a constituir na Suíça (Bremer Brugmaan Seller), pudesse adquirir as 1.250.000  acções da Labicer que, então, eram tituladas por um outro accionista fiduciário, VV… (v. motivação supra) – art. 933° e 934° da pronúncia (v. factos provados 881 e 882):
- Apenso bancário 5, pág. 32 – 22.08.2007 – conta titulada pela Galeria no BPN, S.A. - movimento a débito de € 1.000.070,15;
Atente-se, porque é relevante, que no descritivo da operação consta: “OPE 207/26702”.
- Apenso AD, anexo 17, fls. 78, pág. 79 – 22.08.2007 – aviso de débito do BPN, SA, dirigido à Galeria, referente a uma ordem de pagamento de € 1.000.000,00 para o beneficiário “Brunner & Decurtins Attorneys At Law” que inclui despesas de € 70,15;
- Processo, vol. 2, fls. 538, pág. 118 pdf – 22.08.2007 - SWIFT da transferência, onde o ordenador é a Galeria e o beneficiário a Brunner Decurtins Attorneys At Law (documento na língua inglesa; v. tradução a fls. 38006 do vol. 119 dos autos principais);
No Swift, o número da operação é o mesmo que está no descritivo do movimento a débito no extracto da conta da Galeria: “OPE 267/26702”.
Acresce que, esse swift tem um post-it amarelo com o seguinte texto manuscrito pelo arguido OC…: “Dr. A… deve indicar a conta Ceramic Suissa, indicar conta para onde deve ir a verba € 1.250.000 para já sai da galeria Filomena € 1.000.000,00”.
O capital social titulado por VP… da Labicer eram 1.250.000  acções ao valor unitário de € 1,00, ou seja, € 1.250.000,00.
Destes elementos probatórios, conjugados com os elencados supra aquando da análise da posição fiduciária de VV…, na Labicer, e sua substituição por outra entidade fiduciária, a Bremer Brugmann Seller, é manifesto que esta quantia que saiu da conta da Galeria se destinou aos fins que estão descritos no art. 934° da pronúncia.
Determinado o destino da quantia de € 1.000.000,00 do “bolo” de € 3.000.000,00, importa indagar do destino do montante sobrante (€ 2.000.000,00).
Inicialmente, no período compreendido entre 03.08.2007 e 03.09.2007, foi aplicada em renovações sucessivas de depósitos a prazo (v. art. 933° da pronúncia; v. facto provado 881):
- Apenso bancário 5, fls. 32 e 33, págs. 33 e 34 pdf – extracto da conta titulada pela Galeria no BPN, S.A.;
E, em 11.09.2007, por determinação do arguido OC…, MSa… procedeu à transferência de € 250.000,00 a favor de JAb…, genro do arguido (v. art. 933° da pronúncia; v. facto provado 881):
- Apenso bancário 5, fls. 33, pág. 33 pdf – conta titulada pela Galeria no BPN, SA – 11.09.2007 - movimento a débito de € 250.000,00 com o descritivo “Transf. SPGT enviadas-BCP-JAB…”;
- Apenso temático AD, fls. 81, pág. 82 – 11.09.2007 – aviso de débito do BPN, SA à Galeria relativa à transferência de € 250.000,00 para “JAb…”;
- Apenso AD, fls. 89, pág. 90 pdf – extracto de conta contabilística da Galeria 26 8009 - arguido OC… com crédito inicial de € 2.132.640,00 e débitos de € 250.000,00 + € 250.000,00 + € 61.770,00;
Estes débitos, a pedido do arguido OC…, foram confirmados pela testemunha MFS… na medida em que explicou:
Pouco tempo depois OC… pediu-me duas transferências de 250 mil, depois mais 60 mil euros de compras de obras de arte pela mulher.
Por outro lado, em 12.09.2007, de comum acordo entre OC… e MSa…, a quantia de € 1.750.000,00 foi transferida da conta da Galeria no BPN, SA. para a conta da Galeria no BES, mediante cheque, visando satisfazer necessidades financeiras de MSa…, conforme por ele confirmado em sede de julgamento (art. 933° da pronúncia; v. facto provado 881):
- Apenso bancário 5, fls. 33, pág. 33 – conta titulada pela Galeria no BPN, SA – 12.09.2007 - movimento a débito de € 1.750.000,00;
- Apenso bancário 4, pág. 117 – conta titulada pela Galeria no BES – 11.09.2007, com data-valor de 12.09.2007 - movimento a crédito de € 1.750.000,00;
Resulta, pois, destes elementos probatórios a prova dos factos 933° a 936° da pronúncia (v. factos provados 881 a 884).
*
Os factos da contestação (fls. 17910 a 18110) do arguido OC… relacionados com o tema que acabamos de analisar são os que constam dos arts. 1129° a 1146° do seu articulado.
Destes, não foram repercutidos na factualidade provada ou não provada da contestação os que se indicam, pelas razões seguintes:
(…)
Não foi produzida nenhuma prova das diligências que o arguido indica no art. 1130° da contestação (v. facto não provado 210).
Face às declarações que se resumiram supra da testemunha MFS… é de concluir pela prova do alegado pelo arguido no art. 1132° da contestação (v. facto provado 70).
Mas não se demonstrou que fez “apenas” o que declara (v. facto não provado 211).
Simplesmente, dominou todo o processo.
Não foi demonstrado o que invoca no art. 1145° da contestação (v. facto não provado 212).
Os descritivos bancários são claros.
O documento 28 junto com a contestação (fls. 18516 do vol. 49 do processo) confirma que o destino dos € 250.000,00 foi a conta de JAb….
O que JAb… nele declara, em nada infirma a conclusão a que se chegou, além de que esse manuscrito, só por si, nada prova.
*
Prosseguindo na análise dos factos da pronúncia, esta passa a descrever “outras saídas de fundos das contas da Galeria Filomena Soares e Santos, Ldª” (arts. 937° a 945°):
Assim, em 01.10.2007, a solicitação do arguido OC…, a Galeria transferiu € 250.000,00 da conta por si titulada no BES para uma conta do arguido OC…, no BCP (arts. 937° e 938° da pronúncia; v. factos provados 885 e 886):  
Apenso bancário 4, pág. 118 pdf – conta titulada pela Galeria no BES - 01.10.2007 - movimento a débito de € 250.000,00 com o descritivo “Sgttrfa/FO… e C...ap/OF… Soa” (a transferência foi para conta do BCP diversa daquela que constitui o apenso bancário 17 com o extracto da conta bancária do arguido OC…);
- Apenso temático AD, pág. 85 pdf – 01.10.2007 – aviso do BES à Galeria do débito de € 250.000,00 por transferência bancária para o destinatário “OC…”;
- Apenso temático AD, fls. 89, pág. 90 pdf – extracto de conta contabilística da Galeria 26 8009 relativa ao arguido OC… com o crédito inicial de € 2.132.640,00 e débitos de € 250.000,00 + € 250.000,00 + € 61.770,00;
Acresce que, em 30.10.2007, o arguido OC… anuiu em que o montante de € 61.770,00, respeitante a obras de arte adquiridas pela sua mulher MY…, à Galeria, fosse debitado sobre os fundos de que dispunha na Galeria (art. 939° da pronúncia; v. facto provado 887):       
- Apenso temático AD, fls. 87, pág. 88 – 30.10.2007 - factura n.° 123 emitida pela Galeria a YO…, no valor de € 61.770,00;
No canto superior direito da factura está manuscrito: “Pago p/ encontro de contas c/268009 OC…”;
- Apenso temático AD, fls. 89, pág. 90 pdf – extracto de conta contabilística da Galeria 26 8009 relativa ao arguido OC… com o crédito inicial de € 2.132.640,00 e débitos de € 250.000,00 + € 250.000,00 + € 61.770,00;
Feitos aqueles reembolsos, o arguido OC… continuava a dispor do montante de € 1.570.870,00 (€ 2.132.640,00 – € 250.000,00 – € 250.000,00 – € 61.770,00 = € 1.570.870,00) nas contas da Galeria (art. 940° da pronúncia; v. facto provado 888).
Entretanto, a 19.02.2008, o arguido OC… renunciou à presidência da SLN SGPS, SA., BPN, S.A. e BPN, SGPS, S.A. (v. certidões do registo comercial oportunamente indicadas).
Tendo em vista aparentar uma justificação para a permanência de fundos na Galeria e obter garantias suplementares do respectivo reembolso, em 31.07.2008, o arguido OC… subscreveu um acordo com a Galeria, representada pelo seu sócio gerente, MSa…, nos termos do qual esta prestaria, gratuitamente, consultadoria no domínio das artes plásticas com especial incidência em pintura e escultura contemporânea.
Por outro lado, no mesmo acordo, a Galeria declara-se devedora ao arguido OC… da quantia de € 1.570.870,00, obrigando-se a restituí-la no prazo de cinco dias a contar da interpelação que nesse sentido lhe fosse feita pelo arguido (art. 941° da pronúncia; v. facto provado 889):
- Apenso temático AD, fls. 90 e 91, págs. 91 e 92 pdf - 31.07.2008 – acordo outorgado entre o arguido OC… e a Galeria, bem como o “acordo de preenchimento de letra”;
A testemunha MFS… confirmou a outorga deste acordo, declarando, em resumo:
Foi redigido pelo seu contabilista, embora também houvesse colaboração de OC… quanto à redacção e teor do acordo.
E mais esclareceu no tocante ao conteúdo do facto 942° da pronúncia (v.facto provado 890):
Relativamente ao resto do dinheiro (um milhão e vinte mil euros) que estava emprestado por OC…, na judiciária disse que o dinheiro tinha sido gasto na galeria, em quadros, como se fosse seu.
Fê-lo por sua iniciativa.
O seu acordo com OC… permitia que utilizasse o dinheiro e que o entregasse no prazo de 7 dias.
Não disse a OC… que tinha usado o dinheiro.
A Polícia Judiciária apreendeu os quadros, quadros que já tinha comprado há algum tempo.
Na altura, foi buscar as facturas dos quadros até ao valor de 1 milhão e duzentos mil euros a fim deles serem apreendidos.
De acordo com solicitação escrita do arguido OC… feita chegar a MSa…, este, em 22.02.2009, transferiu, da conta da Galeria no BES para a conta de Paço dos Infantes na CCAM de Beja, o montante de € 550.000,00 que ali foi, então, apreendido (art. 943° e 944°, 1ª parte da pronúncia; v. factos provados 891 e 892).
A prova deste facto resulta das declarações da testemunha MFS… que, em síntese, referiu:
Quando OC… já estava preso, mandou-lhe uma carta escrita à mão pela qual lhe pedia que fizesse uma transferência de 550 mil euros nesse próprio dia para uma determinada conta.
Não se sentiu à vontade porque ele estava preso e porque já não tinha nenhuma confiança nele e tinha medo de ser prejudicado no futuro.
Foi imediatamente falar com RT… (procurador) e pediu-lhe a opinião se devia ou não fazer a transferência.
Este disse-lhe para fazer a transferência uma vez que o dinheiro ia ser “seguido”.
O dinheiro foi “seguido” e apreendido pelo M.P..
E resulta ainda do teor da seguinte documentação:
- Processo, vol. 7, fls. 2592 e 2593, págs. 98 e 99 pdf – 22.02.2009 – carta manuscrita do arguido OC… para MSa… solicitando a transferência de € 550.000,00 para a conta de Paços de Infantes na CCAM de Beja, carta na qual ainda explica as razões da transferência;
- Apenso bancário 4, págs. 192 e 193 pdf – conta titulada pela Galeria no BES – 11.03.2009 – informação sobre a transferência de € 550.000,00 para o Paço dos Infantes e instrução de MSa… para o efeito;
- Processo vol. 7, fls. 2591 e 2594, págs. 97 e 100 pdf - 03.03.2009 - despacho do MP para bloqueio e apreensão de € 550.000,00 na conta do Paços dos Infantes, CCAM de Beja;
Por outro lado, foram apreendidas as obras de arte indicadas por MSa… como tendo sido adquiridas com o montante restante (€ 1.020.870,00) que pertencia ao arguido OC…, obras que no decurso do julgamento foram restituídas à Galeria, contra a entrega à ordem dos presentes autos da quantia de € 1.020.870,00 (art. 944°, 2ª parte da pronúncia; v. facto provado 892).
A prova deste facto resulta do teor das declarações já resumidas da testemunha MSa… e dos documentos seguintes:
- Processo, vol. 10, fls. 4052 e 4053, págs. 188 e 189 pdf – 27.05.2009 - termo de entrega voluntária dos quadros que foram apreendidos e relação das obras de arte;
- Processo, vol. 114, fls. 36725, pág. 4 pdf – despacho que determina o levantamento da apreensão das obras de arte relacionadas no auto de busca e apreensão de fls. 3923 a 3927 e consequente restituição das mesmas à Galeria;
- Processo, vol. 112.2, fls. 36360 e 36361 e 36364 – 31.12.2012 - documentos atinentes ao depósito à ordem destes autos da quantia de € 1.020.780,00;
A prova do facto 945° da pronúncia (v. facto provado 893º) resulta do teor das declarações da testemunha MFS… que se resumiram e para as quais se remete.
*
 Esgotada que está a análise crítica dos factos da pronúncia relacionados com o tema “Galeria”, vejamos, agora, os factos da contestação (fls. 17910 a 18110) do arguido OC… referentes aos factos da pronúncia (9370 a 9450) que acabaram de ser analisados e motivados.
Concentram-se nos arts. 11470 a 11560 da contestação.
Não foram vertidos na factualidade provada ou não provada os seguintes factos da contestação pelos fundamentos que se passam a indicar:
(…)
No que respeita aos demais:
Atento o sobredito, não foi produzida nenhuma prova de que a transferência a que alude o art. 9370 da pronúncia tivesse por destino o que o arguido alega no art. 11470 da contestação (v. facto não provado 213).
Não se vislumbrou, nos autos, qualquer requerimento dirigido pelo arguido ao M.P. com o conteúdo a que alude no art. 11520, nem qualquer resposta positiva do M.P. à sua alegada pretensão (v. art. 11530 da contestação) – (v. facto não provado 214).
O alegado nos arts. 11540 e 11550, al. a) da contestação é irrelevante face ao objecto da pronúncia.
No art. 945 não está em causa se MSa… sabia que as transferências para a conta da Galeria provinham das contas pessoais do arguido OC….
O que está em causa é se ele sabia como essas quantias chegaram às contas pessoais do arguido OC…, ou seja, a verdadeira e anterior “origem dos fundos”.

iii. Apreciando.
Afirma o recorrente que:
a. Não se provou que o arguido soubesse que a proveniência dos capitais que colocou na Galeria fosse ilícita (desde logo, porque tais capitais não eram ilícitos, como supra demonstrado) ou que tivesse desejado dar-lhes uma outra aparência ou nova justificação.

a. A procedência desta reapreciação fundava-se na expectativa de ter sido dado provimento ao anteriormente invocado pelo recorrente, designadamente no que respeita às operações que envolveram a Emka, a Invesco, a Zemio e a conta A1, bem como as questões relacionadas com a Jared (em relação à qual o arguido afirma, sem qualquer sustentação probatória, que “o dinheiro da Jared limitou-se a financiar - através de uma offshore não consolidada - um negócio que se destinou a melhorar os resultados do BPN, SA;) o que, como se constata pela leitura supra, não sucedeu.
Assim sendo e nesta matéria, soçobrando os pilares que a fundam, é manifesta a sem razão do recorrente
Mostra-se, pois, definitivamente assente a factualidade dada como provada pelo tribunal “a quo”, no que concerne aos valores e ao modo como o arguido se apropriou das quantias acima mencionadas.

iv.  O recorrente insurge-se por o tribunal “a quo” ter dado por assente a intenção de atribuir uma “nova justificação” ao dinheiro alegadamente ilícito: o de que o mesmo teria já sido “diluído” nas contas da Galeria.
A sua tese, em sede de recurso, é a de que o arguido se limitou a emprestar dinheiro à Galeria, no contexto da implementação de uma transacção entre a Galeria e o BPN, sendo que o rasto do dinheiro do arguido permaneceu sempre no circuito financeiro e o dinheiro do arguido não ganhou qualquer nova capa.

a. Vejamos.
Mostra-se dado como assente (sendo matéria que nem o arguido impugna), que foi celebrado um acordo, em 2003, entre o arguido JO… e a Galeria Filomena Soares e Santos, em virtude do qual o BPN venderia quadros à dita Galeria, com posterior recompra dos mesmos pelo BPN ou outra entidade a indicar por este, bem como que esta venda seria apenas formal, não chegando os quadros a sair das instalações do BPN. A Galeria, pela sua colaboração neste negócio, receberia uma percentagem entre 4% a 5%, a título remuneratório, sobre o valor da “venda”.
A primeira venda ocorreu entre Junho e Novembro de 2003, entre o BPN Creditus e a Galeria – o 1º vendeu obras de arte à 2ª por € 1.200.000,00, tendo tais obras sido imediatamente recompradas por uma outra sociedade pertencente ao grupo SLN, a Sociedade Agrícola Valle Flor, pelo preço de € 1.248.000,00, que entregou tal montante à Galeria que, por sua vez, entregou ao BPN Creditus € 1.200.000,00.
A segunda venda ocorreu em 2004.
Em 30 de Novembro de 2004, foi emitida uma factura pelo BPN, dirigida à Galeria, no montante de € 3.132.640,00, relativa a uma pretensa venda de um conjunto de obras de arte, pelo BPN, à Galeria.
Para dar credibilidade a essa pretensa venda, teve de ser arranjada uma movimentação financeira correspondente, de modo a que essa quantia entrasse no BPN. Para tanto, em Dezembro de 2004, foi realizada uma transferência de € 1.000.000,00 da conta Jared (BI) para a conta da Galeria e, seguidamente, tal montante foi depositado na conta do próprio BPN, assim se realizando um primeiro pagamento da factura de 30 de Novembro de 2004.
Em 15 de Setembro de 2006, de modo a gerar fundos na conta da Galeria para proceder aos movimentos necessários correspondentes ao restante pagamento, foram realizadas as seguintes operações:
- o arguido JO…, em 15.9.2006, emitiu um cheque no valor de € 1.807.222,66, que depositou na conta da Galeria;
- o arguido FS…, na mesma data, emitiu um cheque no montante de € 25.417,34, que foi depositado igualmente na conta da Galeria:
- o arguido JO… realizou uma transferência, da sua conta pessoal para a conta da Galeria, no valor de € 300.000,00.
Assim, em 18 de Setembro de 2006, a conta da Galeria foi debitada no valor de € 2.132.640,00, a favor do BPN, completando-se assim o aparente pagamento das obras de arte, relativo à segunda revenda e recompra.
Ao fazer aquela transferência, o arguido OC… não estava a oferecer esse dinheiro à Galeria, nem ao BPN, uma vez que sabia que este último teria de recomprar as obras de arte, com um preço acrescido, pelo que sabia que o seu dinheiro seria sempre recuperado na conta da Galeria.

b. O que acaba de se sintetizar é o que se mostra definitivamente assente nos pontos 843) a 862) do acórdão, uma vez que tal matéria não foi impugnada.
Se assim é, como é, o que daqui decorre é que a tese que o arguido agora pretende defender é que não fez uma liberalidade ao BPN, mas apenas emprestou dinheiro à Galeria.
 Mas a questão é que essa tese se mostra insustentável, perante todo o cenário anterior – não houve nenhum empréstimo, o que houve, desde 2003 e até 2006, foi uma passagem pela conta da Galeria, de dinheiro que à mesma não pertencia, mas de que o arguido se havia apropriado, pelos meios já anteriormente descritos – e face ainda ao que consta na parte final do ponto de facto 862): o arguido sabia que o BPN teria de recomprar as obras de arte, pelo que sabia que o seu dinheiro seria sempre recuperado através da conta da Galeria. Para além do mais, os ditos quadros nunca saíram do mesmo local, isto é, nunca passaram para as instalações da dita Galeria.

c. E sabia igualmente, atento o acordo que havia estabelecido com o dono da dita Galeria, que o dinheiro que fizera entrar nessa conta ficava na sua disponibilidade, cabendo à Galeria, a título remuneratório, a percentagem de 4/5% resultante do pagamento a mais que o BPN desembolsaria, na reaquisição dessas obras de arte.
E é isso, precisamente, o que o tribunal “a quo” assinala quando afirma:
Não se provou o que o arguido alega no art. 1058 da contestação (v. facto não provado 204 da contestação).
Repete-se o já afirmado:
A simulada operação visou apenas uma aparente realização de activos com mais-valias que se reflectiram nos resultados individuais do BPN Creditus e nos resultados consolidados do BPN, SA., o que é completamente distinto do que o arguido defende (“as obras de arte vendidas pelo BPN Créditus destinavam-se a aliviar a imobilização que representavam para aquela entidade bancária”).
No que respeita ao declarado no art. 1062 remete-se para o explicitado supra onde se concluiu por uma “fictícia” operação de venda com recompra de quadros e não uma efectiva e real venda com recompra.
Por outro lado, nenhuma prova foi produzida de que a operação em questão visasse a imobilização de fundos significativos do Banco e realizar algumas mais-valias (arts. 10620 e 10670 da pronúncia; v. factos não provado 205 e 206).
Não foi produzida nenhuma prova do alegado pelo arguido nos arts. 1081 e 1082 da contestação relativos à transferência para o BCP do montante de € 200.000,00 (v. factos não provados 207 e 208).
(…)
Por fim, remete-se para a motivação supra onde se concluiu que a transferência de € 2.132.640 para a conta da Galeria não constituiu qualquer liberalidade do arguido, ou seja, uma efectiva “disponibilização de valores pessoais em favor da Galeria Filomena Soares” (v. facto não provado 209).
Vimos que a Galeria ficou com € 3.000.000,00 na conta por si titulada no BPN, S.A..
Parte deste montante, designadamente € 1.000,00, havia sido sacado pelo arguido OC… da conta titulada pela offshore Jared, no Banco Insular (v. motivação supra).
A parte restante foi transferida a débito das contas pessoais do arguido OC….
Também são conhecidas as origens destes fundos pessoais do arguido (v. motivação supra)
Deste modo resulta claro e inequívoco que, como escreve a pronúncia, “com a recompra pelo BPN das obras de arte à Galeria Filomena Soares, os fundos inicialmente colocados nas contas da mesma com origem na conta da Jared junto do Banco Insular e com origem nas contas do arguido OC…, ficaram livres e aparentemente com uma nova justificação, tal como pretendia o arguido OC…, uma vez que, aparentemente, eram provenientes das transacções entre a Galeria e o BPN” (bold e sublinhado nosso) – v. art. 932º da pronúncia (v. facto provado 880).
Resta, agora, aferir do destino que foi dado a essa quantia (€ 3.000.000,00).

d. O que decorre da factualidade provada - como aliás assinala o MºPº na sua resposta - é que, efectivamente, quando o BPN e a Real Seguros pagaram os preços da recompra de obras de arte à Galeria, ambos os fundos, os provenientes da conta da JARED no Banco Insular e os provenientes das contas do arguido OC…, tornaram-se livremente disponíveis sob a aparência de respeitarem a transacções entre a Galeria e o BPN.
 E, de resto, foi por que ambos os fundos vieram a ser utilizados como efectivamente foram: os fundos da JARED no pagamento do preço de compra das acções da Labicer adquiridas pela entidade instrumental “Bremer, Brugman Seller Capital a VV…; e os fundos provenientes das contas de OC… a seu beneficio pessoal.

e. Tanto assim é que, como resulta do Apenso AD, págs. 91 e 93, em 31.07.2008 foi celebrado um acordo entre a Galeria e o arguido JO…, no qual a primeira se confessa devedora deste pelo montante de € 1.570.870,00 e garante a restituição por letra assinada em branco com acordo do seu preenchimento.

f. Assim, o que consta nos pontos 863), 864), 875) e 880) da matéria de facto dada como assente - por ser uma decorrência lógica e de acordo com as regras de experiência comum, face ao esquema montado e descrito - não se mostra sem suporte quer face à prova produzida, quer em correlação com a restante factualidade dada como assente e, como tal, não se impõe a sua alteração.

v. E o mesmo se diga quanto ao ponto de facto 842) uma vez que, como resulta da motivação supra transcrita e ao inverso do que o arguido pretende defender, esse segmento não se reporta à conta alfanumérica A1, mas antes aos fundos provenientes da conta da JARED no Banco Insular (B1), no montante €1.000.000,00, que serviram para a Bremer, Brugman Seller Capital proceder ao pagamento da maior parte do preço de compra das acções da Labicer adquiridas a VV….

vi. No que se reporta aos pontos 865) e 866), a improcedência da impugnação relativa ao modo como o arguido conseguiu obter um total de 29 milhões de acções da SLN SGPS, já supra apreciada, invalida, de igual modo, a alteração peticionada pelo recorrente.

a. De facto, nesses pontos factuais o que se afirma é que esses 29 milhões de acções foram adquiridos pelo arguido com base em acções de apropriação de fundos que envolveram as entidades Emka, Invesco e Zemio e com base num financiamento pelo Banco Fortis, que havia sido pago pelo saque de fundos de uma conta designada A1, junto do Banco Insular.

b. O que aí se diz – ao contrário do que o arguido pretende tresler (as quatro operações referidas só proporcionaram ao Arguido fundos no valor de euros: 26.209.795,56, pelo que, nesta parte e sem conceder, o artigo em causa terá sempre se ser corrigido com base na mera soma dos valores das quatro operações nele referidas – Emka, Invesvo, Zemio e A1 -, as quais, todas juntas, apenas permitiriam adquirir 26.209.795 acções da SLN, a 1,00€ cada) - é que tal financiamento teve por base o resultado de tais apropriações, uma vez que se mostra dado como assente que, após as mesmas, casos houve em que, antes de adquirir tais acções e tendo em vista, precisamente, reunir quantitativos suficientes para tal fim, o arguido pegou nalgumas dessas apropriadas quantias e tratou de as pôr a render.
É o caso da operação que o tribunal “a quo” descreve, em sede de motivação, a propósito da factualidade dada como assente nos pontos 249) e segs.:
Com as duas operações analisadas (Emka + Invesco), logrou o arguido OC… deter a 27.12.2000 na sua conta n.º … do BPN, S.A. a quantia de 511.397.679$00 (v. facto provado 248):
- Apenso bancário 7 (extracto da conta n. … no BPN, S.A., fls. 14, pág. 16 pdf).
Conta que, aliás, imediatamente antes das transferências a crédito nos montantes de 316.456.346$00 (operação Emka – 31.10.2000) e 213.775.420$00 (operação Invesco – 14.12.2000) tinha, na data de 31.10.2000, somente um saldo positivo de 4.953.005,78 (v. mesmo apenso bancário).
Em resultado dessas operações e movimentos financeiros (v. facto provado 249; v. facto não provado 85) logrou o arguido ter na sua conta uma mais-valia de 379.538.268$01 correspondente às seguintes parcelas:
1) 165.762.848$01 (mais-valia da operação Emka – v. facto provado 235);
2) 213.775.420$00 (mais-valia da operação Invesco – dizemos mais-valia com o sentido de que na data em que esta quantia foi transferida para a sua conta, como vimos e analisamos supra, a mesma não lhe era devida – v. factos provados 243, 247 e 248);
*
Passemos, doravante, à análise da 3ª operação discriminada na pronúncia: a “operação Zemio” (arts. 260° a 276°).
À data de 14.12.2000 (v. facto 260° da pronúncia; v. facto provado 250 e facto não provado 86), após aquelas duas operações/movimentos, o arguido OC…, como resulta, aliás, da já mencionada análise da sua conta no BPN, S.A., não tinha um montante suficiente para pagar as 29.000.000 de acções da SLN SGPS subscritas em sede de aumento de capital desta sociedade (v. factos provados 225 a 229).
É então que entra em acção um outro plano por si formulado (v. art. 261° da pronúncia; facto provado 251) através de mais um veículo offshore, a Zemio, com o objectivo de, através desta, receber as quantias monetárias necessárias a proceder àquele pagamento, sacadas sobre contas de entidades detidas pela SLN, conforme se verá já de seguida e para cuja fundamentação se remete.
A Zemio Investments é uma offshore constituída através da Planfin, que, em 2000, tinha por último beneficiário o arguido OC… (arts. 261° e 262° da pronúncia; factos provados 252 e 253):
(…)
Desencadearam-se, então, uma série de actos na sequência do plano gizado pelo arguido OC… que se passam a descrever:
Em 28.12.2000, data da escritura de aumento do capital social da SLN SGPS, S.A., OC… deu ordem manuscrita de venda de 7.250.000 acções desta sociedade (acções que ainda não tinha pago) à Zemio em resultado do que lhe é creditado na sua conta no BPN, S.A., o montante de € 15.950.000,00 que correspondia a 3.197.687.900$00.
O preço de cada uma das acções assim vendidas à Zemio foi de € 2,20, sendo certo que o preço de aquisição das mesmas acções que depois OC… pagou, foi de € 1,00, cada uma, preço privilegiado de subscrição de acções da SLN, SGPS, do qual OC…, como vimos supra, beneficiava:
- Apenso de busca 4, pasta 1, pág. 114 (carta apreendida a tardoz da residência de OC…) ou Braga 19, pág. 8 – 28.12.2000 - Ordem de venda dirigida ao BPN, S.A., datada de 28.12.2000 e manuscrita por OC…, da qual consta, com importância:
“Queiram proceder à venda de 7.250.000 acções, da SLN-Sociedade Lusa de Negócios, S.A. depositadas no meu dossier – conta n.º … – à Zemio (...).
A transferência das acções vendidas só deverá ocorrer após crédito da minha conta, acima mencionada, pelo valor de Euros 15.950.000 (quinze milhões novecentos e cinquenta mil)”. (bold nosso)
Ou seja, OC…, que ia adquirir 29.000.000 acções da SLN SGPS, S.A., em sede de aumento de capital desta sociedade, ao preço unitário de € 1,00 em face da prerrogativa estatutária de que beneficiava, estava a vender à Zemio (sociedade de quem era o último beneficiário) 7.250.000 daquelas acções ao preço unitário de € 2,20.

c. O que daqui decorre – e o arguido mostra-se incapaz de o refutar – é que para além da apropriação de tais fundos, o arguido, para conseguir adquirir 29 milhões de acções da SLN SGPS, tratou de rentabilizar essas quantias, vendendo à Zemio (entidade de que era último beneficiário) acções, a uma cotação mais de duas vezes superior àquela que viria depois a pagar, quando adquiriu em nome próprio, assim obtendo as mais-valias necessárias (decorrentes do uso de quantias de que se havia já apropriado), para conseguir obter o quantitativo necessário ao sucesso do seu propósito.
Chama-se ainda à colação, a este propósito, o que supra já se referiu e sinteticamente se enuncia, a propósito do negócio de financiamento da aquisição de 29 milhões de acções da SLN SGPS (pois os excedentes monetários obtidos através das operações que a seguir se descrevem, constituem as benesses a que o acórdão faz referência):
A matéria a que o arguido alude reporta-se a diversos actos que foram praticados, tendo em vista a passagem para a esfera do arguido de 29 milhões de acções da SLN SGPS, no âmbito do aumento de capital realizado em Dezembro de 2000.
Nela se descreve a forma como tais fundos foram obtidos, designadamente:
Para pagamento dos iniciais 30% relativos ao preço de aquisição das ditas acções:
a. através da venda de acções próprias do arguido à EMKA, assim obtendo mais-valias;
b. através da instrumentalização da Invesco, aproveitando e usando as mais-valias que esta havia obtido sem que, no momento em que assim actuou, tivesse qualquer título que suportasse tal operação;
c. através da venda à Zemio - de que era então o arguido beneficiário efectivo - de acções que tinha em carteira, Zemio esta “financiada” por saque de fundos sacados à Venice .
Para pagamento dos restantes 70% do preço de aquisição de 29 milhões de acções da SLN SGPS – através do pagamento do empréstimo que havia contraído junto do Fortis Bank, sob a forma de contas correntes caucionadas associadas à conta alfanumérica A1, do Banco Insular,.

d. Daqui decorre, igualmente, que não se impõe que se entenda que o tribunal “a quo” deliberou erradamente sobre tal matéria.

vii. No que se refere aos pontos factuais 867), 868), 870), 873) e 874), entende o recorrente que o que se mostra errado é:
- Que o arguido tenha incentivado vendas das suas acções, pois nenhum documento o refere e nenhuma testemunha o declarou;
- Quanto ao preço de venda por acção, a matéria de facto julgada como provada pressupõe que as acções da SLN não valiam, à data em que foram vendidas, o valor pelo qual foram vendidas a JVe… e, consequentemente, que a obrigação de recompra onerava a entidade que a assumia à prática de um mau negócio, esquecendo, por outro lado, que o BPN angariava assim depósitos que, por uma vez, lhe permitiam ter maior liquidez para realizar negócio bancário.
- A alusão à SLN Valor, pois quem assumiu a obrigação de recomprar as acções vendidas pelo arguido foi o BPN SA e não a SLN VALOR.

a. A este propósito, afirma o tribunal “a quo”:
De regresso à pronúncia, entra-se no tema “ganhos do arguido OC… colocados na conta da Galeria” (arts. 917° a 927°).
Já vimos que, entre 17.11.2003 e 21.09.2005, o arguido OC… vendeu acções da SLN, SGPS que antes subscrevera no aumento do capital social de 28.10.2000, ao preço privilegiado de € 1,00, cada uma, sem ter disposto de capital próprio, salvo numa pequena parcela.
Com isso logrou substanciais mais-valias das “singulares vendas” de acções da SLN, SGPS à Emka, à Invesco e à Zemio, realizadas nas circunstâncias atrás referidas (remete-se para os elementos probatórios então indicados e motivação desenvolvida), com o valor do empréstimo do Fortis Bank que, em grande parte (mais de € 8.000.000,00) foi pago com financiamentos do Banco Insular sob a forma de contas correntes caucionadas associadas à conta alfanumérica A1, ao quais não foram formalizados, nem garantidos, e que nunca foram pagos quer quanto ao capital mutuado, quer quantos aos respectivos juros. (arts. 917° e 918° da pronúncia; v. factos provados 865 e 866).
Entre estas vendas avulta aquela que o arguido OC…, prevalecendo-se das posições que detinha no grupo SLN/BPN, designadamente presidente do BPN, SA e presidente da SLN, SGPS e da SLN VALOR, SGPS, SA, realizou com JVe…, respeitante a 821.429 acções da SLN, SGPS, com obrigação de recompra das acções vendidas em determinado prazo, por preço igual ao preço da compra, acrescido de uma remuneração de 4,5% ao ano, deduzida de eventuais dividendos que, entretanto, fossem distribuídos (arts. 919° e 920° da pronúncia; v. factos provados 867 e 868).
Com efeito, em 23.08.2005, ou 21.09.2005 (data do lançamento na conta), o arguido OC… vendeu 821.429 acções da SLN, SGPS pelo preço unitário de € 2,80 a JVe…, tendo o produto global da venda de € 2.300.001,20 sido creditado na sua conta pessoal no BPN, S.A. (art. 921° da pronúncia; v. facto provado 869).
Esta venda tinha, pois, por base uma ajustada aplicação financeira de € 2.300.000,00 na compra de acções da SLN, SGPS contra a obrigação de recompra com rentabilidade assegurada, primeiro de 4,5% ao ano, depois, a partir de Junho de 2006, de 5% ao ano, e, a partir de Junho de 2008, de 6,25% ao ano.
Em certa medida, a aplicação configurava um depósito a prazo com determinada taxa de rentabilidade, para a qual JVe… depositou na sua conta no BPN aquele montante, que depois foi aplicado na aparente compra das 821.429 acções da SLN, SGPS que eram tituladas pelo arguido OC… (arts. 921° a 927° da pronúncia; v. factos provados 870 a 874 e facto não provado 284).
O que se acaba de afirmar resulta dos seguintes elementos de prova:
- Apenso de busca 21, doc. 7, pág. 245 pdf ou Braga 35, pág. 3 pdf – 18.07.2005 - carta de JVe… dirigida à SLN, na qual, fazendo referência a uma reunião havida com o arguido OC… e CM…, respectivamente, Presidente e Administrador da SLN, SGPS, S.A., aceita a compra das acções pelo preço de € 2.300.001,20.
A carta tem despacho manuscrito do arguido OC… do seguinte teor: “certa a operação proposta, 05.08.23”.
- Apenso de busca 7, doc. 12.05, pág. 82 pdf ou Braga 35, pág. 9 pdf – 23.08.2005 - carta do arguido OC… para JVe… na qual é assumida a obrigação de recompra das acções por preço igual ao da compra acrescido duma remuneração de 4,5% ao ano e deduzido de eventuais dividendos entretanto distribuídos;
- Apenso de busca 21, doc. 7, pág. 244 pdf ou Braga, 35, pág. 2 pdf – 26.08.2005 - E-mail de RP… para FP… (unidade de títulos), com conhecimento a AD…, para realização de operação de venda de 821.429 acções da SLN do arguido OC… a JVe… ao preço de € 1,80 cada acção (a referência a € 1.80 dever-se-á a lapso, pois o valor negociado foi € 2,803));
- Apenso de busca 21, doc. 7, pág. 243 pdf ou Braga, 35, pág. 1 pdf – 20.09.2005 - E-mail de AD… para RR… para proceder à alteração da operação anterior no que respeita ao preço unitário das acções que passa para € 2,80;
- Apenso bancário 129, fls. 3 a 66 – conta de JVe… no BPN, S.A., - extracto da conta … de 07.01.2003 a 31.12.2007 que tem a fls. 36 e 37, primeiro, em 29.08.2005, a compra de títulos por € 1.478.572,00, e, depois, em 21.09.2005, com data-valor de 29.08.2005, a anulação daquela operação e a compra de títulos por € 2.300.001,20;
Esta anulação e lançamento da nova operação, mantendo-se as datas e número de acções, visou apenas corrigir o referido erro.
- Apenso bancário 7, fls. 45, pág. 47 – conta titulada pelo arguido OC… no BPN, SA:
– 29.08.2005: movimento a crédito de € 1.478.572,20 correspondente à venda dos títulos por € 1,80 por acção;
- 21.09.2005: anulação desta operação;
- 21.09.2005: nova operação, nesta data, com o crédito de € 2.300.001,20 correspondente à venda dos títulos por € 2,80 por acção.
Posteriormente, em Junho de 2006, houve renovação do prazo desta obrigação de recompra que passou para finais de Junho de 2008, tendo havido, também, alteração da taxa de remuneração anual que passou para 5%:
- Apenso de busca 21 doc. 7, pág. 98 pdf ou Braga 35, págs. 10 e 11 pdf – 23.06.2006 - nota interna do BPN, SA do administrador CM… para o arguido OC… sobre o assunto JVe…, com indicações que caracterizam a operação como aplicação a prazo, designadamente com alteração da taxa de remuneração que passa a 5%.
O prazo foi prorrogado para 30.06.2008.
A nota interna tem despacho de concordância do arguido OC….
- Apenso de busca 1A, doc. 59, pág. 149 pdf ou Braga 35, pág. 14 pdf – 26.06.2006 - Carta da administração (BPN, SA), assinada pelo arguido OC… e ACo…, para JVe…, na qual é assumida a obrigação de recompra de 6.578.948 acções, que englobam aquelas 821.429, em finais de 2008, por preço unitário igual ao preço de compra de € 3,04, acrescido duma remuneração de 5% ao ano e deduzido de eventuais dividendos entretanto distribuídos;
- Processo, vol. 142, fls. 44.796 e 44.797, págs. 292 e 293 – 17.02.2014 - Informação da Parvalorem sobre o englobamento das 821.429 acções na renovação de um total de 6.578.948 acções ocorrida em 2006;
Em 02.06.2008, JVe… enviou carta à administração da SLN, SGPS que, então, era presidida por AV…, exercendo o seu direito à revenda das 6.578.948 acções e de outras que entretanto havia adquirido em idênticos moldes, nos termos contratualmente ajustados.
Na sequência de negociações, a administração do BPN, SA, presidida pelo MC…, por carta de 10.10.2008, comunicou a renovação do prazo da obrigação de recompra que passou para 05.04.2010, com alteração da taxa de remuneração anual que, de 28.06.2008 a 05.04.2010, passou para 6,25%:
- Apenso de busca 1A doc. 59, pág. 148 pdf ou Braga 35, pág. 13 pdf – 02.06.2008 - carta de JVe… à SLN pela qual exerce o direito à recompra;
- Processo, vol. 142, fls. 44802 e 44803, págs. 298 e 299 pdf - 10.10.2008 - carta do BPN, SA, assinada pelos administradores AVi… e RPd…, para JVe… na qual o BPN, SA assume o compromisso relativamente às 6.578.948 acções;
- Processo, vol. 142, fls. 44813 e 44814, págs. 309 e 310 – 13.10.2008 – informação de CMo… para o administrador AVi… sobre as aplicações de JVe…, na qual, em síntese, declara que as mesmas correspondem a depósitos a prazo;
- Processo, vol. 142, fls. 44817, pág. 313 – 13.10.2008 – E-mail de AJo… para o administrador AVi… com conteúdo idêntico e no qual explica ainda que com “o exercício da opção por parte de alguns clientes, passou a existir a necessidade de alimentar esta "cadeia" negociando com outros novos contratos, dada a impossibilidade de aquisições de acções SLN pela SLN Valor por falta de liquidez desta.”
- Processo, vol. 142, fls. 44804 a 44.806, págs. 300 a 302 pdf – 30.10.2008 – Acta de reunião do conselho de administração do BPN, SA com referência à prorrogação até 05.04.2010;
Mais tarde, em 11.08.2010, o BPN, já nacionalizado, comprou as acções a JVe… pelo preço global de € 22.663.196,62, que corresponde ao preço unitário de € 3,44, tendo entregue ao Fisco o valor correspondente à taxa liberatória dos juros pagos.
E, finalmente, o BPN transferiu aquelas acções para a PARUPS a preço de custo, ficando o Estado Português detentor de acções cuja imparidade era de cerca de 100%.
- Processo, vol. 142, fls. 44.796 e 44.797, págs. 292 e 293 – 17.02.2014 - informação da Parvalorem (Ajo…) que no ponto 4 refere que o BPN nacionalizado assumiu e pagou.
A testemunha JVe…, na generalidade e na parte em que se recordava, confirmou estes factos.
Resumidamente:
Desde 2004 que lhe foi proposto que fizesse este tipo de aplicações porque era igual a um depósito a prazo.
OC… nunca lhe falou neste tipo de aplicações e nunca falou com ele sobre isto.
Uma das cartas contém uma mentira na parte em que refere “reunião”.
No meio do ano de 2004, CM… foi a Braga e disse-lhe que se iam fazer umas aplicações, que eram iguais a depósito a prazo, que não lhe causavam prejuízo nenhum e que ele podia escolher o prazo.
Negociaram a taxa.
No fundo tratava-se de um contrato em que comprava acções e o banco se obrigava a recomprá-las, com uma taxa de juro fixa.
Confiava cegamente nas pessoas e não se questionou quanto à razão porque o banco se obrigava a recomprar com o pagamento de juros.
As aplicações de 2004 e 2005 (acordo de recompra de acções) venceram-se em 2006 e pagaram-lhe os juros, sendo que os juros e o capital foram reinvestidos na mesma aplicação.
Admite que recebeu uma carta que está assinada por OC….
Mas mantém que não falou com ele sobre o assunto.
Refere que ele mandou a carta, o que não significa que tenha falado com ele.
Para a testemunha, receber esta carta de O…, de CMo… ou de CM… era a mesma coisa.
Falou sim com CMo… ou CM….
Nunca se discutiu o número de acções nem o valor das acções.
Só se discutia o dinheiro a aplicar e a taxa de juro.
Nunca teve conhecimento de quem lhe estava a vender em concreto as acções do Banco, sempre entendeu que as acções eram do banco.
Não sabia que o dinheiro da venda das acções tinha ido para a conta de OC…, nem sabia que tinha sido OC… a vender-lhe as acções.
Mesmo confrontado com os extractos bancários, custa-lhe a acreditar que o dinheiro entrou na conta de OC... e que foi ele a vender-lhe as acções.
Em 2006, venceram-se as aplicações de 2004 e 2005.
O capital e juros destas aplicações perfaziam cerca de 17 milhões, com mais 3 milhões que saíram da sua conta fez aplicação igual na ordem dos 20 milhões de euros que se vencia em 2008:
Quando se chegou a data do pagamento em 2008, OC… já não estava no banco e não lhe puseram o dinheiro na conta (os 20 milhões e os juros).
Entretanto entra MC… e ele achou por bem ouvi-lo depois de ter escrito uma carta pouco agradável.
Explicou-lhe a história, C… pediu-lhe uns dias para pensar.
Deu-lhe uns dias.
Passado uns dias voltou a chamá-lo, MC… almoçou consigo, altura em que lhe disse que tinha razão e que lhe iam pagar.
MC… pediu para ser prorrogado o prazo para 2010.
Aceitou com a condição de lhe serem pagos os juros, os quais foram pagos no montante de 2 milhões e tal de euros.
Fez nova aplicação do capital de 20 milhões.
Depois recebeu uma carta da administração em que garantiram o pagamento do capital e juros desta aplicação em 2010.
Em 2010 a administração da Caixa Geral de Depósitos não pagava a aplicação.
Fez ultimatum e eles pediram-lhe para vir a Lisboa onde esteve reunido com LS… e JPe… e eles fizeram-lhe uma proposta em que lhe davam 20 milhões de euros e não lhe davam mais nada.
Não aceitou, saiu pela porta fora e foi-se embora.
Passados 8 dias mandaram-lhe 2 “mensageiros” (incluindo CMo…) a Braga e melhoraram a proposta, propondo o pagamento de 22 milhões e meio de euros.
Pediu a proposta por escrito.
Depois, o seu advogado ameaçou com um processo-crime e eles acabaram por pagar os 20 milhões de euros e os juros ou seja, 22 milhões e 623 mil euros.
Ficou por pagar foi a aplicação dos 18 milhões e juros, situação que está no tribunal e ainda não foi decidida.
A entidade que no fim acabou por recomprar as acções no âmbito do acordo de recompra foi o BPN.
Para si havia um ponto que era sagrado, foi o BPN que lhe levou o dinheiro e era o BPN que tinha que devolver o dinheiro.
Por isso, nunca falou com a SLN SGPS ou a SLN Valor.
Daqui resulta que o arguido OC… onerou com encargos futuros o Grupo SLN, através da recompra das acções a preços superiores ao seu valor real, ao mesmo tempo que obteve ganhos pessoais, valorizando artificialmente as suas próprias acções, na medida que ao adquirente era indiferente o valor unitário das acções adquiridas, dado que lhe estava assegurada a venda com lucro certo.
E dos ganhos com esta operação e com as operações que logrou realizar para obter meios que lhe possibilitaram a subscrição e realização dos 29 milhões de acções da SLN, SGPS do aumento de capital de finais de 2000, destacam-se:
(i) Operações Emka, Invesco e Zemio já analisadas;
(ii) O cheque de 17.01.2006 de € 200.000,00 que permitiu (proporcionou fundos), em 18.09.2006, a transferência de € 300.000,00 para a conta da Galeria; e
(iii) O cheque de 18.09.2006 de € 1.807.222,66 da sua conta para a conta da Galeria;
Vale o exposto por dizer que se encontra provado o facto 927° da pronúncia (v. facto provado 875), sem prejuízo de, oportunamente, serem indicados outros elementos probatórios para os quais, desde já, se remete.
E isto pela simples razão que se verificou a “recompra” dos quadros a que se refere a parte final do mesmo facto, assunto que será abordado de seguida, após a análise crítica dos factos da contestação do arguido que se relacionam com o tema da pronúncia ora terminado (arts. 917° a 927° da pronúncia).
*
Analisemos, pois, os factos da contestação (fls. 17910 a 18110) do arguido OC….
São os que concentram nos arts. 1099° a 1128° do seu articulado.
Não foram relevados os seguintes aspectos pelos motivos indicados infra:
(…)
Atendendo às declarações da testemunha JVe… é de concluir pelo que o arguido afirma na 1' parte do art. 1118° da pronúncia (v. facto provado 69), o que não põe em causa o que o arguido pretendia e que já foi explicado supra.
Aliás, uma correta leitura da pronúncia permite concluir que nela não é dito que o arguido falou com JVe….

b. No que se refere à ausência de documento ou depoimento que afirme que o arguido tenha incentivado vendas das suas acções, mostra-se esclarecido, face à motivação, que se trata de uma inferência retirada da análise da prova e dos factos dela resultantes. No que à mesma respeita, não se mostrando em desacordo com as regras de experiência comum e não havendo prova que a infirme, não se impõe a alteração de tal matéria fáctica.

c. No que se refere ao preço de venda por acção, o que a matéria de facto e a motivação afirmam é que, através dos contratos de obrigação de recompra, não se procedeu apenas à compra e venda de acções, mas a verdadeiras aplicações financeiras, sendo que as taxas de juro fixadas, relacionadas com a recompra das ditas acções, atento o seu valor (cerca de 5% ao ano) determinavam um manifesto acréscimo, nessa proporção, do preço das acções da SLN SGPS. E daí decorria o aumento do seu valor unitário e as mais-valias a realizar – inclusive pelo arguido, atento o número de acções que detinha – com prejuízo do Grupo SLN/BPN pois, quando recomprasse, estava obrigado a atender a essa majoração, que foi artificialmente determinada, como engodo para atrair investidores para essa aplicação financeira. Assim, também aqui e de igual modo, não se impõe a alteração da matéria fáctica dada como assente.

d. Finalmente, no que se refere à SLN Valor, como entidade que assumiu a obrigação de recompra, esse facto mostra-se fundado, desde logo, na análise no documento constante do vol. 142, fls. 44817, pág. 313, de 13.10.2008: email de Ajo… para o administrador AVi…, no qual explica que com “o exercício da opção por parte de alguns clientes, passou a existir a necessidade de alimentar esta "cadeia" negociando com outros novos contratos, dada a impossibilidade de aquisições de acções SLN pela SLN Valor por falta de liquidez desta.”; ou seja, seria a SLN Valor quem estava obrigada à recompra mas, em Outubro de 2008, esta já não tinha liquidez para tal.
Por seu turno, como bem salienta o MºPº na sua resposta, os contratos de compra e venda de acções da SLN SGPS com obrigação de recompra, que se mostram juntos aos autos (apenso temático H - contratos de compra e venda de acções com obrigação de recompra - e apenso temático E - documentos entregues por AQ…, presidente da SLN, VALOR -) têm por entidade que assumia a obrigação de recomprar as acções a SLN VALOR, que se vinculava bastantemente pela assinatura do seu administrador delegado, OC…, ao contrário do que sucedia com BPN, SA. que carecia de, pelo menos, duas assinaturas (vide vol. 11, fls. 4358 a 4375 (4374 e 4375), págs. 41 a 58 (57 e 58) – 30.08.2005 – Certidão da CRC da SLN VALOR da qual resulta, além do mais, que a sociedade era obrigada, designadamente, com a simples assinatura do administrador delegado e que, por deliberação de 30.09.2004, JO… foi designado administrador delegado.)
E quanto ao demais que o recorrente alega, a propósito da ausência de prejuízos para o Grupo SLN/BPN, caso se estivesse perante obrigação de recompra pela SLN Valor, remetemos para o que supra se disse já a propósito da relação desta sociedade com este Grupo, sendo certo, para além do mais que, como decorre do teor do email acima mencionado, em 2008 já não foi a SLN Valor (porque descapitalizada) quem procedeu à renegociação dos contratos de recompra de acções, mas a SLN SGPS, o que bem demonstra a inserção no dito Grupo, em termos de responsabilidades financeiras.

e. Do que se deixa dito decorre que, no que se reporta a estes factos, a reapreciação probatória não impõe a sua alteração.

viii. Finalmente, no que se refere aos pontos 889) e 893).
Como já acima se referiu, a tese do arguido, de procedência legítima dos fundos que creditou e que permaneceram na conta da Galeria, não vingou.
De igual modo não vingou a tese de que a passagem desses fundos pela conta da Galeria não teria qualquer propósito de encobrimento da sua proveniência ilegítima.
Diga-se, aliás, em sede final, que se não fosse esse o seu propósito, não se tendo demonstrado que o arguido resolveu fazer uma liberalidade à Galeria, não se vislumbra porque razão se teria dado ao trabalho de arranjar um estratagema através do qual o seu dinheiro entrava na conta da Galeria, era usado para pagamentos ao BPN e, de seguida, sob a capa de uma outra transacção, voltava a entrar numa conta que não era sua, aí se mantendo por longos períodos temporais. Tão longos que, em Março de 2009, o arguido fez chegar ao dono da conta da Galeria instruções no sentido de mobilizar € 550.000,00 para a conta da sociedade Paço dos Infantes (vide facto provado 891)).
Note-se: não lhe pediu o pagamento do “empréstimo”, deu-lhe uma “ordem de transferência”.

ix. Finalmente, no que se refere ao ponto 961.
O recorrente discorda do aí vertido, pelas mesmas razões que o levaram a discordar da materialidade fáctica provada, quanto à apropriação ilegítima das quantias que lhe permitiram adquirir os 29 milhões de acções da SLN SGPS.
Como supra já se analisou, o recorrente mostrou-se incapaz de demonstrar o erro que invocava e, assim sendo, também quanto a este ponto (depósito e apreensão de quantias que constituem vantagens obtidas pelo arguido JO…, no seguimento da factualidade dada como assente e aí enunciada) improcede a peticionada alteração do seu conteúdo.

x. No que concerne à factualidade constante nos pontos 941 e 942:
Trataremos de tal matéria nos pontos seguintes, em sede de discórdia quanto à factualidade relativa à imputação subjectiva.

 35. Pontos 926, 936, 937 e 941 da matéria julgada provada da pronúncia:

i. Esses pontos têm o seguinte conteúdo:
926) O arguido OC… pretendia aproveitar-se da entidade Banco Insular para a coberto da CLASSICAL FINANCIAL obter para seu próprio proveito uma atribuição patrimonial, cuja remuneração e devolução de capital não pretendia realizar;
936)O arguido OC… fez transitar a conta no Banco Insular da CLASSICAL FINANCE para o designado Balcão 2, isto é, conforme narrado supra, colocou a conta e o financiamento fora do balanço do Banco, na data de 01.06.2004, na sequência do propósito de não realizar qualquer liquidação do financiamento;
937)O arguido OC… tinha conhecimento que, com a sua conduta, estava a lesar o Estado em sede da arrecadação fiscal, sabendo ainda o arguido OC… que o BPN ficava lesado pelo não reembolso da quantia mutuada;
941) Os arguidos OC… e LC… actuaram ainda com o propósito de deitarem a mão a fundos criados ou disponíveis nas instituições que geriam, como se fossem beneficiários de empréstimos, mas sem o propósito de pagar juros e amortizar as quantias recebidas, apesar de saberem que se tratava de fundos que não lhes pertenciam e que deviam actuar perante esses fundos como entidades autónomas;

ii. Vejamos.
No que se refere aos pontos 926 e 936, já supra deixámos mencionadas as razões pelas quais a tese do arguido de que não se provou a intenção de não proceder ao pagamento dos financiamentos obtidos através do Banco Insular, não se resumiu à questão do trânsito da conta (no caso, a Classical Finance), para o Balcão 2 (fora do balanço deste Banco) e para a mesma remetemos, por mera questão de economia processual, bem como para o que infra se dirá, a propósito do ponto 937).

iii. No que se refere ao ponto 937), o tribunal “a quo” motiva a sua convicção nos seguintes termos:
[o] imóvel foi adquirido pelo arguido OC… sem que tenha disposto de capital próprio, recorrendo a financiamento cujo capital não reembolsou, tal como não pagou os respectivos juros, tendo a dívida sido acomodada no balcão virtual, balcão 2001, do Banco Insular, conforme era intenção do arguido, desde o início. Que o arguido OC… assim quis resulta, de resto, da circunstância dele ter tido a possibilidade de obter crédito do BPN, SA, mas ter antes optado pelo crédito opaco e oculto no Banco Insular, através de uma sociedade offshore, sem que tenha prestado quaisquer garantias e sem que, desde finais de 2002 e até pelo menos 2010, tenha feito qualquer reembolso de capital ou pago quaisquer juros».

a. Relativamente ao ponto 937), há que ressalvar que o mesmo sofrerá uma alteração, em sede de apreciação do recurso interposto pelo MºPº em relação ao arguido FN…. Todavia, essa alteração não tem qualquer relevo quanto ao arguido JO… (pois que se reporta à inclusão do arguido FN… neste ponto).
Prosseguindo.
O recorrente limita-se a afirmar que se ele não tinha intenção de pagar, alguém o devia ter afirmado em tribunal. Como não houve prova testemunhal nesse sentido, não há prova de ser essa a sua intenção.

b. Salvo o devido respeito, os factos falam por si.
Senão vejamos:
O arguido não fez qualquer pedido de mútuo nem ao BPN, nem ao Banco Insular, embora aos mesmos pudesse ter recorrido; não assinou qualquer documento de admissão de dívida; não prestou qualquer garantia; ocultou o financiamento numa conta que colocou fora do balanço de um Banco; esse Banco não consolidava no Grupo BPN; até ao momento não procedeu a qualquer reembolso. Não admitiu – nem admite sequer agora, em sede de recurso – ser devedor de tal quantia, a este título. Teve, dados os rendimentos que auferia, condições económicas que lhe permitiam o pagamento de tais montantes, se assim o desejasse, nem que fosse através dos lucros provenientes da venda das acções que detinha.

c. Face ao que se deixa exposto, atentas as regras de experiência comum, qualquer homem médio chegaria à mesma conclusão a que chegou o tribunal “a quo” – o arguido tinha o propósito de não proceder à liquidação do financiamento.
Assim, há que concluir que o arguido não conseguiu convencer este tribunal que o aí vertido se mostra errado, razão pela qual não se impõe qualquer alteração.

iv. Finalmente, no que concerne ao ponto 941), o recorrente não fundamenta as razões pelas quais entende que houve erro na apreciação da prova a este propósito, nem o mesmo se vislumbra.

36. Pontos 939 a 944, 948 a 951, 953 e 958 da matéria julgada provada da pronúncia:

i. Esses pontos têm a seguinte redacção:
939) Os arguidos OC…, LC… e FS… actuaram com o propósito de impor os seus interesses individuais, em sede de conquista de controlo accionista, de perpetuação nos cargos e de prevalência dos negócios por si idealizados, sobre os interesses das sociedades que lhes competia administrar;
940) Os arguidos OC…, LC… e FS… conjugaram esforços no sentido de ludibriar accionistas e criar falsos cenários às entidades de supervisão de forma a fazerem impor estratégias de negócio pessoais, aceitando fazer as entidades por si administradas pagar e sofrer perdas para criar os referidos cenários e formas de engano de terceiros;
941) Os arguidos OC… e LC… actuaram ainda com o propósito de deitarem a mão a fundos criados ou disponíveis nas instituições que geriam, como se fossem beneficiários de empréstimos, mas sem o propósito de pagar juros e amortizar as quantias recebidas, apesar de saberem que se tratava de fundos que não lhes pertenciam e que deviam actuar perante esses fundos como entidades autónomas;
942) Os arguidos OC…, LC… e FS… actuaram ainda com o propósito de forjar documentos e alterar registos contabilísticos de forma a ocultar e a justificar as suas actuações de apropriação de fundos e de obtenção de ganhos, em particular ocultando o seu benefício e a utilização de contas junto do Banco Insular e do BPN Cayman tais como as da JARED FINANCE e as da VENICE CAPITAL;
943) O arguido OC…, actuou ainda com o propósito de obter vantagens fiscais, para si e para terceiros, através da utilização de documentos que fez produzir e sem correspondência com a realidade e através da ocultação de valores que deviam ser declarados em actos públicos e com relevância fiscal;
944) O arguido FS… agiu ainda com o propósito de, em conjugação com os arguidos OC…, TR…, LF… e RD…, fazer gerar vantagens fiscais através do forjar de documentos e do viciar de registos contabilísticos e de pagamentos;
948) Os arguidos LM… e LAl… actuaram com o propósito de, conjugando esforços com os arguidos OC…, LC… e FS…, criarem cenários de forma a enganar terceiros e a possibilitarem a apropriação de fundos, tendo para tal forjado documentos e registos contabilísticos de forma a ocultar e a criar justificações para os seus actos e os de terceiros;
949) A arguida IC… actuou com o propósito de prestar uma ajuda essencial para a prática de actos de apropriação de fundos alheios e de forjar de documentos essenciais para o desenvolvimento dos actos praticados pelos arguidos OC…, LC… e FS…;
950) O arguido TB… actuou com o propósito de criar cenários de forma a ludibriar terceiros, sabendo que iria gerar perdas para interesses alheios, mas visando obter ganhos pessoais;
951) Os arguidos TR…, LF… e RD… actuaram com o propósito de, conjugando esforços com os arguidos OC… e FS…, fazerem contabilizar e pagar pela LABICER documentos que sabiam não corresponderem à verdade, de forma a gerar vantagens em sede fiscal;
953) O arguido JMo… actuou com o propósito de, em conjunto com os arguidos OC…, LC… e FS…, permitir a apropriação e a retirada de fundos das sociedades IMONAÇÕES e VILLAS D’ÁGUA, em benefício de entidades terceiras;
958)Todos os arguidos actuaram livre e conscientemente, sabendo os arguidos OC…, VM…, LC…, FS…, LM…, IC…, LAl…, TR…, JAu…, LA…, AF… e RC… que as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei;

ii. O tribunal “a quo”, a este respeito, fez constar o seguinte em sede de motivação:
Terminada que está a análise crítica dos factos objectivos da pronúncia (arts. 1° a 995°) importa tecer algumas considerações sobre os factos dos arts. 996° a 1022° do mesmo articulado, de índole subjectiva, aliás como resulta do respectivo título (“imputação subjectiva 996 a 1022”).
A prova das intenções, objectivos e finalidades a que se referem resulta, por um lado, do teor dos factos objectivos que estão provados em relação a cada um dos arguidos, bem como do que no âmbito da motivação/análise crítica se foi referindo a respeito.
Com efeito, naquela análise crítica o Tribunal sempre referiu, explicou e sustentou o que cada um dos arguidos, individualmente ou em conjunto, pretendia com a prática dos factos, os pressupostos e finalidades que lhes estiveram subjacentes e as consequências das respectivas acções e condutas.
Seria redundante repetir tudo o que se disse, motivou e explicou a propósito.
Assim sendo, tendo-se presente todos os elementos probatórios elencados de índole documental, testemunhal e por declarações de arguidos e também, na parte em que foram usadas, as regras da experiência comum, da lógica e máximas da vida, bem como o que se foi referindo e explicando a nível de motivação dos arguidos e consequências das suas condutas, conclui-se pela prova inequívoca dos factos 996° a 1011°, 1014°, 1ª parte, 1016°, 1017° e 1022° da pronúncia (este último, quanto aos arguidos OC…, VM…, LC…, FS…, LM…, IC…, LAl…, TR…, Jau…, LA…, AF… e RC…) – v. factos provados 939 a 958.
(…)
Nos arts. 1192° e 1193° da contestação (fls. 17910 a 18110), o arguido OC… limita-se a negar a prática dos factos de natureza subjectiva que lhe são imputados em sede de pronúncia.
Assim sendo, não cabe seleccionar tais factos para a factualidade provada ou não provada.

iii. Vejamos.
O recorrente pretende vir novamente discutir a factualidade dada como assente, quer sob o prisma de erro, quer sob o prisma de vício ou de nulidade, que já anteriormente rebateu, sem sucesso e ad nauseam.
Todas as questões que aqui suscita mostram-se já anteriormente abordadas, pelo que remetemos para o que aí se mostra vertido.

a. Aditaremos apenas o seguinte:
O dolo, embora sendo matéria factual, parametriza-se como um facto psicológico, de cariz interno. Isto significa que a sua apreensão não acontece, por regra (e a excepção é, precisamente, o caso de confissão integral, em que o sujeito verbaliza essa sua interna vontade e intencionalidade), de forma directa, sensorial, não é algo que seja directamente apreensível mediante observação. Ao invés, a sua indagação decorre da avaliação crítica do comportamento humano em presença, de acordo com as regras da experiência, podendo ainda ser alcançado por recurso a presunções ligadas ao princípio da normalidade.

b. Na verdade, em muitas situações, a prova dos factos resulta de outros factos que não se comprovam em si próprios, mas de ilações, retiradas face ao facto e às circunstâncias concretas do seu cometimento – cfr., a este respeito, M. Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal, Vol. I, Lisboa/S. Paulo, Ed. Verbo, 1992, págs. 297 e 298.
Tais normas da experiência são, por conseguinte, definições ou juízos hipotéticos, de conteúdo genérico, independentes do caso concreto “sub judice”, assentes na experiência comum e, por isso, independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade (Cavaleiro Ferreira, Curso Proc. Penal, II, 30).

c. Por seu turno, e no que concerne à consciência da ilicitude, não só o artº 6º do C. Civil expressamente refere que a ignorância da lei não aproveita a ninguém como, em sede criminal, tal questão se mostra há muito pacífica.
Como refere o já provecto acórdão do STJ de 14 de Outubro de 1992, no processo nº 42.918, “a consciência da ilicitude fica implícita no próprio facto, desde que seja do conhecimento geral que ele é proibido e punível.”
Em sede doutrinária, Teresa Beleza escreve in “Direito Penal”, 2.° Vol.: Na problemática do erro sobre a ilicitude, “o que está em causa é saber-se se, numa situação concreta, a pessoa tinha a obrigação de suspeitar que aquele acto realmente fosse ilícito ou lícito e, em consequência disso, intentar verificar se assim era ou não” (...), concretamente, informar-se (...). E isto porque (...) “haverá que evitar o «amolecimento ósseo» do Direito Criminal”. Por isso, “o agente não tem de conhecer a norma violada, bastando-lhe uma consciência da ilicitude material que, normalmente, se presume. E quando o facto, para além de ser uma infracção do Direito, constitui também uma violação da ordem moral e ética, o erro é normalmente evitável, já que a valoração normativa pode surgir do próprio sentimento jurídico com um maior ou menor esforço da consciência” (mesma Autora, in “Problemática do erro sobre a ilicitude”, pág. 71, retirado do Acórdão do T.R. de Guimarães, processo nº1121/04-1, de 22-11-2004).
E de igual modo se poderiam citar, entre outros, Figueiredo Dias – vide Maia Gonçalves, C. Penal Português, 18ª edição, pág. 120.

d. Nos presentes autos, o arguido JO… não prestou declarações.
Do dito decorre que, para apuramento da materialidade fáctica a este respeito (imputação subjectiva), afastada que se mostra a confissão, teremos de nos socorrer dos ensinamentos acima concisamente expostos e relativos quer ao modo de apuramento do dolo, quer da consciência da ilicitude.
E foi isso que o tribunal “a quo” fez, nos termos que acima se deixaram exarados.

e. Diga-se, aliás, que as alterações que o recorrente pretende, a este título, se fundam sempre no pressuposto de que outra seria a materialidade resultante da reapreciação fáctica.
Tal não sendo o caso – isto é, soçobrando este pressuposto – o arguido não apresenta qualquer argumento que rebata a fundamentação do tribunal “a quo” quanto à matéria nestes pontos de facto consignada, sendo certo que não se vislumbra qualquer erro a seu respeito.
Improcedem pois, nesta parte, as peticionadas alterações.

37. Pontos 943 e 951 da matéria julgada provada da pronúncia:

i. Esses pontos têm o seguinte teor:
943) O arguido OC…, actuou ainda com o propósito de obter vantagens fiscais, para si e para terceiros, através da utilização de documentos que fez produzir e sem correspondência com a realidade e através da ocultação de valores que deviam ser declarados em actos públicos e com relevância fiscal;
951) Os arguidos TR…, LF… e RD… actuaram com o propósito de, conjugando esforços com os arguidos OC… e FS…, fazerem contabilizar e pagar pela LABICER documentos que sabiam não corresponderem à verdade, de forma a gerar vantagens em sede fiscal;

ii. O recorrente entende que o tribunal “a quo” errou, no que concerne ao que deu como assente nestes dois pontos factuais, uma vez que, ainda que se estivesse perante uma facturação do BPN SA por serviços não prestados à Labicer, a mesma seria neutra ao nível do IVA (uma vez que o mesmo nunca deveria ter sido cobrado e entregue ao Estado pelo BPN SA, nem deveria ter sido pago e deduzido pela Labicer), mas não o teria sido ao nível do IRC, uma vez que o BPN SA pagou IRC sobre essa facturação por si emitida e cobrada.
Assim, a emissão da referida facturação, sendo globalmente neutra em termos de IVA, teria levado a um pagamento acrescido de IRC ao Estado, por parte do BPN SA, relativamente a um acréscimo (nesse caso indevido) de resultado líquido correspondente a € 420.000,00.
Com tais fundamentos, peticiona que seja dado como não provado o ponto 951) e a redacção do ponto 943) alterada, no que respeita ao propósito de obtenção de vantagens fiscais, se se entender que tal ponto se reporta à sua actuação em sede da emissão de facturas pagas pela Labicer.

iii. Vejamos.
Os pontos de facto que o arguido refere mostram-se em correlação com o que se mostra dado como assente nos pontos 733) a 752) da matéria de facto provada, mais especificamente com o vertido nos pontos 742) a 752).
Aí se descreve, sinteticamente, o seguinte (seguimos de perto, nesta síntese, a que foi realizada pelo tribunal “a quo” em sede de apreciação de direito):
O arguido TR… assumiu, com a concordância do arguido OC…, a negociação com proprietários rurais, tendo em vista a aquisição de um conjunto de prédios rústicos, que viriam a ser posteriormente unificados e utilizados pela Labicer, para efeitos de implantação da sua unidade industrial.
Esses terrenos foram pagos por valores superiores aos que constaram nas escrituras respectivas.
A Labicer pagou a aquisição dos valores de tais terrenos, declarados nas escrituras, no montante de € 572.900,00;
Para a realização dos pagamentos não declarados os arguidos TR…, FS… e OC… movimentaram a débito a conta da Jared Finance, junto do Banco Insular, pelo montante de € 426.965,00.
Porém, o arguido OC… entendeu que a Labicer devia suportar a totalidade dos pagamentos, pelo que, em conjunto com o arguido FS… e com o arguido TR…, foi concebida uma forma de forjar uma justificação para a Labicer realizar um pagamento que pudesse compensar o montante adiantado pela Jared.
Foi assim que, por acordo dos três, foram emitidas pelo BPN as facturas 2160 e 2161, com data de 28.3.2003, dirigidas à Labicer.
Tais facturas não correspondiam a serviços efectivamente prestados, tendo os arguidos feito produzir as mesmas com um montante total, sem IVA, de € 426.965,00, correspondente ao montante sacado sobre a conta da JARED no Banco Insular.
Os arguidos LA… e RC… tomaram conhecimento que essas facturas não correspondiam a serviços reais e que se destinavam a compensar o BPN pelo financiamento, através da Jared, da aquisição dos terrenos.
Não obstante, os arguidos TR…, LA… e RC… determinaram o seu pagamento ao BPN.
As mesmas facturas foram contabilizadas, por determinação dos arguidos administradores da Labicer, i.e., os arguidos TR…, LA… e RC…, como imobilizado incorpóreo, sendo consideradas despesas de implementação das sociedades, as quais só viriam a gerar o dever de amortizar três anos depois.
Acresce que, os mesmos administradores fizeram a Labicer deduzir o IVA pago nas facturas, no montante de € 81.123,35, sabendo ainda que a sociedade era beneficiária do referido crédito de imposto.
 
iv. O que daqui decorre – e, no que se refere à actuação do arguido JO… se mostra definitivamente assente, neste momento temporal – é simples:
Foram emitidas duas facturas falsas e o IVA pago nas mesmas, no montante de € 81.123,35, foi pela Labicer deduzido.

v. Como se deixou já consignado a propósito de um dos recursos intercalares interpostos, o IVA visa tributar todo o consumo em bens materiais e serviços, abrangendo, na sua incidência, todas as fases do circuito económico, desde a produção ao retalho, tendo como base tributável o valor acrescentado em cada fase.
A dívida tributária de cada operador económico é calculada pelo método do crédito de imposto, pois aplicada a taxa ao valor global das transacções da empresa, em determinado período, deduz-se o imposto por ela suportado nas compras desse mesmo período, revelado nas respectivas facturas de aquisição.
O apuramento do imposto devido é feito pela dedução ao imposto liquidado, do imposto suportado nas aquisições; isto é, os sujeitos passivos de IVA suportam impostos nas aquisições de bens e serviços efectuados a outro sujeito passivo e, por sua vez, liquidam IVA nas transmissões por si efectuadas. Do encontro desses dois valores apura-se o valor do IVA.

vi. É assim que opera este tipo de imposto e, como se constata pela matéria fáctica apurada, a emissão de tais facturas permitiu a existência de um crédito de imposto a favor da Labicer – com base numa realidade que o não suportava (facturas falsas) – sendo que os arguidos do mesmo fizeram uso, uma vez que o deduziram.

vii. Perante esta realidade simples, não assiste qualquer razão ao recorrente quando afirma a “neutralidade”, em sede de IVA, da emissão de tais facturas – ela claramente inexiste, face ao uso do crédito de imposto que foi realizado, no montante de € 81.123,35.

viii. Por seu turno, é indiferente para efeitos do afirmado nos ditos pontos factuais, se há ou não lugar a pagamento adicional de IRC a esse título, pelo BPN, desde logo porque por demonstrar se mostra que tal tenha efectivamente sucedido; em segundo lugar porque não há “compensações” entre impostos devidos por sociedades diversas e autónomas (a Labicer e o BPN) e, em terceiro lugar – e é esse, de facto o que aqui releva – porque o propósito de obtenção de vantagens fiscais, para si e para terceiros, através de documentos falsos, decorre claramente da restante matéria de facto provada, assim como também da mesma decorre que o arguido fez contabilizar e pagar pela Labicer documentos que sabia serem falsos, de forma a gerar vantagens em sede fiscal, designadamente para a Labicer, que assim pôde deduzir o crédito desse IVA.

ix. Atento o que se mostra exposto, há que concluir não assistir razão ao recorrente nas críticas que dirige ao decidido, quanto a estes pontos da matéria de facto, não se vislumbrando portanto razões para se proceder à sua alteração. 

v. Síntese final no que respeita ao recurso sobre a matéria de facto interposto pelo arguido JO…:

Da análise acabada de realizar resultou que:
A. Os seguintes pontos da matéria de facto provada passam a ter a seguinte redacção:
- 209) Relativamente às entidades indicadas, os montantes de descoberto concedidos sobre as respectivas contas, por determinação dos arguidos OC…, LC… e FS…, até 30 de Junho de 2007, são os seguintes:
- SOLRAC FINANCE, conta nº …, montante de 99.669.144,74€;
- JARED FINANCE, conta n° …, montante de 40.336.918,15€;
- RELTONIA FINANCE, conta n° …, montante de 8.929.389,82€;
- 222) Os arguidos vieram a permitir operações não regularizadas ou com outras finalidades, nas contas designadas A1, conforme adiante se narrará, e B1, conforme narrado atrás, não tendo o arguido JO… tido intervenção na operação referida no facto 219) que foi realizada em 5.06.2008
- 808) Por esse motivo, as acções da LABICER foram avaliadas a 2,60 € por acção, valor que os arguidos OC…, FS… e TR… sabiam ser desfasado com a realidade, uma vez que as acções tinham um valor contabilístico negativo e a empresa se encontrava em falência técnica.
Os segmentos ora retirados de tais pontos, passam a ser incluídos na factualidade não provada.
B. No que concerne a tudo o restante alegado nesta sede, entendeu-se não assistir razão ao recorrente.
C. Finalmente, e no que respeita às interpretações materialmente inconstitucionais que o recorrente invoca nesta sede, cabe-nos apenas referir que se mostra prejudicada a necessidade deste Tribunal ad quem tomar posição quanto às mesmas, uma vez que nem este Tribunal (nem o tribunal “a quo”) perfilharam os entendimentos que o recorrente considera terem estado subjacentes à decisão recorrida ou à presente, não subsistindo, pois, para este tribunal de recurso, a necessidade de se pronunciar sobre sentidos normativos que não têm aplicação no caso.
                                                      *
gb. recurso apresentado pelo arguido jv…

i. O recorrente extraiu das motivações de recurso que apresentou, a propósito desta questão, as conclusões expostas nos artºs 4.1. a 4.108. (uma vez que se procedeu já supra à transcrição integral das conclusões apresentadas por cada um dos recorrentes, opta-se por aqui se indicar apenas os números referentes às mesmas, que importam à decisão das questões que neste segmento cabe apreciar).

ii. O MºPº apresentou resposta a tais conclusões, no sentido do indeferimento da verificação das nulidades apontadas, bem como da improcedência das reapreciações fácticas pedidas (vide transcrição integral supra, em respostas a recursos).

iii. Proceder-se-á à apreciação da matéria sintetizada nas conclusões, nos termos já expostos supra em “F. Critérios da apreciação da matéria de facto.”

iv. Apreciando.

1. Ponto 97 da pronúncia – facto não provado nº 36 da pronúncia:
Entende o recorrente que deve ser dado como provado o que consta no ponto 97 da pronúncia, que o tribunal “a quo” entendeu como não assente, assim o vertendo no ponto 36 dos factos não provados provenientes da pronúncia, uma vez que entende mostrar-se demonstrado nos autos que a não alienação prévia do Banco Insular a terceiros face ao Grupo SLN/BPN seria condição impeditiva da aquisição da Fincor SGPS pelo BPN SGPS.

i. Tais factos têm a seguinte redacção:
Facto provado 93 (proveniente do ponto 97 da pronúncia, parcialmente dado como provado):
93) O Banco de Portugal não deduziu oposição à aquisição pelo BPN SGPS de acções representativas de 80% do capital social da FINCOR SGPS, o que veio a ser comunicado pelo Banco de Portugal por carta datada de 2-03-02;
Facto não provado 36:
Do facto 97 não se provou: “tal separação entre a Fincor e o Banco Insular, foi determinante para que”;

ii. O tribunal “a quo” motivou a decisão de entender dar como não provado o segmento inicial do ponto 97 da pronúncia, pelas seguintes razões (sublinhados nossos):
De toda a documentação elencada ou de qualquer outra constante dos autos e que configure correspondência trocada entre o BPN SGPS e o Banco de Portugal a propósito deste tema, não se vislumbrou qualquer elemento que permita concluir, como é pressuposto no facto 97º da pronúncia, que a separação entre a Fincor e o Banco Insular foi determinante para que o Banco de Portugal não deduzisse oposição à aquisição pelo BPN SGPS de acções representativas de 80% do capital social da Fincor (v. facto não provado 36 e facto provado 93).
Sabe-se, unicamente, até pela carta de 2.3.2002 que se acabou de mencionar, que o Banco de Portugal não deduziu oposição à aquisição, mas não se sabe, porque não se viu suporte documental bastante, que tenha imposto como condição dessa aquisição a separação entre a Fincor e o Banco Insular.
Não se olvidam, neste campo, as declarações prestadas pela testemunha APM… (supervisor do BPN, na sua qualidade de vice-governador do Banco de Portugal, nos anos de 94 até 2006. Na qualidade de vice-governador teve a supervisão de todos os bancos nacionais. Quando foi constituído o BPN acompanhou a supervisão deste banco).
Com efeito, após algumas contradições nas suas declarações relativas à existência, ou não, de comunicação formal do Banco de Portugal para o BPN no sentido de que só aceitaria a aquisição da Fincor pelo BPN SGPS caso, previamente, dela fosse separado o Banco Insular, a instâncias do Tribunal acabou por confirmar que não houve imposição formal do Banco de Portugal de que se o BPN quisesse comprar a Fincor, o Banco Insular teria que ser vendido a terceiros.
Mais referiu que previamente à venda da Fincor, teve uma reunião com o OC…, na qual teve a oportunidade de lhe comunicar, informalmente, que se ele mantivesse a sua posição de adquirir directamente o Banco Insular ou através da Fincor daria um parecer negativo nesse sentido à Administração do Banco de Portugal.
Ora, neste campo da comunicação “informal”, por um lado, estamos somente no domínio das “intenções” que só eventualmente poderiam vir a concretizar-se e, por outro, essa mesma comunicação informal em nada vinculava quer o Banco de Portugal, como instituição, quer o BPN, até porque careceria sempre, como a testemunha frisou, de um parecer negativo da Administração do Banco de Portugal, comunicação que nunca existiu.
Apesar disso, não pode deixar de salientar-se que a testemunha, quanto a este assunto, ainda explicou: “Embora não houvesse violação de qualquer ordem formal do Banco de Portugal quanto à aquisição do Banco Insular, caso esta entidade tivesse sido adquirida directa ou indirectamente pela SLN, não deixava de, inicialmente, por parte de OC… e JV…, de ter sido escamoteada a verdade, na medida em que, quando informaram que o Banco Insular tinha sido adquirido por terceiros, deviam ter, desde logo, informado o Banco de Portugal que o Banco Insular tinha sido adquirido pelo grupo”.

iii. Apreciando.
a. Considera o recorrente que esta motivação se mostra errada, dados os depoimentos do então Vice-Governador do Banco de Portugal, Dr. AMr…, à Comissão Parlamentar de Inquérito e em audiência de julgamento, o teor da carta remetida em 16.01.2002 ao Departamento de Supervisão Bancária do Banco de Portugal pelos administradores da Fincor SGPS e e-mail remetido em 21.08.2008 pelo administrador da Fincor SGPS FG… ao Dr. MF…, todos eles identificados e extractados no referido ponto 2.2. da Motivação.

b. Uma vez que o recorrente se limita a indicar tais elementos probatórios, sem especificar, concretamente, qual o erro ou vício de apreciação em que o tribunal “a quo” incorreu em relação aos mesmos, resta-nos apenas constatar que, face à motivação, não se vislumbra patente nenhum daqueles, tendo em conta o conteúdo dos elementos probatórios elencados e a discussão que sobre estes é feita.
O que o tribunal “a quo” afirma é que, face a esses elementos probatórios, não lhe foi possível chegar à certeza jurídica daquilo pelo que o recorrente pugna e, dada a sumarização feita e acima reproduzida, não se afigura que estejamos perante um erro, atentos os fundamentos de reapreciação que acima já deixámos expostos em F.
Assim, não se impõe que a convicção alcançada pelo tribunal “a quo” de não dar como provado que a separação entre a Fincor e o Banco Insular foi determinante para que o Banco de Portugal não se opusesse à aquisição pelo BPN SGPS, SA, de acções representativas de 80% do capital social daquela primeira entidade, seja alterada.
Note-se, aliás, que esta questão volta a ser suscitada no ponto imediatamente seguinte, que passaremos a analisar de seguida, remetendo-se ainda, quanto a esta questão, para o que aí se deixará vertido.

iv. Conclui-se, pois, que o recorrente se mostrou incapaz de demonstrar, quanto a este segmento, que o decidido se mostrava insuportado pela prova ou que incorria em vício que o inquinasse.

2. Pontos 75 e 67 da contestação do arguido (factos não provados 12 e 9) e contradição entre os factos provados 83 e 84 decorrentes da pronúncia e o facto provado 18 decorrente da contestação do arguido:
 
i. Os factos a que o arguido alude têm o seguinte conteúdo:
Factos da pronúncia e da contestação (provados):
83) De acordo com a estratégia delineada por aqueles três arguidos, o BPN adquiriria a totalidade da FINCOR e suas participadas, excepto o Banco Insular, cuja totalidade do respectivo capital social seria previamente vendido a uma entidade terceira, não reconhecida como pertença do Grupo BPN;
84) Ainda de acordo com o planeado pelos mesmos arguidos, essa entidade terceira seria uma sociedade registada em Offshore a fim de dificultar o acesso das autoridades ao verdadeiro titular último da mesma;
18) O ora arguido foi então abordado pelo Dr. OC…, o qual lhe sugeriu que aceitasse ficar com a titularidade fiduciária da sociedade que iria ser constituída para deter a participação no BI;
Factos da contestação (não provados):
12) Tratando-se de condição imposta pelo Grupo SLN indispensável à realização do negócio que tinha por objecto o Grupo Fincor, era a única solução que permitiria a imediata viabilização desse Grupo;
9) Do facto 67° não se provou: “por exigência negocial do grupo SLN”;

iii. Apreciando:
a. Entende o arguido que deve ser dado como provado:
. Que a separação entre o Banco Insular e a Fincor foi condição imposta pelo arguido JO…, para realização da operação de aquisição de 80% do capital social desta segunda por parte do BPN SGPS, SA;
. Que a aceitação dessa condição por parte dos administradores da Fincor (onde o recorrente se inclui) foi a única solução possível que permitiu a viabilização do projecto empresarial do Grupo Fincor.
Peticiona assim, que sejam alterados os factos dados como provados e não provados, em conformidade.
Funda essa crítica que dirige ao decidido, no teor do documento constante no Vol. 28 dos autos, a fls. 11.491 a 11.493.

b. Esse documento tem o seguinte teor:

(Imagem removida)

c. Salvo o devido respeito, não se vê como o que aí se mostra vertido pode servir como elemento probatório para o que pretende ver alterado.
Na verdade, tal relatório limita-se a sintetizar as dificuldades sentidas pela Fincor, no ano 2000, no prosseguimento do seu objecto social e a enunciar duas possibilidades alternativas de futuro, a saber: ou preservação de independência, apelo a novos accionistas e alteração de estatuto ou associação a um parceiro institucional.
Dá-nos igualmente conta que entenderam seguir pela segunda via, que tiveram contacto com vários Bancos nacionais e que as conversações com o BPN se mostravam bem encaminhadas.
E é rigorosamente apenas isto o que se retira de tal documento.
Assim:
Prova tal documento que foi por imposição do arguido JO… que ocorreu a separação entre o Banco Insular e a Fincor? Não.
Prova tal documento que essa foi a única solução para a viabilização do projecto empresarial do Grupo Fincor? Não.

d. Não se vê, por isso, como pode o arguido pretender, com base neste texto, que se dê como assente o que peticiona, já que nenhuma dessa factualidade se mostra aí vertida, nem se infere do seu texto.

iv. No que concerne à pretensa contradição entre os factos provados da pronúncia 83 e 84 e o facto provado 18 da contestação, não se vislumbra onde a mesma pode radicar.
De facto, o referido no ponto 18 vem no seguimento temporal do que é narrado nos factos provados 15 a 17 da sua contestação (15) Foi já entre o final desse ano e o início do ano de 2001 que se reabriram as negociações com o grupo SLN; 16)  No início, o negócio previsto incluía todo o património – activo e passivo – do grupo Fincor e, por conseguinte, o Banco Insular; 17) Após a reabertura do processo de aquisição da participação qualificada no Grupo Fincor – cuja suspensão havia sido requerida pelo Dr. JO…, na qualidade de Presidente do Conselho de Administração da BPN SGPS, por carta de 20 de Abril de 2001, encontrava-se, por conseguinte, “acordada” a venda do BI a entidade terceira ao Grupo SLN, surgindo então a questão de determinar a quem seria feita essa alienação;), sendo que o mencionado nos pontos 83 e 84 narra, precisamente, os contornos do negócio relativo à aquisição do Banco Insular, decorrentes da determinação de que esta seria feita por uma entidade terceira, que seria detida pelo arguido.

v. Quanto ao demais por si aludido dir-se-á que mantém plena pertinência a motivação realizada pelo tribunal “a quo”, de fls. 507 a 556 (que se mostra já supra integralmente reproduzida e para a qual remetemos), não deixando todavia de assinalar o que, pelo seu acerto (e por se mostrar por rebater pelo o que o arguido invoca) deixou exarado em tal sede motivacional, no seguinte segmento que se transcreve:
(…)
Do extenso acervo documental supra elencado, - algum dele até demonstrativo da participação do arguido VM… nas negociações com o grupo SLN para a venda e compra da Fincor -, não resulta, antes pelo contrário, que aquele grupo impôs aos accionistas do grupo Fincor, como condição para que o negócio se concretizasse, que o Banco Insular fosse alienado a entidade terceira em relação ao grupo SLN (v. art. 60º da contestação; v. facto não provado 3).
Ao invés, tudo indica claramente que houve um acordo, entre ambas as partes, na alienação a terceira entidade do Banco Insular.
E, não se confunda a “condição suspensiva” a que se referem alguns documentos com qualquer tipo de imposição.
Aquela significa que a venda da Fincor ao BPN só produziria os seus plenos efeitos quando fosse alienado o Banco Insular a entidade terceira, alienação perfeitamente compatível com um acordo nesse sentido.
Uma imposição, de modo diverso, implicaria qualquer ausência de acordo, ou seja, uma subjugação total de uma das partes à outra, sem qualquer capacidade de levar as negociações a outro “porto”.
De resto, se já antes a Fincor havia recusado o acordo com outras instituições (v. art. 56 da contestação) por simplesmente terem sido alterados os acordos de princípio a que as partes tinham chegado, não se vislumbra, neste caso, qualquer razão para que a Fincor simplesmente não se tivesse recusado a essa alegada imposição, até porque esta imposição aparentemente configurava algo de muito mais grave do que as anteriores alterações dos acordos de princípio a que tinha chegado com outras instituições financeiras.
Acresce que, se houve essa imposição – o que não se concede e só por mera hipótese de raciocínio se admite – não se percebe então porque não se vendeu simplesmente o Banco Insular a uma entidade terceira, em vez de o arguido, como vimos, ficar como fiduciário/nominee da entidade que veio a deter o Banco Insular e, este, controlado operacionalmente em toda a sua magnitude pelo BPN, ao ponto de até os fundos que serviram para a compra do Banco Insular terem tido origem no próprio grupo SLN.
Quanto à alegada informação de OC… a que alude o art. 61 da contestação, além de não se ter produzido qualquer prova cabal da mesma, remete-se para o acima explicado quanto à posição meramente informal de AMr…, Vice-Governador do Banco de Portugal, que não vinculava esta instituição e não teve qualquer seguimento de cariz formal da parte da mesma, vinculação formal que, aliás, podia ter sido testada, pois, aí, não haveria dúvidas de uma imposição, não do grupo SLN, mas da própria autoridade de supervisão (v. facto não provado 4).
Não demonstrada/provada a alegada “imposição” necessariamente que fica prejudicada a alternativa de soluções a que se refere o facto 639 da contestação, bem como os factos subsequentes que dela dependem (arts. 64 e 65, 67, parcial, 75, 76 da contestação) - v. factos não provados 5 a 7, 9, 12, 13.
(…)
Apesar da prova parcial do facto 84º da contestação (v. facto provado 24), de modo algum está demonstrado que o arguido ignorava os termos pelos quais tais fundos foram disponibilizados à Insular Holdings (v. facto não provado 18).
Por uma simples razão:
Não interessa as voltas que o dinheiro deu até entrar na conta da Fincor SGPS, no BPI, i.e., se passou por 3, 6, 10 ou mais entidades/instituições bancárias. O que interessa é a “fonte” do mesmo, a sua proveniência.
Ora, essa proveniência/fonte o arguido não podia ignorar: o dinheiro veio do grupo SLN/BPN.
É que, há 6 factos indesmentíveis com que o próprio arguido concorda:
1) Participou activamente na solução encontrada;
2) A negociação decorreu entre duas entidades: ele próprio, em representação da Fincor, e o grupo SLN/BPN, essencialmente na pessoa do arguido OC…;
3) A Insular Holdings comprou o Banco Insular à Fincor;
4) O arguido foi designado último beneficiário da Insular Holdings;
5) Era um fiduciário/nominee/testa de ferro, ou seja, dono da Insular Holdings, mas em nome de outrem – o grupo BPN/SLN;
6) Foi o grupo BPN/SLN que propôs a sua nomeação como último beneficiário, assumindo essa posição na qualidade de fiduciário, ou seja, aquele grupo era o principal interessado que o caminho seguido levasse a esta solução;
7) O arguido não pagou um cêntimo pela aquisição;
Perante este circunstancialismo o dinheiro vinha de onde?
De alguém (pessoa singular ou colectiva) estranha ao grupo SLN?
Alguma vez o arguido acreditou nessa possibilidade?
Obviamente que não..., ele sabia plenamente que o dinheiro para a aquisição provinha do grupo SLN/BPN.
As regras da experiência comum, da lógica e as máximas da vida não permitem, objectivamente, concluir de modo diverso.

vi. Assim, resta apenas concluir que o arguido não conseguiu demonstrar nem o erro nem o vício que entendia padecer o decidido, pelo que não poderá proceder o por si aqui peticionado.

3. Pontos 106 (2ª parte), 109, 114 e 119 da matéria julgada provada proveniente da pronúncia e pontos provados 1, 41 e 45 decorrentes da contestação do arguido:
O recorrente entende que a matéria constante nesses pontos, no que a si se refere, deve ser dada como não provada.

i. Os pontos de facto que o recorrente aduz têm o seguinte conteúdo:
106) Tal correspondia ao plano dos arguidos OC…, LC… e VM… no sentido de dar credibilidade ao Banco Insular perante as autoridades de supervisão de Cabo Verde, embora pretendessem consumar tal aumento de capital com fundos a sacar sobre o próprio Banco Insular;
109) Porém, conforme plano dos arguidos, para a subscrição das novas acções por parte da Insular Holdings, foi aberto um crédito no montante de USD 5.000.000,00, no Banco Insular, em nome de uma entidade registada no offshore das Ilhas Virgens Britânicas, denominada RISHONA INVESTMENTS LIMITED, detida pela entidade offshore denominada MULTIAREA CONSULTANCY, a qual era detida pela PLANFIN, ou seja, pela SLN;
114) Em 7 de Março de 2002, os arguidos OC…, LC… e VM… determinaram que sobre a conta n.° … da mesma RISHONA, fosse emitida uma ordem de pagamento a favor da conta BCP Cayman com o n° …, titulada pela entidade offshore denominada Doyle Management, cujo último beneficiário é o arguido VM…, no montante de USD 5.000.000,00;
119)Vencido o prazo de 12 meses do contrato de mútuo entre o Banco Insular e a RISHONA e como não foram pagos os juros vencidos, nem o capital, os arguidos JO…, LC… e VM… prorrogaram a operação, através de um novo contrato de renovação da operação de mútuo entre o Banco Insular e a RISHONA, incluindo no capital mutuado o constante do contrato anterior (USD 5 milhões) e os juros entretanto vencidos;
Factos provados da contestação:
1) A gestão operacional e contabilística do Banco Insular (doravante “BI”) era inteiramente assegurada pelo BPN;
41) O arguido não instruía nem registava as operações de crédito colocadas pelo grupo BPN/SLN no Banco Insular;
45) A gestão operacional do Banco Insular, a respectiva contabilidade bancária e a preparação da informação destinada ao Banco de Cabo Verde eram asseguradas pelo BPN desde a sua aquisição pela Insular Holdings;

ii. O tribunal “a quo” motivou a sua convicção nos seguintes termos:
Em Assembleia-Geral do Banco Insular realizada em 01.03.2002, cingida à presença da sua única sócia, a Insular Holdings representada por JLu…, foi deliberado aumentar o capital social para 780.000.000$00 ECV mediante a emissão ao par de 630.000 acções com o valor nominal de 1.000$00 ECV, cada uma, correspondente a 5.000.000,00 USD, integralmente realizáveis em dinheiro no ato de subscrição pela accionista única - a Insular Holdings:
Documentos de suporte:
- Apenso de busca 7, doc. 26.04, págs. 51 a 53 ou apenso Z, vol. 1, fls. 185 e 186, págs. 186 e 187 – 01.03.2002 - Acta n.° 5 da Assembleia-Geral do Banco Insular que delibera sobre o aumento do capital social para 780.000.000$00 (ECV);
E, por deliberação do conselho de administração de 22.03.2002, registada na acta n.° 37, foi definido o período de subscrição daquele aumento de capital entre 1 e 15 de Abril de 2002:
- Apenso 33 – 1-Anexo A\TRAT\3\TOZE#2\DOCS\ TOZE#2\Irmandade das Off Shores\Banco Insular\Clientes Banco Insular\Livro atas CA BI.doc ou apenso Z, vol. 1, fls.12, pág. 12 ou Braga 10, págs. 9 a 11 – 22.03.2002 - Acta n.° 37 do Conselho de Administração do Banco Insular sobre o período de subscrição do aumento de capital que é fixado entre 1 e 15 de Abril;
Acresce que por carta de 26.03.2002 o Banco Insular solicitou ao Banco Central de Cabo Verde autorização para proceder ao aumento de capital já deliberado tendo em vista “adequar os capitais próprios ao crescimento em curso da actividade do banco...”:
- Apenso Z, vol. 1, fls. 186, pág. 185 – 26.03.2002 – Comunicação do Banco Insular ao Banco Central de Cabo Verde a pedir autorização para proceder ao aumento de capital já deliberado;
Porém, ao invés da verdade formal plasmada naquelas deliberações, quem em última instância, deu autorização para se fazer o aumento de capital social do Banco Insular foi OC…, como decorre do memo de JV… para FS… de 04.02.2002 que refere expressamente “o Senhor Presidente aprovou o aumento para USD 5 milhões”:
- Apenso de busca 7, doc. 26.04, págs. 44 e 45 ou Braga, 12, págs. 75 e 76 – 04.02.2002 - Memorando de JV… para FS… com referência a aprovação por OC… do aumento do capital social – ponto v);
Ora, os fundos que serviram para realizar este aumento de capital social do Banco Insular tiveram origem no próprio Banco Insular que emprestou 5.000.000,00 USD à offshore RISHONA INVESTEMENTS LIMITED, crédito que foi aprovado em reunião do Conselho de Administração datada de 22.02.2002 (acta n.° 36), tendo o respectivo contrato sido datado de 15.03.2002.
Consequentemente, em 07.03.2002, com data-valor de 15.03.2002, aquela quantia foi disponibilizada por conta corrente caucionada associada à conta da offshore Rishona n.° … do balcão 2000 do Banco Insular:
Documentação de suporte:
- Apenso 33 – 1-Anexo A\TRAT\3\TOZE#2\ DOCS\TOZE#2\Irmandade das Off Shores \Banco Insular\Clientes Banco Insular\Livro actas CA BI.doc ou apenso Z, vol. 1, fls. 12, pág. 12 ou Braga 10, págs. 9 e 11 – 22.02.2002 - Acta n.° 36 do conselho de administração do Banco Insular que aprova o crédito de 5.000.000,00 USD à Rishona;
- Processo, vol. 101, fls. 32922, pág. 11 ou CD BPN, vol. 101 fls. 32903 – 22.02.2002 - Proposta de operação de crédito de € 5.000.000,00 aprovada por JV… e JN…;
- Processo, vol. 101, fls. 32994 a 32928, págs. 13 a 17 ou CD BPN vol. 101, fls. 32913 – 15.03.2002 - Contrato de mútuo Banco Insular /Rishona de € 5.000.000,00 assinado por JV… e JN…, em representação do Banco Insular, e pelos fiduciários em representação da Rishona;
- CD, vol.13 – Conta da RISHONA n.° … no balcão 2000 – 07.03.2002 com data-valor de 15.03.2002 – abertura de conta corrente caucionada no valor de 5.000.000,00 de USD;
A Rishona era uma sociedade não residente do universo do grupo BPN/SLN detida pela Multiarea que, por sua vez, era detida pela Planfin, Serviços de Planeamento Financeiro Internacional, SA, e tinha por procuradoras a arguida IM… e a Dra. IF…:
- Apenso 33 – 30\285\D1\C\Documents and Settings\ ANAV\Os meus documentos\ Porto\Base de dados Planfin (version 1).xis ou Bragas10, pág. 45 – Base de dados da Planfin com indicação de que a Rishona (sociedade 91) é detida a 100% pela Multiarea e tem por procuradoras IM… e IF… e, também com a indicação de que a Multiarea (sociedade 4) é detida pela Planfin que tem por directores LC… e HM…;
Ora, da conta à ordem da Rishona no Banco Insular (balcão 2000), conta n.° …, aquele montante de 5.000.000,00 USD foi transferido, em 15.03.2002, para a Doyle Management no BCP, Cayman, cujo último beneficiário era JV… (a Doyle era a entidade que recebia valores do Banco Insular por serviços de gestão prestados pessoalmente por JV…, conforme contrato de gestão entre o Banco Insular e a Doyle de 04.02.2002), donde, por ordem de JV…, foi transferida para a conta da Insular Holdings no Fortis Bank, em Londres, e daqui, por instruções de AG…, da Planfin, em 27.03.2002, foi transferida, em dois movimentos, para a conta do Banco Insular no BPN Cayman - conta n.° ….
Obviamente, a ter sido do conhecimento do Banco Central de Cabo Verde a origem dos fundos que serviram para realizar este aumento do capital social, ele não seria admitido, no sentido de que não produziria quaisquer efeitos nos rácios prudenciais, visto que, do mesmo passo, afectaria negativamente os fundos próprios do Banco Insular na exacta medida do aparente aumento de capital.
Daí que tenha sido concebido e realizado aquele longo circuito financeiro que começou no (1) Banco Insular, passou pela (2) Rishona, pela (3) Doyle e pela (4) Insular Holdings, e voltou ao (5) Banco Insular, o que tudo foi do conhecimento de IM… como decorre de seu apontamento manuscrito que consta dos designados cadernos apreendidos numa box do Parque das Nações.
Documentação de suporte:
- o supra mencionado contrato de mútuo entre o Banco Insular/Rishona;
- base de dados do CD 13 supra referida: abertura de conta corrente caucionada no valor de 5.000.000,00 na conta da Rishona, em 7.3.2002;
- Apenso R vol. 37, fls. 8846 e 8847, págs. 258 e 259 ou Bragas 10, pág. 46 e 47 – 13.03.2002 e 15.03.2002 - Instrução de RP… para LAp… a fim de operar a transferência de 5.000.000,00 USD da Rishona para a Doyle, com swift respectivo que tem expressa referência a pagamento do cliente Rishona, o que resulta também do próprio mail;
- CD, vol.13 – Conta da RISHONA n.° … no balcão 2000 – 07.03.2002 com data-valor de 15.03.2002 – Movimento a débito de 5.000.000,00 USD;
- Processo, vol. 97, fls. 31975, pág. 134 – 15.03.2002 - Swift da transferência do Banco Insular (cliente Rishona) para o BCP, conta da Doyle Management em língua estrangeira – inglês (v. tradução no vol. 130 dos autos principais, fls. 40972 e 40973, págs. 27 e 28 pdf);
- Apenso de busca 7, doc. 26.04, págs. 5 a 7 ou Apenso Z, vol. 3, págs. 232 a 234 - 04.02.2002 - Contrato de gestão entre o Banco Insular e a Doyle Management e que prevê uma remuneração para o JV… no valor de € 5.000,00 mensais;
- Apenso de busca 7, doc. 26.04, págs. 48 e 49 ou Bragas 12, págs. 105 e 106 – 08.04.2002 - Memorando de JV… para FS… no qual referindo-se ao aumento do capital social do Banco Insular diz “não disponho de documentação relativa à transferência dos USD 5 milhões para a conta da Doyle no BCP” e mais adiante refere “pouca notícia tenho do processamento ulterior à ordem que dei da transferência de saldo para a INSULAR HOLDINGS...”;
- Apenso 33 – 30\283\1\G…\Offshores\ Fortis Bank UK Fax 4 e Fax 4. Doc. ou processo, vol. 97, fls. 31976 a 31979, págs. 135 a 138 ou Bragas 10, págs. 49 a 51 – 25 e 27.03.2002 - Faxes da Insular Holdings, em nome de AG…, para o Fortis Bank relativas à transferência de 5.000.000,00 USD para o aumento do capital social - inglês (v. tradução – vol. 117 dos autos principais, fls. 37607 e 37607, págs. 215 e 216 pdf);
- Apenso de busca 7, doc. 26.07, pág. 36 ou Bragas 10, pág. 53 – 27.03.2002 - Aviso do BPN Cayman a confirmar a recepção de 2.499.956 USD remetidos pela Insular Holdings para o Banco Insular (conta à ordem n.° …);
- Apenso de busca 7, doc. 26.07, pág. 37 ou Bragas 10, pág. 54 – 01.04.2002 - Aviso do BPN Cayman a confirmar a recepção de 2.498.956 USD remetidos pela Insular Holdings para o Banco Insular (conta à ordem n.° …);
- CD, vol. 13 – conta n.° … – conta do Banco Insular no BPN Cayman: dois movimentos a crédito (2.499.956 USD e 2.498.956 USD, com datas movimento de 15.3. e 1.4.2002)
- Apenso de busca 7, doc. 26.03, pág. 3 ou Bragas 10, pág. 56 – 17.07.2002 - Fax de JV… para AF… a comunicar que o Banco Central de Cabo Verde pretende temporariamente o valor do aumento do capital depositado numa sua conta;
- Processo, vol. 107, fls. 34747, pág. 4 pdf – comprovativo do depósito do valor de 4.998.912,00 USD, que corresponde à soma daqueles dois valores, na conta n.° … do Banco de Cabo Verde por transferência operada a 26.7.2002;
- Apenso de busca 13 (cadernos de IM…), vol. 4, pág. 227 – caderno n.° 13 de 22.07.2002 a 25.11.2002 – Apontamento manuscrito de IM… que, relativamente à Rishona, refere que obteve um financiamento do Banco Insular no montante de USD 5.000.000, financiamento que transferiu para a Insular Holdings. Mais refere que esta aumentou o capital social do Banco Insular em USD 5.000.000;
Feito este percurso documental, é indubitável a prova dos factos 108° a 121° da pronúncia (factos provados 104 a 117), importando somente referir que a conta indicada no facto 120° da pronúncia está incorrecta, sendo a certa a conta n.° … (v. facto não provado 39).
Também é inequívoco, face ao teor da documentação, que o aumento de capital foi decidido pelos arguidos OC… e VM….
Aliás, o próprio arguido VM… em sede de julgamento confessou os factos 108° e 109°, 110° (relativamente às autoridades de supervisão de Cabo Verde), 111°, 112°, 113° (concessão de crédito à entidade Rishona), 115, 117, 118 (aqui, referindo, que foi o arguido OC… que lhe pediu que o dinheiro passasse por uma conta sua), 119, 120 e 121.
É certo que negou que soubesse que os fundos para o aumento de capital seriam sacados do próprio Banco Insular através do mútuo concedido à Rishona.
Não convenceu o Tribunal, de modo algum, neste pormenor não despiciendo das suas declarações.
De facto, resulta da prova documental supra elencada que:
1) No memorando por si enviado a FS… a 4.2.2002 referiu que “o Senhor Presidente aprovou o aumento para USD 5 milhões”, facto que para si, aliás, era inquestionável: aumento de capital do Banco Insular em 5.000.000,00 USD;
2) A 22.2.2002 aprova a operação de crédito à Rishona;
Resulta das actas do Conselho de Administração do Banco Insular que até essa data só tinham sido aprovados 4 créditos (BPN Carfin Rent, C.Rodrigues Gestão SGPS, S.A., CNE, Seaford), designadamente a 20.12.2001 (v. acta 35 constante do apenso temático Z, vol. 1, págs. 8 e 9).
Ou seja, depois daquele memorando enviado por VM…, o único crédito aprovado em sede do Conselho de Administração foi, imediatamente, o da Rishona correspondente ao valor exacto do aumento de capital (5.000.000,00 USD).
A correspondência não pode deixar de ficar, desde logo, imediatamente estabelecida.
Mais a mais quando:
3) A 1.3.2002, ou seja, cerca de 8 dias depois da aprovação do crédito à Rishona, a Assembleia-Geral do Banco Insular delibera aumentar o capital social em 5.000.000 USD (contravalor do correspondente em escudos cabo-verdianos);
4) A 7.3.2002 o mesmo valor é disponibilizado na conta da Rishona (conta corrente caucionada);
5) A 15.3.2002 é assinado o contrato de mútuo entre o Banco Insular e a Rishona, contrato este que está assinado pelo arguido VM…, em representação do Banco Insular, estabelecendo-se, aqui, novamente, um contacto entre o arguido e o valor em causa;
6) E - o que se revela crucial - no mesmo dia (15.3.2002) são transferidos os 5.000.000 USD da conta da Rishona para a conta da Doyle, no BCP Cayman, entidade da qual o arguido JV… era o último beneficiário, ou seja, dono;
Como podia o arguido não saber perante este circunstancialismo e encadeamento de factos?
Ao Tribunal não assiste quaisquer dúvidas de que não podia.
Tentar demonstrar o contrário implicava justificar algo que se apresenta como “impossível”!
Aliás, no já mencionado memorando de 8.4.2002 enviado por VM… a FS…, no qual se refere ao aumento de capital social do Banco Insular, o mesmo, apenas afirma: não disponho de documentação relativa à transferência dos USD 5 milhões para a conta da Doyle no BCP” e adiante mais refere “pouca notícia tenho do processamento ulterior à ordem que dei da transferência de saldo para a INSULAR HOLDINGS...”;
Essa documentação é, precisamente, a supra mencionada instrução de RP… para LAp… a fim de se operar a transferência de 5.000.000,00 USD da Rishona para a Doyle.
Todavia, note-se bem, nada diz relativamente à origem do dinheiro para o aumento do capital que teve subjacente o mútuo à Rishona no Banco Insular no valor de 5.000.000,00 USD.
Se não soubesse a origem/fonte do dinheiro, diligente como estava a ser, não teria igualmente perguntado?
É que, isso era o mais importante, ou seja, saber de onde vinha o dinheiro por contraposição ao circuito que o mesmo fez após ter saído dessa mesma origem.
Elemento que, só por si, revela que o arguido conhecia essa origem e, como não podia deixar de ser, – porque esse era o objectivo da operação –, o seu destino que passava por entrar, novamente, no Banco Insular para, então, se concretizar o aumento de capital desta instituição financeira tal como havia sido planeado desde o início.
E isto tudo, independentemente de conhecer/saber as operações intermédias em toda a sua extensão (pelo menos conhecia uma: transferência da Doyle Management, de que era último beneficiário, para a Insular Holdings, no Fortis Bank, em Londres), porquanto, estas, não são a essência da operação, simplesmente visam dar uma maior ou menor “camuflagem” àquele objectivo inicial (aumento do capital social do Banco Insular com um empréstimo concedido a uma sociedade offshore com conta no próprio Banco Insular).
Para rematar esta questão, impõe-se somente mais esta simples abordagem:
Como vimos, o arguido VM… decidiu por acordo com o arguido OC… um aumento de capital do Banco Insular no montante de 5.000.000 USD.
Apesar da sua qualidade de fiduciário, note-se, ele nunca deixou de ser o Presidente dessa instituição bancária.
Por outro lado, a proposta de aumento de capital partiu dele, foi da sua autoria, e não de qualquer terceiro.
Foi o arguido VM… que orientou os trâmites legais junto do Banco Central de Cabo Verde em ordem a que se concretizasse o aumento de capital.
Sabia, com certeza, que não foi ele na qualidade de último beneficiário da Insular Holdings que injectou o dinheiro para se realizar o aumento do capital social.
Neste circunstancialismo, perguntar-se-á, um Presidente de uma instituição bancária não sabe de onde vem o dinheiro para um aumento de 5.000.000,00 USD do capital social da instituição bancária a que preside!?
Não tem a mínima preocupação em saber quais as operações financeiras necessárias para que esse aumento do capital social efectivamente se concretize!?
Faz de conta que nada se passa, olha para o lado e espera que tudo aconteça?
Claro que não..., não faz qualquer sentido e é simples e completamente inverosímil.
(…)
Avancemos um pouco no tempo:
Cerca de um ano depois, em 28.04.2003, o Conselho de Administração do Banco Insular autorizou à Rishona um descoberto de € 500.000,00, como operação intercalar até aprovação e formalização do aumento daquele mútuo, o que veio a ocorrer em 29.08.2003, data em que foi aprovada a concessão de um crédito no montante de € 5.197.941,49, que substitui o primeiro empréstimo em dólares, tendo o respectivo mútuo, mais uma vez, sido assinado por JV… e JN…, em representação do Banco Insular, e pelos fiduciários em representação da Rishona.
O montante deste mútuo entre o Banco Insular e a Rishona - € 5.197.941,49 -, incluía o capital inicialmente mutuado e os respectivos juros entretanto vencidos:
Mais acontece que, em 03.12.2003, este crédito passou para a conta n.° … do Banco Insular do balcão 2001, fora do balanço, i.e., um balcão que, como veremos infra, não era comunicado às autoridades de supervisão de Cabo Verde, designadamente todas as operações contabilísticas dele constantes:
- Processo, vol. 101, fls. 32916, págs. 5 ou CD BPN, vol.101, fls. 32903 - Proposta de empréstimo intercalar a 90 dias de € 500.000,00 com despacho de aprovação assinado por JV… e JN…;
- Apenso Z, vol. 1, fls. 29 a 36, págs. 29 a 36 – 28.04.2003 - Acta n.° 50 do Conselho de Administração do Banco Insular que aprova a empréstimo intercalar a 90 dias de € 500.000,00;
- Processo, vol.101, fls. 32929 a 32934, págs. 18 a 23 ou CD BPN, vol.101, fls. 32913 – 29.08.2003 - Proposta de crédito e novo contrato de mútuo entre o Banco Insular e a Rishona de € 5.197.941,49 assinado por JV… e JN…, em representação do Banco Insular, e pelos fiduciários em representação da Rishona;
- Apenso 33 – 1 Anexo A\TRAT\3\Toze#2\DOCS\TOZE#2\Irmandade das offshores\ Banco insular\Clientes Banco Insular\Banco Insular-Operações de Crédito\ MUTUÁRIOS\MUTUÁRIOS BASES DE DADOS.xls – Na folha bases de dados tem menções ao empréstimo inicial em dólares, 5.000.000,00 (14-53), ao empréstimo intercalar, também em dólares, 500.000,00 (76-53) e ao empréstimo com conversão em euros, de 5.197.941,00 (130-53);
- CD, vol. 13 dos – Conta da Rishona n.° … no balcão 2000 – 29.08.2003 – 2ª conta corrente caucionada de € 5.197.941,00 e redução (pagamento) da conta corrente caucionada anterior de 5.000.000,00 USD;
- CD, vol.13 – Conta da Rishona n.° … no balcão 2001 – 03.12.2003 – 3ª conta corrente caucionada de € 5.197.941,00 e redução (pagamento) da anterior conta corrente caucionada de € 5.197.941,00 na conta n° … no balcão 2000 - operações 73598151, 73598152, 73598153 e 73598154 – passagem do crédito de € 5.197.941,49 do balcão 2000 para o balcão 2001;
E, uns anos mais tarde - quatro anos depois! -, em 27.03.2007, a Insular Holdings com dividendos de 2003 a 2006, distribuídos em 2007, que tinham por base lucros fictícios do Banco Insular - sim, porque como se verá infra, este banco deu sempre prejuízos/imparidades, aliás, de vulto -, fez creditar a conta à ordem da Rishona n.° … do balcão 2001 com a quantia de € 6.500.000,00, o que permitiu que, nessa mesma data, a Rishona pagasse o saldo da conta corrente caucionada (c/c/c/) e os avultados juros, que entretanto se tinham vencido e não foram pagos, saldo/crédito que estava associado a essa conta do balcão 2001 e que servira para o aumento de capital de 2002:
- CD vol. 13 – Conta da Rishona n.° … no balcão 2001 - 27.03.2007 – Movimento a crédito da transferência de € 6.500.000,00 provinda da conta da Insular Holdings e movimento a débito para redução ou pagamento da c/c/c/ - operações 73677864 e 7367865;
Ora, este material probatório de ordem documental permite-nos, sem margem para dúvidas, concluir pela prova dos factos 125° a 127° da pronúncia (v. factos provados 119 a 121).
Um apontamento: em relação a este crédito de que beneficiou a Rishona, bem como a quaisquer outros créditos concedidos a sociedades do grupo SLN/BPN no Banco Insular, não ficou demonstrado, em sede de julgamento, que o arguido VM… tenha determinado a transferência do mesmo para o Balcão 2001 do Banco Insular (v. facto não provado 42).

iii. Apreciando.
Os pontos de facto cuja reapreciação o arguido pretende, inserem-se na questão do aumento de capital do Banco Insular, em Março de 2002 (pontos de facto 104 a 121).

a. Em bom rigor, o arguido não impugna nem que tal aumento tenha ocorrido, nem o modo como foi financiado, nem o fim a que se dirigia – limita-se a afirmar que não era do seu conhecimento que esse aumento de capital tivesse por fim dar credibilidade ao Banco Insular perante as autoridades de supervisão de Cabo Verde, bem como que o mesmo seria realizado com fundos sacados sobre o próprio Banco.

b. Os elementos de prova que invoca resumem-se ao memorando da reunião havida entre si e o arguido JO…, em 28.02.2002, bem como ao memorando datado de 8.04.2002, por si enviado ao arguido FS…. Refere ainda o depoimento das testemunhas AJo… e EP…, corroboradoras de que não tinha o arguido JV… autonomia na concessão de crédito por parte do Banco Insular e nem sequer instruía ou registava as respectivas operações.
 
c. Salvo o devido respeito, tais elementos de prova são despiciendos, face a todo o acervo probatório que o tribunal “a quo” invoca a propósito desta questão, de que assinalámos a negrito os mais expressivos, para mais fácil apreensão do que aí se mostra vertido.

d. De facto, no que concerne ao argumento de falta de autonomia na concessão de crédito pelo Banco Insular (leia-se – na tese do arguido, nunca lhe cabia a si a iniciativa de concessão de tais créditos), este não inviabilizaria que a factualidade por si mesma demonstrasse que colaborou nos actos que determinaram tal concessão. Tanto assim é, que até assinou, em representação do Banco Insular, o contrato de mútuo celebrado com a Rishona, após ter autorizado formalmente a sua concessão. Note-se, aliás, que essa questão se mostra referida pelo tribunal “a quo” nos seguintes termos, pelo arguido não alvo de impugnação (fls. 576):
Se é certo, como se verá infra, que relativamente às operações de crédito colocadas pelo grupo SLN/BPN no Banco Insular o arguido não as instruía, (no sentido de que não tratava dos procedimentos e do estudo de viabilidade económica para a sua aprovação), ou registava, (contabilística e informaticamente no sistema próprio bancário), – v. art. 133° da contestação; v. facto provado 41 -, já não corresponde à verdade, – e isso resulta das declarações por si prestadas em sede de julgamento, – que não tinha qualquer autonomia na concessão de crédito ou que não as monitorizava.
Isto quando é certo que os aprovava, ainda que formalmente, em sede de Conselho de Administração do Banco Insular, e assinava os respectivos contratos de mútuo, e também porque, querendo, os podia ter recusado, uma, algumas, inúmeras ou todas as vezes (a não ser que se defenda que estava a agir sob coacção física ou psicológica, o que, certamente, não será o caso) e que, como o próprio referiu em julgamento, fazia questão de receber periodicamente uma listagem de todos os créditos pendentes no Banco Insular, bem como dos elementos contabilísticos necessários para efeitos de reporte à autoridade de supervisão de Cabo Verde – v. art. 133° da contestação; v. facto não provado 33.

e. Por seu turno, os memorandos a que o arguido faz referência permitem apenas concluir – naquilo que ao arguido aqui importa –que lhe faltavam elementos documentais e informações, no que respeitava a tal empréstimo (não disponho de documentação relativa à transferência dos USD 5 milhões para a conta da Doyle no BCP” “pouca notícia tenho do processamento ulterior à ordem que dei da transferência de saldo para a INSULAR HOLDINGS...”) e não que desconhecia o fim a que se destinava e a entidade que o financiava, como aliás explica o tribunal “a quo” a este propósito.

f. Finalmente, no que se refere à afirmação de que o aumento de capital não cumpria as regras impostas pelo Banco de Cabo Verde para os fins e para os objectivos com que tal operação fora apresentada, trata-se de uma mera inferência óbvia, de uma evidência, por se ter demonstrado que tal aumento de capital havia sido feito com fundos próprios do Banco Insular, o que determinaria, forçosamente, o não cumprimento dos rácios prudenciais impostos. Assim, como afirma o tribunal “a quo” e como decorre das regras de experiência comum, alguma reacção o Banco de Cabo Verde teria, caso tivesse conhecimento de tal.
Não obstante, algo diverso é poder afirmar-se, com certeza, qual teria sido essa reacção. E é precisamente a afirmação desse efectivo e objectivo desconhecimento de qual seria especificamente essa reacção (em que consistiria) – por inexistir prova que permita o seu apuramento – que o tribunal “a quo” enuncia, não havendo nesta matéria qualquer contradição.
 
g. No que se refere a todo o restante acervo probatório constante na motivação, bem como aos raciocínios que o tribunal “a quo” explana quanto ao modo como os correlacionou, o arguido remete-se ao silêncio; isto é, não lhes dirige qualquer impugnação, nomeadamente e a título meramente exemplificativo, no que concerne:
. a lhe ter pertencido a si a iniciativa do aumento de capital;
. a ter aprovado o crédito à Rishona e ter subscrito o contrato de mútuo respectivo, em representação do BI;
. ao facto de a quantia mutuada ter sido transferida da conta da Rishona no Banco Insular, em 15.03.2002, para a Doyle Management no BCP, Cayman, cujo último beneficiário era o arguido JV…;
. de a partir dessa conta, da qual era UBO, ter sido dada ordem de transferência desse mesmo montante para a conta da Insular Holdings (da qual o arguido JV… era, à data, procurador e detentor, em nome próprio, da totalidade das acções dessa dita sociedade) no Fortis Bank, em Londres;
. de tal quantia ter dado entrada na conta do BI no BPN Cayman, em 27.03.2002, provinda da dita conta da Insular Holdings.

h. Face a tudo o que fica dito, cabe realmente perguntar, na senda do já exarado pelo tribunal “a quo”: Neste circunstancialismo, perguntar-se-á, um Presidente de uma instituição bancária não sabe de onde vem o dinheiro para um aumento de 5.000.000,00 USD do capital social da instituição bancária a que preside!?
A resposta é manifestamente afirmativa – sabe sim, desde logo porque lhe era impossível desconhecer todo o circuito do dinheiro por si emprestado, já que o mútuo foi por si celebrado, uma vez que era UBO da Doyle, procurador e detentor, em nome próprio, da totalidade das acções da Insular Holdings (vide contratos de venda das acções que detinha em seu nome a quatro outros accionistas e contratos de venda com a Marazion) e presidente do Banco Insular.

iv. Assim sendo, resta-nos concluir que os fundamentos que invoca se mostram incapazes de demonstrar a falta de suporte da factualidade dada como provada e não provada, neste segmento, pelo tribunal “a quo”, pelo que se não impõe a sua alteração, improcedendo o peticionado pelo arguido nesta sede.

4. Pontos 172, 168 e 183 da matéria julgada provada proveniente da pronúncia e pontos 1, 41 e 45 dos factos provados da contestação do arguido:
Pretende o arguido que os factos provados provenientes da pronúncia sejam dados como não assentes e invoca contradição entre o seu teor e os factos  provados nos pontos 1, 41 e 45, provenientes da sua contestação.

i. Os factos provados provenientes da pronúncia têm o seguinte teor:
168)Uma vez que o Banco Insular não captava, directamente de clientes próprios, fundos que fossem suficientes para dar cobertura às operações de crédito que os arguidos OC…, LC... e VM… ali pretendiam colocar, foi necessário conceber um circuito fictício de fundos que permitisse recorrer a contas domiciliadas junto do BPN Cayman ou do BPN IFI para gerar depósitos junto do Banco Insular;
172) Os arguidos OC…, LC…, JV…, FS… e AF… vieram assim, a conceber uma forma de gerar fundos para o Banco Insular, que se traduzia na manipulação dos registos das contas e dos movimentos, sem atender à vontade dos depositantes;
183) Através deste método, montado com a colaboração do arguido AF…, os arguidos JO…, LC…, JV… e FS…, obtinham fundos no Banco Insular para financiamento de um conjunto de operações que pretendiam secretas;

ii. O tribunal “a quo” motiva a sua convicção nos seguintes termos:
F) Os memorandos de JV… e a aquisição de software e de hardware:
A aplicação informática Bank Manager, idêntica à do BPN, SA, que passou a ser utilizada pelo Banco Insular, foi adquirida a expensas do BPN, SA à Promosoft (10.2001), antes ainda da formalização da aquisição do Banco Insular pela Insular Holdings (21.12.2001):
- Apenso de busca 7, doc. 26.07 ou Bragas 12, págs. 1 a 4 – 10.10.2001 e 12.10.2001 - Carta do Banco Insular (JV…) para o BPN (FS…), e aceitação da proposta pelo BPN em manuscrito de FS…, relativas à aquisição da aplicação Bank Manager (software) e carta do Banco Insular para a Promosoft a confirmar a proposta para instalação daquela aplicação;
- Apenso de busca 7, doc. 17.12 ou BRAGAS 12, pág. 117 – 01.10.2002 - carta da Promosoft para BPN (Eng.º PFe…) com factura para o Banco Insular no valor de € 8.975,48, que tem despacho manuscrito de FS… a remeter para JV…, com conhecimento a AF…;
Por sua vez, o servidor AS400 (hardware) utilizado pelo Banco Insular até 2006 (depois as três plataformas informáticas, BPN, Cayman, Banco Insular e BPN, IFI foram instaladas num único servidor, mais desenvolvido, por instrução da administração transmitida por FS… a NM…), foi comprado pela Geslusa Trading, sociedade que consolidava no perímetro da SLN, à IBM, sendo certo que, mais tarde, em 31.08.2004, a Geslusa o vendeu à JV…, Ld.ª, por preço que, então, foi fixado por OC… (43.537,34€):
- Apenso 33 – 9\Trt\EP… \MAIL2\ EP… \C\W_BPN \ 2a_eJpeix.nsf\ Núcleo AM-Contab \0132\RE- Geslusa2.msg ou Bragas 12, pág. 206 – 26.08.2004 a 31.08.2004 – Seis e-mails, o primeiro de LAl… para AF… relativo ao software registado nas contas da Geslusa com o valor de aquisição de € 27.713,21 e o valor actualizado, após amortizações, de € 14.326,72, e-mail que AF… reencaminha para RP… que, por sua vez, envia e-mail a LAl… no qual, invocando instruções de OC…, diz que a venda deverá ser efectuada pelo preço de aquisição mais 3%, que resulta no preço de € 36.586,00 mais IVA (19%) e pede emissão de factura, ao mesmo tempo que pede por e-mail a EP… da JV…, que reencaminha para JG… que, finalmente, envia a RP… a identificação, sede, e número de contribuinte da JV…;
- Processo, vol. 115, fls. 37.030 a 37.032, págs. 6 a 8 – 02.09.2004 – Carta da Geslusa para JV… com factura da venda da Geslusa à JVMascarenhas, Ld.ª, que contém despacho manuscrito de JV… e cheque de € 43.537,34 sacado da conta do Banco Insular no Montepio Geral à ordem da Geslusa;
- Apenso 33 – 1-Anexo A\CAIXAS CORREIO\ TRAT\ 2\ Portatil\CAIXAS DE CORREIO\4a_atduar.pst\Inbox\Movimentos Mês Outubro2004.msg ou Bragas 12, pág. 207 – 05.11.2004 - E-mail de JG… para AJo…, IS… e DG…, com conhecimento a EP…, a solicitar a realização de movimentos de ficheiro EXCEL da sua autoria em anexo, que inclui, com data de 12.10.2004, o valor de € 43.537,34 com o descritivo Geslusa Trading - 4.12 AS 400 - linhas 115 e 116;
- Apenso 33 – 1-Anexo A\TRAT\3\ Toze#2\DOCS\ TOZE#2 \Geslusa Trading\Geslusa_2004-12-31_Balancete.pdf ou Bragas 12, pág. 208 – 31.12.2004 - Balancete geral da Geslusa onde consta, conta 21.1.003, a venda do AS400 à JVM, Lda. por € 43.537,34;
- Apenso 33 – 9\trt\EP…\DOCS\EP…\ C\W_b\ 2006\ Envio Dr. VM\BdCV-200606\200512 – Inventário Imobilizado.xis ou Bragas 12, pág. 215 – 2005 - Inventário do imobilizado do Banco Insular que inclui o AS 400 adquirido em 10 de 2004 pelo preço de € 43.537,34 - linha 152;
G) A operativa e as operações (instruções de OC…, FS… e AF…):
Os balcões das agências do BPN, SA captavam recursos financeiros dos seus clientes com promessas de boa rentabilidade e muitos desses recursos eram utilizados em aplicações financeiras do BPN, CAYMAN e, mais tarde, no BPN, IFI, para onde eram transferidos através das respectivas contas nostro, sendo aí abertas contas em nome dos seus titulares (as ordens de transferência para o exterior):
- Apenso de busca 7, doc. 02.25, pasta 18, págs. 156 a 158 – 12.11.2001 - Fax de AP… para OC… com os modelos dos impressos “ordem de transferência para o exterior” e “aplicações no exterior”;
- Apenso de busca 7, doc. 30.01, pasta 109, pág. 59 – 11.12.2001 ou 12.11.2001 – E-mail de AP… para FS… com os mesmos impressos a cores;
- Apenso de busca 31 (BPN, 25.10.2005 - gabinete do presidente), pasta 1 fls. 130 a 136, págs. 128 a 134 – Três exemplares de “ordem de transferência para o exterior” do SEF para o BPN, IFI, do BPN, SA para o BPN, IFI e do BPN, CAYMAN para o BPN, IFI e elementos para análise e decisão);
Ora, AF… e RP…, a solicitação de FS…, conceberam um conjunto de procedimentos designado por operativa interna BPN/BI que teve parecer de JV… e passou a ser aplicado no Banco Insular logo após a sua aquisição formal pela Insular Holdings:
- Apenso de busca 31 (BPN, 20.10.2005, gabinete do presidente), pasta 1, fls. 142 a 148, págs. 128 a 134 ou BRAGAS 13, pág. 1 – 21.11.2001 – Fax da Direcção de Operações do BPN para o Eng.º FS… com “Operativa Interna BPN/BI”, “Banco Insular Banco Sul Atlântico, condições de operacionalização do BI e BSA” e “Operativa Banco Insular”, sendo que na “Operativa Interna BPN/BI” se prevê a implementação da aplicação KAPPA – 2 “os balcões deixarão de ter acesso ao BPN, Cayman. A informática irá desenvolver um aplicativo que consolidará as posições dos Clientes no exterior independentemente do banco onde elas existem com diferimento de um dia”;
- Apenso 33 – 1-Anexo A\TRAT\3\ TOZE#2\DOCS\ TOZE#2\Irmandade das OffShores\Banco Insular\Operativa Insular\OPERATIVA INTERNA BPN.doc ou Bragas13, pág. 8 – “Operativa Interna BPN/BI” – 13.11.2001 – autor RP… - fazia parte da Direcção de Operações do BPN;
- Apenso 33 - 1-Anexo A\TRAT\3\TOZE#2\ DOCS\ TOZE#2\Irmandade das OffShores\Banco Insular\Operativa Insular\OPERATIVA BANCO INSULAR.doc ou Bragas13, pág. 12 – “Operativa Banco Insular”- 13.11.2001 - guardado pela última vez por RP…;
- Apenso 33 - 1-Anexo A\TRAT\3\ TOZE#2\DOCS\ TOZE#2\Irmandade das OffShores\Banco Insular\Operativa Insular\Resumo operativa BPNINSULAR.doc ou Bragas13, pág. 15 – Resumo da “Operativa Interna BPN/BI” – 20.12.2001;
- Apenso de busca 7, doc.26.07, págs. 2 a 14 ou Bragas 13, pág. 20 – 18.12.2001 - Memorando de JV… que “com referência aos temas abordados hoje de manhã” comenta a operativa do Banco Insular e inclui anexos designadamente quanto à estimativa de custos, referindo expressamente “A localização do AS 4000 deve ser a de JV Mascarenhas Unipessoal, Lda. em prol da opacidade tantas vezes referida” e “O signatário tem que ter acesso à base, na sua inteireza, em sintonia com a sua responsabilidade, que se reporta à totalidade do Banco”) – sublinhado nosso.
Por outro lado, o lançamento das operações a registar no Banco Insular tinha origem em instruções das administrações do BPN e da SLN, designadamente OC…, LC… e FS…, que as transmitiam directamente a AF…, ou indirectamente através de LM… e LAl…, sendo executadas na Direcção de Operações (DOP) ou na Unidade de Operações Internacionais (UOI) pelos operacionais que são identificados nos autos, a fls. 2665 e 2666 do vol. 7, os quais acediam à plataforma informática do Banco Insular. Esta questão do lançamento das operações e das ordens que eram transmitidas à DOP será objecto de mais densa análise posteriormente.
(…)
Embora não directamente versado na pronúncia (em geral), mas relacionado com a Venice (em particular), em ordem à cabal compreensão da matéria ora em causa seja-nos permitido referir que a instrumentalização do Banco Insular (a abordar infra) sucedeu a um outro sistema de financiamento oculto que antes fora implantado no BPN Cayman e que teve a sua expressão máxima no descoberto da conta da Venice nessa instituição bancária. Descoberto que já foi abordado supra a propósito dos mapas com os 10 maiores devedores e credores que eram enviados periodicamente para a CIMA (autoridade de supervisão de Cayman), nos quais não era incluída aquela sociedade offshore, apesar de a mesma ser a maior devedora do universo de clientes do BPN Cayman.
Este sistema assentou na coexistência de duas bases de dados, uma designada Cayman registo e a outra Cayman reporte.
Por um lado, o Cayman registo reproduzia todos os movimentos realmente operados no BPN Cayman, sendo que neste a conta da Venice ia acumulando um descomunal descoberto que, como já vimos, servia para financiar diversas operações do Grupo, tais como a aquisição de acções e o financiamento de empresas do Grupo, o financiamento da Camden para a aquisição da SLN Imobiliária (assunto que será abordado mais tarde) e da Marazion para a compra do Banco Insular através da Insular Holdings (subtema já abordado supra no âmbito do tema do “Banco Insular), assim como da Zemio de OC… para aquisição de acções pelo próprio no aumento de capital de 28.12.2000 (factualidade que à frente será analisada).
Por outro lado, o designado Cayman reporte era uma base de dados manipulada, fabricada, que, partindo duma simples réplica dos movimentos do Cayman registo, era construída de modo a cobrir o descoberto da conta da Venice através da desmobilização de contas a prazo de clientes individuais, que eram transferidas para a conta da Venice, procedimento este que, como veremos, viria a ser adoptado em moldes diferentes, entre o próprio Banco Insular (balcão 1) e os depósitos de clientes do BPN Cayman, com recurso às contas “nostro” e “vostro” de ambas as instituições bancárias.
Era este Cayman reporte, que não evidenciava o real e descomunal descoberto da conta da Venice, que era reportado às autoridades de supervisão de Cayman (CIMA) e ao Banco de Portugal (BdP).
Deste modo, ocultava-se/escondia-se o descoberto da conta da Venice que servia de veículo de financiamento do grupo SLN/BPN.
(…)
Com a aquisição do Banco Insular pela Insular Holdings procedeu-se à transferência dos créditos do BPN Cayman para o Banco Insular.
É por tudo isto que, uma vez adquirido o Banco Insular pela INSULAR HOLDINGS, quando se procedeu à transferência de créditos do BPN Cayman para o Banco Insular (factualidade que já foi supra analisada), - considerando que não foram saldados os milhões em crédito concedidos a sociedades offshore, incluindo a Venice, e o anormal “buraco” continuava a existir -, foi necessário planear e operacionalizar uma outra “operativa”, agora no âmbito do Banco Insular e em conjugação com o BPN Cayman, de modo a, através da instrumentalização do Banco Insular, montar um novo sistema de financiamento oculto arredado da supervisão das entidades competentes (CIMA, Banco Central de Cabo Verde e Banco de Portugal).
Esquema que se diz “oculto” por suprimido à supervisão e que, além do mais, teve por desiderato continuar a fazer face às necessidades de financiamento do grupo SLN/BPN e servir de base a diversas operações financeiras que a ele dizem respeito (v., a propósito, o documento constante do Apenso de busca 31, pasta 2, pág. 5 ou processo vol. 17, fls. 6643 ou Bragas 13, págs. 65 e 66 – Mapa de financiamentos a efectuar pelo Banco Insular – são indicadas 25 sociedades offshore - com anotações manuscritas de LC… que se referem, designadamente, à “Rishona – capital do B. Insular – 5.000.000”).
Disso nos ocuparemos de ora em diante:
Aos balcões das agências do BPN, SA que, então, aumentavam consideravelmente (já vimos supra que o BPN passou a ser um banco comercial), captavam-se recursos financeiros dos seus clientes com promessas de boa rendibilidade.
Muitos desses recursos foram utilizados em aplicações financeiras do BPN Cayman e, mais tarde, no BPN IFI sob a forma de depósitos a prazo em contas aí abertas em nome dos seus titulares.
E porque o Banco Insular não captava fundos suficientes que sustentassem e dessem cobertura às operações de crédito cuja realização era projectada por OC… e LC…, o arguido AF… (director da DOP), com o apoio de RP… (subdirector da DOP), a solicitação do arguido FS…, mas com o conhecimento e supervisão daqueles primeiros, concebeu um conjunto de procedimentos designado por operativa interna BPN/BI que teve parecer do arguido JV… e passou a ser aplicado no Banco Insular após a sua aquisição pela Insular Holdings.
Em suma: os procedimentos da designada operativa interna BPN/BI destinavam-se a dotar o Banco Insular dos fundos que ele viesse a carecer na projectada concessão de crédito oculto ao Grupo SLN.
Isto resulta cabalmente dos elementos probatórios que se passam a enunciar:
- Apenso de busca 31, pasta 1, págs. 128 a 135 ou Bragas 13, págs.1 a 8 – 21.11.2001 – Fax da DOP para o Eng.º FS… com a “Operativa Interna BPN/BI”, “Banco Insular Banco Sul Atlântico”, com as condições de operacionalização do “Banco Insular e do Banco Sul Atlântico”, sendo que na “Operativa Interna BPN/BI” já se prevê a implementação da futura aplicação KAPA:“os balcões deixarão de ter acesso ao BPN CAYMAN. A informática irá desenvolver um aplicativo que consolidará as posições dos Clientes no exterior independentemente do banco onde elas existem com diferimento de um dia”.
Nesta operativa, desde logo, prevê-se:
- o circuito das aplicações dos clientes (BPN Portugal, BPN Cayman, Banco Sul Atlântico e Banco Insular nas suas 3 fases);
- o circuito visava a aplicação de depósitos de clientes do BPN junto do Banco Insular;
- a utilização de um impresso (“ordens de transferências para o exterior”) para o efeito, impressos esses que, posteriormente, foram usados para fins que não estavam na sua génese;
- passagem dos fundos por Cayman e depois para o Banco Insular;
- a alocação dos fundos será feita pela equipa de controle do BPN, mediante avaliação das necessidades de capitais do Banco Insular em função do volume de activos existente;
- a transferência dos depósitos para Cayman, no vencimento deles, onde serão objecto de renovação ou transferência para in-shore (BPN, S.A.), ou seja, um sistema em tudo análogo ao que era aplicado no âmbito do Cayman registo/Cayman reporte;
 Para que tudo funcionasse conveniente e correctamente o mesmo documento prevê uma série de premissas que passam por:
- os balcões deixarem de ter acesso a BPN Cayman (nota nossa: não se podia correr o risco de um cliente querer ter acesso às suas aplicações em Cayman e os funcionários bancários constatarem que, afinal, as mesmas estavam no Banco Insular, onde não deviam estar);
- as informações a disponibilizar para o SIG (outro aplicativo) seriam extraídas do aplicativo consolidação, por forma a contemplarem as posições globais corretas (nota nossa: i.e., no BPN Cayman onde o dinheiro/aplicações sempre deviam estar e nunca ter saído);
Prossegue o mesmo documento com uma descrição pormenorizada das 3 fases de todo este circuito:
- fase 1: transferência dos fundos do BPN, S.A., para o BPN Cayman;
- fase 2: em função da necessidade dos fundos do Banco Insular, seria efectuada a triagem dos depósitos de Cayman para o Banco Insular;
- fase 3: quando as aplicações se vencessem, de acordo com a negociações acordadas em Cayman, os depósitos dos clientes voltariam para esta instituição (capital + juros);
Mais refere o documento em questão, o que não é de todo despiciendo, que “este circuito, utilizando o BSA como intermediário” (solução que foi posteriormente abandonada, passando a interferir em todo o processo só três instituições: BPN, S.A., BPN Cayman e Banco Insular) “garante a desejada opacidade nas relações com o Insular”. (bold nosso)
Prevê-se, desde logo a possibilidade de “retirar o BSA do «circuito» efectuando as transferências directas entre Cayman e Insular” (solução esta que foi posteriormente alcançada), sendo certo que as movimentações de fundos seria de “cariz meramente contabilístico”.
O documento prossegue, a seguir, na descrição das “condições de operacionalização”, prevendo-se, desde logo o já supra identificado supra software Bank Manager no Banco Insular, a aquisição da também supra identificada máquina AS400, a ligação “SWIFT”, a operacionalização com duas bases de dados, independentes, uma para o Banco Insular e outra para o BSA (esta, posteriormente, foi eliminada do projectado circuito), o local onde devia ficar o hardware AS400 (no CPD do BPN), o estudo de uma solução em que o BPN assegure ainda a gestão da rede do Banco Insular em todas as suas componentes (comunicações, microinformática, redes físicas, internet), bem como os custos inerentes a toda esta operacionalização.
- Apenso 33 – 1-Anexo A\TRAT\3\TOZE#2\DOCS\ TOZE#2\Irmandade das Off Shores\Banco Insular\Operativa Insular\OPERATIVA INTERNA BPN.doc ou Bragas 13, pág. 8 a 10 – 13.11.2001 – “Operativa Interna BPN/BI” – autor RP… (v. propriedades informáticas do documento a fls. 11), que, na altura, era subdirector da DOP (este documento, em boa parte, é igual ao anterior, sendo certo que será a base, face à data em que foi elaborado);
- Apenso 33 - 1-Anexo A\TRAT\3\TOZE#2\ DOCS\ TOZE#2\Irmandade das Off Shores\Banco Insular\Operativa Insular\OPERATIVA BANCO INSULAR.doc – 13.11.2001 – Proposta de “Operativa Banco Insular”, com última gravação de RP…, onde se prevê, em ordem à operacionalização, além do mais:
- uma equipa operativa e de controle (equipa do “offshore” que “irá efectuar o carregamento das operações no Banco Insular”, procedimento que, como vimos supra, numa fase inicial, ocorreu);
- uma equipa de contabilidade (“ficará responsável pela elaboração das contas completas do Banco Insular”. Equipa que, como consta do documento, “reveste-se de especial importância, em virtude dos acessos que a mesma virá a ter”. Mais se prevê que “caso se opte por ser a equipa do BPN a ficar responsável pelas contas «consolidadas» do BI, terá de ser estudada uma forma de disponibilizar à equipa do BI os balancetes do balcão que se encontra sob sua responsabilidade” – procedimento que, como sobredito, viria a ser adoptado, designadamente pela DSIT – Direcção de Serviços de Informação e Tecnologia);
- a maior “opacidade”, na medida em que se refere que “o pressuposto de se pretender a maior opacidade possível entre BI e BPN, terá de ser equacionada a abertura de correspondente externos multycurrency, para efectivação das operações que se pretendam efectuar sem recurso aos bancos do grupo BPN” (bold nosso) – a mesma opacidade vem novamente referida no parágrafo seguinte e no ponto 5º relativo às “operações de títulos”;
- Apenso 33 - 1-Anexo A\TRAT\3\TOZE#2\DOCS\ TOZE#2\Irmandade das Off Shores\Banco Insular\Operativa Insular\Resumo operativa BPNiNSULAR.doc – Resumo da “Operativa BPN-BI”, cujo ficheiro foi criado em 19.12.2001 e não tem a identificação do autor, mas tem na identificação da empresa, o “BPN” (v. propriedades informáticas do documento) operativa que, certamente por ser posterior às anteriores, é um desenvolvimento daquelas e próxima daquilo que viria a ser implementado, porquanto:
- Na “implementação de circuitos BPN/BI – Metodologia” já só prevê a intervenção de três instituições bancárias (BPN, sede; BPN Cayman e Banco Insular) ou seja, com a exclusão do Banco Sul Atlântico;
- Na “definição dos interlocutores” prevêem-se os balcões da rede BPN (“como primeiro canal de angariação de fundos”), o BPN Cayman (“funcionará como ponto de passagem dos fundos a enviar para o exterior – Banco Insular”) sendo, este último, o terceiro elo da cadeia, assumindo-se por sua vez o BPN Cayman “como seu correspondente o que nos garante à partida a desejada opacidade nas operações a efectuar”;
 - Define os impressos a utilizar para a transferência do dinheiro para o exterior (“Ordens de Transferência para o Exterior – essencial na canalização dos fundos para o Banco Insular”);
- Prevê as fases do processo operativo;
Naquela primeira fase é ainda referenciado que “por forma a que futuras transferências de aplicações para o Banco Insular não sejam visíveis pelos Balcões, estes deixarão de ter acesso a BPN Cayman e passarão a controlar as posições de cada cliente num aplicativo multimodal que a área de informática criará e que agregara o somatório das aplicações no exterior de cada cliente, não sendo visualizável onde estão”, ou seja, que permita saber o montante aplicado no exterior (interesse do cliente), mas não o banco onde se encontra (Insular ou Cayman), até porque os clientes nunca deram ordens para que as suas poupanças fossem transferidas para o Banco Insular.
Com efeito, como se prevê no documento, “fica assim garantida a confidencialidade do processo face a rede de Balcões BPN”.
A aplicação multimodal remete-nos, por sua vez, para dois softwares, denominados “Kapa” e “SIG” que efectivamente viriam a ser implementados e que serão abordados infra.
A fase 2 descreve, ao pormenor, em esquema, todo o fluxo monetário para aportar ao Banco Insular, com a utilização dos depósitos de clientes de Cayman, i.e., o circuito inicial (resgate das aplicações em Cayman, transferência das quantias para o Insular, constituição de nova aplicação nas condições acordadas em Cayman, ou seja, uma mera réplica do que havia sido negociado, não constituindo, por isso, essa nova aplicação no Insular qualquer gestão do banco em ordem a potenciar proveitos para os clientes/pessoas singulares), bem como o processo inverso do Insular para Cayman nas datas de vencimento das aplicações.
No mais, esta mais tardia operativa BPN/Insular repete o que já consta das anteriores.
- Apenso de busca 7, doc. 26.07 ou Bragas 13, pág. 20 – 18.12.2001 - Memorando do arguido JV… que refere em relação à operativa do BI: “A localização do AS 4000 Deve ser a de JV Mascarenhas Unipessoal, Lda. em prol da opacidade tantas vezes referida” “O signatário tem que ter acesso à base, na sua inteireza, em sintonia com a sua responsabilidade, que se reporta à totalidade do Banco”) – bold nosso;
Mais, deste documento resulta, inequivocamente, que o arguido JV… esteve reunido com uma ou mais pessoas com quem foram discutidos estes assuntos da operativa até porque declara: “com referência aos temas abordados hoje de manhã informa-se” e, o que tem importância fundamental, concordou com a operativa delineada e aderiu à mesma uma vez que, no mesmo documento, declara: “concorda-se, na generalidade, com os circuitos e métodos propostos”, isto quanto ao “documento de trabalho designado BI, BSA” (o primeiro que vimos supra e que ainda previa a intervenção do Banco Sul Atlântico), sendo certo que relativamente “ao documento de trabalho designado «operativa BI»” até fez exigências: “o signatário tem que ter acesso à base de dados, na sua inteireza”.
Vale o exposto por dizer que, ao contrário do que pretende fazer crer, incluindo em sede de Julgamento, o arguido JV… esteve na génese/planeamento de toda a operacionalização do Banco Insular e aderiu à forma como, posteriormente, essa operacionalização viria a ser implementada no terreno até porque, esta implementação, é praticamente uma cópia fiel do que havia sido delineado naqueles documentos, excluindo somente uma instituição – o Banco Sul Atlântico.
(…)
O facto 174° da pronúncia refere-se às operações de crédito colocadas no Banco Insular.
Essas decisões partiam dos arguidos OC… e LC….
Porém, o arguido VM…, como vimos, ainda que como fiduciário, mas também na qualidade de Presidente do Conselho de Administração do Banco Insular, aprovava formalmente os créditos nas reuniões deste órgão e outorgava, posteriormente, os contratos de mútuo às inúmeras sociedades offshore do grupo SLN/BPN.
Como tal, apesar desta actuação mais formal ou formalista, não deixava também de participar de um modo activo na decisão de colocação de operações de crédito no Banco Insular, secundando o que antes havia sido decidido pelos outros dois arguidos e aderindo a essas decisões.

iii. Apreciando.
Os pontos de facto cuja reapreciação o arguido pretende, inserem-se na narração do modo como foram gerados fundos para o BI poder proceder às operações de crédito que ali foram colocadas, uma vez que este Banco não captava, directamente de clientes próprios, fundos suficientes para tal fim (pontos de facto 168 a 184).
Entende o arguido que o tribunal “a quo” ignorou o memorando de procedimentos da sua autoria, sobre as transferências de fundos entre o BPN Cayman e o Banco Insular e seu suporte documental (denominado “Memorando de Procedimentos e Minutas Anexas – Banco Insular” constante do Apenso de Busca 7, doc. 26.04, pp. 65 e ss. e do Apenso Z, Vol. 1 fls. 196 a 220), que era bastante distinto da Operativa Interna BPN/BI e bem mais transparente. Assim, terá hipervalorizado a questão da Operativa Interna BPN/BI em detrimento de tal memorando.
Tendo o arguido apenas declarado, na generalidade, estar de acordo com os circuitos e métodos propostos na dita operativa interna, entende que tal não demonstra a co-autoria que lhe é imputada porquanto o conhecimento e a concordância genérica não são sinónimos de decisão ou de concepção.

iv. Que dizer de tudo isto?

a. Em primeiro lugar, o próprio arguido admite que o memorando de procedimentos da sua autoria nunca foi implementado, algo de que tinha pleno conhecimento.
Se não foi implementado, não se vislumbra qual a utilidade sequer da sua referência ou a sua valia, em termos probatórios.

b. Em segundo lugar, o arguido não só admite que tinha conhecimento do teor da dita Operativa Interna - que consistia na manipulação dos registos das contas e dos movimentos (a tal opacidade a que se refere nos seus escritos) – como se mostra comprovado, face ao que se deixou transcrito, que o arguido teve um papel activo na discussão e concepção dessa directiva e até fez, quanto à mesma, algumas exigências próprias.
 Assim, ao inverso do que afirma, mostra-se demonstrado o seu entendimento do que a mesma implicava, bem como a sua adesão à implementação dessa Operativa, sendo certo que tinha pleno e completo conhecimento do que com a mesma se pretendia alcançar, já que no documento a que o tribunal “a quo” acima faz referência, se descrevem pormenorizadamente as condições de operacionalidade daquela, bem como as três fases em que se subdivide.

c. Em terceiro lugar, e no que se reporta à manipulação dos registos de contas, sem atender à vontade dos depositantes, a verdade é que tal decorre, directamente, do esquema previsto na dita Operativa, designadamente na sua fase 2, em que se descreve, ao pormenor, em esquema, todo o fluxo monetário para aportar ao Banco Insular, com a utilização dos depósitos de clientes de Cayman, i.e., o circuito inicial (resgate das aplicações em Cayman, transferência das quantias para o Insular, constituição de nova aplicação nas condições acordadas em Cayman, ou seja, uma mera réplica do que havia sido negociado, não constituindo, por isso, essa nova aplicação no Insular qualquer gestão do banco em ordem a potenciar proveitos para os clientes/pessoas singulares), bem como o processo inverso do Insular para Cayman nas datas de vencimento das aplicações.

d. E a dita opacidade mostra-se necessária, não apenas para fins de ocultação de supervisão prudencial, mas igualmente para evitar que futuras transferências de aplicações para o Banco Insular sejam visíveis pelos Balcões (isto é, que os funcionários dos ditos balcões e/ou os próprios clientes, pudessem tomar conhecimento do que estava a ser feito com a autorização que haviam dado para aplicações financeiras no exterior).
Estes deixaram, efectivamente, de ter acesso a BPN Cayman, passando a controlar as posições de cada cliente num aplicativo multimodal, que agregava o somatório das aplicações no exterior de cada cliente, não sendo visualizável onde estão (vide teor da Operativa Interna); ou seja, os Balcões (e os clientes) podiam saber qual o montante aplicado no exterior, mas não o banco onde se encontrava (Insular ou Cayman).

e. E tudo isto porquê? Porque os ditos clientes nunca deram ordens para que as suas poupanças fossem transferidas para o Banco Insular, desde logo porque esta instituição bancária nem sequer era oficialmente reconhecida pelo BPN (onde tais clientes eram angariados) como pertencendo ao mesmo Grupo onde este se inseria.
Assim, a gestão discricionária de tais fundos (aplicação no exterior), não só não incluía a faculdade de abrir conta em nome destes no Banco Insular (instituição bancária terceira), como seguramente não cobria a possibilidade de ser replicada no Banco Insular a aplicação que estes tinham no BPN Cayman, como aliás explica e justifica a motivação realizada pelo tribunal “a quo”:
Prosseguindo nesta análise:
Como vimos, para operacionalizar todo o sistema previsto e delineado, a coberto duma pretensa faculdade de gestão discricionária dos fundos que era conferida por alguns clientes mediante a subscrição dum modelo de “aplicação no exterior”, procedeu-se à manipulação dos registos das contas e dos movimentos, sem conhecimento e concurso de vontade dos Clientes que, em síntese, se traduzia em replicar contas e aplicações de clientes do BPN Cayman no Banco Insular.
E isto porque – seja-nos permitido abrir um pequeno parêntesis - esta pretensa faculdade de gestão discricionária dos fundos não cobria a faculdade de abrir conta em nome do cliente em instituição bancária terceira e muito menos em replicar, no Banco Insular, a aplicação que o cliente detinha no BPN Cayman, como de resto, afirmou em julgamento a testemunha AP… (director de assuntos jurídicos e contencioso, funções que manteve no banco até ser nomeado administrador em 2003 até 24.6.2008, sendo que enquanto administrador teve a seu cargo o pelouro da direcção de assuntos jurídicos e contencioso e recuperação de crédito) que disse impressivamente: “se, então me tivessem perguntado se a subscrição daquele impresso facultava a abertura de conta em nome do Cliente noutra instituição bancária, eu teria dito que não e proporia que esse específico poder constasse do impresso”.
Falou, aliás, com conhecimento de causa, porquanto foi o autor daqueles impressos (..)”.

f. E daí que o tribunal “a quo” tenha concluído, face à totalidade do acervo probatório que analisou, que o arguido Não foi um entrave, pelo contrário, participou activamente nela, ou seja, na estratégia delineada, em colaboração com os responsáveis do grupo SLN.
Atendendo ao que o arguido invoca, mostra-se algum destes elementos de prova ou considerações abalado? A resposta é claramente negativa.

v. Finalmente, no que concerne à putativa contradição entre o constante no ponto 168 e o vertido nos pontos 1, 41 e 45 da contestação do arguido (todos factos provados).

a. Estes últimos pontos têm a seguinte redacção:
1) A gestão operacional e contabilística do Banco Insular (doravante “BI”) era inteiramente assegurada pelo BPN;
41) O arguido não instruía nem registava as operações de crédito colocadas pelo grupo BPN/SLN no Banco Insular;
45) A gestão operacional do Banco Insular, a respectiva contabilidade bancária e a preparação da informação destinada ao Banco de Cabo Verde eram asseguradas pelo BPN desde a sua aquisição pela Insular Holdings;
 
b. Salvo o devido respeito, temos franca dificuldade em conseguir lobrigar a incompatibilidade que o arguido argui.
Na verdade, o que se afirma no ponto 168, são as razões pelas quais aqueles arguidos quiseram implementar o que veio a ser denominado a Operativa Interna (isto é, a concepção de um circuito fictício de fundos), não estando nesse ponto imputado a nenhum desses três arguidos a realização das operações materiais ou tarefas necessárias para processamento dessa Operativa; por seu turno, a forma como era processada a gestão operacional e contabilística do BI, precisamente por virtude da implementação dessa dita Operativa Interna, mostra-se sintetizado nos pontos 1, 41 e 45, sendo que tais tarefas eram realizadas nas instalações do BPN, SA, por funcionários desta entidade bancária.
O tribunal “a quo”, aliás, na sua motivação, explica expressamente tal ponto, ao afirmar:
Se é certo, como se verá infra, que relativamente às operações de crédito colocadas pelo grupo SLN/BPN no Banco Insular o arguido não as instruía, (no sentido de que não tratava dos procedimentos e do estudo de viabilidade económica para a sua aprovação), ou registava, (contabilística e informaticamente no sistema próprio bancário), – v. art. 133° da contestação; v. facto provado 41 -, já não corresponde à verdade, – e isso resulta das declarações por si prestadas em sede de julgamento, – que não tinha qualquer autonomia na concessão de crédito ou que não as monitorizava.
É manifesto e óbvio que inexiste qualquer incompatibilidade entre tais matérias factuais.
 
vi. Do que se deixa dito decorre que o arguido se mostrou incapaz de demonstrar, atento o que aduziu a este propósito, que o decidido se mostrava errado e que se impunha a sua alteração, razão pela qual improcede o aqui por si peticionado. De igual modo, não se constata que, nestes pontos, se verifique algum vício que os inquine.

5. Pontos 128, 133 e 129 da matéria julgada provada proveniente da pronúncia, pontos 31 a 35 da contestação do arguido (factos provados) e pontos 21 a 23 da contestação do arguido (factos não provados):
Entende o recorrente que:
Os factos provados 128 e 133 devem ser considerados como não provados;
O facto provado 129 deve ser julgado não provado;
Devem ser considerados provados os factos 21 a 23 (factos não provados decorrentes da sua contestação).

i. A dita factualidade tem o seguinte teor:
Factos provados provenientes da pronúncia:
128) Desse modo, os arguidos OC… e VM… criaram a aparência de que a Insular Holdings tinha passado a ter cinco accionistas;
129) Contudo, em tais contratos, os arguidos fizeram apor a data de 19 de Dezembro de 2003, no sentido criar uma aparência de que a entrada dos novos accionistas se reportava a essa data;
133)Assim, mais uma vez, os arguidos OC… e VM… actuaram com o propósito de enganar as autoridades de supervisão do Banco Insular, criando a aparência de o mesmo funcionar de acordo com as regras internacionais, continuando a manter o controlo sobre a actividade do Banco;
Factos provados provenientes da contestação do arguido:
31) Em 2007, foram subscritos pelo arguido, na qualidade de vendedor, novos contratos de compra e venda de acções representativas do capital da Insular Holdings;
32) Por via de cada um desses contratos, o ora arguido, na qualidade de vendedor, alienava a cada um dos aí denominados “compradores” (JLu…, CN…, SAu… e JPA…) acções representativas de 20% do capital social da Insular Holdings;
33) Tendo estes “novos accionistas” subscrito cartas dirigidas à Fiduciary Management Limited – uma sociedade de gestão de sociedades offshore - em que comunicavam a realização das referidas transacções para efeitos de registo da titularidade das mesmas em seu nome próprio;
34) Na mesma data, esses mesmos “accionistas” assinaram contratos de compra e venda dessas acções a favor da referida Marazion Holdings LLC;
35) Foi o arguido que sugeriu que fossem celebrados tais contratos de compra e venda de acções, tendo a SLN indicado um desses “novos accionistas” (o Dr. JGo…);
Factos não provados provenientes da contestação do arguido:
21) Do facto 94° não se provou: “os quais, por mero lapso de escrita, se encontram datados de 19 de Dezembro de 2003”;
22) Do facto 96° não se provou: “nunca se veio a realizar por insuficiência documental alegada pelas entidades responsáveis por fazê-lo”;
23) Do facto 97° não se provou: “que não foram, porém, assinados pelos respectivos administradores desta última”;

ii. O tribunal “a quo”, a este propósito, teceu as seguintes considerações:
Enfrentemos o subtema seguinte que se poderá enquadrar, digamos assim, na “alteração da estrutura accionista do Banco Insular” (arts. 128° a 139° da pronúncia):
Comecemos por afirmar, para encurtar caminho, que o arguido JV… confessou, em sede de julgamento, os factos 128° a 134° e 136° a 138° da pronúncia, explicando, neste âmbito, todo o circunstancialismo que rodeou a dispersão do capital social do Banco Insular por mais 4 accionistas.
Quanto ao facto 135°, porém, declarou que as incorrecções no contrato ocorreram por manifesto lapso (abordaremos, posteriormente, esta versão do arguido) e, no que concerne ao facto 136° declarou que não houve intenção de enganar as autoridades de supervisão do Banco Insular (também, abaixo, será analisada esta posição do arguido).
Sem prejuízo, será sempre curial fazer uma análise da prova documental constante dos autos até para reforçar ou infirmar as declarações do arguido, sem esquecer, obviamente, que nesta parte também está pronunciado outro arguido (OC…), o que implica, por isso, a abordagem dessa mesma prova documental.
Ora, como se verá infra e resulta da documentação e outros elementos probatórios que ao longo desta motivação serão apresentados, JV…, que ainda estava na fase de perfeito entendimento com OC… e de total colaboração no esquema montado de ocultação do submundo creditício do Grupo SLN/BPN, manuscreveu uma carta dirigida a OC… “porque a delicadeza do tema não aconselha processadores de texto” (sublinhado nosso) na qual, face a directivas comunitárias, propunha uma fictícia dispersão de capital da INSULAR HOLDINGS de modo a que cada accionista não detivesse uma percentagem do capital social igual ou superior a 20% em ordem a, em última análise, continuar a ser assegurada a ocultação da real titularidade do Banco Insular.
Na sequência desta proposta que OC… aceitou, JV… produziu uma série de contratos pelos quais, primeiramente, “vendeu” 80% das acções da Insular Holdings que, como vimos supra, aparentemente detinha em nome próprio, a LFe… (20%), a SAu… (20%), a CF… (20% e a JPG… (20%).
Estes contratos escritos foram datados de 19.12.2003 mas, na verdade, foram subscritos em data não determinada de 2007, situada entre 27.07.2007, que é a data da carta manuscrita por JV… dirigida a OC… que lhes antecede, e 06.08.2007, que é a data das cartas com confirmações dirigidas aos fiduciários de Gibraltar que lhes sucedem.
Naturalmente, não se registaram quaisquer fluxos financeiros que tivessem respeitado àquelas compras e vendas.
E, simultaneamente, JV… e aqueles “4 novos sócios” da Insular Holdings subscreveram outros contratos de compra e venda pelos quais declararam vender à Marazion as acções da Insular Holdings que tinham passado a deter, procedimento em tudo semelhante àquele que antes fora adoptado quando, em 2002, JV… subscreveu um contrato de compra e venda pelo qual declarou vender à Marazion a totalidade das acções da Insular Holdings que aparentemente detinha.
Estes cinco contratos (de VM… e de mais os “4 novos sócios”), que continham declaração de quitação dos respectivos preços, na altura não foram datados, nem foram assinados pela identificada compradora, a Marazion (pelo menos, no processo, nunca se viu que algum desses contratos tivesse sido assinado pela compradora), sendo certo que, também, não foram acompanhados de quaisquer fluxos financeiros para pagamento e recebimento dos ficcionados preços.
Por outro lado, cumpre notar que estes contratos, para além de terem uma data aposta que não corresponde à data efectiva em que foram subscritos, padecem de erros quanto à quantidade de acções pretensamente transaccionadas.
Na verdade, o capital social da Insular Holdings, conforme mostram os correspondentes certificados de incorporação a favor da Fiduciary Trust Limited e da Fiduciary Nominees Limited, estava representado por 750 acções no valor de 1000,00 GBP cada, que não por 750.000 acções, conforme se mencionou nos pretensos contratos de compra e venda de acções da Insular Holdings fabricados em 2007.
Ora, o que vem sendo dito, resulta cabalmente da já mencionada confissão do arguido JV…, bem como da seguinte documentação carreada para os autos, embora, como sempre ocorreu, dispersa por milhões de documentos em dezenas de locais:
- Apenso de busca 5 pasta 5, (doc. 43), págs. 205 e 206 ou apenso Z, vol. 1, fls. 46 e 47, págs. 46 e 47 ou Apenso R, vol. 48, págs. 85 e 86 ou Bragas 11, págs. 1 e 2 - 27.07.2007 – Carta manuscrita de JV… para OC… - ocultação da identidade dos sócios da Insular Holdings à luz da directiva Basileia II mediante dispersão do capital social de tal modo que nenhuma participação fosse igual ou superior a 25%.
Nesta carta, não se pode deixar de realçar o seguinte trecho:
“Vou tentar fazer letra legível, já que a delicadeza do tema não aconselha processadores de texto.
(...) eu soube que o BI vai ser interpelado pelos seus correspondentes portugueses, por força da norma do Banco de Portugal, relativamente aos seus accionistas. Se o agente fiduciário declarar que não há sócio da Insular Holding Limited com mais de 20% do capital” – o que, na altura, seria uma completa mentira – “mantém-se a relação de correspondência e não têm que indagar mais. A directiva (e a lei portuguesa que a transcreve) só obrigam à identificação dos sócios de bancos com mais do que 25%.
Isto levou-me a fazer diligências, tendo arranjado 5 sócios, cada um com 20%:(...)” – sublinhado nosso;
- Apenso de busca 1 (BPN – 28.10.2008 – processo, vol. 2, pág. 18 a 32), doc.54, págs. 56 a 59 ou apenso Z, vol. 1, fls. 50 e seguintes ou Braga 11, págs. 3 a 14 – 19.12.2003 (!?) – Contratos de compra e venda com datas forjadas (a data do bilhete de identidade de JV… é 19.10.2006) – JV… vende 20% da participação na Insular Holding a cada um dos seguintes novos sócios: CN…, JPA…, JLu… e SC... no total de 600.000 acções e assim fica a deter apenas 20% (150.000 acções);
- Apenso de busca 1 (BPN – 28.10.2008), doc. 54, págs. 61 a 66 – 06.08.2007 - Cartas de JV… com confirmações dirigidas à Fiduciary Management Limited, em Gibraltar;
- Apenso de busca 1, BPN, doc. 54, págs. 68 a 74 ou apenso Z. vol. 1, fls. 50 e seguintes ou Braga 11, págs. 15 e seguintes – s/data - Contratos de compra e venda entre JV…, CTa…, JGo…, JLu… e SC…, como vendedores, e a Marazion, como compradora, da totalidade das participações sociais da Insular Holdings -750.000 acções (!?) - assinados pelos vendedores mas não assinados pela compradora, nos quais é dada quitação do preço e que não registaram quaisquer fluxos financeiros;
- Apenso 33 – 1-Anexo A\TRAT\1\PC-Dr.-P…\DOCS\C\Documents and Settings\g003214\Os meus documentos\Declarações de Trust\36 INSULAR HOLDINGS Ltd ou Bragas 8, págs. 105, 107, 108 e 110 – 03.08.2001 - Certificados de incorporação das 750 acções no valor de 1.000,00 GBP, cada uma, do capital social da Insular Holdings a favor da Fiduciary Trust Limited e da Fiduciary Nominees Limited;
- Processo, vol. 6, fls. 2088, pág. 45 – s/ data - Cópia do contrato de compra e venda de acções da Insular Holdings entre JV…, como vendedor, e Marazion, como compradora, pelo preço de 750.000,00 libras que o vendedor declara ter recebido e do qual dá quitação sem data e assinado apenas por JV…;
- Processo, vol. 35, fls. 13731, pág. 54 ou fls. 13859, pág. 185 ou vol. 45, fls. 17208, pág. 149 – s/data – Cópia do contrato de compra e venda de acções da Insular Holdings entre JV…, como vendedor, e Marazion, como compradora, pelo preço de 750.000,00 libras, que o vendedor declara ter recebido e do qual dá quitação, sem data e sem assinaturas;
- Apenso R, vol. 4, págs. 218 a 225 pdf - 03.07.2008 – relatório do Banco Insular de JV…, dirigido a MF…, nos termos do qual JV… escreveu “preferiu criar a ficção da exclusão do banco do conjunto então adquirido, tratando a PLANFIN de constituir uma sociedade britânica denominada Insular Holdings de que aceitei ser o beneficiary shareholder ainda que no mesmo acto tenha assinado um contrato de venda da totalidade das acções a uma sociedade americana que me foi indicada.” (sublinhado nosso).
A questão do alegado lapso das datas dos contratos (constar o ano de 2003 em vez de 2007, este último, o ano em que efectivamente, como vimos, os mesmos foram outorgados):
Se algum lapso ocorreu foi o de no documento constar a data do bilhete de identidade do arguido JV… (9.10.2006) – o que não deveria ter ocorrido -, uma vez que é com base nela que se logra apurar que a data dele constante como o de assinatura não é correta, melhor dizendo, é falsa.
Esta, como está bom de ver, não ocorreu por manifesto lapso como sustentou o arguido.
Consciente ou inconscientemente, em sede de declarações por si prestadas, o próprio arguido dá a resposta para este procedimento.
De facto, como explicou, a Marazion ainda não havia assinado o contrato inicial, o de 2002, pelo qual o arguido declarara vender à mesma a totalidade das acções da Insular Holdings que “aparentemente” detinha.
Sabe-o, porque questionou o arguido OC… sobre isso, ao que este lhe respondeu que as acções da Insular Holdings ainda estavam em seu nome.
Posto isto, no entender do Tribunal, a simples razão porque nos novos contratos (dispersão pelos 5 accionistas), conscientemente, foi aposta a data de 2003 em vez de 2007 (ano em que, na verdade, foram outorgados) é a seguinte:
Se algo imprevisto ocorresse garantia-se a dispersão do capital desde o distante ano de 2003, bastando, para tanto, a Marazion na qualidade de compradora assinar os contratos em referência.
Nada mais...
Repete-se, a propósito, o que já acima foi dito quanto ao contrato assinado em 2002 pelo qual o arguido declarara vender à Marazion a totalidade das acções da Insular Holdings que “aparentemente” detinha:
A Marazion era uma sociedade offshore cujo último beneficiário era a SLN ou sociedades por esta participadas.
Assinado o contrato, ficava imediatamente estabelecida em termos formais, a ligação entre o Grupo SLN/BPN e o Banco Insular, ou seja, aquela seria o proprietário deste, ligação que, todavia, a todo o custo se pretendia evitar.
É que, estabelecida a ligação formal, necessariamente que o Banco Insular teria que ser objecto de consolidação no sector financeiro do grupo SLN e passaria, imediatamente, a estar sujeito à supervisão do Banco de Portugal o que, obviamente, também se quis evitar.
No entanto, o grupo SLN/BPN não podia, de modo algum, ficar completamente desprotegido.
E se o banco singrasse?
O arguido VM… podia sempre reclamar a propriedade do banco, aliás, em consonância com a ordem formal até então estabelecida.
Por isso, aquele contrato, sem a assinatura do comprador, i.e., da Marazion.
Ou seja, correndo o Banco Insular de feição, a qualquer momento, a administração da SLN podia determinar a assinatura do contrato pela Marazion, com a data que bem entendessem, ficando aquele Banco na propriedade do grupo, com todos os seus activos e passivos.
Correndo menos bem, ou mal, sempre podiam argumentar, aliás, como o fizeram, que o Banco Insular não pertencia ao grupo uma vez que aquele contrato nunca tinha sido assinado pela Marazion, eximindo-se ou tentando eximir-se, desde modo, a qualquer responsabilidade de consolidação da instituição financeira no grupo e à supervisão do Banco de Portugal.
E, adianta-se:
Mas, se corresse bem, a propriedade do Banco Insular só poderia ser plenamente justificada se a transferência da mesma ocorresse em ano distante (2002/2003), porquanto, foi a partir dessa altura que o grupo SLN/BPN começou a inundar aquela instituição bancária com créditos de valor avultado a dezenas de sociedades offshores.
Por isso, a aposição de data do ano de 2003 nos contratos outorgados em 2007.
Aliás, a acreditar na versão do arguido, a tratar-se de “lapso” não seria explicável que por ninguém interessado tivesse sido detectado e mandado corrigir.
Sendo que importa levar em conta que, a dar-se crédito a tal versão, se imporia aceitar que o “lapso” não foi notado pelo arguido, nem também por qualquer outro dos quatro subscritores de contratos semelhantes, nem ainda por OC… ou por qualquer dos colaboradores da Planfin para quem os escritos foram enviados.
Isto quando se vê que o “lapso” em questão se apresenta a qualquer pessoa conhecedora do negócio como evidente e notório, dado que consta de escritos (os cinco contratos) de texto simples com data bem legível do ano de 2003 mas assinados e formalizados no ano de 2007.
No que concerne à alegada falta de intenção de enganar as autoridades de supervisão do Banco Insular (directamente o Banco Central de Cabo Verde e, indirectamente o Banco de Portugal) os acontecimentos ocorridos e os documentos indicados falam por si, sendo evidente que houve essa intenção.
Aliás, foi essa intenção que esteve na base da outorga dos contratos, cujo fito foi continuar a manter a aparência de que o Banco Insular não era do grupo SLN/BPN.
De facto, a manter-se o arguido JV… como accionista único da Insular Holdings ou seu último beneficiário, face às regras de Basileia II, podia ser confrontado sobre a titularidade do Banco Insular por bancos correspondentes e pelo Banco de Portugal e, nessa altura, uma vez que era um mero fiduciário, poder ter que revelar que o verdadeiro dono do Banco Insular era o grupo SLN/BPN.
Forma de evitar isso: dispersar o capital por 5 accionistas, cada um com 20%, e, assim, face àquelas regras, não correr o risco de indagação por parte dos bancos correspondentes e do Banco de Portugal, mantendo-se, consequentemente, o “status quo” anterior, ou seja, a detenção fiduciária, agora, por 5 em vez de 1, continuando, porém, o grupo SLN/BPN a ser o verdadeiro dono do Banco Insular.
E, se dúvidas houvesse, o arguido JV… explica isto tudo, preto no branco, de forma manuscrita, na carta de 27.7.2007 que enviou a OC… (carta identificada supra).
Em resumo: face ao que se deixa exposto é de concluir pela prova quase integral dos factos 1280 a 1390 da pronúncia (factos provados 122 a 133) e, dizemos, quase integral, porque se impõe uma correcção:
O aumento de capital, como referido supra, não ocorreu em Dezembro de 2003, mas antes no ano de 2002 (v. facto 1350 da pronúncia; v. facto não provado 43).
 
iii. Apreciando.
Os pontos de facto cuja apreciação o recorrente critica inserem-se na narração da dispersão do capital da Insular Holdings.
Sinteticamente:
. o arguido defende que se deveria ter entendido que a data referente à emissão do seu Bilhete de Identidade é um mero lapso, à semelhança do raciocínio feito a propósito do número de acções que cabia a cada um dos diversos accionistas da Insular Holdings;
. que, para se dar como demostrado, como se deu, que ocorreu uma alteração da estrutura accionista da Insular Holdings em 2007 teria sido necessário que:
- se mostrasse documentalmente demonstrado que a Fiduciary Management Limited registara efectivamente a mudança de titularidade das acções representativas de 80% do capital social da Insular Holdings a favor dos quatro referidos indivíduos (o que não foi feito);
- tivesse sido obtida informação junto do Banco de Cabo Verde se a alegada dispersão do capital social da Insular Holdings lhe fora comunicada, pois esta é uma formalidade obrigatória, o que também não foi feito.
 
iv. Vejamos então.

a. No que concerne à dita alteração da estrutura accionista, não assiste razão ao recorrente.
De facto, a prova da mesma não tem forçosamente de decorrer do que invoca. Estamos no âmbito do direito penal e a prova é apreciada livremente, sendo certo, para mais, que o que importa é se a que foi efectivamente produzida (e não aquela cuja inexistência os recorrentes resolvem apontar em sede de recurso) é ou não suficiente para fundar a convicção alcançada pelo julgador.

b. No caso, como acima se deixou já transcrito, o tribunal “a quo” elencou uma série de elementos probatórios, analisou-os e apreciou-os à luz das regras de experiência comum e, quanto ao que aí é efectivamente enumerado e explicitado, o arguido não suscita qualquer outro argumento que não seja a sua indignação quanto ao raciocínio, que entende falso, de pretender aspirar a reclamar a propriedade do Banco Insular.

c. Sucede, todavia, que esse raciocínio não é o que o tribunal “a quo” enuncia.
O que este afirma é que interessava ao arguido JO… que os contratos através dos quais os quatro novos accionistas da Insular Holdings (a que acresce o contrato assinado pelo próprio arguido JM…), declaravam vender essas acções à Marazion, não fossem por esta última assinados, porque, se o fossem, imediatamente estaria desfeito o logro quanto ao real proprietário do Banco Insular: Assinado o contrato, ficava imediatamente estabelecida em termos formais, a ligação entre o Grupo SLN/BPN e o Banco Insular, ou seja, aquela seria o proprietário deste, ligação que, todavia, a todo o custo se pretendia evitar. É que, estabelecida a ligação formal, necessariamente que o Banco Insular teria que ser objecto de consolidação no sector financeiro do grupo SLN e passaria, imediatamente, a estar sujeito à supervisão do Banco de Portugal o que, obviamente, também se quis evitar.

d. Todavia, e de forma a evitar que o arguido JV… pudesse vir a reclamar, por hipótese académica, a propriedade do dito Banco Insular (caso este singrasse, o que não sucedeu de todo), a única assinatura que faltava apor era a da Marazion e sobre esta entidade o arguido JO… tinha completo domínio. Na verdade, mostrando-se assinados os contratos por todos os accionistas, se fosse necessária a aposição da assinatura da Marazion, era diligência rápida e inteiramente dependente da vontade do arguido JO….

e. Ad latere dir-se-á que a citação que o arguido “transcreve” e que refere mostrar-se vertida na motivação tem, efectivamente, o seguinte conteúdo:
Provado que está parcialmente (facto provado 33) se é certo, como se verá infra, que a Fiducary Management não registou logo a titularidade das acções em nome dos “novos accionistas por insuficiência documental, de forma alguma foi demonstrado, nos autos e julgamento que essa insuficiência nunca foi suprida e que nunca tenha sido feito o registo da nova titularidade (v. facto não provado 22).
Aliás, usando de igual raciocínio do arguido, tendo presente a carta a que alude no art. 93º da contestação, tudo levaria a crer ter sido feito o registo da nova titularidade.
Como se vê, o último parágrafo (aquele que o arguido parcialmente cita) corresponde à demonstração de que se chegaria a idêntica conclusão, ainda que se seguisse o raciocínio que o arguido expende. Mas isso não significa nem que o tribunal “a quo” com o mesmo esteja de acordo, nem que aí funde o que anteriormente já deixou dito quanto a esta questão – trata-se, apenas, de rebate a um argumento pelo próprio arguido avançado.

f. Assim, revista a motivação realizada pelo tribunal “a quo”, mostra-se fundada a crítica que o recorrente lhe dirige, constata-se que tenha incorrido em algum erro de lógica irreparável? Não.
Os elementos probatórios que o tribunal elenca e a conjugação que dos mesmos faz, mostram-se contraditados pelo arguido? Não.

v. No que se refere aos raciocínios que o tribunal “a quo” expõe quanto aos putativos erros de apreciação relativos à data da celebração dos contratos de alteração da estrutura accionista da Insular Holdings, o arguido labora em erro manifesto.

a. Na verdade, o tribunal “a quo” entendeu que a data dos mesmos era aquela, não com base na circunstância de o seu bilhete de identidade ter uma data de emissão 3 anos posterior à que constava nos ditos contratos (essa foi uma mera circunstância factual corroboratória), mas antes com fundamento em escrito, datado pelo próprio arguido e relativamente ao qual confessou a sua autoria em julgamento, dirigido ao arguido JO…, que clara e inequivocamente demonstra não só as razões pelas quais tais contratos foram celebrados, como o ano a que se reportam: - Apenso de busca 5 pasta 5, (doc. 43), págs. 205 e 206 ou apenso Z, vol. 1, fls. 46 e 47, págs. 46 e 47 ou Apenso R, vol. 48, págs. 85 e 86 ou Bragas 11, págs. 1 e 2 - 27.07.2007Carta manuscrita de JV… para OC… - ocultação da identidade dos sócios da Insular Holdings à luz da directiva Basileia II mediante dispersão do capital social de tal modo que nenhuma participação fosse igual ou superior a 25%.
Nesta carta, não se pode deixar de realçar o seguinte trecho:
Vou tentar fazer letra legível, já que a delicadeza do tema não aconselha processadores de texto.
(...) eu soube que o BI vai ser interpelado pelos seus correspondentes portugueses, por força da norma do Banco de Portugal, relativamente aos seus accionistas. Se o agente fiduciário declarar que não há sócio da Insular Holding Limited com mais de 20% do capital” – o que, na altura, seria uma completa mentira – “mantém-se a relação de correspondência e não têm que indagar mais. A directiva (e a lei portuguesa que a transcreve) só obrigam à identificação dos sócios de bancos com mais do que 25%.
Isto levou-me a fazer diligências, tendo arranjado 5 sócios, cada um com 20%:(...)” – sublinhado nosso;

b. Assim, a data relativa à emissão do bilhete de identidade do arguido que consta em tais contratos não se reconduz, manifestamente, a um mero lapso de escrita, mas antes se mostra correcta (quem procedeu à elaboração dos mesmos não tomou em devida atenção a contradição que decorreria entre a data da sua pretensa celebração – 2003 - e a data que constava no título identificativo pertencente ao arguido - 2006), uma vez que está de acordo com o momento temporal em que se passou a justificar a necessidade de dispersão do capital da Insular Holdings por vários accionistas, de modo a que nenhum deles detivesse acima de 25% do seu capital social.

c. E esse momento temporal é definido pela transposição para o ordenamento jurídico português do Acordo de Basileia II, que ocorreu em 2007.
Estes contratos escritos foram datados de 19.12.2003 mas, na verdade, foram subscritos em data não determinada de 2007, situada entre 27.07.2007, que é a data da carta manuscrita por JV… dirigida a OC… que lhes antecede, e 06.08.2007, que é a data das cartas com confirmações dirigidas aos fiduciários de Gibraltar que lhes sucedem.

vi. Do que se deixa dito decorre que o arguido se mostrou incapaz de demonstrar, atento o que aduziu a este propósito, que o decidido se mostrava errado e que se impunha a sua alteração, razão pela qual improcede o aqui por si peticionado. De igual modo, não se constata que, nestes pontos, se verifique algum vício que os inquine.

6. Pontos 219 a 222, 946, 947 e 958 da matéria julgada provada proveniente da pronúncia e factos não provados 46 a 51, provenientes da contestação do arguido:
 O recorrente pretende que se dê como provada a sua versão quanto à natureza dos montantes recebidos na sua conta B1 e por si utilizados.

i. Os factos em questão têm a seguinte redacção:
Factos provados provenientes da pronúncia:
219) Na referida conta B1 no Banco Insular foram ainda creditados outros montantes, entre os quais:
- No dia 27.03.2007, a quantia de € 112.438,38 cuja contraparte foi a conta de resultados do Banco Insular;
- No dia 12.07.2007 a quantia de € 63.668,00 cuja contraparte foi a conta de resultados do Banco Insular;
- No dia 02.06.2008 a quantia de € 80.185,99 cuja contraparte foi a conta de resultados do Banco Insular;
220) Tais montantes creditados na conta B1 foram sacados pelo próprio arguido VM…, através da emissão de dois cheques bancários, datados de 05.06.2008 no montante de 80.000,00€ a favor de JV…, quantia que corresponde ao saque do pagamento dos resultados do Banco Insular e de 21.04.2008, no montante de 97.192,00 €;
221) Com base na conta B1, foram ainda efectuados vários pagamentos de despesas pessoais do arguido VM…, designadamente, de uma viatura, através de duas transferências de 13.694,28€ e 18.138,12€ respectivamente; de uma factura no montante de 10.000,00 € a TM…; pagamento relativo a impostos do arguido VM… no montante de 17.332,51€;
222) Os arguidos vieram a permitir operações não regularizadas ou com finalidade ilegítima nas contas designadas A1, conforme adiante se narrará, e B1, conforme narrado atrás;
Factos não provados provenientes da contestação do arguido:
46) As quantias referidas no facto provado 219° da pronúncia reportam-se integralmente ao pagamento de remunerações auferidas pelo arguido nos anos de 2006 e 2007 pelo exercício das actividades de prestação de serviços ao Banco Insular e de administração da SLN Cabo Verde, S.A.;
47) Até 2006 o arguido auferia mensalmente a quantia de € 5.254,87 que lhe era paga através da J.P.Mascarenhas & Filhos, Ld.ª;
48) A partir de 1 de Março de 2006 por via da sua nomeação para Presidente do Conselho de Administração da SLN Cabo Verde, passou a acumular tais quantias (€ 5.254,87 + € 5.000,00) com a remuneração de € 10.000,00;
49) Desde 1 de Março de 2006, o pagamento dos diversos montantes que lhe eram devidos foram redistribuídos, numa perspectiva de grupo consolidado, entre a SLN Cabo Verde, S.A., e o Banco Insular;
50) O Banco Insular pagava, desde então, a parte da sua remuneração total correspondente ao exercício do cargo de Presidente do Conselho de Administração da SLN Cabo Verde (€ 10.000,00) e à prestação de serviços do Banco Insular que ascendeu, no ano de 2007, a € 5.917,00, sendo os remanescentes € 5.254,87 (anteriormente abonados pela J.P. Mascarenhas & Filhos, Ld.ª) pagos, em Portugal, pela SLN Cabo Verde, S.A.;
51) A ordem de transferência de € 80.185,99 agregava acertos de quantias em dívida ao arguido relativos a:
- Mês de Dezembro de 2006 (€ 15.917,00);
- Saldo a receber relativo às remunerações de 2007 (€ 39.671,31);
- Remunerações de Janeiro a Abril de 2008 (€ 22.666,68) relativa à prestação de serviços de consultoria de gestão no Banco Insular;
- Acerto relativo a um lançamento de 27.2.2006 (€ 1.931,00);
52) Os financiamentos por conta-corrente caucionada nunca foram objecto de redução a escrito e, como tal, nunca foram escrutinados pelo Conselho de Administração do BI, que desconhecia os respectivos movimentos de conta e a finalidade a que os mesmos se destinavam;

ii. O tribunal “a quo” motivou, nos seguintes termos, a sua convicção quanto aos mesmos:
Relativamente ao facto 225º da pronúncia (facto provado 217) refira-se que OC… e JV… haviam acordado na celebração de um contrato de gestão entre o Banco Insular e a Doyle Management, que foi datado de 04.02.2002, depois de aprovado formalmente em reunião do conselho de administração do Banco Insular datada de 25.01.2002 (acta n.° 35 do conselho de administração do Banco Insular), contrato segundo o qual o Banco Insular pagaria mensalmente à Doyle Management, cujo beneficiário era o próprio JV…, a quantia de € 5.000,00 a título de prestação de serviços que consistiam na presidência executiva do Banco Insular.
Pagamento que era feito mensalmente por transferência para a conta da Doyle no BPN Cyamn, conta n.° …, como decorre da solicitação feita em 22.07.2002 por JV… a AF…:
- Apenso de busca 7, doc. 26.04, págs. 15 e 16 ou apenso temático Z, vol. 1 pág. 169 – 28.02.2002 - Agenda de reunião entre OC…/JV… com apontamentos manuscritos de OC… cujo ponto 3 é: “orçamentos de custos de exploração do Banco Insular contratos e subcontratos de gestão: versões revistas”;
- Apenso de busca 7, doc. 26.04, págs. 17 e 18 ou apenso Z, vol. 1 pág. 171 e 172 – 28.02.2002 - Memorando de JV… para OC… sobre a “malha contratual” para funcionamento do Banco Insular, com menção no ponto 4° do contrato de gestão entre o Banco Insular e a Doyle Management;
- Apenso Z, vol. 1, fls. 9 e 10, págs. 9 e 10 - Acta n.° 35 da reunião do Conselho de Administração do Banco Insular que delibera a contratação da Doyle Management pela avença mensal antecipada de € 5.000,00, aprovada com a abstenção de JV…;
- Apenso Z, vol. 3, fls. 232, pág. 232 – Contrato de gestão entre o Banco Insular e a Doyle tendo por objecto a prestação de serviços consistente na presidência executiva do Banco Insular;
- Apenso Z, vol. 3, fls. 162, pág. 162 – 22.06.2002 - Fax de JV… para AF… pelo qual solicita a realização mensal de transferências, entre as quais a de € 5.000,00, para a conta … da Doyle no BPN Cayman;
- declarações confessórias do arguido JV… prestadas em sede de Julgamento, no sentido de que foi estabelecido este acordo entre si e OC…. Disse a OC… ou aos serviços da DOP que o seu vencimento fosse depositado nesta conta da Doyle. A sua presidência do Banco Insular era em parte paga por esta conta e noutra parte paga pela empresa J.P. Mascarenhas e Filhos, Ld.º, cerca de € 5000 em números redondos por cada uma das contas, ou seja, números redondos cerca € 10.000,00 mensais pelo exercício de um mandato sem representação.
Ora (art. 226° da pronúncia; facto provado 218), na sequência de instrução de JV…, AD…, por E-mail de 28.05.2005, dirigido a CD… e LAp…, com conhecimento a RP… e DG…, solicitou a transferência de € 310.435,51, saldo total da referida conta da Doyle no BPN CAYMAN para a conta … titulada por B1, i.e., como vimos, JV…, transferência que se concretizou em 31.05.2005:
- Apenso 33 – 1-Anexo A\CAIXAS CORREIO\TRAT\ 2\ Portatil\CAIXAS DE CORREIO\4 a_atduar.pst\Sent Items\Ordem de pagamento a Emitir84.msg ou Bragas 15, pág. 45 – 28.05.2005 - Instrução de AJo… para CD… e LAp…, com conhecimento a RP… e DG…, que apenas cobre o movimento da conta da Doyle para a conta “Nostro” do Banco Insular no BPN Cayman;
- CD vol. 13 ou Bragas 15, pág. 46 – Transferência de € 310.435,51 da conta da Doyle no BPN Cayman n.° …, para a conta B1 no Banco Insular, n.° …;
- CD, vol. 13 – permite rastrear o movimento na conta Doyle no BPN, Cayman e confirmar os movimentos em causa;
- declarações confessórias do arguido JV… na medida em que admitiu que directa ou indirectamente deu a ordem de transferência (pode ter pedido a LRe… que tratasse dos procedimentos da transferência). O seu vencimento de € 5.000,00 que era recebido pela Doyle passou, então, a ser recebido nesta conta BI do Banco Insular.
O suporte da sua remuneração com a extinção da Doyle era a continuação da prestação dos seus serviços, era a continuação da remuneração dos seus serviços que não se alteraram.
Por outro lado (facto 227° da pronúncia; facto provado 219), nesta conta … (B1) foram creditados, também, os montantes a seguir discriminados que tiveram origem na conta de resultados do Banco Insular:
(i) Em 27.03.2007 – € 112.438,38 – parte restante dos dividendos distribuídos relativos aos anos de 2003, 2004, 2005 e 2006 e de distribuição de resultados transitados e antecipação de dividendos de 2007 que na sua maior parte, € 6.500.000,00, serviu para reembolsar a Rishona que de imediato pagou o empréstimo obtido junto do Banco Insular destinado ao aumento de capital do Banco Insular, que está no balcão 2001 (operação 73678156 no valor global € 6.612.438,48 dos quais € 6.500.000,00 vão para a conta da Rishona e € 112.438,48 vão para a conta B1;
(ii) Em 12.07.2007 – € 63.668,00; e 
(iii) Em 02.06.2008 com data-valor de 30.05.2008 – € 80.185,99:
Documentos de suporte:
- Processo, vol. 45, págs. 274 e 275 – 05.05.2008 - Ordens de JV… dirigidas aos “serviços de contabilidade e pagadoria Banco Insular (IFI) SA” (entidade que, diga-se, nunca se ouviu falar no processo, sendo este o único documento nos autos que a ela se refere) para “a título de antecipação de dividendos de 2008 queiram creditar a minha conta n.º … pela quantia de 80.185,99 €”;
- CD vol. 13 – entrando na conta em questão, é possível aferir todos os movimentos;
- Apenso bancário 126 – Conta B1 no Banco Insular – “idem”;
- declarações confessórias do arguido VM… no sentido de que é verdade o que consta do facto em questão, i.e., que foram depositadas as quantias na sua conta, mas as mesmas correspondiam a remunerações ainda que sob o nome de participação de resultados que foi adoptada por razões de eficiência fiscal (infra abordaremos a questão das remunerações);
Todavia, desde já cabe referir que o Conselho de Administração do Banco Insular havia deliberado sobre a aplicação de resultados relativos aos exercícios de 2002 a 2007 que transitassem para conta nova e também que fossem distribuídos dividendos, sendo certo que os lucros gerados eram fictícios na medida em que, generalizadamente, os juros dos créditos concedidos não eram pagos, como OC… e JV… bem sabiam, o que, além do mais, resulta, como vimos supra, do passivo abissal a que o Banco Insular chegou ao longo dos anos, quer no balcão 1 ou 2000, quer no balcão 2 ou 2001.
Tanto que assim é que o arguido JV… na carta que enviou ao arguido OC… em 19.12.2007 (v. apenso temático Z, fls. 85 a 88) escreveu que “o Banco Insular debate-se com três ordens de problemas: a primeira, e a meu ver, a mais grave, consiste num conjunto de empréstimos que têm por devedores veículos offshore, os quais, em face da passividade perante os sistemáticos incumprimentos do serviço da dívida, só posso supor que tenham tido por objecto financiar interesses do Grupo, cuja real natureza ignoro, mas que não pagam juros e não se vê como possam reembolsar o capital sem que o BPN o faça, possivelmente incorrendo em custos ou prejuízos que mantinha parqueado no BI.” (bold nosso)
Em todo o caso, os dividendos relativos aos exercícios de 2003, 2004, 2005 no valor de € 500.000,00 cada ano, o de 2006 no valor de € 4.500.000,00, foram todos creditados em 26.03.2007 na conta da Insular Holdings no Banco Insular, balcão 2000, então aberta:
- Apenso 33 – 9\Trt\EP…\MAIL 2\EP…\C\W_BPN\6 archive_ 200805. pst\DOP\UOI\0132\2008 05 23 APLICAÇÃO RESULTADOS DESDE 2002.msg ou Bragas 15, pág. 47 – 23.05.2008 - E-mail de JV… para EP… com excertos de actas das reuniões do Conselho de Administração do Banco Insular sobre a proposta de aplicação de resultados desde 2002 a 2007, pedindo informação sobre o circuito do pagamento dos dividendos;
- CD vol. 13 ou Bragas 15, pág. 50 – Extracto da conta n.° …da Insular Holdings no balcão 2000 do Banco Insular do qual consta o pagamento daquelas quantias a título de dividendos e distribuição de resultados;
Por sua vez, os dividendos de 2006 no montante de € 64.687,48 e os dividendos por antecipação de 2007 no valor de € 47.751,00 foram também creditados na referida conta da INSULAR HOLDINGS em 27.03.2007:
- CD 13 – operação 73677864 ou Bragas 15, pág. 51 – Esta operação 73677864 inclui também a transferência do saldo da conta da Insular Holdings para a conta “Nostro” do BPN Cayman no Banco Insular;
Então, em 27.03.2007, a parte de € 6.500.000,00 do valor global de dividendos distribuídos (€ 6.612.438,48), correspondente aos dividendos pagos relativos aos anos de 2003, 2004, 2005 e 2006 (neste ano por resultados transitados), foi transferida da conta da Insular Holdings para a conta da Rishona no balcão 2000, conta n.° …, e daí, via conta de ligação da Solrac, para a conta da mesma Rishona no balcão 2001, conta n.° …, onde, em última análise, foi feito o pagamento de capital e juros do mútuo que havia servido, anteriormente, como vimos supra, para aumentar o capital social do Banco Insular, saldando-se, assim, a respectiva conta corrente caucionada:
- CD, vol. 13 – Operação 73678156 ou Braga 15, pág. 52 – Transferências do Nostro Cayman do Banco Insular para as contas da Rishona e B1 no balcão 2000 do Banco Insular;
- CD, vol. 13 – Operação 73678157 ou Braga 15, pág. 53 e 54 – Extracto da conta da Rishona no balcão 2000 do Banco Insular e passagem para a Solrac;
- CD, vol. 13 – Operação 73678159 ou Braga 15, pág. 55 e 56 - Extracto da conta da Rishona no balcão 2001 com entrada em 27.03.2007 de € 6.432.842,59;
- CD, vol. 13 – Operação 73678160 ou Bragas 15, pág. 57 e 58 – Movimento da conta à ordem para a c/c/c com amortização de € 5.692.029,65;
E, no mesmo dia 27.03.2007, a parte restante de € 112.438,38 dos dividendos distribuídos (€ 6.612.438,48 - € 6.500.000,00), que corresponde aos dividendos pagos relativos ao ano 2006 e à antecipação de dividendos relativos ao ano de 2007, foi transferida para a conta B1, i.e., a conta do arguido JV… com o simples descritivo de transferência:
- CD, vol. 13 – Operação 73678156 ou Bragas 15, pág. 52 - Transferências do Nostro Cayman do Banco Insular para as contas da Rishona e B1 no balcão 2000 do Banco Insular;
- Apenso bancário 126 – Conta B1 no Banco Insular ou Bragas 15 pág. 62 onde é possível visualizar e confirmar o crédito de € 112.438,38 em questão;
Resumo das operações:
- Operação 73677864 – Insular Holdings para Banco Insular, Nostro Cayman;
- Operação 73678156 – Banco Insular, Nostro Cayman para Rishona, …;
- Operação 73678156 – Banco Insular, Nostro Cayman para B1;
- Operação 73678157 – Rishona, …, para Solrac (conta de ligação);
- Operação 73678159 – Solrac para Rishona, …;
- Operação 73678160 – Rishona para Rishona (amortização da c/c/c);
Além disso, em 12.07.2007, foi creditado na conta B1 o valor de € 63.668,00 como antecipação de dividendos, sendo o descritivo do movimento tão só transferência:
- Apenso 33 – 2\Trt\BPN-PRDO094\C\Documents and Settings\ 8archive.pst\A receber\RE-DIVIDENDOS ou Bragas 15, pág. 59 – 12.07.2007 - E-mail de ASa…, da SOPROMAT Cabo Verde, para ARo…, a fim de ser debitada a conta de resultados do Banco Insular e creditada a conta B1 a título de antecipação de dividendos 2007 no valor de € 63.668,00; ARo… responde a confirmar a realização da operação, do que tudo é dado conhecimento a EP…, IS… e LRe…;
- CD vol. 13 – Extracto de conta B1 no Banco Insular – 12.07.2007 - Movimento a crédito de € 63.668,00 com descritivo de “transferência”;
- Apenso bancário 126 – 12.07.2007 - Extracto de conta B1 no Banco Insular – Movimento a crédito de € 63.668,00 com descritivo de “transferência”;
E, uma vez mais, em 2.06.2008 com data-valor de 30.05.2008, na sequência de instrução de JV… nos termos da qual determina “a título de antecipação de dividendos de 2008 queiram creditar a minha conta n.º … pela quantia de € 80.185,99”, esta quantia foi efectivamente creditada na conta B1 de JV…, tendo o movimento sido descrito simplesmente por “transferência”:
- CD, vol. 13 ou Braga 15, págs. 60 a 63 – Extracto de conta B1 no Banco Insular – 02.06.2008 com data-valor de 30.05.2008 - Movimento a crédito de € 80.185,99 com descritivo “transferência”;
- Apenso bancário 126 – Conta B1 no Banco Insular - Extracto de conta – 02.06.2008 com data-valor de 30.05.2008 - Movimento a crédito de € 80.185,99 com descritivo “transferência”;
- Apenso 33 – 9\Trt\EP…\DOCS\EP…\C\W_BI \2008\BdP\ 200712 Balanço e DR.xls ou Bragas 15, págs. 64 a 66 – Balanço do Banco Insular a 31.12.2007 - (resultados transitados € 1.011.432,00 + lucro de exercício € 207.249 = € 1.218.681,15);
- Apenso 33 - 9\Trt\EP…\DOCS\EP…\C\W_BI \2008\BdP\ $$200805 bal e DR.xls ou Bragas 15, págs. 67 a 69 - Balanço do Banco Insular a 31.05.2008 - (resultados transitados = € 1.138.495);
Sendo que, € 1.218.681,15 – € 1.138.495,00 = € 80.816,15;
- Apenso 33 – 11\CD Dados3\O-81 Contabilidade BI\Bi\MVCO.mdb – MVCO - Ficheiro em formato “acess”, que aparentemente contém todos os movimentos contabilísticos quer do balcão 2000 quer do balcão 2001, elaborado por EP…: o registo 113.178 - Movimento de € 80.815,99 em 02.06.2008 com a descrição dividendos 2007; o registo 95022 refere-se ao movimento de € 63.668,00 de 12.07.2007 que é descrito como antecipação de dividendos;
Por outro lado (facto 228º da pronúncia; facto provado 220 e facto não provado), em 19.06.2008, com data-valor de 05.06.2008, a conta B1 foi debitada em € 80.000,00 por efeito do cheque bancário do BPN, SA, datado de 05.06.2008, no valor de € 80.000,00, emitido a favor de JV…, que o depositou em conta do Banque Privée Espirito Santo, SA, sendo que já antes, em 21.05.2008, a conta B1 havia sido saldada em resultado da emissão de outro cheque bancário do BPN com aquela data-valor de € 97.192,00, emitido a favor de JV…, que também havia sido depositado em conta daquele Banco do universo Espírito Santo, S.A.:
- Apenso bancário 126 – conta B1 no Banco Insular, pág. 10 ou Braga 15, pág. 70 – cheque bancário de € 80.000,00 com verso atinente ao seu depósito em conta do “Banque Privée”;
- Apenso bancário 126 – Conta B1 no Banco Insular, pág. 10 ou Bragas 15, pág. 71 – 21.05.2008 - Cheque bancário de € 97.192,00 que então saldou a conta;
- Apenso 33 – 2\Trt\BPN-PRDO094\Mail2\BPN-PRDO094\C\Documents and Settings \8 archive.pst\A receber\Emissão de cheque bancário 9.msg – 21.05.2008 - E-mail de ARo… para BPN Cayman, com conhecimento designadamente a IS…, a solicitar a emissão de cheque bancário no valor de € 97.192,00 a favor de JV… por débito na conta …;
- declarações confessórias do arguido JV… que admitiu os saques em questão, embora sem recordar as datas;
Abre-se um parêntesis, na sequência do constante no art. 229° da pronúncia (facto provado 221), para referir que a conta B1 serviu a JV… para fazer pagamentos pessoais tais como: compra de uma viatura, conforme descritivos dos débitos de cheques € 13.694,28 e € 18.138,12 em 14.06.2006 com data-valor de 31.08.2007; pagamento imposto (IRS) JV… conforme descritivo do débito de cheque de € 17.332,51:
- Apenso bancário 126 – Conta B1 no Banco Insular (extracto de conta – v. descritivos nas datas indicadas);
- Apenso bancário 1 – Conta do Banco Insular no Montepio Geral ou Bragas 15, págs. 73 a 77 – Fichas de assinatura e extracto;
- declarações confessórias do arguido JV… no tocante aos 3 montantes indicados, sendo que relativamente ao montante de € 10.000,00 mencionado no facto 229° da pronúncia, declarou não se lembrar desse pagamento ao seu filho sendo, por outro lado, que não se viu qualquer prova documental do pagamento dessa factura a “TM…” nem foi produzida prova testemunhal que o suporte (v. facto não provado 70).
Aliás, o único descritivo que aparece na sua conta alusivo a isso (“factura 11/2006 TM…”) não consiste num débito da sua conta. Pelo contrário, é um crédito na conta B1 na data de 22.11.2006 no montante de € 10.000,00.
Ora, se é um crédito na sua conta, será de concluir que é um pagamento que lhe fizeram e não um pagamento que o arguido tenha feito a outrem.
Em breve conclusão, as distribuições de dividendos do Banco Insular, parte dos quais por antecipação de resultados, realizadas mediante as transferências, em 27.03.2007, de € 112.438,38 e, em 12.07.2007, de € 63.668,00 para a conta B1 de JV… foram acordadas entre os arguidos OC… e VM…, sendo certo que o Banco Insular não tinha lucros reais, nem JV… era realmente accionista do Banco Insular por via da detenção da Insular Holdings (era um simples fiduciário/”nominee”), como ambos bem sabiam.
A distribuição de dividendos do Banco Insular por antecipação dos seus resultados de 2008 no montante de € 80.185,99, realizada em 02.06.2008, foi determinada por escrito de JV… que sabia muito bem que a actividade do Banco Insular não gerava lucros e que, ao contrário, gerava avultados prejuízos, como decorre do escrito que ele dirigiu a OC… em 19.12.2007, bem sabendo também que não era o real dono do Banco Insular como denodadamente esgrimia junto do BdP e das novas administrações do Grupo SLN/BPN.
A carta em questão já foi mencionada, mas não será um excesso indicá-la de novo, até porque a mesma, sobremaneira, sustenta o que se acaba de referir:
- Apenso Z, vol. 2, fls. 85 a 88, págs. 85 a 88 – 19.12.2007 – Carta de JV… para OC…, sobre três ordens de problemas do Banco Insular: a primeira tinha que ver com os empréstimos a veículos offshore para financiar o grupo, sistemáticos incumprimentos do serviço da dívida e não pagamento de juros; a segunda respeita ao incumprimento das obrigações com o Banco Central de Cabo Verde, sendo o rácio de solvabilidade de 3,5% quando devia ser 8%; e a terceira consiste na “total ignorância em que sou deliberadamente mantido”, concluindo com exigências de “assumir, informadamente, o cargo que tão amavelmente me confiou”.
Não se olvida que o arguido, em sede de Julgamento, tentou justificar o recebimento daquelas quantias, fazendo apelo a remunerações que lhe eram devidas pelas funções que exercia na SLN Cabo Verde, da JP… e do que antes recebia pela Doyle, sociedade já extinta, mas que, mantendo-se os pressupostos, continuou a receber, agora a título pessoal/individual, porque continuou a prestar os mesmos serviços, sendo certo que as quantias então recebidas correspondiam a um acumulado/atrasado.
Em qualquer caso, a sua narrativa não convenceu.
Não se percebe porque não continuou a receber as suas remunerações nos moldes habituais do que vinha acontecendo até então, ainda que com atraso, em vez deste novo “modus operandi” que transformou dividendos de um Banco em remunerações, ainda que fundamentado, na óptica do arguido, em razões de natureza fiscal (não tributação dos dividendos, ao contrário do que acontecia com as remunerações).
É que, até então, não se vislumbra – nem o arguido juntou qualquer documento que o demonstrasse – que as remunerações que recebia fossem de algum modo tributadas.
Não se percebe, igualmente, porque até então as mesmas razões de eficiência fiscal não haviam sido invocadas, mas só agora, com o recebimento destas quantias a título de dividendos, alegadamente transformadas, afinal, em remunerações.
Nem se configura nenhuma razão para que as quantias que lhe eram devidas a título de remunerações deixassem de ser pagas atempada e regularmente. Afinal, tratava-se da sua remuneração e esta pressupõe uma regularidade em termos de pagamento.
Igualmente não se percebe porque não era o BPN a fazer o pagamento das remunerações que lhe eram devidos pelos serviços que prestava na SLN Cabo Verde e na J.P. Mascarenhas com carácter de regularidade (mensal), à semelhança do que sempre aconteceu com as remunerações que recebeu via Doyle pelo serviços que nesta sede prestava, mais a mais quando esta última sociedade, como declarou, já se encontrava extinta e as outras duas não.
Nem se percebe que todo este processo que implica alguma certeza e segurança tivesse por base um simples acordo verbal entre si e OC…, pelo qual, como declarou o arguido, se visou a retirada de custos do Banco Insular, imputando-os à SLN Cabo Verde.
O novo procedimento adoptado, em parte, foi dirigido a e com intervenção do Asa….
Justificou o arguido que normalmente todo este procedimento das remunerações, com carácter anual, era estabelecido com EP… que, posteriormente, o submetia a autorização de instâncias superiores, o que não ocorreu neste caso, em virtude de EP…, em 2008, já não estar na DOP.
Porém, isso não corresponde à realidade, pois, como a testemunha em causa declarou, em 2008 ainda estava na DOP, tendo trabalhado nesta direcção com MF… e depois com MC…, sendo certo que a administração de AV… foi anterior.
Justificou também o arguido todo o procedimento, pelo menos o de 2008, com uma carta que terá enviado a AV… na qual, além de muitos outros pontos, reclamou o pagamento dos seus vencimentos em atraso.
No entanto, não se vislumbrou essa carta no processo e o arguido também não a juntou.
Acresce que:
É ponto assente - e o arguido não o nega - que o real titular e beneficiário da conta B1 era ele próprio.
OC… e VM… acordaram que, mensalmente, seria transferida para a conta da offshore Doyle Management, no BCP Cayman, cujo beneficiário era VM…, a quantia de € 5.000,00, sendo tais pagamentos justificados como uma forma de remuneração e de pagamento da prestação de serviços que consistiam na presidência executiva do Banco Insular.
Como se referiu, nas declarações prestadas em julgamento, o arguido JV… pretendeu fazer crer que os montantes depositados a seu favor na conta B1 o eram a título de remunerações, devidas e legítimas.
Como também se referiu a origem daqueles três montantes depositados na conta B1 é uma conta de resultados do Banco Insular, da qual não podiam nem deviam sair quaisquer quantias monetárias para pagamento de remunerações.
Aliás, o descritivo das operações bancárias em causa foi “Pagamento de dividendos” o que demonstra que na realidade tais transferências se referem ao pagamento de dividendos.
Em ordem a sustentar que essas transferências se referem a remunerações, surgem nos autos, apenas com a contestação, entregues pelo arguido JV…, dois documentos, nos quais este, elabora uma, salvo o devido respeito por outra opinião, esquizofrénica equação, na qual inclui como respectivas variáveis a justificação de tais operações quer o pagamento de antecipado de dividendos, quer o pagamento de remunerações:
- Processo, volume 45, fls. 17333, pág. 274 pdf – 05.05.2008 – Instrução de JV… para que a título de antecipação de dividendo do exercício de 2008 creditassem na conta … (B1) a quantia € 80.185,99;
- Processo, volume 45, fls. 17334, pág. 275 pdf – 05.05.2008 - complemento da instrução anterior com justificação do pagamento com base em remunerações atrasadas;
E, dizemos “esquizofrénica” porque, para todos os efeitos, não é de todo em todo perceptível, face aos movimentos que se constatam na conta B1.
Se é certo que se compreende a referência a “diferença do lançamento de 27/02/06, que foi feito por € 13.986,00 quando devia ter sido de € 15.917,00” - i.e., uma diferença de € 1.931,00 -, face ao lançamento de 27.2.2006 que é possível observar no extracto de conta B1, não se compreenderá, de modo algum, o demais constante daquele 2º documento.
Refere uma remuneração em falta de Dezembro de 2006 no montante de € 15.917,00 quando, na conta B1 em questão, aparentemente, se faltasse remuneração do ano de 2006, seria um valor muito superior.
Com efeito, se € 15.917,00 x 12 = € 191.004,00 (total da remuneração de 2006), o que é facto é que considerando todos os créditos na conta B1 do ano de 2006 que perfazem o montante global de € 132.551,52 (e isto levando mesmo em consideração transferências a crédito de natureza duvidosa a nível de remunerações: € 30.000,00 em 27.2. com o descritivo “transferência Clear Gain” e € 10.000,00 em 22.11. com o descritivo “factura 11/2006 TM…”) sempre estaria em falta a quantia de € 58.452,48 do ano de 2006 a título de remunerações (€ 191.004,00 – 132.551,52 = € 58.452,48) ou até um montante bastante superior, designadamente, € 98.452,48 caso aquelas 2 parcelas de € 30.000,00 + € 10.000,00 não lhe tenham sido transferidas a título de remuneração.
Por outro lado, o mesmo documento refere uma remuneração convencionada para 2007 de € 296.406,18, sem que se perceba o aumento do ano anterior de € 191.004,00 para este novo valor no ano subsequente, sendo certo, igualmente, que a alegada remuneração recebida do ano de 2007, no montante de € 184.984,87 descrita no documento, também estaria errada face às transferências a crédito feitas para a conta B1 nesse ano que perfazem o montante global de € 196.106,48.
Incompreensível será, também, a referência no documento a “remuneração revogada em 2007 no montante de € 71.750,00” (a que título se verificou essa revogação?), bem como a referência a “remuneração Jan a Abril 2008” no valor de “€ 22.666,68”, pois, pressupondo que o vencimento mensal era igual ao do ano de 2006 (€ 15.917,00) ou igual ao de 2007 ainda que com a remuneração “revogada” (€ 296.406,18 - € 71.750,00 = € 224.656,18:12 = € 18.721,00 mensais), aquela remuneração de “Jan a Abril de 2008”, ou seja, 4 meses, teria necessariamente de ser superior, designadamente € 63.668,00 (€ 15.917,00 x 4 = € 63.668,00) se tivermos por referência a remuneração mensal do ano de 2006, ou de € 74.884,00 se levarmos em linha de conta a remuneração mensal do ano de 2007.
Vale o exposto por dizer que o identificado documento parece ter sido matematicamente “composto” ou “preparado” para justificar a entrada na conta B1 do arguido JV… dos montantes identificados supra de € 112.438,48 (parte restante dos dividendos distribuídos relativos aos anos de 2003, 2004, 2005 e 2006 e de distribuição de resultados transitados e antecipação de dividendos de 2007 que na sua maior parte, € 6.500.000,00 serviu para reembolsar a Rishona que de imediato paga o empréstimo obtido junto do Banco Insular destinado ao aumento de capital do Banco Insular, que está no balcão 2001 - operação 73678156 -, no valor global 6.612.438,48 dos quais 6.500.000,00 vão para a conta da Rishona e € 112.438,48 vão para a conta B1) e € 63.668,00 relativa à antecipação de dividendos de 2007, mas, isso tudo sob uma “roupagem” de remuneração devidas e não pagas.
O certo, porém – e isso é inquestionável - é que tais transferências têm como base, na realidade, por um lado, o pagamento de dividendos e, por outro, o pagamento de dividendos não devidos, porque assentes em lucros realmente inexistentes.
Outro facto incontornável é que para todos os efeitos – e o arguido estava perfeitamente consciente disso – o pagamento de dividendos não se transforma, seja a que título for, em pagamento de remunerações, continuando a ser de dividendos ainda que o arguido lhe atribua uma “veste” de remunerações.
Acresce que, como referido, a assunção por parte de JV… de que o Banco Insular não gerava lucros, antes registava prejuízos, ficou bem plasmada na carta que, em 19.12.2007, enviou a OC…:
- Apenso Z, vol. 2, Fls. 85 a 88, págs. 85 a 88 – 19.12.2007 – carta de VM… para OC… supra mencionada, analisada e parcialmente transcrita;
Não obstante, em 02/06/2008, foi creditada a quantia de € 80.185,99 na conta B1, como dividendos, sendo descritivo do movimento tão só “transferência”.
E quase de imediato, três dias depois, com data-valor de 05.06.2008, o arguido JV… apressou-se a levantar dessa conta B1 o montante de € 80.000,00, por meio de cheque bancário, que depois depositou em conta sua do Banque Privée Espírito Santo, na Suíça, o que coincide com a entrada em funções duma nova administração do BPN, SA e do Grupo liderada por MC….
De tudo o que acaba de se referir, retira-se, pois, que não colhe a pretensão do arguido JV… de fazer crer que os montantes depositados a seu favor na designada conta B1, o foram a título de remunerações.
E, por isso, em face da documentação atinente, resulta que, tal como consta da pronúncia (arts. 230° e 1003°; v. facto provado 222, quanto a este, e por referência à conta A1, a demais factualidade será posteriormente analisada, remetendo-se, desde já, para a respectiva fundamentação que permite concluir, na globalidade, pela prova do facto 230°), o arguido JV… com a conivência do arguido OC…, se apropriou em 27.03.2007 do montante de € 112.438,38 e, em 12.07.2007 do montante de € 63.668,00, que foram movimentados a crédito para a sua conta B1 a indevido título de dividendos, por lucros fictícios do Banco Insular.
E, do mesmo passo, JV…, já sem a conivência de OC…, apropriou-se, em 2.06.2008 com data-valor de 30.05.2008, do montante de € 80.185,99 na sequência de instrução que deu (“a título de antecipação de dividendos de 2008 queiram creditar a minha conta n.º … pela quantia de 80.185,99 €”), quantia foi creditada na sua conta B1 a indevido título de dividendos por lucros fictícios do BI como ele próprio já havia reconhecido na carta que, anteriormente, havia remetido a OC….
Um pequeno apontamento:
A conta B1, como vimos, não está directamente relacionada com o aumento de capital do Banco Insular, pelo contrário, a sua utilização assumiu outros moldes, designadamente a atrás descrita (art. 230° da pronúncia; v. facto não provado 71).
Não se olvida, mais uma vez, que JV… em sede de julgamento quis fazer crer que havia solicitado autorização superior para que fossem efectuados tais depósitos bancários a seu favor, tentando justificá-los como sendo relativos a remunerações devidas.
No entanto, não foi produzido qualquer elemento de prova que aponte nesse sentido, i.e., de existência de uma autorização superior, bem pelo contrário.
Senão, vejamos:
Por um lado, as instruções escritas dadas por VM… em documento que ele próprio juntou, mostram que o mesmo deu a ordem de transferência e depósito bancário por sua própria iniciativa, não se retirando do modo como se dirige ao respectivo destinatário que o tenha feito a coberto de uma autorização já obtida ou a obter subsequentemente.
Por outro lado, AV…, presidente dos conselhos de administração da SLN SGPS e do BPN SA, à data, tendo sido ouvido como testemunha em várias sessões de julgamento, declarou que o arguido JV… nunca lhe solicitou qualquer autorização para que fosse creditado o montante de € 80.185,99 a favor da conta B1, do mesmo modo que esclareceu que desconhecia em absoluto tal matéria.
(…)
Naturalmente, JV… manteve o seu lugar de presidente do Banco Insular lugar que exerceu, como se viu, de uma forma empenhada e alinhada até pelo menos meados de 2007, - desempenho a que não foram alheias, como vimos, as elevadas compensações/remunerações que recebia mensalmente para exercer um cargo de simples fiduciário/nominee -, quando, preocupado com directivas comunitárias, sugeriu uma aparente dispersão do capital social da Insular Holdings para manter a ocultação dos seus efectivos beneficiários, sugestão que veio a concretizar-se em ficcionadas compras e vendas de acções da Insular Holdings que, por adulteração grosseira, foram feitas retroagir a 2003.
Só em finais de 2007, quando a tormenta já se anunciava, é que JV… se dirigiu a OC… e, finalmente, impôs condições para, segundo a sua própria expressão, “manter o cargo para o qual V. Exa. tão amavelmente me convidou”.
Mas tal facto não o impediu de continuar a colher “benefícios” da sua prestimosa colaboração mediante dividendos do Banco Insular que culminaram no recebimento de resultados antecipados, os quais ele bem sabia serem estrondosamente negativos.
(…)
Começando pela contestação do arguido JV… (fls. 17100 a 17380) e apreciando a matéria ainda não abordada (arts. 169° a 218°) cabe, antes de mais, dizer que não constam na materialidade provada ou não provada os seguintes factos pelas razões que se indicam:
(…)
Já sobejamente nos pronunciámos supra sobre os dividendos passados e antecipados do Banco Insular que ingressaram na conta B1 do arguido.
O que se disse, motivou e todos os suportes probatórios elencados para os quais, na íntegra, se remete, não permitem, de maneira nenhuma, antes pelo contrário, concluir pela demonstração do que é alegado pelo arguido no art. 207° da contestação (v. facto não provados 46).
Igualmente não há suporte documental suficiente e claro das quantias que o arguido diz que recebia, com carácter de regularidade, a título de remuneração, designadamente os € 5.254,87 e os € 10.000,00 a que se alude nos factos 208° e 209° da contestação, nem da redistribuição do pagamento entre as entidades pagadoras do grupo (SLN Cabo Verde e Banco Insular) que refere nos arts. 210° e 211° da contestação, (aliás, o arguido alega que essa redistribuição ocorreu a partir de 1.3.2006 e, quando se analisa a conta B1 vêem-se pagamentos de € 5.917,00 somente nas datas de 6.9.2005, 6.10.2005, 28.11.2005 e 5.12.2005 e só um pagamento, durante todo o ano de 2006, no montante de € 15.917,00, na data de 13.12.2006, montante este que corresponderia à soma das parcelas de € 10.000,00 + € 5.917 que advoga com carácter de regularidade no art. 211° da contestação), nem dos remanescentes € 5.254,87 mensais alegadamente pagos/abonados em Portugal pela SLN Cabo Verde, S.A. e que seriam anteriormente pagos pela J.P. Mascarenhas & Filhos Ld.ª (art. 212° da contestação).
Veja-se, quanto a este último montante, que o arguido não juntou qualquer documento comprovativo (em que conta recebia, quais os montantes que recebeu?), nem indicou quem entregava/pagava à J.P. Mascarenhas & Filhos Ld.ª a alegada retribuição de € 5.254,87 mensais a que teria direito antes de a SLN Cabo Verde, alegadamente, ter passado a suportar, em Portugal, a mesma quantia.
Nem quanto a esta última oneração da SLN Cabo Verde, em Portugal, juntou qualquer suporte probatório documental, não se percebendo porque não o fez.
Provavelmente esse suporte documental (extracto bancário) quer da J.P. Mascarenhas & Filhos Ldª., quer da SLN Cabo Verde evidenciariam outros pagamentos que, agora, o arguido alega terem estado em falta e que recebeu, afinal, a título de dividendos passados e antecipados do Banco Insular – (v. factos não provados 47 a 41).
Note-se, também, a propósito do escrito no art. 211° da contestação quanto ao pagamento da quantia mensal de € 5.917,00 que, na nota de rodapé n.° 2 (fls. 17168 dos autos), o arguido refere que essa quantia “era, até 31 de Maio de 2005, paga através da conta da Doyle Management junto do BPN Cayman”, o que pressupõe que a partir dessa data não mais tivesse sido paga àquela entidade pelo BPN Cayman.
Porém, analisando a conta n.° … da Doyle no BPN Cayman, verifica-se que, ao contrário do que sustenta, tal quantia foi creditada nessa conta posteriormente àquela data, designadamente a 6.6.2005, 5.7.2005 e 5.8.2005 (v. extracto de conta no CD vol. 13 dos autos).

iii. Apreciando.
a. O recorrente entende que a versão que apresentou sobre a natureza dos montantes depositados na sua conta B1 e referidos no facto provado 219 se reportam a remunerações que lhe eram devidas.
Fundamenta essa sua alegação nos elementos probatórios e raciocínios que enuncia e que aqui se dão por reproduzidos.

b. Analisados os mesmos, constata-se que o arguido não indica um único elemento probatório que não tenha sido apreciado pelo tribunal “a quo”.
De facto, e em bom rigor, vai seguindo a motivação realizada e vai retirando, pontualmente, segmentos que, em seu entender, corroboram a sua versão, sem contudo atender à circunstância de os mesmos se mostrarem rebatidos pelo tribunal “a quo”, que os vai elencando e contrapondo outros, como resulta claro da transcrição acima realizada, para a qual remetemos, por meras razões de economia processual (não há qualquer necessidade de voltar a repetir o que o tribunal “a quo” já deixou dito, se o arguido, como é o caso, não procede ao rebate contra-argumentativo, mas se limita a voltar a insistir na tese e nos elementos probatórios que já serviram de base a essa análise).

c. De facto, a crítica que em sede deste recurso dirige ao decidido, acaba por se resumir aos raciocínios que expendeu na sua defesa, ignorando – porque os não rebate, apenas os adjectiva – tudo o que a esse respeito o tribunal “a quo” refere.
Assim, novamente repete:
. a questão da alteração de valores remuneratórios,
. da alteração da conta de destino onde os mesmos eram processados,
. da ordem de pagamento de quantias a título de resultados do Banco Insular,
. da origem, em termos contabilísticos internos do Banco Insular, da conta de onde tais quantias provieram,
. da mora no pagamento de remunerações (que depois lhe foram pagas em bloco),
. bem como a existência de razões explicativas para o modo como tudo se processou, que assenta na invocação de questões de eficiência fiscal,
esquecendo-se o arguido, todavia, de demonstrar em que é que, em concreto, o tribunal “a quo” errou, quando procedeu à desmontagem da sua versão, designadamente na parte relativa quer ao trajecto do dinheiro, até à sua entrada na conta B1, quer no segmento concernente às operações de cariz meramente aritmético que realizou, que lhe permitiram concluir que o que consta quer nos documentos que o arguido apresentou, quer nos extractos bancários constantes nos autos, não está de acordo nem com a invocada mora com que pretende justificar o recebimento das quantias a que alude o ponto 219, nem com as alegadas razões de eficiência fiscal (leia-se, fuga ao pagamento de impostos).

d. De igual modo, quanto à ineficácia de qualquer ordem por si emitida, no sentido de serem determinados pagamentos de dividendos (porque os funcionários os não processariam, caso de si proviessem), a verdade é que o inverso se mostra comprovado.
De facto, como refere o tribunal “a quo”, o Conselho de Administração do Banco Insular havia deliberado sobre a aplicação de resultados relativos aos exercícios de 2002 a 2007 que transitassem para conta nova e também que fossem distribuídos dividendos, sendo certo que os lucros gerados eram fictícios na medida em que, generalizadamente, os juros dos créditos concedidos não eram pagos, como OC… e JV… bem sabiam, o que, além do mais, resulta, como vimos supra, do passivo abissal a que o Banco Insular chegou ao longo dos anos, quer no balcão 1 ou 2000, quer no balcão 2 ou 2001.
 (…)
E, no mesmo dia 27.03.2007, a parte restante de € 112.438,38 dos dividendos distribuídos (€ 6.612.438,48 - € 6.500.000,00), que corresponde aos dividendos pagos relativos ao ano 2006 e à antecipação de dividendos relativos ao ano de 2007, foi transferida para a conta B1, i.e., a conta do arguido JV… com o simples descritivo de transferência:
(…)
E, uma vez mais, em 2.06.2008 com data-valor de 30.05.2008, na sequência de instrução de JV… nos termos da qual determina “a título de antecipação de dividendos de 2008 queiram creditar a minha conta n.º … pela quantia de € 80.185,99”, esta quantia foi efectivamente creditada na conta B1 de JV…, tendo o movimento sido descrito simplesmente por “transferência”(…)

e. No que concerne à sua declaração de apresentar o Banco Insular uma exploração lucrativa, o único comentário que a mesma merece, face à factualidade apurada, é que esse lucro só existia num mundo virtual de falsificação contabilística, como aliás era do pleno conhecimento do arguido (vide explicação supra no que concerne ao que consta de um escrito cuja autoria o próprio assume). 

f. Pergunta-se:
Algum dos elementos ou raciocínios que o recorrente alega se mostram por apurar pelo tribunal “a quo”? Não.
Algum destes é diverso ou acrescido face à defesa que o arguido apresentou em julgamento? Não.
Para além da repetição da sua pessoal convicção quanto ao modo como o tribunal “a quo” deveria ter conciliado tais elementos probatórios, veio o arguido desmontar, por algum modo, a explanação, ponto por ponto, que a motivação reflecte? Não.

g. Se assim é, como é, não se vislumbrando na motivação aduzida pelo tribunal “a quo” qualquer patente erro de ordem lógica ou atropelo às regras de experiência comum, qualquer insuficiência que permita concluir pela insustentabilidade, face à prova e às regras constantes no artº 127 do C.P.Penal, da matéria de facto apurada, resta-nos concluir que, ainda que a tese que o arguido propugna se revelasse possível (o que até nem é o caso), a verdade é que daí não decorreria que se impusesse a alteração que propugna, face às regras que regem a apreciação probatória e que já supra deixámos consignadas (vide F. deste acórdão).

h. Uma nota final no que concerne aos pontos 946, 947 e 958:
Uma vez que não tiveram sucesso os pedidos de alteração fáctica relativos à narração da conduta do arguido, soçobra de igual modo a peticionada modificação destes três últimos pontos, que se referem à imputação subjectiva, porque na alteração prévia dos restantes se sustentava.

iv. Do que se deixa dito decorre que o arguido se mostrou incapaz de demonstrar, atento o que aduziu a este propósito, que o decidido se mostrava errado e que se impunha a sua alteração, razão pela qual improcede o aqui por si peticionado. De igual modo, não se constata que, nestes pontos, se verifique algum vício que os inquine.

7. Pontos 399, 503 e 789 da matéria julgada provada proveniente da pronúncia e ponto 2 dos factos não provados provenientes da contestação do arguido:
O arguido entende que os factos 399 e 503 devem ser dados como não provados, que ao facto 789 deve ser aditado que a aprovação do arguido aí referida constituía uma mera aprovação formal e o que consta no ponto 2 deve ser dado como assente.

i. Os pontos factuais assinalados têm a seguinte redacção:
Factos provados provenientes da pronúncia:
399) Para liquidação da segunda tranche, ocorrida em 29 de Setembro de 2003, os arguidos LC… e OC…, com a colaboração do arguido VM…, fizeram conceder um crédito, no Banco Insular, no montante de 500.000,00 €, à sociedade “Plexpart SGPS S.A.”;
503) Os arguidos OC…, LC…, LM…, LAl… e FS… com o objectivo de transferir um montante equivalente ao suportado pela conta da VENICE, nomeadamente, com as cessões de créditos, a aquisição da SOGIPART, ex-SLN IMOBILIÁRIA, com os juros e com as contas correntes caucionadas (C/C/C) abertas junto do BPN CAYMAN, definiram, então, o “plafond” a atribuir a cada uma das contas, “plafonamento” que contou com a colaboração do arguido VM…;
789) Para tal, os arguidos OC… e FS… determinaram a autorização para que, ao nível do Banco Insular, viessem a ser celebrados contratos de mútuo com o arguido TR…, determinação que implicou a produção de cartas de conforto a favor do arguido TR…, assinadas pelo AF… e pelo RP…, e a aprovação pelo presidente do Banco Insular, o arguido JV…;
Facto não provado proveniente da contestação:
2) Do facto 35° da contestação: “de 31 de Dezembro de 1991 a 31 de Março de 1999”, “de 18 de Janeiro de 1999 a 24 de Abril de 2002”, “de Outubro de 1998 a Fevereiro de 2009”, “a partir de Fevereiro de 2008”;

ii. Apreciando.
a. No que se refere à questão da concessão de crédito, foi tema já supra analisado, tendo já oportunamente sido transcrita a motivação do tribunal “a quo” a esse respeito que, como vimos, o arguido não teve sucesso em refutar.
Assim, remete-se para o aí já exarado, aditando-se apenas o seguinte (retirado da motivação realizada pelo tribunal “a quo” a propósito, precisamente, deste mútuo):
Com efeito, além de aprovar as operações de crédito em sede das reuniões da administração, [JV…] outorgava, em representação do Banco Insular e na qualidade de seu Presidente, os contratos de mútuo que lhe eram comunicados pelo grupo SLN/BPN e que serviam os interesses das sociedades residentes ou não residentes que pertenciam a esse mesmo grupo.

b. No que se refere à questão do ponto 503.
Sendo o arguido o presidente do Banco Insular e tendo de, pelo menos formalmente, autorizar a concessão de c/c/c, não se vê como é que a atribuição do plafonamento pelo Banco Insular às offshores aí mencionadas, por tal meio, pudesse ser viável sem a sua colaboração. Não seriam seguramente os funcionários do Banco Insular que assumiriam, por seu motu próprio, tal responsabilidade, nem a mesma sobre estes recaía.
E a verdade é que o arguido também não explica como é que este plafonamento através de c/c/c, que efectivamente ocorreu, poderia ter sido feito sem que o tivesse determinado, independentemente de lhe pertencer a si ou não a iniciativa na sua concessão.
 
c. No que se refere ao aditamento proposto:
O que aí pretende aditar não resulta da motivação realizada pelo tribunal “a quo”, mas antes da versão que o próprio arguido defendeu e à qual não foi dado provimento (vide supra, em que já se tratou de tal questão).

d. Diga-se, para além do mais, e ainda a propósito das alterações peticionadas, que não se mostra possível deixar de notar a completa contradição que se encerra na tese que o arguido pretende fazer valer pois, se por um lado, invoca o seu direito ao recebimento de remunerações generosas, dados os cargos que desempenhava, logo de seguida, quando lhe são imputados actos que se inscrevem no mero exercício de tais funções, apressa-se a negar a sua autoria, escudando-se na tese de que se limitava a fazer o que lhe mandavam e que tudo desconhecia.
Salvo o devido respeito, atento o currículo profissional e pessoal do arguido e a ausência de notícia de qualquer tipo de aflição de saúde que condicionasse o seu entendimento, teremos de considerar (face às mais básicas regras de experiência comum) que estamos perante um homem adulto, plenamente capaz de tomar as decisões que bem entender e com plena compreensão de que, ainda que tivesse aceitado deixar-se instrumentalizar (como defende), daí apenas decorreria que esta teria sido uma decisão sua, plena e conscientemente assumida, que de modo algum lhe retira a efectiva responsabilidade pelo que comprovadamente se mostra ter sido feito.

e. Do que se deixa dito decorre que o arguido se mostrou incapaz de demonstrar, atento o que aduziu a este propósito, que o decidido se mostrava errado e que se impunha a sua alteração, razão pela qual improcede o aqui por si peticionado. De igual modo, não se constata que, nestes pontos, se verifique algum vício que os inquine.

iv. No que se refere ao facto nº2 (facto não provado proveniente da sua contestação), constata-se que o tribunal “a quo” apenas não deu como provadas as datas que aí se enunciam – vide facto provado 4 proveniente da contestação do arguido (O arguido foi Presidente dos Conselhos de Administração da Fincor-Mediação Financeira, S.A., da Fincor-Sociedade Corretora, S.A., do Banco Insular e da SLN Cabo Verde, SARL;)

a. O tribunal “a quo” justificou, do seguinte modo, essa decisão:
Também resulta da documentação já analisada a propósito deste tema (Banco Insular), essencialmente das trocas de correspondência com o Banco de Portugal, da documentação junta pelo arguido em sede de contestação e da documentação junta pelo mesmo em sede do requerimento de abertura de instrução (fls. 11491 e segs.), a sua qualidade de Presidente dos Conselhos de Administração das sociedades indicadas no facto 35° da contestação, não havendo, porém, prova bastante e suficiente para aquilatar das datas indicadas no mesmo facto (v. facto provado 4 e não provado 2).

b. Não obstante, no apenso temático R (a fls. 6), reportado à decisão proferida pelo BdP relativo ao proc. de contra-ordenação …/…/CO, consta o seguinte, em termos das funções que o recorrente exerceu:
 
(Imagem removida)

c. Esse meio de prova não foi atendido pelo tribunal “a quo” e, dada a sua natureza (certidão extraída de um processo contra-ordenacional), bem como a entidade que o instruiu (o BdP) e ausência de qualquer outra prova que o contrarie, entende-se que se mostra adequado a demonstrar os períodos temporais em que o arguido exerceu as funções já dadas como assentes.

d. Nestes termos, determina-se que o facto provado 4 proveniente da contestação do arguido, passe a ter a seguinte redacção:
 4) O arguido JV… foi Presidente dos Conselhos de Administração:
a.  Da Fincor-Mediação Financeira, S.A., de 31 de Dezembro de 1991 a 31 de Março de 1999;
b. Da Fincor-Sociedade Corretora, S.A., de 3 de Novembro de 1992 a 25 de Janeiro de 1993;
c. Da Fincor SGPS, S.A., de 18 de Janeiro de 1999 a 24 de Abril de 200;
d. Do Banco Insular, de Outubro de 1998 a Fevereiro de 2009;
e. Da SLN Cabo Verde, a partir de 2 de Fevereiro de 2006.
Determina-se a eliminação do ponto 2 dos factos não provados provenientes da contestação do arguido JV….

v. Síntese final no que respeita ao recurso sobre a matéria de facto interposto pelo arguido JV…:
Atento o que se deixa exposto, há que concluir que, com excepção da alteração relativa às datas em que exerceu os cargos já dados como assentes, em tudo o demais o recurso interposto nesta sede não mereceu provimento.

                                                       *
gc. recurso apresentado pelo arguido lo…:

i. O recorrente extraiu das motivações de recurso que apresentou, a propósito desta questão, as conclusões expostas nos artºs 201º a 415º (uma vez que se procedeu já supra à transcrição integral das conclusões apresentadas por cada um dos recorrentes, opta-se por aqui se indicar apenas os números referentes às mesmas, que importam à decisão das questões que neste segmento cabe apreciar).

ii. O MºPº apresentou resposta a tais conclusões, no sentido do indeferimento da verificação das nulidades apontadas, bem como da improcedência das reapreciações fácticas pedidas (vide transcrição integral supra, em respostas a recursos).

iii. Proceder-se-á à apreciação da matéria sintetizada nas conclusões, nos termos já expostos supra em “F. Critérios da apreciação da matéria de facto.”

iv. Apreciando.

1. Pontos 20) e 21) da matéria julgada provada proveniente da pronúncia:
O recorrente entende que devem ser julgados não provados os factos 20) e 21) (com referência à matéria da pronúncia), na parte em que nos mesmos se afirma que houve intenção de “separar e melhor manobrar as operações de contabilização” e, também, “facilitar a ocultação de operações de financiamento dentro do próprio grupo económico, com recurso ao BPN, bem como camuflar operações destinadas a garantir o controlo accionista”, uma vez que afirma inexistir prova de tal.

i. Esses pontos têm a seguinte redacção:
20) A partir da SLN SGPS e recorrendo à criação de uma cadeia de entidades sub-holding, os arguidos JO…, LC… e FS… determinaram, como pretendiam, a segmentação das actividades desenvolvidas pelo grupo económico, com a criação de sub-holdings dedicadas a sectores específicos de actividade de forma a separar e melhor manobrar as operações de contabilização;
21) Os arguidos JO…, LC… e FS… pretendiam igualmente facilitar a ocultação de operações de financiamento dentro do próprio grupo económico, com recurso ao BPN, bem como camuflar operações destinadas a garantir o controlo accionista, através da criação de entidades destinadas a deter participações na sociedade mãe;

ii.  O tribunal “a quo” afirma o seguinte, a este propósito:
(…) No que concerne à 2ª parte do art. 316º da contestação do arguido (v. factos provados 20º e 21º), é inequívoco que o arguido LC… foi administrador da SLN SGPS, S.A., o que resulta do seguinte documento:
- foi cooptado para o cargo de administrador em 28.6.1999, tendo exercido esse cargo continuamente, inclusive nos quadriénios 2002/2005 e 2006/2009, sendo que neste último cessou as suas funções por renúncia a 31.8.2007 (v. certidão do registo comercial - doc. constante do vol. 11º dos autos principais, págs. 4323 a 4350).
«A assunção do controlo do pelouro administrativo e financeiro foi assumida pelo próprio arguido LC… nas declarações por si prestadas em sede de julgamento (v. facto provado 21º).»
(…)
«Ainda neste âmbito e, especificamente, no tocante à criação de sociedades/entidades sub-holdings a partir da SLN SGPS no período compreendido entre 1999 e 2001 (factos 20º e 22º provados) é de ter em consideração o seguinte:
«SLN Imobiliária, SGPS, S.A.:
«(...)
«Por sua vez, o arguido LC… foi cooptado para o cargo de administrador da SLN SGPS, S.A., em 28.6.1999 (v. doc. constante do vol. 11º dos autos principais, págs. 4323 a 4350).
«A SLN Imobiliária, SGPS, S.A. foi constituída a 14.12.1999, data em que os referidos arguidos já eram, respectivamente, Presidente e vogal do Conselho de Administração da SLN SGPS, S.A., sendo certo que o capital social inicial daquela sociedade no montante de € 5.000.000,00 foi integralmente subscrito por esta última sociedade (v. contrato de sociedade da SLN Imobiliária - doc. impresso e junto aos autos principais a fls. 38207 a 38226).
Estabelecendo-se, assim, uma relação de domínio total entre esta e aquela sociedades. Desta forma, atentos os cargos sociais que os aludidos arguidos exerciam à data em que foi constituída a SLN Imobiliária, SGPS, S.A., não se pode deixar de concluir que ambos tiveram participação activa decisória na constituição desta última sociedade.
Conclusão que resulta ainda mais reforçada na medida em que o arguido LC…, aquando da sua constituição, foi nomeado Presidente do Conselho de Administração da SLN Imobiliária SGPS, S.A. (v. contrato de sociedade - doc. impresso e junto aos autos principais a fls. 38207 a 38226).
«(...)
«SLN Investimentos, SGPS, S.A.:
«A SLN Investimentos, SGPS, S.A. foi constituída a 9.11.2000, data em que, como vimos, os arguidos OC… e LC… já eram, respectivamente, Presidente e vogal do Conselho de Administração da SLN SGPS, S.A. (v. contrato de sociedade - doc. constante do “apenso informático 33” no seguinte caminho: O:\4910_08.9\30\287\C\CFGA\POSTOS DE TRABALHO\IC…\C\IC…_Ficheiros Vários\IMC\SLN-Direcções de Serviços\ACTOS E CONTRATOS_GRUPO SLN\2000_11_09_Constituição da Sociedade_ SLN Investimentos, SA.pdf; doc. impresso e junto aos autos principais a fls. 38227 a 38244); e certidão do registo comercial - doc. constante do vol. 11º dos autos principais, págs. 4323 a 4350), sendo certo que o capital social inicial daquela sociedade no montante de € 5.000.000,00 foi integralmente subscrito por esta última (v. doc. a fls. 38227 a 38244 dos autos principais).
«Estabelecendo-se, assim, uma relação de domínio total entre a SLN SGPS, S. A. e a SLN Investimentos SGPS, S. A.. Donde, atentos os cargos sociais que os arguidos à data em que foi constituída a SLN Investimentos, SGPS, S.A. exerciam, não se pode deixar de concluir-se que os arguidos OC… e LC… tiveram participação activa decisória na constituição desta última sociedade.
«Partinvest SGPS, S.A.:
«Relativamente à criação desta holding, que remonta ao ano de 1990, (data anterior ao período temporal de 1999 – 2001), remete-se para a fundamentação da factualidade não provada correspondente, na qual se conclui pela ausência de meios de prova que permitam concluir que os arguidos OC…, LC… e FS… decidiram criar a holding Partinvest SGPS, S.A..
«(...)
Todavia, consta dos autos um acervo probatório documental que permite concluir, sem margem para dúvidas, que os arguidos OC… e LC… colocaram a holding Partinvest SGPS, S.A. na dependência da SLN SGPS, S.A. (controle da totalidade do capital social) no período temporal de 1999 a 2001.
Atente-se:
Resulta do “contrato de compra e venda” da “totalidade das acções representativas do capital social da sociedade anónima denominada Partinvest, SGPS, S.A.” que esta sociedade foi adquirida pela SLN, SGPS, S.A. ao BPN, S.A., na data de 30.6.1999 – data da outorga do contrato (v. contrato de compra e venda da Partinvest SGPS, S.A., pela SLN ao BPN, S.A. – v. doc. de fls. 39591 a 39593 do vol. 125º dos autos principais).
Definida que está a data em que a SLN SGPS, S.A. adquiriu ao BPN a totalidade da participação por este detida na Partinvest SGPS, S.A. (30.6.1999), importa aferir da participação dos arguidos OC… e LC… nesta aquisição, o que é o mesmo que dizer na colocação da Partinvest SGPS, S.A. na dependência da SLN SGPS, S.A..
(...)
«Em resumo: à data da aquisição (30.6.1999) da Partinvest SGPS, S.A., pela SLN SGPS, S.A. ao BPN, S.A. o arguido OC… era o Presidente do Conselho de Administração destas três sociedades.
Acresce que outorgou o referido “contrato de compra e venda de acções” em representação da 2ª outorgante, a SLN, S.G.P.S., S.A. - (v. doc. de fls. 39591 a 39593 dos autos principais).
Nesta medida, resulta claro, inequívoco e evidente que o arguido OC… decidiu colocar na dependência da SLN SGPS, S.A. a Partinvest SGPS, S.A., o que fez em conjunto com o arguido LC….
Com efeito, no que respeita a este último arguido, se é certo que o mesmo em 30.6.1999 (data da outorga do contrato) não era administrador da Partinvest SGPS, S.A., nem do BPN, S.A., não é menos verdade que era administrador da SLN SGPS, S.A., uma vez que foi designado para este cargo, por cooptação, em 28.6.1999, ou seja, dois dias antes da outorga do contrato (v. certidão do registo comercial - doc. constante do vol. 11º dos autos principais, págs. 4323 a 4350).
Acresce que igualmente outorgou o referido “contrato de compra e venda de acções” em representação da 2ª outorgante, a SLN, S.G.P.S., S.A. (v. doc. de fls. 39591 a 39593 dos autos principais).
Destarte não restam quaisquer dúvidas, mostrando-se claro, inequívoco e evidente que o arguido LC… decidiu colocar na dependência da SLN SGPS, S.A. a Partinvest SGPS, S.A., o que fez em conjunto com o arguido OC….
SLN Valor:
Sem prejuízo do que se dirá quanto à circunstância de a SLN Valor não ter sido constituída na dependência da SLN SGPS, S.A. (art. 22º da pronúncia), importa, desde já, por uma questão de ordem, brevemente, abordar os seus acontecimentos mais marcantes e estabelecer a ligação dos arguidos com a mesma.
Foi constituída a 15.12.2000 (v. contrato de sociedade - doc. constante do apenso de busca 7, pasta 19, doc. n.º 2.26).
A ligação do arguido OC… à decisão de constituição desta sociedade é inequívoca.
Com efeito, outorgou o contrato de sociedade de constituição da SLN, Valor – SGPS, Ld.ª (v. mesmo documento), subscreveu uma quota inicial no valor nominal de € 500.000,00 e foi nomeado Gerente único da sociedade no ato da sua constituição a 15.12.2000 (mesmo doc.).
Embora o arguido FS… não tenha ocupado nenhum cargo societário decisório/executivo aquando da constituição da SLN Valor (a 15.12.2000 foi nomeado Secretário da mesa da assembleia geral – v. documento mencionado), nem participado na escritura de constituição desta sociedade, - o que igualmente ocorreu com o arguido LC…, com a nuance de que este nunca ocupou qualquer cargo nos órgãos sociais da mesma sociedade -, tanto não obsta a que se conclua que ambos os arguidos tiveram intervenção na decisão de constituição da SLN Valor.
Vejamos:
(...)
«Por sua vez, o arguido LC… foi nomeado a 14.12.1999 Presidente do Conselho de Administração da SLN Imobiliária SGPS, S.A., para o biénio 1999/2000 (v. contrato de sociedade - doc. constante do “apenso informático 33”; caminho: P:\4910_08.9\30\287\C\CFGA\POSTOS DE TRABALHO\IC…\C\IC…_Ficheiros Vários\IMC\SLNDirecções de Serviços\ACTOS E CONTRATOS_GRUPO SLN\Docs. Actos e Contratos Scaner\1999 _ 12 _ 14 _Constituição da Sociedade _ SLN Imobiliária, SGPS, SA.pdf; doc. impresso e junto aos autos principais a fls. 38207 a 38226).
O capital social inicial de € 3.500.000,00 da SLN Valor, Ld.ª, integralmente realizado em numerário, encontrava-se dividido em duas quotas, uma no valor nominal de € 3.000.000,00 pertencente à SLN – Imobiliária, SGPS, S.A., e outra, no valor nominal de € 500.000,00, pertencente ao arguido JO… (v. contrato de sociedade - doc. constante do apenso de busca 7, pasta 19, doc. n.º 2.26).
Considerando que a SLN Imobiliária, SGPS, S.A., foi um dos sócios iniciais da SLN Valor, Ld.ª, com uma quota de € 3.000.000,00, e que à data da subscrição desta quota, ou seja, na data de constituição da SLN Valor, os arguidos LC… e FS… eram, respectivamente, Presidente e vogal do Conselho de Administração da SLN Imobiliária, SGPS, S.A., daqui resulta, necessariamente, que os mesmos não podem ter deixado de participar na decisão de constituição da SLN Valor, Ld.ª.
 
iii. Vejamos.
Há desde logo que fazer notar – à semelhança do que se deixou já anteriormente dito, em sede do recurso interposto pelo arguido JO… - que estes dois pontos factuais se inserem, em sede de factualidade provada, numa espécie de intróito, constituindo pontos de facto de síntese, que resumem matéria factual que, infra, se mostra pormenorizadamente dada como assente.
Efectivamente, em factos posteriormente narrados mostra-se descrito, ponto por ponto, o modo como essas sub holdings foram criadas e como se estabeleceu e passou a existir uma relação de domínio total sobre as mesmas (atendendo à forma como foram inicialmente financiadas, quem detinha a maioria ou, nalguns casos, a totalidade do seu capital social, o modo como foram posteriormente usadas e a distribuição de cargos sociais entre os arguidos envolvidos, na sociedade mãe e nas sociedades filhas), como se mostra explanado, entre muitos outros, nos pontos de facto 22 a 49 (com especial incidência para o ponto 30) e 69 a 74, por exemplo, para além de quase todos os restantes.
De igual modo, o que sinteticamente aqui se afirma resulta igualmente da factualidade infra dada como assente, que demonstra o real domínio total destes arguidos sobre aquelas sociedades.
Efectivamente (como resultará, a final, da reapreciação probatória pedida pelos arguidos), fizeram delas o que quiseram (bem como do BPN e do Banco Insular, já agora), atentas as operações que a factualidade provada ao longo do texto do acórdão descreve, daí resultando igualmente que a separação realizada serviu para melhor manobrar as operações de contabilização (designadamente, através da não consolidação e do recurso a falsificação da contabilidade das entidades bancárias onde se sediavam as contas de algumas dessas sub holdings), bem como de disfarce para encobrir uma série de operações, assim como a sua verdadeira natureza, em que se pretendia ocultar qual a real origem dos movimentos financeiros que as permitiram.

iv. Para além do que infra se dirá a propósito da questão do controlo accionista, da segmentação e da ocultação (vide ponto 5. deste segmento dedicado ao recurso interposto pelo arguido LC…), esta factualidade de síntese mostra-se fundamentada quer pela análise que o tribunal “a quo” fez relativamente a cada uma daquelas operações, em que essas sub holdings foram usadas (em que assinala os meios probatórios em que se fundou, bem como os raciocínios lógicos que sobre os mesmos desenvolveu), quer pelo segmento que supra transcrevemos.
 
v. Do dito decorre não assistir razão ao recorrente no que se refere à ausência de elementos probatórios que sustentem tal factualidade, improcedendo pois o que a este título pede.

2. Pontos 50), 52), 53), 54), 61) e 63) da matéria julgada provada proveniente da pronúncia:
Entende o recorrente que o que aí se mostra dado como assente no que se refere aos arguidos IC…, LM… e LAl…, se mostra errado, porque a prova indicada pelo Tribunal “a quo” apenas permite afirmar quais os cargos formalmente ocupados pelos identificados arguidos no Grupo SLN e nada mais que isso.

i. Esses pontos têm a seguinte redacção:
50) A arguida IC… actuava paralelamente como colaboradora da SLN, como advogada mandatada pela mesma e como responsável da PLANFIN, intervindo na concepção e execução de uma estratégia de ocultação anteriormente definida, para a constituição de sociedades, prática de actos e contratos, conforme adiante se irá narrar;
52) Do mesmo modo, o arguido LG… foi também chamado pelo LC… para consigo colaborar, de forma mais próxima, a partir do ano 2000, sendo chamado a exercer funções como director financeiro e da direcção de controlo e avaliação estratégica da SLN SGPS;
53) Passando, nessa qualidade, a intervir na utilização de circuitos de financiamento e controlo contabilístico das sociedades instrumentais;
54) O arguido LMi…, por sua vez, manteve o seu papel de responsável da contabilidade da SLN SGPS, S.A., mas passou também a colaborar com o grupo dirigido pelo LM… na referida direcção financeira e de controlo e avaliação estratégica, passando, da mesma forma, a colaborar na elaboração da contabilidade das entidades instrumentais;
61) Nesse âmbito, conhecendo as decisões de investimento e de movimentação financeira tomadas pelos demais arguidos, em particular pelo OC…, LC… e FS…, a arguida IC… aceitou colaborar na produção dos contratos de conveniência e na emissão de instruções para a realização de operações bancárias;
63) Sempre com a coordenação e seguindo indicações do arguido LC… e indirectamente dos arguidos OC… e FS…, o arguido LM… passou ainda a executar as operações de financiamento decididas para os negócios, transmitindo directamente à Direcção de Operações, via “mail”, as ordens para o lançamento de movimentos nas contas bancárias das sociedades offshore instrumentais do grupo;

ii. O tribunal “a quo” pronunciou-se, quanto aos mesmos, nos seguintes termos:
Como se relacionavam com a SLN (factos 49º a 64º da pronúncia):
O arguido LC… foi nomeado administrador da Planfin por deliberação de 17.7.98, a qual só foi objecto de inscrição no registo comercial a 22.12.99 (v. certidão do registo comercial da Planfin – vol. 28 dos autos principais, págs. 11652 e segs.).
Por sua vez, foi cooptado para administrador da SLN SGPS por deliberação de 28.6.1999, a qual foi apresentada para inscrição no registo a 8.10.1999 (v. certidão do registo comercial constante do vol. 11º dos autos principais, págs. 4323 a 4350);
(...) o arguido LM… declarou, em resumo, que no ano de 2000 nunca tinha  ouvido falar de direcções de serviços e que a primeira vez que ouviu falar foi em 2003 com um comunicado (nota interna) para todas as empresas do grupo.
Quando viu o comunicado, sentiu-se bem, fez-lhe bem ao ego.
A direcção financeira da holding, porém, se alguém a orientava e nela mandava era LC…. Nunca se dirigiu a ninguém intitulando-se director financeiro do grupo.
No fundo, nunca mandou nada no grupo.
Estas nomeações nunca corresponderam, na prática, a quaisquer alterações nas suas funções, i.e., não fez nada em nome desses cargos.
Finalmente, o arguido LAl…, não se pronunciando directamente sobre as direcções de serviços, deu conta de que foi o responsável da contabilidade da Planfin, desde a sua constituição até 2004 quando foi nomeado vogal do C.A. da Planfin.
Segundo ele, LM… não dirigia nenhum grupo de direcção financeira e direcção estratégica. Esse grupo não existia, portanto não prestou colaboração a nenhum grupo deste teor.
LM… também fazia a contabilidade de algumas empresas, ele era o técnico de contas da SLN (era o responsável pela contabilidade da empresa).
Em 1999 e 2000 elaborou as contas consolidadas da SLN na vertente não financeira, mas quem assinava a contabilidade da SLN era o técnico de contas da SLN, designadamente, LM…. Mas não era o director de contabilidade de nenhuma das sociedades do grupo.
Fez a contabilidade de várias empresas (Sogipart, BPN SGPS).
A documentação da SLN SGPS era-lhes enviada pela administração da SLN e fazia a contabilidade com base nestes elementos.
Controlava a regularidade técnica da contabilidade.
Nunca se reuniu com o C.A. da SLN ou com o Conselho Superior.
Nunca teve funções de planeamento, nunca lhe pediram (LC… ou OC…) opiniões ou sugestões.
Enquanto trabalhou no grupo SLN nunca fez contabilidade de sociedades offshore ou não residentes, nem lhe pediram para fazer essas contabilidades.
Na Planfin, do seu conhecimento, não foi feita a contabilidade de sociedades não residentes.
Não teve conhecimento de que se fazia demonstrações financeiras das sociedades não residentes.
(...) Salienta-se, de novo, o que foi referido pelo arguido LC…, a saber:
A partir da divulgação da nota da criação das direcções de serviços (2003), em termos formais houve a nomeação, mas em termos materiais nada se alterou. Visou-se, somente, formalizar o “poder” daquelas 3 pessoas junto de terceiros.
Mais referiu a que a exigência de nomeação de directores de serviços partiu do Dr.º MNe…. Esclareceu que aquelas 3 pessoas actuavam por instruções dos administradores da SLN, essencialmente do Dr. OC… e dele próprio, LC…. Ou seja, eram vistas como “extensão do Conselho de Administração”.
Concluiu, informando, que o conteúdo funcional destas direcções continuaram a ser exercidas pela Planfin, pela Sociedade de Advogados e outras pessoas dentro do banco.
(...) A testemunha JMN… (foi administrador da SLN SGPS e do BPN SA a partir, respectivamente, de 29.11.2002 e 7.1.2003, tendo renunciado ao cargo nas duas sociedades a 27.6.2003) a propósito da nota de Maio de 2000 referiu que na altura ainda não estava no grupo, o que, aliás, se comprova pelas certidões de registo comercial de ambas as sociedades (v. certidões constantes do vol. 11º dos autos principais, págs. 4323 a 4350 referente à SLN SGPS e apenso de busca 7, doc. 42.2., págs. 216 e segs. relativa ao BPN, S.A.);
Se assim é como, aliás, inequivocamente se demonstra, como podem os arguidos LC… e IC… afirmar que a exigência da criação das direcções de serviços partiu do MNe…, mais a mais quando este, no ano de 2000 não estava no grupo e a nota deste ano está assinada/subscrita pelo próprio LC… e pelo OC…!!
Refira-se, ainda, que no se refere à nota de Março de 2003 a mesma testemunha declarou, o que é uma evidência, que a mesma não se encontra assinada por si, não se recordando se teve conhecimento do documento à data em que o mesmo foi emitido.
(...) Os arguidos LC… e IC… confirmaram a materialidade constante dos factos 51º e 52º da pronúncia, excepto quanto à sede da Planfin Contas, sustentando que as suas instalações não eram as da Planfin, S.A., mas antes na Rua Marquês da Fonteira, n.º 8, 2º esq. (aliás, é esta a morada que consta como sede na escritura de constituição – v. doc. infra indicado), declarações que, nesta parte, não foram infirmadas por outra prova documental e/ou testemunhal.
(...) «Os arguidos LC… e IC… confessaram a materialidade constante dos arts. 59º e 60º da pronúncia, salientando porém que a obtenção junto de fiduciários internacionais de sociedades em offshore não era uma das funções essenciais da Planfin.
De resto, esta confissão está de acordo com os restantes elementos probatórios supra referidos e que descrevem a actuação da Planfin e seus colaboradores para a constituição de sociedades offshore do grupo SLN/8PN ou de pessoas singulares responsáveis pelo grupo.
Também é certo que desses elementos probatórios decorre que se a aludida função não deixou de ser importante na actividade da Planfin, a mesma não era essencial e/ou nuclear, estando em paralelo com outras funções igualmente importantes como, por exemplo, a elaboração de pareceres jurídicos, a representação de partes processuais em juízo, a elaboração de contratos de natureza jurídica, etc. (v. factos provado 58 e 59 e não provado 21).
Já se referiu supra que a arguida IM… era, via de regra, a primeira procuradora das sociedades offshore do grupo não só para subscrever contratos, mas sobretudo para efeitos de abertura e movimentação das contas bancárias tituladas por essas mesmas sociedades, como se evidenciará quando adiante se referir a abertura e movimentações de contas bancárias de muitas sociedades offshore.
Sem prejuízo do que se evidenciará em termos documentais, importa desde já referir que a arguida IC… confessou a materialidade constante do facto 61º da pronúncia, aliás, explicando circunstanciada e pormenorizadamente a sua intervenção nessa factualidade (v. facto provado 60).
Não obstante a arguida IC… ter declarado em julgamento que “era uma mera executora daquilo que a mandavam fazer”, designadamente do que os arguidos OC… e LC… determinavam, o que é inequívoco, como se demonstrará infra, é que a arguida IC…, sendo conhecedora de algumas decisões de investimento e das correspondentes movimentações financeiras, agindo como agiu, prestou colaboração quer na produção de contratos de conveniência, - como no caso Camden -, quer na emissão de instruções para a realização de movimentação bancárias, - como na aquisição do BI com fundos sacados da Venice, que foram transferidos para a Marazion e desta para a Insular Holdings que, por sua vez, pagou à Fincor (v. art. 62º da pronúncia; v. facto provado 61).
Porém, como referido, o que também é aplicável ao facto 629 da pronúncia (v. o que se deixou fundamentado a propósito do art. 579 da pronúncia), as decisões de investimento e também de movimentação financeira não partiam do arguido LM…, mas, outrossim, dos arguidos OC…, LC… e FS… (quanto a este, algumas vezes, numa base de adesão às decisões daqueles dois), dando-lhes o arguido LM… execução prática, o que, aliás, está em consonância com o vertido no art. 649 da pronúncia que corresponde à realidade dos factos ocorridos (v. facto não provado 22).
De acordo com as já aludidas notas internas da SLN, SGPS de 10.05.2000 e 26.03.2003, ambas subscritas por OC… e LC…, LM…, que LC… convidara, exerceu as funções de director financeiro e de director de controlo e avaliação estratégica da SLN, SGPS em colaboração directa com LC… até 31.03.2006 (data em que renunciou aos cargos).
Naquelas funções, como mencionado, interveio na definição de circuitos de financiamento e controlo contabilístico e executou, transmitindo directamente à Direcção de Operações do BPN, via e-mail ou verbalmente, ordens para o lançamento de movimentos nas contas bancárias das sociedades offshore instrumentais do grupo, seja no BPN Cayman, seja também no Banco Insular.
Por outro lado, LM… exerceu funções de administrador de entidades sub-holdings do grupo, designadamente na SLN Investimentos.
Cumpre dizer que na sua essência o arguido LM… confessou a factualidade constante do art. 649 da pronúncia.
Independentemente disso, a prova documental constante dos autos, só por si, permitia alcançar o mesmo desiderato (prova dos factos 639 e 649 da pronúncia quanto ao arguido LM… – v. factos provados 62 e 63.).
«Veja-se:
- Apenso 33 – 30\287\C\CFGA\POSTOS DE TRABALHO\IC…\C\IC… Ficheiros Vários\IMC\Sociedade de Advogados\Clientes\SLN\Memos CA\Sociedade de advogados\Memo-CA SLN_ sociedades não residentes ponto da situação – 05.11.2003 – Memo de IM… para OC… com o ponto de situação das sociedades não residentes constituídas por intermédio da PLANFIN para operações do Grupo SLN/BPN onde, além de descrever a relação de confiança PLANFIN com os directores fiduciários, refere que os movimentos das contas eram controlados pela SLN (LM…);
- Apenso 33 - 30\Apagados\288\WK1\Ficheiros eliminados\C\L…\Memorandos – Memo situação offshore 30_9_2001 doc. – 25.10.2001 - Memo da Planfin Contas, designadamente de LM… para a administração da SLN (LC…) sobre o ponto da situação dos procedimentos das sociedades offshore instrumentais com referência à data de 30.09.2001 pelo qual, além do mais, dá conhecimento à administração do “controlo contabilístico efectuado a estas sociedades”. Doc. não assinado mas que nas suas propriedades informáticas contém a autoria LM… e data da criação e última modificação, respectivamente, 24.10.2001 e 25.10.2001;
- Apenso 33 – 30\Apagados\288\WK1\Ficheiros eliminados\C\L…\1.Grupo SLN\planfin contas\folhas Horas\faturação a Novembro.xls – sheet Folhas Totais – Folhas de Horas Totais de Agosto a Novembro de 2001 (é necessário seleccionar o técnico, designadamente LM…) que descreve a sua actividade na Planfin Contas e o tempo gasto em cada uma delas naquele mês – Linha 284 (Mapas Banco Portugal) (3h5); Linha 287 (Banco de Portugal – Mapas) (1h); Linha 290 (Banco de Portugal – Mapas/Dr. LCC (3h); Linha 291 (Banco de Portugal) (2h); Linha 292 (Banco de Portugal – Seis) (2h); Linha 295 (Consolidado) (4h5); Linha 300 (Reunião LCC – Consolidado) (2h); Linha 303 (Consolidado) (27h); Linha 285 (Reunião LCC - Rácio de Solvabilidade) (3h); Linha 352 (Rácio de solvabilidade) (3h); Linha 288 (Reunião AF… – Movimentos Financeiros) (1h); Linha 289 (AF… – Mov. Financeiros) (3h); Linha 293 (Consolidado Off-Shore) (48h); Linha 296 (Memo – offshores (3h); Linha 301 Memo – Off shores (16h); Linha 297 (Mapa dos juros) (2h);
- Apenso 33 – 22\TRAT\1\MAIL\FS…\26122004\1fs….nsf\ ($Sent-Drafts)\Taxa devedora DO – Cayman.msg – E-mail de RP… para FS… com pedido de indicação das taxas devedoras de todas as sociedades offshore do grupo, acrescentado em nota que a taxa será carregada a todas as sociedades offshore que LM… indicar como sendo do grupo;
- Apenso R, vol. 48, pág. 100 – 29.01.2001 – Fax de LCu… para ML… (secretária de OC…) sobre ratificações de descobertos que têm despacho manuscrito de FS…, o qual, dirigindo-se ao Dr. LM…, agradece a verificação dos saldos e do número de dias a descoberto;
- Apenso 33 – 30\287\C\CFGA\POSTOS DE TRABALHO\IC…\C\IC…_Ficheiros Vários\IMC\SLN-Direcções de Serviços\ ACTOS E CONTRATOS_GRUPO SLN\2000-11-09-Constituição da Sociedade_SLN Investimentos, SA.pdf – 09.11.2000 – Escritura de constituição da SLN, Investimentos, da qual resulta que, no ato de constituição e para o triénio 2000/2002, o arguido LM… foi designado Presidente do Conselho de Administração da sociedade;
- Apenso 33 - 9\Trat\EP…\MAIL 2\EP…\C\W_BPN\1 epeix_20040416.nsf\ offshore \RE – acessos a BPN Cayman 7.msg – 30.10.2002 - E-mail de AJo… para EP… com conhecimento a RP… a solicitar o acesso directo à aplicação 8079 (BPN Cayman) para LM… e LAl….
- Apenso 33 – F:\4910\1-Anexo A\TRAT\6\Pen-ScanDisk-Cruzer-Mini-2GB\DOCS\C\2. Grupo OFF-Shore\AF….doc – Instrução de LM… para AF… para movimentação de conta do Banco Insular;
- Apenso 33 – F:\4910\1-Anexo A\TRAT\6\Pen-ScanDisk-Cruzer-Mini-2GB\DOCS\C\2. Grupo OFF-Shore\AF…2.doc – Instrução de LM… para AF… para abertura de conta no banco insular e movimentação a débito;
- Apenso 33 – F:\4910\1-Anexo A\TRAT\6\Pen-ScanDisk-Cruzer-Mini-2GB\DOCS\C\2. Grupo OFF-Shore\AF….3  doc – Instrução de LM… para AF… para abertura de conta e movimentação a débito no Banco Insular.
(…)
Passemos, agora, à matéria alegada nas contestações dos arguidos e que está relacionada com a que foi objecto de análise da pronúncia (“como se relacionavam com a SLN” – factos 49° a 64°).
Quanto ao arguido OC… (…)
Relativamente à matéria alegada na contestação (fls. 17726 a 17755) do arguido LM… a relacionada com a identificada factualidade da pronúncia é a constante dos seus arts. 50, 60 a 110, 130, 150 e 360 a 420 .
De modo igual, não serão vertidos nos factos provados ou não provados os seguintes factos da contestação do arguido pelas razões abaixo indicadas:
(…)
No que concerne aos demais:
A propósito do alegado no facto 50 da sua contestação remete-se para tudo o que já se deixou supra exposto, - notas internas da SLN que constituem as direcções de serviços e nomeação de directores para cada uma delas -, notas das quais resulta, em bom rigor, que o arguido não foi nomeado para o cargo de director financeiro da SLN em Março de 2003, mas sim em Maio de 2000, ocorrendo, por sua vez, em Março de 2003 uma renomeação para o mesmo cargo (v. facto provado 5 da sua contestação).
Por sua vez, não foi produzida qualquer prova de que em consequência dessa nomeação, ao longo dos anos, não se tenha verificado uma alteração de remuneração pelo desempenho dessas funções (v. facto não provado 4).
Se é certo que não se detectaram, na prova documental, procurações outorgadas a favor do arguido para movimentar contas bancárias, isso não significa que elas não possam ter existido, o que equivale a dizer que não se demonstrou que o arguido nunca (a expressão é do arguido) foi procurador de alguma conta bancária, não se tendo produzido, aliás, nenhuma prova cabal nesse sentido.
“Mutatis mutandis” e com as devidas adaptações, valem as mesmas considerações quanto ao alegado na restante parte do art. 6° da sua contestação (nunca teve poder para celebrar negócios internos ou externos, de dispor de negociação de créditos ou passivos ou sobre quaisquer clientes) – v. facto não provado 5.
O alegado na parte final do art. 6° da contestação, no fundo, corresponde ao constante no art. 64° da pronúncia e que resultou provado (v. facto provado 63), sendo certo que, naquilo que a pronúncia sustenta que ele fez a nível de decisão (arts. 57° e 62°) resultou não provado (v. factos não provados 18 e 22).
No que respeita ao alegado no facto 7°, além de assinalar que é conclusivo/valorativo o afirmado quanto a que “desempenhava funções meramente operacionais”, remete-se para o consignado no procedente parágrafo.
Também não ficou demonstrado, porque não foi produzida prova cabal disso, de que todas (a expressão é do arguido) as ordens de movimentação de contas representavam a execução de acordos celebrados pela administração do grupo, bem como o demais alegado no facto 8° da sua contestação (v. facto não provado 6).
Face a toda a motivação já expendida, não há dúvidas quanto ao por si alegado no facto 9° (v. facto provado 6).
Não se demonstrou, com base na prova produzida, o motivo redutor e simplista por si alegado (facto 10° da contestação) para a sua nomeação para administrador de sociedades do grupo (v. facto não provado 7).
Também quanto ao alegado no facto 11° da contestação, repete-se o que já foi dito, i.e., que o invocado, no fundo, corresponde ao constante no art. 64° da pronúncia e que resultou provado (v. facto provado 63), sendo certo que, naquilo que a pronúncia sustenta que ele fez a nível de decisão (arts. 57° e 62°) resultou não provado (v. factos não provados 18 e 22).
Não foi demonstrada a relação/conexão exclusiva a que aludem os factos 13° e 15 da contestação (nem os arguidos LM…, IC… ou LC… o referiram) – v. factos não provados 8 e 9.
É certo que o arguido LAl… declarou que Planfin Contas foi constituída devido à necessidade prática de salvaguarda da profissão de técnico oficial de contas, no sentido de se integrarem em sociedades profissionais, mas não justificou cabal e circunstanciadamente a sua afirmação que, aliás, não é concordante com o alegado, na parte em que é afirmado que “a Planfin Contas foi constituída apenas por força (...)” (sublinhado nosso).
Não obstante o BPN ter uma “direcção central financeira”, afirmar, como se afirma (factos 36° e 37° da contestação) que a direcção financeira da SLN não tinha qualquer tipo de intervenção a nível consolidado e global do grupo ou ao nível de depósitos nas instituições bancárias identificadas ou de operações creditícias, é a mesma coisa que afirmar que a direcção de contabilidade da SLN (sociedade “mãe”) não tinha qualquer tipo de intervenção a nível de consolidação de contas do grupo. O que se apresenta como um contra-senso, uma vez que estamos ao nível de uma holding (SGPS) que, no fundo, está à frente de todos os destinos do grupo e empresas do grupo em que tem participação.
Ainda que assim não fosse, o que é facto é que não foi de algum modo demonstrado que a direcção financeira da SLN nunca (mais uma vez, a expressão é do arguido) tenha tido qualquer tipo de intervenção nos segmentos mencionados (v. facto provado 7 e factos não provados 10 e 11).
Resulta cabalmente infirmado o afirmado no art. 38° da contestação do arguido, porquanto, como explicou de forma cabal e séria a testemunha AJo… (trabalhou vários anos na direcção de operações do BPN e, em 2006, passou para assessor do Conselho de Administração da mesma instituição), não suscitando ao Tribunal quaisquer dúvidas quanto à veracidade das suas afirmações, LM… e LAl… tinham acesso directo às contas bancárias do Banco Insular e do BPN Cayman (v. facto não provado 12).
Face à organização interna do grupo SLN a nível financeiro e contabilístico, que já se abordou, e tendo presente o afirmado e confirmado pela testemunha JSo… (foi director de contabilidade do BPN, S.A., desde o início e até finais de 2012), é de concluir pela prova do constante nos arts. 39° a 41° da contestação do arguido (v. factos provados 8 a 10).
Porém, não se demonstrou, antes pelo contrário, que o arguido LM… nunca teve qualquer intervenção directa ou indirecta na contabilidade das sociedades do grupo SLN/BPN (facto não provado 13).
Com efeito, o próprio declarou em audiência:
A primeira contabilidade que fez foi da própria holding individual (SLN SGPS). Uns dias mais tarde entrou o LAl… também para a parte da contabilidade da Planfin (na prática repartiam as contabilidades das empresas do grupo).
À medida que elas foram aparecendo (as empresas do grupo) iam fazendo de forma repartida a contabilidade das empresas.
Estavam sempre a surgir empresas novas, chegaram a fazer, no fim do ano de 99, cerca de 20 ou 30 contabilidades de empresas do grupo.
Mais tarde foram sendo recrutados outros contabilistas poro LC… que os ajudavam na contabilidade das empresas do grupo.
No que concerne ao alegado em (iii) do facto 41°, não se demonstrou haver um órgão na SLN SGPS designado por “departamento de consolidação”. Remete-se, neste âmbito, para o supra exposto e motivado e que permite concluir que eram a Direcção de Contabilidade e a Direcção Financeira da SLN SGPS que procediam à integração das restantes contas das outras áreas de negócio da SLN (v. facto não provado 14).
Se é certo que cabe em última instância, por inerência de funções, às administrações das sociedades dar indicações sobre quais as entidades que se encontram no perímetro de consolidação (art. 42° da contestação; v. facto provado 11), o que também não deixa de ser verdade, ao contrário do que argumenta (2ª parte do art. 42°), é que o arguido tinha conhecimento de realidades diversas que lhe permitiam concluir de outra forma (v. facto não provado 15).
Para o efeito, tenha-se presente o seu conhecimento da realidade “informal” das sociedades não residentes (offshore), bem como do Banco Insular, entidades que nunca consolidaram, sendo certo que deviam ter sido objecto de consolidação como, aliás, se explicará infra.
*
A matéria alegada pelo arguido LAl… a este respeito é a constante dos arts. 5°, 6° e 21° a 25° da sua contestação (fls. 17756 a 17784), factos em tudo iguais – excluindo o 25° - aos alegados pelo arguido LM….
Por isso, na parte a ele respeitante, “mutatis mutandis” valem aqui as mesmas considerações expostas quando se fez a análise a respeito do arguido LM…, considerações estas que permitem concluir pela não demonstração dos factos 5°, 6° da sua contestação (v. factos não provados 2, 3) e pela demonstração quase integral do que consta dos arts. 21° a 25° da mesma peça processual (v. factos provados 5 a 8 e factos não provados 4 a 6), com os esclarecimentos seguintes:
A propósito do alegado na 2ª parte do art. 22° da contestação (v. facto não provado 4) e sem prejuízo das declarações supra resumidas do arguido LM…, as próprias declarações do arguido LAl… infirmaram o que dele consta.
Atente-se:
A partir de 1 de Outubro de 1999 começou a trabalhar na Planfin. Foi contratado para planificar, organizar e planear a execução de contabilidades, assegurar o cumprimento das obrigações fiscais das empresas, produzir regularmente documentação financeira para apoio da gestão das empresas, elaborar relatórios e contas e também a execução das contas consolidadas.
Estava também a seu cargo a execução das contas consolidadas da SLN.
LM… também fazia a contabilidade de algumas empresas, ele era o técnico de contas da SLN (era o responsável pela contabilidade da empresa).
Ele próprio fez a contabilidade de várias empresas (Sogipart, BPN SGPS).
Já vimos, e concluímos supra, que o arguido LAl… foi nomeado director da direcção de contabilidade da SLN SGPS.
Justificar estas funções de forma tão redutora como o arguido as coloca no art. 25° da contestação, sem curar de qualquer obrigação de verificação do perímetro de consolidação do grupo em que se inclui o Banco Insular e as sociedades não residentes pertença desse grupo, afigura-nos não ter qualquer suporte na realidade de estruturação de um grupo económico de considerável dimensão e abrangente. Além do mais, não foi produzida prova inequívoca e clara de que as suas funções, no âmbito da contabilidade, apenas (a expressão é sua) se resumiam àquilo que elenca naquele facto (v. facto não provado 7).
*
A matéria alegada pelo arguido LC… a propósito do mesmo tema é a constante dos arts. 1° a 53° da sua contestação (fls. 17535 a 17725).
Não serão vertidos nos factos provados ou não provados os seguintes factos da contestação do arguido pelas razões abaixo indicadas:
(…)
Quanto à demais matéria alegada (1° a 53° da contestação do arguido):
A prova dos factos 11° e 12° da contestação (v. factos provados 1 e 2) resulta do seguintes documentos:
- foi cooptado para o cargo de administrador da SLN SGPS, S.A., em 28.6.1999, tendo exercido esse cargo continuamente, inclusive nos quadriénios 2002/2005 e 2006/2009, sendo que neste último cessou as suas funções por renúncia a 31.8.2007 (v. certidão do registo comercial - doc. constante do vol. 11° dos autos principais, págs. 4323 a 4350), estando, por conseguinte, errada a data (1.7.1999) indicada pelo arguido (v. facto não provado 1);
- foi nomeado vogal do Conselho de Administração do BPN SGPS, S.A. a 27.10.1999 para o quadriénio 1999/2002, mantendo-se nas mesmas funções no quadriénio 2003/2006 até 31.12.2006 (v. contrato de sociedade - doc. constante do “apenso informático 33”; caminho: O:\4910_08.9\30\287\C\CFGA\POSTOS DE TRABALHO\IC…\D\IC…_Ficheiros Vários\IMC\SLN-Direcções de Serviços\ACTOS E CONTRATOS_GRUPO SLN\Docs. Actos e Contratos Scaner\1999 _ 10 _ 27 _ Escritura de Constituição _ BPN, SGPS, SA; doc. impresso e junto aos autos principais a fls. 38184 a 38202; e certidão do registo comercial - doc. constante do vol. 1° dos autos principais, fls. 52 a 60).
A prova das funções, representação e execução a que se alude nos arts. 13° a 16° da contestação e a gestão estratégica e coordenada mencionada nos factos 21°, 22° e 34° da mesma peça, resultam da circunstância de serem manifestamente compatíveis com o cargo de administrador na área financeira de uma sociedade holding, das declarações do próprio arguido em sede de audiência e da análise de dezenas de contratos e e-mails no decurso do julgamento, - muitos deles a identificar e referir infra aquando da análise dos negócios jurídicos -, permitindo os mesmos concluir pelo exercício dessas funções, bem como pelo fim próprio/objecto social, inclusive legal, característico das sociedades gestoras de participações sociais em que se incluem a SLN SGPS e o BPN SGPS (v. facto provado 3 a 5, 8 a 10).
Todavia, tendo o arguido sido vários anos administrador de uma sub-holding inserida no ramo financeiro (BPN SGPS, S.A.), empresa participada a 100% pela holding “mãe” SLN SGPS, S.A., não se compreende como poderá afirmar, como afirma (art. 13° da contestação), que só tinha a seu cargo o planeamento e direcção das empresas participadas não integradas no sector bancário e financeiro (v. facto não provado 2).
A prova do alegado no facto 19° resulta do teor da certidão do registo comercial do BPN – Banco Português de Negócios, S.A. (v. doc. constante do apenso de busca 7, doc. 42.2., págs. 216 e segs.) – facto provado 6.
Entendendo-se por “actividade bancária e actividade empresarial própria do BPN, S.A.” a actividade “core” dos bancos comerciais, (empréstimos ao consumo e imobiliário, leasing, renting, cartões de crédito e débito, intermediação na compra e venda de acções, negociação de unidades de participação em fundos mobiliários e imobiliários da própria instituição e de terceiros, compra e venda de divisas, etc.), não há dúvidas, face à prova produzida em julgamento e a documental constante dos autos, que o arguido a desconhecia, ou seja, não teve qualquer participação/decisão nessas matérias (v. art. 20° da contestação; v. facto provado 7).
Não obstante se ter dado como provado -, com a explicação avançada supra do que se entendia por actividade económica bancária -, que “o arguido desconhecia as operações relativas à actividade bancária, ou seja, à actividade empresarial própria do BPN, S.A.” (facto provado 7), considerando que a actividade bancária descrita na pronúncia não se esgota nesta instituição, pelo contrário, é muito mais extensa, englobando as mais diversas operações bancárias com o BPN Cayman, BPN IFI e Banco Insular, não pode resultar provado o alegado pelo arguido no art. 30° da contestação, porquanto, como se demonstrará infra aquando da análise dos negócios em concreto, houve intervenção do arguido em operações bancárias com pelo duas dessas instituições (BPN Cayman e Banco Insular) – v. facto não provado 3.
Decorre manifestamente do que irá ser explicado/desenvolvido infra, aquando da análise dos negócios em concreto descritos na pronúncia, que não corresponde à verdade o declarado pelo arguido no art. 35° da contestação no que toca à total inexistência de decisões ou instruções da sua autoria para concessão de crédito às pessoas/sociedades aí identificadas (v. facto não provado 4).
Quanto ao perímetro de consolidação (arts. 37° a 42° da contestação do arguido), valem aqui as considerações expostas supra aquando da análise da matéria igual alegada pelos arguidos LM… e LAl…, as quais permitem concluir pela prova dos factos em referência, salientando-se aqui, em reforço dessa prova, a remissão para o teor dos organogramas, já referidos, e relatórios e contas do grupo, a mencionar infra, constantes dos autos (v. factos provados 11 a 16).
A prova dos factos 44° a 48° da contestação do arguido resulta, essencialmente, das declarações da testemunha JS…, (ingressou no BPN em Março de 2001 e, para manter o seu vínculo bancário, ficou como trabalhador do BPN, mas foi colocado numa sub-holding, designadamente o BPN SGPS. No BPN SGPS foi trabalhar com o software que eles tinham comprado à Price Waterhouse e que fazia a consolidação de contas. A ideia era formar uma equipa para fazer essa mesma consolidação, a qual formou. Inicialmente foi como técnico e quando foram criadas as direcções acabou por ficar com o cargo de director (2003) da Direcção de Informação Corporativa, que estava inserida no pelouro financeiro da responsabilidade de LC…. As suas funções consistiam em receber as informações contabilísticas das várias empresas que pertenciam ao grupo e fazer a consolidação ao nível do BPN, do BPN SGPS e da SLN SGPS. No fundo fazia a consolidação das contas de todo o grupo BPN/SLN da parte financeira e não financeira), o qual explicou cabal, circunstanciada e pormenorizadamente e sem suscitar quaisquer dúvidas ao tribunal, todo o processo de consolidação das contas do grupo BPN/SLN, explicação que está de acordo com o alegado pelo arguido na sua contestação na indicada factualidade (v. factos provados 17 a 21).
Refira-se que a utilização para o efeito do software “CLIME” e “MAGNITUDE” (v. facto provado 18) resulta de inúmeros documentos constantes dos autos em suporte digital/informático, referindo-se aqui somente alguns deles com a indicação dos caminhos do apenso 33 onde se encontram:
CLIME:
E:\4910\9\Trt\EP…\MAIL2\EP…\C\W_BPN\4Arquivo.nsf\Operação\Normasobre BackupsdaRedeInterna.msg|051007_Gestão_de_Backups_CPD_N°1-3_V5.pdf;
- E:\4910\30\287\C\CFGA\POSTOS DE TRABALHO\IF…\Disco C\IG…\SLN Car\atas ca sln car\Acta n°11 (7.03.2003).doc;
-   E:\4910\22\TRAT\2\MAIL-FS…\RestauroTSM\01052008\FGo…\A receber\RES- Variação ocorrida nos resultados, entre Junho de 2007 e o período hó....msg|Balancet.xls;
-   E:\4910\22\TRAT\5\MAIL-LC…\09012005\1lcaprich.nsf\($Inbox)\Re- FW- Indicadores de gestão da área automóvel.msg;
- E:\4910\30\287\C\CFGA\server 3\C\BACKUP DO SERVER 2\Grupo\Group OLD\Orçamentos BSC\BPN, SGPS, SA\SLN01 Relatório de Consolidação BPN,SGPS V4.doc;
MAGNITUDE:
-   E:\4910\22\TRAT\2\MAIL-FS…\RestauroTSM\01052007\FGo…\A receber\RE- Nota 11 - BPN SA (Ativo Intangível)[1].msg|ANEXOS~3.XLS;
-   E:\4910\22\TRAT\3\MAIL-FS…\Restauro TSM\01112007\FGo…\A receber\Reunião com as contabilidades no dia 25 Outubro 2007.msg|APRESE~1.PDF;
-   E:\4910\22\TRAT\3\MAIL-FS…\Restauro TSM\01112008\FGo…\A receber\FW- PT080222001 - BNP -Erros Magnitude.msg;
- E:\4910\22\TRAT\1\MAIL-FS…\Restauro TSM\01022008\FGo…\A receber\RES- ALERTA - Datas de encerramento das contas do 1° semestre de 2007[1].msg|BPNBRASI.xls;
Nos arts. 49° e 50° da contestação sustenta o arguido que as contas individuais de cada uma das instituições bancárias e financeiras e as contas consolidadas do BPN, S.A. eram, respectivamente, da exclusiva responsabilidade de cada uma das empresas e do BPN, S.A..
Desde já se afirma que tendo em consideração que estamos perante um grupo económico que, por um lado, tem uma sub-holding (BPN, SGPS, S.A.) da área económica e financeira que consolida as contas do BPN, S.A., e, por outro, no topo da cadeia, uma holding (SLN SGPS) que consolida toda a área financeira que está abaixo da mesma (por ordem decrescente: BPN SGPS, S.A., BPN, S.A., instituições bancárias e financeiras), não se vislumbra como não possa haver igualmente responsabilidade dos Conselhos de Administração da sub-holding e da holding relativamente às contas consolidadas das instituições bancárias e/ou financeiras que se situam na cadeia hierárquica inferior.
Imagine-se o seguinte cenário:
Um ou vários administradores da holding (SLN SGPS, S.A.) têm pleno conhecimento da existência de um banco de nome “Insular”, instituição bancária sediada em Cabo Verde, que pertence juridicamente ao grupo ou que, pelo menos, é por ele completamente controlado/monopolizado em termos de activos e passivos que lá são colocados por esse mesmo grupo.
Considere-se ainda que um ou vários administradores da holding (SLN SGPS, S.A.) sabem ainda que esse mesmo banco tem dois balcões, nenhum reportado à autoridade de supervisão nacional, onde estão alocados milhões de euros de activos e/ou passivos do grupo, sendo que um deles, de nome “virtual”, nem sequer é reportado às autoridades de supervisão de Cabo Verde.
Adensando-se o cenário, pondere-se ainda a existência de cerca de uma centena de sociedades offshore que inequivocamente pertencem ao grupo e que, com conhecimento de um ou vários administradores da holding (SLN SGPS, S.A.), beneficiam de centenas de milhões de créditos, a maior parte deles não pagos, sociedades essas, não residentes, nunca reportadas às autoridades de supervisão nacionais, ou seja, nunca consolidadas.
Tendo um ou vários administradores da holding (SLN SGPS, S.A.) um conhecimento claro deste cenário, não tendo aquele banco (Insular), e estas sociedades, sido objecto de consolidação no perímetro inferior, i.e., pelo Conselho de Administração do BPN, S.A., e por conseguinte, também não reportadas às autoridades de supervisão nacionais, independentemente das razões que estiveram subjacentes a esta decisão da parte do Conselho de Administração, há ou não responsabilidade dos administradores da holding SLN SGPS, S.A. em determinar/decidir/impor que se opere a consolidação daquele Banco e sociedades e o seu reporte às autoridades de supervisão nacionais?
É que, em última análise, o Conselho de Administração da holding tem conhecimento inequívoco de toda a factualidade e portanto os seus administradores são últimos responsáveis pelas contas consolidadas do grupo....
Não temos dúvidas nenhumas que a resposta àquela questão é positiva.
E foi precisamente isto que nunca aconteceu, ou seja, a consolidação e reporte das sociedades offshores e do Banco Insular, como infra se verá e será analisado.
Por conseguinte, os factos 49° e 50° da contestação só podem ser considerados não provados (5 e 6).
A circunstância de se ter concluído que não era da exclusiva responsabilidade do BPN, S.A. e suas filiais bancárias e financeiras, não significa, obviamente, que não eram, também, da responsabilidade dos Conselhos de Administração destas entidades (v. facto 51° da contestação; v. facto provado 22).
A prova do facto 52° (facto provado 23) da contestação resulta claramente das declarações prestadas pelas testemunhas JSo… (director de contabilidade do BPN, S.A, BPN Cayman e BPN IFI e que, no tocante ao pelouro de contabilidade, esclareceu que o mesmo, inicialmente, era de OC… e EM…, passou posteriormente para NL…, depois ACo… e, por fim, para JA…), TS… (entre finais de 2002, último trimestre, e Março de 2005, para além de outras funções dentro do grupo, assumiu as funções de director da direcção de controle e gestão) e JFr… (foi director da Direcção de Informação Corporativa que estava inserida no pelouro financeiro da responsabilidade de LC…).
Não foi inquirida nenhuma testemunha de nome PV…, porém a sua responsabilidade pelo SIG (Sistema de Informação de Gestão) – v. facto provado 23 - resulta do teor das declarações da testemunha JMC… (trabalhou no grupo BPN. Entrou a 15.1.1998, tendo ficado até Março de 2012, altura em que foi para a Parvalorem. No BPN foi director da área comercial - direcção coordenadora 2, Grande Lisboa – subúrbios, Alentejo. Em Março/Abril de 2006 ficou com a área de direcção coordenadora de empresas sul) que explicou que o SIG, além do mais, visava uniformizar alguma informação entre o norte e o sul e que esta aplicação informática foi “desenhada” por PV….
Resulta ainda essa responsabilidade pelo SIG, bem como a qualidade de PV… como director de Planeamento e Informação Comercial, do teor de alguns documentos constantes do apenso informático 33 nos seguintes caminhos:
- E:\4910\1-Anexo A\CAIXAS CORREIO\Single Files\2\Portatil\CAIXAS DE CORREIO\Portatil-TOZE\D\Documents and Settings\g000294\Os meus documentos\Arquivo de E-mail\archive.pst|00000841 (mail de AJo… para FS…, de 25.5.2006, em que propõe o desenvolvimento informático por PV… de vários pontos de reporting diário para ser apresentado ao Presidente);
E:\4910\9\Trt\EP…\MAIL2\EP…\C\W_BPN\6archive_200805.pst\DOP\CI\ 12.msg (mail de AJo… para DG… pelo qual pede a marcação de reunião com PV… para integração de um determinado ficheiro no SIG);
E:\4910\9\Trt\EP…\MAIL2\EP…\C\W_BPN\6archive_200805.pst\DOP\CI\ 22.msg (mail de AJo… para DG… no qual diz que “é preciso garantir que a informação esteja a ser transmitida para o SIG, pelo que se tiverem qualquer dúvida, falem com o Dr. PV…”);
E:\4910\22\TRAT\1\MAIL-FS…\08102005\1fs….nsf\($Sent-Drafts)\Acompanhamento de rating . Informação relativa ao 1° Semestre de 2005 .msg (referência ao PV… como director da identificada Direcção);
E:\4910\1-Anexo A\CAIXAS CORREIO\Single Files\2\Portatil\CAIXAS DE CORREIO\Portatil-TOZE\D\Documents and Settings\g000294\Os meus documentos\Arquivo de E-mail\a_atduar.pst|00001C42 (mesma referência do documento anterior);
A prova do alegado no facto 53° da contestação (v. facto provado 24) resulta cabalmente da prova documental e testemunhal que infra será indicada aquando da análise do tema “consolidação da estratégia operacional do Banco Insular” (factos 140° a 156° da pronúncia) para a qual, desde já, se remete.
*
Por fim, sobre a mesma matéria da pronúncia, argumentou a arguida IC… nos factos 90, 180, als. d) e e), 340 a 370, 380 a 490 e 730 a 1040 da sua contestação (fls. 17854 a 17906).
Como vem sendo hábito, antecipadamente se consigna que não serão vertidos na factualidade provada ou não provada os factos abaixo indicados da contestação da arguida pelos seguintes motivos:
(…)
Relativamente aos restantes, e começando pelo tratamento da Planfin Contas (340 a 380), remete-se para toda a fundamentação desenvolvida acima a propósito do tema da pronúncia ora em análise e que abarcou a questão da “Planfin Contas”, a qual permite concluir pela prova da factualidade em referência (v. factos provados 19 a 23) com a nuance seguinte:
Não foi produzida prova de que a reorganização da Planfin foi determinada pela administração do grupo SLN/BPN (v. facto não provado 18°), aliás, a própria arguida IC… nas declarações prestadas em sede de audiência não mencionou este fundamento.
Refira-se que quanto à sociedade de advogados CFGA, até resulta o contrário do argumentado pela arguida, designadamente pelo documento 20 da pasta 6 da busca 4 (residência de OC…) – carta dirigida por IC… ao presidente do grupo SLN na qual a mesma propõe um contrato de prestação de serviços jurídicos pela CFGA ao grupo SLN (tem anexa a minuta do contrato de prestação de serviços).
A prova dos factos 39° a 43°, 46° a 49°, 79°, 80°, 85° e 86° da contestação da arguida (matéria relacionada com a CFGA – sociedade de advogados) resulta dos elementos probatórios mencionados supra a propósito do tema da pronúncia em análise, que abrangeu a questão da “CFGA”, bem como do que será oportunamente motivado abaixo relativamente ao denominado “Projecto Cesar” e participação no mesmo dos advogados daquela sociedade, motivação para a qual integralmente se remete e que permite concluir pela prova daquela factualidade (v. factos provados 24 a 36).
Só uma pequena “precisão”:
A sociedade de advogados em causa foi constituída em Julho de 2002 e não em Agosto de 2002 (Apenso 33 – 3012841GESTÃO1CFGA1Arquivo geral_CFGA1Pasta CFGA1 Dossier_ CFGA.pdf ou Bragas 5, págs. 25 a 27 – 24.07.2002 - Contrato de constituição de sociedade civil de advogados entre IMC, IF…, AG… e AA…) – v. facto provado 24 e facto não provado 19;
E uma observação, não despicienda:
O modo como está colocado o facto 39° da contestação da arguida, leva a crer/afirmar que a sociedade de advogados só foi constituída porque a Planfin ficou limitada aos serviços elencados nos factos 23°, als. a) a e) e 38° da contestação, o que não corresponde à realidade.
Com efeito, a própria arguida IC… indicou outros motivos para a constituição da sociedade de advogados, a saber:
- os advogados que trabalhavam na Planfin já vinham há algum tempo a falar na constituição de uma sociedade de advogados;
- levantava-se a questão da procuradoria ilícita (a Planfin, que não era uma sociedade de advogados, só tinha advogados lá a trabalhar);
- não existia confidencialidade dos processos (trabalhavam na Av. da República num “open space”);
- os advogados eram mandatados pelo grupo SLN para vários processos judiciais e tributários, ou seja, havia cada vez mais trabalho próprio do exercício da advocacia;
Importa, também, de modo algum olvidar outro motivo que esteve na génese da constituição da sociedade de advogados e que nos é elucidado pelo memo de 3.3.2003 assinado pela arguida IM… e destinado ao Conselho de Administração da SLN, que contém o despacho “concordo” aposto pelos arguido LC…, datado de 5.3.2003, memo onde é explicado que a criação da sociedade de advogados tem por objectivo o “proteger e separar algumas situações do Grupo e de clientes do Private Banking” (sublinhado nosso) – v. doc. no apenso informático 33 no seguinte caminho: 30\284\Gestão\CFGA\Arquivo Geral CFGA\PASTA CFGA\Dossier CFGA; também constante de “Braga 5”, pág. 34).
Ou seja, o motivo indicado no art. 38° da contestação não foi o único, havendo naturalmente outros, designadamente os mencionados.
Por isso, foi feita uma ligeira alteração ao facto provado (24) daí decorrente, ficando no início da sua redacção o seguinte: “Facto que determinou, entre outros motivos, (...)”.

iii. Vejamos.
Não podemos deixar de notar que a alegação de um erro notório na apreciação da prova, que se refere apenas a outros arguidos que não o recorrente, demonstra uma generosidade e uma preocupação pela defesa da honra alheia que se mostra digna de ser assinalada, pela sua raridade.
Uma vez que a alegação é de erro notório (e não um pedido de reapreciação) e já que a questão é igualmente suscitada pelos restantes arguidos, nos seus recursos, aproveita-se desde já o ensejo para apreciar tal imputado vício.

iv.  Como se constata do que se mostra transcrito – bem como da mera leitura dos pontos factuais que o recorrente assinala – estamos novamente perante pontos factuais de síntese, que resumem o que resulta da análise da restante factualidade dada como assente.

v.  Em tais factos mostra-se descrito, por um lado, quais as funções que cada um destes arguidos exercia e, por outro, o que por virtude do exercício de tais funções vieram a fazer, designadamente:
 – No caso da arguida IC…, a intervenção na concepção e execução da estratégia de ocultação já anteriormente definida, colaborando na produção de contratos de conveniência e na emissão de instruções para a realização de operações bancárias;
- No caso do arguido LM…, a intervenção na utilização de circuitos de financiamento e controlo contabilístico das sociedades instrumentais e execução das operações de financiamento decididas para os negócios, nomeadamente as ordens de lançamento de movimentos nas contas bancárias das sociedades offshore instrumentais do grupo.
- no caso do arguido LAl…, a colaboração na elaboração da contabilidade das entidades instrumentais.

vi.  Sendo tais pontos factuais, como acima se referiu, pontos de síntese – em que se resume e caracteriza a actividade prosseguida pelos arguidos nos diversos acontecimentos que de seguida se narram (e que constituem o thema decidendum destes autos) – obviamente que o desenvolvimento dos mesmos tem de ser encontrado mediante a conjugação da leitura quer da restante materialidade fáctica que lhes é imputada, quer com recurso à motivação produzida a propósito de cada um dos concretos e descritos incidentes em apreciação, para além da também acima transcrita (onde assinalámos a bold os trechos mais significativos) inserida na motivação nesta sede.

vii. Têm, pois, tais pontos de ser lidos dentro desse contexto, relacionando-os com os demais que definem cada uma das operações realizadas por cada um dos arguidos e o conhecimento que tinham dos seus contornos.

viii.  Do dito decorre que se terá de atender ao que resulta vertido em grande medida na matéria de facto dada como assente, que narra, precisamente, a actuação de cada um dos envolvidos, de que se dão os seguintes exemplos:
- o que consta nos pontos 32 e 34 (concretização do 2º pilar da estratégia através da constituição da Planfin);
- o que consta nos pontos 40 a 43, 58, 59 (elementos da Planfin, corpos dirigentes e funções);
- o que consta no ponto 69 (resumo da função das offshores, na concretização dos planos dos arguidos);
- o que consta no ponto 101 (assinatura de transferências entre a Venice e a Marazion, pela arguida IC…, como procuradora das mesmas);
- o que consta nos pontos 149, 150, 151, 152 a 164, 204 a 207, 208 e 209 (utilização do BI para a colocação de operações de crédito fora do balanço, ordens para a movimentação e circulação de fundos, em que os arguidos LAl… e LM… tiveram também intervenção);
- o que consta nos pontos 366 a 408 (utilização da Plexpart para aquisição de acções da SLN Valor, no sentido da consolidação do controlo da posição accionista, em que intervieram também os arguidos LM… e IC…);
- o que consta nos pontos 417 a 464 (encenação de venda da SLN Imobiliária a uma entidade terceira e independente do Grupo SLN, em que tiveram também intervenção a arguida IC… e os arguidos LM… e LAl…);
- o que consta nos pontos 494 a 539 (pagamentos efectuados à Venice, em que estiveram também envolvidos os arguidos LM… e LAl…);
- o que consta nos pontos 560 a 573 (divisão do património da Validus, que envolveu também os arguidos IC…, LM… e LAl…);
- o que consta nos pontos 588 a 594, 644 a 647 (transferência da nova Validus para o arguido RO…, em que intervieram também os arguidos IC…, LAl… e LM…);
- para além dos factos relativos à imputação subjectiva;
- e a respectiva fundamentação, a propósito de cada um destes pontos de facto.

ix.  E o que resulta manifesto dessa leitura é que não se verifica qualquer erro notório na apreciação da prova realizada pelo tribunal “a quo”, já que a factualidade narrada ao longo dos autos permite sintetizar o que consta nos pontos de facto que o recorrente critica – o uso que os arguidos fizeram das suas descritas funções.

x. Assim, da leitura conjugada do que se deixa exarado e da fundamentação respectiva, quanto a cada um dos pontos, para as quais se remete por meras razões de economia processual (algo que o próprio tribunal “a quo” igualmente ressalva pois de outro modo, estar-se-ia a repetir ad nauseam elementos probatórios e raciocínios que já se mostram expostos em sede própria), conclui-se não assistir qualquer razão ao recorrente, no vício que imputa ao decidido, pelo que improcede o por si peticionado, a este título.

3. Pontos 75), 81), 82), 83), 84), 90), 97), 99), 106), 109), 114), 118), 119), 121), 136), 172), 183), 184), 185), 188), 196), 204), 210), 211), 212) e 213) – Banco Insular - da matéria julgada provada proveniente da pronúncia:
Entende o recorrente que:
a. É falso que o Recorrente LC… tenha participado na “descoberta” do Banco Insular e que tenha definido qualquer estratégia de instrumentalização do mesmo em conjunto com JO… e JV… (factos n.º 75), 81), 82) e 83)), como também não é o Recorrente LC… (conjuntamente com JO…) responsável pelo planeamento da aquisição e subsequente aumento de capital do Banco Insular (factos n.º 84), 90), 97), 99), 106), 109), 114), 118), 119) e 121)), sendo que tal resulta da própria fundamentação aduzida pelo Tribunal “a quo” onde não é indicada qualquer prova que sustente essa imputação. Há insuficiência da fundamentação e erro notório na apreciação da prova.
 b.  No que se refere ao facto 136 (deslocalização operacional do Banco Insular, em 2006, para Cabo Verde), não indica o tribunal “a quo” qualquer prova documental ou testemunhal que ateste a sua intervenção. Há insuficiência da fundamentação e erro notório na apreciação da prova.
c. No que se refere aos factos 172), 183) e 184) – (captação de fundos e operativa interna BPN-Banco Insular); 185), 188) e 196) - (operações fora de balanço – co-responsável pela criação do Balcão 2 do Banco Insular e pela decisão de colocação de contas nesse mesmo balcão); 204), 210), 211), 212) e 213) – (contas abertas no Balcão 2, em que se co-responsabiliza o arguido pela concessão de crédito sob a forma de conta corrente caucionada via Balcão 2 do Banco Insular, bem como pelo volume total de crédito concedido nesse mesmo Balcão 2 – e também no Balcão 1 – e ainda pela criação de contas alfanuméricas), não indica o tribunal “a quo” qualquer prova documental ou testemunhal que ateste a sua intervenção. Com base nos mesmos meios de prova indicados no acórdão, deverão julgar-se não provados tais factos, na parte em que se alude à participação do arguido LC…. Existe igualmente insuficiência da fundamentação e erro notório na apreciação da prova, porque no acórdão não é indicada qualquer prova que sustente essa imputação.

i. Os pontos acima mencionados têm o seguinte teor:
75) Para a execução do terceiro pilar da estratégia global definida pelos arguidos OC…, LC… e FS…, os mesmos identificaram a existência de um Banco, com registo em Cabo Verde, o designado Banco Insular, que se mostrava adequado a ser instrumentalizado para alcançarem os seus objectivos;
81) Constatando a existência do Banco Insular como instituição financeira detida pela FINCOR, os arguidos JO… e JV…, conceberam uma estratégia destinada a obter o seu controlo sem expor o BPN, tendo depois os mesmos arguidos, em conjunto com o arguido LC…, concebido nova estratégia para a sua utilização no seio do grupo BPN/SLN;
82) Pretendiam utilizar o Banco Insular na realização de operações financeiras que por razões contabilísticas e de consolidação de contas ou de controlo pelo Supervisor, não queriam assumir como realizadas pelo BPN ou pelo Grupo;
83) De acordo com a estratégia delineada por aqueles três arguidos, o BPN adquiriria a totalidade da FINCOR e suas participadas, excepto o Banco Insular, cuja totalidade do respectivo capital social seria previamente vendido a uma entidade terceira, não reconhecida como pertença do Grupo BPN;
84) Ainda de acordo com o planeado pelos mesmos arguidos, essa entidade terceira seria uma sociedade registada em Offshore a fim de dificultar o acesso das autoridades ao verdadeiro titular último da mesma;
90) Com efeito, nessa data, os arguidos OC…, LC… e VM… já haviam conseguido montar uma estrutura, baseada na entidade INSULAR HOLDINGS, que podia aparecer como terceira interessada na aquisição do Banco Insular;
97) Tal aquisição decorreu conforme o plano arquitectado entre os arguidos OC…, LC… e JV…, pelo preço de 185.000.000$00 (cento e oitenta e cinco milhões de escudos), ou seja, 922.780,00 € (novecentos e vinte e dois mil setecentos e oitenta euros), que foi integralmente suportado pelo BPN;
99) Contudo, tal como haviam planeado os arguidos JO…, LC… e JM…, o montante de que a INSULAR HOLDINGS dispôs para pagamento das acções do Banco Insular, foi creditado, em 15.01.2002, na sua conta n° …, junto do Fortis Bank – NV – UK Bank, através de uma transferência de 927.780,00€ da conta n° … titulada pela sociedade MARAZION HOLDINGS LLC, junto do BPN Cayman;
106) Tal correspondia ao plano dos arguidos OC…, LC… e VM… no sentido de dar credibilidade ao Banco Insular perante as autoridades de supervisão de Cabo Verde, embora pretendessem consumar tal aumento de capital com fundos a sacar sobre o próprio Banco Insular;
109)Porém, conforme plano dos arguidos, para a subscrição das novas acções por parte da Insular Holdings, foi aberto um crédito no montante de USD 5.000.000,00, no Banco Insular, em nome de uma entidade registada no offshore das Ilhas Virgens Britânicas, denominada RISHONA INVESTMENTS LIMITED, detida pela entidade offshore denominada MULTIAREA CONSULTANCY, a qual era detida pela PLANFIN, ou seja, pela SLN;
114) Em 7 de Março de 2002, os arguidos OC…, LC… e VM… determinaram que sobre a conta n.° … da mesma RISHONA, fosse emitida uma ordem de pagamento a favor da conta BCP Cayman com o n° …, titulada pela entidade offshore denominada Doyle Management, cujo último beneficiário é o arguido VM…, no montante de USD 5.000.000,00;
118) Os arguidos VM…, JO… e LC… conceberam o circuito financeiro supra descrito, de forma a ocultar a origem dos fundos;
119) Vencido o prazo de 12 meses do contrato de mútuo entre o Banco Insular e a RISHONA e como não foram pagos os juros vencidos, nem o capital, os arguidos JO…, LC… e VM… prorrogaram a operação, através de um novo contrato de renovação da operação de mútuo entre o Banco Insular e a RISHONA, incluindo no capital mutuado o constante do contrato anterior (USD 5 milhões) e os juros entretanto vencidos;
121) Por decisão dos arguidos OC… e LC…, ainda de forma a ocultar os movimentos financeiros, no dia 3 de Dezembro de 2003, a conta da Rishona supra referida, conta …, foi duplicada através da criação de uma outra conta da mesma RISHONA junto do Banco Insular, que tomou o nº …, para onde foi transferida a mesma posição devedora face ao Banco, mas que era uma conta fora de balanço do Banco Insular, isto é, não registada nos seus livros e, como tal, inexistente para qualquer autoridade de supervisão;
136) Em Março de 2006, os arguidos OC… e LC… determinaram que se constituísse uma equipa de profissionais que simultaneamente pudesse executar operações fora do controlo da supervisão portuguesa e satisfizesse as exigências logísticas do Banco de Cabo Verde;
172) Os arguidos OC…, LC…, JV…, FS… e AF… vieram assim, a conceber uma forma de gerar fundos para o Banco Insular, que se traduzia na manipulação dos registos das contas e dos movimentos, sem atender à vontade dos depositantes;
183) Através deste método, montado com a colaboração do arguido AF…, os arguidos JO…, LC…, JV… e FS…, obtinham fundos no Banco Insular para financiamento de um conjunto de operações que pretendiam secretas;
184) Com efeito, através de financiamentos do Banco Insular, os arguidos OC…, LC… e FS… para a prossecução dos seus objectivos de controlo accionista e financiamento de negócios do próprio grupo e de terceiros, lograram:
- Adquirir acções representativas do capital social da SLN SGPS e da SLN VALOR, por si ou através de várias sociedades veículo registadas em Offshore que controlavam;
- Empréstimos a accionistas, para aquisição de acções;
- Aquisição de participações financeiras em diversas sociedades e concessão de suprimentos;
- Aquisição de outros activos do imobilizado;
- Pagamentos directos a título de remunerações, prémios, comissões e patrocínios;
185) Para manter a opacidade das operações em concreto e para fazer face à necessidade de cumprimento de regras prudenciais impostas pelo Banco Central de Cabo Verde, designadamente de forma a evitar terem que realizar aumentos de capital do Banco Insular face aos montantes de operações de crédito concedido, a partir de Abril de 2003, os arguidos JO…, LC… e FS… determinaram que todas as operações do Banco Insular passassem a ser repartidas entre dois balcões;
188) A decisão de colocação das contas no designado Balcão 2 era tomada pelos arguidos OC… e LC…, os quais transmitiam tais indicações ao arguido AF…, que as fazia executar através dos colaboradores da DOP RP… e EP…, bem como posteriormente, também pelos operacionais que foram transferidos para Cabo Verde;
196) Na conta designada SOLRAC FINANCE, com o nº … (“fora de balanço”), o esquema montado pelos arguidos OC…, LC… e FS… permitiu que fossem registadas operações com um somatório a débito de 9.710.539.940,09€ (mais de 9,7 mil milhões de euros), tendo o primeiro movimento para fora de balanço ocorrido em 23 de Abril de 2003;
204) Através das contas do Balcão 2 do Banco Insular que não eram levadas ao balanço, com a colaboração dos arguidos LM… e LAl…, os arguidos OC…, LC… e FS…, fizeram conceder créditos através de contas correntes caucionadas;
210) Assim, por intervenção dos arguidos OC…, LC… e FS…, foi concedido em fora de balanço, um montante total de crédito de 725 milhões de euros;
211) Os arguidos referidos no facto anterior, utilizavam ainda a prática de fazer transitar contas entre o “dentro de balanço” e o “fora de balanço”, conforme as conveniências em sede dos montantes globais de crédito concedido e o interesse em ocultar ou tornar não cobráveis parte dos montantes em dívida;
212) Em sede das operações registadas nos livros do Banco Insular, os arguidos OC…, LC…, FS… e JV… concederam montantes de crédito, só através de utilizações de contas correntes caucionadas, num total de € 1.005.000,00 (mil e cinco milhões de euros) e de USD 205.000.000,00;
213) Os arguidos OC…, LC… e FS…, com a colaboração do JV…, utilizaram ainda uma faculdade concedida pela legislação de Cabo Verde para designar contas bancárias através de uma terminologia alfanumérica;

ii. O tribunal “a quo”, a este propósito, exarou a seguinte fundamentação:
Definida que está a titularidade do Banco Insular, passemos, doravante, à matéria da pronúncia que directamente lhe diz respeito:
Comecemos, digamos assim, pela aquisição da Fincor e do Banco Insular (arts. 77° a 101° da pronúncia):
Relativamente aos factos 77° e 84° a 88° da pronúncia, remete-se para toda a motivação supra exposta e para a que ainda será vertida infra, a qual permite concluir pela intervenção e participação dos arguidos OC…, LC… e FS… na instrumentalização do Banco Insular em ordem a serem alcançados os objectivos do grupo já devidamente elencados aquando da abordagem do tema “estratégia – arts. 7° a 14° da pronúncia” (v. factos provados 75 e 81 a 84).(…)
Inserimos aqui, por razões de mera facilidade de leitura, os dois segmentos de motivação a que o tribunal “a quo” alude e para os quais remete (vide supra), que referenciamos com A. e B., retomando depois a transcrição da motivação constante de fls. 535 a 545.
A. Motivação referente aos artºs 7º a 14 da pronúncia – Estratégia, na parte que aqui releva:
(…) Impõe-se, assim, concluir que a estratégia de crescimento do grupo BPN/SLN passava, entre outros pilares (infra analisados), por um controlo accionista que, no início, foi acordado entre um conjunto de investidores e o arguido OC… e que teve por base esses próprios investidores e se foi alargando a outros, contactados pelo arguido, sendo certo que esse controlo visava, inicialmente, a detenção da maioria do capital social do BPN, S.A. (“IC” – instituição de crédito), e, posteriormente, de uma sociedade holding (“SR” – sociedade de referência) que viria a ser a SLN, SGPS e que teria o domínio do capital social daquela instituição bancária.
O facto 11° e 12° da pronúncia (factos 11° e 12° provados) foram cabalmente confirmados pela testemunha RF… na medida em que referiu, a instância do Tribunal, que foi na sequência de uma intervenção sua que OC… convidou o LC… para colaborar com o grupo SLN (o arguido LC… viria, aliás, a ser nomeado administrador da SLN SGPS – v. certidão do registo comercial desta sociedade - doc. constante do vol. 11° dos autos principais, págs. 4323 a 4350).
Circunstanciadamente explicou:
Como o banco estava a começar e a precisar de serviços de consultadoria LC… deu a ideia de que fazia sentido criar uma empresa de consultores com esses serviços, empresa a trabalhar para o BPN, para constituir as holdings, etc..
LC… sabia que a testemunha era accionista do grupo e sugeriu-lhe que falasse com OC… nesse sentido.
OC… achou que era positivo, que fazia sentido e, a partir daí, constituiu-se a sociedade”, referindo-se, a este propósito, à Planfin.
Também o arguido LC…, em sentido análogo, confessou a materialidade do facto 11° da pronúncia (facto 11° provado) em sede de julgamento na medida em que referiu que era sócio e responsável da Ernst & Young. Foi convidado por OC… para trabalhar com o mesmo no BPN. Esse convite surgiu através do accionista RF…, que o apresentou a OC…. O impulsionador da Planfin e elo de ligação inicial a OC… foi RF…, que já tinha relações muito próximas com OC… desde o tempo do Finibanco.
Por sua vez, quanto ao facto 12° da pronúncia (facto 12° provado) o próprio arguido LC… confirmou que após a sua entrada para a Planfin e também para a SLN, como administrador, a Planfin começou a prestar apoio ao grupo BPN/SLN e também a clientes exteriores ao grupo, sendo certo que numa primeira fase quem pagou os vencimentos dos colaboradores/trabalhadores da Planfin e os custos da instalação da sociedade foi a SLN.
(…)
B. Motivação referente aos factos provados 75 e 81 a 84:
Entramos, agora, na temática do “Banco Insular”.
Atenta a sua importância e porque tal assumirá especial relevância na compreensão da restante matéria da pronúncia em que é interveniente esta instituição bancária, importa, “prima facie”, abordar a questão da:
Titularidade do Banco Insular:
Comecemos pelos:
A) Antecedentes da aquisição do BI - A constituição da Insular Holdings:
A documentação que mais pertinentemente respeita aos antecedentes da aquisição do Banco Insular e que serve para dilucidar a questão de quem o adquiriu é a seguinte:
Ordem cronológica:
- Processo, vol. 127, fls. 39.568, pág. 76 – 30.01.2001 - E-mail de AV… para OC… e LSa… sobre a estrutura de detenção do Banco Insular e, subentende-se, nos termos da qual o arguido VM… actuaria como “nominee”, apresentando, também, uma estimativa de custos;
- Apenso de busca 13, vol.2, pág. 140 – 09.04.2001 – Reunião interna da Planfin com LC… - Apontamento manuscrito no caderno da Planfin, i.e., de IM…, com o esquema de detenção do Banco Insular, sem o mencionar, que passa pela utilização da Insular Finance;
- Apenso de busca 13, vol.2, págs. 160 e 161 ou Bragas 8, págs. 83 e 84 – 26.04.2001 – Banco Insular - Apontamento manuscrito no caderno da Planfin, i.e., de IM…, que reproduz um esquema para a aquisição do Banco Insular com recurso a veículo da BVI, sendo este detido pela Marazion que, por sua vez, é detida pela SLN;
- Apenso de busca 13, vol.2, pág. 392 ou Bragas 8, pág. 100 – 18.06.2001 – Apontamento manuscrito no caderno da Planfin, i.e., de IM…, de uma reunião com VM… e JN… que altera o esquema de detenção do Banco Insular, agora com recurso a holding com sede em Londres, com menção de declaração da holding inglesa a dar poderes a VM… para adquirir o banco insular;
- Apenso de busca 13, vol.2, pág. 453 – 07.09.2001 a 10.09.2001 – Esquema da detenção do Banco Insular pela Insular Holdings detida, por sua vez, pela Marazion;
- Apenso 33 -30\Apagados\288\WK1\ Ficheiros eliminados\C\L…\ 1.Grupo SLN \ Planfin\Folhas horas\fhoras totais – Horas ou apenso Z, vol. 4, pág. 69 - Folha de horas da Planfin que indica que esta sociedade, nas pessoas de AG… e IM…, tratou da aquisição do Banco Insular, obtendo a disponibilização da Insular Holdings, sendo esta matéria afectada à cliente SLN e por esta custeada;
- Apenso 33 – 30\282\2\ offshores\ Insular\ Backup – carta Fortis Bank a enviar acta da conta bancária.wbk ou BRAGAS 8, págs. 132 a 134 – 11.10.2001 - Carta de AG… para o Fortis Bank em Londres com referência à Insular Holdings cujo último beneficiário será a “SLN group”;
Daqui resulta, inequivocamente, que era objectivo do grupo, numa fase inicial, que o Banco Insular fosse adquirido por um veículo (sociedade offshore) cujo último beneficiário seria a Marazion, sendo beneficiário desta a própria SLN, logo, seria esta sociedade a proprietária/dona daquela instituição financeira.
Porém:
B) As declarações de trust:
A Insular Holdings foi disponibilizada pela Planfin e a declaração de trust datada de 03.08.2001 indica como beneficiário JV….
- Apenso 33 – 30\Apagados\288\WK1\Ficheiros eliminados\C\L…\ 1.GrupoSLN\ Planfin\Folhas horas\fhoras totais – Horas ou apenso Z, vol. 4, pág. 52 – Folha de horas da Planfin que evidencia que foi esta, através de AG… e de IM…, que tratou da aquisição do Banco Insular, obtendo a disponibilização da Insular Holdings – primeiro a Insular Finance –, sendo este assunto alocado à cliente SLN e por esta custeada;
- Apenso 33 –1-Anexo A\TRAT\1\PC-Dr.-P…\DOCS\C\ Documentsand Settings\g003314\Os meus documentos \proj César\ Declarações de trust\ 36_INSULAR HOLDINGSltd_Declarações de trust.pdf. ou BRAGAS 8, págs. 106 a 109 – 03.08.2001 - Declarações de trust relativas à Insular Holdings a favor de JV…;
No entanto, em diversa documentação com origem na Planfin o último beneficiário da Insular Holdings é a Marazion e não JV…:
- Apenso de busca 7, doc. 53.03, págs. 2 a 6 ou apenso AL, págs. 30 a 32 – 17.07.2002 - Listagem de offshores instrumentais que inclui, entre outras, Insular Holdings, tendo por beneficiária a Marazion, por procuradores IM…, AG… e JV…, com menção que a Marazion detinha 100% do Banco Insular;
Apenso 33 - 30\Mail\287\C\CFGA\POSTOS DE TRABALHO\CA… \D\CMA\IC…\C\5 archive 24.082004.pst\CFGA\ ASSUNTOS INTERNOS\Representação_ Outras sociedades\SNRESIDENTES.msg\ Lista de sociedades.xls – 29.10.2003 - E-mail de PC… para IM… com lista de sociedades offshores constituídas pela PLANFIN com indicações, designadamente da Insular Holdings, tendo por beneficiária a Marazion;
-   Apenso 33-30\Mail\287\C\CFGA\POSTOS DE TRABALHO\CA…\D\CMA\IC…\C\5archive 24.082004 .pst\ CFGA\ASSUNTOS INTERNOS \Representação_Outrassociedades\ SNRESIDENTES \.msg - 17.11.2003 - E-mail de IM… para a própria com lista de sociedades offshore constituídas pela Planfin que menciona a Insular Holdings, tendo por beneficiária a Marazion;
C) A aquisição formal:
O contrato de compra e venda entre a Fincor, representada pelos administradores JV… e FG…, e a Insular Holdings, representada por JV…, tem data de 20.12.2001:
- Apenso de busca 7, doc.17.12, págs. 99 e 100 ou Bragas 9, págs. 1 e 2 – 20.12.2001 - contrato de compra e venda entre a FINCOR, SGPS, representada por GSa…, e JVM SGPS/INSULAR HOLDINGS, representada por JV…, tendo por objecto as acções do Banco Insular com despacho de FS… “Original da S. Dª IC…”;
D) O pagamento do preço da aquisição do Banco Insular:
Os fundos que serviram para o pagamento do preço de aquisição do Banco Insular pela Insular Holdings têm origem na conta da Venice no BPN, Cayman – conta n.° … - donde, em 15.01.2002, foi transferida a quantia de € 922.780,00 para a conta da Marazion no BPN, CAYMAN – conta n.° … -, ficando a conta da Venice com um descoberto de pouco mais de 180 milhões de euros (operação 202/00461).
A Marazion, por sua vez, em 15.01.2002, transferiu a quantia de € 922.780,00 para a conta da Insular Holdings no Fortis Bank, em Londres – conta n.º ….
E, finalmente, aquela quantia foi transferida para a conta da Fincor junto do BPI.
A propósito destes movimentos financeiros, ver:
- Apenso bancário 25, pág. 23 – Conta da Venice no BPN, Cayman;
- Apenso bancário 70, pág. 1 – Conta da Marazion no BPN, Cayman;
- CD vol.13 onde é possível constatar e rastrear os movimentos financeiros em questão;
- Apenso 33 – 30\Apagados\288\WK1\Ficheiros eliminados\C\L…\ 1_Grupo SLN\SLN\Operações financeiras\Op.Fin 31-12-2001.xls (98-95 e 99-96) – Faz parte do elenco de operações a concessão de suprimentos da Marazion à Insular Holdings no montante de € 922.776,00 seguida da compra e venda de acções do Banco Insular pela Insular Holdings à Fincor pelo referido montante;
- Apenso R, vol. 1, fls. 116 a 118, págs. 118 a 120 - 28.07.2008 - Informação do BPI com swift de 18.01.2002 relativo à transferência da Insular Holdings, conta no Fortins Bank de Londres, para a FINCOR, conta no BPI;
- Apenso R, vol. 1, fls. 86, pág. 87 – Aviso de lançamento do BPI referente à entrada de valor na conta da Fincor, de € 922.780,00, tendo por ordenante a Insular Holdings, de Londres;
E) A declaração unilateral de venda das acções da INSULAR HOLDINGS de JV… à Marazion, com quitação do preço, sem que tenha havido fluxo financeiro correspondente:
Após a aquisição formal do Banco Insular pela Insular Holdings, JV… subscreveu um contrato de compra e venda nos termos do qual vende a totalidade das acções da Insular Holdings à Marazion.
Este documento tem três significativas particularidades, a saber: (i) não está datado, (ii) não está assinado pela Marazion e (iii) JV… dá quitação do preço, sem que se tenha verificado o correspondente fluxo financeiro.
Considere-se, para o efeito, a documentação pertinente:
- Processo, vol. 45, fls. 17208, pág. 149 – s/data - Cópia não assinada do contrato de compra e venda entre JV… e a Marazion, sem data, tendo por objecto a totalidade das acções da Insular Holdings cujo preço é quitado;
- Processo, vol. 35, fls. 13730 e 13731, págs. 53 e 54 – 18.03.2002 – Cópia do mesmo contrato assinado apenas por JV…;
- Apenso R, vol. 4, págs. 224 e 225 - 03.07.2008 – Relatório do Banco Insular de JV… – 1ª parte, dirigido a MF… nos termos do qual JV…, reportando-se a OC…, diz “preferiu criar a ficção da exclusão do banco do conjunto então adquirido, tratando a Planfin de constituir uma sociedade britânica denominada Insular Holdings de que aceitei ser o beneficiary shareholder ainda que no mesmo acto tenha assinado um contrato de venda da totalidade das acções a uma sociedade americana que me foi indicada.”
Deve notar-se que, em 30.08.2001, data anterior à aquisição formal do Banco Insular pela Insular Holdings, que ocorreu em 20.12.2001, mas posterior à data das declarações de trust relativas a esta entidade que indicam JV… como beneficiário, as quais têm data de 03.08.2001, AA…, técnica jurista da Planfin, elaborou a minuta de um contrato de compra e venda da totalidade das acções da Insular Holdings tendo por vendedor JV… e por comprador a Marazion, documento que também não está datado e também contém declaração do vendedor a dar quitação do preço:
- Apenso 33 – 30\287\C\CFGA\POSTOS DE TRABALHO\IF…\Disco C\IG…\AIA\AA…\ANA\ acções\cp  acções Insular Holdings.doc – 30.08.2001 (data da criação e da última modificação – v. propriedades informáticos do documento) – Minuta de contrato de compra e venda de acções entre VM… e a Marazion, sem data, tendo por objecto a totalidade das acções da Insular Holdings, cujo preço é quitado;
Perguntar-se-á: qual a razão porque este contrato nunca foi assinado pela Marazion ou, tendo sido, nunca tenha aparecido?
A resposta parece-nos clara e óbvia:
Como vimos supra, a Marazion era uma sociedade offshore cujo último beneficiário era a SLN ou sociedades por esta participadas.
Assinado o contrato, ficava imediatamente estabelecida, em termos formais, a ligação entre o Grupo SLN/BPN e o Banco Insular, ou seja, aquela seria o proprietário deste, ligação que, todavia, a todo o custo se pretendia evitar.
É que, estabelecida a ligação formal, necessariamente que o Banco Insular teria que ser objecto de consolidação no sector financeiro do grupo SLN e passaria, imediatamente, a estar sujeito à supervisão do Banco de Portugal o que, obviamente, também se quis evitar.
No entanto, o grupo SLN/BPN não podia, de modo algum, ficar completamente desprotegido.
E se o banco singrasse?
O arguido VM… podia sempre reclamar a propriedade do banco, aliás, em consonância com a ordem formal até então estabelecida.
Por isso, aquele contrato, sem a assinatura do comprador, i.e., da Marazion.
Ou seja, correndo o Banco Insular de feição, a qualquer momento, a administração da SLN podia determinar a assinatura do contrato pela Marazion, com a data que bem entendessem, ficando aquele Banco na propriedade do grupo, com todos os seus activos e passivos.
Correndo menos bem, ou mal, sempre podiam argumentar, aliás, como o fizeram, que o Banco Insular não pertencia ao grupo uma vez que aquele contrato nunca tinha sido assinado pela Marazion, eximindo-se ou tentando eximir-se, desde modo, a qualquer responsabilidade de consolidação da instituição financeira no grupo e à supervisão do Banco de Portugal.
F) Os memorandos de JV… e a aquisição de software e de hardware:
A aplicação informática Bank Manager, idêntica à do BPN, SA, que passou a ser utilizada pelo Banco Insular, foi adquirida a expensas do BPN, SA à Promosoft (10.2001), antes ainda da formalização da aquisição do Banco Insular pela Insular Holdings (21.12.2001):
- Apenso de busca 7, doc. 26.07 ou Bragas 12, págs. 1 a 4 – 10.10.2001 e 12.10.2001 - Carta do Banco Insular (JV…) para o BPN (FS…), e aceitação da proposta pelo BPN em manuscrito de FS…, relativas à aquisição da aplicação Bank Manager (software) e carta do Banco Insular para a Promosoft a confirmar a proposta para instalação daquela aplicação;
- Apenso de busca 7, doc. 17.12 ou BRAGAS 12, pág. 117 – 01.10.2002 - carta da Promosoft para BPN (Eng.º PFe…) com factura para o Banco Insular no valor de € 8.975,48, que tem despacho manuscrito de FS… a remeter para JV…, com conhecimento a AF…;
Por sua vez, o servidor AS400 (hardware) utilizado pelo Banco Insular até 2006 (depois as três plataformas informáticas, BPN, Cayman, Banco Insular e BPN, IFI foram instaladas num único servidor, mais desenvolvido, por instrução da administração transmitida por FS… a NM…), foi comprado pela Geslusa Trading, sociedade que consolidava no perímetro da SLN, à IBM, sendo certo que, mais tarde, em 31.08.2004, a Geslusa o vendeu à JVMascarenhas, Ld.ª, por preço que, então, foi fixado por OC… (43.537,34€):
- Apenso 33 – 9\Trt\EP… \MAIL2\ EP… \C\W_BPN \ 2a_eJpeix.nsf\ Núcleo AM-Contab \0132\RE- Geslusa2.msg ou Bragas 12, pág. 206 – 26.08.2004 a 31.08.2004 – Seis e-mails, o primeiro de LAl… para AF… relativo ao software registado nas contas da Geslusa com o valor de aquisição de € 27.713,21 e o valor actualizado, após amortizações, de € 14.326,72, e-mail que AF… reencaminha para RP… que, por sua vez, envia e-mail a LAl… no qual, invocando instruções de OC…, diz que a venda deverá ser efectuada pelo preço de aquisição mais 3%, que resulta no preço de € 36.586,00 mais IVA (19%) e pede emissão de factura, ao mesmo tempo que pede por e-mail a EP… da JV…, que reencaminha para JG… que, finalmente, envia a RP… a identificação, sede, e número de contribuinte da JV…;
- Processo, vol. 115, fls. 37.030 a 37.032, págs. 6 a 8 – 02.09.2004 – Carta da Geslusa para JV… com factura da venda da Geslusa à JVMascarenhas, Ld.ª, que contém despacho manuscrito de JV… e cheque de € 43.537,34 sacado da conta do Banco Insular no Montepio Geral à ordem da Geslusa;
- Apenso 33 – 1-Anexo A\CAIXAS CORREIO\ TRAT\ 2\ Portatil\CAIXAS DE CORREIO\4a_atduar.pst\Inbox\Movimentos Mês Outubro2004.msg ou Bragas 12, pág. 207 – 05.11.2004 - E-mail de JG… para Ajo…, IS… e DG…, com conhecimento a EP…, a solicitar a realização de movimentos de ficheiro EXCEL da sua autoria em anexo, que inclui, com data de 12.10.2004, o valor de € 43.537,34 com o descritivo Geslusa Trading - 4.12 AS 400 - linhas 115 e 116;
- Apenso 33 – 1-Anexo A\TRAT\3\ Toze#2\DOCS\ TOZE#2 \Geslusa Trading\Geslusa_2004-12-31_Balancete.pdf ou Bragas 12, pág. 208 – 31.12.2004 - Balancete geral da Geslusa onde consta, conta 21.1.003, a venda do AS400 à JVM, Lda. por € 43.537,34;
- Apenso 33 – 9\trt\EP…\DOCS\EP…\ C\W_b\ 2006\ Envio Dr. VM\BdCV-200606\200512 – Inventário Imobilizado.xis ou Bragas 12, pág. 215 – 2005 - Inventário do imobilizado do Banco Insular que inclui o AS 400 adquirido em 10 de 2004 pelo preço de € 43.537,34 - linha 152;
G) A operativa e as operações (instruções de OC…, FS… e AF…):
Os balcões das agências do BPN, SA captavam recursos financeiros dos seus clientes com promessas de boa rentabilidade e muitos desses recursos eram utilizados em aplicações financeiras do BPN, CAYMAN e, mais tarde, no BPN, IFI, para onde eram transferidos através das respectivas contas nostro, sendo aí abertas contas em nome dos seus titulares (as ordens de transferência para o exterior):
- Apenso de busca 7, doc. 02.25, pasta 18, págs. 156 a 158 – 12.11.2001 - Fax de AP… para OC… com os modelos dos impressos “ordem de transferência para o exterior” e “aplicações no exterior”;
- Apenso de busca 7, doc. 30.01, pasta 109, pág. 59 – 11.12.2001 ou 12.11.2001 – E-mail de AP… para FS… com os mesmos impressos a cores;
- Apenso de busca 31 (BPN, 25.10.2005 - gabinete do presidente), pasta 1 fls. 130 a 136, págs. 128 a 134 – Três exemplares de “ordem de transferência para o exterior” do SEF para o BPN, IFI, do BPN, SA para o BPN, IFI e do BPN, CAYMAN para o BPN, IFI e elementos para análise e decisão);
Ora, AF… e RP…, a solicitação de FS…, conceberam um conjunto de procedimentos designado por operativa interna BPN/BI que teve parecer de JV… e passou a ser aplicado no Banco Insular logo após a sua aquisição formal pela Insular Holdings:
- Apenso de busca 31 (BPN, 20.10.2005, gabinete do presidente), pasta 1, fls. 142 a 148, págs. 128 a 134 ou BRAGAS 13, pág. 1 – 21.11.2001 – Fax da Direcção de Operações do BPN para o Eng.º FS… com “Operativa Interna BPN/BI”, “Banco Insular Banco Sul Atlântico, condições de operacionalização do BI e BSA” e “Operativa Banco Insular”, sendo que na “Operativa Interna BPN/BI” se prevê a implementação da aplicação KAPPA – 2 “os balcões deixarão de ter acesso ao BPN, Cayman. A informática irá desenvolver um aplicativo que consolidará as posições dos Clientes no exterior independentemente do banco onde elas existem com diferimento de um dia”;
- Apenso 33 – 1-Anexo A\TRAT\3\ TOZE#2\DOCS\ TOZE#2\Irmandade das OffShores\Banco Insular\Operativa Insular\OPERATIVA INTERNA BPN.doc ou Bragas13, pág. 8 – “Operativa Interna BPN/BI” – 13.11.2001 – autor RP… - fazia parte da Direcção de Operações do BPN;
- Apenso 33 - 1-Anexo A\TRAT\3\TOZE#2\ DOCS\ TOZE#2\Irmandade das OffShores\Banco Insular\Operativa Insular\OPERATIVA BANCO INSULAR.doc ou Bragas13, pág. 12 – “Operativa Banco Insular”- 13.11.2001 - guardado pela última vez por RP…;
- Apenso 33 - 1-Anexo A\TRAT\3\ TOZE#2\DOCS\ TOZE#2\Irmandade das OffShores\Banco Insular\Operativa Insular\Resumo operativa BPNINSULAR.doc ou Bragas13, pág. 15 – Resumo da “Operativa Interna BPN/BI” – 20.12.2001;
- Apenso de busca 7, doc.26.07, págs. 2 a 14 ou Bragas 13, pág. 20 – 18.12.2001 - Memorando de JV… que “com referência aos temas abordados hoje de manhã” comenta a operativa do Banco Insular e inclui anexos designadamente quanto à estimativa de custos, referindo expressamente “A localização do AS 4000 deve ser a de JV Mascarenhas Unipessoal, Lda. em prol da opacidade tantas vezes referida” e “O signatário tem que ter acesso à base, na sua inteireza, em sintonia com a sua responsabilidade, que se reporta à totalidade do Banco”) – sublinhado nosso.
Por outro lado, o lançamento das operações a registar no Banco Insular tinha origem em instruções das administrações do BPN e da SLN, designadamente OC…, LC… e FS…, que as transmitiam directamente a AF…, ou indirectamente através de LM… e LAl…, sendo executadas na Direcção de Operações (DOP) ou na Unidade de Operações Internacionais (UOI) pelos operacionais que são identificados nos autos, a fls. 2665 e 2666 do vol. 7, os quais acediam à plataforma informática do Banco Insular. Esta questão do lançamento das operações e das ordens que eram transmitidas à DOP será objecto de mais densa análise posteriormente.
H) O aumento de capital social do Banco Insular:
Logo, em 01.03.2002, a assembleia-geral do Banco Insular deliberou proceder a um aumento de capital de 150 milhões de escudos cabo-verdianos para 780 milhões de escudos cabo-verdianos, aumento esse que, ao tempo, correspondia a 5 milhões de USD:
- Apenso de busca 7, doc. 26.04, págs. 51 e 52 ou apenso Z, vol. 1, fls. 185, pág. 185 – 01.03.2002 - Acta n.° 5 da assembleia geral do Banco Insular que delibera sobre o aumento do capital social;
- Apenso 33 – 1-Anexo A\TRAT\3\TOZE#2\DOCS\ TOZE#2\Irmandade das OffShores\Banco Insular\Clientes Banco Insular\Livro atas CA BI.doc ou apenso Z, vol. 1, fls.12, pág. 12 ou Bragas 10, págs. 9 a 11 – 22.03.2002 - Acta n.° 37 do conselho de administração do Banco Insular sobre o período de subscrição do aumento de capital;
- Apenso de busca 7, doc. 26.04, pág. 50 ou apenso Z, vol. 1, fls. 186, pág. 186 – 26.03.2002 – Carta do Banco Insular ao Banco Central de Cabo Verde a pedir autorização para proceder ao aumento de capital já deliberado;
O montante da realização do dito aumento de capital social do Banco Insular teve origem no próprio Banco Insular que emprestou 5.000.000,00 USD à offshore Rishona, crédito que foi aprovado em reunião do conselho de administração de 22.02.2002 (acta 36), tendo o respectivo contrato sido datado de 15.03.2002:
- Apenso Z, vol. 1, fls. 10 a 12, págs. 10 a 12 – 22.02.2002 – Acta n.º 36 do conselho de administração do Banco Insular que aprovou o empréstimo à Rishona;
Esta sociedade não residente integrava o universo de sociedades não residentes do universo da SLN:
- Apenso 33 – 30\285\D1\C\DocumentsandSettings\ANAV\Os meus documentos\Porto\Base de dados (version 1)xls ou Bragas10, pág. 45 – A Rishona tem por último beneficiário a Multiarea que, por sua vez, tem por última beneficiária a Planfin;
- Apenso de busca 7, doc. 53.03, págs. 2 a 6 ou apenso AL, págs. 30 a 32 – 17.07.2002 – Listagem de sociedades offshore instrumentais que inclui, além do mais, a Rishona tendo por beneficiária a MARAZION, que por sua vez, como vimos supra, tinha por beneficiário sociedades detidas, de forma directa ou indirecta, maioritariamente pela SLN;
Todavia, quem efectivamente decidiu este aumento do capital social do Banco Insular foi OC…, como decorre do Memo de JV… para FS… de 04.02.2002 que refere expressamente:
- Apenso de busca 7, doc. 26.04, págs. 44 e 45 ou Bragas 12, págs. 75 e 76 – 04.02.2002 - Memorando de JV… para FS…, assinado por VM…, que no seu ponto V subordinado ao tema Aumento de capital do Banco Insular refere “Recordo que o Senhor Presidente aprovou o aumento para US$ 5 milhões; em € 5,8 milhões”;
- Apenso de busca 7, doc. 26.04, págs. 15 e 16 - 28.02.2002 - Agenda de reunião entre OC… e JV…, documento este com inúmeras anotações manuscritas de OC…, que no seu ponto V sob o tema Aumento do capital do BI, repete “Recordo que o Senhor Presidente aprovou o aumento para US$ 5 milhões; em € 5,8 milhões”;
Como demonstrado supra, a documentação da Planfin indica como beneficiário da Insular Holdings a Marazion e nunca JV….
Por outro lado, como vimos, apesar da declaração de trust relativa à Insular Holdings indicar JV… como seu último beneficiário, a Planfin, em documentos internos seus e do BPN, persistiu, desde 09.04.2001, na reiterada indicação de que a sociedade veículo adquirente do Banco Insular, a Insular Holdings, era detida pela Marazion, não se tendo vislumbrado qualquer indicação de que JV… era o último beneficiário desta sociedade, além da referida declaração de trust, documento que, apesar de tudo, não deixa de ter importância face à evidência formal que dele decorre.
Atente-se na seguinte documentação:
- Apenso de busca 13, vol. 2, pág. 392 ou Bragas 8, pág. 100 – 18.06.2001 – Apontamento manuscrito no caderno da PLANFIN da autoria de IM…, que altera o esquema de detenção do Banco Insular, agora com recurso a holding com sede em Londres, sendo o mesmo detido pela Marazion para a qual era preciso dar poderes a JV…;
- Apenso de busca 13 (CADERNOS), vol. 2, pág. 453 e 454 – 07.09.2001 – Esquema da detenção do Banco Insular;
- Apenso 33 – 30\287 \C\CFGA\ POSTOS DE TRABALHO\IC… \C\IC…_Ficheiros vários\IMC\ SOCIEDADE DE ADVOGADOS \CLIENTES \SLN\Memos CA\Insular Holdings \MEMO – JOC LCC – INSULAR HOLDINGS .doc ou BRAGAS 8, págs. 113 e 114 – 05.09.2001 - Memo da Planfin de IM… para o conselho de administração da SLN sobre Insular Holdings – Reino Unido/Aquisição de imóvel, no qual se refere que esta sociedade foi constituída para aquisição do Banco Insular e que a accionista dela é a Marazion;
- Apenso 33 – 30\282\2\offshores\Insular\Backupof – carta Fortis Bank a enviar acta da conta bancária.wbk ou BRAGAS 8, pág. 132 – 11.10.2001 – Carta de AG… para o Fortis Bank, em Londres, com referência à Insular Holdings cujo último beneficiário será a “SLN group”;
- Apenso 33 - 30\Mail\287\C\CFGA\POSTOS DE TRABALHO\ CA… \D\CMA\IC…\C\5 archive 24082004 .pst \ CFGA \ASSUNTOS INTERNOS\ Representação-Outras sociedades\ SNRESIDENTES\ .msg – 17.11.2003 - E-mail de IM… para ela própria que indica como último beneficiário da Insular Holdings a Marazion, então detida pela SLN, Imobiliária, mas mais tarde detida pela SLN, SGPS, S.A., aliás, em conformidade com o que vimos supra no âmbito da análise dos beneficiários da Marazion;
- Apenso R, vol. 4, pág. 202 - 06.10.2008 – Carta da Planfin assinada por IM… dirigida ao Banco de Portugal, nos termos da qual informa que não foram encontrados nenhuns elementos de “informação com o devido suporte documental relacionados com o processo de constituição das sociedades “INSULAR HOLDINGS, LTD e MARAZION HOLDINGS, LLC” – cfr. vol. 4, págs. 21 e 47 – Cartas notificação do Banco de Portugal de 11 e 24.09.2008;
- Apenso R, vol. 4, pág. 330 – 15.10.2008 – Carta da PLANFIN assinada por IM… dirigida ao Banco de Portugal que, em resposta a insistência, reportando-se à Planfin, diz que “da análise dos referidos elementos que integram os arquivos societários não resulta, tanto quanto me é dado conhecer, que a sociedade haja participado ou dado colaboração, a qualquer título, no processo de constituição e na gestão das mencionadas sociedades offshore “Insular Holdings, Ltd e Marazion Holdings, LLC, relacionadas com o grupo “SLN – Sociedade Lusa de Negócios” – cfr. vol. 4, pág. 210 – insistência do Banco de Portugal de 10.10.2008;
De resto, a Insular Finance, entidade que, primeiramente, estava destinada a ser a entidade veículo para deter o Banco Insular, também ela era aparentemente uma entidade do universo de sociedades não residentes do Grupo SLN/BPN:
- Apenso de busca 13, vol.2, pág. 140 – 09.04.2001 – Reunião interna com LC… - apontamento manuscrito com esquema de detenção do Banco Insular, sem o mencionar, que passa pela utilização da Insular Finance;
- Apenso de busca 13, vol. 2, págs. 160 e 161 ou Bragas 8, págs. 83 e 84 – 26.04.2001 – Banco Insular - Apontamento manuscrito em caderno da PLANFIN (IM…) que reproduz o esquema utilizado para aquisição do Banco Insular com recurso a veículo da BVI, sendo este detido pela Marazion.
I) O balanço do grupo offshore na pen de LM… e no computador de LC… que inclui o balanço e demonstrações de resultados da Marazion, com indicação da detenção da Insular Holdings:
Na “Pen” de LM… entregue a AJo… por FS… nas circunstâncias que ele, AJo…, relatou em sede de julgamento, - por via de cópia que também se encontra no computador de LC… cujo conteúdo foi apreendido na busca 30 -, existe um balanço e demonstração de resultados reportado a 31.01.2002 e a 20.05.2002, nos termos do qual a Insular Holdings é uma activo da Marazion em consequência do aludido investimento financeiro de € 927.817,00, que corresponde ao preço de aquisição do Banco Insular pela Insular Holdings:
- Apenso 33 – 1 Anexo A\TRAT\6\Pen-ScanDisk-Cruzer-Mini-2GB\2. Grupo Offshore\30_OFFSHORE\30.01_Marazion - Balanço e demonstração de resultados da Marazion;
- Apenso 33 – 30\Apagados\288\WK1\Ficheiros eliminados\C\L…\ 2.Grupo OFF-Shore\30_OFFSHORE\30.01.Marazion\DFinanceiras – O mesmo balanço e demonstração de resultados a 31.01.2002 da Marazion com um activo por investimento financeiro, Insular Holdings – € 927.817,00;
- Apenso 33 – 30\Apagados\288\WK1\Ficheiros eliminados\C\L…\ 1_Grupo SLN\SLN\Operações financeiras\Op.Fin 31-12-2001.xls (95 e 96) – Faz parte do elenco de operações a concessão de suprimentos da Marazion à Insular Holdings no montante de € 922.776, seguida da compra e venda de  acções do Banco Insular pela Insular Holdings à Fincor pelo referido montante;
J) A aparente dispersão do capital da Insular Holdings sem os correspondentes fluxos financeiros e a sua motivação:
Em 2007, verificou-se uma alteração da estrutura accionista da Insular Holdings:
- Apenso de busca 5, pasta 5, doc. 43, págs. 205 e 206 ou apenso R, vol. 48, págs. 85 e 86 – 27.07.2007 - Carta manuscrita de JV… para OC…, com o intróito “já que a delicadeza do tema não aconselha processadores de texto”, pela qual sugere a conveniência de, na sequência de directivas comunitárias, a Insular Holdings não ser detida por sócios com 25% ou mais do capital, o que implicava a sua identificação, e consequentemente sugere a dispersão do capital por cinco sócios com 20% cada um, os quais identifica e entre os quais se inclui;
- Apenso de busca 1 (BPN – 28.10.2008 – processo, vol. 2, pág. 18 a 32), doc. 54, págs. 56 a 59 ou Bragas 11, págs. 3 a 14 - Contratos de compra e venda através dos quais JV… vende 20% da participação na Insular Holdings a cada um dos seguintes sócios: CN…, JPA…, JLu… e SC… no total de 600.000 acções e assim fica a deter apenas 20% (150.000 acções);
Contratos que apresentam uma data de outorga aposta grosseiramente falsa - 19.12.2003 (!?) -, quando é certo que simultaneamente indicam, de forma correta, a data do bilhete de identidade de JV… - 19.10.2006 –, muito posterior àquela.
Tão evidente é a falsidade que, de forma alguma, convenceram o Tribunal as declarações do arguido VM… no sentido de que aquela a aposição daquela data - 19.12.2003 - ocorreu por mero lapso.
- Apenso de busca 1 (BPN – 28.10.2008), doc. 54, págs. 61 a 66 – 06.08.2007 - Cartas de confirmações dirigidas à Fiduciary Management Limited, em Gibraltar;
- Apenso de busca 1, (BPN – 28.10.2008), doc. 54, págs. 68 a 74 ou Bragas 11, págs. 15 e seguintes – s/data - Contratos de compra e venda entre JV…, CTa…, JGo…, JLp… e SC…, como vendedores, e a Marazion, como compradora, da totalidade das participações sociais da Insular Holdings - 750.000 acções (?) - assinados pelos vendedores mas não assinados pela compradora nos quais é dada quitação do preço e que não registaram quaisquer fluxos financeiros;
- Apenso Z, vol. 1, págs. 52 a 55 – 19.12.2003 (!?) – Quatro contratos de compra e venda de acções da Insular Holdings entre JV…, na qualidade de vendedor, e CF…, JPG…, JLu… e SCa…, na qualidade de compradores, pelo preço de 150.000 libras, cada contrato, assinados apenas pelos compradores e com declaração de quitação do preço mas sem rasto de fluxo financeiro;
- Apenso Z, vol. 1, págs. 57 a 62 – 06.08.2007 - Seis comunicações de compras e vendas aos fiduciários de Gibraltar – cartas de confirmação;
- Apenso Z, vol. 1, págs. 64 a 68 – s/data – Cinco contratos de compra e venda de acções da Insular Holdings, que no seu conjunto perfazem a totalidade do capital social, entre JV…, CF…, JPG…, JLu… e SCa…, na qualidade de vendedores, e a Marazion, na qualidade de compradora, apenas assinados pelos vendedores que dão quitação do preço de 150.000 libras, cada;
Perguntar-se-á, novamente: porque razão estes contratos estão somente assinados pelos vendedores e já não pela compradora, a Marazion?
A resposta a esta intrincada questão parece óbvia...
A situação, com outros intervenientes, é igual àqueloutra referida supra, para cuja resposta/análise se remete, valendo aqui argumentos de “identidade ou maioria de razão”.
K) O reconhecimento da detenção do Banco Insular pela SLN – a carta de 02.06.2008:
A SLN, por carta de 2.6.2008, assinada por AV… e FS… que estiveram envolvidos, como vimos, desde os antecedentes da sua aquisição em 2001, reconheceu inequivocamente que o Banco Insular tinha por último beneficiário o grupo SLN:
- Apenso R, vol. 1, pág. 14 - 29.04.2008 - Carta do Banco de Portugal para a SLN solicitando informações sobre o relacionamento da SLN com o Banco Insular;
- Apenso R, vol. 1, págs. 15 e 16 - 15.05.2008 - Carta resposta da SLN ao Banco de Portugal, assinada por FS… e AV…, com indicação de que as sociedades veículo identificadas têm por ultimate beneficial owner o grupo SLN, sociedades que, com excepção de duas, tinham adquirido acções da SLN com financiamento do Banco Insular, adiantando que o Banco Insular estava a ser sujeito a avaliação para venda a terceiro, sendo que tinha sido a plataforma financeira utilizada para compra de acções da SLN;
- Apenso R, vol. 1, pág. 18 - 15.05.2008 – Carta do Banco de Portugal para a SLN com pedido de esclarecimento adequado sobre a natureza dos relacionamentos entre o grupo SLN;
- Apenso R, vol. 1, pág. 20 - 02.06.2008 - Carta da SLN para o Banco de Portugal, assinada por FS… e AV…, em que se reconhece ser a SLN a detentora do Banco Insular via Marazion com sustentação na detenção fiduciária da Insular Holdings;
- Apenso R, vol. 4, págs. 103 e 104 ou Apenso Z, vol. 3, fls.1014 e 1015, págs. 65 e 66 – 02.06.2008 – A mesma carta, que se mostra aqui rubricada pelos demais administradores da SLN;
- Apenso R, vol. 4, fls. 1072 ou Apenso Z, vol. 3, pág. 123 – 05.06.2008 – Carta da administração da SLN, SGPS, subscrita por FA… e AV…, para o Governador do Banco de Cabo Verde na qual é reiterada a intenção de proceder à incorporação do Banco Insular no BPN, IFI ou de transmitir a sua participação no Banco Insular enquanto ultimate beneficial owner a terceiras entidades alheias ao grupo SLN;
- Apenso R, vol. 1, pág. 22 – 19.06.2008 – Carta da SLN para o Banco de Portugal que envia em anexo a declaração de trust da Marazion, datada de 17.06.2008;
- Processo, vol. 124, fls. 39322 a 39337, págs. 91 a 106 (101) - 20.06.2008 – Acta da assembleia geral da SLN, SGPS que, além do mais, contém alocução de AV… da qual se extracta o seguinte: “(...) há ainda outros problemas no horizonte, nomeadamente um que se prende com a assunção formal de uma actividade do grupo em Cabo Verde da qual irão resultar necessidades adicionais e substanciais de fundos.” (sublinhado nosso)
L) Conclusões/síntese/análise crítica:
Terminado este percurso documental focado na titularidade do Banco Insular resulta inequívoco e manifesto que esta instituição financeira, sendo formalmente detida pela Insular Holdings que tinha por beneficiário aparente, ou seja, como fiduciário, o arguido JV…, pertencia efectivamente ao grupo SLN/BPN que foi quem efectivamente o comprou e quem pôs e dispôs dele.
A detenção formal do Banco Insular pela Insular Holdings/JV… não passou de um embuste, uma simulação destinada a ocultar uma parte muito significativa da actividade do grupo SLN/BPN.
Na verdade, JV…, presidente do Banco Insular e beneficiário aparente/fiduciário da Insular Holdings, única accionista do Banco Insular, era, de facto, um solícito e muito qualificado colaborador do grupo a troco de, como se verá adiante, boas remunerações, que, em finais de 2007, percebendo a aproximação dos problemas ao “largo de Cabo Verde”, se rebela contra OC… e parece pretender impor procedimentos que antes, ao longo de mais de 5 anos, completamente descurara ou com que nunca se importara:
- Apenso Z, vol. 2, fls. 85 a 88, págs. 85 a 88 – 19.12.2007 – Carta de VM… para OC… sobre três ordens de problemas do Banco Insular: a primeira tinha que ver com os empréstimos a veículos offshore para financiar o grupo; a segunda respeita ao incumprimento das obrigações com o Banco Central de Cabo Verde, sendo o rácio de solvabilidade de 3,5% quando devia ser 8%; e a terceira consiste na “total ignorância em que sou deliberadamente mantido”, concluindo com exigências de “assumir, informadamente, o cargo que tão amavelmente me confiou”;
M) O não reconhecimento da detenção formal do BI pela administração presidida por MC…:
(…)
Não obstante, se dúvidas existissem – e não existem – de que o Banco Insular pertencia ao grupo SLN/BPN, elas seriam sempre dirimidas a favor dessa titularidade face à avassaladora, inequívoca e indubitável prova testemunhal produzida:
AJo… (trabalhou vários anos na direcção de operações do BPN e, em 2006, passou para assessor do Conselho de Administração da mesma instituição):
No âmbito do exercício das suas funções na Direcção de Operações teve conhecimento do Banco Insular em Junho/Julho de 2002 através de AF…, que lhe referiu que o grupo passou a ter um banco em Cabo Verde e que as operações desse banco iam ser feitas no 3º andar.
As instruções de operações relativas a esse banco eram transmitidas por AF… e por RP….
O Dr.º MC… quando tomou posse determinou uma auditoria externa, pela Mazars, ao Banco Insular, o que pressupunha que este banco fizesse parte do grupo SLN, pois ninguém determina uma auditoria a algo que não lhe pertence ou que não esteja relacionado com o seu grupo.
Em momento algum foi colocada em dúvida, na operação César, a titularidade do Banco Insular, isto é, que o Banco Insular pertencesse ao grupo SLN desde a sua aquisição.
Quem fazia a contabilidade do banco insular era EP…, funcionário do BPN.
99% das operações eram geradas na Administração do BPN, operacionalizadas, e lançadas na contabilidade do Banco Insular.
TMa… (trabalha no departamento de supervisão prudencial do Banco de Portugal, desde Dezembro de 2007):
Teve conhecimento da relação do Banco Insular com a SLN numa reunião de 4.6.2008 com AV…, AF… e ACt….
Foi feita uma 1ª introdução por AV… que apresentou o Banco como estando relacionado com o grupo, ele saiu da reunião, e AF… explicou a relação com o grupo do Banco Insular, como era financiado e informou de que o mesmo pertencia à SLN.
A SLN, a seguir a essa reunião, mandou uma carta ao Banco de Portugal, assinada por V… e AF…, em que informou que o grupo tem interesses no Banco Insular e que estava a tentar encontrar documentação tendente à demonstração da posse/detenção do BI.
AF… naquela reunião fez uma introdução relativa à existência do Banco Insular, informando que era financiado pelo grupo SLN, pelos depósitos de clientes em Cayman e IFI e explicou a forma como se desenrolava esse financiamento.
Explicou ainda que em termos de agências todos os depósitos figuravam como sendo do BPN, porque havia uma aplicação de front desk que agregava todas as responsabilidades do cliente.
Referiu ainda que foi criado o balcão virtual no Banco Insular em ordem a parquear operações e a esconder as operações da autoridade de supervisão de Cabo Verde.
Assumiu-se como um operacional de todo este esquema e que toda a estratégia era de OC….
Referiu ainda que a nível de topo quem tinha conhecimento do Banco Insular em termos da administração era o Eng. FS…, o Dr.º LC… e o Eng. JA…. Estas 3 pessoas, como referiu, tinham conhecimento da ligação do grupo ao Banco Insular.
Mais informou que esse banco servia para conceder créditos a entidades do grupo, financiar aquisição de acções, no fundo, passou a ideia que visava um funding para ajudar os interesses do grupo.
MLu… (funcionária da Fincor que detinha o Banco Insular e que foi comprada pelo grupo SLN/BPN):
O Banco Insular era da Fincor, quando foi comprado pelo BPN.
O Banco Insular funcionava em Cabo Verde, mas era o BPN que enviava ficheiros e fazia lançamento de custos.
O BPN mandava um ficheiro em excel da conta de custos (serviços, despesas de representação), ficheiro que era carregado com os custos desse mês e depois era devolvido.
Havia uma outra parte em que o BPN enviava uns mails com ordens de transferência com o papel, já com tudo feito, e procediam ao envio por fax do pedido do que eles pretendiam para o Montepio Geral.
DNi… (administrativo do BPN; 2001 a 2004 – Direcção de Operações; 2004 a 2007 – Núcleo de apoio às operações; 2007 em diante – unidade de controlo operacional):
Era do senso comum que o Banco Insular fazia parte do BPN, até porque acediam à sua plataforma informática dentro do grupo.
CR… (iniciou funções em Junho de 1999 no BPN e foi abrir a área de offshore do Banco, parte operacional. Consistia em lançar operações em paraísos fiscais - abertura de contas, depósitos de clientes, financiamentos. Era a unidade de offshore da qual foi o responsável até inícios de 2006):
O Banco Insular na unidade de offshore apareceu na altura em que foi comprada a Fincor.
Começaram a trabalhar nele quando RP… “lhe bateu à porta” e lhe disse que era mais uma plataforma offshore que iam trabalhar a nível de operações.
Para a unidade de offshores o Banco Insular era um banco do grupo BPN/SLN.
Na altura em que foi dada aquela informação, RP… informou-o que não era para todos os clientes, era para clientes com mais capacidade financeira, o que teve oportunidade de confirmar, uma vez que os depósitos que eram transferidos para o Banco Insular ou constituídos eram, por norma, de valores altos.
Ama… (advogado; trabalhou para a Planfin entre 2001 e 2008; sócio da sociedade de advogados Cardoso Ferreira Guimarães e Associados, desde o início):
Quanto à aquisição do Banco Insular declarou:
Houve um contacto preliminar com IC…, OC… e AV…, em que foi falado que estava à venda uma instituição financeira em Cabo Verde e que o grupo tinha interesse, não em comprá-lo directamente, mas de alguma forma estabelecer uma relação comercial, ou seja, tinha interesse em promover a sua aquisição através de terceiro.
Isto foi-lhe transmitido pela Dr.ª IC… por volta de Maio de 2001, que esteve presente na reunião. IC… disse-lhe que estiveram também presentes nessa reunião OC… e o AV….
Foi-lhes solicitado, então, para estar presente a testemunha, IC…, AV…, uma pessoa de nome HSa…, em que este propôs a aquisição do Banco Insular através de uma sociedade offshore das Ilhas Virgens Britânicas através de um trust.
OC… mandou então avançar para a constituição da Insular Finance nas Ilhas Virgens Britânicas, a qual chegou a ser constituída e destinava-se a adquirir o Banco Insular.
Tem ideia que o beneficiário desta Insular Finance era a Marazion.
Depois OC… disse-lhes que VM… era administrador da Fincor que detinha o Banco Insular e que ele iria fazer a intermediação com as autoridades de Cabo Verde em ordem à venda e aquisição do banco.
Mais tarde, IC… disse-lhe que esteve numa reunião com VM… e JN… e que lhe disseram que as autoridades de Cabo Verde não terão gostado muito da ideia de ser uma offshore a adquirir o Banco Insular.
Foi transmitido nesta última reunião que o governador do Banco de Cabo Verde terá transmitido que fosse preferível que fosse uma holding da união europeia a adquirir o Banco Insular.
Nesta altura, o processo muda, e numa reunião da testemunha com OC…, este transmitiu-lhe para avançar com esta opção.
A partir daqui foi o procedimento habitual, falaram com os directores fiduciários que também tinham escritório no Reino Unido e, neste caso, OC… deu indicação que a sociedade offshore devia ter o nome “Insular” e através de contactos com o fiduciário eles disponibilizaram o nome Insular Holdings e fez-se a reserva com este nome.
Foi indicado como beneficiário desta sociedade a Marazion. Pediram uma procuração para o Dr.º M… representar a sociedade Insular Holdings junto das autoridades de Cabo Verde.
A testemunha teve ainda intervenção na abertura da conta da Insular Holding junto do Fortis Bank. O pagamento da aquisição foi feito através desta conta da Insular Holding no Fortis Bank.
Houve uma transferência de fundos da Marazion para a Insular Holdings para pagamento do preço do Banco Insular.
Nesta fase já havia a ideia que VM… ia liderar o projecto do Banco Insular.
Então nesta fase surgiu a ideia de VM… adquirir o Banco Insular. OC… disse-lhe para contactar o fiduciário para ser emitida uma declaração de trust em nome de JV….
Contactou o fiduciário e foi emitida essa declaração de trust, ficando VM… como titular da Insular Holdings, logo do Banco Insular.
Em resumo: tudo orientado, planeado e decidido por OC… (grupo BPN/SLN), que decidiu, inclusivamente, quem ficaria à frente do Banco Insular, JV…, ou seja, um fiduciário, sendo o verdadeiro dono da instituição financeira o grupo BPN/SLN.
GS… (director de contabilidade do BPN desde o seu início até finais de 2012):
Aquando da assunção pela administração do Dr.º MC… de que o Banco Insular era do BPN, foi-lhe pedido que desse continuação à contabilidade do Banco Insular.
Esclarece que, pelo menos, porque lhe foi pedido que continuasse a fazer essa contabilidade, necessariamente que o Banco Insular tinha que ser considerado um banco do BPN.
AV… (2003/2004 foi responsável pela área internacional do BPN; Em 2008 assumiu a presidência do grupo BPN/SLN durante cerca de 4 meses):
Assumiu a Presidência do BPN/SLN, de facto, em 20 de Fevereiro de 2008, embora a formalização (certidão registo comercial) seja de 27 de Março.
Falou com os colegas da Administração e chegaram à conclusão de que tinham que fazer uma carta - v. apenso temático v. apenso F, anexo 14, págs. 134 e 135 - para o Banco de Cabo Verde para o sossegar, embora não houvesse intenção de adquirir o Banco Insular.
Alguém da Planfin (AG…), antes de 2 de Junho, mandou carta a Gibraltar a pedir para esclarecerem quem era o dono do Banco Insular e a resposta foi que era da SLN.
Por isso, em 2 de Junho, informou o Banco de Portugal da titularidade do Banco Insular pela SLN.
Prestou informação ao Banco de Portugal com base na informação dos fiduciários que numa carta o informaram sobre a titularidade, embora a obtenção da declaração de trust seja posterior.
Não falou com VM… sobre a titularidade do Banco Insular, nem com OC….
A carta enviada ao BP foi só assinada por dois administradores, mas houve uma cópia interna que foi rubricada por todos os administradores em ordem a que todos se vinculassem. A questão da comunicação e teor da comunicação ao Banco de Portugal foi discutida por todos em sede do Conselho de Administração.
JLo… (foi nomeado pelo Estado Português e pela Caixa Geral de Depósitos no dia da nacionalização -12.11.2008 - para integrar o Conselho de Administração do BPN e de outras empresas do grupo, função na qual se manteve até ao final de 2011):
Quanto à titularidade do Banco Insular:
Logo numa das primeiras reuniões que teve com VM… este disse-lhe que tinha a Fincor e que OC…, no fundo, quis comprar o Banco Insular, porque estava interessado em adquirir um banco fora do país, que queria dominar, mas que não estivesse sujeito às autoridades de supervisão.
Do ponto de vista jurídico-formal, nunca viu uma relação jurídica estabelecida entre o Banco Insular e a SLN e o BPN.
O que viu foi uma declaração unilateral de venda de 5 accionistas pela qual se operaria uma venda à Marazion.
Mas, para todos os efeitos, em termos substanciais, quem fornecia o funding ao Banco Insular era o BPN, quem colocava as operações era o BPN, a generalidade dos clientes eram do BPN e tinham sido lá colocados pelo BPN e isto era compatível com a documentação que a testemunha viu.
Além do mais, o BPN assumia o risco das operações do Banco Insular pelas cartas de put-option pelas quais o Banco Insular tinha uma opção de venda dos créditos ao BPN.
Quem fazia a contabilidade do Banco Insular e tinha a direcção do mesmo era o BPN.
VM… era o Presidente formal, dava a cara e apunha assinaturas, mas, na prática, o Banco era do BPN.
A dispersão de venda da Insular Holdings por 5 accionistas ocorreu, segundo VM…, com a intenção de enganar, dispersar, dar ideia de que, de facto, pertencia a esses 5 accionistas.
A testemunha não tem dúvidas de que isto foi feito com acordo de OC…, embora VM… não lhe tivesse dito nada a este respeito.
Alguém tinha que pegar no Banco Insular, quem lá tinha o dinheiro era o BPN, os activos e passivos eram do BPN, os vencimentos eram pagos pelo BPN, por isso, o Insular foi integrado no BPN e não na SLN.
A nível de gestão e decisão das operações do Banco Insular quem mandava nisso era OC….
Asi… (Foi e é accionista da SLN desde cerca de 1998. Fez parte do Conselho Superior do BPN/SLN desde o princípio até ao fim, até passar a administrador não executivo da Galilei, cargo que ocupa desde Janeiro de 2008 ainda no âmbito da SLN SGPS):
A primeira vez que ouviu falar no Banco Insular foi em 2003 e quem lhe falou nele foi o Dr.º JN…. Nessa altura não estabeleceu qualquer relação do banco com o grupo.
Posteriormente, precisou de um financiamento para um empreendimento nos Olivais e falou com OC… que lhe disse que não havia possibilidade de fazer financiamento no BPN e que o financiamento teria que ser feito fora do Banco, designadamente no Banco Insular, com quem tratou tudo (juros, prazo e montante).
Na altura não percebeu porque foi um banco extra ao grupo a conceder o empréstimo.
Tomou conhecimento de que o Banco Insular tinha a ver com o BPN por volta de 2007/2008, tendo-o sabido através de OC…, que disse que o banco pertencia ao grupo, fazendo-o num encontro ocasional com o mesmo.
Na altura, um grupo de accionistas questionou OC… sobre coisas que estariam a correr mal, sendo que OC… lhe referiu que era o Banco que estava a correr mal.
JMN… (administrador da SLN SGPS e do BPN SA a partir, respectivamente, de 29.11.2002 e 7.1.2003, tendo renunciado ao cargo nas duas sociedades a 27.6.2003):
O que sempre lhe foi dito foi que a Fincor tinha sido adquirida pelo BPN, mas não o Banco Insular, embora este, antes da aquisição, fizesse parte da Fincor.
Entre o grupo BPN e o Banco Insular verificou ligações.
O BackOffice operacional do Banco Insular era feito pelo BPN.
Percebeu, através de conversas com pessoas, incluindo o Presidente do Banco Insular, que o Banco Insular acolhia operações que tinham a sua origem no BPN.
Aliás, tem ideia que VM… lhe mostrou um balanço do Banco Insular até para que a testemunha tivesse ideia dos números que estavam em causa.
VM… disse-lhe de onde vinham os créditos e que grande parte das operações que estavam no Banco Insular tinham origem no BPN.
Quando recebeu estas informações e viu o balanço ficou a perceber que as operações (activos) tinham origem no BPN e que não eram reflectidas na consolidação do BPN, SA, aliás, nem podiam, porque, em termos formais, o Banco Insular não era da titularidade do BPN, no que tivesse conhecimento.
Pensou em denunciar a situação ao Banco de Portugal mas, por conflito de interesses, acabou por não denunciar, opção de que não se orgulha.
A conversa com o VM… foi nas instalações do Banco Insular no gaveto entre a Rua Braancamp e a Rua Castilho.
JC… (fez parte da equipa que era liderada por MC…. No BPN esteve desde 20.6.2008 até à nacionalização (11.11.2008), era membro do Conselho de Administração. Na SLN, esteve desde a mesma data, como administrador, até finais de Fevereiro de 2009.
No BPN tinha vários pelouros: contabilidade, sistemas de informação, risco de crédito, risco operacional e supervisão da provedoria do cliente.
Na SLN era o responsável pela gestão financeira do grupo):
Quanto ao Banco Insular, recorreram à sociedade de advogados Telles de Abreu, pedindo-lhes que analisassem a situação e da análise concluiu-se que não deviam assinar nenhum documento que assumisse a titularidade.
Havia contratos de venda de acções da Insular Holdings a favor da Marazion, não assinados por esta, embora assinados pelo vendedor.
A recusa na assunção da titularidade do Banco Insular assenta essencialmente em pressupostos de natureza formal.
Não encontraram nenhum documento que estivesse assinado por ambas as partes. A questão foi colocada ao fiduciário, o qual respondeu que não estava registada a compra pela Marazion.
Houve indagação junto de VM…, o qual afirmou que teria vendido as acções a 4 outras pessoas.
Na parte final, quando é assinada por essas 4 pessoas a venda, mas não assinada na parte da compra pela Marazion, não há indicações que elas tenham recebido quaisquer quantias.
VM… representa a posição de testa de ferro, com o objectivo de tirar a Insular Holdings e Banco Insular da esfera de consolidação do BPN.
JSi… (até sair do BPN esteve sempre integrado na DSIT – direcção de serviços informáticos e tecnologia, onde trabalhava directamente com o EP…. Em meados de 2002/2003 surgiu um projecto novo que era o do Banco Insular. Para este novo projecto começou a preparar de alguma forma os balanços e algumas demonstrações de resultados do banco, ou seja, estava mais ligado à parte contabilística do banco insular):
Banco Insular:
Teve conhecimento por volta de 2002/2003.
Estava a começar a sua carreira profissional e estava ávido de fazer coisas diferentes, sendo que o trabalho de parametrização não ia de encontro ao trabalho que podia dar.
O seu chefe (EP…) disse-lhe que tinham aquele banco e que iam “começar a trabalhar nele”, o que aceitou.
O que percebeu era que este banco seria outra offshore, como Cayman.
Ficou com a ideia de que era mais um banco do grupo.
Começar a trabalhar significou, em concreto:
Iam-lhe sendo dadas pequenas tarefas dentro do projecto, as quais foram evoluindo.
O ponto máximo foi ajudar a fazer balanço, balancetes.
JMa… (Administrador do Banco Insular entre 16.10.2001 e Outubro de 2003. Administrador, sem pelouro, da SLN SGPS entre Maio de 2006 até Fevereiro de 2008. A partir desta data foi-lhe atribuído o pelouro da área não financeira internacional até à nacionalização do banco):
A propósito da carta remetida ao Banco de Portugal (v. apenso R, vol. 1, pág. 20 pdf) e da titularidade do Banco Insular, esclareceu:
VM… pediu uma reunião a AV… após a saída de OC…, reunião em que testemunha esteve presente e FS…, dizendo que havia um problema no Banco Insular de exposição/rácio, na sequência de uma inspecção do Banco de Cabo Verde ao Banco Insular.
Afirmou também que o BPN tinha as put-options a garantir os créditos não pagos do Banco Insular e que era necessário resolver esta questão.
Foi constituída uma delegação para ir a Cabo Verde no sentido de aferir junto do governador de Cabo Verde da possibilidade de compra do Banco Insular pelo BPN.
Começou-se ao mesmo tempo a fazer o levantamento da carteira garantida pelas put-option.
VM… ao mesmo tempo exibiu vários documentos sem data, o primeiro um documento de venda da Insular Holdings à Marazion (apenas assinado pelo vendedor e sem data). Mais tarde apareceu outro documento da venda de 100% a 5 particulares (20% a cada um).
A testemunha falou com JGo…, o qual referiu que lhe pediram para assinar o documento de compra e venda e disse que foi VM… que lhe pediu.
Acordaram, na SLN, escrever ao fiduciário para saberem quem era o beneficiário da Marazion e obtiveram a informação de que o beneficiário era a SLN.
O Banco Insular era detido pela Insular Holdings e esta detida por VM….
Faltava o elo da cadeia entre a titularidade de VM… e a transmissão à Marazion. O contrato que foi assinado só pelo vendedor (VM…) não estava assinado pelo comprador e não tinha data. Não investigou este elo da cadeira. Não investigou se havia documento assinado pelo vendedor e pelo comprador.
A dependência material do Banco Insular junto do BPN para si estava confirmada face às put-options, créditos concedidos.
A questão formal não estava explicada, mas a questão material demonstrava a dependência do Banco Insular do BPN essencialmente alicerçada pelas put-option.
Não teve dúvidas, por actos que constatou em 2008 de que o Banco Insular era uma “dependência” do BPN”.
Foi inquirida novamente, já para o final da produção de prova a testemunha:
AJo… (v. razão de ciência supra), o qual, quanto à questão em apreço, teve ainda oportunidade de explicar:
Em inícios de 2002 AF… dirigiu-se a eles e disse que o grupo iria passar a ter um banco em Cabo Verde, chamado Banco Insular, informação que AF… obteve de OC… e que igualmente lhes comunicou.
Por isso, não lhe assiste qualquer dúvida de que o Banco Insular era da SLN.
É completamente diferente perante as autoridades de Cabo Verde VM… aparecer como único beneficiário da Insular Holdings, pois, se fosse a Marazion, tal poderia levar o Banco de Cabo Verde à troca de informações com o Banco de Portugal.
Face a toda a documentação que viu, inclusive em sede de audiência, embora VM… fosse o titular formal do Banco Insular e beneficiário da Insular Holdings, era meramente um fiduciário, no fundo um testa de ferro e que garantia ao grupo SLN a não ligação ao Banco Insular.
Perante esta avassaladora prova documental e testemunhal subsistem algumas dúvidas de que o Banco Insular pertencia ao grupo BPN/SLN e que era, por este, completamente controlado do ponto de vista material e operacional?
Para o Tribunal não subsistiram quaisquer dúvidas...
Afirmar o contrário seria, simplesmente, defender ou sustentar um “absurdo”.
Retomando a motivação de fls. 535 a 545:
(…) Refira-se que a entidade offshore identificada no facto 88°, como se verá infra, não foi constituída nas Ilhas Virgens Britânicas, mas antes em Londres (v. facto não provado 31).
A prova dos factos 78° a 83° da pronúncia resulta do teor da certidão da conservatória do registo comercial da cidade da Praia relativa ao Banco Insular constante do apenso de busca 12, doc. 96, págs. 52 a 59 pdf (v. factos provados 76 a 80).
Não resulta, do mesmo documento, que em Dezembro de 2001 a totalidade do capital social do Banco Insular pertencia à Fincor (esta tinha uma participação de 149991 acções), pois, todos os restantes 9 sócios tinham uma participação de uma acção cada um (v. facto não provado 30).
Segundo a legislação de Cabo Verde em vigor ao tempo, as sociedades IFI (Instituições Financeiras Internacionais) tinham por objecto principal a realização de operações financeiras internacionais com não residentes em Cabo Verde em moeda estrangeira (art. 2° n.° 1 da Lei n.° 43/III/88 de 27 de Dezembro da República de Cabo Verde).
Ora, como resulta da mencionada certidão, o Banco Insular era formalmente uma sociedade IFI constituída em Cabo Verde, em conformidade com o direito de Cabo Verde, e foi matriculado na Conservatória do Registo Comercial da Cidade da Praia, em Cabo Verde, em 23.07.1998, sendo detido na esmagadora maioria do seu capital pelo Grupo Fincor, contando ainda aquela instituição financeira com o arguido JV… entre os seus sócios.
Em Dezembro de 2001, a esmagadora maioria do seu capital social era detido pela FINCOR, SGPS, SA.
Neste intróito importa, desde já, ter em consideração a seguinte documentação:
- Apenso de busca 7, doc. 41.06, pág. 89 a 101* ou Bragas 8, págs. 119 a 132 - Memorando preliminar sobre legislação cabo-verdiana relativa à actividade bancária na modalidade de IFI com legislação anexa (Lei n.° 43/III/88 de 27 de Dezembro alterada pela Lei n° 32/V/97 e o Decreto Lei n.° 66/97 de 3 de Novembro que regulamenta a Lei n.° 43) que refere a “abertura de contas de depósito, nomeadamente numeradas”, o qual exibe um despacho manuscrito de OC… com o teor “Senhor AF… Pª Conhecimento”, datado de 21.09.2001;
- Apenso de busca 12, doc. 96, págs. 51 a 59 ou Bragas 7, págs. 1 a 7 – 02.12.2002 - Fax de FB… para DP… da CITCO com certidão da CRC do Banco Insular – certidão supra mencionada;
Não se viu qualquer prova cabal dos factos 89° e 90° da pronúncia (v. factos não provados 32 e 33).
É certo que, como resulta das próprias declarações do arguido VM…, a Fincor foi dotada de liquidez para cumprir com os rácios prudenciais do Banco de Portugal.
Porém, essa injecção de liquidez ocorreu após a venda da Fincor ao grupo BPN/SLN e não antes, como é pressuposto nos factos em questão.
Por outro lado, apesar de o documento constante do apenso de busca 12, doc. 29, pág. 16 ou Bragas 8, pág. 73 (13.03.2001 - Carta do BdP ao BPN, SGPS com pedido de informações que se prendem com a aquisição da FINCOR) se aludir à reestruturação da Fincor, de modo algum dele se extrai que o Banco de Portugal só permitiria a venda desta entidade caso a mesma levasse a cabo a reestruturação em causa.
Mesmo que se entendesse o contrário, essa alegada e prometida reestruturação não seria levada a cabo por JV…, mas antes pelo BPN SGPS (OC…) – v. documentação infra indicada (carta remetida ao Banco de Portugal em 21.9.2001).
Ora, em 16.01.2001, o BPN, SGPS comunicou ao Banco de Portugal a intenção de adquirir 100% das acções da FINCOR, SGPS (art. 91° da pronúncia; facto provado 87).
Porém, como resulta do próprio documento, não havia a intenção de adquirir até 80% do capital social desta sociedade, pelo contrário, era intenção adquirir a totalidade do seu capital social (v. facto não provado 34):
- Apenso de busca 12, doc. 29, págs. 17 a 21 ou Bragas 8, págs. 7 a 12 ou apenso R, vol. 1 fls. 23 a 27 – 16.01.2001 - Carta do BPN, SGPS, assinada por LC… e OC…, a comunicar a intenção de aquisição da FINCOR, SGPS;
Refira-se que, pelo menos desde 29.11.2000, havia negociações para aquisição de 80%/100% (v. considerando b) do documento infra mencionado) do capital da FINCOR, SGPS, como resulta da versão de trabalho do designado acordo de princípios, documento que foi apreendido na busca 12 feita aos escritórios da BCS, Associados, verificando-se, então, que o Banco Insular não era excluído da projectada aquisição (v. cláusula 1º, b), ii)):
- Apenso de busca 12, doc. 29, págs. 24 a 27 ou Bragas 8, págs. 1 a 4 – 29.11.2000 - Versão (3ª) de trabalho do acordo de princípios para aquisição de 80%/100% da FINCOR que inclui o Banco Insular;
Fundamental se mostra ainda a seguinte documentação:
- Processo, vol. 125, fls. 39568, pág. 76 pdf – 30.01.2001 – E-mail de AV… para OC… com projecto de estrutura da detenção do Banco Insular, sendo de realçar que face às informações veiculadas por aquele a este, JV… estava ao corrente de todo o procedimento e que, no fundo, actuaria como “nominee”, ou seja, fiduciário/”testa de ferro”;
- Apenso 33 – 30\Apagados\288\wk1\Ficheiros eliminados\C\L…\1.Grupo SLN\Planfin\ Folhas horas\fhoras totais – Folha de horas com menção de reunião V…/AG (AG…) e definição da estrutura/trust de detenção do Banco Insular - reunião JOC/V…/ IMC, isto é, OC…, AV… e IM…;
- Apenso de busca 13 (CADERNOS IMC), vol. 2, pág. 392 ou Bragas 9, pág. 100 – 18.06.2001 – Apontamento manuscrito da reunião de IM… com JV… e JN… que altera o esquema de detenção do Banco Insular (Insular Finance), agora com recurso a holding com sede em Londres com a menção de declaração da Insular Holdings a dar poderes a JV… para adquirir o Banco Insular;
Sucede que, em 31.01.2001, nalguns contratos promessa celebrados entre o BPN, SGPS (OC… e LC…) e diversas entidades, designadamente, JV…, tendo por objecto participações sociais da FINCOR, SGPS, o Banco Insular era excluído da aquisição (alíneas d) e e) dos considerandos dos contratos: “não está interessada na aquisição de participação indirecta no capital social do BI”; v. tb. cláusula 1ª, n.° 2), como, de resto, já havia sido implicitamente excluído na mencionada carta do BPN, SGPS (OC… e LC…) para o Banco de Portugal de 16.01.2001, visto que nos elementos informativos referia não existirem entidades abrangidas pelas alíneas a) a f) do n.° 7 do artigo 13° do RGICF.
Esta exclusão da aquisição do Banco Insular, de resto, estava em consonância com o teor do e-mail do dia anterior - 30.01.2001 -, de AV… dirigido a OC… em que se refere, como vimos, a uma projectada estrutura de detenção do Banco Insular, na qual JV… seria “nominee”.
Documentação pertinente do que acaba de ser mencionado:
- Processo, vol. 125, fls. 39.568, pág. 76 pdf – 30.01.2001 – E-mail de AV… para OC… com projecto de estrutura da detenção do Banco Insular;
- Apenso de busca 12, doc.1, págs. 1 a 127, págs. 26 e 71 ou apenso Z vol.6, fls. 26 ou Bragas 8, págs. 14 a 25 e 26 a 71 – 31.01.2001 - Contratos promessa entre BPN, SGPS, representada por OC… e LC…, e várias entidades, designadamente JV…, de compra e venda das acções da FINCOR, SGPS, com anexos.
Neste contexto, em 02.04.2001, o BPN, SGPS (OC…) em resposta a questões antes formuladas pelo Banco de Portugal, informou, além do mais, que o Banco Insular não se incluía no acervo de bens a adquirir:
- Apenso de busca 12, doc. 29, pág. 16 ou Bragas 8, pág. 73 – 13.03.2001 - Carta do BdP ao BPN, SGPS com pedido de informações que se prendem com a aquisição da FINCOR com despacho manuscrito;
- Apenso de busca 12, doc. 29, págs. 9 e 10 ou Bragas 8, págs. 75 e 76 – 02.04.2001 - Carta do BPN, SGPS (OC…) ao Banco de Portugal com informações sobre preço das acções e sobre a exclusão do Banco Insular;
De seguida, em 20.04.2001, em carta dirigida ao Banco de Portugal e subscrita por OC…, o BPN, SGPS pediu a suspensão do processo relativo à aquisição da FINCOR (cuja cópia tem despacho de FS… de 03.07.2001 “Ao S. D. FN…”) para, depois, em 21.09.2001, ter voltado a manifestar a intenção de aquisição da FINCOR SGPS, ao mesmo tempo que era assumido o conhecimento da carta da FINCOR ao Banco de Portugal de 23.07.2001 que à frente se refere (factos 92° e 93° da pronúncia; factos provados 88 e 89):
- Apenso de busca 12, doc. 29, págs. 6 e 7 ou Bragas 8, págs. 81 e 82 – 20.04.2001 - Carta do BPN, SGPS (OC…) ao Banco de Portugal solicitando, além do mais, a suspensão, ou retenção, do processo de aquisição da FINCOR com despacho manuscrito de FS…;
- Apenso de busca 12, doc. 29, págs. 3 e 4 ou apenso R, vol. 1, fls. 31 a 33 ou Bragas 8, pág. 116 - 21.09.2001 – Carta do BPN, SGPS (OC…) ao Banco com reapresentação do pedido de aquisição da Fincor;
No entretanto, IM… e AG… procederam a diligências em ordem à aquisição do Banco Insular pela Insular Finance, sociedade com sede nas Ilhas Virgens Britânicas (v. factos provado 88, parte final e 90):
- Apenso de busca 31, pasta 1, págs. 266 a 270 ou Bragas 8, págs. 95 a 99 – 13.06.2001 – Carta de AG… para IM… com um ponto 2), designado Banco Insular, que reporta as diligências para abertura de conta da Insular Finance, sendo de realçar a seguinte parte do escrito: “apesar de não ser o que nós queríamos pedi-lhe só para ele confirmar se conseguiria abrir conta no outro banco que ele tinha sugerido, o Royal Bank of Scotland, na Isle of Man, caso nós optássemos por essa via (a única vantagem que eu vejo sobre o BPN Cayman seria a de não se estabelecer qualquer ligação com o BPN)” – sublinhado nosso – ou seja, tentava-se evitar qualquer ligação do BPN com a  aquisição do Banco Insular pela, então, sociedade offshore Insular Finance;
Seguidamente, em 23.07.2001, a FINCOR, SGPS, JV… e outro, informaram o Banco de Portugal de que tinham sido celebrados contratos promessa de compra e venda mediante os quais o BPN, SGPS havia prometido adquirir acções da FINCOR, SGPS representativas de 80% do capital social, referindo, também, a existência duma condição suspensiva que consistia na prévia venda a terceiro da participação da FINCOR, SGPS no Banco Insular e dando nota de que, entretanto, já havia sido encontrado comprador e que, também, já havia sido comunicada ao Banco Central de Cabo Verde a intenção de vender o Banco Insular:
- Apenso R, vol. 37, fls. 8828 e 8829, pág. 240 e 241 ou Bragas 8, pág. 101 – 23.07.2001 - Carta da FINCOR, SGPS ao Banco de Portugal com informação sobre a celebração de contratos promessa de compra e venda, mediante os quais, o BPN, SGPS prometia adquirir as acções da FINCOR, SGPS representativas de 80% do capital social, com a referida condição suspensiva;
Por esse motivo, na carta supra mencionada (v. apenso de busca 12, doc. 29, págs. 3 e 4 ou apenso R, vol. 1, fls. 31 a 33 ou Bragas 8, pág. 116 - 21.09.2001 – Carta do BPN, SGPS (OC…) ao Banco com reapresentação do pedido de aquisição da Fincor), é que OC… declarou “ter conhecimento do teor da comunicação dirigida pela Fincor – SGPS, S.A. ao Banco de Portugal em 23 de Julho p.p., relativa ao projecto de reestruturação do Grupo Fincor” (v. facto provados 91 e 92 correspondente aos factos 95° e 96° da pronúncia;
Finalmente (v. tb. facto não provado 35 – a carta ora referida é de 16.1. e não 11.1. como consta do facto 96° da pronúncia), em 16.01.2002, a FINCOR SGPS (JV…), informou o Banco de Portugal que “assinou em Dezembro último o contrato de compra e venda das 150.000 acções que detinha, correspondentes à totalidade do capital social do Banco Insular (IFI) SARL, de Cabo Verde” e que “o respectivo pagamento está agendado para os próximos dias por transferência de fundos, ordenada pela Insular Holdings, Ltd. de Londres”; e rematou, dizendo “Está assim preenchida uma condição prévia colocada pelo BPN, SGPS, para aquisição das acções relativas a 80% do capital desta FINCOR, SGPS, que consistia na venda do Banco Insular a entidade terceira antes da compra prometida” (sublinhado nosso):
- Apenso R, vol. 1, fls. 29, pág. 31pdf ou Bragas 9, pág. 9 – 16.01.2002 - Carta de FINCOR, SGPS (JV… e outro) para o Banco de Portugal a informar da celebração do contrato de compra e venda do Banco Insular.
Com efeito (v. factos provados 92, 1ª parte, e 93 a 96), por contrato datado de 20.12.2001, a Insular Holdings, que não a referida Insular Finance conforme estava inicialmente previsto, adquire à Fincor SGPS a totalidade da participação social do Banco Insular pelo preço de PTE 185.000.000$00, contrato que é assinado por JV… quer na qualidade de representante da Fincor SGPS conjuntamente com FJ…, quer na qualidade de procurador da Insular Holdings (tem despacho: “o original está com a Dra. IC…”), transacção que foi autorizada por despacho do Ministro das Finanças e Planeamento de Cabo Verde, o que resulta cabalmente da seguinte documentação:
- Apenso de busca 7, doc. 02.25, págs. 133 e 134 – 04.12.2001 - Fax da Fincor, de JT… para ML…, secretária de OC…, pedindo-lhe que fizesse chegar ao conhecimento deste último a cópia do despacho do Ministro das Finanças e Planeamento de Cabo Verde que, por despacho de 30.11.2001, autorizara a compra da totalidade das acções do Banco Insular pela sociedade britânica Insular Holdings, Limited;
- Apenso de busca 7, doc. 17.12, págs. 99 e 100 ou Bragas 9, págs. 1 e 2 – 20.12.2001 - Contrato de compra e venda entre a Fincor SGPS e a Insular Holdings tendo por objecto as acções do Banco Insular com despacho “Original a S. Dª IC…”;
Esta aquisição formal do Banco Insular pela Insular Holdings que aparentemente tinha por último beneficiário JV… foi, como se verá adiante, efectivamente suportada na íntegra pelo Grupo BPN/SLN, tendo ainda sido concretizada de modo a obter o controlo e o total domínio do Banco Insular pelo grupo SLN/BPN sem expor o próprio grupo, tudo em ordem a realizar escondidas operações financeiras que por razões várias, designadamente contabilísticas, de consolidação de contas e de supervisão, não se pretendia que fossem assumidas pelo Grupo (a este propósito, tenha-se em consideração tudo o que supra foi motivado no tocante à “titularidade do Banco Insular”, bem como o que se fundamentará abaixo e que, em conjugação, sem quaisquer dúvidas, permite chegar à conclusão ora convictamente afirmada).
A Insular Holdings, era uma sociedade sedeada em Londres (v. facto não provado 31) detida por fiduciárias, a Fiduciary Trust Limited e a Fiduciary Nominees, Ltd., ambas com sede em Gibraltar, que emitiram declarações de trust datadas de 03.08.2001 a favor de JV….
Todavia, sempre foi considerado/pressuposto ter por último beneficiário a Marazion, conforme decorre, designadamente, do contrato de venda das acções da Insular Holdings que JV… então assinou (embora não assinado pela compradora – a Marazion) e de muita outra documentação gerada na Planfin que indica a Marazion como última beneficiária da Insular Holdings.
Ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que, pelo menos, como sobredito e justificado, JV… era um fiduciário/”nominee” que assumiu a titularidade formal da Insular Holdings, dona, por sua vez, do Banco Insular, mas, no fundo, indubitavelmente, quem controlava efectivamente esta instituição financeira e dela se servia, nela mandava e a operacionalizava, em termos materiais e como bem entendia, era o grupo BPN/SLN, seu verdadeiro dono.
Por sua vez, a Marazion, como supra vimos, não obstante ter tido formalmente diversos últimos beneficiários, sempre teve por último e efectivo beneficiário a SLN, SGPS, face às participações que esta holding detinha nas várias sociedades que se foram sucedendo na qualidade de beneficiárias.
Para o que se acaba de afirmar, i.e., para efeitos probatórios, releva ainda a documentação que se passa a enunciar:
- Apenso de documentos do Banco de Portugal, vol. 1, fls. 88 a 94 ou Braga 9, págs. 12 a 18 – 18.07.2008 – Ofício da Fincor para o Banco de Portugal com cópia do já identificado contrato de compra e venda de 20.12.2001 – Fincor/Insular Holdings – das acções do Banco Insular; e aviso de lançamento do BPI do valor do preço; ofício de 28.07.2008 – BPI/Banco de Portugal – documentação de suporte, “swift” da transferência do valor do preço da Insular Holdings para a conta da Fincor no BPI;
- Apenso R, vol. 1, fls. 116 a 118, págs. 118 a 120 – Informação do BPI com swift de 18.01.2002 relativo à transferência da Insular Holdings, conta no Fortins Bank de Londres, para a Fincor, conta no BPI;
- Apenso 33 – 1-Anexo A\TRAT\1\PC-Dr.-P…\DOCS\C\Documents and Settings\ g003314\Os meus documentos\proj césar\Declarações de Trust\36_INSULAR HOLDINGS Ltd_Declarações de Trust.pdf ou apenso temático I, vol. 3, págs. 135 a 138 ou Bragas 8, págs. 106 a 109 – 03.08.2001 – duas declarações de trust relativas à Insular Holdings a favor de JV… e dois certificados de incorporação (3 e 4) – v. tradução constante do vol. 134 dos autos principais, fls. 42221 a 42223;
- Processo, vol. 159, fls. 49033 a 49044, págs. 177 a 178 – 03.08.2001 – Duas declarações de trust a favor de JV…, dois certificados de incorporação (3 e 4) da Insular Holdings;
- Processo, vol. 45, fls. 17208, pág. 149 – s/data - Cópia não assinada do contrato de compra e venda entre JV… e a Marazion, sem data, tendo por objecto a totalidade das acções da Insular Holdings cujo preço é quitado (a data do bilhete de identidade de JV… referida neste contrato é de 07.11.1996);
- Apenso 33 – 30\287\C\CFGA\POSTOS DE TRABALHO\IF…\Disco C\IG…\AIA\AA…\ANA\ acções\cp acções Insular Holdings.doc – 30.08.2001 (data da criação e da última modificação – v. propriedades informáticas do documento) – Minuta de contrato de compra e venda de acções entre JV… e a Marazito, sem data, tendo por objecto a totalidade das acções da INSULAR HOLDINGS cujo preço é dado por quitado;
- Apenso R, vol. 4, págs. 224 e 225 - 03.07.2008 – Relatório sobre o Banco Insular elaborado por JV… – 1ª parte, dirigido a MF… nos termos do qual VM… diz: “o Dr.º OC… preferiu criar a ficção da exclusão do banco do conjunto então adquirido, tratando a PLANFIN de constituir uma sociedade britânica denominada Insular Holdings de que aceitei ser o beneficiary shareholder ainda que no mesmo ato tenha assinado um contrato de venda da totalidade das acções a uma sociedade americana que me foi indicada.”;
- Apenso 33 – 30\287\C\CFGA\POSTOS DE TRABALHO\IC…\ C\IC…_Ficheiros vários\MC\ SOCIEDADE DE ADVOGADOS\ CLIENTES\SLN\Memos CA\Insular Holdings \MEMO – JOC LCC – INSULAR HOLDINGS.doc* ou Bragas 8, págs. 113 e 114 – 05.09.2001 - Memo da Planfin de IC… para o Conselho de Administração da SLN sobre a Insular Holdings, constituída para aquisição do Banco Insular, sendo accionista a Marazion – Reino Unido/Aquisição de imóvel;
-   Apenso 33-30\Mail\287\C\CFGA\POSTOSDETRABALHO\CA…\ D\CMA\IC…\C\5 archive 24082004.pst \ CFGA \ASSUNTOSINTERNOS\Representação-Outras   sociedades\SNRESIDENTES\.msg       
– 17.11.2003 - E-mail de IM… para a ela própria que indica como último beneficiário da Insular Holdings a Marazion então detida formalmente pela SLN, Imobiliária;
- Apenso de busca 13, (Cadernos da Planfin, manuscritos por IM…) vol. 2, pág. 140 – 09.04.2001 – Reunião interna com LC… - Apontamento manuscrito com esquema de detenção do Banco Insular, sem o mencionar, que passa pela utilização da Insular Finance cujo procurador é o Dr. M…;
- Apenso de busca 13 (Cadernos da Planfin, manuscritos por IM…), vol. 2, págs. 160 e 161 ou Bragas 9, págs. 83 e 84 – 26.04.2001 – Banco Insular - Apontamento manuscrito que reproduz esquema para aquisição do Banco Insular com recurso a veículo das Ilhas Virgens Britânicas, sendo aquele detido pela Marazion que, por sua vez, é detida pela SLN;
- Apenso de busca 13 (Cadernos da Planfin, manuscritos por IM…), vol. 2, pág. 392 ou Bragas 9, pág. 100 – 18.06.2001 – Apontamento manuscrito de reunião de IM… com JV… e JN… que altera o esquema de detenção do Banco Insular (Insular Finance) agora com recurso a holding com sede em Londres com menção de declaração da INSULAR HOLDINGS a dar poderes a JV… para adquirir o Banco Insular;
- Apenso de busca 13 (Cadernos da Planfin, manuscritos por IM…), vol. 2, pág. 453 e 454 – 07.09.2001 – Esquema da detenção do Banco Insular pela Insular Holdings detida, por sua vez, pela Marazion;
- Apenso R, vol. 4, pág. 202 - 06.10.2008 – Carta da Planfin assinada por IM… dirigida ao Banco de Portugal nos termos da qual informa que não foram encontrados quaisquer elementos de “informação com o devido suporte documental relacionados com o processo de constituição das sociedades “INSULAR HOLDINGS, LTD e MARAZION HOLDINGS, LLC” – cfr. vol. 4, págs. 21 e 47 – Cartas de notificação do Banco de Portugal de 11 e 24.09.2008;
- Apenso R, vol. 4, pág. 330 – 15.10.2008 – Carta da Planfin, assinada por IM… e dirigida ao Banco de Portugal que, em resposta a insistência, diz que “da análise dos referidos elementos que integram os arquivos societários não resulta, tanto quanto me é dado a conhecer, que a sociedade”, i.e. a Planfin, “haja participado ou dado colaboração, a qualquer título, no processo de constituição e na gestão das mencionadas sociedades off shore “Insular Holdings, Ltd e Marazion Holdings, LLC, relacionadas com o grupo “SLN – Sociedade Lusa de Negócios”, declaração que, face ao sobredito e aos elementos documentais evidenciados, está muito longe da realidade; cfr. ainda vol. 4, pág. 210 – insistência do Banco de Portugal de 10.10.2008;
Posteriormente, como já se referiu, o BPN, SGPS que, entretanto, por carta de 21.09.2001, havia reapresentado a intenção de aquisição da Fincor, veio mesmo a adquiri-la por contrato de Abril de 2002 (o contrato não tem indicação do dia), tendo o Banco de Portugal deliberado não deduzir qualquer oposição (v. facto provado 93).
Documentação relevante:
- Apenso de busca 12, doc. 29, págs. 3 e 4 – 21.09.2001 – Comunicação do BPN, SGPS ao Banco de Portugal de que renova a intenção de adquirir a FINCOR, SGPS;
- Apenso R, vol. 1, pág. 44 – 06.03.2002 – Ofício do Banco de Portugal para o BPN, SGPS a comunicar a deliberação de não oposição à aquisição de 80% das acções da FINCOR;
- Apenso temático Z, vol. 6, págs. 90 a 94 – (s/dia).04.2002 – Contrato de compra e venda entre o BPN, SGPS, representado por OC… e LC…, e JV… e mulher, MPi…, das acções da Fincor, SGPS;
- Apenso de busca 31, pasta 2, págs. 12 e 13 ou Apenso de busca 31 pasta 1, págs. 12 a 90 ou Braga 5, pág. 39 – 02.05.2002 – Memo da Planfin de IM… para OC… e LC…, solicitando o pagamento de fees aos fiduciários pela manutenção e realização de actos específicos referentes a sociedades não residentes com propostas quanto aos respectivos pagamentos que anexa facturas que inclui, designadamente a Insular Finance;
Uma última nota:
De toda a documentação elencada ou de qualquer outra constante dos autos e que configure correspondência trocada entre o BPN SGPS e o Banco de Portugal a propósito deste tema, não se vislumbrou qualquer elemento que permita concluir, como é pressuposto no facto 97º da pronúncia, que a separação entre a Fincor e o Banco Insular foi determinante para que o Banco de Portugal não deduzisse oposição à aquisição pelo BPN SGPS de acções representativas de 80% do capital social da Fincor (v. facto não provado 36 e facto provado 93).
Sabe-se, unicamente, até pela carta de 2.3.2002 que se acabou de mencionar, que o Banco de Portugal não deduziu oposição à aquisição, mas não se sabe, porque não se viu suporte documental bastante, que tenha imposto como condição dessa aquisição a separação entre a Fincor e o Banco Insular.
Não se olvidam, neste campo, as declarações prestadas pela testemunha APM… (supervisor do BPN, na sua qualidade de vice-governador do Banco de Portugal, nos anos de 94 até 2006. Na qualidade de vice-governador teve a supervisão de todos os bancos nacionais. Quando foi constituído o BPN acompanhou a supervisão deste banco).
Com efeito, após algumas contradições nas suas declarações relativas à existência, ou não, de comunicação formal do Banco de Portugal para o BPN no sentido de que só aceitaria a aquisição da Fincor pelo BPN SGPS caso, previamente, dela fosse separado o Banco Insular, a instâncias do Tribunal acabou por confirmar que não houve imposição formal do Banco de Portugal de que se o BPN quisesse comprar a Fincor, o Banco Insular teria que ser vendido a terceiros.
Mais referiu que previamente à venda da Fincor, teve uma reunião com o OC…, na qual teve a oportunidade de lhe comunicar, informalmente, que se ele mantivesse a sua posição de adquirir directamente o Banco Insular ou através da Fincor daria um parecer negativo nesse sentido à Administração do Banco de Portugal.
Ora, neste campo da comunicação “informal”, por um lado, estamos somente no domínio das “intenções” que só eventualmente poderiam vir a concretizar-se e, por outro, essa mesma comunicação informal em nada vinculava quer o Banco de Portugal, como instituição, quer o BPN, até porque careceria sempre, como a testemunha frisou, de um parecer negativo da Administração do Banco de Portugal, comunicação que nunca existiu.
Apesar disso, não pode deixar de salientar-se que a testemunha, quanto a este assunto, ainda explicou:
Embora não houvesse violação de qualquer ordem formal do Banco de Portugal quanto à aquisição do Banco Insular, caso esta entidade tivesse sido adquirida directa ou indirectamente pela SLN, não deixava de, inicialmente, por parte de OC… e JV…, de ter sido escamoteada a verdade, na medida em que, quando informaram que o Banco Insular tinha sido adquirido por terceiros, deviam ter, desde logo, informado o Banco de Portugal que o Banco Insular tinha sido adquirido pelo grupo.
Motivação fls. 584 e 585:
No tocante à decisão de transferência dos operacionais e localização da UOI em Cabo Verde, face à prova produzida, dúvidas não subsistem de que ela partiu do arguido OC….
Por outro lado, muito embora não haja referência directa à intervenção do arguido LC…, facto é que não pode deixar de se concluir que ele também teve intervenção nessa deslocalização.
Isto muito embora ele tenha negado tal circunstancialismo em sede de julgamento, limitando-se a aceitar que teve conhecimento que foram uns funcionários trabalhar para Cabo Verde, como se uma deslocalização deste tipo fosse um assunto que para ele não revelasse qualquer interesse na qualidade de administrador da SLN SGPS, S.A. e do BPN, SGPS, S.A.
Aliás, se o próprio arguido FS…s, como administrador da SLN SGPS, tinha pleno conhecimento desta decisão, a que propósito o arguido LC… não teria, mais a mais quando, como referido por aquele arguido que LC… transmitia instruções relativamente ao Banco Insular, via LM… e LAl… (tem a certeza disso por causa de documentação que viu à data dos factos). O grupo colocava operações de crédito no Banco Insular. Essas operações de crédito eram decididas por OC… e nalguns casos por LC…, designadamente operações de crédito relacionadas com o grupo.
Ademais, dir-se-á, à semelhança do raciocínio que já se fez supra quanto ao arguido LC…:
1) À data em que os factos ocorreram era administrador da SLN SGPS, S.A. e do BPN, SGPS, S.A.;
2) Como vimos supra, também foi sua a decisão de aquisição do Banco Insular;
3) Banco este que visava, essencialmente, servir os interesses do grupo BPN/SLN;
4) O Banco Insular era do grupo SLN/BPN;
5) O arguido FS… que, nesta altura, era administrador da SLN SGPS, tinha pleno conhecimento da deslocalização para Cabo Verde e conhecia, sem dúvida, os fins/objectivos que estiveram subjacentes a essa deslocalização;
6) O arguido LC… deu ordens/instruções relativamente ao Banco Insular;
Todos sabiam e, ele, LC…, não? Não é crível.
Houve participação directa e indirecta de outros dois administradores (OC… e FS…) e, ele não teve qualquer participação? Não é verosímil.
Considerando todos os factores elencados, não pode deixar de se concluir, face às regras da experiência comum, da lógica e de máximas da vida que a decisão a que alude o art. 142° da pronúncia foi, pelo menos, da autoria dos arguidos OC… e LC… (v. facto provado 136).
E a fls. 720 e segs:
Em resumo ou notas finais de toda a matéria do Banco Insular e com suporte de todos os elementos probatórios, dir-se-á:
Na construção do engano urdido pela aparente venda do Banco Insular pela Fincor a uma entidade terceira ao Grupo SLN/BPN, JV… desempenhou um papel fundamental: (i) ele comunicou ao BdP que o BPN, SGPS pretendia comprar a Fincor sob condição de prévia venda do Banco Insular a entidade terceira; (ii) mais comunicou a concretização da venda a entidade terceira que identificou, (iii) e fez registar em actas do Conselho de Administração do Banco Insular, primeiro, o que designou por desinteresse do BPN na compra do Banco Insular e, depois, na sequência de alegada procura de comprador, a concretização da venda a uma “encontrada” sociedade inglesa Insular Holdings.
Entretanto, a Planfin, sob a direcção do arguido LC… e inequívoca participação da arguida IM…, tratou de obter a disponibilização de uma sociedade destinada a figurar como compradora do Banco Insular, que começou por ser uma offshore com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, mas acabou por ser a Insular Holdings, sociedade inglesa que até 2007, pelo menos, foi formalmente detida na totalidade por JV…, conforme ele próprio assumiu.
Com efeito, quem na verdade comprou o Banco Insular à Fincor foi a Marazion, sociedade offshore cujo real beneficiário sempre foi o grupo SLN/BPN.
Para tanto usou fundos que lhe foram facultados pela Venice, offshore cujo último beneficiário era a mesma Marazion, que logo os transferiu para a Insular Holdings, possibilitando, assim, que esta pagasse o preço do Banco Insular à Fincor.
E não se diga que a Marazion financiou/emprestou à Insular Holdings o montante do preço daquela aquisição porque não há qualquer rasto do pagamento de juros e capital desse hipotético financiamento.
Quem efectivamente comprou o Banco Insular foi a Marazion. Por essa razão, ao tempo, JV… subscreveu um contrato de venda das  acções da Insular Holdings à Marazion, sem data, declarando ter recebido o preço da alienação de que deu imediata quitação. Contudo, o pagamento do preço que nunca ocorreu.
Naturalmente, JV… manteve o seu lugar de presidente do Banco Insular lugar que exerceu, como se viu, de uma forma empenhada e alinhada até pelo menos meados de 2007, - desempenho a que não foram alheias, como vimos, as elevadas compensações/remunerações que recebia mensalmente para exercer um cargo de simples fiduciário/nominee -, quando, preocupado com directivas comunitárias, sugeriu uma aparente dispersão do capital social da Insular Holdings para manter a ocultação dos seus efectivos beneficiários, sugestão que veio a concretizar-se em ficcionadas compras e vendas de acções da Insular Holdings que, por adulteração grosseira, foram feitas retroagir a 2003.
Só em finais de 2007, quando a tormenta já se anunciava, é que JV… se dirigiu a OC… e, finalmente, impôs condições para, segundo a sua própria expressão, “manter o cargo para o qual V. Exa. tão amavelmente me convidou”.
Mas tal facto não o impediu de continuar a colher “benefícios” da sua prestimosa colaboração mediante dividendos do Banco Insular que culminaram no recebimento de resultados antecipados, os quais ele bem sabia serem estrondosamente negativos.
(…)
Resta, por fim, a matéria da contestação (fls. 17535 a 17725) do arguido LC… relativa à temática que temos vindo a abordar, a qual se circunscreve aos arts. 54° a 58° do seu articulado.
Não foram vertidos nos factos provados ou não provados os seguintes factos da sua contestação pelas razões que se indicam:
- por se limitar a invocar simples desconhecimento (57°);
- por negar, em bloco, os factos que lhe são imputados na pronúncia (58°);
Em sede da análise da matéria da pronúncia foram enunciados elementos probatórios, directos e indirectos, que permitiram estabelecer a ligação e participação do arguido na “solução” do Banco Insular, elementos para os quais se remete e também para a respectiva fundamentação, deles e dela resultando, à saciedade, que não corresponde à realidade o que se declara no art. 54° da contestação (v. facto não provado 7).
Considerando, como vimos, que a Fincor detinha o Banco Insular, que este foi adquirido pela Insular Holdings e que aquela foi adquirida pelo BPN SGPS, S.A., não pode deixar de estar correcto o que o arguido aduz nos arts. 55° e 56°, 1ª parte da contestação (v. facto provado 25).
Porém, como vimos de modo pormenorizado no âmbito da motivação apresentada na temática do Banco Insular, não corresponde à verdade, de maneira nenhuma, o que o arguido declara na 2ª parte do art. 56°, porquanto, apesar de no processo não se terem detectado os contratos de venda da Insular Holdings à Marazion, assinados por ambas as partes, tal não significa que não possam ter sido assinados e, por outro lado, nunca será demais recordar a carta, de 2.6.2008, da SLN para o BdP assinada por FS… e AV… que reconhece ser a SLN detentora do Banco Insular, via Marazion, com sustentação na detenção fiduciária da Insular Holdings (Apenso R, vol. 1, pág. 20) – v. facto não provado 8.

iii. Vejamos.
Cabe então apurar se, face aos elementos probatórios que o acórdão nomeia (uma vez que o arguido pede a reapreciação com base nos mesmos) e os raciocínios que expõe, se mostra sem suporte a decisão tomada pelo tribunal “a quo” no que concerne à participação do arguido LC… na “descoberta” do Banco Insular, na definição da estratégia de instrumentalização do mesmo em conjunto com outros arguidos, no planeamento da aquisição e subsequente aumento de capital do Banco Insular, na deslocalização operacional do mesmo, em 2006, para Cabo Verde, bem como na captação de fundos e operativa interna BPN-Banco Insular, operações fora de balanço (co-responsabilidade na criação do Balcão 2 desse Banco e decisão de colocação de contas nesse mesmo balcão); concessão de crédito sob a forma de conta corrente caucionada via Balcão 2 do Banco Insular e volume total de crédito concedido nesse mesmo Balcão 2 (e também no Balcão 1) – e ainda pela criação de contas alfanuméricas.

iv. Como supra se deixou exarado (ii.), o tribunal “a quo” não se limitou, para fundar a sua motivação, aos escassos segmentos probatórios a que o recorrente faz referência.
Assim, cumpre-nos reapreciar a extensa prova que mencionou e os raciocínios que determinaram a sua análise, atendendo ainda à restante factualidade que, por ausência de impugnação se terá de considerar como assente (quanto a essa factualidade definitivamente assente, remetemos o recorrente para a leitura da fundamentação respectiva, realizada pelo tribunal “a quo”, que se mostra supra transcrita na íntegra, neste acórdão, por óbvias razões de mera economia processual).

v. E o que temos (para além de uma série de prova que, quanto à questão específica que ora apreciamos, terá apenas interesse acessório) é o seguinte:

a. O arguido LC… esteve envolvido, desde o início, na criação do Grupo SLN/BPN, em estreita colaboração com o arguido JO… (factos 11, 12 e 17), sendo-lhe desde logo confiada a concepção e montagem de uma entidade vocacionada para desenvolver a estrutura do grupo, com a constituição de um grupo económico baseado e suportado financeiramente pelo BPN, o que organicamente veio a dar origem à PLANFIN, sendo que em 28.6.1999, o arguido LC… foi designado administrador da SLN SGPS, cargo que manteve até à sua saída do Grupo, em finais de Agosto de 2007.

b. Esteve também directamente envolvido na criação da estrutura em cascata de participações, que determinou a detenção do BPN SA e de uma cadeia de entidades sub holdings, tendo sido inicialmente accionista e vogal da Planfin e de 2002 a 2007 foi presidente do seu conselho de administração (factos 18 a 30; 32 a 47).

c. Os arguidos IC…, LM… e LAl… foram chamados a desempenhar as funções no Grupo, por iniciativa do arguido LC…, acumulando cargos entre a Planfin e outras sociedades do Grupo, a partir do ano 2000, passando IC… a exercer também o cargo de responsável dos assuntos jurídicos e fiscais da SLN; o arguido LAl… assumiu a responsabilidade da contabilidade da SLN SGPS e na contabilidade das entidades instrumentais, em colaboração com o arguido LM… e, este último passou a dirigir a direcção financeira e de controlo e avaliação estratégica, que se encarregava das ditas entidades instrumentais. (pontos de facto 48 a 54).

d. E, como se mostra assente no ponto de facto 63, o arguido LM… passou ainda a executar as operações de financiamento decididas para os negócios, sempre com a coordenação e seguindo indicações do arguido LC… a quem respondia directamente (e, indirectamente, dos arguidos OC… e FS…), transmitindo à Direcção de Operações as ordens para o lançamento de movimentos nas contas bancárias das sociedades offshore instrumentais do grupo.

e. Por seu turno, nos pontos 69 e 70, mostra-se igualmente assente que:
- Por ordens directas dos arguidos OC…, LC… e FS…, a PLANFIN, angariou e disponibilizou, além das sociedades intervenientes em negócios específicos, as seguintes sociedades offshore:
- A entidade MARAZION HOLDINGS LLC, foi constituída a 27 de Novembro de 2000, nas Ilhas Virgens Britânicas, tendo tido como beneficiários iniciais a Planfin e a SLN SGPS, S.A., posteriormente, entre 2.3.2001 a 26.11.2007, a SLN Imobiliária SGPS, S.A. e, por fim, a partir desta data a SLN SGPS, S.A.;
- A entidade VENICE CAPITAL LIMITED, foi constituída nas Ilhas Virgens Britânicas, no dia 28 de Setembro de 2000, tendo como beneficiário a entidade Marazion;
- A entidade INVESCO WORLDWIDE LTD, foi constituída nas Ilhas Virgens Britânicas em Novembro de 1999, tendo como beneficiário a entidade Marazion;
- A entidade CAMDEN CAPITAL CORPORATION, foi constituída nas Ilhas Virgens Britânicas, no dia 14 de Setembro de 2000, tendo como beneficiário a entidade Marazion;
- A entidade JARED FINANCE LLC, foi constituída na Ilha de Man, no dia 23 de Maio de 2002, tendo como beneficiário a entidade Marazion;
- A entidade SOLRAC FINANCE INC, foi constituída na Ilha de Man no dia 29 de Julho de 2002, tendo como beneficiário a entidade Marazion;

f. Estas sociedades destinavam-se, consoante os seus específicos interesses, a parqueamento de custos, a deter acções da SLN SGPS ou SLN VALOR, a deter activos do grupo SLN e a servirem como veículos de passagem de fundos e operações pontuais.
 
g. Decorre assim deste enquadramento, que o arguido LC… não só tomou as decisões acima referidas como, face às funções que exercia e ao reporte directo que lhe era dado pelos três arguidos acima referidos (IC…, LM… e LAl…), tinha perfeito e cabal conhecimento de toda a estrutura (visível e invisível) do Grupo que ajudou a criar, no mesmo se incluindo as offshores Venice e Marazion (para além de superintender à Planfin), sendo certo, para além do mais que, face a estes três arguidos, o recorrente LC… se situava hierarquicamente acima; isto é, era a si que lhe cabia dar ordens e direcções àqueles três arguidos e não o inverso.

h. De facto, recordemo-nos que os fundos que serviram para o pagamento do preço de aquisição do Banco Insular pela Insular Holdings têm origem na conta da Venice no BPN Cayman – conta n.° … - donde, em 15.01.2002, foi transferida a quantia de € 922.780,00 para a conta da Marazion no BPN, CAYMAN – conta n.° … - ficando a conta da Venice com um descoberto de pouco mais de 180 milhões de euros (operação 202/00461).
A Marazion, por sua vez, em 15.01.2002, transferiu a quantia de € 922.780,00 para a conta da Insular Holdings no Fortis Bank, em Londres – conta n.º …. E, finalmente, aquela quantia foi transferida para a conta da Fincor junto do BPI.

i. Daqui decorre, desde logo, que não se mostra minimamente crível, nem suportado nas regras de experiência comum que, sabendo o arguido LC… que as offshores Venice e Marazion tinham sido constituídas seguindo ordens suas e quem era o seu UBO (ultimate beneficial owner), um saque de valores na ordem dos € 922.780,00 nessas offshores (que gerou um descoberto na Venice de 180 milhões de euros) lhe passasse despercebido ou, que caso tal tivesse inicialmente sucedido, se estivesse em desacordo quanto ao mesmo, quando desse por ele (e rapidamente tal teria sucedido, uma vez que os arguidos LM… e LAl…, que a si reportavam, tratavam da contabilidade do Grupo, incluindo as offshores) não actuasse em conformidade com tal desacordo.

j. Sucede, todavia, que este eventual desconhecimento e potencial desacordo não se mostram sequer cogitáveis, face à prova existente nos autos, com especial ênfase para a de natureza documental.

k. Desde logo, face ao teor da carta do BPN SGPS, assinada pelos arguidos LC… e OC…, datada de 16.01.2001, a comunicar a intenção de aquisição da FINCOR, SGPS (Apenso de busca 12, doc. 29, págs. 17 a 21 ou Bragas 8, págs. 7 a 12 ou apenso R, vol. 1 fls. 23 a 27)

l. Depois, pelo teor do apontamento manuscrito no caderno da Planfin, i.e., da arguida I…, que sintetiza a reunião interna da Planfin com o arguido LC…, com o esquema de detenção do Banco Insular, que passa pela utilização da Insular Finance (Apenso de busca 13, vol.2, pág. 140 – 09.04.2001).
Ou seja, muitos meses antes da conclusão da operação de aquisição do Banco Insular (quando ainda estava em ponderação que a mesma se processasse através da Insular Finance), o arguido LC… teve uma reunião de trabalho com a arguida IC… (que tinha uma posição de menor relevância decisória, em sede do Grupo SLN/BPN, do que a do arguido), a propósito desta questão, o que revela de per se perfeito conhecimento do que se ponderava realizar e o reporte que lhe foi feito, pela arguida, sobre o andamento da operação.

m. Constam dos autos, igualmente (no Apenso temático Z, vol. 6, págs. 90 a 94 – (s/dia).04.2002), um contrato de compra e venda entre o BPN, SGPS, representado por OC… e LC…, e JV… e mulher, MPi…, das acções da Fincor, SGPS; bem como (Apenso de busca 12, doc.1, págs. 1 a 127, págs. 26 e 71 ou apenso Z vol.6, fls. 26 ou Bragas 8, págs. 14 a 25 e 26 a 71 – 31.01.2001), minutas de contratos promessa entre o BPN SGPS, representado por OC… e LC…, e várias entidades, designadamente JV…, de compra e venda das acções da FINCOR, SGPS, com anexos.

n. Por seu turno, foi apreendido no computador do próprio arguido LC… – na busca 30 - bem como na pen do arguido LM… (que é uma cópia desses documentos), um balanço do grupo offshore, com demonstrações de resultados reportado a 31.01.2002 e a 20.05.2002, da Marazion, com indicação da detenção da Insular Holdings, incluindo o investimento financeiro de € 927.817,00, que corresponde ao preço de aquisição do Banco Insular pela Insular Holdings, assim como um documento relativo à concessão de suprimentos da Marazion à Insular Holdings no montante de € 922.776, seguida da compra e venda de acções do Banco Insular pela Insular Holdings à Fincor pelo referido montante.

o. Mostra-se ainda junto aos autos um memorando da Planfin, da autoria da arguida IM…, datado de 2.05.2002, para os arguidos OC… e LC…, em que é solicitado o pagamento de fees aos fiduciários pela manutenção e realização de actos específicos referentes a sociedades não residentes com propostas quanto aos respectivos pagamentos que anexa facturas que inclui, designadamente a Insular Finance (apenso de busca 31, pasta 2, págs. 12 e 13 ou Apenso de busca 31 pasta 1, págs. 12 a 90 ou Braga 5, pág. 39).
Diga-se aliás que, como resulta dos elementos probatórios que o tribunal “a quo” elenca, a intervenção da Planfin mostra-se omnipresente ao longo de praticamente todos os anos em que o BI esteve em funcionamento no âmbito do universo SLN/BPN, no que concerne à sua operacionalização, daí decorrendo o forçoso conhecimento e a intervenção decisória, por parte do arguido LC…, dadas as funções que na Planfin exercia (administrador) e o reporte que, por virtude das mesmas, a arguida IC… lhe tinha de dar.

p. Ainda em sede meramente documental, mostra-se de relevo o documento sobre financiamentos a efectuar pelo Banco Insular a sociedades offshore do grupo, com parte manuscrita pelo arguido LC…, que inclui nesta parte a RISHONA (aumento do capital do Banco Insular - 5.000.000,00 USD), documento este que se insere no apenso temático Z, vol. 4, fls. 18 (ou Apenso de busca 31 (Cópia autos de busca 63 e pasta 1 e fls. 148 a 151 e pasta 2 todos do inquérito …/…TABCL (operação furacão) – pasta 2, pág. 5 ou processo, vol. 17, fls. 6643, pág. 43).

q. Mostra-se ainda dado como assente (matéria que não foi alvo de impugnação) que, a partir da aquisição do BI (porque o BI nunca teve estrutura operacional própria e autónoma – facto 134), as operações a registar pela DOP relacionadas com o Banco Insular tinham o seu início na Administração do BPN ou da SLN, através de JO…, FS… e LC…, que as transmitiam directamente a AF… ou indirectamente através dos arguidos LM… e LAl…, sendo que nas ordens vinham especificados os montantes a movimentar, procedimentos de circulação e libertação de fundos, entidades de origem e de destino das operações e data-valor das mesmas e tudo o que demais fosse em particular necessário para efectuar a operação em concreto, tendo a Direcção Financeira do BPN controlo dos valores envolvidos nas operações do Banco Insular, mensalmente, pelo menos em dois momentos distintos (pontos 150 a 154 dos factos provados).

r. Igualmente assente se mostra (facto 140) que o BI funcionava transversalmente com a estrutura do BPN, em todas as Direcções deste, designadamente a Direcção de Operações (DOP), Direcção Financeira e Direcção de Sistemas de Informação e Tecnologias; isto é, em todas as Direcções que o arguido LC… controlava, quer directamente, quer através dos arguidos LM… e LAl…, bem como do arguido AF….

s. A corroborar o que se deixa dito, mostra-se igualmente pacificamente dado como assente (ponto 141 dos factos provados) que a DOP tinha como funções, além do mais, registar todas as operações bancárias como depósitos a prazo, abertura, utilizações e amortizações, operações de crédito, desconto de letras, registo de compra e venda em mercado de capitais, transferências nacionais e internacionais, tendo a mesma sido chefiada pelo arguido AF… até Março de 2006, data em que transitou para a Administração do BPN (142) e 143)).

t. E provado se mostra igualmente que o BI não captava, directamente de clientes próprios, fundos suficientes para dar cobertura às operações de crédito que, efectivamente, por seu intermédio, vieram a ser realizadas, pelo foi concebido um circuito fictício de fundos que permitisse recorrer a contas domiciliadas junto do BPN Cayman ou do BPN IFI para gerar depósitos junto do Banco Insular, decisão de que o arguido LC… foi co-responsável (facto 168), criando assim o arguido AF… a operativa interna BPN/BI (facto 171), esquema que foi aplicado desde o início do funcionamento do Banco Insular após a venda à Insular Holdings e foi aplicado, pelo menos, até ao final do ano de 2007 e que começava com a avaliação mensal das operações de crédito colocadas junto do Banco Insular, de forma a quantificar o montante de fundos que era necessário para lhe dar suporte, seguindo-se depois os mecanismos descritos nos pontos 173) a 181).

u. Daqui decorre que as ordens quanto ao modo como se estruturavam as operações no seio do Banco Insular, a forma como a contabilidade era organizada e as operações em que foi interveniente, partiam directamente também do arguido LC… (para além dos dois restantes arguidos mencionados).

v. Na verdade, este tinha não só pleno conhecimento de toda a estrutura do dito Banco, como do fim que encapotadamente prosseguia, como ainda do modo como se organizava como, mais relevantemente, o arguido era um dos co-responsáveis por todas as decisões tomadas em sede do BI, relacionadas com a sua operacionalização em correlação com o Grupo SLN/BPN, designadamente: captação de fundos e operativa interna BPN-Banco Insular; operações fora de balanço; criação do Balcão 2 do Banco Insular e decisão de colocação de contas nesse mesmo balcão; concessão de crédito sob a forma de conta corrente caucionada via Balcão 2 do Banco Insular, bem como o volume total de crédito concedido nesse mesmo Balcão 2 (e também no Balcão 1); criação de contas alfanuméricas.

x. Corrobora igualmente tal conhecimento e envolvimento, a relação das contas abertas em sede do BI, no que se refere às offshores que tinham como UBO a SLN SGPS ou sociedades pertencentes ao Grupo SLN/BPN, que se mostram descritas nos pontos 201) e 202) dos factos provados, dados que eram do forçoso conhecimento e aprovação por parte do arguido LC…, dadas as funções que exercia no Grupo e o documentalmente comprovado conhecimento que tinha da existência de tais offshores e do seu estado financeiro.

y. Note-se, aliás, que o próprio arguido LC…, através do Balcão 2 do BI (isto é, fora do balanço), determinou a concessão de crédito, sob a forma de conta corrente caucionada, a uma sociedade offshore da qual era UBO – a Breslan Investments LLC (vide factos provados 202-C e 205 a 207, 307, 396).

vi. Do que se deixa exposto decorre que, da conjugação destes elementos probatórios, apreciados à luz das regras de experiência comum, se tem de entender que a decisão factual tomada pelo tribunal “a quo” se mostra legalmente sustentada e, como tal, não se impõe a sua alteração, nem se verifica a existência de qualquer vício que a inquine, no que respeita à materialidade fáctica vertida nos pontos que o recorrente critica e que, como tal, deve manter-se.

4. Pontos 287), 288), 315) e 336) da matéria julgada provada proveniente da pronúncia:
O recorrente entende que se verificam aqui os vícios de insuficiência da fundamentação e de erro notório na apreciação da prova, pois o tribunal “a quo” remete a fundamentação destes factos para a que produziu a propósito dos pontos de facto 20) e 21) e aí nada se afirma ou prova a propósito da actuação do recorrente.

i. Os pontos alvo de crítica têm o seguinte conteúdo:
287) Conforme factos acima narrados, os arguidos OC… e LC…, este até final de Agosto de 2007, com a colaboração do arguido FS…, desenvolveram actuações no sentido de colocar participações accionistas em diferentes grupos de pessoas e de entidades que fossem por si controlados, no sentido de poderem determinar o sentido de voto e obterem a cobertura dos mesmos para as decisões da Administração;
288) Tal estratégia visava impedir a formação de qualquer oposição interna em sede do conjunto de accionistas, de forma que a actuação da administração não fosse questionada e pudessem desenvolver os negócios que bem entendessem, perpetuando assim, o seu mandato como administradores do Grupo;
315) Os arguidos OC… e LC…, este último até final de Agosto de 2007, procuraram aplicar os mesmos procedimentos para o controlo accionista da própria SLN SGPS, onde também se podem identificar grupos de accionistas sob a influência determinante daqueles administradores;
336) Face ao exposto, os arguidos OC… e LC… conseguiram alcançar, tirando a primeira Assembleia Geral referida supra, o controlo de uma maioria de accionistas com capacidade de fazer impor as deliberações que pretendessem aprovar, bem como de sustentar a Administração;
Por seu turno, os pontos 20 e 21 têm a seguinte redacção:
20) A partir da SLN SGPS e recorrendo à criação de uma cadeia de entidades sub-holding, os arguidos JO…, LC… e FS… determinaram, como pretendiam, a segmentação das actividades desenvolvidas pelo grupo económico, com a criação de sub-holdings dedicadas a sectores específicos de actividade de forma a separar e melhor manobrar as operações de contabilização;
21) Os arguidos JO…, LC… e FS… pretendiam igualmente facilitar a ocultação de operações de financiamento dentro do próprio grupo económico, com recurso ao BPN, bem como camuflar operações destinadas a garantir o controlo accionista, através da criação de entidades destinadas a deter participações na sociedade mãe;

ii. Vejamos.
Uma vez que o arguido já chamou à colação o tópico correlativo aos pontos de facto 20) e 21), começamos por o remeter pelo que a este título já deixámos exarado supra, no ponto 1.

iii. Prosseguindo.
Os pontos de facto que o arguido invoca são, novamente, factos de síntese, que narram de modo resumido o que decorre da factualidade dada como assente nos pontos 22) a 49), 289) a 314), 316) a 335), 337), 409) a 414), 465) a 467).
Daí, obviamente, que a sua fundamentação decorra da análise e da correspondente motivação, realizada em sede dos pontos de facto provados acima indicados, que aqui se não voltam a reproduzir, dada a sua extensão, sendo certo que a transcrição integral da motivação realizada pelo tribunal “a quo” já se mostra feita neste acórdão, encontrando-se dividida por secções a parte respeitante a cada um dos factos que se mencionam, o que se mostra facilitador de qualquer leitura, ainda que renitente.

iv. E o que resulta da mera leitura da factualidade descrita nos ditos pontos 22) a 49), 289) a 314), 316) a 335), 337), 409) a 414), 465) a 467), que o recorrente não impugnou, é precisamente o que se mostra resumido nos pontos de facto que agora impugna.
Assim, se toda essa factualidade não merece críticas, por parte do recorrente, quanto às razões que fundaram a sua prova, não se vê como pode entender e defender que os quatro pontos factuais que refere e a resumem, possam padecer dos vícios que lhes aponta. Se a fonte não tem vícios, a água que da mesma corre também os não terá…

iv. Resulta pois manifesta a sem razão do recorrente nesta parte, inexistindo os vícios que imputa ao decidido

5. Pontos 366), 367), 390), 400), 401), 405), 406) e 408 da matéria julgada provada proveniente da pronúncia:
O recorrente não questiona ou impugna a materialidade dos factos nestes pontos dados como provados pelo tribunal “a quo”, considerando apenas que existe erro no que concerne às intenções aí expressas, nomeadamente a questão da consolidação do controlo da posição accionista, estratégia esta que, na tese do arguido LC…, nunca conheceu, à qual nunca aderiu e com a qual nunca colaborou.

i. Os factos impugnados têm a seguinte redacção:
366) Na execução da estratégia definida no terceiro pilar, conforme acima narrado, no sentido da consolidação do controlo da posição accionista, acordaram os arguidos OC… e LC…, em adquirir acções da SLN Valor SGPS através de uma sociedade controlada pelo arguido LC…;
367) Para tanto, os arguidos OC… e LC…, conceberam a estratégia de constituir uma sociedade de direito português através dos serviços da PLANFIN, que denominaram PLEXPART SGPS;
390) Os arguidos OC… e LC… montaram um circuito financeiro para os fundos retirados da VENICE, fazendo-os passar por contas de entidades instrumentais, caso das entidades offshore MULTIAREA, SEAFORD e NEWTECH, antes de finalmente ser recebido pela PLEXPART, de forma a ocultar a origem dos fundos e o saque a descoberto sobre a conta da VENICE;
400) Para esconder a existência de um empréstimo junto do Banco Insular, o arguido LC…, fez depositar, no mesmo dia 29 de Setembro de 2003, um cheque de igual montante na conta da “Plexpart SGPS S.A.” junto do BPN, cheque esse sacado sobre a conta da PLEXPART junto do BBVA, fazendo, no entanto, inscrever na respectiva contabilidade que se tratava de um empréstimo da “Breslan Investments LLC”;
401) Ainda no sentido de ocultar os financiamentos concedidos à PLEXPART pela VENICE e pelo Banco Insular, o arguido LC…, já em 2006, perante a perspectiva da sua eventual saída do grupo SLN, que viria a ocorrer em 2007, solicitou a colaboração da arguida IC…, que conhecia a verdade dos financiamentos e, para não se envolver directamente no assunto, o arguido emitiu uma procuração a favor da Dra. CA…, a quem solicitou que o representasse numa escritura de mutuo, com o objectivo visado de produzir um novo documento que viesse dar uma justificação para a origem dos fundos;
405) A arguida IC… sabia que o afirmado naquele acto notarial não correspondia à verdade, tendo atuado em conluio e para realização dos interesses do arguido LC… e sabendo que, com as suas condutas, estavam a lesar as entidades que efectivamente tinham financiado a PLEXPART;
406) Com efeito, o arguido LC… para além de pretender ocultar o seu compromisso com financiamentos originados na VENICE e no Banco Insular, pretendia, através da BRESLAN, de que era beneficiário, forjar a existência de créditos sobre a sociedade PLEXPART;
408) Os arguidos OC… e LC…, na prossecução dos seus intentos de domínio da posição societária, fizeram adquirir através da PLEXPART, um total de 1.000.000,00 €, em participações na SLN VALOR SGPS, com recurso a fundos obtidos junto de uma sociedade do grupo, a GESLUSA, e de um empréstimo junto do Banco Insular;

ii. Vejamos.
No que concerne à questão da estratégia de controlo accionista (referida no ponto de facto 366), que o arguido parcialmente impugna), definida pelo arguido JO…, à qual o arguido LC… terá aderido e, de seguida, colaborado na sua implementação, haverá em primeiro lugar que atender à materialidade fáctica dada como assente nos pontos 8) a 74) (bem como à matéria de seguida vertida a propósito do Banco Insular, pontos 75) e segs), na parte em que se descrevem os actos materiais de constituição das diversas sociedades, a sua estrutura em cascata, a sua contribuição para a sua criação e os cargos que o arguido LC… nas mesmas passou a exercer.

iii. Ora, o que decorre, desde logo de tal factualidade, em termos meramente objectivos, é que o arguido LC… ocupava o segundo lugar em linha de comando, em relação ao arguido JO…, no que concerne à direcção dos destinos do Grupo SLN/BPN, bem como que foi interveniente activo e preponderante na determinação do modo como tal Grupo se constituiu e se articularam as sociedades que o integravam.

iv. Efectivamente, os cargos que exerceu (depois da constituição de estruturas que ajudou a criar - vide fls. 282 e 283 do acórdão proferido pelo tribunal “a quo”), foram: 
a. no BPN SGPS, S.A.: vogal do Conselho de Administração desde 27.10.1999 até 31.8.2007;
b. na SLN, SGPS, S.A.: administrador desde 28.6.1999 até 31.8.2007;
c. na SLN Imobiliária, SGPS, S.A.: Presidente do Conselho de Administração desde 14.12.1999 até 31.8.2007,
d. na SLN Investimentos, SGPS, S.A.: administrador desde 9.11.2000 até 31.8.2007, tendo mesmo outorgado, em nome e representação da SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A., o contrato de constituição desta sociedade;
e. na Imonações – Sociedade Imobiliária, S.A.: Presidente do Conselho de Administração desde 7.9.1999 até 31.8.2007,
f. na Planfin – administrador, até à sua saída do Grupo;
- a que acresce a co-responsabilidade na aquisição e montagem do esquema operativo do Banco Insular e da constituição de uma série de sociedades offshore, via Planfin, como acima se referiu,
- bem como o facto de a SLN Imobiliária ser um dos dois accionistas iniciais da SLN Valor (factos 293 e 294),
- e ainda a cadeia de transmissão das suas ordens, para a Direcção de Operações (DOP), através do arguido LM…, no que se refere à realização de múltiplos movimentos financeiros/bancários, que envolviam transferências de fundos entre offshores, Banco Insular e sociedades do universo SLN/BPN,
As responsabilidades e o “inside knowledge” que decorrem do exercício das mesmas demonstram bem (até pelo descrito exercício que fez de tais funções e que se mostra vertido ao longo da materialidade fáctica provada) o efectivo domínio total que, em conjugação com o arguido OC… teve sobre todas aquelas sociedades e o uso que das mesmas fez.

v. Na verdade, provado se mostra igualmente que, estas sociedades e o modo como se estruturavam entre si, com especial relevo para o Banco Insular e para as offshore Venice e Marazion, eram desconhecidas do público em geral e dos próprios accionistas do Grupo, tendo sido feita uma propositada (porque obviamente querida) ocultação de quem as havia financiado, do modo como esse financiamento foi obtido e de quem era o seu UBO.

vi. E a questão é:
Tendo o arguido LC… sido um dos protagonistas de tal montagem de estruturas e da dita dissimulação das mesmas, cabendo-lhe gerir directamente grande parte dessas sociedades (via SLN SGPS), mostrando-se demonstrado objectivamente que esse controlo existiu (desde logo, a nível de aquisição de acções financiadas pelo próprio Grupo – mas com desconhecimento dos seus accionistas – que eram detidas por entidades cujo destino dependia da governação quer do arguido LC…, quer do arguido JO…, como resulta, entre outros, dos factos 314 e 336), é credível entender-se, como pretende, que nunca conheceu ou pretendeu colaborar com a estratégia da consolidação do controlo accionista?

vii. Face às regras de experiência comum, seguramente que não, pois que tal controlo se mostra plenamente demonstrado e, para ser atingido, foram necessárias uma série de operações nas quais o arguido esteve sempre envolvido, muitas delas de carácter claramente dissimulatório, nomeadamente no que concerne às origens dos financiamentos e à verdadeira pertença das sociedades offshore utilizadas.
Ora, a ocultação – procurada e querida – da real origem dos movimentos financeiros, que permitiram a realização de praticamente todas as operações descritas neste processo, sendo que muitas delas (que se mostram devidamente identificadas ao longo do texto) envolveram entidades que se encontravam, directamente, sob a administração do arguido LC…, afasta qualquer possibilidade de se entender como minimamente credível a negação de conhecimento e vontade que o arguido avança.

viii. No ponto de facto 367) o tribunal “a quo” limita-se a constatar a constituição, pela Planfin, da offshore Plexpart. Nada mais nesse ponto é referido, para além da palavra estratégia que, no contexto estrito deste facto, é em si mesma, inócua (no âmbito geral mostra-se, atento o que acima se expôs, adequada).

ix. No que concerne ao ponto 390), o recorrente insurge-se quanto à aí mencionada vontade de ocultação do financiamento, negando-a e afirmando que o circuito de financiamento se ficou a dever a meras questões de ordem fiscal.
Salvo o devido respeito, esquece-se que se tal era o propósito, o mesmo se mostra por comprovar por elementos probatórios que o suportem; isto é, não é feita qualquer referência a quais os elementos de prova que, a esse propósito, o tribunal “a quo” ignorou e que perante si foram produzidos.
Como se deixou já consignado no ponto F. deste acórdão, a impugnação em sede de recurso tem de ser fundada em erros demonstrados pelo recorrente, face à prova produzida nos autos. Neste caso concreto, o arguido LC… limita-se a afirmar uma tese, mas não a sustenta em nenhum elemento probatório, o que equivale a pretender substituir a convicção do tribunal pela sua própria, pretensão que não é fundamento de recurso.
E, convenhamos, tendo em atenção que o financiamento da Plexpart (sociedade de que o arguido LC… era UBO) para subscrição inicial da quota de € 2.000.000,00 da SLN Valor, decorrente do aumento de capital ocorrido em 2001, veio da Venice (que era sustentada financeiramente pelo Grupo SLN/BPN), através de sucessivas transferências entre contas de três outras offshore que seguiam o mesmo padrão de financiamento e de beneficiário final (Grupo SLN/BPN), temos, no mínimo, alguma dificuldade em entender as questões fiscais a que alude, especialmente se tivermos em atenção que as três iniciais transferências de fundos se deram, precisamente, entre contas abertas no BPN Cayman (da Venice para a Multiarea e desta para a Seaford – vide factos provados 384 a 388), só depois se fazendo um circuito externo, via Barclays Bank, da Newtech para a Plexpart.
Se a questão era fiscal, porquê as três transferências iniciais entre contas do BPN Cayman?
Não há qualquer justificação para tal em sede de enquadramento fiscal, sendo que as regras de experiência comum apontam, definitivamente, para o raciocínio expendido pelo tribunal “a quo” – estamos perante manobras de ocultação.

x. No que concerne aos factos 400), 401), 405), 406) e 408), voltamos à questão da ocultação.
No que concerne ao mencionado no ponto 390), já vimos que não assiste razão ao recorrente.
Assim, resta-nos apreciar a questão da vontade de dissimulação no que respeita à origem do financiamento via Banco Insular (financiamento da Plexpart para aquisição de acções da SLN Valor – subscrições adicionais realizadas na sequência do aumento de capital de 15.05.2003 e incorporação de reservas, de 22 de Agosto de 2005).

xi. Nesta sede, entende o recorrente que se mostra demonstrado que a Breslan pagou ao BPN Cayman o que lhe devia, considerando que tal decorre:
Por um lado, das suas próprias declarações em audiência, em que, ao inverso do que o tribunal “a quo” afirma, não admitiu tal ausência de pagamento;
Por outro lado, face ao que consta no extracto da conta Breslan, aberta no BPN Cayman, cuja cópia se encontra no Apenso Temático R, Volume 40, a folhas 12712 a 12714 e onde podem verificar-se as seguintes transacções na página 12714: em 12 de Abril de 2007 a Breslan vendeu acções da SLN SGPS, no montante de € 3.350.000,00, valor que foi utilizado para amortizar dívidas ao BPN Cayman; em 13 de Julho 2007 a Breslan efectuou outra venda de acções da SLN SGPS, no montante de € 2.449.998,10, por nova venda de acções da SLN SGPS, que teve a mesma finalidade da operação anterior, ou seja, amortizar dívida ao BPN Cayman.

a. Vejamos então.
Como ponto prévio, dir-se-á que, no que concerne à alusão de erro face à fundamentação realizada pelo tribunal “a quo”, o recorrente não indica (sequer genericamente, isto é, em que acta ou dia) quando e em que termos é que terá não admitido o que o tribunal “a quo” refere como por si tendo sido alegado. Não se mostra pois possível, por este tribunal, sem qualquer referência mínima que a balize, encontrar o segmento que demonstraria o erro a que alude.
Note-se aliás que, como decorre do excerto da motivação que de seguida se transcreve, a propósito da dívida da Breslan ao BPN Cayman, o arguido LC… teve não uma, não duas, mas antes três versões, em sede de julgamento.
Assim sendo, mostra-se difícil perceber qual das versões o recorrente pretende ver reapreciada, uma vez que a não sinaliza…

b. Vejamos então o que é que o tribunal “a quo” deixou consignado nesta sede (sublinhados nossos):
 Refira-se, desde já, como se verá e justificará infra, que a Plexpart adquiriu uma participação social de 3.150.000 acções da SLN Valor, SGPS, S.A. (art. 403º da pronúncia; facto provado 379).
Aquando do aumento do capital social da SLN Valor, Lda. em 18.07.2001, a Plexpart realizou uma quota de € 2.000.000,00, em linha com o documento de subscrição, sem data, assinado por IF…, cuja liquidação, nos termos do mesmo documento de subscrição, deveria ser feita em 30% até 10.05.2001, ou com esta data-valor, e os restantes 70% até 28.06.2001, ou com esta data-valor.
Paralelamente, em 28.06.2001, IM… e IF…, na qualidade de administradoras da Plexpart, outorgaram procuração conferindo poderes a OC… e VC…, para representar a sociedade na escritura de aumento de capital social da, então, SLN Valor, SGPS, Lda..
Diga-se que o arguido LC… admitiu os factos 404° a 407° da pronúncia (v. factos provados 380 a 383 e facto não provado 113).
A propósito do facto 404° declarou que ficou acordado com OC… que a Plexpart tivesse uma quota no montante de € 2.000.000,00 na SLN Valor.
Negou, porém, qualquer participação/decisão do arguido FS… nesta temática.
Por sua vez, este último, também negou qualquer participação/decisão na aquisição desta participação social e da subsequente da Plexpart na SLN Valor.
“Mutatis mutandis” valem aqui as considerações supra desenvolvidas que levam à não demonstração da factualidade/temática em referência relativamente ao arguido FS…, no seu todo.
No mais, corroborando a confissão do arguido LC…o, cabe fazer referência aos seguintes elementos probatórios que, só por si, permitiriam alcançar a mesma conclusão.
- Apenso de busca 21, doc. 37, págs. 335 a 337 ou Braga 32, págs. 1 a 4 – s/data e 28.06.2001 - Documento de subscrição da quota no valor de € 2.000.000,00 assinado por IF…, o qual menciona as condições da subscrição no tocante ao respectivo pagamento; e procuração da Plexpart emitida por IM… e IF… a favor de OC… e VC… para a assembleia-geral da SLN Valor, Lda. na qual é deliberado o aumento do capital social;
- Apenso de busca 13, doc. 108, págs. 51 a 83 (54, 72 e 76) – 18.07.2001 – Escritura do 1° reforço de capital social da SLN, Valor, com outorga da Plexpart, que subscreve uma quota de € 2.000.000,00;
- Processo, vol. 11, fls. 4352 a 4355, págs. 35 a 40 e 41 a 59 (48) ou Braga 3, págs. 164 a 181 - Certidão do registo comercial da SLN Valor – no 1° reforço de capital social a Plexpart realizou uma quota de € 2.000.000,00;
Duas correcções à pronúncia:
1ª – Quem adquiriu a quota foi só o arguido LC…, através da Plexpart, não tendo, obviamente, os arguidos OC… e FS… adquirido qualquer quota da SLN Valor através da Plexpart (v. facto provado 382 e facto não provado 114);
2ª – Quem assinou o boletim de subscrição foi IF… e não a arguida IC… (v. facto provado 382 e facto não provado 114);
Segue-se o circuito financeiro/bancário para a subscrição desta quota de € 2.000.000,00 da Plexpart na SLN Valor (arts. 408° a 412° da pronúncia; v. factos provados 384 a 388 e factos não provados 115 e 116), o qual, bem vistas as coisas, foi confessado pelo arguido LC…, todavia referindo, quanto ao arguido LM…, que se limitou a cumprir ordens que lhe deu e que consistiram em transmitir à Direcção de Operações (DOP) a sequência de todas as transferências que lhe comunicou.
No mesmo sentido pronunciou-se o arguido LM… sustentando, em resumo, que não colaborou com LC… na montagem de qualquer circuito financeiro para retirar fundos da Venice e que se teve algum tipo de participação, foi a habitual, no sentido de transmitir as ordens de movimentos bancários que o arguido LC… lhe dava.
Dir-se-á, neste âmbito, que são credíveis as declarações de ambos os arguidos.
Com efeito, do extenso manancial probatório carreado para os autos, documental ou testemunhal, não há nenhum elemento concreto que permita concluir que o arguido LM…, à data dos factos, decidiu os termos da aquisição da quota ou participou activamente nos procedimentos tendentes a esse desiderato ou ainda que teve qualquer conhecimento suficiente e bastante dos reais contornos dessa aquisição.
Sabe-se, de facto, que o mesmo transmitiu à DOP as ordens que o arguido LC… lhe havia dado para serem realizados os diversos movimentos financeiros/bancários.
No entanto, este elemento, em si ou só por si, e não obstante o arguido LM… ter conhecimento da Venice e dos financiamentos que esta sociedade offshore fazia a diversas sociedades do grupo SLN/BPN, não é suficiente para concluir pela sua participação ou colaboração activa no sentido de se montar um “circuito financeiro” para serem sacados fundos da Venice.
Ora, de facto, para a realização tardia daquela quota, LC…, através do arguido LM…, ordenou a transferência de € 2.000.000,00 da conta da Venice no BPN Cayman, donde a mesma saiu em 28.06.2001 para a conta da Multiarea no BPN Cayman e desta para a Eurowideas no Barklays Bank, em Londres, transferência esta que foi anulada.
Após, em 02.07.2001, LC… determinou a transferência daqueles € 2.000.000,00 da Multiarea para a conta da Seaford, no BPN Cayman, e desta para a conta da Newtech no Barclays Bank, em Londres (ou HSBC Bank, de Londres) e, finalmente, em 09.07.2001, desta conta para a conta da Plexpart no BPN, SA, onde foi contabilizada como suprimento da Newtech que, ao tempo, era sócia da Plexpart.
A prova do exposto e que resume a factualidade em questão, resulta das já referidas declarações do arguido LC… conjugadas com os seguintes elementos probatórios documentais:
- Apenso 33 – F:\4910\11\Doc. 22\Plexpart SGPS\Instruções - Venice EUR 2.000.000,00 para Multiarea.pdf ou Braga 32, pág. 5 – 28.06.2001 - E-mail de LM… para RP…, com conhecimento a AF…, que invoca indicação de LC… para transferência de € 2.000.000,00 da Venice para a Multiarea e posterior e-mail, com a mesma data, de RP… para CD… para execução da instrução;
- Apenso bancário 25, pág. 18 ou CD vol.13 – Conta n.° … da Venice no BPN, CAYMAN – 28.06.2001 – Movimento a débito de € 2.000.000,00 (400.964.000$00) para a Multiarea:
Refira-se que após este movimento, realizado a descoberto da conta da Venice, a conta por si titulada ficou com um saldo negativo 16.390.809.471$89.
- Apenso bancário 147, pág. 4 – Conta n.° … da Multiarea no BPN Cayman, ou Braga 32, pág. 6 in fine ou CD vol. 13 – 28.06.2001 e 29.06.2001 - Movimentos a débito e a crédito de 2.000.000,00 evidenciando a anulação do movimento a débito que respeitava à transferência da Multiarea para a Eurowideas:
- Apenso bancário 147, pág. 4 - Conta n.° … da Multiarea no BPN, Cayman, ou CD, vol. 13 – 02.07.2001 – Movimento a débito de € 2.000.000,00 para a Seaford:
- Apenso 33 – 1-Anexo A\TRAT\1\PC-Dr-P…\DOCS\C\ Documents and Settings\ g003314\Os meus documentos\proj César\Declarações de Trust\75_Seaford Holdings LLC – Declaração de trust.pdf ou braga 31, págs. 29 a 34 ou apenso I, vol.3, págs. 315 a 320 - Certificado de acções da Seaford e declarações de trust (07.02.2001) da Burgundy e da Trafalgar relativas à Seaford com indicação da Marazion como última beneficiária (docs. na língua inglesa; v. tradução a fls. 42314 a 42316 do vol. 134 dos autos principais);
- Apenso bancário 149, pág. 3 – Conta n.° … da Seaford, no BPN Cayman – 02.07.2001 – Movimento a crédito de € 2.000.000,00;
- Apenso bancário 149, pág. 3 – Conta n.° … da Seaford no BPN Cayman, ou Braga 32, pág. 12 ou CD, vol. 13 – 02.07.2001 – Movimento a débito de € 2.000.000,00 para a conta da Newtech;
- Apenso 33 – 11\Doc. 22\Projecto César Biometrics\2. Sociedades Offshore Negocio Biometrics\Seaford Holdings LLC\Seaford Holding LLC – OPE EUR 2.000.000,00.pdf ou bragas 32, fls. 7 (pág. 8 pdf) – 02.07.2001 - Movimento a débito da conta da Seaford no BPN Cayman para a Newtech no valor de € 2.000.000,00;
- Apenso 33 – 11\Doc. 22\Projecto César Biometrics\2. Sociedades Offshore Negocio Biometrics\Seaford Holdings LLC\ Plexpart _OPR_PTE 400.936.377,00.pdf ou bragas 32, págs. 13 e 14 – 09.07.2001 - A Plexpart recebe € 1.999.870,00 da NEWTECH;
- Apenso de busca 13, doc. 106, pág. 68 – 09.07.2001 – aviso de crédito do BPN, S.A., designadamente do montante de € 1.999.870,00 (400.936.377$00 após dedução da comissão e imposto de selo), na conta n.° … titulada pela Plexpart naquela instituição bancária, tendo como “ordenador” desse crédito a Newtech Strategic Holdings e n.° de operação “OPR201/03103”;
- Apenso bancário 150, pág. 5 pdf (conta n.° … – conta titulada pela Plexpart no BPN Cayman) – 9.07.2001 – crédito do montante de € 400.936.377$00 com a referência “ordem pagamento recebida OPR201/03103”, crédito este que cobre o descoberto originado pelo movimento a débito de 400.964.000$00 realizado em 28.06.2001 para o aumento de capital da SLN Valor;
- Apenso de busca 13, doc. 106, págs. 67 ou Braga 32, págs. 15 – 03.12.2001 - Nota de lançamento na contabilidade do suprimento de € 2.000.000,00 da Newtech;
- Apenso de busca 13, doc. 106, pág. 80 ou Braga 32, pág. 17 – 01.12.2001 – Nota de lançamento na contabilidade da Plexpart relativo à subscrição da quota de € 2.000.000,00 da SLN Valor, Lda;
- Apenso 33 - 1 Anexo A\TRAT\6\Pen-ScanDisk – Mini 2GB\DOCS\C\2.Grupo offshore\30.offshore\001_Consolidado\Consolidado\8-12-2003\Balanços e DR individuais off 12.12.2003 (após reestruturação).xls (31)– 08.12.2003 – v. folha BAL. VENICE - Activos da Venice que tem na conta 26, outros devedores e credores, como devedora, a “Multirea (Plexpart)” no montante de “€ 2.000.000,00” (doc. criado em 12.12.2003, com última modificação em 06.01.2004, e que tem por autor LG… e última modificação LG… – v. propriedades informáticas do documento);
Apesar disso, no balanço da Newtech não aparece a dívida à Venice e o crédito sobre a Plexpart:
-Apenso 33 - 1 Anexo A\TRAT\6|Pen-ScanDisk-Mini2GB\DOCS\C\2.GrupoOFFshore\
30.OFFSHORE\001_Consolidado\Consolidado\8-12-2003\Balanços e DR individuais off 12.12.2003 (após reestruturação).xls (31) – 12.12.2003 – v. folha BAL. NEWTECH – Não tem qualquer referência ao suprimento de € 2.000.000,00 à Plexpart (doc. criado em 12.12.2003 e tem por autor LG… – v. propriedades informáticas do documento);
Em suma, a estratégia de controlo accionista prosseguida por OC… e LC… foi executada pela consolidação do poder accionista na SLN Valor, Lda. através de fundos sacados da conta da Venice, no BPN Cayman, que, depois desta operação que se caracterizou pela passagem por contas de entidades instrumentais, ficou com um descoberto acumulado de - 81,7 milhões de euros (art. 413° da pronúncia; v. facto provado 389 e facto não provado 117):
- Apenso bancário 25, pág. 18 – Conta n.° … da Venice no BPN, Cayman ou CD, vol.13 – 28.06.2001 – Descoberto de 16.390.809.471$89 (€ 81.757.012,95):
Deste modo (art. 414° da pronúncia; v. facto provado 390 e facto não provado 118), os arguidos OC… e LC… montaram um circuito financeiro que se iniciou na Venice e passou por sociedades não residentes, offshore, designadamente Multiarea, Seaford e Newtech, aportando à sociedade residente Plexpart em 09.07.2001, para aqui ser coberto o descoberto resultante da subscrição da quota de € 2.000.000,00, tudo em ordem a ocultar a origem dos fundos obtidos por saque a descoberto sobre a conta da Venice no BPN Cayman.
Não olvidamos que o arguido LC… declarou em sede de julgamento que no âmbito do acordo de saída do Grupo pagou à Venice o empréstimo que esta concedeu à Newtech, via Seaford, e que se destinou a suprimentos da Plexpart utilizados na realização da quota de € 2.000.000,00 da SLN VALOR.
Mais referiu que a Breslan (sociedade offshore que também era sua), além do compromisso de pagar à Venice aquele financiamento de € 2.000.000,00 pelas razões que então invocou, não tinha qualquer outra obrigação para com a Venice.
Porém, posteriormente, foi confrontado com as contas da Breslan e da Venice, ambas no BPN Cayman, que evidenciam que a Venice, em 29.12.2000, havia emprestado à BRESLAN 476.937.777$00, montante que serviu para comprar  acções da SLN, SGPS a accionistas, como decorre, para além dos atinentes movimentos e descrições das contas da Breslan e da Venice, da ficha da Breslan feita no âmbito da análise de contas de clientes do BPN Cayman realizada em 08.02.2002 pela DAI do BPN, S.A., a qual refere o financiamento da Venice à Breslan destinado à aquisição de  acções da SLN, SGPS:
- CD, vol. 13 – Contas da Breslan e da Venice no BPN Cayman:
- Venice (conta n.° …) – 29.12.2000 (débito da quantia de 476.937.777,00):
- Breslan (conta n.° …) – 29.12.2000 (crédito de igual montante):
- Apenso de busca 7, doc. 54.01, págs. 26 a 29 – Ficha da Breslan feita no âmbito do projecto César que refere o financiamento da Venice para compra de  acções da SLN, SGPS;
- Apenso bancário 29 – Conta da Breslan, no BPN CAYMAN, pág. 10 – Extracto com os movimentos relativos ao pagamento das primeiras aquisições de  acções anteriores ao aumento de capital e que redundaram num saldo negativo de 476.937.777$00, que foi imediatamente coberto com a referida transferência da Venice;
Perante estas evidências, nas declarações que subsequentemente prestou a perguntas da sua defesa, o arguido LC… emendou o que antes dissera sobre a detenção da Breslan e declarou ser alheio àquelas aquisições que a Breslan fez de acções da SLN, SGPS com recurso a financiamento da Venice.
Todavia, verifica-se que foi LC… quem, ao tempo, deu instruções para a transferência da conta da Venice do BPN Cayman para a conta da Breslan na mesma instituição bancária dos valores que esta sociedade destinou à compra das acções da SLN, SGPS, como também deu, ao mesmo tempo, instrução para uma transferência da mesma conta da Venice para uma conta da Moniala.
E foi também o arguido LC… quem, em 08.01.2001, deu instruções para que a Breslan vendesse 500.000 acções à Martista, acções que faziam parte daquelas que a Breslan tinha adquirido no mês anterior a accionistas com aquele financiamento da Venice:
- Processo, vol. 112.1, fls. 36153 e 36154 (BRESLAN) Ponto1_Breslan_Instrução transferência Venice e venda acções Martista – Instruções manuscritas de LC…;
- Processo, vol. 112.1, fls. 36171, pág. 23 ou CD BPN, vol. 112, fls. 36172 (BRESLAN) – 12.12.2000 - Listagem de transacções de  acções da SLN, SGPS pela Breslan:
 Ora, com base neste quadro:
1) 250.000 x 1,80  = € 450.000,00;
2)409.174 x 1,80   = € 736.513,20;
3)125.000 x 1,80   = € 225.000,00;
4)212.027 x 1,80   = € 381.648,60;
5)125.000 x 1,80   = € 225.000,00;
6)200.481 x 1,80   = € 360.793,80;
Valores finais das transacções ocorridas a 12.12.2000 (vendas de acções da SLN SGPS, S.A., por parte de MLo…, FSe… e FPi…) e que correspondem, ao cêntimo, aos débitos ocorridos na conta titulada pela Breslan, no BPN Cayman:
Compra de acções da SLN SGPS, S.A. pela Breslan que foi feita com movimentos a descoberto na conta, que viria a ser coberto pela transferência da Venice do dia 29.12.2000 no montante de 476.937.777,00, o qual saldou a conta.
- Processo, vol. 112.1, fls. 36157 a 36169 – 20.12.2000 – mail´s de RP… pelos quais, no dia anterior aos movimentos financeiros/bancários constantes do quadro antecedente, solicita a AF…, com conhecimento a FS…, e como o objecto “operação de títulos da SLN”, invocando “instruções em nosso poder”, ou seja, da administração da SLN/BPN, solicita a venda à Breslan e a compra, por esta, das acções da SLN SGPS até então tituladas por MLo…, FSe… e FPi…, bem como os fax´s destas pessoas singulares, remetidos a 07.12.2000 ao “Presidente da SLN” ou seja, ao arguido OC…, pelos quais solicitam a venda dessas mesmas acções;
- Apenso bancário 29 – Conta da Breslan, no BPN CAYMAN, pág. 10 – Extracto com os movimentos relativos ao pagamento das primeiras aquisições de  acções anteriores ao aumento de capital;
Aliás, a testemunha AJo… (v. razão de ciência supra), que demonstrou um conhecimento pormenorizado das operações de aquisição de títulos pela Breslan e do acordo final do arguido LC… com o grupo SLN/BPN, em depoimento prestado nas sessões de 27.11.2012 e de 29.11.2012 foi peremptório quando afirmou, para além do mais, que a “Newtech nunca recebeu aquele dinheiro” e que o pagamento à Venice dos € 2.000.000,00 nunca foi feito.
Quanto ao referido acordo, tenha-se em consideração o seguinte documento:
-Apenso33; 1-AnexoA\TRAT\3\TOZE#2\DOCS\TOZE#2\Administração\JOC\Acordo Pre Reforma LCC.pdf – 31.08.2007 – Acordo SLN/LC… de Pré-Reforma, acordo complementar de cessação de funções e acordo de cessação de funções de administrador de LC…;
Numa última linha da defesa que esboçou, o arguido LC… invocou que, aquando da sua saída em Agosto de 2007, quem fez as contas que então havia que fazer, foi a testemunha AD… (à data, assessor do Conselho de Administração do BPN), tendo ele LC… ficado convencido que aquele empréstimo da Venice à Plexpart (€ 2.000.000,00) fora considerado nas contas.
Assim, LC… pareceu admitir que, afinal, não foi feito aquele pagamento à Venice, o que se terá devido a incúria de AD… e, simultaneamente, a desatenção dele próprio, LC…, que não se apercebeu que aquele montante de € 2.000.000,00 devido à Venice não foi tido na devida conta, como também não foi tido em devida conta o montante de € 500.000,00 (questão a analisar infra) que a Plexpart devia ao Banco Insular.
Em suma, tudo não foi mais que uma simples desatenção relativa a coisa pouca que eram € 2.000.000,00!
Mas a verdade é que, antecipando esta desatenção, LC… já no ano anterior, 2006, havia determinado a realização da escritura de mútuo outorgada em 16.05.2006 pela Breslan e pela Plexpart, duas entidades que controlava, a qual, tendo por base lançamentos contabilísticos falsos, ficcionou um empréstimo de € 2.500.000,00, que escondia as verdadeiras origens dessa quantia que era devida à Venice e ao Banco Insular e não à Breslan.
Sem prejuízo da abordagem mais desenvolvida deste assunto que adiante se realizará, desde já indica-se a seguinte documentação:
- Apenso de busca 13, doc. 108, pág. 46 ou Braga 33, pág. 73 pdf – 23.06.2003 – Nota de lançamento na contabilidade (DIÁRIO) da Plexpart da compra de  acções da SLN, SGPS por contrapartida duma dívida de € 550.000,00 a accionistas – conta 26.81 (então só havia um accionista que era LC…) que corresponde ao preço de  acções da SLN, SGPS vendidas pela Breslan à PLEXPART e não pagas – (c/rubrica de MPa…);
- Apenso de busca 13, doc. 108, pág. 35 ou Braga 33, pág.107 – 26.09.2003 - Nota de lançamento na contabilidade da Plexpart de empréstimo da Breslan à Plexpart de € 500.000,00 quando, é certo, que esse dinheiro teve origem na c/c/c no Banco Insular;
- Apenso de busca 13, doc. 111, págs. 38 a 41 ou Bragas 33, págs. 112 a 115 ou Apenso R, vol.50, fls. 12808 a 12810, págs. 20 a 23 – 16.05.2006 - Escritura de mútuo entre a Breslan e a Plexpart (€ 2.000.000,00 em 09.07.2001 e € 500.000,00 em 26.09.2003 – empréstimo total de € 2.500.000,00 prevendo a escritura o seu pagamento no prazo de 10 anos);
 
c. Constatamos, perante a mera leitura do segmento supra, que o tribunal “a quo” refere, analisa e expõe não só os elementos probatórios que o recorrente invoca, como outros coadjuvantes, como se verifica pelas passagens assinaladas a negrito.

d. A isto responde o arguido, contrapondo parte dos elementos factuais que o tribunal “a quo” analisa, invocando uma omissão de pergunta a uma testemunha (o que, em si mesmo, não é nada, pois se tinha interesse nessa questão, nada o impedia de a ter posto à dita testemunha em julgamento – ora, quod non est in actis non est in mundo), respostas dadas por outras testemunhas (quem, quando, a que propósito, ignora-se, porque o recorrente não especifica) e uma série de suposições, que em nada abalam ou contrariam os raciocínios expendidos pelo julgador.
Por seu turno, compulsados os autos, constata-se que os documentos a que o arguido faz apelo  (no sentido de comprovarem o pagamento, pela Breslan, da dívida que tinha perante o BPN Cayman), limitam-se apenas a demonstrar que houve lugar a venda de acções pela Breslan, à semelhança, aliás, de outros, que atestam igualmente outras vendas.
Todavia, não confirmam o que o arguido afirma, designadamente qual o uso dado aos quantitativos assim obtidos, uma vez que inexiste documento que ateste que o resultado dessas operações (ou de outras) de venda de acções pela Breslan, tenha sido usado para pagar qualquer quantia em dívida ao BPN Cayman, por aquela sociedade.

e. Ora, cabia ao arguido contrapor, aos efectivos meios de prova e à correlação dos mesmos, enunciada pelo tribunal “a quo”, elementos de prova e um raciocínio que efectivamente os infirmasse, demonstrando o seu erro.
O que de facto fez foi o que se mostra resumido e que mais não serve senão para tentar impor a sua convicção, em detrimento da alcançada pelo julgador, o que não é fundamento de recurso, já que se limita a adjectivar a motivação realizada e a referir prova que foi efectivamente analisada, sem conseguir refutar ao que da apreciação da mesma resulta.

xii. Atento o que se deixa exposto, resta concluir que a peticionada eliminação da matéria de facto dada como provada dos pontos que critica soçobra, uma vez que da análise realizada por este tribunal não se mostra possível concluir que o tribunal “a quo” alcançou a sua convicção de modo errado, não se impondo, por isso, qualquer modificação ao decidido.
 
6. Pontos 414), 455), 458), 465), 466), 467), 475), 476), 481), 488), 489), 490), 491), 495), 496), 497), 501), 502), 503), 504), 505), 506), 507), 508), 513), 514), 515), 517), 519), 520), 521), 524), 527), 535), 536) e 538) (CAMDEN e SLN Imobiliária) da matéria julgada provada proveniente da pronúncia:
Entende o recorrente que o relato da venda da SLN Imobiliária e a intervenção do Recorrente nesses factos é distinta daquela que o Tribunal “a quo” narra e imputou ao arguido.
Considera, pois, que foi erradamente dado como assente que interveio no processo definidor e decisório nos factos em apreço, sobretudo no que se prende ao momento inicial de elaboração de um protocolo com os accionistas, ou quando se afirma a sua intenção de ocultar um negócio simulado ou sobre as operações bancárias relacionadas com as sociedades Acle, Jamaki, Kemusa, Marton, Quila, Rador, Ricia e Zala, não sendo possível imputar ao Recorrente qualquer intenção de ocultação ou de causar prejuízo a terceiros, pelo que pretende a eliminação desses segmentos da matéria de facto provada. Simultaneamente, alega existir vício de insuficiência da fundamentação e erro notório na apreciação da prova.

i. Os factos alvo de impugnação têm o seguinte teor:
414) No entanto, uma vez que os arguidos OC…, FS… e LC… não pretendiam abrir mão do controlo das sociedades e dos negócios incluídos na sub-holding SLN IMOBILIÁRIA, conceberam um plano que passava por conseguirem fazer intervir pessoas de confiança, às quais dariam apenas informação parcial, visando conseguir a utilização do nome desses terceiros para associarem a uma entidade veículo, que viesse a figurar como adquirente da SLN IMOBILIÁRIA;
455) Os arguidos OC…, LC…, e FS…, com a colaboração da arguida IC…, actuaram assim, visando criar a aparência de um circuito financeiro compatível com a aquisição da SLN IMOBILIÁRIA por uma entidade terceira e independente do Grupo SLN;
458) Os arguidos OC…, LC…, LAl… e FS…, embora sabendo dos reais circuitos financeiros montados para suportar a aquisição da SLN IMOBILIÁRIA, continuaram a afirmar, perante o Banco de Portugal, que o BPN não havia financiado a referida aquisição;
465) Os arguidos OC…, LC… e FS… resolveram ainda, aproveitar a CAMDEN e a aparência de a mesma pertencer a terceiros, para realizar operações de transferência de créditos da SLN SGPS sobre várias das sociedades por esta directa e indirectamente participadas;
466) Ao mesmo tempo, os arguidos OC…, LC… e FS… decidiram também formalizar em documento separado a colocação na CAMDEN dos créditos que a SLN SGPS detinha sobre a SLN IMOBILIÁRIA, separando assim, entre a aquisição do capital social e a aquisição dos créditos sobre a SLN IMOBILIÁRIA;
467) Os arguidos identificados no facto anterior visavam expurgar das contas da SLN SGPS créditos que entendiam onerar as contas da mesma e, principalmente, criar uma justificação para uma nova transferência de fundos entre a conta da VENICE e a SLN SGPS, ocultando a intervenção da primeira através da CAMDEN;
475) Através dos dois contratos referidos supra, os arguidos OC…, LC… e FS…, geraram uma justificação para ser feito novo aporte financeiro à SLN SGPS, com a consequente utilização a descoberto da conta da VENICE e a transferência de fundos através da CAMDEN, no montante da soma dos preços dos referidos contratos, 2.632.076.520$00;
476) Para o efeito, os arguidos referidos congeminaram uma estratégia que passava pela mobilização de fundos sobre a conta da VENICE junto do BPN Cayman, provocando ainda o arguido OC… movimentos transitórios sobre contas de terceiros, de forma a que fossem canalizados fundos para aquela conta, sem aparentemente aumentar o seu descoberto;
481) Para alcançarem o objectivo, já acima descrito, de não aumentar simultaneamente o descoberto na conta da VENICE sobre o BPN Cayman, os arguidos OC…, LC… e FS… fizeram desencadear, naquela data, movimentos de resgate antecipado de diversos depósitos a prazo de clientes junto do BPN CAYMAN, fazendo os fundos investidos e juros creditar a conta à ordem da VENICE, conta BPN Cayman n° …;
488) Tais operações de criação fictícia de fundos, como se estivessem depositados na conta da VENICE e não de mera passagem, foram replicadas pelos arguidos OC…, LC… e FS… de modo a criar a aparência de inexistência ou limitação dos descobertos, que, no entanto, no final da utilização da conta e substituição pela conta da SOLRAC junto do Banco Insular, atingiram montantes de cerca de 80 milhões de euros;
489) Tal transferência dos fundos, das contas dos clientes do Banco para a conta da VENICE, funcionava, segundo a estratégia dos arguidos identificados no facto 488º, como se fosse uma nova aplicação financeira para os referidos clientes, sendo no final repostas as quantias e juros nas suas contas, mas tendo a conta da VENICE que suportar os encargos de tal pagamento de juros aos clientes;
490) Assim, como os arguidos OC…, LC… e FS… bem sabiam, tais operações, embora conseguissem ocultar o descoberto da conta da VENICE no imediato a seguir à operação, geravam um acréscimo de passivo pela necessidade de pagamento de juros aos clientes e reembolso das quantias para as respectivas contas;
Outras utilizações da conta da Camden
491) Aproveitando o pretexto de financiamento da CAMDEN através da conta da VENICE, os arguidos OC…, LC… e FS…, LM… e LAl… aproveitaram para, no mesmo período, obter outros aportes de fundos com a mesma origem;
495) Os arguidos OC…, LC…, LM…, LAl… e FS…, sentiram a necessidade de fazer diminuir o montante a descoberto sobre a conta da VENICE, tanto mais que dispunham então de um novo instrumento para mobilização de fundos, o Banco Insular;
496) Os referidos arguidos formularam então a estratégia de utilizarem as entidades em offshore que, desde o início, haviam concebido servirem para criar a aparência de repartir o financiamento da CAMDEN, a fim de, em nome das mesmas, procederem à abertura de contas junto do Banco Insular;
497) Assim, com base nas referidas contas, segundo o plano dos arguidos identificados, viria a ser concedido crédito às referidas entidades em offshore, que seria depois utilizado para transferir os fundos e diminuir o descoberto sobre a conta da VENICE, junto do BPN Cayman;
501) Os arguidos OC…, LC…, LM…, LAl… e FS… pretendiam fazer sacar sobre as contas bancárias das referidas sociedades offshore, junto do Banco Insular, os fundos necessários para regularizar o descoberto criado sobre a conta da VENICE, junto do BPN Cayman, sem que visualizassem como necessária a liquidação desses saques;
502) Em execução da estratégia concebida, os arguidos identificados no facto 501° fizeram abrir junto do Banco Insular as seguintes contas, em nome das seguintes entidades:
- conta n° …, em nome da Acle Holdings Inc (Belize);
- conta n° …, em nome da Jamaki Trading Ltd (Ilhas Virgens Britânicas);
- conta n° …, em nome da Kemusa Holdings LLC (Wyoming - EUA);
- conta n° …, em nome da Marton Investments Inc (Belize);
- conta n° …, em nome da Quila Holdings Ltd (Belize);
- conta n° …, em nome da Rador Limited (Ilhas Virgens Britânicas);
- conta n° …, em nome da Ricia Investments Inc (Belize);
- conta n° …, em nome da Zala Holdings Ltd (Belize);
503) Os arguidos OC…, LC…, LM…, LAl… e FS… com o objectivo de transferir um montante equivalente ao suportado pela conta da VENICE, nomeadamente, com as cessões de créditos, a aquisição da SOGIPART, ex-SLN IMOBILIÁRIA, com os juros e com as contas correntes caucionadas (C/C/C) abertas junto do BPN CAYMAN, definiram, então, o “plafond” a atribuir a cada uma das contas, “plafonamento” que contou com a colaboração do arguido VM…;
504) Conforme ainda o acordado entre os mesmos arguidos, a disponibilização dos fundos nas contas junto do Banco Insular seria feita através da abertura de Contas Correntes Caucionadas (C/C/C), associadas a cada uma das contas abertas e referidas supra;
505) Como os arguidos OC…, LC…, FS… não pretendiam liquidar os montantes que viessem a fazer sacar, não foram definidas quaisquer garantias particulares para os financiamentos concedidos, para além de um esquema de produção formal de uma “put option”, destinada a fazer crer perante as entidades de supervisão do Banco Insular que o próprio BPN garantia a aquisição do crédito sobre os clientes, caso não fosse liquidado o financiamento;
506) Os arguidos identificados no facto 505°, transmitiram aos colaboradores da Direcção de Operações do BPN, RP… e AJo…, quais os movimentos a crédito que pretendiam fossem carregados nas contas das referidas sociedades offshore junto do Banco Insular, dando estes sequência a tais pedidos;
507) Os arguidos OC…, LC…, LM…, LAl… e FS… determinaram então a realização das operações de transferência de fundos, a débito de cada uma das contas das sociedades offshore abertas junto do Banco Insular, as quais tiveram como destino a conta da VENICE junto do BPN Cayman, conta n° …;
508) Tais ordens de transferência a débito foram encaminhadas pelos arguidos OC…, LC… e FS… também através dos colaboradores da Direcção de Operações do BPN, RP… e AJo…;
513) A soma dos valores que os arguidos OC…, LC…, LM…, LAl… e FS… fizeram transferir das contas junto do Banco Insular para a conta da VENICE, correspondem aos montantes das várias operações de aquisição de activos à SLN SGPS e SLN IMOBILIÁRIA, desenvolvidos através da CAMDEN CAPITAL no ano 2000 e reflectidos na conta da mesma CAMDEN junto do BPN Cayman com o n° …;
514) Com efeito, através dos circuitos financeiros narrados supra, os arguidos identificados no facto 513° fizeram com que a soma das seguintes operações, desenvolvidas através da CAMDEN, fossem custeadas “a posteriori” por contas tituladas junto do Banco Insular:

Operações na conta Referentes aSoma de valores saídosSoma de valores saídos em
CAMDEN a débito da conta CAMDENDezembro e Novembro de 2002
em PTE das contas


no Banco Insular
1.500.000.000 +Primeira prestação
300.000.000 +para
200.000.000compra da SLN
Imobiliária
Pagamento das cessões de
2.633.000.000 Créditos da SLN e SLN   8.456.000.000$00   8.460.601.728$28
Imobiliária      42.178.350,18 €   42.201.303,50  €
Pagamento
1.823.000.000Contabilizado como
prestação de
suprimento na SLN
Imobiliária
Segunda prestação
2.000.000.000para compra da
SLN Imobiliária


515) Deste modo, os arguidos OC…, LC…, LM…, LAl… e FS… conseguiram proceder à liquidação dos fundos disponibilizados, no exercício de 2000, pela VENICE, para a realização de negócios através da CAMDEN, com a utilização das contas das oito sociedades em offshore, que se financiaram junto do Banco Insular;
517)Tal como era a intenção inicial dos arguidos OC…, LC…, LM…, LAl… e FS…, os montantes transferidos das contas das referidas oito sociedades offshore junto do Banco Insular nunca foram regularizados;
519) Uma vez que algumas das referidas sociedades offshore haviam aberto contas junto do BPN Cayman, onde tinham gerado novas responsabilidades, em particular por aí terem sido abertas contas correntes caucionadas, para permitir a circulação de fundos para o BPN Cayman, os arguidos OC…, LC…, LM…, LAl… e FS…, formularam novo plano no sentido de liquidar tal passivo;
520) Com efeito, tendo o Banco de Portugal acesso a dados das contas do BPN Cayman, os mesmos arguidos visavam impedir que fosse identificado um fluxo financeiro não liquidado entre as contas das referidas sociedades offshore, a conta BPN Cayman da VENICE CAPITAL e a conta da entidade CAMDEN CAPITAL, também no BPN Cayman;
521) Assim, os arguidos OC…, LC…, LM…, LAl… e FS… conceberam uma estratégia que passava pela utilização de fundos de algumas das sociedades participadas, que seriam colocados numa nova entidade veículo, de onde, por sua vez, seriam transferidos para as contas onde existiam responsabilidades a regularizar;
524) Dando execução ao planeado, de forma a fazer transferir fundos para liquidar os financiamentos pendentes sobre as referidas contas, os arguidos OC…, LC…, LM…, LAl… e FS… começaram por utilizar uma nova entidade em offshore, a ANIOLA TRADING LTD, também disponibilizada através da PLANFIN;
527) O plano dos arguidos OC…, LC…, FS…, LM… e LAl…, a que o arguido JMo… aderiu, passava por determinar algumas das sociedades participadas pela já então designada SOGIPART a procederem ao pagamento dos suprimentos realizados pela sociedade mãe, desviando depois tais meios de pagamento para a conta da referida ANIOLA;
535) Face ao exposto, os arguidos identificados no facto 527º utilizaram fundos das sociedades IMONAÇÕES - SOCIEDADE IMOBILIARIA, SA e VILLAS D AGUA-CONSTRUÇÕES À BEIRA MAR SA, para reduzir contas correntes caucionadas detidas pelas entidades offshore junto do BPN CAYMAN, e assim liquidar e encerrarem as contas.
536) Os mesmos arguidos identificados no facto 527° não fizeram reflectir na conta Bancos da contabilidade da SOGIPART, conta “12 – Bancos”, tais pagamentos recebidos, embora fosse esta sociedade a beneficiária dos cheques.
538) Tendo os arguidos identificados no facto 527° levado a própria SOGIPART a um gasto de fundos de forma a suportar a ocultação do financiamento da sua própria accionista, a CAMDEN;

ii. A motivação a propósito da diversa factualidade que acaba de se transcrever, mostra-se vertida no acórdão proferido pelo tribunal “a quo” de fls. 931 a fls. 1053 que, pela sua extensão (e porque já se mostra supra transcrita nestes autos), nos abstemos de novamente reproduzir, sem prejuízo de, caso se mostre necessário, citarmos alguns segmentos da mesma.

iii. Vejamos.
Tanto quanto nos é possível entender o pensamento do recorrente, este não impugna que os factos que se mostram descritos se processaram como o tribunal “a quo” os verteu.
A sua crítica funda-se no entendimento de que o julgador considerou que nos mesmos teve a intervenção que consignou, pelo simples facto de à data ser membro do Conselho de Administração da SLN SGPS. Simultaneamente, diz que está em desacordo com o decidido, com base nos mesmos elementos probatórios em que o tribunal “a quo” fundou a sua convicção.

iv. Salvo o devido respeito, o que dizer de tudo isto?
Em primeiro lugar e desde logo, ultrapassa-nos a leitura que o recorrente faz da motivação, pois efectivamente o tribunal “a quo” não funda a sua intervenção naquela factualidade, no facto de exercer aquele cargo. Basta ler com um bocadinho mais de atenção o que consta nas 122 folhas que o acórdão dedicou a tais matérias, exercício que se exorta o arguido a empreender.
Assim e nesta parte, é manifesto que o que o recorrente afirma não apresenta qualquer suporte no texto a que faz apelo.
Em segundo lugar, no que concerne ao relato da venda da SLN Imobiliária e à intervenção do arguido nesses factos, que afirma distinta da que o tribunal narra, olvida-se de esclarecer então qual foi essa intervenção, descrevendo-a.
Em terceiro lugar, a afirmação de que o Banco de Portugal não ignorava por completo a situação – porque o protocolo era o instrumento escolhido para exibir ao Banco de Portugal – não tendo qualquer efeito jurídico e destinando-se apenas a ser apresentado à autoridade de supervisão é, perdoe-se-nos a observação, um argumento particularmente confuso.
O que é que o Banco de Portugal efectivamente conhecia, de todas as operações e financiamentos que se realizaram, no que respeita à SLN Imobiliária? O arguido não esclarece, pois diz apenas que acompanhou os elementos fundamentais que determinaram a operação (o que quer que seja que isso signifique) e nós não temos capacidades de adivinhação que nos permitam suprir tal lacuna.
Em quarto lugar, se o Protocolo não tem qualquer efeito jurídico, então também não serve para ser apresentado à autoridade de supervisão.
Em quinto lugar: o que é que a putativa discussão da autoria da carta (matéria aliás que o tribunal “a quo” desenvolve, sem que ao que aí consta o arguido faça a mais pálida referência refutatória, com factos e argumentos…) determina alteração, de per se, do decidido? Ignora-se, pois o arguido também o não esclarece.

v. Finalmente, embora o arguido admita ser verdadeira a cedência, pela SLN SGPS à Camden, de créditos que detinha sobre a SLN Imobiliária e sobre outras sociedades, limita-se a afirmar que essas dívidas eram reais, existiam, estavam contabilizadas.
Sucede que esta afirmação (que constitui o erro que aponta ao decidido) se mostra apenas suportada numa outra – a de que assim é por virtude de assim o afirmar, limitando-se a fazer um rol de alguns elementos probatórios que o tribunal “a quo” também invocou para sustentar o que decidiu.
O que daqui decorre é que, inexistindo qualquer debate quanto à natureza, validade e conteúdo destes elementos probatórios, bem como demonstração de terem sido erroneamente avaliados pelo tribunal “a quo”, não tem este tribunal qualquer possibilidade de, substituindo-se ao recorrente, adivinhar quais são os argumentos que fundam o erro que invoca.

vi. Por outro lado, não se antolha, lida a motivação realizada pelo tribunal “a quo”, qualquer insuficiência quanto ao apuramento de matéria de facto (nem o recorrente explica onde ela ocorreu – limita-se a afirmá-la) nem nada de flagrantemente errado (algo que, de igual modo, o recorrente também não justifica minimamente em que segmentos precisos se verificaria e já agora porquê), sendo certo, para além do mais que, ao inverso do que o arguido alega, a factualidade impugnada se mostra profusamente motivada.

vii. Finalmente, remete-se para o que já se mostra exposto, a propósito desta questão, em sede da apreciação do recurso interposto pelo arguido JO… quanto à matéria de facto, que aqui se dá por reproduzido, por razões de mera economia processual.

viii. Face ao que se mostra exposto, conclui-se que o arguido foi incapaz de demonstrar a existência de um erro, em sede de apuramento da matéria de facto, que impusesse a sua correcção, sendo certo que igualmente não se vislumbram os vícios a que alude, pelo que soçobra o por si peticionado nesta parte.

7. Pontos 547), 548), 549), 551), 552), 553), 554), 555), 557), 558), 559), 561), 563), 564), 565), 568), 569), 571), 573), 577), 588), 589), 594), 595), 600), 601), 603), 608), 609), 610), 613), 614), 615), 618), 621), 625), 628), 629), 630), 635), 636), 637), 638), 641), 642), 644), 645) e 647) (Validus) da matéria julgada provada proveniente da pronúncia:
Entende o recorrente que existem manifestas contradições e insuficiências na motivação realizada pelo tribunal “a quo”, que enumera:
- a transferência de suprimentos sobre a Validus, da Invesco para a Keresley, que o tribunal “a quo” entendeu que nunca se verificou, quando existem documentos que a confirmam;
- o tribunal “a quo” afirma que as negociações entre os arguidos JO… e RO… apenas entre os dois se estabeleceram, mas contraditoriamente dá como provado o que consta nos pontos 600), 608) e 609), aí incluindo o ora recorrente;
- o tribunal “a quo” deveria ter atendido ao por si relatado em julgamento, que sumariza.

i. A factualidade a que faz referência tem o seguinte conteúdo:
Negócio da Validus:
Financiamento da SLN SGPS e SLN Imobiliária pela Venice (arts. 565° a 598° da pronúncia)
547) Em Maio de 2000, os arguidos JO… e LC… formularam o propósito de sacar um financiamento para as entidades SLN SGPS e SLN IMOBILIÁRIA, à custa da entidade INVESCO WORLDWIDE, LTD, mas sem que a mesma fosse referenciada;
548) Assim, os arguidos JO… e LC…, decidiram camuflar o financiamento à SLN IMOBILIÁRIA através da criação de uma justificação para o recebimento dos fundos da INVESCO, que se traduzia numa venda parcial das  acções da VALIDUS por parte da SLN IMOBILIÁRIA à mesma offshore INVESCO WORLDWIDE, LTD;
549) Por outro lado, para justificar a entrada de fundos na SLN SGPS, os mesmos arguidos conceberam uma pretensa venda à INVESCO WORLDWIDE, LTD, do suprimento que a primeira detinha sobre a VALIDUS;
551) Os arguidos OC… e LC… desencadearam, no entanto, financeiros, a débito da conta da INVESCO WORLDWIDE junto do BPN;
552) No dia 31 de Maio de 2000, os mesmos arguidos fizeram debitar a conta da INVESCO WORLDWIDE junto do BPN, conta com o n° …, através de transferência para crédito da conta BPN da SLN Imobiliária com o n° …, no valor de 975.600.000$00;
553) No mesmo dia 31 de Maio de 2000, os arguidos JO… e LC… fizeram debitar a mesma conta BPN número …, titulada pela mesma INVESCO WORLDWIDE, LTD, através da transferência da importância de 427.270.262$00 a favor da conta BPN n° … titulada pela SLN SGPS S.A.;
554) Para justificar aquela primeira transferência, os arguidos JO… e LC… ficcionaram uma venda correspondente à transacção de 45.000  acções (90% do capital) da “Validus – Imobiliária e Investimentos S.A.”, pelo preço de 975.600.000$00;
555) Para justificar aquela segunda transferência, foi ficcionada uma venda do suprimento da SLN SGPS sobre a VALIDUS, que era no total de 432.000.000$00, que seria vendido à INVESCO WORLDWIDE, LTD, pelo montante de 427.270.262$00, correspondente a cerca de 99% do valor total do referido suprimento;
557) Como os arguidos OC… e LC… pretendiam ocultar a intervenção da INVESCO WORLDWIDE, LTD, nesse financiamento, procuraram gerar justificativos contabilísticos para a realização daquelas operações;
558) Assim, na SLN SGPS foi lançada na contabilidade uma pretensa venda de suprimentos, em que a contraparte adquirente aparece identificada como sendo a INVESCO, mostrando-se no mesmo escrito de lançamento riscada a referência à entidade KERESLEY como pretensa adquirente;
559) Porém, os arguidos OC… e LC… sabiam que não tinha sido qualquer daquelas entidades a realizar o pretenso pagamento dos suprimentos, estando em causa um financiamento determinado a débito da conta da INVESCO WORLDWIDE, LTD, junto do BPN, conta esta que a partir de 29.09.2000 passou a estar titulada pela VENICE;
561) O arguido FS… e, para esse efeito (facto 560°), os arguidos JO…, LC… e IC…, decidiram colocar a titularidade da VALIDUS na SLN INVESTIMENTOS, onde eram então administradores os arguidos LM… e LAl…, desempenhando, na prática, as funções de presidente o arguido LC…;
563) Para o efeito, os arguidos JO…, LC…, LM… e LAl… fizeram redigir um pretenso acordo de cessão de créditos, entre a nova adquirente da VALIDUS, a SLN INVESTIMENTOS, e uma entidade terceira, para o que resolveram lançar mão de uma outra entidade offshore, detida pelo Grupo SLN, no caso a KERESLEY LIMITED, com registo nas Ilhas Virgens Britânicas;
564) Nesse documento de cessão de créditos, os arguidos JO…, LC…, LM… e LAl… fizeram constar que a KERESLEY possuía um crédito no montante de 427.270.262$00 sobre a sociedade VALIDUS, isto é, precisamente no valor da transferência que os arguidos JO… e LC… haviam feito debitar na conta da INVESCO WORDWIDE, LTD, a favor da SLN SGPS;
565) Os arguidos JO…, LC…, LM… e LAl… fizeram depois assinar o referido documento, pelos representantes da entidade fiduciária, a FIDUCIARY DIRECTORS (BVI) LTD, que tinha a administração e nomeava os directores da KERESLEY, pretendendo fazer validar a afirmação de vontade por parte desta entidade;
566) O documento assim produzido, foi então também assinado pelos arguidos LM… e LAl…, respectivamente, na qualidade de Presidente e membro do Conselho de Administração da SLN INVESTIMENTOS;
568) A referida entidade KERESLEY não possuía efectivamente qualquer crédito sobre a VALIDUS, o que os arguidos OC…, LC…, LM… e LAl… bem sabiam;
569) Os arguidos mencionados no facto anterior utilizaram a KERESLEY e o documento por si elaborado, como instrumento de forma a criar a aparência de aquisição pela SLN INVESTIMENTOS dos suprimentos sobre a VALIDUS;
571) Com efeito, de acordo com o estratagema a que aderiram e de forma a dar credibilidade, em sede de contabilidade, ao aparente acordo de cessão de créditos, os arguidos LC…, LM… e LAl… determinaram o pagamento da aludida aquisição de créditos à KERESLEY;
573) Os arguidos LM… e LAl… sabiam que tal pagamento da SLN INVESTIMENTOS à KERESLEY não era suportado pela existência do direito de crédito sobre a VALIDUS que diziam estar a adquirir;
Preparação da venda da Validus pela SLN Investimento (arts. 599° a 602° da pronúncia)
(…)
Utilização da Validus para aquisição de  acções da SLN SGPS, S.A. (arts. 603° a 634° da pronúncia):
577) Como a VALIDUS detinha património de elevado valor, sendo um imóvel sito em Torres Novas do interesse do próprio grupo, que não interessava ser colocado em terceiros, os arguidos OC…, LC… e IC… decidiram que teria que ser dividido o património desta empresa, se necessário através de uma cisão, tal como efectivamente veio a ser levada a cabo;
588) Os arguidos JO…, LC…, FS…, IC…, LM… e LAl… precipitaram então uma série de actos contratuais, praticados nos dias 28 e 29 de Dezembro de 2000, visando os arguidos JO…, LC…, IC…, LM… e LAl… alcançar o objectivo de transferirem a sociedade VALIDUS para o arguido RO…;
589) Os arguidos JO…, LC…, FS…, IC…, LM… e LAl…, começaram por, a 28 de Dezembro de 2000, fazer com que a então SLN Imobiliária SGPS, S.A (actualmente SOGIPART SGPS, S.A.) vendesse à SLN Investimentos SGPS S.A. as  acções que detinha sobre a sociedade VALIDUS, com o NIF 503430587, pelo preço de 1.084.000.000$00, a que acresceu ainda o valor de 57.436.000$00 relativo a suprimentos que entretanto haviam sido gerados;
594) No dia 28 de Dezembro de 2000, os arguidos JO…, LC…, IC…, LM… e LAl… elaboraram também um projecto de cisão do património da VALIDUS, através da sua colocação em duas distintas empresas, conforme já vinham a congeminar;
595) Tal actuação tinha como objectivo não incluírem no negócio com o arguido RO… o património detido pela VALIDUS que ainda interessava para o grupo, o imóvel sito em Torres Novas;
O negócio da aquisição da Astroimóvel  (arts. 635° a 657° da pronúncia):
600) Os arguidos JO… e LC… concordaram adquirir, em parceria com o arguido RO…, a empresa ASTROIMÓVEL;
601) Para lhe proporcionarem a liquidez necessária, os arguidos JO… e LC… concederam financiamentos a duas sociedades offshore, a OARDALE e a KINASOL, para adquirir as  acções da aludida ASTROIMÓVEL;
603) Para tal aquisição, os arguidos OC… e LC…, decidiram utilizar duas entidades veículo, em offshore, no caso as referidas KINASOL ASSETS LTD e OARDALE HOLDINGS CORP, ambas com registo nas Ilhas Virgens Britânicas;
608) O acordo então estabelecido entre o arguido RO… e os arguidos OC… e LC…, previa que a oportunidade de negócio trazida pelo primeiro correspondesse a detenção de uma participação inicial de 35% sobre a sociedade ASTROIMÓVEL, sem que ao mesmo arguido RO… fosse exigido qualquer esforço financeiro inicial de capital para a aquisição da mesma sociedade;
609) Foi então necessário recompor as participações de cada uma das sociedades offshore no capital social da ASTROIMÓVEL, pelo que os arguidos RO…, LC… e OC… S… trataram de fazer a OARDALE vender à KINASOL o equivalente a 29% do capital social da ASTROIMÓVEL;
610) Tal operação gerou novos pagamentos, sobre a mesma conta da KINASOL, a favor da OARDALE, mesma conta supra indicada no BPN Cayman, nos montantes de 2.900.132,32 € e de 258.859,06 € (a titulo de juros), de novo determinados pelos arguidos LC… e OC…;
613) Tendo sido resposta a proporção acordada, de 35% para o arguido RO…, através da OARDALE, e de 65% para a SLN SGPS, através da KINASOL, os arguidos OC… e LC… trataram de fazer rentabilizar a aquisição da ASTROIMÓVEL através da venda da mesma a uma terceira entidade;
614) Para o efeito, dando execução ao planeado entre os arguidos LC… e OC… veio a ser criado o fundo de investimento imobiliário IMOGLOBAL, gerido pelo IMOFUNDOS, do BPN;
615) Tal fundo IMOGLOBAL seria financiado pelo próprio BPN e destinava-se a adquirir os imóveis apresentados para aquisição pelo arguido RO…, no que concerne à sociedade Astroimóvel de acordo com um valor de conveniência definido pelos arguidos OC… e LC…, sendo a parte dos pagamentos destinada ao mesmo arguido RO… convertida em unidades de participação no referido fundo;
618) Os arguidos OC… e LC… fizeram com que o BPN Imofundos através do BPN Imoglobal viesse a pagar 19 milhões de euros pela totalidade do capital social da sociedade ASTROIMÓVEL, quando o mesmo havia, um ano antes, sido adquirido pelo preço de 2.295.000.000$00, correspondente a cerca de 11 milhões de euros;
Financiamento da Groundsel para comprar a Validus  (arts. 658° a 672° da pronúncia):
621) Para efeito de transmissão das  acções da VALIDUS ao RO…, os arguidos OC…, LC…, IC…, LM… e LAl… resolveram utilizar uma sociedade veículo GROUNDSEL PROPERTIES LIMITED, com registo no Offshore de Gibraltar, detida por RO…;
625) No dia 29 de Dezembro de 2000, para o primeiro pagamento da alegada aquisição da nova sociedade VALIDUS, os mesmos arguidos determinaram uma transferência no valor de 570.000.000$00 para a conta n° … do BPN Cayman, titulada pela GROUNDSEL PROPERTIES LIMITED;
628) Tendo, no dia 31 de Dezembro de 2001, mais uma vez, os arguidos determinado uma transferência para a GROUNDSEL, desta feita por débito, da conta BPN Cayman, n° …, titulada pela OARDALE HOLDINGS CORP, conta onde foi debitado o montante de 168.614.625$00;
629) Em execução do plano concebido pelos mesmos arguidos, estes determinaram a realização dos seguintes movimentos, de forma a pagar o alegado preço de aquisição da VALIDUS e seus activos pela GROUNDSEL:
- No dia 29 de Dezembro de 2000, a sociedade GROUNDSEL PROPERTIES LIMITED através da conta BPN Cayman n° … procede à transferência de 570.000.000$00 a favor da conta da SLN Investimentos, junto da conta do BPN com o n° …, o que configura a primeira parte do alegado pagamento do preço;
- No dia 31 de Dezembro de 2001, ou seja um ano mais tarde, a Groundsel Properties Limited transferiu também através de débito na sua conta em BPN Cayman n° … a favor da SLN Investimentos junto da conta do BPN n° …, o montante de 168.614.625$00 (mesma data da venda da Astroimóvel ao fundo IMOGLOOBAL);
630) Os arguidos OC… e LC… lograram ainda, que o arguido RO…, através da GROUNDSEL tivesse adquirido todas as  acções da nova VALIDUS sem que tivesse que entregar qualquer quantia monetária para tal, ficando os encargos a ser suportados pelo BPN;
Financiamento da Validus para proceder à liquidação financeira das  acções da SLN SGPS  (arts. 673° a 687° da pronúncia):
635) Os arguidos OC… e LC… procuraram então ocultar quer a existência de uma prévia colocação das 1.250.000  acções da SLN SGPS na esfera do RO…, quer a coincidência entre a GROUNDSEL e a pessoa do mesmo RO… como seu beneficiário;
636) De forma a ocultar a prévia colocação das referidas acções da SLN SGPS na conta do arguido RO…, ocorrida já a 31 de Outubro de 2000, os arguidos OC… e LC… resolveram forjar um contrato de venda do mesmo conjunto de acções, no qual surgisse como vendedora uma entidade terceira;
637) Para o efeito, de acordo com tal resolução, os mesmos arguidos decidiram utilizar a entidade INVESCO WORLWIDE LTD, sociedade offshore, com registo em Gibraltar, que tinha como beneficiária final a própria SLN SGPS;
638) Assim, os arguidos OC… e LC… redigiram um contrato de compra e venda de  acções entre a referida INVESCO e a nova VALIDUS, com o NIF 505 147 459, no qual fizeram afirmar que a primeira vendia à segunda um total de 1.250.000  acções da SLN SGPS pelo montante de 463.614.625$00, fazendo constar no mesmo contrato a data de 29 de Dezembro de 2000;
641) Ainda na redacção do referido contrato, os arguidos OC… e LC…, precipitados pela urgência em que actuavam, fizeram constar que o referido conjunto de 1.250.000 acções eram “representativas da totalidade do capital social da SLN SGPS”, o que efectivamente não correspondia à verdade, uma vez que a SLN tinha então o seu capital dividido em 350 milhões de acções;
642) Mesmo com essa redacção, os arguidos OC… e LC… obtiveram no referido documento as assinaturas dos directores fiduciários da INVESCO WORLWIDE, que eram designados pela FIDUCIARY DIRECTORS LIMITED, escritório de constituição e manutenção de sociedades offshore de Gibraltar;
Ganhos imediatos do arguido RO… e prejuízos da SLN e do BPN (arts. 688° a 694° da pronúncia):
644) Como resultado final de todo esse cenário contratual forjado, os arguidos OC…, LC…, IC…, FS…, LM… e LAl… colocaram na pessoa do arguido RO… o património da sociedade VALIDUS que, já naquela data, final de Dezembro de 2000, era composto pelas seguintes parcelas:
- 252.767.630$00, correspondente ao valor do imóvel detido pela nova sociedade VALIDUS segundo o pacto de cisão da antiga sociedade VALIDUS;
- 463.614.625$00, correspondente ao valor das 1.250.000 acções da SLN SGPS, ao preço de 1,85€;
645) Por outro lado, a mesma encenação contratual, montada pelos arguidos OC…, LC…, IC…, FS…, LM… e LAl…, gerou um prejuízo para a SLN IMOBILIÁRIA;
647) Os arguidos identificados no facto 646), entre os dias 28 de Dezembro de 2000 e 29 de Dezembro de 2000, valorizaram o património da VALIDUS, sociedade inicialmente existente, de 1.084.000.000$00 para 2.327.382.255$00, com prejuízo para a SLN Imobiliária;

ii. A motivação realizada pelo tribunal “a quo” a propósito desta factualidade mostra-se vertida a fls. 1053 a 1166, que pelas razões já anteriormente expostas, nos escusamos de aqui novamente transcrever.

iii. Vejamos.
No que concerne ao entendimento que expressa a propósito da transmissão dos suprimentos que a Invesco detinha sobre a Validus a favor da Keresley, que o tribunal “a quo” entendeu nunca terem existido, defendendo o arguido o inverso:
Esta matéria já foi apreciada no recurso interposto pelo arguido JO…, sendo certo que o ora recorrente não vem aduzir qualquer novo argumento ou prova, que acresça à referida por aquele recorrente, razão pela qual mantém plena validade o já aí decidido a esse propósito e que passamos a transcrever:

a. “O tribunal “a quo” fundou a sua convicção nos seguintes termos:
Relativamente a esta factualidade dos artigos 585º a 598º da pronúncia o arguido LC…, em resumo, declarou:
O retorno dos suprimentos estava previsto, uma vez que a venda deles à Invesco foi temporária.
(…)
Os suprimentos da Validus tinham sido adquiridos pela Invesco em Maio de 2000.
Não tem nota da venda dos suprimentos da Invesco à Keresley, mas tem nota de que houve uma transferência financeira da Keresley para a conta … da Venice em 25.9.2000, pelo montante de 944 milhões.
Não sabe qual a decomposição destes movimentos, mas admite que estava incluída a aquisição do suprimento da Validus que tinha sido adquirido pela Invesco.
Não sabe quem determinou a transferência da Keresley para a Invesco, ou seja, quem determinou que a Keresley adquirisse à Invesco os suprimentos que esta detinha sobre a Invesco, actual Venice.
Não convenceram as suas declarações em dois pontos essenciais.
O primeiro relativo ao alegado desconhecimento de quem determinou que a Keresley adquirisse à Invesco os suprimentos que esta detinha sobre a Invesco.
É que, como ele próprio mencionou, todo o processo tinha sido acompanhado por si e pelo arguido OC….
Não se vislumbra qualquer motivo, nem o arguido o invocou, para não determinar e acompanhar a cessão de créditos a que alude o art. 589º da pronúncia.
Era essencialmente o arguido LC… que estava ao corrente dos dados necessários para determinar essa cessão de créditos.
(…)
O segundo ponto tem a ver com o alegado e eventual pagamento dos suprimentos da Keresley à Invesco através da transferência de 944.000.000$00 por transferência da conta titulada pela Keresley para a conta titulada pela Invesco.
É certo que se verificou este movimento financeiro/bancário:
(…)
No entanto, não foi demonstrado, de modo algum, que esta transferência visou, em parte, pagar suprimentos da Validus eventualmente adquiridos pela Kesresley à Invesco.
Por um lado, os extractos bancários não fazem qualquer referência ao pagamento de suprimentos. Por outro lado, caso este crédito (suprimentos) estivesse na Invesco, o que apenas para efeito de raciocínio se admite, facto é que nada revela que a Keresley tenha adquirido o pretenso direito de suprimentos que cedeu à SLN, Investimentos. Sendo certo que não há qualquer contrato que suporte a suposta cessão, nem há qualquer evidência de que a Invesco tenha recebido o valor de 427.270.262$00 de suprimentos que, alegadamente, em 31.05.2000, teria adquirido à SLN, SGPS, SA.
De resto, a transferência da conta titulada pela Keresley para a conta da Invesco, que o arguido LC… alvitrou como sendo aquela que respeita ao pagamento da Keresley à Invesco daqueles suprimentos, não é o montante igual ao valor dos suprimentos, sendo o montante dessa transferência 944.000.000$00 e o valor dos suprimentos 427.270.262$00.
Por fim, nada mostra que o valor dos suprimentos – 427.270.262$00 – tenha sido junto a outro ou outros montantes que, somados, perfaçam o montante global de 944.000.000$00”.
(…) resulta um cenário contratual forjado, primeiro, a nível de registos bancários e elementos contabilísticos de suporte (546 a 559)», «cenário que provocou um prejuízo patrimonial ao BPN no montante de 427.270.262$00 (570)», «foi alcançado por meio de erro ou engano astuciosamente provocado de onde resultou, além daquele prejuízo patrimonial um benefício ilegítimo para a SLN.» «E isto porque, como resulta dos factos provados (570), o contrato de pretensa aquisição de créditos à Keresley visava ocultar o financiamento que a Invesco havia realizado a 31.5.2000 à SLN SGPS, o que determinou um prejuízo ao BPN, com o saque da conta daquela, ali domiciliada, pelo valor de 427.270.262$00 – operação por transferência a débito da conta da Invesco no BPN, entretanto renomeada para Venice, e crédito da conta da SLN SGPS -, que nunca foi reembolsada», sendo que «estes factos ocorreram com a participação directa do arguido OC… e adesão plena e consciente ao estratagema pelos arguidos LC…, LM… e LAl….”
Vejamos.
Em defesa da sua tese, o recorrente limita-se a aduzir que a ausência de um descritivo e de não ter sido encontrado nos autos um documento que formalizasse a cessão dos suprimentos que a Invesco detinha sobre  a Validus, para a Keresley, não autoriza que se desconsidere a existência da materialidade do movimento bancário efectuado.
Sucede, todavia, que o tribunal “a quo” refere precisamente essa questão, discutindo e rebatendo a tese que o arguido agora avança.
Efectivamente, constata a existência desse movimento, bem como a ausência de qualquer documento formal de cessão de suprimentos - o que, por muito informal que fosse o tratamento em sede de entidades offshore, ultrapassa, em sede de regras de experiência comum, o entendimento de como seria possível fazer prova de tal transmissão, em termos legais e que se mostra em desacordo com a formalização da cessão de suprimentos realizada posteriormente, no negócio da nova Validus – e constata ainda a discrepância de valores monetários resultantes de tal putativa transmissão, face ao quantitativo alegadamente relativo a “suprimentos” (mais do dobro do que a esse título seria “devido”), que resulta da mera análise dos fluxos financeiros efectivamente realizados.
O que daqui decorre é que, relativamente a tal debate, o arguido mostrou-se incapaz de proceder à sua contra-argumentação, a rebatê-la, nada aduzindo em seu contraponto.”

iv.  No que se reporta à dita contradição entre o que o tribunal “a quo” afirma, isto é, que as negociações relativas a negócios com o arguido RO… só o envolviam a este e ao arguido JO… e, não obstante, o tribunal “a quo” dá como provado o que consta nos pontos 600), 608) e 609), aí incluindo o ora recorrente, não assiste razão ao recorrente, face à motivação realizada pelo tribunal “a quo”, de que se transcrevem os seguintes trechos:

a. Outra questão que se prende com o negócio da Astroimóvel tem a ver com a identificação dos arguidos que decidiram estabelecer a parceria com o arguido RO….
O arguido RO… declarou que as negociações decorreram com os arguidos OC… e LC….
O arguido LC… manifestou-se no sentido de que as decisões estratégicas foram tomadas pelo arguido OC…, enquanto a execução dos actos materiais para a concretização do negócio foram da sua responsabilidade, esclarecendo ainda que ocorreram conversações entre os três, i.e., entre si, o arguido OC… e o arguido RO….
Negou qualquer envolvimento da arguida IC… a nível de decisão, sem prejuízo de lhe poder ter dado alguma ordem/instrução face à sua qualidade de procuradora de sociedades que depois foram intervenientes no negócio.
Quanto ao arguido FS… pareceu negar o seu envolvimento ao afirmar que ele, à data, não fazia parte do Conselho de Administração da SLN SGPS, S.A..
A arguida IC… declarou que a única intervenção que teve neste negócio foi o de, na sequência de um pedido do arguido OC…, ter feito um pedido de cheques bancários em nome de determinadas pessoas por, juntamente com IF…, ser procuradora da Oardale e Kinasol e estas irem adquirir a Astroimóvel.
Cheques que preencheu à frente de OC… com a IF…, o qual autorizou a emissão dos cheques bancários. A partir daí não tendo mais alguma participação.
Por fim, o arguido FS… negou qualquer tipo de participação no negócio da Astroimóvel e esclareceu que só aquando das conversações que foram levadas a cabo em ordem a serem finalizadas as parcerias do arguido RO… com o grupo SLN/BPN é que percebeu que estes negócios (Validus e Astroimóvel) foram decididos pelos arguidos OC… e LC….
Das declarações dos arguidos LC…, RO… e IC… e dos demais elementos probatórios que serão mencionados resulta claro e inequívoco que o negócio “Astroimóvel” foi acordado, em conjunto, pelos arguidos OC…, LC… e RO… (v. facto provado 600).
(…) O arguido LC… também confirmou que o arguido RO… pediu um empréstimo ao BPN para entrar na parceria de aquisição da sociedade Astroimóvel.
Já foi referido que não se vêm documentos que liguem o arguido RO… ao financiamento, através de descobertos à sociedade Oardale na conta desta no BPN Cayman.
Mas há um dado inequívoco: ele sabia que não estava a entrar com fundos próprios nesta parceria e que o financiamento seria concedido pelo BPN.
E é só isso a que alude o facto em questão: “contando, para tal, com a montagem de um financiamento através do BPN Cayman”, ou seja, uma instituição bancária do grupo BPN/SLN.
Por outro lado, refira-se que, à data em que os factos descritos ocorreram, não houve qualquer financiamento do Banco Insular.
Noutro âmbito, acrescente-se que o arguido LC… confessou os factos 639, 640° e 642° a 645°, esclarecendo quanto a este último:
Foi acordado que RO… ficasse com 35% da Astroimóvel, mas como parceiro e promotor imobiliário e nunca como oportunidade de remuneração.
À época, toda a banca financiava a 100% a aquisição de terrenos, bem como a construção posterior, ou seja, financiava a 100% os projectos imobiliários. Os promotores em princípio não recorriam a capitais próprios.
(…) Prosseguindo e entrando na análise dos arts. 646° a 649° da pronúncia, refira-se que ocorreu uma divergência na composição das participações iniciais da Kinasol e da Oardade na sociedade Astroimóvel, uma vez que estava previsto que fosse, respectivamente, de 65% e 35% e não de 36% e 64% como efectivamente veio a ocorrer na sequência da outorga dos contratos supra identificados.
Por isso, foi necessário corrigir as participações sociais de ambas as sociedades, o que deu causa a novos movimentos bancários.
O arguido LC… confessou os fatos 646° a 649° da pronúncia, pretendendo tão só corrigir o constante do art. 649°, na medida em que referiu que o custo de aquisição está incorrecto porque inclui os juros e os juros não são custo de aquisição, são posteriores à aquisição.
É uma questão de semântica.
O facto não deixa de estar correto.
Custos de aquisição de um bem, no seu todo, correspondem ao custo inicial e aos juros que entretanto se vençam, bem como quaisquer outras despesas em que se possa incorrer por causa da aquisição do bem.
(…) Daí que, corrigindo-se as aquisições feitas, em 19.12.2000, a Oardale tenha vendido à Kinasol 29% do capital social da Astroimóvel.
O pagamento foi feito por novos saques a descoberto sobre a conta da Kinasol, no BPN Cayman, de € 2.900.132,32 e € 258.859,06 (juros) determinados pelos arguidos OC… e LC….
A liquidação financeira desta operação só ocorreu em 31.12.2001, tendo sido pagos juros pela dilação do pagamento.
Deste modo, a Kinasol passou a deter 65% do capital social da Astroimóvel a um custo de aquisição de € 8.146.970,80, e a Oardale 35% a um custo de aquisição de € 3.300.441,39.
Ora, a prova destes factos (646° a 649° da pronúncia; v. factos provados 609 a 612 e factos não provados 211 e 212) resulta da confissão do arguido LC…, da confissão do arguido RO… na parte em que tinha conhecimento dos factos, e da documentação que será indicada de seguida.
(…) Entramos, por fim, na análise da factualidade dos arts. 650° a 657° da pronúncia que contendem com a venda da Astroimóvel ao Fundo Imoglobal.
(…) Porque tem importância no assunto em referência, importa salientar, resumidamente, as declarações prestadas pela testemunha AC… (Presidente do Conselho de Administração do BPN Imofundos entre 1999 e 2009):
O Fundo Imoglobal era um fundo imobiliário fechado, gerido pelo BPN Imofundos.
Este fundo nasceu na sequência de uma instrução da administração do Banco (OC… e LC…) no sentido de incorporar um conjunto de activos imobiliários com uma denominação comum, designadamente para edificação turística.
O Fundo Imoglobal adquiriu acções da sociedade Astroimóvel.
O lançamento do fundo foi rápido.
Foi a administração (LC… e OC…) que determinou a constituição do fundo.
O próprio grupo BPN/SLN era o detentor das unidades de participação, ou seja, o investidor.
Neste caso particular há uma preocupação da sociedade gestora em fazer a gestão do fundo em função dos critérios orientadores da cúpula do BPN/SLN, até porque eram eles os detentores das unidades de participação.
Em concreto, a criação do Fundo Imoglobal foi determinada pelo OC… e LC….
Foram também eles que determinaram a aquisição de determinados activos de empresas do grupo para o Fundo.
Quanto à aquisição para o Fundo das acções da Astroimóvel não houve negociação.
Simplesmente foi-lhes apresentado o contrato para adquirirem as acções.
Foi tudo determinado por OC… e depois tudo preparado sob a influência de LC… (valores dos activos, transferências financeiras, etc.).
Das declarações da testemunha AC… resulta inequivocamente que a constituição do Fundo Imoglobal foi determinada pelos arguidos LC… e OC….
(…) Da conjugação das declarações da mesma testemunha e do arguido LC… é de concluir que foi este arguido, em conjunto com o arguido OC…, que determinaram quais os activos do grupo BPN/SLN que deviam ser vendidos ao Fundo Imoglobal, neles se incluindo a sociedade Astroimóvel e outros activos do grupo em relação aos quais existia uma parceria com o arguido RO….
Por outro lado, da conjugação das declarações dos arguidos LC… e RO… resulta que este último não teve qualquer participação na venda ao Fundo Imoglobal dos activos que tinha em parceria com o grupo SLN/BPN, incluindo a Astroimóvel.
(…) Em resumo, do teor das declarações mencionadas resulta que os arguidos LC… e OC… promoveram/determinaram a criação do Fundo de Investimentos Imobiliário Imoglobal.

b. O que decorre do que se deixa transcrito é que não existe, nesta matéria, qualquer contradição, uma vez que, no que toca ao negócio da Astroimóvel, a intervenção do arguido LC… mostra-se clara, desde a questão relativa aos financiamentos da Kinasol para a aquisição inicial, bem como para a recomposição das participações de cada uma das sociedades offshore, até à criação do Fundo Imoglobal e à decisão de reaquisição da Astroimóvel pelo mesmo.
Estranha-se, aliás que o arguido suscite sequer a questão da contradição quando, em sede de julgamento, até admitiu ter tido as intervenções que supra o tribunal “a quo” exara e sintetiza (“O arguido LC… manifestou-se no sentido de que as decisões estratégicas foram tomadas pelo arguido OC…, enquanto a execução dos actos materiais para a concretização do negócio foram da sua responsabilidade, esclarecendo ainda que ocorreram conversações entre os três, i.e., entre si, o arguido OC… e o arguido RO….” (…) “Das declarações dos arguidos LC…, RO… e IC… e dos demais elementos probatórios que serão mencionados resulta claro e inequívoco que o negócio “Astroimóvel” foi acordado, em conjunto, pelos arguidos OC…, LC… e RO… (v. facto provado 600).”).

v. Finalmente, afirma o arguido que o tribunal “a quo” deveria ter atendido ao por si relatado em julgamento, que sumariza nos seguintes termos:
- No verão de 1999 o Grupo SLN decide adquirir a Validus Lda., para desenvolver um projecto hoteleiro, em parceria com o Chiva-Som International Health Resorts da Tailândia, na Quinta da Torre de Santo António e Quinta do Marquês em Torres Novas, imóvel cuja propriedade era da sociedade Validus – Imobiliária e Investimentos, Lda.
O projecto de cisão é assim bem anterior a 28 de Dezembro de 2000, tendo tido início em 8 de Novembro 1999, data em que a SLN SGPS apresenta o requerimento de reestruturação ao abrigo do Decreto-Lei n.º 404/90 e após o despacho de deferimento do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de 20 de Dezembro de 1999.
A SLN Imobiliária não teve qualquer prejuízo quando adquiriu as acções representativas de 100% do capital social da Validus à SLN SGPS, nem quando alienou a mesma participação à SLN Investimentos, uma vez que quer na data de aquisição, quer na de venda, a SLN Imobiliária pertencia ao mesmo Grupo Económico da SLN Investimentos (qualquer mais-valia na alienação desta participação teria sempre como beneficiária a holding do Grupo SLN, ou seja, a SLN SGPS);
A venda da participação à SLN Investimentos não é comparável com a venda que esta última efectua à Groundsel, porque por um lado, a SLN Imobiliária não vende apenas as acções da Validus por PTE 1.084.000.000, vende também o crédito que tinha concedido a esta por PTE 57.436.000, e, por outro lado, a SLN Investimentos não só paga as acções e o crédito à SLN Imobiliária, como, também, adquire à Keresley o crédito que esta detinha sobre a Validus no valor de PTE 427.270.262 e, ainda, concede um novo crédito à Validus (nova sociedade após a cisão) no valor de PTE 463.614.625 para esta adquirir acções da SLN SGPS.
Refere-se ainda à alienação da Quinta da Torre de Santo António, S.A. pela SLN Investimentos ao BPN Seguros de Vida, S.A., que terá gerado uma mais-valia, que teria sempre como beneficiária a holding do Grupo SLN/BPN, ou seja, a SLN SGPS e, por ter sido gerada dentro do mesmo Grupo económico foi anulada para efeitos de contas consolidadas, ou seja, foi como se a mais-valia não tivesse existido.
A Kinasol adquiriu e alienou a participação social da Astroimóvel, tendo pago todo o passivo bancário relativo a esta aquisição com a alienação, pelo que, qualquer passivo que esta sociedade possa ter para com BPN SA, não pode ter sido gerado nem pela Validus, nem pela Quinta da Torre de Santo António, nem pela Astroimóvel.
 
vi. Vejamos.
A questão que o recorrente suscita e que se resume à invocação da inexistência de prejuízos para o Grupo SLN/BPN, relacionadas com a aquisição e venda da Astroimóvel, foi já tratada em sede da apreciação do recurso interposto pelo arguido JO….
Assim, passamos a transcrever o que aí deixámos dito:
“a. Entende o arguido que a matéria de facto aí constante deve ser julgada como não provada quanto a qualquer prejuízo alegadamente decorrente da operação, para a SLN Imobiliária, dando-se ainda como não provado que foi essa a intenção dos arguidos.

b. A tese do arguido funda-se, essencialmente, na alegação de que, pertencendo a SLN Imobiliária e a SLN Investimentos ao mesmo Grupo, as transacções entre ambas ocorridas não importam prejuízo.

c. Discorda-se frontalmente de tal tese, sendo certo que debalde procurámos, no recurso do arguido, a indicação de quaisquer normas jurídicas que a suportem.
Uma sociedade é uma sociedade, ainda que se mostre inserida num determinado Grupo societário. Tem contabilidade própria, gere o património que lhe pertence e desenvolve a sua actividade em autonomia, o que significa que suporta custos próprios, que têm de ser financiados pelos ganhos decorrentes das tarefas que se incluem no seu objecto social e que lhe cumpre prosseguir.

d. Ora, no caso, se comprovadamente a SLN Imobiliária, quando vende a Validus à SLN Investimentos, a valoriza em 1.084.000.000$00 (que foi o preço da venda) e esta, por sua vez, limita-se a dividir o património dessa sociedade em duas e vende as mesmas pelo valor total de 2.327.382.255$00, sendo que essas operações – venda à SLN Investimentos, posterior cisão e venda das duas novas sociedades: a nova Validus e Quinta da Torre de Stº António – decorreram no período de dois dias (28 e 29 de Dezembro de 2000), há que concluir que a SLN Imobiliária teve, de facto, o prejuízo correspondente (2.327.382.255$00-1.084.000.000$00=1.243.382.255$00).

e. E uma vez que tudo isto se passou naquele mais que exíguo espaço temporal – de um dia para o outro – é absolutamente indiferente apurar se o projecto de cisão já vinha pensado há dias, meses ou anos, se havia isenção de sisa ou não, se houve autorizações de registo ou o que é que a SLN Investimento tencionava fazer com a Quinta da Torre de Stº António, porque forçosamente, em 24 horas, nada sucedeu (nem o arguido o invoca) que justifique a dramática alteração de valor do mesmíssimo acervo patrimonial (apenas dividido em dois – duas sociedades).

f. Para além do mais (como adiante melhor se explicará, em sede da apreciação do recurso interposto pelo MºPº em relação ao arguido RO…), quer na aquisição inicial da Astroimóvel, quer na sua venda inflacionada ao fundo Imoglobal, o Grupo SLN/BPN suportou 35% de todo esse negócio a favor de alguém que não pertencia a esse Grupo, a um terceiro (o dito arguido RO…), pois financiou-lhe inicialmente 35% das acções da Astroimóvel e, quando procedeu à venda ao Imoglobal, financiou-lhe 35% de “mais-valias”. Assim, quanto mais não fosse por força desse financiamento de 35%, o prejuízo seria sempre real e efectivo.

g. Assim, o que decorre da reapreciação realizada é que se mostra por demonstrar que a factualidade vertida em tais pontos factuais foi erradamente apurada, o que determina a improcedência das alterações que o arguido propõe.”

vii. Assim, do que se deixou já anteriormente referido no que se refere à Keresley (em que a tese que o recorrente propugnava não se mostrou suportada por elementos que a credibilizassem), bem como da mera constatação que o negócio da Astroimóvel envolveu, em termos de esforço de financiamento, quer a Kinasol, quer a Oardale e que, para além de uma sobrevalorização sem qualquer fundamento – que implicou um esforço acrescido e injustificado para o Grupo SLN/BPN – nesse financiamento se incluiu o de um terceiro, na percentagem de 35%, resta apenas concluir que o recorrente se mostrou incapaz de demonstrar que a decisão fáctica proferida pelo tribunal “a quo”, quanto a estes pontos factuais, se mostrava errada, sem suporte ou de algum modo padecia de vício que a comprometesse.

viii. Assim, resta concluir pela improcedência do aqui por si alegado.

 8. Pontos 939), 940), 941), 942) da matéria julgada provada proveniente da pronúncia:
O recorrente pretende a reapreciação dos pontos acima mencionados, que se reportam à imputação subjectiva.
Fá-lo num único prisma: partindo do pressuposto que seria dado provimento às alterações factuais que supra se mencionaram e, por virtude das mesmas, se teria de concluir que o arguido não actuou sabendo que a sua conduta era proibida e ilícita, com intenção de alcançar benefícios ilegítimos ou de prejudicar quem quer que fosse.
Uma vez que soçobrou o fundamento em que baseia o pedido de alteração quanto a esta materialidade, haverá que concluir que neste ponto é manifesta a improcedência do peticionado.

 9. Pontos de facto julgados não provados 3), 4), 5), 6) e 7), da contestação do arguido:
A este propósito, alega o recorrente que, uma vez que o seu julgamento de não provado decorre do incorrecto julgamento realizado pelo Tribunal a quo para dar como provados os factos que se impugnaram no presente Recurso, valerão aqui as mesmas considerações que supra aduzimos para infirmar esse julgamento do Tribunal, devendo, por conseguinte, e ao invés do realizado no Acórdão recorrido, darem-se os mesmos como provados, a saber, factos julgados não provados 3), 4), 5), 6) e 7).
Do que deixa dito decorre que as razões pelas quais pretende que a matéria inserida em tais pontos factuais seja dada como provada, é igualmente equacionada sob um único prisma: o arguido partiu do pressuposto que seria dado provimento às alterações factuais que supra se mencionaram, por si propugnadas e, por virtude das mesmas, se deveria concluir pelo inverso do aí consignado.
Uma vez que soçobrou o fundamento em que baseia o pedido de alteração quanto à materialidade fáctica dada como provada, haverá que concluir que neste ponto é manifesta a improcedência do peticionado.

v. Síntese final no que respeita ao recurso sobre a matéria de facto interposto pelo arguido LC…:
Atento o que se deixa exposto, há que concluir que, nesta sede, o recurso interposto não mereceu provimento.
                                                        *
gd. recurso apresentado pelo arguido fs….

i. O recorrente extraiu das motivações de recurso que apresentou, a propósito desta questão, as conclusões expostas nos artºs 50º. a 71º, 92º a 138º e 255º. a 285º (uma vez que se procedeu já supra à transcrição integral das conclusões apresentadas por cada um dos recorrentes, opta-se por aqui se indicar apenas os números referentes às mesmas, que importam à decisão das questões que neste segmento cabe apreciar).
Caberá desde já referir que, em algumas das conclusões supra referidas, o arguido FS… mistura nas mesmas questões relativas a vícios decisórios, no que toca a factos dados como provados, com questões que se prendem com a apreciação jurídica dos mesmos.
Assim, neste segmento do acórdão debruçar-nos-emos apenas sobre as questões relativas à matéria de facto, isto é, à putativa verificação de vícios que invalidem a mesma, sendo que infra (quando procedermos ao enquadramento jurídico dos factos apurados), nos pronunciaremos então sobre as questões relativas à sua apreciação jurídica.

ii. O MºPº apresentou resposta a tais conclusões, no sentido do indeferimento da verificação das nulidades apontadas, bem como da improcedência das reapreciações fácticas pedidas (vide transcrição integral supra, em respostas a recursos).

iii. Proceder-se-á à apreciação da matéria sintetizada nas conclusões, nos termos já expostos supra em “F. Critérios da apreciação da matéria de facto.”

iv. Apreciando.

1. Pontos 20 a 22 da matéria julgada provada proveniente da pronúncia:
Entende o recorrente que existe erro notório na apreciação da prova, uma vez que da fundamentação relativa a estes pontos factuais, não se mostram explicadas as razões como o arguido poderia ter tido algum grau de decisão nestas matérias pois, no período em causa, – entre 1998 e 2001 - o recorrente não integrava o conselho de administração da SLN, por um lado e, por outro, porque a segmentação das actividades desenvolvidas pelo grupo económico, com a criação de sub-holdings dedicadas a sectores específicos de actividade de forma a separar e melhor manobrar as operações de contabilização, tratava-se de um projecto próprio do arguido JO…, que vinha sendo apresentado, discutido e aprovado nas assembleias gerais da SLN.

i. Os pontos de facto que o arguido refere têm o seguinte conteúdo:
20) A partir da SLN SGPS e recorrendo à criação de uma cadeia de entidades sub-holding, os arguidos JO…, LC… e FS… determinaram, como pretendiam, a segmentação das actividades desenvolvidas pelo grupo económico, com a criação de sub-holdings dedicadas a sectores específicos de actividade de forma a separar e melhor manobrar as operações de contabilização;
21) Os arguidos JO…, LC… e FS… pretendiam igualmente facilitar a ocultação de operações de financiamento dentro do próprio grupo económico, com recurso ao BPN, bem como camuflar operações destinadas a garantir o controlo accionista, através da criação de entidades destinadas a deter participações na sociedade mãe;
22) Entre 1999 e 2001, os arguidos OC…, LC… e FS… criaram na dependência da SLN SGPS a holding SLN Imobiliária, SGPS, S.A., criando ainda os primeiros dois arguidos, na mesma dependência, a holding SLN Investimentos, SGPS, S.A..

ii. A este propósito refere a motivação realizada pelo tribunal “a quo”:
Por sua vez a ligação do arguido FS… à constituição da SLN Imobiliária SGPS, S.A. resulta cabalmente da circunstância de o mesmo, desde o início, ter sido nomeado vogal do Conselho de Administração desta sociedade (...).
(…)
SLN Valor:
Sem prejuízo do que se dirá quanto à circunstância de a SLN Valor não ter sido constituída na dependência da SLN SGPS, S.A. (art. 22º da pronúncia), importa, desde já, por uma questão de ordem, brevemente, abordar os seus acontecimentos mais marcantes e estabelecer a ligação dos arguidos com a mesma.
Foi constituída a 15.12.2000 (v. contrato de sociedade - doc. constante do apenso de busca 7, pasta 19, doc. n.º 2.26).
A ligação do arguido OC… à decisão de constituição desta sociedade é inequívoca.
Com efeito, outorgou o contrato de sociedade de constituição da SLN, Valor – SGPS, Ld.ª (v. mesmo documento), subscreveu uma quota inicial no valor nominal de € 500.000,00 e foi nomeado Gerente único da sociedade no ato da sua constituição a 15.12.2000 (mesmo doc.).
Embora o arguido FS… não tenha ocupado nenhum cargo societário decisório/executivo aquando da constituição da SLN Valor (a 15.12.2000 foi nomeado Secretário da mesa da assembleia geral – v. documento mencionado), nem participado na escritura de constituição desta sociedade, - o que igualmente ocorreu com o arguido LC…, com a nuance de que este nunca ocupou qualquer cargo nos órgãos sociais da mesma sociedade -, tanto não obsta a que se conclua que ambos os arguidos tiveram intervenção na decisão de constituição da SLN Valor.
Vejamos:
O arguido FS… foi nomeado a 14.12.1999 vogal do Conselho de Administração da SLN Imobiliária SGPS, S.A., para o biénio 1999/2000 (v. contrato de sociedade - doc. constante do “apenso informático 33”; caminho: P:\4910_08.9\30\287\C\CFGA\POSTOS DE TRABALHO\IC…\C\IC…_Ficheiros Vários\IMC\SLNDirecções de Serviços\ACTOS E CONTRATOS_GRUPO SLN\Docs. Actos e Contratos Scaner\1999 _ 12 _ 14 _ Constituição da Sociedade _ SLN Imobiliária, SGPS, SA.pdf; doc. impresso e junto aos autos principais a fls. 38207 a 38226).
Por sua vez, o arguido LC… foi nomeado a 14.12.1999 Presidente do Conselho de Administração da SLN Imobiliária SGPS, S.A., para o biénio 1999/2000 (v. contrato de sociedade - doc. constante do “apenso informático 33”; caminho: P:\4910_08.9\30\287\C\CFGA\POSTOS DE TRABALHO\IC…\C\IC…_Ficheiros Vários\IMC\SLNDirecções de Serviços\ACTOS E CONTRATOS_GRUPO SLN\Docs. Actos e Contratos Scaner\1999 _ 12 _ 14 _ Constituição da Sociedade _ SLN Imobiliária, SGPS, SA.pdf; doc. impresso e junto aos autos principais a fls. 38207 a 38226).
O capital social inicial de € 3.500.000,00 da SLN Valor, Ld.ª, integralmente realizado em numerário, encontrava-se dividido em duas quotas, uma no valor nominal de € 3.000.000,00 pertencente à SLN – Imobiliária, SGPS, S.A., e outra, no valor nominal de € 500.000,00, pertencente ao arguido JO… (v. contrato de sociedade - doc. constante do apenso de busca 7, pasta 19, doc. n.º 2.26).
Considerando que a SLN Imobiliária, SGPS, S.A., foi um dos sócios iniciais da SLN Valor, Ld.ª, com uma quota de € 3.000.000,00, e que à data da subscrição desta quota, ou seja, na data de constituição da SLN Valor, os arguidos LC… e FS… eram, respectivamente, Presidente e vogal do Conselho de Administração da SLN Imobiliária, SGPS, S.A., daqui resulta, necessariamente, que os mesmos não podem ter deixado de participar na decisão de constituição da SLN Valor, Ld.ª.
O que no ponto 21 se refere relativamente à circunstância dos arguidos JO…, LC… e FS… pretenderem «facilitar a ocultação de operações de financiamento dentro do próprio grupo económico, com recurso ao BPN, bem como camuflar operações destinadas a garantir o controlo accionista, através da criação de entidades destinadas a deter participações na sociedade mãe», é depois, ao longo da factualidade provada da pronúncia, constante do acórdão recorrido detalhadamente demonstrado.
Idem, relativamente ao modo como estes arguidos agiram no sentido de dar corpo aos objectivos referidos nos pontos 20 e 22.

iii. Vejamos.
Como se constata pela mera leitura do que se deixa reproduzido, não se vislumbra a existência do erro notório a que o arguido alude, uma vez que, ao inverso do que afirma, o tribunal “a quo” explica as razões pelas quais deu como provada essa matéria factual.
Aliás, sendo tema recorrente deste recurso, a tentativa de o arguido se excluir de qualquer decisão em que a factualidade o insere, com o argumento simplista de que ainda não integrava o conselho de administração da SLN (como se apenas, por essa via, tivesse desenvolvido a sua actividade no Grupo SLN/BPN…), remetemos para o que infra referiremos a propósito deste tema, uma vez que, nesta concreta questão, a motivação do tribunal “a quo” que transcrevemos, arreda os considerandos em que o recorrente fundava o vício a que alude.

iv. Conclui-se, pois, pela não verificação do vício que invoca nesta sede.

2. Pontos 61 e 75 a 222 da matéria julgada provada proveniente da pronúncia – Banco Insular:
Invoca o recorrente a existência de contradição entre a matéria de facto provada e de erro notório na apreciação da prova.

i. Afirma o recorrente que existem contradições entre a matéria de facto dada como provada nalguns destes pontos, bem como ausências de concretização factual, designadamente no que se refere à sua intervenção nos mesmos.

ii. Vejamos.
a. A matéria de facto a que o arguido faz referência narra a decisão de aquisição do Banco Insular, as razões para a mesma, o aumento de capital através da concessão de crédito à Rishona, bem como a posterior operacionalização dessa instituição bancária, para os propósitos decorrentes do 3º pilar da estratégia a que supra se fez já referência.

b. Abrange, por isso, toda esta matéria factual, um período temporal de mais de 8 anos, pois refere-se – em termos globais – ao intervalo de tempo desde a tomada de decisão quanto à sua aquisição, isto é, ao ano 2000, até 17/02/2009, data em que o Banco Insular viu cassada a sua licença para operar.
Note-se, todavia, que a data de 17.02.2009 serve apenas para balizar este termo de actividade, uma vez que só após a saída de JO…, em Fevereiro de 2008, foi possível à nova administração, presidida por MC… (que tomou posse em Agosto de 2008), proceder a uma auditoria ao Banco Insular.
Assim, os resultados que se mostram vertidos na globalidade desta factualidade, reportam-se à actividade desenvolvida pelos arguidos que aí vêm referidos (nem todos colaboraram em todas as operações), nos termos que se mostram descriminados e reportam-se aos períodos temporais que vão sendo apresentados.
No caso do arguido FS…, constatando-se que o mesmo deixou de ser chefe de gabinete do arguido JO… quando este saiu da presidência do Grupo (em Fevereiro de 2008), mas manteve-se como administrador da SLN/SGPS até 17.06.2008 (data em que renunciou ao cargo), a data limite da sua intervenção corresponde, precisamente, a este último momento temporal, em que cessou a sua intervenção a nível decisório, no Grupo.
 
c. O que a matéria factual relata é, pois, que o arguido FS… colaborou, desde o início, na identificação da existência do BI, que se mostrava adequado a ser instrumentalizado, bem como nas diversas operações que se seguiram, que determinaram a sua efectiva instrumentalização, como resulta da leitura da factualidade provada, que abrange todo este período temporal e toda esta matéria.

d. Assim, o ponto de facto 75) é um ponto de síntese, pelo que a descrição dos circunstancialismos que aí se resumem tem de ser encontrada através da restante leitura dos factos provados, no que concerne ao modo como esse Banco foi adquirido e utilizado.
E, como bem afirma o MºPº na sua resposta (cujo segmento transcrevemos infra), é matéria que se mostra comprovada probatoriamente, como disso dá conta o acórdão na sua motivação:
Antes do mais, importa sublinhar que a imputada identificação da existência de um banco que se mostrava adequado a ser instrumentalizado para alcançarem os seus objectivos, não significa que o arguido FS… e os demais co-arguidos OC… e LC… tenham, em expedição comum à costa africana, descoberto, achado, o Banco Insular, mas significa, no que ora e aqui importa, que o arguido FS… identificou e reconheceu, o Banco Insular como entidade hábil para a constituir o terceiro pilar da estratégia global...
E, ao invés do que o arguido FS… alega, essa identificação, esse reconhecimento, estão subjacentes a factos muito concretos que o envolvem.
Com efeito, “a aplicação informática Bank Manager, idêntica à do BPN, SA, que passou a ser utilizada pelo Banco Insular, foi adquirida a expensas do BPN, SA à Promosoft (10.2001), antes ainda da formalização da aquisição do Banco Insular pela Insular Holdings (21.12.2001” (pág. 513 do acórdão recorrido), mediante aceitação manuscrita e assinada pelo arguido FS….
(Apenso de busca 7, doc. 26.07ou Bragas 12, págs. 1 a 4 – 10.10.2001 e 12.10.2001 - Carta do Banco Insular (JV…) para o BPN (FS…), e aceitação da proposta pelo BPN em manuscrito assinado por FS…, relativas à aquisição da aplicação Bank Manager (software) e carta do Banco Insular para a Promosoft a confirmar a proposta para instalação daquela aplicação)
Ainda antes da formalização da aquisição do Banco Insular pela Insular Holdings, AP…, do contencioso do BPN, enviou a FS… modelos dos impressos “ordem de transferência para o exterior” e “aplicações no exterior”, instrumentos destinados à implementação da operativa através da qual o Banco Insular era financiado pelo BPN, Cayman com recursos captados aos balcões do BPN, SA.
Apenso de busca 7, doc. 30.01, pasta 109, pág. 59 – 11.12.2001 ou 12.11.2001 – E-mail de AP… para FS… com os modelos dos impressos “ordem de transferência para o exterior” e “aplicações no exterior”
Além disso, FS… exarou despacho no contrato de compra e venda do Banco Insular celebrado entre a Fincor, SGPS e a Insular Holdings, datado de 20.12.2001, cujos termos são os seguintes: "Original a S. D° IC…”
Apenso de busca 7, doc. 17.12, págs. 99 e 100 ou Bragas 9, págs. 1 e 2 – 20.12.2001 - Contrato de compra e venda entre a Fincor SGPS e a Insular Holdings tendo por objecto as acções do Banco Insular com despacho de FS… “Original a S. D° IC…”;
E, no dia imediato à data da formalização da aquisição do Banco Insular, em 21.12.2001, o arguido FS… recebeu um fax da direcção de operações do BPN com a “Operativa Interna BPN/BI”, “Banco Insular Banco Sul Atlântico, condições de operacionalização do BI e BSA” e “Operativa Banco Insular”, sendo que na “Operativa Interna BPN/BI” se previa, designadamente, a implementação da aplicação KAPPA – 2 “os balcões deixarão de ter acesso ao BPN, Cayman. A informática irá desenvolver um aplicativo que consolidará as posições dos Clientes no exterior independentemente do banco onde elas existem com diferimento de um dia”.)
(Apenso de busca 31 (BPN, 20.10.2005, gabinete do presidente), pasta 1, fls. 142 a  148, págs. 128 a 134 ou Bragas 13, pág. 1 – 21.11.2001 – Fax da Direcção de Operações do BPN para o Eng.º FS… com “Operativa Interna BPN/BI”, “Banco Insular Banco Sul Atlântico, condições de operacionalização do BI e BSA” e “Operativa Banco Insular”, sendo que na “Operativa Interna BPN/BI” se prevê a implementação da aplicação KAPPA – 2 “os balcões deixarão de ter acesso ao BPN, Cayman. A informática irá desenvolver um aplicativo que consolidará as posições do Cliente no exterior independentemente do banco onde elas existem com diferimento de um dia”
 
e. E este ponto 75) não apresenta qualquer contradição com o que se mostra exarado nos pontos 81), 82) e 83), por uma razão simples – estamos perante momentos que se sucedem temporalmente, isto é, não contemporâneos uns dos outros.
Assim, num primeiro momento e na prossecução dos objectivos que tinham em mente e que se mostram consignados nos primeiros factos provados, os arguidos JO…, LC… e FS… “descobrem” um Banco que se mostra apto a ser instrumentalizado para tais propósitos gerais (facto 75).
De seguida, os arguidos JO… e JV… (aqui numa actuação que apenas abrange estes dois arguidos) decidem obter o controlo do BI sem expor o BPN.
Posteriormente, depois de chegarem a este acordo e já em conjunto com o arguido LC…, afinam tal estratégia, no sentido da utilização desse Banco na realização de operações que pudessem subtrair à supervisão.
É então posta em marcha a estratégia definida, iniciando-se as operações que acabam por levar à aquisição do BI pela Insular Holdings.

f. É isto e apenas isto que estes factos descrevem e não se enxerga em que medida é que possa haver aqui qualquer contradição ou outro vício.
E daí que não haja igualmente qualquer contradição, no que se reporta, por um lado, à não inclusão do arguido FS… nas operações que determinaram o aumento de capital do BI (factos 104 a 121), nas quais não há prova de ter tido intervenção mas, por outro, a sua inclusão, a sua colaboração activa, nas questões relativas à prévia aquisição do Banco Insular em si (Apenso de busca 7, doc. 17.12, págs. 99 e 100 ou Bragas 9, págs. 1 e 2 – 20.12.2001 - Contrato de compra e venda entre a Fincor SGPS e a Insular Holdings tendo por objecto as acções do Banco Insular com despacho de FS… “Original a S. D° IC…”) e, posteriormente, à sua operacionalização, tema que trataremos de seguida.
 
iii. A questão seguinte que o arguido suscita resume-se à sua actuação no que se reporta à chamada operativa interna.

a. Começa por afirmar que o tribunal “a quo” não define temporalmente a sua intervenção.
Mas sem razão. Resulta da leitura dos factos provados que o próprio assinala, que a mesma remonta a finais do ano de 2000 (facto 75), retoma em finais de 2001 (facto 159) e estende-se durante todo o período em que foram realizadas as operações descriminadas até ao ponto de facto 222., terminando definitivamente quando cessa as suas funções na SLN SGPS, em Agosto de 2008.

b. Por seu turno, não se mostra compreensível a crítica que o arguido dirige quanto ao decidido (no que concerne à sua intervenção em sede de Banco Insular até ao início de 2002), com fundamento na circunstância de apenas em finais de 2002 se ter tornado vogal da administração da SLN SGPS.

c. Senão, vejamos.
Foram estas as funções que o arguido exerceu no Grupo, como resulta da motivação e da factualidade provada:

> Foi chefe de gabinete do arguido JO…, desde 1998, até à saída daquele do Grupo, em Fevereiro de 2008.
> SLN, SGPS, S.A.:
Foi nomeado a 11.9.1998, secretário da mesa da assembleia geral, para o quadriénio 1998 a 2001;
Em 29.11.2002 foi designado administrador, cargo que continuou a ocupar até 17.6.2008, data em que renunciou ao mesmo;
> BPN SGPS, S.A.:
Foi nomeado a 27.10.1998 secretário da mesa da assembleia geral para o quadriénio 1999/2002;
Foi designado vogal do Conselho de Administração para o quadriénio 2007/2010, cargo ao qual renunciou em 6.6.2008;
> SLN Imobiliária, SGPS, S.A.:
Foi nomeado a 14.12.1999 vogal do Conselho de Administração;
> SLN Valor – SGPS, Ld.ª:
 Foi nomeado a 15.12.2000 secretário da mesa da assembleia geral;
> Imonações – Sociedade Imobiliária, S.A.:
Foi nomeado a 7.9.1999 vogal do Conselho de Administração.
> nexpart:
Foi nomeado a 15.12.2000 vogal do Conselho de Administração para o biénio 2000/2001;
> quinta da torre de santo António:
Foi nomeado a 4.2.2003 vogal do Conselho de Administração para o triénio 2003/2005;
> villas d´água:
Fez parte do Conselho de Administração no biénio 2000 a 2002.

d. De facto, embora o arguido FS… não fosse – à data da criação da operativa interna BPN/BI – vogal da administração da SLN, a verdade é que era chefe de gabinete do seu Presidente, sendo certo que esse é um cargo de confiança pessoal, cabendo-lhe a responsabilidade de coordenar as actividades de toda a equipa, manter-se a par dos mais diversos processos, dar execução a ordens provenientes do presidente e reportar directamente a este.
Para além do mais, em sentido precisamente oposto do que defende, constata-se que em 29 de Setembro de 2000, o arguido FS… deu instruções para a movimentação da conta da Venice no BPN Cayman a descoberto, sendo certo que não era titular da conta nem seu procurador (vide apenso bancário 25, págs. 36 e 38 – 29.09.2000 - Conta da VENICE no BPN, CAYMAN - Instruções a partir do Private Banking do BPN, Porto para transferências da conta VENICE no BPN, CAYMAN, para as contas particulares dos accionistas, duas das quais com despacho que invoca informação de FS…) nem era, à data, vogal da administração da SLN.

e. Obviamente que ninguém contesta que, em termos de responsabilidade decisória, o arguido JO… se situava num patamar acima ao do arguido FS….
Desde logo, como se constata pelo afirmado no ponto 7, a liderança prosseguida por aquele arguido tinha como objectivo a obtenção de poder pessoal e de influência nas áreas financeiras e de negócios.
Sucede, todavia, que para a implementar, não o poderia fazer sozinho, daí que se tenha rodeado de pessoas - entre as quais o arguido FS…, que consigo começou a trabalhar na qualidade de chefe de gabinete, logo a partir de 1998 (facto 14) – que deram o seu acordo à implementação de tal estratégia, na mesma colaborando activamente (o que implica poder decisório na prossecução de tal plano) e recebendo, em contrapartida, benefícios, quer em termos de cargos de topo dentro do grupo, correspondentes remunerações e prémios, quer em termos de poder pessoal, quer sendo contemplados com outros benefícios económicos.
 
f. Mas daí não decorre qualquer contradição quanto à circunstância de, carecendo tais decisões de serem operacionalizadas, o arguido FS… nas mesmas ter tido intervenção, com pleno conhecimento e adesão ao objectivo que com estas se pretendia alcançar, como se comprova não só por um dos cargos que desde o início desempenhou e que já acima se mencionou (chefe de gabinete do arguido JO…), como pela motivação que descreve a sua actuação, no âmbito do BI., que se mostra consignada pelo tribunal “a quo”, designadamente e em síntese:
«É certo que quanto à fase inicial o arguido FS… nega a sua participação/decisão.
«No entanto, para participar nos factos a decisão não tinha necessariamente que partir dele em conjunto com outros arguidos.
«O que é fundamental é que ele tivesse conhecimento dos contornos do negócio e de algum modo tivesse participado dele, aderindo, por isso, aos propósitos iniciais dos arguidos OC… e LC….
«Note-se que a estratégia/plano delineado, como veremos, não se esgotou no ano de 2000, antes se prolongou nos anos subsequentes, com novos actos e pleno conhecimento do arguido FS…, sendo certo que o mesmo, numa fase inicial, sempre foi considerado o “braço direito” e chefe de gabinete do arguido OC…, com pleno conhecimento de inúmeros assuntos relativos ao grupo SLN/BPN, servindo de intermediário entre OC… e terceiros. Além de que era vogal do Conselho de Administração da SLN Imobiliária (cargo para o qual foi nomeado a 14.12.1999 e para o biénio1999/2000), sociedade que foi interveniente nos negócios e que se pretendia ver retirada do perímetro de consolidação da SLN SGPS, S.A..
(…) Aqui chegados, importa, para a cabal condensação da motivação, tecer alguns comentários relativos à participação dos arguidos nesta matéria do Banco Insular, sem prejuízo, obviamente, de tudo o que já se deixou exposto, do que ainda se dirá ao longo da motivação, até porque o tema do Banco Insular é transversal a toda a pronúncia e imbrica directamente com os negócios concretos que posteriormente serão analisados:
(…)
FS…:
A participação do arguido FS… também resulta evidente de toda a motivação que já foi apresentada.
Complementarmente, justifica-se fazer um resumo das suas declarações em sede de julgamento por referência à maior parte dos factos analisados, na medida em que as mesmas se poderão, em grande parte, considerar confessórias dessa factualidade:
- Arts. 209° e segs. da pronúncia – Sabe que foram abertas contas fora do balanço, mas não tinha conhecimento da extensão/quantidade dessas contas;
- 210°, al. b) da pronúncia – eram sociedades do grupo;
- 210°, al. c) da pronúncia – eram sociedades do grupo na sua grande maioria; mas a Zemio estava ligada a OC…. A Breslan acha que estava ligada a LC….
- 210°, al. d) da pronúncia – sim, eram sociedades do grupo; Jared era o “saco azul” que era utilizada para fazer pagamentos a colaboradores e administradores do grupo e pagamentos de patrocínios.
Mas, pessoalmente, nunca recebeu nada da Jared.
Havia administradores que recebiam parte do vencimento através da Jared (normalmente a diferença entre o líquido e o bruto). Os pagamentos normalmente eram feitos em numerário.
- 212° da pronúncia - Havia registo contabilístico do balcão 2, só que não era comunicado ao Banco de Portugal e a Cabo Verde, só era comunicado o balcão 1 a Cabo verde. A determinação foi de OC…;
- 214º da pronúncia - que saiba essas sociedades não consolidavam; tinha acesso aos relatórios e contas e estes não faziam referência à existência/consolidação de offshores do grupo.
Entidades que estavam relacionadas com o grupo, tinham activos ligados à gestão do grupo.
Conta A1 era de OC… e foi aberta para concessão de um crédito que foi utilizado para liquidar um empréstimo que ele tinha no Fortis Bank;
- 215º da pronúncia - sabe que foram abertos créditos sob essa forma mas não tem ideia nenhuma dos valores.
- 216º da pronúncia - a ideia que tem é que era só a Jared. A Reltonia não sabe; - 217º da pronúncia - teve conhecimento da Jared, das outras duas não;
- 218º da pronúncia - sabe que transitavam de um lado para o outro. Aliás, tentou-se a partir de determinada altura (2006) diminuir o fora de balanço e o dentro do balanço.
Houve reuniões para o efeito, em que estava presente com a área comercial (administrador TC…) e AF…, nas quais se tentou arranjar soluções para diminuir o crédito no Banco Insular.
Isso foi uma iniciativa de algumas pessoas que visava diminuir a exposição ao Banco Insular.
Pensa que LC… não teve conhecimento destas reuniões, nesta fase já estava com algum distanciamento em relação a OC….
Em aditamento é ainda de salientar a seguinte documentação:
- Apenso de busca 7, doc. 51.11, pág. 450 – 22.01.2001 - Fax de MP… do BPN, SA (Direcção de contabilidade) para o Eng.º FS… sobre o assunto “relatório a enviar para as autoridades de CAYMAN” do seguinte teor “Conforme V/ solicitação junto envio relatório que após sua aprovação será enviado para as autoridades monetárias de CAYMAN” (conforme depoimento de AJo… os reportes para as autoridades de supervisão de Cayman eram enviados pela Direcção de Contabilidade);
- Apenso de busca 7, doc. 41.03, pág. 11 – Nota interna de GS… (Direcção da Contabilidade) para FS… sobre “BPN Cayman” que aborda a insuficiência de capitais próprios do BPN Cayman e junta quadros com valores de Cayman-Real e Cayman-Report com referência a 31.07.2001 e 31.08.2001;
- Apenso 33 – 22\TRAT\1\Mail\FS…\26122004\1 fs….nsf/($ Sent-Drafts)\Taxa Devedora DO-Cayman.msg – 04.02.2002 – E-mail de RP… para FS… no qual são pedidas instruções sobre a taxa de juro a carregar nas sociedades offshore a partir de 31.12.2001, com a menção de que LM… indicará as offshore do grupo;
- Apenso 33 – 22\TRAT\1\MAIL-FS…\26122004\1 fs… .nsf\ ($Inbox)\Datacomp.msg – 09.01.2003 - E-mail de RP… para FS… sobre a Datacomp a propósito de erro na indicação de taxa de juros em contrato de mútuo entre o Banco Insular e a Datacomp;
- Apenso de busca 7, doc.17.37, pág. 35 – 09.01.2004 – carta da Sorel, empresa da SLN, assinada por JOl…, dirigida ao Banco Insular, à atenção de FS…, com pedido de financiamento para a sua participada Exa Rent – Aluguer de Automóveis, Lda. na forma de descoberto da conta corrente ou c. c. c. no montante global de 1.5000.000 euros;
Até 29.11.2002 o arguido FS… sempre foi considerado “chefe de gabinete” do arguido OC… e a partir daquela data foi designado administrador da SLN SGPS, S.A., até ao final do mandato 2002/2005, cargo que continuou a ocupar no quadriénio 2006/2009, tendo renunciado ao mesmo a 17.6.2008 (v. certidão do registo comercial - doc. constante do vol. 11º dos autos principais, págs. 4323 a 4350).
Considerando as funções que exerceu, as suas declarações parcialmente confessórias, bem como toda a documentação identificada, que directa ou indirectamente lhe diz respeito, não pode deixar de se concluir pela sua participação directa nos factos em referência.

g. É assim essa sua adesão e colaboração activa, bem como capacidade decisória, quanto a uma série de propósitos e de operações, que revelam autonomia deliberativa quanto a questões de operacionalização, na procura e concretização dos objectivos aí narrados, que se mostra descrita na factualidade que o arguido entende erroneamente como contraditória.
É isso, aliás, que decorre do que se mostra dado como provado no ponto 149): A disponibilidade do Banco Insular para a colocação de operações de crédito foi dada a conhecer pelos arguidos OC… e LC… a outros responsáveis do BPN e da SLN, caso dos arguidos FS…, IC…, LM… e LAl…, passando os arguidos FS…, LM… e LAl… a também intervir no processo de determinação e controlo dos movimentos a lançar nas contas do Banco Insular; ou seja, o arguido FS… passou a intervir igualmente nessa operacionalização, dando ordens suas ou veiculando as que provinham dos arguidos JO… e LC… - sabendo o que se pretendia obter com as mesmas – no que se refere aos quantitativos a movimentar, bem como nos procedimentos de circulação e libertação de fundos, entidades de origem, destino das operações, etc (ponto 150).

h. E o tribunal “a quo”, na sua motivação a propósito deste ponto e deste arguido, afirma precisamente isso:
Resumindo, face ao que se deixou exposto: o lançamento das operações a realizar no Banco Insular tinha origem em instruções das administrações do BPN, SA e da SLN, SGPS, designadamente da parte dos arguidos OC…, LC… e FS…, que as transmitiam directamente ao arguido AF… ou indirectamente, através dos arguidos LM… e/ou LAl…, sendo executadas na Direcção de Operações (DOP), ou na Unidade de Operações Internacionais (UOI) pelos operacionais – os identificados supra - que acediam à plataforma informática do Banco Insular.

i. Igualmente, no que concerne ao seu conhecimento e à sua intervenção já na operacionalização da dita operativa interna, a verdade é que o próprio arguido (para além de todos os elementos probatórios que o tribunal “a quo” refere que, objectivamente, o demonstram), até admitiu ter conhecimento das contas A1 e A2: Quanto ao arguido FS…, além do facto de o mesmo ter assumido o conhecimento das contas A1 e A2, os documentos mencionados supra demonstram, inequivocamente, a sua participação.

i. Inexistem, pois, no que se refere aos factos 149) e 150), os vícios que o recorrente aponta ao decidido.

iv. No que concerne à contradição entre os pontos 170) e 183):
Esta inexiste, pois cada um destes pontos se refere a realidades distintas. De facto, o ponto 170) reporta-se à colaboração que o arguido deu ao arguido AF… na concepção da operativa interna BPN/BI, enquanto que, no ponto 183), sintetiza-se que, por virtude da implementação da mesma, era possível a obtenção de fundos no BI para financiamento de um conjunto de operações que se pretendiam secretas.

v. No que concerne à contradição entre os pontos 185) e 188):
Ela inexiste, pois no ponto 185) atribui-se a responsabilidade na criação de dois balcões (decisão que se imputa também ao arguido FS…) e no ponto 188) afirma-se que a decisão de colocação de contas no Balcão 2 só incumbia aos outros dois arguidos aí mencionados.
Ora, uma coisa é a decisão de determinação de repartição em dois balcões e outra, diversa, autónoma e posterior, a decisão de quais as contas que iam para um determinado balcão anteriormente criado.

vi. Insurge-se ainda o arguido por, nos factos provados 204), 205), 209) e 211) lhe ser imputada a concessão de crédito em fora de balanço, num montante total de 725 milhões de euros sem que, todavia, se mostrem devidamente concretizadas quais as operações em que teve efectiva intervenção.

a. Essa questão mostra-se abordada pelo tribunal “a quo” (dificuldade de especificação das operações efectuadas no Banco Insular devido à sua propositada informalidade) e o próprio arguido a reconhece, nas declarações que prestou em audiência e às quais o tribunal “a quo” se refere a fls. 586 do acórdão:
Geralmente as instruções eram dadas verbalmente a AF… ou a RP….
Numa fase posterior essas instruções também foram transmitidas a AJo… que tinha também um relacionamento directo com OC…

b. Sucede, todavia, que foi possível apurar que a actividade do arguido FS…, designadamente no que concerne à colaboração que prestou ao arguido AF…, para a concepção da operativa interna que veio a permitir, precisamente a obtenção de fundos no BI para financiamento de um conjunto de operações que se pretendiam secretas, se dirigiu precisamente àquele fim, mostrando-se igualmente descriminados, noutros pontos da matéria de facto provada, que o arguido teve relevante e significativa actuação no âmbito desta modalidade tão especial de financiamento encoberto, como já supra se referiu.

c. Não se vislumbra, pois, que exista aqui qualquer vício, uma vez que o arguido manteve uma actividade essencial à concepção, implementação e execução, através de um esquema de contabilidade fraudulenta, dos financiamentos concedidos, bem sabendo quais os propósitos que se pretendiam alcançar, pelo que tinha decididamente domínio de todos os factos em relação aos quais teve intervenção, não sendo razoável, atentas as regras de experiência comum, pretender agora afirmar a sua ignorância quanto à existência de tal esquema e às consequências que do mesmo advieram, sendo certo que a concretização das operações em que teve intervenção se mostra realizada ao longo da narração constante na matéria de facto dada como provada.
 
vii. No que concerne aos factos 213) e 214):
Nestes factos apenas se refere que o arguido também teve intervenção na decisão da criação de contas alfanuméricas e que com a mesma se pretendia aumentar o nível de confidencialidade das contas em causa (não é imputado ao arguido o uso deste tipo de contas em seu benefício pessoal).

a. E esta matéria decorre, precisamente, da factualidade já atrás dada como assente, em que se demonstrou que o arguido FS… teve um papel de relevo na montagem de todo o esquema de funcionamento do BI, mostrando-se igualmente vertida, em sede de motivação realizada pelo tribunal “a quo”, a seguinte apreciação probatória já supra transcrita:
Quanto ao arguido FS…, além do facto de o mesmo ter assumido o conhecimento das contas A1 e A2, os documentos mencionados supra demonstram, inequivocamente, a sua participação.

b. Ora, o primeiro movimento realizado em sede de contas alfanuméricas teve data-valor de 06.03.2003, sendo seu beneficiário o administrador FCo…. Esta conta foi saldada, em 09.11.2004, por crédito de transferência provinda de descoberto da conta da Jared (offshore e central de custos do grupo SLN/BPN), habitualmente usada para pagar comissões, remunerações e prémios.

c. No âmbito dessas operações, consta nos autos:
Apenso de busca 7, doc. 05.34, pág. 737 – 05.03.2003 – E-mail de FCo… para FS… sobre a linha de crédito pessoal até € 380.000,00 no Banco Insular com nota manuscrita e rubricada de FS… “OK”;
Apenso de busca 7, doc. 43.10, pág. 8 – 31.12.2003 - Nota com as quantias a haver por FCo… em 31.12.2003 com duas anotações manuscritas, sendo uma “recebi 137.279,00 € em 30.12.2003” e outra dirigida a FS… que se refere, além do mais, à liquidação do financiamento junto do Banco Insular “em devido tempo”.

d. Consta ainda, igualmente, em sede de motivação:
Acresce que, como vimos, nalgumas contas alfanuméricas houve transferências a débito da conta da Jared e a crédito naquelas, sendo que esta sociedade offshore era do grupo SLN na medida que o seu último beneficiário era a Marazion.
Recorda-se, o que acima se referiu quanto à Jared:
Serviu para parqueamento de custos (integrou o grupo G de sociedades offshore agrupadas por afinidades no âmbito do Projecto César) de diferentes naturezas, entre outros, com as denominadas contas investimento que consistiam numa aplicação que, em parte, era um depósito a prazo e, noutra, servia para adquirir unidades de participação de fundos de investimento que, dada a sua natureza, não consolidavam.
Documentação de suporte:
(...)
A prova testemunhal então indicada e resumida foi inequívoca quanto à caracterização desta sociedade offshore como “centro de custos”, ou seja, uma entidade que servia para fazer diversos pagamentos em benefício do grupo SLN/BPN sem que os mesmos fossem relevados e consolidados nas contas do mesmo grupo.
Sendo a sociedade offshore Jared do grupo, servindo a mesma como “centro de custos” do grupo SLN/BPN, ou seja, para fazer diversos pagamentos em benefício do grupo, considerando, como vimos supra, o controle efectivo a nível financeiro que o arguido LC… fazia das sociedades offshore do grupo, o envolvimento deste arguido com o grupo (administrador da SLN SGPS e BPN SGPS), o também envolvimento do arguido FS… com o mesmo grupo (administrador da SLN SGPS) e, por fim, a circunstância de a Jared ter estado envolvida no pagamento de alguns créditos de administradores do grupo, créditos esses que haviam sido concedidos nas identificadas contas alfanuméricas do Banco Insular (A2 – FCo… – administrador do BPN, SA; A4 – AF… – director da DOP até Março de 2006 e administrador da SLN SGPS de Março de 2006 a Julho de 2008) é forçoso concluir pelo conhecimento e participação de ambos os arguidos na criação, desenvolvimento e finalidades subjacentes das contas alfanuméricas indicadas.

viii. Atento tudo o que se deixa exposto, há que concluir que no que se refere aos vícios que o arguido FS… imputa aos pontos acima mencionados, não se constatou a sua verificação, razão pela qual nos resta afirmar a improcedência do peticionado nesta sede.

3. Pontos 69) e 70) da matéria julgada provada proveniente da pronúncia:
Entende o recorrente que não há qualquer referência na motivação sobre a prova destes factos, que lhe permita imputar haver determinado a obtenção/constituição de sociedades offshores, não bastando para tal o facto de ter admitido que tinha conhecimento da sua existência.

i. Os factos a que o recorrente alude têm o seguinte teor:
69) Na execução do plano traçado, foram os arguidos JO…, LC… e FS…, ordenando ao longo do espaço temporal a que os factos se referem, a obtenção e utilização de sociedades registadas em Offshore, que destinavam, consoante os seus específicos interesses, a parqueamento de custos, a deter acções da SLN SGPS ou SLN VALOR, a deter activos do grupo SLN e a servirem como veículos de passagem de fundos e operações pontuais;
70) Através de ordens directas de OC…, LC… e FS…, a PLANFIN, angariou e disponibilizou, além das sociedades intervenientes em negócios específicos, as seguintes sociedades Offshore, que, de forma repetida, foram utilizadas na prática dos factos que adiante se vão narrar:
- A entidade MARAZION HOLDINGS LLC, foi constituída a 27 de Novembro de 2000, nas Ilhas Virgens Britânicas, tendo tido como beneficiários iniciais a Planfin e a SLN SGPS, S.A., posteriormente, entre 2.3.2001 a 26.11.2007, a SLN Imobiliária SGPS, S.A. e, por fim, a partir desta data a SLN SGPS, S.A.;
- A entidade VENICE CAPITAL LIMITED, foi constituída nas Ilhas Virgens Britânicas, no dia 28 de Setembro de 2000, tendo como beneficiário a entidade Marazion;
- A entidade INVESCO WORLDWIDE LTD, foi constituída nas Ilhas Virgens Britânicas em Novembro de 1999, tendo como beneficiário a entidade Marazion;
- A entidade CAMDEN CAPITAL CORPORATION, foi constituída nas Ilhas Virgens Britânicas, no dia 14 de Setembro de 2000, tendo como beneficiário a entidade Marazion;
- A entidade JARED FINANCE LLC, foi constituída na Ilha de Man, no dia 23 de Maio de 2002, tendo como beneficiário a entidade Marazion;
- A entidade SOLRAC FINANCE INC, foi constituída na Ilha de Man no dia 29 de Julho de 2002, tendo como beneficiário a entidade Marazion;

ii. O tribunal “a quo”, a este respeito, exarou o seguinte em sede de motivação:
Já acima nos debruçamos sobre as offshores no âmbito dos temas “estratégia – arts. 7° a 14° da pronúncia” e “constituição de offshores: Planfin e BCS – arts. 33° a 64° da pronúncia” e, por isso, remete-se para a fundamentação desenvolvida a esse propósito.
Sem prejuízo, dir-se-á ainda:
Como alicerce da estratégia concebida, OC…, LC… e FS… determinaram a obtenção de inúmeras sociedades offshore que, em finais de 2008 e conforme apuramento feito no âmbito do designado projecto César, eram em número de 95 a 98 (depoimento da testemunha AJo… - trabalhou vários anos na direcção de operações do BPN e, em 2006, passou para assessor do Conselho de Administração da mesma instituição).
Estas sociedades foram utilizadas para (i) parqueamento de custos, para (ii) detenção de acções da SLN, SGPS, da SLN VALOR ou de sociedades do grupo e para (iii) serviço de passagem, triangulações, de fundos e operações pontuais.
A disponibilização e controlo das sociedades offshore, como vimos supra, eram tarefas realizadas, primeiro, pela PLANFIN - Sociedade de Planeamento Internacional, SA e, depois, pela CFGA sempre que eram solicitados pela SLN, SGPS, por OC…, por LC… ou por FS….
A propósito do que se acaba de apontar e deste tema, além de todos os documentos já referenciados, tenha-se ainda em consideração a seguinte documentação:
- Apenso de busca 13, vol. 1, fls. 240 a 242, págs. 241 a 243 – 05.07.2000 – Reunião interna da Planfin com LC…, IM… e LM… relativa à organização do registo das sociedades offshore a nível de cadastro, facturação, movimentos financeiros, reporting/listagens, sendo que relativamente às “listagens” se engloba “conta-corrente, clientes, fornecedores, outras entidades”;
- Apenso de busca 13 (CADERNOS), vol. 1, pág. 75 – 24.03.2000 - Apontamento manuscrito por IM…: “Eng. FS… se efectivamente vamos constituir uma nova offshore para os custos dos Rec. Humanos/Constituir/Falar”;
- doc. 7 da pasta 4 da busca 4 (veículos accionistas das SLN SGPS – documento encontrado na residência de OC…, na cave);
Ademais, a propósito das sociedades offshore, não deixa de relevar substancialmente a prova testemunhal produzida, a saber:
AJo… (trabalhou vários anos na direcção de operações do BPN e, em 2006, passou para assessor do Conselho de Administração da mesma instituição):
Referiu, relativamente à operação/projecto César que foi criado por MC…, JC… e MF..., presidente e administradores do BPN, S.A., e visava determinar o real perímetro de consolidação da SLN, uma vez que esse perímetro não estava definido.
Mesmo antes de a operação ter sido lançada existia um conjunto considerável de sociedades offshore que eram detidas por uma sociedade instrumental – a Marazion -, que tinha por beneficiário a própria SLN.
Eram cerca de 95 a 98 sociedades offshore.
A operação César foi determinada em 4 de Agosto de 2008, data que marca o início da mesma.
Pretendia-se perceber qual o propósito dos créditos concedidos a estas sociedades, se os desembolsos financeiros tinham correspondido à aquisição de algum activo.
Foi apurado que muitas sociedades detinham participações em sociedades residentes em território nacional, normalmente superiores a 80%, e que os outros 20% eram detidos por uma outra empresa detida pela SLN.
Chegou-se à conclusão de que as sociedades offshore que tinham esta tipologia de participação acabaram por ser instrumentalizadas no sentido de evitar a consolidação destes activos no balanço da SLN.
A operação tinha ainda por propósito perceber qual era a percentagem de acções próprias detidas pela SLN.
Foram indicadas um conjunto de sociedades offshores financiadas no Banco Insular, financiamentos que se destinavam à aquisição de acções da SLN.”
Quanto à Planfin:
Genericamente a Planfin constituía as sociedades offshores. Tratava de toda a documentação necessária para a sua constituição.
TMa… (trabalha no departamento de supervisão prudencial do Banco de Portugal desde Dezembro de 2007 e, desde que iniciou funções no Banco de Portugal, começou a acompanhar o grupo SLN. No acompanhamento do grupo SLN esteve colocada numa inspecção que esteve no BPN em 2008 e 2009, analisando as várias temáticas que iam surgindo - créditos a veículos offshore, créditos a accionistas e a membros dos órgãos sociais do BPN. Pessoalmente abordou essencialmente o crédito a veículos accionistas e créditos a veículos offshore):
Em reunião interna no Banco de Portugal que teve com o arguido AF… este referiu-lhe “em relação a todos os veículos” (sociedades offshore) “que existiam no balcão virtual do Banco Insular a gestão dos mesmos era feita pelo Dr.º LC…”.
CR… (iniciou funções em Junho de 1999 no BPN e foi abrir a área de offshore do Banco, parte operacional. Consistia em lançar operações em paraísos fiscais - abertura de contas, depósitos de clientes, financiamentos. Era a unidade de offshore da qual foi o responsável até inícios de 2006) que a propósito das sociedades offshore declarou, com importância:
As operações na unidade de offshore tinham por base instruções.
Pontualmente recebiam instruções directamente da Administração.
As instruções que vinham da direcção de operações ou eram relacionadas com empresas offshores do grupo ou de determinados clientes considerados de topo, que tinham acesso à administração e que por isso davam as suas instruções via Administração.
Quando as instruções vinham da DOP, as mesmas eram transmitidas, por norma, por AD… e também por RP… via mail. AF… também transmitia, mas raramente.
AD… estava no mesmo núcleo da Direcção de Operações e tinham instruções da parte da sua direcção para executarem as instruções que AD… enviasse, desde que as contas estivessem habilitadas e a instrução viesse com conhecimento a, pelo menos, um elemento da direcção.
Numa ou outra situação receberam instruções directamente da Administração, não passando pela Direcção de Operações; vinham directamente para a Unidade. Isto aconteceu meia dúzia de vezes.
Quem deu essas instruções foi OC… ou o Eng. S… (na altura assessor do Presidente).
Receberam também instruções indirectas da Administração através de LM… e outro elemento de que não se recorda do nome, via direcção, ou seja, havia um mail dele a pedir uma operação, referindo-se à Administração.
Também a testemunha AG… (advogado que trabalhou na Planfin e posteriormente na CFGA) a este nível e após ter sido confrontado com o documento constante do “apenso informático 33” (caminho: E:\4910\30\283\1\G…\Offshores\R…- Memo.doc) referiu: também se deslocava ao 8º piso para receber instruções de LC…. Neste caso foi para montar todas estas operações, incluindo em relação ao Banco Insular.
JPi… (prestou serviços para o grupo SLN de Agosto de 2008 a Julho de 2009, tendo integrado um grupo de trabalho que visava verificar a existência e tipo de actividades de sociedades que não estavam a ser consideradas no perímetro de consolidação do grupo, designadamente de sociedades residentes e não residentes.
O grupo de trabalho foi constituído pela testemunha, AD…, LAl…, IC… e AG…, e foi designado por Projecto César.
Esse grupo listou um conjunto de sociedades com base nas indicações que foram sendo dadas pelos seus membros, tendo inventariado cerca de 90 sociedades não residentes que não consolidavam, tendo o grupo feito a arrumação dessas sociedades por grupos de afinidades entre delas):
A propósito das conclusões a que chegaram no âmbito do intitulado projecto César no tocante às sociedades offshore do grupo, referiu, com importância:
Foi feito um relatório inicial sobre as sociedades, quantificando as dívidas que essas sociedades tinham e os activos que detinham.
Também se obteve informação da informática (extractos bancários) que permitiu quantificar as dívidas das sociedades e activos que detinham.
Havia cerca de 90 a 100 sociedades não residentes que não consolidavam no grupo e que se agrupavam por afinidades, designadamente:
1° - sociedades cujo património era constituído somente por acções da SLN;
2° - sociedades que participavam noutras sociedades, essencialmente as que participavam nas sociedades residentes;
3° - outro grupo igual ao 2°, mas que participava em sociedades residentes ligadas ao imobiliário;
4° - custos parqueados em sociedades não residentes;
5° - outro grupo designado por operação Porto Rico;
Nas sociedades não residentes ocultavam-se acções próprias do grupo e, quando se ocultavam custos, mostrava-se uma situação financeira diferente. Ocultava-se ainda a ultrapassagem de limites dos capitais próprios e a participação de sociedades financeiras.
Quando sociedades não residentes participavam em sociedades residentes, pela via do suprimento, acabavam por financiar estas últimas.
A maior parte das sociedades não residentes eram da SLN.
Havia uma realidade informal de certa forma descontrolada.
Por exemplo, as sociedades para parqueamento de custos eram pertença da SLN e a maior parte dos custos parqueados eram do BPN.
O resultado é que os custos do BPN e da própria SLN eram anulados, o que teria consequências nos resultados do banco e do próprio grupo, mesmo a nível de consolidação.
As sociedades que serviram para parqueamento de custos foram a Solrac (continuação da Venice por mudança de nome ou pela transferência de saldos) e a Jared.
Quase todas as sociedades não residentes eram detidas pela SLN por meio de uma outra sociedade não residente, a Marazion.
O endividamento era muito grande nas sociedades não residentes, à volta de 500 milhões de euros.
As sociedades não residentes de parqueamento de custos, de um modo geral, não tinham activos.
O valor dos passivos era muito superior ao valor dos activos.
Confrontado com o documento constante do apenso 33 (caminho: 1-Anexo A\TRAT\1\PC-Dr.-P…\DOCS\C\Documents and Settings\g003314\Os meus documentos\proj césar\relatórios e memos\Projecto César_relatório 1.doc) a testemunha confirmou a autoria do trabalho do âmbito do projecto César, designadamente o primeiro relatório, sendo que este documento contém as várias sociedades offshore agrupadas por grupos.
Mais referiu que o último relatório elaborado no âmbito do projecto César é o que consta do apenso informático 33 (caminho: A\TRAT\1\PC-Dr.-P…\DOCS\C\Documents and Settings\g003314\Os meus documentos\proj césar\relatórios e memos\Projecto César_relatório 3.doc), relatório este que foi apresentado à administração do grupo SLN.
Também a testemunha AV… (em 2008 assumiu a presidência do grupo BPN/SLN durante cerca de 4 meses) foi claro e inequívoco quando explicou que havia inúmeras sociedades offshore detidas pelo grupo para determinados objectivos, designadamente para financiar acções próprias, para financiamento de sociedades do próprio grupo, e outras que serviam para central/parqueamento de custos.
Inequívoca também foi a testemunha JLo… (foi nomeado pelo Estado Português e pela Caixa Geral de Depósitos no dia da nacionalização - 12.11.2008 - para integrar o Conselho de Administração do BPN e de outras empresas do grupo, função na qual se manteve até ao final de 2011) que a propósito de igual matéria mencionou:
Projecto César:
Objectivos: mantiveram-se após a nacionalização. Visava-se fazer o apuramento dos activos e passivos que pertenciam ao BPN e à SLN, ou seja, diferenciar e identificar o que pertencia a cada uma destas entidades.
O único dossier que foi fechado a este nível foi o da Jared, que tinha 69 milhões de passivo. O líquido final passivo, descontando o activo, era de cerca de 50 milhões. Apuraram para onde foi o dinheiro, quais as finalidades e quem ficou com o dinheiro. Havia confusões patentes entre BPN e SLN a nível de movimentos.
Outro dossier importante na ordem dos 100 milhões foi a Solrac.
Foram analisadas as offshores, linha a linha, com movimentos, documentação, quem mandou fazer e a que se destinavam os movimentos.
Num primeiro momento visava-se identificar o UBO de cada uma das offshores a fim de apurar a titularidade das mesmas.
As pessoas que integraram o projecto César antes da nacionalização foram PCo… (manteve-se consigo durante algum tempo), AJo… (passou a fazer parte consigo), mais JRd…, Dr.ª PP…, EP… e MFr….
Uma das fontes principais dos UBO´s era o Dr.º AG….
A Jared era uma offshore que tinha como UBO a Marazion (de certa forma era a holding das offshores) que tinha, por sua vez, como UBO a SLN.
Havia gastos feitos no interesse do Banco ou de empresas da SLN.
A Jared funcionou como um centro de custos que era financiada a descoberto.
A nível de offshores, o crédito a descoberto ou em conta-corrente andava na ordem dos mil milhões a mil e duzentos milhões.
A Solrac era igualmente um centro de custos que sucedeu à Venice. A Solrac absorveu a Venice.
Por sua vez, a testemunha FM… (advogado, entrou para Presidente da SLN no dia 2.2.2009 quando MC… abandonou a presidência, funções em que se mantém ainda actualmente, sendo certo que a SLN agora tem o nome de Galilei) referiu que sob a sua presidência foi dada continuidade ao projecto César e que no âmbito deste, até hoje, a SLN assumiu a titularidade de cerca de 88 sociedades offshore (sociedades que tivessem participações em sociedades do grupo ou cujo beneficiário último fosse a SLN através da Marazion).
Por outro lado, o depoimento da testemunha FA… (nomeado administrador da SLN SGPS em meados de Janeiro de 2008 e nomeado CEO das sub-holdings da área não financeira em Fevereiro de 2008. No âmbito da SLN assumiu o pelouro da área não financeira. Manteve-se em funções até finais de Outubro de 2008, cerca de 2 semanas antes da nacionalização do grupo) foi pertinente ao explicar que:
O Grupo teve um crescimento bastante grande com diversificação muito significativa de negócios.
O Banco passou a ter excesso de exposição. Havia um problema crítico a nível de rácios de solvabilidade e, de certa forma, a nível de liquidez.
Foram criadas várias formas de dissimulação para fora do balanço. Por isso, o uso crescente do mecanismo das offshores, que leva, pela sua quantidade, ao uso do Banco Insular.
Impressivas, neste âmbito, são igualmente as declarações prestadas pela testemunha JC… (fez parte da equipa que era liderada por MC…. No BPN esteve desde 20.6.2008 até à nacionalização - 11.11.2008. Era membro do C.A.. Na SLN, esteve desde a mesma data, como administrador, até finais de Fevereiro de 2009):
Na investigação que foi feita descobriram a existência de outras sociedades offshore. Procuraram saber quem eram os últimos beneficiários. Chegaram ao número de 98, como pertencentes ao universo SLN. Essencialmente obteve a informação de 3 pessoas (AD…, IC… e AG…). Além disso pediram às entidades fiduciárias indicação de quem eram os beneficiários destas sociedades (98), tendo obtido informações de todas.
Projecto “César”:
Tiveram a percepção que havia mais sociedades offshore do que as que haviam sido reportadas ao Banco de Portugal
Na própria SLN havia já algumas declarações de últimos beneficiários. Deu nota disso a MC…, tendo feito um comentário “A César o que é de César”, projecto que teve em vista conhecer o mundo informal da SLN (que outras sociedades offshore existiam e a análise das mesmas).
Este mundo informal era superior ao que pensava e, por isso, foi necessário reforçar a equipa, o que foi feito com o PCo… (pessoa exterior ao Banco e independente).
Foi criado um grupo de trabalho que era constituído por PCo… (coordenava), AG…, IC… (ambos da Planfin) e o AD…
Perceberam que a Planfin tinha sido instrumental e que tinha ajudado à criação deste mundo informal.
LAl… era o técnico oficial de contas do grupo SLN. Ele também contribuiu bastante a nível de informação de impactos a nível de consolidação no grupo, fazendo simulações desse impacto.
Resultado da operação/projecto César:
Foram identificadas 96 sociedades offshore tendo como beneficiário último a SLN, as quais foram classificadas em subgrupos por afinidades em função das operações que realizavam.
Das sociedades offshore, algumas serviam para deter acções próprias, outras serviram para retirar do balanço parte do imobiliário por causa dos rácios de solvabilidade, outras serviram para retirar do grupo sociedades da área automóvel, sociedades que pretendiam esconder alguns custos para apresentar melhores resultados, na medida em que resultados mais negativos reduzem o capital próprio e, por sua vez, os rácios de solvabilidade.
Os financiamentos de aquisições eram feitas pelo próprio BPN (excesso de financiamento ao grupo), logo as sociedades offshore pretendiam esconder esses financiamentos.
Havia um outro grupo de sociedades offshore que escondiam custos e perdas e outro grupo que escondia activos e financiamentos.
Havia a ideia de imparidades na componente de crédito na ordem dos 800 milhões de euros.
O impacto da realidade informal, a sua inclusão, implicavam capitais próprios negativos, ou seja, o grupo ficaria tecnicamente falido.
Em 2008 ainda não era possível reflectir no resultado do balanço o universo informal do grupo embora se fizesse referência a esse universo num anexo, de modo a que era possível ter uma visão abrangente da situação financeira/patrimonial do grupo.
Relativamente à questão colocada de quem conhecia este “mundo informal”, respondeu:
O Presidente do grupo SLN (OC…) fazia uma gestão da sua conveniência em função dos objectivos, de quem devia participar e quem devia conhecer. Trabalhava de uma forma muito informal.
Quanto a VM… logo no primeiro dia tinha um mail dele para saber quem lhe dava orientações a partir daquele momento.
Isto significa, no entender da testemunha, que dentro do Conselho da SLN havia alguém que lhe dava ordens.
É do seu conhecimento directo que OC… lhe dava orientações.
FS…:
Pelos documentos constatou que ele tinha uma relação de muita proximidade com OC… em questões de serviço (notas internas de comunicação), pelo que seria muito difícil ele não saber deste mundo informal.
LAl…:
Técnico oficial de contas da SLN e conhecedor de grande parte das situações que foram conhecidas no projecto César, designadamente das offshores (da sua existência, da finalidade subjacente, e da sua não consolidação do grupo).
Ele participou em reuniões agendadas por si e deu essas informações, ou seja, pelo menos naquele momento conhecia aqueles elementos.
IC…:
Do projecto César, do qual fazia parte, resultou que conhecia bem o universo informal.
A partir da Planfin Internacional fazia-se a constituição das sociedades offshores.
Em 16.7.2008 recebeu uma lista de 90 offshores fornecidas por IC.
Numa reunião em 23.7.2008 com o vice-governador do BP foi comentado que existem 104 offshores.
Em 31.7.2008 tinha uma lista de 96 offshores.
Inicialmente IC… prestou colaboração “com alguma dificuldade”, mas acabou por obter a colaboração dela.
Todas as pessoas que lhe deram informações não lhe disseram a que título sabiam essas informações.
Relativamente ao universo informal do grupo BPN/SLN (do que lhe disseram o LAl… e a IC…), a sua preocupação foi sempre fazer um ponto da situação, saber o que havia ou não, e não saber como aquelas pessoas tinham conhecimento da situação, até porque, se o fizesse, essas pessoas eventualmente acabariam por não contar nada.
Em resumo: nunca se preocupou em perguntar como elas tinham obtido a informação, o que lhe interessava era meramente obter a informação.
Quanto à sociedade offshore Marazion:
Marazion:
No final da operação César acabou por perceber que a Marazion era tipo uma “holding” do conjunto offshore.
De acordo com as informações que tem a Marazion era detida pela SLN.”
Repete-se, parcialmente, as já referenciadas declarações da testemunha TA… (v. razão de ciência supra) a propósito deste assunto:
De 15 em 15 dias, o seu director geral (V…) reunia com o administrador do Pelouro, OC…, para ratificar os saldos das contas das sociedades offshore/veículos do grupo. Estas contas eram veículos para financiar as operações do grupo SLN e normalmente estavam a negativo.
Nessas reuniões OC… apunha a palavra “ratifico” e a sua assinatura. No fundo autorizava-as e essas ratificações formais eram arquivadas depois nos seus serviços no Porto.
Com o crescimento do grupo, aumentou o número de sociedades offshore/veículo, bem como os respectivos saldos negativos.
Chegou a ver os mapas com a relação dos créditos concedidos no private, incluindo os descobertos, incluindo das sociedades offshore, com as ratificações de OC….
Esses descobertos eram ratificados por OC… e o despacho era arquivado no dossier respectivo no Private Banking.
Toda essa documentação terá sido enviada para a área de operações de Cabo Verde e é lá que deve estar.
Não chegou a assistir a essas reuniões, mas o Private é que reproduzia as posições dos vários clientes e V… levava a documentação a OC… para ratificação.
Chamavam às sociedades instrumentais do grupo as sociedades “TAC”, sendo que esta sigla corresponde às suas iniciais.
Por fim, quanto à intervenção da Planfin na criação de sociedades offshore é de ter em consideração o teor das declarações prestadas pela testemunha OM… (advogada. Em Junho de 1999 foi trabalhar para o grupo BPN/SLN, designadamente para a Planfin. Manteve-se na Planfin até antes da liquidação, sendo que por volta de 2006, houve cessão da sua posição contratual para a SLN. Com a constituição da Cardoso, Guimarães e Associados, foi trabalhar para esta sociedade, como advogada (associada) onde ainda continua actualmente, agora como sócia, desde 2014 (Guimarães, Correia, Cardoso e Associados):
Prestavam apoio jurídico, na Planfin Porto, ao Private Banking.
Quando os clientes pretendiam uma sociedade não residente, o Private Banking solicitava à Planfin que criassem ou intermediassem na criação da sociedade offshore.
Este tipo de serviço (criação de offshores) também era solicitado pela administração do BPN/SLN.
A incorporação das sociedades era o Dr.º HM… quem fazia.
O Dr.º H… vinha semanalmente a Lisboa.
Quando regressava de Lisboa, dizia à testemunha, peça uma lista de sociedades não residentes, esta lista de sociedades é para o grupo.
Ele transmitia-lhe que teve reuniões com OC… e LC… e que eram eles que pediam a constituição das sociedades.
Até 2001 foi o Dr.º H… que tratou desta área para o Private Banking, para o grupo e para “Lisboa”.
AG… depois ficou a tratar destas matérias com o Private Banking em Lisboa e com a administração BPN/SLN.
Há um período em que os dois estão concomitantemente.
Em 2004 saiu o Dr.º HM… e os pedidos de constituição das offshores por parte do grupo ou administração do BPN/SLN deixou completamente de ser feito à Planfin Porto.
O trabalho da Planfin Porto era mais vocacionado para o apoio ao Private Banking.
O Dr.º H…, por vezes, pedia à testemunha que solicitasse ao exterior cartas de representação de sociedades não residentes para as assembleias gerais de sociedades residentes e nas quais aquelas tinham participação. Esses pedidos eram feitos pelo Dr.º OC… ou pelo Dr.º LC….
Nos pedidos vinham mesmo os nomes (normalmente de advogados) que deviam representar essas sociedades nas assembleias gerais.
A partir da entrada de AG… para a Planfin Lisboa, a Planfin Porto continuou a constituir offshores mas tão só para clientes do Private Banking, enquanto as sociedades offshores do grupo passaram a ser tratadas pela Planfin Lisboa.
Até à entrada de AG… (2001) todas as sociedades offshore constituídas para o grupo foram tratadas pela Planfin Porto, designadamente pelo Dr.º HM….
Mesmo no Private Banking tudo gravitava à volta de OC… e LC…, tinha a nítida percepção de que eram eles dois que davam as instruções quer no Private Banking, quer na Planfin.
Quando vinham os pedidos para HM… para constituição de sociedades não residentes para o grupo, ele não lhe dizia para o que era, por defeito, dizia-lhe sempre que era para abrir conta bancária.
Quando vinham os pedidos do grupo (administração) OC… e/ou LC… diziam a jurisdição que queriam utilizar.
Entre 99 e 2000 e relativamente a sociedades do grupo não residentes, quem movimentava as contas era o Dr.º H… e LC….
Com a entrada de IF… e IC… por instruções do C.A. da SLN passaram elas a ser procuradoras.
Por fim, mais tarde, passaram a ser procuradores IC… e o AG…s.
TA… do Private era a pessoa que tinha avocado a si as sociedades offshore do grupo.
No âmbito de operações que constam da pronúncia e que adiante serão abordadas, contam-se, entre outras, as seguintes sociedades offshore:
Marazion:
É a “mãe” das sociedades offshore da SLN, SGPS, tendo sido constituída em 27.11.2000 e tendo como procuradoras IM… e IF… conforme procurações emitidas em 14.12.2000.
Teve como beneficiárias:
14.12.2000 - Primeiro, a Planfin e a SLN, SGPS, 50% cada uma, de acordo com as declarações de trust da TRAFALGAR e da BURGUNDY que têm aposta a nota de “cancelada”;
02.03.2001 - Depois, a SLN, Imobiliária, unicamente, conforme novas declarações de trust daquelas referidas entidades;
26.11.2007 - E, finalmente, a SLN, SGPS, conforme novas declarações de trust.
Tal, resulta cabalmente da seguinte prova documental:
- Apenso R, vol. 46, fls. 11581 a 11607, págs. 207 a 211, 214 a 220 – 14.12.2000 e 27.10.2000 - Declarações de trust relativas à MARAZION que identificam como últimos beneficiários a Planfin e a SLN, SGPS, 50% cada uma, certificados de incorporação, estatutos, procurações a favor de IM… e IF…, e fichas de abertura de conta no BPN, CAYMAN;
- Apenso R, vol. 46, págs. 224 a 227 – 02.03.2001 – Declarações de trust relativas à MARAZION que identificam como último beneficiário a SLN IMOBILIÁRIA;
- Apenso R, vol. 31, fls. 6985, pág. 111 – 26.11.2007 - Declarações de trust da MARAZION tendo por último beneficiário a SLN, SGPS; (tradução – Apenso R, vol. 31, fls. 6991, pág.117);
- Apenso informático 33 no seguinte caminho: 1-Anexo A\TRAT\1\PC-Dr. P…\DOCS\C\Documents and Settings\ g003314\Os meus documentos\proj césar\Declarações de Trust\52 _Marazion_Declaração_Director_ING.pdf – MARAZION – 17.06.2008 - Declaração de director que identifica como último beneficiário da MARAZION a SLN, SGPS (tradução - F:\4910\1-Anexo A\TRAT\1\PC-Dr.-P…\DOCS\C\Documents and Settings\g003314\Os meus documentos\proj césar\Declarações de Trust\52 _ Marazion _ Declaração _ Directores _ PT.pdf;);
- Apenso I, vol. 3, págs. 196 e 197 – 17.06.2008 – Declaração de director que identifica a SLN, SGPS como último e actual beneficiário da MARAZION;
- Apenso I, vol.3, págs. 198 a 201 – 26.11.2007 – Declarações de trust que indicam a SLN, SGPS como último beneficiário económico da MARAZION;
- Vol. 134 dos autos principais – traduções para língua portuguesa das declarações de trust da Marazion (fls. 42252 a 42254);
- Apenso bancário 70 – Conta da Marazion no BPN, Cayman onde está registado o fluxo financeiro para pagamento do Banco Insular pela Insular Holdings;
Refira-se, de passagem, que a configuração da Marazion como a “mãe” das sociedades offshore do grupo ou a sociedade holding das sociedades offshore do grupo, bem como a propriedade da mesma, (pertença de sociedades do grupo e/ou SLN SGPS, S.A.) foi ainda cabalmente explicada pelas testemunhas PS…, AJo…, FLi… e JC… (v. respectivas razões de ciência supra).
Também o arguido LC… admitiu que soube da existência da Marazion na altura da sua constituição e que a mesma era uma holding destinada a ter participações noutras sociedades não residentes, sendo que inicialmente foi detida pela Planfin e SLN Imobiliária, depois passou para a SLN SGPS e, por fim, para a SLN Imobiliária, salvo erro.
Venice Capital:
A sua constituição data de 28.09.2000, conforme ficha de cliente que integra a análise de processos de clientes do BPN Cayman, feita pela Direcção de Auditoria Interna do BPN e tinha como procuradora IM…, que dava instruções para a movimentação da conta.
Com interesse, tenha-se em consideração a seguinte documentação:
- Apenso I, vol.3, págs. 372 e 373 – 10.10.2001 – 20.10.2008 – Declaração de trust relativa à Venice que indica a Marazion como última beneficiária;
- Apenso I, vol.3, págs. 374 a 378 – 28.09.2000 – Certificado de incorporação das acções da Venice e memorando de associação datado de 06.08.1998;
- traduções da referida documentação constante de fls. 42343 e 42344 do volume 134 dos autos principais;
- Apenso de busca 31, pasta 1, págs. 12 a 90 – 02.05.2002 – Memo da Planfin, de IM… para OC… e LC…, solicitando o pagamento de fees aos fiduciários pela manutenção e realização de actos específicos referentes a sociedades não residentes com propostas quanto aos respectivos pagamentos que anexa facturas que incluem a Venice e a Camden;
A propósito da Venice importar ainda referir:
A conta da Venice no BPN, Cayman não era reportada à Cayman Islands Monethary Autorithy, CIMA (autoridade de supervisão de Cayman).
Com efeito, como será explicada mais adiante a propósito da abordagem de “Cayman registo/cayman reporte”, havia uma plataforma informática, a 0879, designada Cayman registo onde se registavam e evidenciavam todas as operações efectivamente realizadas, e uma outra plataforma informática, a aplicação 0880, designada Cayman reporte (sendo que era esta que era reportada às autoridades de supervisão de Cayman) que ocultava a conta VENICE que era zerada, ou ficava próximo do saldo zero, mediante o carregamento de depósitos de clientes que desapareciam nesta plataforma.
No período que vai de Outubro de 2002 a Novembro de 2003, o saldo devedor da Venice, no montante de € 136.894.140,95, foi transferido em diversas tranches para as contas da Solrac no Banco Insular (… do balcão oficial e … do balcão virtual), como resulta da análise conjugada da conta da Venice no BPN, Cayman e das contas da Solrac no Banco Insular, quer no balcão 1 quer no balcão 2.
Em consequência disso, a aplicação informática 0880, BPN Cayman reporte foi descontinuada em Novembro de 2003.
Tal resulta dos seguintes elementos documentais:
- Apenso bancário 25 – Conta n.º … da Venice no BPN, Cayman que chegou a ter um descoberto de € 180.000.000,00;
- Apenso bancário 109 – Contas Venice/Solrac consolidado;
- Apenso de busca 13 (Cadernos), vol. 3, pág. 296 – 15.01.2002 – Anotação manuscrita por IM… “o Banco de Portugal tem todos os elementos/o q temos de omitir é a Venice”;
Bem como, das seguintes declarações relativas à Venice que, no essencial e porque importantes, aqui se reproduzem:
PS… (inspector tributário que analisou a prova documental e extractos bancários constantes dos autos):
Numa fase inicial era uma conta a descoberto e que se socorria, antes do fecho do mês, da transferência de depósitos de clientes do BPN Cayman, que eram desviados de forma contabilística para a conta da Venice para que no mês seguinte os fundos fossem novamente colocados nas contas dos clientes.
Isto levou a que não chamasse a atenção que havia uma instituição que a determinada altura chegou a ter 190 milhões de euros a descoberto, situação que se fosse descoberta levaria ao desmoronar do próprio grupo, porque este não tinha capitais suficientes para fazer face a este buraco.
Mais tarde a Venice é abandonada e substituída pela Solrac.
AJo… (v. razão de ciência supra):
Criada em 29.9.2000, tem centenas de movimentos financeiros com reflexos em várias contas bancárias.
Nos trabalhos feitos (projecto César) apurou-se que financiou grande parte das actividades de sociedades offshore. A quase totalidade de movimentos financeiros das outras offshores derivava de uma transferência que a sociedade Venice fazia para essas offshores.
Os financiamentos ocorreram entre 1999 e 2003.
Os financiamentos eram feitos a negativo (chegou a ter um descoberto no BPN Cayman de 180 milhões de euros). Recorria a depósitos de clientes de BPN Cayman para poder desenvolver essa actividade, inicialmente através de compensação de depósitos e, posteriormente, sempre a negativo.
Cayman consolidava no BPN.
Esta conta Venice, com este descoberto, não era reportada às autoridades de Cayman. Sabe com base nos relatórios trimestrais (reportes) feitos às autoridades de supervisão de Cayman dos 10 maiores devedores em que a Venice não aparece, sendo certo que se incluía nestes 10.
Em finais de 2003, o referido valor é transferido para o Banco Insular para uma conta denominada Solrac. A transferência é feita em tranches utilizando como correspondente a conta que o BPN Cayman tinha no ABN em Amsterdão.
A Venice foi sempre considerada uma sociedade pertencente à SLN, quer pela sua actividade, porque financiava offshores do BPN, quer porque está umbilicalmente ligada a operações do grupo SLN e quem beneficiava daquela conta era o grupo SLN.
RSu… (em Fevereiro de 2001 entrou para a unidade de offshores do BPN, mais concretamente para a parte de offshores Madeira, até 2006. As suas funções eram de administrativa, cabia-lhe fazer as operações básicas de offshores, transferências entre contas, levantamento de numerários, abertura de contas, constituição de depósitos a prazo):
Aquilo que replicava no reporting através dos papeis do dia, não sabe se coincidia com as operações constantes de Cayman registo, pois não fazia essa verificação.
Quando fazia o Cayman reporting tinha uma listagem própria da Venice (movimentos para serem efectuados entre depósitos de clientes em Cayman e a conta da Venice ou vice-versa. Não se lembra bem).
CR… (v. razão de ciência supra):
A conta da Venice, em Cayman, era frequentemente utilizada.
Dava para perceber que era uma conta “saco”, por onde são canalizados os montantes todos e depois são distribuídos para outras entidades.
O descoberto da conta acontecia muitas vezes.
Quando tinham que movimentar a conta a descoberto, era solicitada sempre autorização escrita da DOP e aguardavam resposta. Isto quanto à sua forma de procedimento, embora tivesse plafond para movimentar contas a descoberto.
Este procedimento era específico relativamente à Venice.
Cayman reporting era a replicação de todos os registos feitos no BPN Cayman registo.
Sabiam que nem tudo que era registado em BPN Cayman registo era replicado da mesma forma em Cayman reporting.
Tinham as duas plataformas a trabalhar em paralelo.
Recebiam instruções para fazer operações em registo e por vezes em reporting.
Era outra pessoa a intervir no reporting.
Por vezes recebiam instruções para fazer operações no registo e ao mesmo tempo para alterar ou fazer de modo diverso em reporting.
O BPN reporting servia para efectuar o report às entidades oficiais de Cayman.
No reporting procedia-se à transferência de montantes de contas de clientes, essencialmente depósitos a prazo, para a conta da Venice. O objectivo era para eles desconhecido.
O que lhes foi dito foi que às autoridades de supervisão de Cayman só eram transmitidos os 5 maiores clientes e que o Cayman reporting servia para salvaguardar os rácios de BPN Cayman.
Para efeitos de registo as contas dos clientes não eram movimentadas.
Só eram movimentadas em reporting para crédito da conta da Venice.
Iam recebendo instruções ao longo do mês para os montantes das contas a prazo de clientes serem transferidos para a conta da Venice.
Uma das pessoas que fez a réplica da base de dados foi RA…. Quem lhe distribuiu essa função foi o declarante.
O Cayman reporting parou a partir de determinada altura, quando começaram a ocorrer as transferências de clientes em larga escala de Cayman para o Banco Insular.
Cayman reporting existia fundamentalmente para ocultar às autoridades de Cayman o descoberto da Venice, embora pudesse não ser só a Venice.”
JSo… (director de contabilidade do BPN desde o seu início até finais de 2012):
A propósito da Venice, referiu:
O documento constante de Braga 6, págs. 36 a 54, foi enviado por si, constando a sua assinatura do mesmo.
Nestes dois relatórios não há referência à Venice com constando entre as 5 maiores devedoras.
Tinha acesso, em termos de utilizador, às contas de depósitos em Cayman.
Face ao saldo que a Venice tinha a 31.12.2000 ela teria que ser reportada como uma das principais devedoras.
Só tinha acesso a cayman reporting.
Porém, confrontada com os seguintes documentos:
E:\4910\9\Trt\EP…\MAIL2\EP…\C\W_BPN\1a_eJpeix_20040416.nsf\NucleoReporte\Auditores I-E\Recuperação de movimentos mensualização DP. 1.msg;
- E:\4910\1-Anexo A\CAIXAS CORREIO\TRAT\2\Portatil\CAIXAS DE CORREIO\4 a_atduar.pst\Inbox\Contas DO Cayman..msg;
Explicou logo de seguida:
Admite que, de facto, em 2002, conhecia a existência das duas bases de dados de registo e reporte e que até comparou as duas bases de dados para saber se batiam certo.
A este propósito refere que, conhecendo a existência de reporte e de registo, baseando-se só nos reporte para fazer os reportes às entidades de supervisão, e não também no registo, tinha que haver alguma instrução da Administração, embora não se lembre em concreto. Sendo que a mesma só podia ser de OC… porque era com ele que se relacionava.
Os formulários que eram enviadas para as autoridades de Cayman, também eram enviadas para o Banco de Portugal.
Entende que a existência das duas bases só podia ter a ver com a finalidade de esconder alguma coisa (contas, entidades ou outra coisa qualquer).
TA… (Exerceu, a partir de 1999, funções no Porto, como director coordenador na área de Private Banking. Enquanto esteve no BPN exerceu estas funções até à entrada de C…, manteve nesta administração e por fim, na administração da CGD):
Associa a Venice como sendo uma sociedade como tendo descoberto substancial. Sabe, porque diariamente consultava e imprimia os saldos das contas do balcão. Todavia, estas posições eram semanal ou quinzenalmente reportadas à Administração e ratificadas por ela, sendo que estas situações também eram comunicadas às inspecções/auditorias.
Não se recorda de instruções relativas à Venice emanadas por procuradores.
JMn… (em 1998 ingressou no BPN e esteve na direcção de auditoria interna até 2008. Com a administração C… passou para a direcção de auditoria de grupo até à nacionalização (Novembro de 2008). Em Janeiro de 2009 foi para o projecto César que, em Dezembro de 2009, acumulou com a função de provedor do cliente, isto até 2012, quando ocorreu a venda do BPN e o trespasse da Parvalorem, altura em que foi para esta entidade onde, em Maio, passou para a direcção de recursos humanos. Inicialmente, no BPN, foi director-adjunto 1 ou 2 anos e, depois, passou a director):
Venice - balanceava o registo e reporte.
As operações que não estavam espelhadas no reporte e que estavam espelhadas no registo eram balanceadas pela Venice, entidade que não era reportada. Era a que escondia.
A Venice contrabalançava as duas bases. A Venice equilibrava os movimentos entre as duas bases.
Aglutinava os movimentos para compor a base de reporte.
No dossier desta sociedade não havia nenhuma proposta de crédito, a não ser uma proposta de ratificação do descoberto.
A situação da Venice também foi chamada à atenção de OC….
Não evidenciou que desconhecesse a situação da Venice.”
GM… (director financeiro do BPN de 1998 a 2004. Pediram-lhe auxílio para criar o BPN Cayman (JE…) e para ser administrador deste banco, administração que exerceu, pelo menos formalmente, tendo assinado as contas de Março de 2000 até Dezembro de 2005, contas que foram enviadas para as autoridades de supervisão de Cayman):
Vinham as contas (meia dúzia de papéis; contabilidade muito simples) da direcção de contabilidade do banco BPN com as principais contas (volume de crédito, volume de depósitos, dez maiores depositantes não financeiros, dez maiores credores não financeiros, dez maiores depositantes, credores financeiros e mapas de exposição cambial).
Não verificava nem validava os dados, era-lhe disponibilizada uma aplicação informática (SIG) em que comparava os valores dos créditos e depósitos. Não fazia análise exaustiva, nem tinha forma de o fazer. Depois de confirmar, assinava.
Quanto à Venice não tinha conhecimento (era conta do Private Banking). Só tinha acesso às contas do BPN Cayman de clientes que não fossem do Private Banking.
Entende que não tinha acesso porque o andariam a “aldrabar”, designadamente OC… e área operacional do banco (DOP em Lisboa).
Nos reportes às autoridades de supervisão de Cayman a Venice não é referida como tendo qualquer exposição.
Confrontado, em julgamento, com os saldos a descoberto da Venice, explicou:
Face aos valores em causa, a Venice devia ter sido reportada à CIMA (autoridade de supervisão de Cayman).
Sabe hoje que o reporte estava martelado, sendo que era o reporte a que tinha acesso no SIG.
EJ… (ingressou no BPN em 1993 para exercer as funções de administrativo (sistemas de compensação de cheques) e depois foi para a área informática. Na área informática fazia a parametrização do sistema central (criação de software a nível de gestão bancária) onde ficou cerca de 5 anos. Em 1998/99 as áreas centrais começam a vir para Lisboa e foi convidado para vir para Lisboa trabalhar na área informática. A área de informática estava inserida na direcção de sistemas de informação. Até 2006 ficou na área de informática, altura em que foi trabalhar para a direcção de operações):
Confrontado com o documento constante do apenso informático 33 (caminho: E:\4910\1-Anexo A\CAIXAS CORREIO\TRAT\2\Portatil\CAIXAS DE CORREIO\4 a_atduar.pst\Sent Items\Cayman Reporting - Reconciliação de depósitos a Prazo.msg) pronunciou-se no seguinte sentido:
Não tem memória deste mail mas consegue compreendê-lo, designadamente que a Venice não era reportada.
“Venice (fora de balanço)” era a parte que não era reportada às autoridades de supervisão de Cayman”.
Dir-se-á, ainda:
De facto, a sociedade offshore Venice não era reportada às autoridades de supervisão de Cayman, o que resulta cabalmente dos respectivos reportes constantes de fls. 91, 100, 108, 117 e 125 do vol. 107 dos autos principais (docs. em língua estrangeira – v. traduções a fls. 38033 a 38136 dos autos principais), embora se constate que nas respectivas datas de reporte a Venice era a principal devedora no BPN Cayman, logo, necessariamente, teria que ser reportada (v. apenso bancário n.° 25 – Conta n.° … da Venice no BPN, Cayman que chegou a ter um descoberto de € 180.000.000,00).
A propósito da Venice atente-se ainda nas declarações dos arguidos prestadas em sede de audiência de julgamento:
O arguido LC… contraditoriamente face à prova constante dos autos que se tem vindo a referir, limitou-se a afirmar que era um veículo de financiamento do BPN Cayman. Teve a mesma actividade da Invesco, mas ampliou a sua dimensão.
Já o arguido FS… foi claro quando referiu que a conta da Venice servia para satisfazer as necessidades do grupo e era gerida pelo arguido LC….
Havia propostas formais de utilização da conta da Venice da parte de LC…, mas, em termos finais, a decisão era de OC….
Havia autonomia de LC… para fazer movimentos, verificados à posteriori por OC….
Recorda-se que a Venice, sendo uma das principais devedoras, não era reportada nos relatórios trimestrais às autoridades de supervisão de Cayman.
Aliás, refira-se, o arguido FS… tinha inteiro conhecimento da Venice e do seu saldo negativo como resulta do fax constante da busca 3, pasta 9, doc. 2 XXXVI, caixa 2.
Invesco:
Esta sociedade foi constituída em 3.11.1999 e teve como procuradoras IM… e IF….
A conta da Invesco n.º … no BPN, SA, que tem o seu primeiro movimento em 18.11.1999, foi redenominada Venice em 31.09.2000 (28.09.2000).
Esta redenominação da conta - questão com importância, designadamente quando se abordarem os negócios em que foram intervenientes a Venice/Invesco - foi bem explicada pela testemunha AJo… (v. razão de ciência supra):
Conta … do BPN, S.A., inicialmente aberta como Invesco em 1999, à data de hoje aparece como Venice.
A alteração ocorreu no mês de Setembro de 2000.
Foi retirado um balanço do BPN, S.A. a 31.8.2000 com todas as contas e entidades existentes e nesse balanço a conta supra referida surge na coluna dos titulares Invesco. Foi feito o mesmo raciocínio a 30.9.2000 e, na linha associada à mesma conta, surge a Venice Capital. São balanços com posições de fecho.
A auditoria da SLN faz referência a esta alteração. Não foi encontrado qualquer documento de suporte para a alteração da conta.
Determinadas operações financeiras da SLN, inicialmente adquiridas na conta de títulos da Invesco, a partir de determinada data, ao passar a ser Venice, criou confusão, para tentar perceber quem deve o quê e a quem.
Aliás, não podia ser inicialmente Venice, porque esta só foi criada em 29 de Setembro de 2000 e não existia em 1999.
Quanto à razão para a alteração da conta, a única explicação plausível que foi encontrada tem que ver com a aquisição que a Invesco fez das acções da Lusofin. Esta operação gerou mais-valias em três sociedades de cerca de 900 mil contos. Considerando que a Invesco para comprar estas acções recebeu uma transferência da Venice, enviada para uma conta no exterior e posteriormente recepcionada na conta da Invesco, admite que a razão objectiva da alteração da titularidade pudesse ser a não percepção pelo Banco de Portugal da origem das mais-valias.
A conta Venice no BPN Cayman n.º … sempre foi titulada pela Venice.
Confrontado com os movimentos de Cayman da conta da Venice, considerando que o primeiro movimento é de Fevereiro de 2000 e que esta foi constituída em Setembro de 2000, disse que os movimentos anteriores a esta data serão necessariamente respeitantes a outra entidade. Ou seja, terá havido também redenominação de conta.
A nível da prova documental, tenha-se em consideração a seguinte:
- Apenso I, vol.3, pág.139 – 18.11.1999 – Certificado de incorporação de 50.000 acções (v. tradução constante de fls. 42527 a 42539 dos autos principais);
- Apenso de busca 13 (cadernos), vol. 1, pág. 315 – 28.09.2000 – Anotação manuscrita de IM… “Invesco/Venice = 98 mil c.”;
- Apenso de busca 31, pasta 1, págs. 110 a 113 (112) – 09.05.2001 – Listagem de contas instrumentais de TA… que relativamente à Venice tem nota de que a conta desta foi anteriormente titulada pela Invesco;
- Apenso bancário 108 – Conta da INVESCO/VENICE no BPN, SA;
Por seu turno, a Invesco titula uma nova conta com o n.º … no BPN, SA cujo primeiro movimento data de 31.10.2000:
- Apenso bancário 111 – Conta da Invesco no BPN, SA;
- Apenso de busca 31, pasta 1, págs. 110 a 113 – 09.05.2001 - Listagem de contas instrumentais entre as quais figuram a CAMDEN (MARAZION), MARAZION (SLN, IMOBILIÁRIA), MULTIAREA (PLANFIN) e VENICE (MARAZION) da autoria de TA… (v. razão de ciência supra) que, segundo depoimento que prestou, foi organizada com indicações e elementos obtidos junto da arguida IM….
Camden Capital Corporation:
Esta sociedade foi constituída em 14.09.2000 conforme certificado de incorporação, que ostenta o carimbo da Planfin e tem declarações de trust a favor da Marazion datadas de 26.11.2007 (a mesma data das declarações de trust da Marazion a favor da SLN, SGPS).
Documentação de suporte:
- Apenso bancário 58 – Conta da Camden no BPN, CAYMAN;
- Apenso 33 – 1-Anexo A\TRAT\1\PC-Dr.-PCo…\DOCS\C\Documents and Settings\g003314\Os meus documentos\proj césar\Declarações de Trust\ 19_Camden _2000-09-14_Certificado de incorporação_Apostilhado.pdf – 14.09.2000 - Certificado de incorporação com carimbo da Planfin a certificar a cópia;
- Apenso I, vol. 3, págs. 78 a 86 – 26.11.2007 – Declarações de trust da Camden que indica a Marazion como última beneficiária (v. tradução de fls. 42192 a 42197 dos autos principais);
- Apenso de busca 31, pasta 1, págs. 12 a 90 – 02.05.2002 – Memo da Planfin de IM… para OC… e LC…, solicitando o pagamento de fees aos fiduciários pela manutenção e realização de actos específicos referentes a sociedades não residentes com propostas quanto aos respectivos pagamentos que anexa facturas que inclui, entre outras, a Venice e a Camden;
- Apenso de busca 7, doc. 53.03, págs. 2 a 6 ou apenso temático AL, págs. 30 a 32 - 17.07.2002 - Listagem de sociedades offshore instrumentais que inclui, entre outras, a Camden, tendo por beneficiário a Marazion e procuradores IC… e IF…;
Jared Finance:
Serviu para parqueamento de custos (integrou o grupo G de sociedades offshore agrupadas por afinidades no âmbito do projecto César) de diferentes naturezas, entre outros, das denominadas contas investimento, que consistiam numa aplicação que, em parte, era um depósito a prazo e, noutra, servia para adquirir unidades de participação de fundos de investimento que, dada a sua natureza, não consolidavam.
Documentação de suporte:
- Apenso I, vol.3, págs. 146 a 151 – 23.05.2002 - Declarações de trust e certificados de incorporação da Jared que indica a Marazion como último beneficiário (v. tradução a fls. 42227 a 42229 dos autos principais);
- Apenso de busca 11, doc. 13, págs. 1 a 548 – Demonstração de saldo da Jared com resumos por tópicos e por movimentos agregados – custos - vencimentos, publicidade, levantamentos em dinheiro, juros das contas investimento, ou seja, a demonstração inequívoca que serviu como “centro de custos” do grupo SLN/BPN;
- Apenso de busca 11, doc. 13, págs. 8 a 19 ou Bragas 6, pág. 176 a 178 – Demonstração de todos os movimentos com respectivos destinos da conta da Jared, o que releva, igualmente, para a sua caracterização como “centro de custos”;
- Apenso 33 – 1 Anexo A\TRAT\2\Portatil\DOCS\Portatil – TOZE\D\Documents and Settings\g 000294\Ambiente de trabalho\JGi…\Jared- Reconciliativovs2.pdf ou Bragas 6, pág. 188 a 190 – Demonstração de resultados da Jared.
Não se olvide, por outro lado, que a prova testemunhal foi inequívoca quanto à caracterização desta sociedade offshore como “centro de custos”, ou seja, uma entidade que servia para fazer diversos pagamentos em benefício do grupo SLN/BPN sem que os mesmos fossem relevados e consolidados nas contas do mesmo grupo.
Resumidamente:
AJo… (v. razão de ciência supra):
Passa a ser utilizada consoante as instruções do Conselho de Administração da SLN (OC… e FS…) para pagar custos relacionados com as contas investimento, pagar despesas de publicidade, remunerações a colaboradores do grupo SLN.
Custos relacionados com as contas investimento: vendidas aos balcões do BPN. Depósitos a prazo (aplicações financeiras), não havia retenção na fonte ou seja, taxa liberatória.
95% deste valor foi canalizado para a subscrição de fundos imobiliários, montados, criados e geridos pela SLN.
Estes fundos imobiliários acabaram por adquirir ao grupo SLN um conjunto de activos, permitindo a realização de mais-valias na raiz.
A generalidade dos balcões do BPN eram detidos pelo fundo BPN Imoglobal. Quando as aplicações se venciam, ou o cliente renovava ou tinha que entrar outro a comprar essa participação.
A diferença ao cliente tinha que ser paga por uma entidade, tendo o Conselho de Administração determinado que seria a Jared a compensar os clientes na parte que faltava nas taxas de juro contratualizadas.
Braga 6 – pág. 188 (documento elaborada pela testemunha no âmbito da Operação César na administração de MC…) – a Jared suportou custos no valor de 32 milhões de euros para compensar a diferença das taxas contratualizadas nas contas investimento dos clientes.
A Jared não ia ao balanço do BPN/SLN.
DNi… (administrativo do BPN; 2001 a 2004 – Direcção de Operações; 2004 a 2007 – Núcleo de apoio às operações; de 2007 em diante – unidade de controlo operacional):
A Jared era uma conta de custos.
Tem conhecimento disso porque teve intervenção nos custos das contas investimento. As contas investimentos eram aplicações de clientes que compravam fundos do grupo.
Quando o cliente vendia novamente o título, se a rentabilidade do depósito a prazo não fosse igual, ou seja, se fosse superior, o custo da diferença era transferida para a Jared.
Quem lhe dava essas indicações era AF… e RP… que mandavam aprovisionar, através da Jared, as contas investimento dos clientes, sempre que havia essa diferença.
Quem fez as contas das contas investimento nas datas da liquidação, a partir de 2006, foi ele próprio.
Depois de apurar o valor, mandava mail para a DOP, informando da necessidade de cobertura para os clientes, conforme os prejuízos que eram apurados.
Depois eram dadas instruções para ser utilizada a conta da Jared.
No mesmo sentido foram as declarações de outras testemunhas, designadamente do JLo… (integrou o Conselho de Administração do BPN a partir da sua nacionalização e até ao final de 2011) e FLi… (Presidente da SLN a partir de 2.2.2009), os quais, de modo igual, depois de apuradas as operações bancárias da Jared no âmbito do projecto César, chegaram à conclusão de que a mesma funcionou como centro de custos para pagamentos variados ao grupo BPN/SLN ou mesmo a terceiros, pagamentos esses que não eram relevados no balanço do grupo.
Solrac Finance Inc:
Já referimos supra que, no período que vai de Outubro de 2002 a Novembro de 2003, o saldo devedor da Venice, no montante de € 136.894.140,95, foi transferido em diversas tranches para as contas da Solrac no Banco Insular, remetendo-se, por conseguinte, para a respectiva fundamentação.
No mais:
A Solcrac tem declarações de trust da Trafalgar e da Burgundy a favor da Marazion datadas de 29.07.2002.
A nível de documentação suporte é de sinalizar:
- Apenso I, vol.3, págs. 346 a 351 ou vol. 166, fls. 50695 a 50700 dos autos, págs. 197 a 202 pdf – 29.07.2002 - Declarações de trust relativas à Solrac que indicam a Marazion como última beneficiária e respectivos certificados de incorporação (v. tradução fls. 42330 a 42332 dos autos principais);
Do exposto resulta, sem margem para dúvidas, que a Venice, a Solrac e a Jared foram, pois, (i) veículos de financiamento de outras sociedades ou entidades individuais, através de saques a descoberto, e servirem de (ii) centros de custos, omitindo custos e justificando a contabilização de juros dos financiamentos concedidos, a grande maioria nunca efectivamente pagos, o que contribuiu para um aumento fictício dos resultados financeiros do grupo SLN/BPN
As sociedades offshore Tillan, Redshield, Tempory, Bremonhill, Reltonia, Merfield, Marbay e Zemio detiveram acções da SLN SGPS e da SLN Valor, financiadas através de operações a descoberto, não regularizadas (facto 76º da pronúncia), o que resulta da confissão parcial dos arguidos FS… e LC…, conjugado com a seguinte documentação relevante:
- Apenso de busca 31, pasta 1, pág. 5 – Apontamento com a relação de sociedades offshore e números que indicam a quantidade de acções da SLN detidas;
- doc. 2.22 da pasta 7, busca 3 (memo confidencial – encontrado na Quinta do Cabeço Ferreiros – Cartaxo, propriedade de OC…);
- fax de OC… para IC… pelo qual informa que foi reservada uma sociedade nas Ilhas Virgens Britânicas de nome Zemio e que a mesma sociedade já abriu contas no BPN Cayman (doc. 2.26, pasta 19, busca 7 – armazém de arrumos em Rebordões – Santo Tirso);
- Apenso de busca 7, doc.37.02, pág. 302 – 30.06.2004 - Listagem de acções da SLN detidas pela Tillan, Merfield, Reltonia, Redshield, Bali e Tempory depositadas na conta do Banco Insular no Montepio Geral;
- Apenso I, vol. 3, págs. 298 a 302 – 13.10.2008 – Declaração segundo a qual o último beneficiário da Redshield é a Marazion; memorando da associação sem data; certificado de incorporação com data de 19.02.2001 (v. tradução nos autos principais a fls. 42304 a 42306 e 42413);
Apenso 33 – 1 Anexo A\CAIXAS CORREIO\TRAT\2|Portatil\CAIXAS DE CORREIO\3 archive.pst\SLN Valor- Administração\3.msg – 03.06.2008 – Declaração do fiduciário que indica como último beneficiário da Bremonhill a SLN VALOR, SGPS;
- Apenso temático I, vol.3, págs. 362 e 363 – 10.01.2002 - Dois certificados de incorporação relativos à Tempory (v. tradução autos principais a fls. 42338 e 42339);
- Autos principais, vol.150, fls. 46818 a 46824, págs. 273 a 279 – 05.01.2001 - Declarações de trust referentes à Reltonia que identificam SA… e MAl… como últimos beneficiários (v. tradução a fls. 50916 a 50924 dos autos principais);
- Apenso I, vol.3, págs. 215 a 218 – 19.02.2001 - Declarações de trust da Merfield que indica como último beneficiário a Marazion (v. tradução a fls. 42262, 42263, 42395, 42413 e 42414 dos autos principais);
Apenso 33 – 1 Anexo ACAIXAS CORREIO\TRAT\2\Portatil\CAIXAS DE CORREIO\3 archive.pst\SLN Valor – Administração\3.msg – E-mail de AJo… para QF… que anexa declaração de trust da Bremonhill datada de 03.06.2008;
Também a sociedade offshore Ozni foi utilizada para pagamentos a colaboradores da SLN, (complementos de salários, leasing de veículos automóveis) e que, essencialmente, foi financiada pelo Banco Insular, primeiro, de 28.07.2003 a 29.12.2003, no balcão 2000, a descoberto, que foi coberto por conta corrente caucionada (c/c/c) e, depois, pelo balcão 2001.
Tal resulta das declarações prestadas pela testemunha AJo… (v. razão de ciência supra) que identificou as sociedades Twill e Ozni como “centro de custos” bem como da seguinte documentação:
- Apenso I, vol.3, págs. 278 a 280 – Declarações de trust que identifica como último beneficiário da Ozni o portador das acções (v. tradução a fls. 42293 a 42294 dos autos principais);
- Apenso de Busca 7, doc.53.03, págs. 2 a 6 (pág. 4) – 17.02.2002 - Listagem de sociedades offshore instrumentais que, inclui, entre outras, a Ozni que tem por beneficiária a Twill, que por sua vez tem por beneficiária a Marazion, e por procuradoras IM… e IF…, e nota da utilização para os recursos humanos, pagamentos;
Outras ainda foram utilizadas para (i) detenção de activos do grupo e serviram de (ii) passagem de fundos em operações pontuais, o que se constará à medida que forem analisados os negócios concretos descritos na pronúncia e para cuja motivação, desde já, se remete.
Como emerge da fundamentação e de vária documentação referida no âmbito dos temas “estratégia” - arts. 7° a 14° da pronúncia -, “constituição de offshores” - arts. 33° a 48° da pronúncia -, e “como se relacionavam com a SLN” - arts. 49° a 64° da pronúncia -, o universo das sociedades offshore do Grupo SLN/BPN foi acompanhado, supervisionado e controlado pela arguida IM… na sua múltipla qualidade de sócia fundadora e administradora da Planfin, Serviços de Planeamento Financeiro Internacional, de responsável pela Direcção de Assuntos Jurídicos e Fiscais da SLN, SGPS, de advogada coordenadora da sociedade de advogados CFGA e, também, como procuradora dessas sociedades offshore, sendo que a ligação com os agentes fiduciários em ordem à disponibilização, formalização de actos e contratos e manutenção dessas sociedades foi, até princípios de 2001, assegurada pelo Dr. HM… e pela Dra. OC… da Planfin Porto, passando, a partir dessa data, a ser assegurada pelo Dr. AG… que, então, ingressou na PLANFIN, Serviços de Planeamento Financeiro Internacional.
A propósito, da documentação já referida, evidenciam-se particularmente os cadernos manuscritos por IM… e a listagem de sociedades offshore que, em Outubro de 2003, PC… lhe enviou. Anotando-se, com interesse, que, em sede declarações, a arguida IM… assumiu a titularidade dos ditos cadernos, bem como a autoria dos “escritos” deles constantes.
Além de toda a documentação mencionada, para sedimentar o que acaba de ser dito, é de reter a que consta:
-Apenso33- 30\Apagados\288\WK1\Ficheiroseliminados\C\L…\\1.GrupoSLN\SLN\DossierPermanente\SociedadesOff.Instrumentais.xls – Sociedades Off. Instrumentais Grupo ou Bragas 6, pág. 154 – 24.10.2000 - Listagem de sociedades Offshore instrumentais que tem por autora OC… e última gravação e impressão de IM…;
-Apenso33- -30\Mail\287\C\CFGA\POSTOS DE TRABALHO\CA…\D\CMA\IC…\C\5archive24.082004.pst\CFGA\ASSUNTOS NTERNOS\Representação_Outrassociedades\SNRESIDENTES.msg\ Lista de sociedades.xls – 29.10.2003 - E-mail de PC… para IM…, tendo em anexo uma lista de sociedades offshore constituídas pela Planfin com indicação, designadamente de contas bancárias em instituições bancárias (banco insular), e notas da inexistência de documentação de suporte;
- Apenso 33 – 22\TRAT\4\MAIL – LM…\02072005\1 lm….nsf\($Sente-Drafts)\Resumo de Abril – 2004.msg – E-mail de LM… para M…, R…, GSa…, CMa…, FMa…, com conhecimento a LAl… contendo power point sobre a reestruturação da Planfin Contas, nos termos do qual a contabilidade das offshores estava afecta a PC…, sendo certo que o responsável da contabilidade era LAl… e os responsáveis máximos da Planfin Contas LM… e LAl…;
-   Apenso 33        -           30\Mail\287\C\CFGA\POSTOS            DETRABALHO\CA…\D\CMA\IC…\C\5archive24.082004.pst\ CFGA\ASSUNTOS INTERNOS \Representação _Outrassociedades\ SNRESIDENTES \.msg - 17.11.2003 - E-mail de IM… para si própria com o anexo de uma lista de sociedades offshore constituídas pela Planfin, num total de 88 sociedades offshore, e que, em relação a cada uma delas, indica o “beneficiário, accionista, directores”, contendo ainda indicações da formalização dos respectivos contratos de mútuo ou contas correntes caucionadas nas instituições bancárias BPN Cayman, Banco Insular e BPN, S.A.. Sendo de assinalar que para algumas delas consta a anotação, a marcador vermelho, “não há pasta”, o que não acontece em relação às demais. Situação que demonstra que, de algum modo, a Planfin e a arguida IC… tinham acesso a documentação das sociedades offshore;
- Apenso de busca 13 (5) – documentos 29 a 31 da busca 249 do processo …/…TABCL – cadernos IM… - caderno s/número (3/04/2001 a 3/05/2001) - vol. 2, fls. 640 e 641, págs. 154 e 155 - Listagem manuscrita de sociedades offshore “instrumentais” com referência à CAMDEN e listagem de sociedades offshore de “clientes”;
- Apenso 33 – 30\Mail\283\1\G…\7 outlook.pst\A receber\BVI.Sociedades – 06.09.2004 - E-mail de IM… para PCo…, com conhecimento a AG…, a solicitar que, relativamente ao quadro que anexa de sociedades offshore, aponha um “x” na coluna respectiva, conforme as acções estejam à nossa guarda em cofre ou tenham sido entregues aos clientes, com especial recomendação para não trabalhar num portátil, mas directamente numa disquete;
- Apenso 33 – 30\Mail\283\1\G…\7 outlook.pst\A receber\BVI.Acções – 06.09.2004 - E-mail de IM… para JMq… do Porto com o mesmo pedido e igual recomendação;
- Apenso 33\278\BVI – Lisboa – Quadro das sociedades de BVI (sigla inglesa de Ilhas Virgens Inglesas) – Lisboa já preenchido conforme solicitação de IM…;
- Apenso 33 – 29\278\BVI – Porto – Quadro das sociedades de BVI (sigla inglesa de Ilhas Virgens Inglesas) – Porto já preenchido conforme solicitação de IM… contendo a indicação relativa à Camden de que as acções estão no cofre;
- apenso de busca 1 (doc. 74), págs. 12 e 13 pdf – relação das sociedades offshore de que a SLN é última beneficiária à data de 23.7.2008 – lista fornecida pela arguida IC…;
Era, de resto, nos cofres da Planfin, no Porto e em Lisboa ou, pelo menos, no cofres do Private Banking, em Lisboa e no Porto (isto, na versão da arguida, que sustentou que não havia cofres na Planfin, o que não deixa de ser indiferente face à proximidade existente, mesmo física, pelo menos no Porto, entre a Planfin e o Private Banking), que a documentação sensível relativa às sociedades offshore, - designadamente as respectivas acções -, era guardada, como bem se alcança das mensagens de correio electrónico acabadas de mencionar, trocadas entre, por um lado, IM… e, por outro, a Dra. JMq… e o Dr. PCo….
Tendo presente a motivação já produzida supra a propósito dos temas “estratégia – arts. 7° a 14° da pronúncia” e “constituição de offshores: planfin e BCS – arts. 33° a 64° da pronúncia” para a qual se remete, bem como o percurso ora efectuado e a fundamentação produzida no âmbito do tema “offshores – arts. 71° a 76° da pronúncia” é de concluir, face à análise crítica de todos os elementos probatórios, pela prova inequívoca desta factualidade, sem prejuízo de uma ou outra correcção que se justifique (v. factos provados 69 a 74 e facto não provado 29).
(…)
No tocante aos factos 33° e 36° da pronúncia (v. factos provados 32 e 33), não há quaisquer dúvidas que a Planfin se destinou a promover a constituição dos veículos societários (sociedades offshore) necessários ao desenvolvimento da estrutura do grupo e também de negócios concretos, em apoio quer da administração do BPN, S.A., quer da sua área de private banking.
Ou seja, a Planfin tinha como uma das suas funções essenciais a obtenção junto de fiduciários internacionais de sociedades offshore, que posteriormente eram disponibilizadas e colocadas ao serviço da SLN SGPS e demais participadas bem como de pessoas singulares responsáveis do grupo SLN.
A sua actividade, porém, não se esgotava na obtenção de sociedades offshore, pois a mesma também tinha por objectivo a constituição de empresas portuguesas detidas por sociedades offshore ou por pessoas do grupo.
Em resumo, a Planfin constituiu-se como uma estrutura de apoio da SLN, SGPS e do BPN, S.A., sendo que grande parte das suas atribuições se confundem com as atribuições próprias das direcções gerais da SLN.
O que se afirmou resulta cabalmente da conjugação da seguinte documentação:
- (Escritura de constituição da Planfin – Serviços de Planeamento Financeiro Internacional, S.A. e documento complementar, constantes do seguinte caminho do “apenso informático 33”: F:\4910\30\287\C\CFGA\POSTOS DE TRABALHO\IC…\D\IC…_Ficheiros Vários\IMC\SLN-Direcções de Serviços\ACTOS E CONTRATOS_GRUPO SLN\Docs. Actos e Contratos Scaner\1998 05 25 Planfin SA Escritura deConstituição.pdf; doc. tb. constante do “Braga 4, págs. 1 a 14”):
Como consta do 2º documento, a Planfin tinha por objecto a “consultoria e planeamento financeiro internacional, empresarial e gestão. Serviços de contabilidade, auditoria e consultoria fiscal. Gestão de patrimónios.”
- “Apenso informático 33”, no seguinte caminho: F:\4910\30\284\PASTASPESSOAIS\C…\CMA\Planfin Sa\minuta de ficha para due diligence - Planfin.doc;
Consiste num de “due diligence jurídica”, criado em 21.10.2004 e guardado pela última vez em 22.10.2004 por CA… (advogada, que trabalha na Planfin – o que foi confirmado, pela testemunha), documento este que aborda, descreve e resume os principais acontecimentos societários da sociedade, designadamente o registo, sede, constituição e objecto, estrutura orgânica, cessações e nomeações, procuradores e outros representantes, estatutos (principais aspectos), aumentos de capital, formas de obrigar, aspectos financeiros, depósito de contas, registos junto de outras entidades, estrutura accionista, evolução e situação actual, entre outros;
- Apenso de busca 13 (CADERNOS), vol. 1, fls. 240 a 242, págs. 241 a 243 – 2000.07.05 – Reunião interna de LCC/IMC/LM (iniciais coincidente com os nomes dos arguidos LC…, IM… e LM…) relativa à organização do registo das sociedades offshore, designadamente quanto ao respectivo “1. Cadastro/Menu inicial; 2. Facturação; 3. Movimentos financeiros; 4. Reporting/Listagens”, desenvolvendo, logo de seguida, cada um destes pontos de modo mais pormenorizado.
Ou seja, era objectivo da sociedade, logo de início (estamos ainda no ano de 2000), elaborar listagens e/ou ficheiros relativos aos principais aspectos das sociedades offshore cuja constituição/criação solicitava e depois acompanhava.
- Apenso de busca 13 (CADERNOS), vol. 2, fls. 640 e 641, págs. 154 e 155 pdf. – 24.04.2001:
Contém, na primeira parte (pág. 640), uma extensa listagem de sociedades offshore identificadas como “instrumentais”, i.e., que estão ao serviço dos interesses do grupo BPN/SLN – e dizemos deste grupo, porquanto, como se verá infra ao longo desta fundamentação, as sociedades aí elencadas, quase na íntegra, têm como último beneficiário outra sociedade offshore, a Marazion, que, por sua vez, tinha como último beneficiário a SLN ou outra sociedade nacional pertença do grupo.
Por sua vez, a 2ª parte (pág. 641) contém uma listagem de sociedades offshore de “clientes”, ou seja, de pessoas singulares ou colectivas.
Importa realçar que a Planfin fazia um acompanhamento destas sociedades offshore, mantendo na sua posse a respectiva documentação, pois, se assim não fosse, não faria qualquer sentido a sinalização à frente de cada uma delas, sob o título “docs.” as referências a “sim”, “não” (a maior parte é “sim”), “não é nossa a gestão” (menção residual) e “confirmar se estão no Porto” (Planfin também tinha escritório no Porto, aliás, como foi admitido pelos arguidos LC… e IC…).
- Apenso de busca 13 (CADERNOS), vol. 2, fls. 997, pág. 512 pdf – 03.10.2001:
Contém uma listagem de sociedades offshore por baixo do título MARAZION, ou seja, sociedades offshore cujo último beneficiário era esta última, também sociedade offshore, e que, por sua vez, como sobredito e se verá infra, tinha como último beneficiário a SLN ou outra sociedade nacional pertença do grupo.
Anote-se, ainda, que ao longo dos cadernos 1, 2, 3 e 4 manuscritos pela arguida IC… (a mesma admitiu em sede de julgamento que os cadernos eram da sua autoria), todos constantes do apenso de busca 13, há dezenas, porventura centenas, de referências a sociedades offshore, inúmeras delas pertencentes ao grupo BPN/SLN, nos quais são descritos e/ou planeados os negócios em que tais sociedades são intervenientes.
- Apenso de busca 31, pasta 1, págs. 12 a 90 (busca realizada a 20.10.2005 na sede do B.P.N, designadamente no gabinete do presidente, o aqui arguido OC…):
Consiste num memorando confidencial da PLANFIN, enviado pela arguida IC… para os arguidos OC… e LC…, solicitando o pagamento aos fiduciários de custos de constituição, manutenção e outros actos (procurações e legalização de documentos referentes às sociedades offshore instrumentais constituídas pela PLANFIN através da MULTIAREA, com propostas quanto aos pagamentos e com facturas anexas com especificação desses custos (Camden - pagamento da manutenção de 2002 a 2003), Multiarea, Insular Finance, Invesco, a Moorland (Labicer), Venice, Zala, Quila, Jared e Rishona (com menção manuscrita “Banco Insular”), entre muitas outras.
- Apenso de busca 31, pasta 2, págs. 3 e 4:
Trata-se do mesmo memorando confidencial acabado de referir, datado de 2.5.2002, todavia, este, com despacho manuscrito pelo arguido LC… dirigido ao arguido OC…, mencionando urgência no pagamento das quantias em dívida aos fiduciários;
- Apenso de busca 11, doc. 13, págs. 545 a 548 (instalações do BPN):
Consiste numa instrução, datada de 2.3.2005, para pagamento pela conta do Banco Insular no Montepio Geral de facturas de sociedades cuja última beneficiária é a Marazion, sociedades essas que são elencadas e entre as quais se contam a Camden, a Zala, a Quila, a Jamaki, a Rador, a Acle, a Marton, a Venice e a própria Marazion.
- Apenso informático 33 no seguinte caminho: 30\287\C\CFGA\POSTOS DE TRABALHO\IC…\C\IC… Ficheiros Vários\IMC\SOCIEDADE DE ADVOGADOS\ CLIENTES\SLN\Memos CA\Sociedade de advogados\Memo- CA SLN_ sociedades não residentes ponto da situação.doc:
Consiste num memorando, datado de 5.11.2003, da autoria da arguida IC… para o arguido OC…, no qual se faz um ponto de situação das sociedades não residentes (sociedades offshore) constituídas por intermédio da Planfin para operações do Grupo SLN/BPN, onde, além de se descrever a relação de confiança da PLANFIN com os directores/administradores fiduciários, se refere que os movimentos das contas eram controlados pela SLN (LM…), aqui arguido.
Note-se também que a dado passo do documento é referido, com importância, que “a partir de Novembro de 2002, para além destas situações” – antes descritas – “surgiram outras, como pedidos de constituição de sociedades efectuadas por intermédio das operações”, ou seja, da Direcção de Operações do BPN, “dando-nos a indicação que tinham sido solicitadas pelo Sr. Presidente ou pelo Eng. FS… ou de que tinham conhecimento”. (sublinhado nosso).
Não se olvide, igualmente, que a propósito destas sociedades se refere que “a maior parte (...) foram constituídas para aberturas de contas no BI”, ou seja, Banco Insular, “tendo sido posteriormente solicitado a assinatura da abertura da contas e contratos de mútuo”.
-           Apenso informático     33        no        seguinte           caminho:
22\TRAT\1\MAIL\FS…\26122004\1fs… \nsf\ $Sent-Drafts\Taxa devedora DO – Cayman:
Consiste num e-mail datado de 04.02.2002 enviado por RP… (trabalhava na Direcção de Operações do BPN) para o arguido FS… no qual pede informação sobre quais as taxas devedoras de todas as sociedades offshore do grupo e refere que a taxa indicada será carregada a todas as sociedades offshore que o arguido LM… indicar como sendo do grupo.
-Apenso informático          33           no           seguinte caminho:30\Apagados\288\WK1\Ficheiros eliminados\C\L…\ memorandos/ memo situação offshore 30_09_2001.doc:
Revela um “memo”, criado a 24.10.2001 e modificado em 25.10.2001 (v. propriedades informáticas do documento), da Planfin, Contas, S.A. dirigido pelo arguido LM… à administração da SLN, na pessoa do arguido LC…, descrevendo o ponto de situação dos procedimentos das sociedades offshore instrumentais, aludindo ainda à circunstância de a Planfin ter prestado na área de offshore um serviço de assessoria e de ligação entre a administração da SLN e os vários departamentos do BPN e um controlo contabilístico destas sociedades (o autor do documento é o arguido LM…, o que resulta das propriedades informáticas do mesmo).
- Apenso informático 33 no seguinte caminho: – 1 Anexo A\TRAT\6\Pen Disk-Cruzer-Mini-2GB\DOCS\C\2.Grupo OFFSHORE\30_OFFSHORE\001_Consolidado\Consolidado\8-12-2003\Balanços e DR individuais off 12.12.2003 (após reestruturação):
Resulta das propriedades informáticas deste documento que o mesmo foi criado a 12.12.2003 e modificado pela última vez a 6.1.2004, sendo o seu autor o arguido LM….
Consiste num documento em formato Excel do qual constam “informações sobre balanços e demonstração de resultados individuais de sociedades offshore”, i.e., dos seus activos e passivos por referência àquela data, contando-se nessa análise dezenas de sociedades offshore que, como se veio a apurar – e será desenvolvido ao longo desta motivação –, são na sua quase totalidade pertença do grupo BPN/SLN.
Em reforço da prova dos factos 33° e 36° da pronúncia (factos provados 32 e 33) são de salientar as declarações pertinentes prestadas por algumas testemunhas (refere-se, sempre, a respectiva razão de ciência), designadamente:
CJ… (iniciou funções em Junho de 1999 no BPN, tendo ido abrir a área de offshore do Banco, parte operacional. A sua função consistia em lançar operações em paraísos fiscais, - abertura de contas, depósitos de clientes, financiamentos -. Foi responsável pela unidade de offshore até inícios de 2006:
A Planfin era a entidade que normalmente tratava da documentação para a abertura de contas de clientes em offshores. A SLN aproveitava também a relação com a Planfin para abrir contas de empresas suas no exterior.
Sabia da relação da SLN com a Planfin porque, às vezes, havia “memos” da Planfin a informar que dada conta estava aberta. Houve contas que foram abertas sem que tenha havido intervenção da Planfin.
Através da Planfin eram feitos os pagamentos aos escritórios de advogados que constituíam as empresas offshore (custos de constituição ou de manutenção).
A Multiarea era a empresa ligada à Planfin através da qual se faziam os pagamentos da constituição e/ou manutenção das contas offshore.
LPe… (ingressou no BPN em 2000, tendo ido trabalhar para o departamento de offshores, de que foi subchefe e onde fazia todo o tipo de operações bancárias relacionadas com offshores. O seu chefe directo era o CD…. O seu director de operações era o arguido AF…. Manteve-se sempre no departamento de offshores até ao momento em que foi transferido para Cabo Verde, a 20 de Abril de 2006):
Algumas constituições de empresas offshore vinham da Planfin (constituição da empresa, procuradores, fees actualizados, denominação), por correio”.
AI… (trabalhou como advogada, na Planfin, no período compreendido entre Março de 2000 e Março de 2003):
Daquilo que constatou quando lá trabalhou, a Planfin servia para dar apoio ao grupo SLN e seus accionistas.
Era solicitada à Planfin a disponibilização de sociedades offshore. Numa fase inicial era HM… quem se ocupava dessa área. Posteriormente AG… também passou a tratar dessa área por indicações do Private Banking (accionistas) ou da própria administração da SLN.
Daquilo que se apercebeu, no caso de a disponibilização de sociedades offshore ser solicitada pela SLN, a administração da SLN informava a Planfin, na pessoa de HM…, IC… ou AG…, que precisava da constituição de um veículo, indicando os beneficiários, sendo então a sociedade constituída.
Numa fase posterior, com AG…, as indicações eram dadas directamente pela administração da SLN, por OC… ou por LC….
As sociedades não residentes eram constituídas nos offshores, a Planfin enviava a documentação necessária aos fiduciários, que depois procediam à constituição das sociedades offshores.
Em algumas circunstâncias assinou documentos em representação de sociedades não residentes por indicação/pedido da administração da SLN, designadamente poro LC…, estando convencida que estas sociedades não residentes faziam parte do grupo SLN, até porque a sua intervenção era pedida pela administração da SLN.
CA… (trabalhou na Planfin, como advogada, entre 2001 e 2008):
Relativamente a offshores do grupo BPN/SLN o que lhe era pedido era apurar se havia sociedades disponíveis e nomes disponíveis e depois, se houvesse, pediam a constituição da sociedade.
Com AG… começou a trabalhar com a área das sociedades não residentes.
Ele recebia as instruções da SLN e a testemunha contactava as offshores no sentido de as constituir no estrangeiro, apurando se havia algum nome disponível.
Concretizou o apoio que dava a AG… do seguinte modo: AG… ia às reuniões com o cliente, fosse a SLN ou outro qualquer.
Quando vinha das reuniões, pedia-lhe para aferir se havia sociedades disponíveis. Então contactava a Valery, que normalmente indicava 3 hipóteses. O cliente escolhia e indicava o nome escolhido, sendo feita a reserva em nome do cliente. Se tivessem já o beneficiário indicavam quem era o beneficiário e diziam quem eram os procuradores. Posteriormente a testemunha mandava os documentos da sociedade (certificado de existência legal; declarações de trust). O original da documentação ia para o cliente, sendo remetida fotocópia para o gestor da conta bancária da sociedade.
Eram constituídas muitas sociedades em nome da Marazion. Nunca perguntou quem era o beneficiário desta.
A Planfin ficava com uma cópia dos elementos documentais que as sociedades fiduciárias enviavam quanto às sociedades offshore; era organizada uma pasta em relação a cada uma dessas sociedades. O que passava pela Planfin quanto a essas sociedades era guardado, pelo menos o que passava pelas mãos da testemunha.
AN… (advogado, trabalhou para a Planfin entre os anos de 2001 e 2008):
Descreveu circunstanciada e pormenorizadamente todo o procedimento das constituições das sociedades não residentes, quer para clientes do Private Banking, quer para o grupo BPN/SLN:
Funções que desempenhou na Planfin:
Apoio constante ao Private Banking até ao fim da sua colaboração com o grupo.
Neste campo, dedicava-se basicamente ao apoio a clientes que eles tinham nas estruturas internacionais. Apoio jurídico a alguns clientes. Acompanhamento de alguns clientes.
Nalguns casos havia disponibilização de sociedades offshore.
Quando entrou para a Planfin a estrutura já estava montada.
Havia um colega no Porto que tinha o contacto com as empresas fiduciárias.
A dada altura começou a tratar directamente com os fiduciários, quando era necessário.
Recebia um pedido com vista à disponibilização de uma sociedade não residente. Ligava para o escritório dos directores fiduciários. Quando o pedido vinha do grupo, a escolha da jurisdição era aleatória, escolhia-se em função do território onde havia uma sociedade disponível.
A testemunha contactava e confirmava se havia sociedade disponível e os nomes, depois os fiduciários enviavam uma listagem com 3 ou 4 nomes para o cliente nacional escolher.
Seguidamente, feita a escolha pelo do cliente, fazia-se a confirmação da reserva do nome, por exemplo, para a Planfin ou para o grupo SLN, quando era dada essa indicação.
Posteriormente eram enviados BI, comprovativos de morada, actividade profissional (quando eram clientes particulares).
O certificado de incorporação (certificado da existência legal da sociedade offshore constituída) podia vir logo a seguir à reserva.
Quando se sabia quem era o beneficiário, eles enviavam a declaração de trust (cópia certificada ou original).
Também recebiam os estatutos, a declaração de trust ou procuração para movimentação de contas bancárias.
Após a constituição, entregava-se ao cliente a documentação.
Quanto às sociedades offshore do grupo:
O procedimento burocrático era igual.
Os pedidos tinham origem nas pessoas de LC… ou OC… (administração da SLN) directamente ou através de IC… ou IF… na sequência de pedidos daqueles. Neste último caso, confirmava junto de LC… ou OC… os pedidos das suas colegas e, obtendo a confirmação, avançava.
Muitas vezes não era indicado o motivo ou o objectivo de constituição da sociedade offshore.
Quanto aos beneficiários de sociedades não residentes do grupo SLN era indicada uma sociedade intermédia, designadamente a Marazion.
OC… disse-lhe que a Marazion (veículo instrumental) estava a representar os accionistas da SLN.
A ideia que o dito arguido lhe transmitia foi a de replicar na Marazion a estrutura accionista da SLN.
Quando OC… ou LC… lhe pediam a constituição de uma nova sociedade offshore para o grupo indicavam-lhe também quem seria o beneficiário da mesma. Neste âmbito indicaram-lhe inúmeras vezes a Marazion como beneficiária.
Em relação à abertura de contas, a documentação das sociedades offshore era enviada para o Porto para TA… (Private Banking) e, a partir de determinada altura, essa informação era enviada para a direcção de operações” (Direcção de Operações – DOP – estava sediada no BPN).
Na generalidade dos casos não ficavam com cópia nas instalações da Planfin dos documentos das sociedades offshore pedidas pelo grupo, a não ser que houvesse questões pendentes quanto às mesmas.
Os Procuradores dessas sociedades, inicialmente, eram HM…, IC… ou IF…. Mais tarde passou a ficar também a testemunha como procurador dessas sociedades não residentes do grupo.
A partir de determinada altura passaram a ser ele e IC… os procuradores da sociedade.
A partir de determinada altura, os pedidos de constituição de sociedades offshore começaram a surgir via direcção de operações do banco, através de RP… ou de AJo…, com indicação de que os pedidos provinham de OC….
O Private Banking abria as contas destas sociedades offshores em BPN Cayman e depois enviavam a ficha de assinaturas para ser formalizado.
Houve algumas procurações (poucas) que foram para abrir conta no Banco Insular para as sociedades offshore, as ditas procurações eram passadas a seu favor e/ou de IC…, referindo a testemunha que as mesmas não foram utilizadas.
Anuidades das offshores:
Normalmente os directores fiduciários solicitavam o pagamento das anuidades das sociedades offshores do grupo.
Mais tarde vieram a saber que as contas bancárias das sociedades offshore nas quais ele e a IC… eram procuradores foram movimentadas sem a assinatura de qualquer um deles por ordens da administração da SLN.
Multiárea:
Era uma prestadora de serviços que disponibilizava sociedades não residentes.
Esta sociedade facturava as anuidades das sociedades não residentes.
Nalguns casos, esta sociedade procedia ao pagamento das anuidades aos fiduciários de sociedades não residentes do grupo.
TA… (iniciou funções no BPN em finais de Janeiro de 1999. Exerceu funções no Porto como director coordenador na área de Private Banking até a dita direcção ser integrada na rede de agências do banco aquando da administração da CGD):
Nas suas funções incluía-se a gestão das contas associadas a sociedades não residentes de clientes não residentes e de clientes externos ao grupo.
Não fazia a gestão das contas das sociedades veículo do grupo.
A rede de Private Banking trabalhava também com as estruturas ou plataformas internacionais do Banco em que se incluía o BPN Cayman, o BPN IFI e a SFE.
O administrador do pelouro da área de Private banking era o OC….
Sediaram na direcção de private banking um conjunto de contas tituladas por sociedades internas ao grupo (sociedades offshore/sociedades veículo) por decisão da administração.
As contas ficaram sediadas naquele centro de custos (Private Banking), ou seja, parqueadas na direcção de Private Banking, mas a gestão dessas contas não era feita pelo Private Banking, sendo totalmente feita pela administração.
O private banking só intervinha quando recebia instruções da administração para fazer determinados movimentos.
Estas contas internas do grupo apareciam abertas no private sem qualquer intervenção do Private Banking.
Para distinguir estas contas, que não eram decorrentes da actividade do private banking, das outras contas teve que ser criado um filtro informático, ficando as contas sediadas com a sigla da testemunha e do director de Lisboa.
Assim conseguiam distinguir a actividade própria do Private daquelas contas que foram abertas pela administração.
Desta forma acabou por formalmente ficar como gestor destas contas do grupo (tinha que haver sempre um gestor), embora não houvesse intervenção dele nessas contas.
Diariamente quando abria as posições do seu balcão, tinha a posição dos clientes agrupadas por gestores, e havia um gestor (ele próprio) em que apareciam as posições das contas internas do grupo (offshores/veículos).
Iam aparecendo novas contas sem qualquer procedimento ou intervenção da sua parte.
O Private Banking não faz operações, encaminha as operações para a direcção de operações.
De 15 em 15 dias, o director geral (V…) reunia com o administrador do Pelouro, OC…, para ratificar os saldos das contas das sociedades offshore/veículos do grupo. Estas contas eram veículos para financiar as operações do grupo SLN e normalmente estavam a negativo.
Nessas reuniões OC… apunha a palavra “ratifico” e a sua assinatura, assim, no fundo, autorizando as situações. As ratificações formais eram arquivadas depois nos serviços no Porto.
Tinha sempre esperança de ver os negativos reduzir, mas apareciam sempre mais contas.
A Planfin dava apoio a todo o grupo e dela também surgiam clientes para a abertura de contas.
No que respeita à abertura de contas de sociedades offshore/veículo do grupo, sempre foi uma luta sua obter a documentação da direcção de operações.
Neste tipo de sociedades a documentação não aparecia como nas contas normais, somente quando era verificada a abertura de conta é que se tentava arranjar a documentação.
Relativamente às sociedades não residentes pertencentes ao grupo (offshore/veículo) e à sua movimentação (movimentos bancários) havia de tudo.
O caso mais comum era que os movimentos aparecessem feitos sem que o Private tivesse conhecimento, ou seja a administração falava directamente com a direcção de operações e determinava que se fizesse os movimentos.
Noutros casos havia instruções e preocupação de seguir o procedimento habitual, ou seja, um fax dirigido para o Private Banking a pedir que se fizesse determinada operação, seguindo-se o procedimento igual ao dos clientes externos infra descrito.
Esta primeira instrução, feita por fax ou por mail, vinha sempre do staff da administração (AJo… - assessor da administração; Eng. FS… - procurador de alguma das sociedades; IC… e eventualmente RP…).
Não se recorda de qualquer instrução directa de OC… ou de LC….
A Dr.ª IC… quando era procuradora de uma sociedade, era criteriosa na documentação, ou seja, enviava a documentação de suporte.
Os outros não enviavam essa documentação.
No que concerne a clientes externos, o cliente ou deslocava-se ao balcão e deixava instrução escrita, ou envia fax, ou envia mail ou dava a instrução por telefone, havendo posteriormente ratificação, quando se justificava.
Deixada a instrução pelo cliente, havia documentação interna preenchida e assinada por 2 colaboradores do Private banking e enviava-se, por fax, comunicação para a direcção de operações de Lisboa, seguido em anexo ao fax a instrução respectiva do cliente. A direcção de operações verificava a documentação.
O private banking não fazia movimentações das contas dos clientes.
Com o crescimento do grupo aumentou o número de sociedades offshore/veículo, bem como os respectivos saldos negativos.
Planfin:
Era a prestadora de serviços vocacionada para a constituição e gestão de sociedades, designadamente as sociedades offshore, com ligação aos directores fiduciários dos paraísos fiscais e que prestava consultadoria ao grupo na área da fiscalidade.
A principal ligação com a Planfin do Private era feita através de IC…. Falou algumas vezes com FB… na qualidade deste de procurador de algumas offshore e que, nessa qualidade, recebeu dele instruções.
Foram inquiridos intervenientes nos três vértices do processo de constituição das sociedades offshore para o grupo BPN/SLN, designadamente os trabalhadores/advogados que exerciam funções na Planfin, os funcionários que exerciam funções na unidade/departamento das offshores, - departamento este sediado no BPN, S.A. -, e um funcionário do Private Banking, - departamento integrado no BPN, S.A..
As declarações proferidas neste âmbito foram inequívocas, objectivas e sem contradições de realce entre si, não subsistindo por isso ao Tribunal quaisquer dúvidas quanto à veracidade do que por eles foi declarado.
Estas declarações, conjugadas com a vasta prova documental mencionada, permitem concluir, inequivocamente, pela prova dos factos 33° e 36° da pronúncia (factos provados 32 e 33).
(…)
Permita-se ainda a referência a um outro documento, também constante do apenso de busca 7, doc. 28.01, págs. 197 e 198, de 22.7.2003, - fax da Planfin, de IM… para a SLN SGPS, à atenção de FS… -, no qual se diz que “junto remete os documentos da Marbay, cujos originais estão em nosso poder (cofre do Porto) mas que já solicitei o seu envio para Lisboa”.

iii. Vejamos.
Cremos que basta a mera leitura do que se deixou transcrito, com especial ênfase para alguns dos trechos assinalados a negrito, para se poder concluir não assistir razão à crítica que o recorrente dirige ao decidido, uma vez que aí se mostram vertidos os elementos probatórios e os raciocínios que determinaram que o tribunal “a quo” desse como provada a matéria constante nos pontos de facto 69) e 70).
E, uma vez que o recorrente limita a sua crítica à ausência de referência à prática de qualquer acto material que suporte o que aí se diz, mostrando-se tal afirmação contraditada pela motivação, que elenca prova documental, para além de testemunhal, dos actos que praticou ab initio, quanto a estas sociedades (vide, entre outros, - Apenso informático 33, no seguinte caminho: 22\TRAT\1\MAIL\FS…\26122004\1fs… \nsf\ $Sent-Drafts\Taxa devedora DO – Cayman:Consiste num e-mail datado de 04.02.2002 enviado por RP… (trabalhava na Direcção de Operações do BPN) para o arguido FS… no qual pede informação sobre quais as taxas devedoras de todas as sociedades offshore do grupo e refere que a taxa indicada será carregada a todas as sociedades offshore que o arguido LM… indicar como sendo do grupo. (…)- Apenso informático 33 no seguinte caminho: 30\287\C\CFGA\POSTOS DE TRABALHO\IC…\C\IC… Ficheiros Vários\IMC\SOCIEDADE DE ADVOGADOS\ CLIENTES\SLN\Memos CA\Sociedade de advogados\Memo- CA SLN_ sociedades não residentes ponto da situação.doc: Consiste num memorando, datado de 5.11.2003, da autoria da arguida IC… para o arguido OC…, no qual se faz um ponto de situação das sociedades não residentes (sociedades offshore) constituídas por intermédio da Planfin para operações do Grupo SLN/BPN, onde, além de se descrever a relação de confiança da PLANFIN com os directores/administradores fiduciários, se refere que os movimentos das contas eram controlados pela SLN (LM…), aqui arguido. Note-se também que a dado passo do documento é referido, com importância, que “a partir de Novembro de 2002, para além destas situações” – antes descritas – “surgiram outras, como pedidos de constituição de sociedades efectuadas por intermédio das operações”, ou seja, da Direcção de Operações do BPN, “dando-nos a indicação que tinham sido solicitadas pelo Sr. Presidente ou pelo Eng. FS… ou de que tinham conhecimento” (…) ), para além de uma série de outros que são narrados adiante (entre outros, SLN Imobiliária e Labicer), caberá apenas concluir que, neste ponto, não assiste razão ao recorrente.

4. Pontos 412, 414, 415, 416, 422, 423, 431, 432, 433, 435, 437, 439, 444, 445, 448 453, 455, 461 e 471 da matéria julgada provada proveniente da pronúncia:

Entende o arguido que:
A. No que concerne aos pontos 412) a 461), deve ser retirada da matéria de facto dada como provada a sua intervenção nesses actos – ou seja, que lhe coube delinear a estratégia de criar a aparência do projecto de cisão - uma vez que os mesmos ocorreram no ano de 2000, quando ainda não era administrador da SLN Imobiliária, sendo insuficiente para se chegar a tal juízo a mera constatação que o tribunal “a quo” faz de a situação se ter prolongado nos anos subsequentes, isto é, após a nomeação do recorrente para a administração da SLN em 29 de Novembro de 2002, o que igualmente denota contradição entre a fundamentação e os factos dados como assentes;
B. No que concerne ao ponto 471), deve ser retirada da matéria de facto dada como provada a sua intervenção nesses actos – isto é, que tenha tido intervenção no contrato celebrado entre a SLN e a Camden, ocorrido em 30 de Setembro de 2000 - uma vez que não integrava a administração nem da cedente nem da cessionária.

i. Vejamos:

A. No que concerne aos pontos de facto 412, 414, 415, 416, 422, 423, 431, 432, 433, 435, 437, 439, 444, 445, 448 453, 455 e 461:
A motivação do tribunal, a este propósito, que o recorrente apenas em parte cita, contém o seguinte segmento:
É certo que quanto à fase inicial o arguido FS… nega a sua participação/decisão.
No entanto, para participar nos factos a decisão não tinha necessariamente que partir dele em conjunto com outros arguidos.
O que é fundamental é que ele tivesse conhecimento dos contornos do negócio e de algum modo tivesse participado dele, aderindo, por isso, aos propósitos iniciais dos arguidos OC… e LC….
E o que aí consta nada tem de contraditório em si mesmo.
De facto, uma colaboração activa não pressupõe que a ideia ou a decisão inicial parta de todos os que na operação acabam por participar. Não pressupõe, obviamente, uma epifania comum e simultânea de todos os envolvidos.
Alguém tomar uma decisão, comunicá-la a outros, obter a sua colaboração e este novo aliado passar a actuar em conformidade e de acordo com o plano que lhe foi exposto e ao qual aderiu, é algo que corresponde aos conhecimentos advenientes das mais básicas regras de experiência comum.
Ponto é que o que o novo aliado faz (isto é, que o modo como actue) demonstre esse conhecimento, essa adesão, essa participação e esse acordo.
E é isso que o tribunal “a quo” refere – que esses elementos se mostram corroborados pela prova.
Para além do mais, mostra-se dado como assente nos pontos 468) a 470), que os arguidos OC…, LC… e FS… fizeram produzir com data de 30 de Setembro de 2000, situada após a celebração do protocolo de 11 de Agosto, mas anterior à celebração do contrato de compra e venda das acções da SLN IMOBILIÁRIA, contratos de cessão de créditos, através dos quais a SLN SGPS cedia créditos que tinha sobre a SLN IMOBILIÁRIA e sobre outras sociedades, à CAMDEN.
E esses mesmos arguidos fizeram constar num contrato, datado de 30 de Setembro de 2000, que a “SLN cede à CAMDEN, que aceita, os créditos que tem sobre a SLN - IMOBILIÁRIA”, quer relativos a suprimentos efectuados à SLN, IMOBILIÁRIA, SGPS, S.A., em 1999 e 2000, quer a outros créditos sobre a SLN, IMOBILIÁRIA, SGPS, S.A., por um preço total de 1.029.338.316$00, sendo a SLN IMOBILIÁRIA representada pelo arguido FS… (que era, desde 14.12.1999, vogal do conselho de administração desta sociedade) e pelo arguido JAu…, que aceitou colaborar no acto.
Como se vê, mostra-se indiferente para a solução deste ponto factual, a questão de não ser o arguido, à data, administrador da SLN SGPS, uma vez que a sua actuação surge na sequência da sua comprovada intervenção no âmbito da SLN Imobiliária.
Inexiste, pois, a contradição a que alude.

B. No que concerne ao ponto de facto 471):
A única razão de crítica do recorrente prende-se com a circunstância de, à data da cessão de créditos, o arguido não integrar a administração nem da cedente nem da cessionária (isto é, nem da Camden, nem da SLN SGPS).
Olvida-se o arguido, todavia que, à data, era já vogal do Conselho de Administração da Imonações (uma das sociedades cujos créditos foram cedidos), bem como que interveio em representação da SLN Imobiliária (em 30 de Setembro de 2000), no contrato de cessão de créditos a que supra acabámos de nos referir (vide factos 468 a 470), no âmbito do protocolo e das cessões de créditos que precederam e que foram operações essenciais e necessárias para a realização da cessão que se mostra vertida no ponto 471).
Assim, a prova da sua intervenção não radica na questão que coloca, mas antes nos elementos probatórios – desde logo documentais – que o tribunal “a quo” elenca.
Conclui-se pois que, também neste ponto, não assiste razão ao recorrente.

5. Pontos 733 a 752 e 951 da matéria julgada provada proveniente da pronúncia:
Entende o recorrente que o tribunal “a quo” errou ao dar como assente o que consta no ponto de facto 744), designadamente no que se reporta a essas facturas não corresponderem a serviços efectivamente prestados pelo BPN, bem como no que concerne à questão do prejuízo que, em seu entendimento, não causaram e, por tal razão, impõe-se a alteração da matéria de facto a que alude.

A. Vejamos.
Esta questão foi já alvo de apreciação, em sede do recurso interposto pelo arguido JO… e, por ter aqui plena actualidade, transcreve-se o que aí se mostra já exarado (vide pontos 29. e 37., da apreciação do recurso da matéria de facto do referido arguido):
a. No que concerne ao entendimento de se estar perante facturas forjadas (ponto 29. – transcrição):
“i. O ponto 744 tem a seguinte redacção:
744) Tais facturas não correspondiam a serviços efectivamente prestados, tendo os arguidos feito produzir as mesmas com um montante total, sem IVA, de 426.965,00 €, correspondente ao montante sacado sobre a conta da JARED no Banco Insular;

ii. Os fundamentos em que o recorrente assenta a sua discórdia resumem-se aos depoimentos prestados pelas testemunhas AFo… e MFe….
Vejamos então se o tribunal “a quo” atendeu ou não ao depoimento por estas testemunhas prestado e qual a correlação que fez entre o seu teor e o restante acervo probatório.

iii. Em sede de motivação, deixou o tribunal “a quo” exarado o seguinte:
«Prosseguindo com a factualidade da pronúncia, façamos a análise crítica dos arts. 785º a 804º (“pagamento com origem na conta da Jared”).
 «Uma vez constituída a Labicer, os arguidos OC… e TR… acordaram que este negociasse a aquisição de prédios destinados a serem comprados pela Labicer, a fim de neles se construir e instalar a sua unidade industrial.
«Como se verá, os preços reais de aquisição dos prédios (terrenos) foram superiores aos declarados nas respectivas escrituras (arts. 785º a 788º; v. factos provados 733 a 736 e facto não provado 255).
(…)
«Com vista à disponibilização de fundos a despender no âmbito de tais negociações, o arguido deu as seguintes ordens de transferência da conta da Labicer, no BPN, S.A., para a sua conta pessoal no BPN, cujos montantes se destinaram a pagar o preço dos prédios para a construção das instalações industriais da LABICER: de 18.09.2001 a 28.12.2001 - 30.000.000$00 + € 5.000.000$00 + € 7.000.000$00 + 5.000.000$00 + 1.500.000$00 + 5.000.000$00 + 8.000.000$00 + 6.000.000$00 + 5.000.000$00 + 4.500.000$00, num total de 77.000.000$00 e que corresponde a € 384.074,38; e, em 04.03.2002, € 188.825,62. 
«O valor global destas transferências perfaz, pois, o montante de € 572.900,00 (art. 789º da pronúncia; v. facto provado 737 e facto não provado 256 quanto à data que consta daquele facto da pronúncia):
(…)
 «Resulta do exposto supra que, deste valor, a Labicer pagou directamente aos vendedores de dois terrenos (os lotes designados 35 e 36 no referido mapa), o montante de € 34.852,00 € (€ 11.807,00 + € 23.045,00), conforme cheques que, então, emitiu (os supra identificados). 
«Esse pagamento resulta, igualmente, do extracto de conta da Labicer:
 (…)
«Na eminência da outorga daquelas escrituras verificava-se, pois, que o arguido TR… tinha despendido ou despenderia € 945.984,76 (€ 980.836,76 – € 34.852,00) e tinha recebido da Labicer, adiantados, € 529.019,76 (€ 572.900,00 – € 43.880,24), restando-lhe, assim, receber € 416.965,00.  
 «Daí que TR… tenha informado por fax, em 17.03.2003, o arguido OC… da quantia que lhe faltava receber, fax esse do qual foi dado conhecimento aos arguidos LA… e RC…: 
- Apenso temático AJ, fls. 29 e 30, págs. 30 e 31 pdf – 31.12.2002 – fax da DEEF, com texto manuscrito de MMo…, que anexa declaração-minuta para o arguido TR… relativa ao pagamento que este fez dos terrenos, da alteração dos terrenos e com nota que despendeu € 934.800,00, valor superior àquele que a Labicer lhe disponibilizou (€ 572.900,00);
  Essa declaração foi assinada, na mesma data, pelo arguido TR… (v. fls. 31, pág. 32 pdf do mesmo apenso). 
«Com importância, assinala-se que do identificado mapa (v. apenso temático P, vol. 10, fls. 34, pág. 36 pdf) elaborado pela testemunha MJo… (directora de contabilidade do BPN), consta: “o diferencial entre o valor real dos terrenos e o valor escriturado foi regularizado com as facturas do BPN nºs 2160 e 2161” (bold nosso).
«Esse diferencial, como foi explicado, corresponde ao montante de € 416.965,00.  
- Apenso de busca 18 (efectuada na residência do arguido de LA…), doc.7, págs. 562 e 568 – 17.03.2003 - Fax do arguido TR… dirigido ao arguido OC…, com conhecimento aos arguidos LA… e RC…, no qual o arguido TR… refere as quantias que já despendeu e as quantias que recebeu ficando a faltar a quantia de € 416.965, ou citando “para poder concretizar a escritura dos terrenos descritos ser disponibilizado o diferencial entre o valor total e o já despendido ou seja (989.865,00 – 572.900,00 Euros) = 416.965,00 Euros”;  
- Processo, vol.107.2, fls. 34.997 a 34.999, págs. 77 a 79 – 31.05.2012 – informação da PT nos termos da qual o n.º 225432798 (n.º que consta do fax mencionado como sendo do arguido RC…) teve por data de início de facturação o dia 23.04.2003;  
- Apenso F, fls. 216, pág. 217 pdf – demonstração de resultados da sociedade offshore Jared - tem como custo o pagamento de € 426.965,00 à Labicer por conta do arguido TR…; 
«“En passant”, recorde-se que a Jared servia de “central de custos” ou “saco azul” do grupo SLN/BPN. 
- Processo, vol. 158, fls.48700, fls. 48700, pág. 184 pdf (documento junto pela defesa do arguido em sede de julgamento) – 03.04.2003 – Nota de crédito do Banif da quantia de € 426.965,00 na conta do arguido TR… com parte manuscrita do seguinte teor:
LABICER – Pagamentos Terrenos – (Extra) 
416.965,00 - deveria ter sido 
426.965,00 – Pagaram
10.000,00 - Troco para pagamento p/conta dos juros que eu suportei” 
 «Ora, para pagamento da diferença dos preços pagos directamente pelo arguido TR… e os valores que este recebeu da Labicer, o arguido OC…, com a colaboração do arguido FS…, em 01.04.2003, ou seja, dois dias antes da outorga das primeiras escrituras de compra e venda de terrenos destinados às instalações da Labicer, deu instruções para a movimentação a débito da conta da Jared no Banco Insular n.º … do balcão 2000, pelo montante de € 426.965,00.
«Este montante foi transferido para a conta do arguido TR…, no Banif (arts. 790º a 793º da pronúncia; v. factos provados 738 a 741):  
- Apenso temático AJ, fls. 49, pág. 50 pdf – nota de lançamento na conta da Jared do débito de € 426.965,00; 
- CD, vol. 13 - movimento a débito no indicado valor – (sublinhado amarelo nosso):
 
- Apenso temático AJ, fls. 50, pág. 51 pdf – 01.04.2003 – E-mail de AJo… para LRe… pedindo a transferência de € 426.965,00 para a conta de TR… no BANIF; 
- Apenso bancário 39, fls. 4, pág. 5 pdf – conta titulada pelo arguido TR… no Banif - 3.04.2003 – movimento a crédito de € 426.965,00, que cobriu o descoberto de € 112.692,90 e permitiu o pagamento dos terrenos aos vendedores (v. fls. 4 e 4 vº, 24 e 25, 27 e 28, 29 e 30);
Porque relevante, refira-se que a conta do arguido TR… no Banif só esteve a descoberto 1 dia e não evidencia qualquer cobrança de juros pelo descoberto, muito menos no valor de € 10.000,00.
Ou seja, o arguido apropriou-se deste montante. 
Todavia, o arguido OC… entendeu que a Labicer devia suportar também aquele custo de € 426.965,00 e, por isso, ele, o arguido FS… e o arguido TR… conceberam uma forma de forjar uma justificação para a Labicer proceder ao pagamento daquele montante
E, assim, o BPN emitiu duas facturas com os n.ºs 2160 e 2161, ambas com data de 28.03.2003, e com os descritivos “assessoria no desenvolvimento técnico do projecto da nova unidade de produção cerâmica, conforme contrato oportunamente celebrado” e “assessoria e acompanhamento jurídico no desenvolvimento do projecto da nova unidade de produção de cerâmica, conforme contrato oportunamente celebrado”, no valor global de € 426.965,00, sem IVA.
Estas facturas foram dirigidas à Labicer por fax de 01.04.2003.
«É óbvio que estas facturas são forjadas.
Desde logo, pela coincidência de valores entre o que o BPN pagou, através da Jared, e o pagamento que estava a solicitar à Labicer.
Depois, pela circunstância de não ter sido outorgado nenhum dos contratos de assessoria a que as mesmas se referem.
Por fim, caso estas quantias fossem efectivamente devidas pela Labicer por causa de serviços prestados, não havia qualquer justificativo para a Jared ter transferido igual valor para a conta do arguido TR…. 
Importância, neste âmbito, têm também as declarações das testemunhas que serão referidas infra e que solidificam/sustentam a ausência de qualquer justificativo para emissão de facturas de serviços alegadamente prestados pelo grupo SLN/BPN à Labicer.
«Desde já, assumem relevo os seguintes elementos probatórios documentais:
 Apenso temático AJ, fls. 35 e 36, págs. 36 e 37 pdf - 28.03.2003 - facturas do BPN n.ºs 2160 e 2161, no valor global de € 426.965,00, s/IVA - fax de 01.04.2003;
Note-se no pormenor que consta da factura n.º 2161: “despesas pagas com autenticação - € 6.965,00” que permitiu o “arredondamento” para o valor exacto pretendido. 
- Apenso de busca 18 (busca na residência do arguido LA…), doc.7, págs. 527 e 528 – 28.03.2003 - As facturas n.ºs 2160 e 2161 do BPN com anotações manuscritas “terrenos e aumento do capital”, as quais evidenciam, em pé de página e às avessas, elementos dos quais resulta que foram enviadas por fax do BPN – Presidente; 
- Processo, vol. 15, fls. 5906, pág. 5 pdf – informações prestadas por LP… a solicitação do inspector ASl… “a ordem para a emissão das facturas veio de instâncias superiores” “não existe qualquer contrato de assessoria técnica”; 
- Processo, vol.16, fls. 6485, pág. 235 - Resposta do BPN sobre as facturas n.ºs 2160 e 2161 e contratos que elas mencionam, a qual refere: “Não foi localizado, nos serviços que efectuaram as operativas, qualquer documento, instrução ou contrato que os mandou emitir”;
(…)
A nível da prova testemunhal, são relevantes as seguintes declarações:
MFe… (Foi administrador da Labicer no processo de criação da empresa e, passado 1 ou 2 anos saiu do Conselho de Administração. Foi administrador no início da Labicer até cerca de 1 ano depois):
 A escolha, compra e pagamento dos terrenos foi um processo conduzido exclusivamente por TR…, que ia dando conta dos avanços das negociações.
 Relativamente às farturas, referiu que quando havia a necessidade de se proceder a algum pagamento, havia uma ficha da sua direcção que era enviada para a contabilidade.
 Confrontado com as farturas constantes do anexo AJ, pág. 36, explicou que não conhecia as facturas e tem a certeza que elas não saíram da sua direcção.
 (…)
«MJo… (trabalhou na Labicer desde a sua fundação (2001) até 18.10.2013. Durante este tempo sempre foi directora financeira e responsável pelas contas da empresa (TOC). Todas as questões contabilísticas da empresa passavam por si.).
Quanto à compra dos terrenos:
 Explicou que TR… tinha “carta branca” para negociar a compra dos terrenos (chegou a haver procuração com plenos poderes para ele comprar os terrenos).
 Recorda-se de ter havido várias transferências do BPN para a Labicer e depois desta para TR… para ele poder negociar os terrenos.
Ouviu falar de pagamentos por fora relativamente às escrituras, muito mais tarde (2009).
Nunca ouviu falar disso aquando das escrituras e das negociações.
Nunca lhe foi apresentado o valor de € 934.800,00.
O imobilizado corpóreo ficou sempre pelo valor próximo dos 570 mil euros.
Quanto aos faxes (facturas 2160 e 2161):
Sabe que que o indicativo 289 é do Algarve, sendo que o LA… trabalhava na Marina de Albufeira.
O indicativo 22 é do Porto e RC… trabalhava no Porto.
Relativamente ao documento constante do apenso P, vol. 10, pág. 36, explicou:
Não se recorda do documento em si, recorda-se da situação.
Havia uma diferença entre o valor escriturado e o valor pago aos vendedores.
Considerando que houve pagamentos suplementares aos vendedores, para regularizar este valor, foram emitidas estas facturas (2160 e 2161).
Recorda-se de umas facturas que vieram do BPN por fax, sendo que os originais nunca foram remetidos.
A propósito disso, referiu que havia documentos que não passavam pelo departamento financeiro, iam direitamente para a administração que tratava deles e depois mandava “para dentro para eles contabilizarem”.
No que concerne a outros documentos:
- apenso AJ págs. 41, 39 (o último está assinado por TR… e LA…).; busca 18, doc. 7, pág. 526 pdf:
Este layout era típico do seu departamento.
Esta tramitação de pagamentos “na hora” não era normal.
Isto foi um caso excepcional.
 As facturas fazem referência a “contrato oportunamente celebrado” mas, pessoalmente, não conhece nenhum contrato.
As facturas necessitam da documentação de suporte, porém, não a conhece.
Era da responsabilidade do departamento financeiro ter a documentação de suporte.
À partida o IVA destas facturas foi deduzido.
A Labicer beneficiou do crédito do IVA pago naquelas facturas.
Mais esclareceu, relativamente às facturas:
Pediu os elementos de suporte à administração das facturas 2160 e 2161, mas nunca lhe deram.
Admitiu, em julgamento, que pudessem ser confidenciais.
Perguntada, respondeu que tinha acordo de confidencialidade com a empresa Labicer durante 20 anos, não encontra explicação para o facto de, como directora financeira, não lhe terem dado esses elementos, caso existissem.
 Já na parte final da sua inquirição, mudou um pouco a sua versão, referindo que não se lembra se pediu ou não à administração os documentos de suporte das facturas, esclarecendo que esse seria o comportamento normal a adoptar por si.
Referiu ainda que a situação daquelas facturas foi “especial” porque veio por fax e foram logo pagas.
«LP… (foi presidente do Conselho de Administração da Labicer entre 3.4.2009 e 30.11.2011):
Explicou que foi para a Labicer com 3 objectivos específicos que lhe foram definidos:
4) Apurar tudo o que se tinha passado desde a sua constituição;
5) Tomar medidas de gestão para a empresa a nível operacional ser viável do ponto de vista económico/financeiro;
6) Se viável, vender a empresa;
Quanto aos terrenos adquiridos para a construção da unidade fabril apurou:
 Foram entregues € 572.900,00 a TR… para ele, a título particular, começar a comprar terrenos numa determinada zona, na expectativa de que a Câmara autorizasse a instalação nesses terrenos da unidade fabril.
 Da conta da Labicer, após a sua constituição, foram retiradas várias verbas para a conta de TR… que perfazem aquele montante.
Confirmou as contas de TR… quanto aos 416.965 euros, face aos registos constantes da empresa.
 Mais referiu que, do ponto de vista jurídico e contabilístico, a Labicer apenas pode registar na contabilidade aquilo que está na escritura.
Alguém teve que suportar o diferencial entre o valor das escrituras e valor real pago, mas não sabe quem foi.
No que concerne às facturas 2160 e 2161:
Mais explicou:
Estas facturas apareceram inicialmente por fax enviados pela administração do BPN na Avenida da República.
Na sequência da recepção por fax, TR…, no mesmo dia, emitiu uma ordem de transferência para pagamento das facturas, que ele próprio assinou, e mandou por fax para a Marina de Albufeira onde estava LA…. Este assina e devolve o fax no mesmo. Ainda no mesmo dia, TR… envia um fax o FS…, com conhecimento a LA… e RC…, que, pelo conteúdo, indica que o fax inicial foi enviado por FS…..
 Especificou ainda que MJo… o informou que os três “vistos”/”certos” manuscritos é a confirmação típica de TR… de que enviou o fax a 3 pessoas.
«AFo… (Na Socerfin era o director de assuntos jurídicos e contencioso, funções que manteve no banco até ser nomeado administrador em 2003. Foi administrador do BPN, S.A., desde 2003 até 24.6.2008. Tinha o pelouro da direcção de assuntos jurídicos e contencioso e recuperação de crédito):
Quanto às facturas 2160 e 2161 pronunciou-se no seguinte sentido:
 Neste caso, da Labicer, da facturação de serviços jurídicos prestados, MMo… disse à testemunha que isso foi feito a pedido do Presidente do BPN.
 A sua direcção não elaborava facturas autónomas de serviços jurídicos prestados. Os serviços jurídicos eram incluídos nos serviços económico-financeiros.
As facturas em questão foram emitidas pela contabilidade e a decisão de facturar foi do Presidente (OC…).
 O descritivo de uma das facturas não é o mais exacto (a empresa Labicer já estava constituída, o que precisava era de operar, a análise foi essencialmente técnica; a assessoria jurídica foi essencialmente a nível de negociações com os italianos).
 Não foi a testemunha que determinou que a facturação fosse feita, a descrição não se ajusta e o texto não foi indicado pela sua direcção.
As reuniões, embora penosas, não justificavam este montante de facturação.
 Também nunca indicou à contabilidade uma relação dos serviços jurídicos prestados à Labicer, tipo nota de honorários.
 Nunca faziam facturas autónomas de prestação de serviços jurídicos, esses valores eram sempre incluídos na facturação dos serviços técnicos.
Houve necessidade de recorrer a especialistas em matéria fiscal, designadamente GS… e um quadro do BCP.
No fundo, existiu uma assessoria jurídica a nível fiscal.
Não consegue quantificar o valor destes serviços.
Por todos os serviços prestados da sua parte e da sua equipa na assessoria jurídica à Labicer e a TR…, entende que um valor de honorários de 120 mil euros seria bem pago.
 Voltou a frisar que não elaborou a factura 2161 e não deu quaisquer indicações para a sua elaboração.
 Aquela factura pelos serviços prestados pelo banco, por todos os serviços prestados a nível jurídico, 120 mil euros já era “muito bom”.
De toda a prova produzida, não subsistem quaisquer dúvidas, como salientado e explicado, de que as 2 facturas não correspondem a quaisquer serviços prestado à Labicer.
(…)
Analisemos, doravante, a factualidade das contestações conexa com a da pronúncia.
Iniciando essa abordagem pela contestação (fls. 17910 a 18110) do arguido OC…, refira-se que a matéria que àquela se refere é a que consta dos arts. 946º a 969º da contestação.
(…)
Considerando o teor da prova testemunhal elencada no âmbito do negócio “Labicer”, resulta claro que o “BPN prestou à Labicer diversos serviços, abrangendo a fase de análise de viabilidade do projecto e subsequente desenvolvimento e preparação do dossier de apresentação à API” (art. 967º da contestação; v. facto provado 66).
Porém, isso não significa que esses serviços tivessem sido facturados à Labicer e muito menos que o tivessem sido pelas identificadas facturas n.ºs 2160 e 2161.
Por outro lado, não se viu qualquer prova do que é alegado na 2ª parte do art. 967º da contestação (v. facto não provado 179)».
 
iv. Vejamos.
O tribunal “a quo” não duvida de que o BPN prestou diversos serviços à Labicer. Todavia, isso não significa que tais serviços (que, além do mais, a testemunha melhor preparada para o fazer, afirma que já seriam muito bem pagos pelo montante de 120 mil contos) tenham efectivamente sido pagos.

v. E a razão pela qual o tribunal considerou que as duas facturas em análise neste ponto não se reportavam a qualquer pagamento deste tipo, vão muito além dos singelos meios de prova a que o arguido alude, sendo certo que, quanto a esta prova e raciocínios, não se mostram os mesmos rebatidos pelo arguido.
Referimo-nos a:
Todavia, o arguido OC… entendeu que a Labicer devia suportar também aquele custo de € 426.965,00 e, por isso, ele, o arguido FS… e o arguido TR… conceberam uma forma de forjar uma justificação para a Labicer proceder ao pagamento daquele montante. 
E, assim, o BPN emitiu duas facturas com os n.ºs 2160 e 2161, ambas com data de 28.03.2003, e com os descritivos “assessoria no desenvolvimento técnico do projecto da nova unidade de produção cerâmica, conforme contrato oportunamente celebrado” e “assessoria e acompanhamento jurídico no desenvolvimento do projecto da nova unidade de produção de cerâmica, conforme contrato oportunamente celebrado”, no valor global de € 426.965,00, sem IVA.
Estas facturas foram dirigidas à Labicer por fax de 01.04.2003.
É óbvio que estas facturas são forjadas.
Desde logo, pela coincidência de valores entre o que o BPN pagou, através da Jared, e o pagamento que estava a solicitar à Labicer.
Depois, pela circunstância de não ter sido outorgado nenhum dos contratos de assessoria a que as mesmas se referem.
Por fim, caso estas quantias fossem efectivamente devidas pela Labicer por causa de serviços prestados, não havia qualquer justificativo para a Jared ter transferido igual valor para a conta do arguido TR…. 
Importância, neste âmbito, têm também as declarações das testemunhas que serão referidas infra e que solidificam/sustentam a ausência de qualquer justificativo para emissão de facturas de serviços alegadamente prestados pelo grupo SLN/BPN à Labicer.
(…)
Note-se no pormenor que consta da factura n.º 2161: “despesas pagas com autenticação - € 6.965,00” que permitiu o “arredondamento” para o valor exacto pretendido. 
(…)
- Apenso de busca 18 (busca na residência do arguido LA…), doc.7, págs. 527 e 528 – 28.03.2003 - As facturas n.ºs 2160 e 2161 do BPN com anotações manuscritas “terrenos e aumento do capital”, as quais evidenciam, em pé de página e às avessas, elementos dos quais resulta que foram enviadas por fax do BPN – Presidente; 
- (…)
- Processo, vol.16, fls. 6485, pág. 235 - Resposta do BPN sobre as facturas n.ºs 2160 e 2161 e contratos que elas mencionam, a qual refere: “Não foi localizado, nos serviços que efectuaram as operativas, qualquer documento, instrução ou contrato que os mandou emitir”;
- «MFe… (Foi administrador da Labicer no processo de criação da empresa e, passado 1 ou 2 anos saiu do Conselho de Administração. Foi administrador no início da Labicer até cerca de 1 ano depois):
-  A escolha, compra e pagamento dos terrenos foi um processo conduzido exclusivamente por TR…, que ia dando conta dos avanços das negociações.
-  Relativamente às facturas, referiu que quando havia a necessidade de se proceder a algum pagamento, havia uma ficha da sua direcção que era enviada para a contabilidade.
-  Confrontado com as facturas constantes do anexo AJ, pág. 36, explicou que não conhecia as facturas e tem a certeza que elas não saíram da sua direcção.

vi. O que decorre do que se deixa dito é que os depoimentos testemunhais que o recorrente avança apenas serviram de corroboração ao que já se mostrava documentalmente comprovado.
Assim, os argumentos que o recorrente avança para demonstrar o erro que alega ter sido cometido pelo tribunal “a quo”, na apreciação desta questão, não são de molde a impor que outra convicção tivesse de ser alcançada, razão pela qual improcede o por si peticionado.

b. No que concerne ao entendimento de inexistência de prejuízo decorrente da emissão de tais facturas e alteração do constante no ponto 951 da matéria de facto provada (ponto 37. – transcrição):

“ii. O recorrente entende que o tribunal “a quo” errou, no que concerne ao que deu como assente nestes dois pontos factuais, uma vez que, ainda que se estivesse perante uma facturação do BPN SA por serviços não prestados à Labicer, a mesma seria neutra ao nível do IVA (uma vez que o mesmo nunca deveria ter sido cobrado e entregue ao Estado pelo BPN SA, nem deveria ter sido pago e deduzido pela Labicer), mas não o teria sido ao nível do IRC, uma vez que o BPN SA pagou IRC sobre essa facturação por si emitida e cobrada.
Assim, a emissão da referida facturação, sendo globalmente neutra em termos de IVA, teria levado a um pagamento acrescido de IRC ao Estado, por parte do BPN SA, relativamente a um acréscimo (nesse caso indevido) de resultado líquido correspondente a € 420.000,00.
Com tais fundamentos, peticiona que seja dado como não provado o ponto 951) (…).

iii. Vejamos.
Os pontos de facto que o arguido refere mostram-se em correlação com o que se mostra dado como assente nos pontos 733) a 752) da matéria de facto provada, mais especificamente com o vertido nos pontos 742) a 752).
Aí se descreve, sinteticamente, o seguinte (seguimos de perto, nesta síntese, a que foi realizada pelo tribunal “a quo” em sede de apreciação de direito):
O arguido TR… assumiu, com a concordância do arguido OC…, a negociação com proprietários rurais, tendo em vista a aquisição de um conjunto de prédios rústicos, que viriam a ser posteriormente unificados e utilizados pela Labicer, para efeitos de implantação da sua unidade industrial.
Esses terrenos foram pagos por valores superiores aos que constaram nas escrituras respectivas.
A Labicer pagou a aquisição dos valores de tais terrenos, declarados nas escrituras, no montante de € 572.900,00;
Para a realização dos pagamentos não declarados os arguidos TR…, FS… e OC… movimentaram a débito a conta da Jared Finance, junto do Banco Insular, pelo montante de € 426.965,00.
Porém, o arguido OC… entendeu que a Labicer devia suportar a totalidade dos pagamentos, pelo que, em conjunto com o arguido FS… e com o arguido TR…, foi concebida uma forma de forjar uma justificação para a Labicer realizar um pagamento que pudesse compensar o montante adiantado pela Jared.
Foi assim que, por acordo dos três, foram emitidas pelo BPN as facturas 2160 e 2161, com data de 28.3.2003, dirigidas à Labicer.
Tais facturas não correspondiam a serviços efectivamente prestados, tendo os arguidos feito produzir as mesmas com um montante total, sem IVA, de € 426.965,00, correspondente ao montante sacado sobre a conta da JARED no Banco Insular.
Os arguidos LA… e RC… tomaram conhecimento que essas facturas não correspondiam a serviços reais e que se destinavam a compensar o BPN pelo financiamento, através da Jared, da aquisição dos terrenos.
Não obstante, os arguidos TR…, LA… e RC… determinaram o seu pagamento ao BPN.
As mesmas facturas foram contabilizadas, por determinação dos arguidos administradores da Labicer, i.e., os arguidos TR…, LA… e RC…, como imobilizado incorpóreo, sendo consideradas despesas de implementação das sociedades, as quais só viriam a gerar o dever de amortizar três anos depois.
Acresce que, os mesmos administradores fizeram a Labicer deduzir o IVA pago nas facturas, no montante de € 81.123,35, sabendo ainda que a sociedade era beneficiária do referido crédito de imposto.
 
iv. O que daqui decorre – e, no que se refere à actuação do arguido (…) se mostra definitivamente assente, neste momento temporal – é simples:
Foram emitidas duas facturas falsas e o IVA pago nas mesmas, no montante de € 81.123,35, foi pela Labicer deduzido.

v. Como se deixou já consignado a propósito de um dos recursos intercalares interpostos, o IVA visa tributar todo o consumo em bens materiais e serviços, abrangendo, na sua incidência, todas as fases do circuito económico, desde a produção ao retalho, tendo como base tributável o valor acrescentado em cada fase.
A dívida tributária de cada operador económico é calculada pelo método do crédito de imposto, pois aplicada a taxa ao valor global das transacções da empresa, em determinado período, deduz-se o imposto por ela suportado nas compras desse mesmo período, revelado nas respectivas facturas de aquisição.
O apuramento do imposto devido é feito pela dedução ao imposto liquidado, do imposto suportado nas aquisições; isto é, os sujeitos passivos de IVA suportam impostos nas aquisições de bens e serviços efectuados a outro sujeito passivo e, por sua vez, liquidam IVA nas transmissões por si efectuadas. Do encontro desses dois valores apura-se o valor do IVA.

vi. É assim que opera este tipo de imposto e, como se constata pela matéria fáctica apurada, a emissão de tais facturas permitiu a existência de um crédito de imposto a favor da Labicer – com base numa realidade que não suportava o mesmo (facturas falsas) – sendo que os arguidos do mesmo fizeram uso, uma vez que o deduziram.

vii. Perante esta realidade simples, não assiste qualquer razão ao recorrente quando afirma a “neutralidade”, em sede de IVA, da emissão de tais facturas – ela claramente inexiste, face ao uso do crédito de imposto que foi realizado, no montante de € 81.123,35.

viii. Por seu turno, é indiferente para efeitos do afirmado nos ditos pontos factuais, se há ou não lugar a pagamento adicional de IRC a esse título, pelo BPN, desde logo porque por demonstrar se mostra que tal tenha efectivamente sucedido; em segundo lugar porque não há “compensações” entre impostos devidos por sociedades diversas e autónomas (a Labicer e o BPN) e, em terceiro lugar – e é esse, de facto o que aqui releva – porque o propósito de obtenção de vantagens fiscais, para si e para terceiros, através de documentos falsos, decorre claramente da restante matéria de facto provada, assim como também da mesma decorre que o arguido fez contabilizar e pagar pela Labicer documentos que sabia serem falsos, de forma a gerar vantagens em sede fiscal, designadamente para a Labicer, que assim pôde deduzir o crédito desse IVA.

ix. Atento o que se mostra exposto, há que concluir não assistir razão ao recorrente nas críticas que dirige ao decidido, quanto a estes pontos da matéria de facto, não se vislumbrando portanto razões para se proceder à sua alteração. 

B. Face ao que se deixa dito, caberá apenas constatar que soçobram os argumentos que fundavam a discórdia do recorrente quanto a esta matéria factual.

v. Síntese final no que respeita ao recurso sobre a matéria de facto interposto pelo arguido FS…:
Atento o que se deixa exposto, há que concluir que, nesta sede, o recurso interposto não mereceu provimento.

                                                        *
ge. recurso apresentado pelo arguido lm…:
gf. recurso apresentado pelo arguido lr…:
gg. recurso apresentado pela arguida ic…:

i. Os recorrentes extraíram das motivações de recurso que apresentaram, a propósito desta questão:
Arguido LM…: as conclusões expostas nos artºs 123º a 212º (uma vez que se procedeu já supra à transcrição integral das conclusões apresentadas por cada um dos recorrentes, opta-se por aqui se indicar apenas os números referentes às mesmas, que importam à decisão das questões que neste segmento cabe apreciar).
Arguido LAl…: as conclusões expostas nos artºs 213 a 293º (uma vez que se procedeu já supra à transcrição integral das conclusões apresentadas por cada um dos recorrentes, opta-se por aqui se indicar apenas os números referentes às mesmas, que importam à decisão das questões que neste segmento cabe apreciar).
Arguida IC…: as conclusões expostas nos artºs 174º a 240º (uma vez que se procedeu já supra à transcrição integral das conclusões apresentadas por cada um dos recorrentes, opta-se por aqui se indicar apenas os números referentes às mesmas, que importam à decisão das questões que neste segmento cabe apreciar).

ii. Opta-se por se proceder, neste segmento, por meras razões de economia processual, à apreciação conjunta dos recursos interpostos por estes três arguidos, dada a afinidade dos pontos de impugnação, bem como os seus fundamentos.
Não obstante, na parte em que tal afinidade não se verifica, proceder-se-á à apreciação em separado.

iii. O MºPº apresentou resposta a tais conclusões, no sentido do indeferimento da verificação das nulidades apontadas, bem como da improcedência das reapreciações fácticas pedidas (vide transcrição integral supra, em respostas a recursos).

iv. Proceder-se-á à apreciação da matéria sintetizada nas conclusões, nos termos já expostos supra em “F. Critérios da apreciação da matéria de facto.”

v. Apreciando.

1. Pontos  52), 53), 54) e 63) (arguido LM…), 54) (arguido LAl…) e 50) e 61) (arguida IC…) da matéria julgada provada proveniente da pronúncia:
Entendem os recorrentes que, face à motivação do tribunal “a quo”, a prova produzida apenas permite concluir quais as funções que cada um desempenhava, mas já não a sua adesão à estratégia nesses pontos vertida.
Acresce ainda que o tribunal “a quo” não concretiza minimamente quais as ordens, quais os movimentos, quais as contas bancárias e quais as sociedades não residentes, relativamente às quais o arguido LM… deu ordens à DOP.

i. O teor da matéria factual impugnada é a seguinte:
50) A arguida IC… actuava paralelamente como colaboradora da SLN, como advogada mandatada pela mesma e como responsável da PLANFIN, intervindo na concepção e execução de uma estratégia de ocultação anteriormente definida, para a constituição de sociedades, prática de actos e contratos, conforme adiante se irá narrar;
52) Do mesmo modo, o arguido LG… foi também chamado pelo LC… para consigo colaborar, de forma mais próxima, a partir do ano 2000, sendo chamado a exercer funções como director financeiro e da direcção de controlo e avaliação estratégica da SLN SGPS;
53) Passando, nessa qualidade, a intervir na utilização de circuitos de financiamento e controlo contabilístico das sociedades instrumentais;
54) O arguido LMi…, por sua vez, manteve o seu papel de responsável da contabilidade da SLN SGPS, S.A., mas passou também a colaborar com o grupo dirigido pelo LM… na referida direcção financeira e de controlo e avaliação estratégica, passando, da mesma forma, a colaborar na elaboração da contabilidade das entidades instrumentais;
 61) Nesse âmbito, conhecendo as decisões de investimento e de movimentação financeira tomadas pelos demais arguidos, em particular pelo OC…, LC… e FS…, a arguida IC… aceitou colaborar na produção dos contratos de conveniência e na emissão de instruções para a realização de operações bancárias;
63) Sempre com a coordenação e seguindo indicações do arguido LC… e indirectamente dos arguidos OC… e FS…, o arguido LM… passou ainda a executar as operações de financiamento decididas para os negócios, transmitindo directamente à Direcção de Operações, via “mail”, as ordens para o lançamento de movimentos nas contas bancárias das sociedades offshore instrumentais do grupo;

ii. Vejamos.
Os pontos que os recorrentes referem caracterizam-se por serem pontos de facto de síntese, que resumem a actividade prosseguida pelos arguidos que, nos pontos de facto subsequentes (até mais de metade da materialidade provada) se mostram descriminados e descritos. Nesses mesmos pontos indicam-se, igualmente, algumas das funções que estes arguidos exerceram em sede do Grupo SLN/BPN.

iii. Assim sendo, e à semelhança do que já se deixou dito a propósito de anteriores recursos interpostos por outros arguidos, obviamente que tais pontos não podem ser lidos (nem motivados) fora desse contexto, uma vez que sintetizam um conjunto de actos que subsequentemente aos mesmos, se mostra descrito.

iv. O que daqui decorre é simples – não impugnando os arguidos que, de facto, exerceram as funções nos mesmos descritas, a questão de saber se existe erro ou vício no que concerne ao que de restante se mostra vertido nesses pontos, dependerá da existência de alguma dessas circunstâncias, no que se reporta à matéria factual que resumem.

v. Assim sendo, das duas uma:
Ou bem que a factualidade relativa à intervenção desses arguidos na concepção e execução de uma estratégia de ocultação de circuitos de financiamento e controlo contabilístico de sociedades instrumentais (num caso, arguido LAl…: no que se refere à elaboração da contabilidade das entidades instrumentais; noutro caso, arguido LM…: na execução de operações de financiamento e controlo contabilístico das sociedades offshore instrumentais do grupo e; noutro caso, arguida IC…: constituição de sociedades para fins ocultos, produção dos contratos de conveniência e emissão de instruções para a realização de operações bancárias) que se mostra vertida no acórdão se mantém e aí o resumo constante nestes pontos mostra-se correcto; ou bem que se demonstra que toda essa factualidade se mostra erradamente assente e, nesse caso, também esses pontos terão de sofrer alterações.

vi. Assim sendo, a procedência do que invocam mostra-se dependente da apreciação dos concretos episódios em que tiveram intervenção, que se mostram relatados na factualidade assente e que serão alvo de análise, infra.
E, adiantando-se desde já o que resulta da apreciação a essa factualidade (vide infra), conclui-se que o que consta nestes pontos de facto não merece crítica, por resumir, efectivamente, o que aí se mostra narrado.

vii. Não obstante e no que concerne à invocada ausência de fundamentação por parte do tribunal “a quo”, quanto a estes pontos, opta-se por se proceder à transcrição de alguns dos segmentos a esse propósito exarados, que demonstram o inverso do que os arguidos afirmam (para além de terem os mesmos ainda relevância quanto à tese que infra novamente os recorrentes invocam, a propósito da data em que assumiram cargos de direcção – notas internas):
A resposta, antevê-se, está presente nas declarações do próprio arguido LC… (supra referidas) das quais resulta que as pessoas em causa (LM…, IC… e LAl…) já exerciam de facto e efectivamente as funções em questão, visando as notas, no fundo, formalizar em termos de “autoridade” aquilo que correspondia a um “status quo” já estabelecido e em vigor.
Ou seja, os identificados arguidos não passaram a exercer, de facto, essas funções com a divulgação das notas internas, pelo contrário, já as exerciam, visando as notas internas formalizar no grupo, para o grupo e para todos os destinatários deste (funcionários) o exercício dessas funções.
Salienta-se, de novo, o que foi referido pelo arguido LC…, a saber:
A partir da divulgação da nota da criação das direcções de serviços (2003), em termos formais houve a nomeação, mas em termos materiais nada se alterou. Visou-se, somente, formalizar o “poder” daquelas 3 pessoas junto de terceiros.
Mais referiu a que a exigência de nomeação de directores de serviços partiu do Dr.º MNe….
Esclareceu que aquelas 3 pessoas actuavam por instruções dos administradores da SLN, essencialmente do Dr.º OC… e dele próprio, LC…. Ou seja, eram vistas como “extensão do Conselho de Administração”.
Concluiu, informando, que o conteúdo funcional destas direcções continuaram a ser exercidas pela Planfin, pela Sociedade de Advogados e outras pessoas dentro do banco.
(…)
A testemunha JMN… (foi administrador da SLN SGPS e do BPN SA a partir, respectivamente, de 29.11.2002 e 7.1.2003, tendo renunciado ao cargo nas duas sociedades a 27.6.2003) a propósito da nota de Maio de 2000 referiu que na altura ainda não estava no grupo, o que, aliás, se comprova pelas certidões de registo comercial de ambas as sociedades (v. certidões constantes do vol. 11º dos autos principais, págs. 4323 a 4350 referente à SLN SGPS e apenso de busca 7, doc. 42.2., págs. 216 e segs. relativa ao BPN, S.A.);
Se assim é como, aliás, inequivocamente se demonstra, como podem os arguidos LC… e IC… afirmar que a exigência da criação das direcções de serviços partiu do MNe…, mais a mais quando este, no ano de 2000 não estava no grupo e a nota deste ano está assinada/subscrita pelo próprio LC… e pelo OC…!!
Refira-se, ainda, que no se refere à nota de Março de 2003 a mesma testemunha declarou, o que é uma evidência, que a mesma não se encontra assinada por si, não se recordando se teve conhecimento do documento à data em que o mesmo foi emitido.
Adiante...
Não se diga que as direcções não foram criadas de facto e que não tiveram actividade.
(…)
Outros elementos documentais, com importância:
- Apenso 33 – 22\TRAT\1\MAIL- FS…\03042005\1  fsnaches.nsf\($Sent-Drafts\71.msg - 10.09.2003 - E-mail de FS… para LSa… (secretária de OC… com a justificação da estrutura operacional e do modelo de organização da SLN, SGPS) onde refere que em “obediência a este princípio”, designadamente “separação estrutural de três áreas funcionais: registo e divulgação de informação, execução de operações e auditoria e controlo”, “a organização interna da SLN conta com as seguintes Direcções de Serviços: Financeira, Assuntos Legais e Fiscais, Contabilidade, Informação Corporativa, Auditoria, Controle e Avaliação Estratégica, Controle de Gestão Operacional”.
Aliás, ao mail é anexado um organograma da estrutura operacional da SLN SGPS no qual estão referenciadas todas estas direcções de serviços.
- Autos principais, vol. 129, fls. 40847 a 40861, págs. 70 a 84 (74 e 79 e 80) - 18.06.2008 - Acta da assembleia geral da PLANFIN que delibera a dissolução e liquidação da PLANFIN na qual a administradora e accionista declarou “sucede porém que, há algum tempo, para não falar em anos, que a accionista SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, SA e restantes accionistas presentes, consideram que a sociedade esgotou o seu objecto social, uma vez que, desde 2002, os quadros da PLANFIN - Serviços de Planeamento Financeiro Internacional, SA, incluindo a Administração, estão afectos às Direcções de Serviços da SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, SA, sendo esta que suporta mensalmente, através do seu débito, os custos relativos aos colaboradores e Administração da Planfin - Serviços de Planeamento Financeiro Internacional, SA”; por seu turno, a accionista SLN, representada por PF…, propôs a integração dos colaboradores da Planfin na SLN tendo por base a deliberação de 24.01 do Conselho de administração da SLN que já se encontrava reflectida “na afectação dos colaboradores da Planfin - Serviços de Planeamento Financeiro Internacional, SA e da Planfin Contas - Contabilidade Assessoria Económica e Financeira, SA nas Direcções de Serviços da accionista SLN, conforme Nota Interna SLN – NI – 4/2000, de 10 de Maio, reforçada pela Nota Interna NI – 2/2003 de 26 de Março, as quais se juntam como Anexo I” (sublinhado nosso);
Acresce que os próprios arguidos não se coibiram de fazer referência às qualidades de directores das referidas áreas.
Atente-se:
Quanto à arguida IC… (docs. que a referenciam directa ou indirectamente a directora da direcção de assuntos jurídicos e fiscais):
Apenso informático 33 (caminhos):
-   30\284\GESTÃO\CFGA\Arquivo_Geral_CFGA\PASTA CFGA\Dossier_CFGA.pdf – págs. 74 a 76 e 87 a 89 – 11.05.2005 - Requerimento de IC… à OA a solicitar dispensa de sigilo profissional no qual invoca a qualidade de directora dos assuntos jurídicos e fiscais da SLN conforme notas internas de 10.05.2000 e 26.03.2003 que junta;
- 30\287\C\CFGA\POSTOS DE TRABALHO\MFT…\Os meus documentos\IF…\LISTA TELEF SLN PLANFIN e CFGA para BPN.doc - 11.10.2004 (autora MFt…) - Listagem de telefones da SLN – direcção de serviços de assuntos jurídicos e fiscais (no qual IM… é indicada como responsável da PLANFIN), da PLANFIN - Planeamento Financeiro Internacional, SA/CFGA - Sociedade de Advogados, em Lisboa, da FLANFIN - Planeamento Financeiro Internacional, SA/CFGA - Sociedade de Advogados, no Porto, e da PLANFIN CONTAS - Contabilidade, Assessoria, Economia e Financeira, SA;
Relativamente ao arguido LM… (docs. que o referenciam directa ou indirectamente a director da direcção financeira e/ou direcção de controlo e avaliação estratégica):
Apenso informático 33 (caminhos):
- 22\TRAT\4\MAIL – LM…\02072005\l m….nsf\(#Sent-Drafts)\ Resumo de Abril – 2004.msg - 15.06.2004 - E-mail da DCAE (Direcção de Controlo e Avaliação Estratégica) de GSa… da PLANFIN, Contas, SA, para LM… que reencaminha para LC…, com resumo de Abril 2004, que inclui empresas financeiras do grupo e não financeiras do grupo, sendo que nestas se inclui a SOGIPART e com anexo designado Desk Review Scoring - Abr.xls cujas folhas de cálculo se intitulam, Grupo (fin) Abr (empresas financeiras incluídas no perímetro de consolidação), empresas não financeiras (incluídas no perímetro de consolidação) e Não Grupo (empresas excluídas do perímetro de consolidação) que inclui, designadamente a SOGIPART;
- 22\TRAT\1\MAIL\ FS…\03042005\1 fs….nsf\ ($Inbox)\RE – Fusão entre IMONAÇÕES e a EMPRESA ELECTRO CERÂMICA 1.msg - 07.05.2004 - Comunicação de LM… para o Dr. FCa… com conhecimento a LC…, MFa… do BPN IMOFUNDOS e PO… da Planfin, na qual LM… se intitula Director Financeiro da SLN, SGPS;
No que concerne ao arguido LAl… (docs. que o referenciam directa ou indirectamente a director da direcção de contabilidade):
- Apenso de busca 7, doc. 12.04, págs. 157 e 158 ou apenso temático AL,  págs. 86 e 87 - 27.02.2004 e 11.03.2004, - Ofício do Banco de Portugal para a SLN solicitando informação sobre vendas feitas ao abrigo do novo protocolo e facilidades concedidas pelo grupo BPN/SLN à CAMDEN ou aos seus accionistas; e carta resposta da SLN,SGPS assinada por LAl… na qualidade de director de contabilidade da SLN);
Ademais:
Em Dezembro de 2002 o grupo SLN/BPN já tinha uma considerável dimensão, uma vez que era constituído por cerca de 84 sociedades nas mais diversas áreas de actividade (v. power point do grupo naquela data, anexo ao mail remetido por GSa… para FS… em 29.1.2003, mail esse constante do “apenso informático 33” no seguinte caminho:
E:\4910\22\TRAT\1\MAILFS…\17102004\1fs….nsf\($Inbox)\Organograma SLN - SGPS, SA.msg).
Que grupo desta dimensão conseguiria “governar-se” sem departamentos/direcções especializadas por áreas de actividade? Se bem se vê nenhum.
O modelo de governação de um grupo desta dimensão reclamava precisamente a especialização de áreas de actividade.
Alguém se convence, porventura, que eram os administradores da SLN a controlar tudo e todas as sociedades do grupo, bem como todas as áreas como a contabilidade, planeamento estratégico, auditoria, assuntos jurídicos e fiscais, questões financeiras? O tribunal não.
Importa, ainda que resumidamente, mencionar as declarações do arguido FS… prestadas em sede de julgamento, as quais, só por si, reforçam o supra exposto, i.e., que as pessoas LM…, IC… e LAl… já exerciam de facto e efectivamente as funções em questão, visando as notas, no fundo, formalizar em termos de “autoridade” aquilo que correspondia a um “status quo” estabelecido e em vigor.
(…)
Em resumo:
Tudo o que se deixa exposto permite concluir inequivocamente e sem margem para dúvidas pela prova dos factos 50°, 54°, 55°, 56°, 57° e 58° da pronúncia (factos provados 49 a 54), sem prejuízo dos seguintes comentários:
(…)
Por sua vez, além do que já se deixou exposto, remete-se para motivação infra, essencialmente aquela que derivará da análise de negócios concretos com intervenção de sociedades offshore e que permitirá concluir positivamente por aquilo que consta na 2ª parte do art. 54° da pronúncia relativamente à arguida IC….
Sem prejuízo, desde já se adianta que IM… era, por via de regra, a primeira procuradora das sociedades offshore do grupo não só para subscrever contratos, mas sobretudo para efeitos de abertura e movimentação das contas bancárias tituladas por essas mesmas sociedades, como se evidenciará quando adiante se referirem abertura e movimentações de contas bancárias de muitas sociedades offshore.
Entendendo-se a expressão “definição das estratégias de negócio” (a pronúncia não densifica o conceito) como o delinear das linhas de orientação de desenvolvimento da actividade e a concepção de um plano para que a organização empresarial atinja os seus objectivos em termos de mercado, importa referir que da extensa prova testemunhal produzida em sede de julgamento não resultou, de modo algum demonstrado, que a esse nível o arguido LM… tivesse algum poder de decisão/definição (v. art. 57° da pronúncia e facto não provado 18).
Se é verdade que o arguido LAl… era o responsável da contabilidade da Planfin, aliás, como o próprio admitiu em julgamento, não é menos verdade que o que está em causa no facto 58° da pronúncia é essencialmente a sua intervenção na qualidade de responsável da contabilidade da SLN SGPS, impondo-se, por isso, a alteração parcial do facto em questão (v. facto provado 54).
Prosseguindo a motivação deste tema:
A Planfin constituída em Maio de 1998 veio mais tarde a dar origem à Planfin Contas, Contabilidade, Assessoria Económica e Financeira, S.A., que foi constituída por escritura de 12.12.2000, com o capital social de 75.000,00 €, tendo por sócios a (i) a dita Planfin, a (ii) Emsec, (iii) LM…, (iv) LAl…, (v) JCM… e (vi) Mem… e tem como conselho de administração (i) LM…, presidente e (ii) IM… e (iii) LAl…, vogais. (v. facto provado 55).
Refira-se que os arguidos IC… e LC… confessaram que a Planfin Contas visou o tratamento contabilístico das sociedades do grupo SLN.
Suporte documental desta factualidade (art. 51° da pronúncia) e que também releva para a prova dos factos 56° a 58° da pronúncia (factos provados 52 a 54):
(…)
- Apenso de busca 13 (CADERNOS), vol. 2, fls. 915, pág. 430 – 08.08.2001 - Apontamento manuscrito por IM… sobre a composição pessoal das PLANFIN´s;
- Apenso de busca 13 (CADERNOS), vol. 3, fls. 1528, pág. 560 – 12.11.2002 a 27.11.2002 - Apontamento manuscrito de IM… com os nomes dos funcionários das PLANFIN´s;
- Apenso 33 – 22\TRAT\4\MAIL – LM…\26082006\1 lm….nsf\($Sent-Drafts)\Reestruturação interna PLANFIN CONTAS.msg – 02.06.2004 – E-mail de LM… enviado para M…, R…, GSa…, RFe…, CMa…, FMa…, com conhecimento a LAl…, a que consta anexado um power point decorrente de anterior reunião relativa à reestruturação da Planfin Contas. Neste power point identificam-se como unidades de negócio a contabilidade, o controlo de gestão, a assessoria financeira, a consolidação das contas e o planeamento fiscal por referência ao grupo SLN/BPN e indicam-se como responsáveis gerais (directores) LM… e LAl…. Na unidade de negócios contabilidade indica-se como responsável LAl… e inclui-se, na mesma unidade, sob a direcção de LAl…, as funcionárias Com… e PC…, respectivamente afectas à contabilidade das holdings e financeiras e das sociedades não residentes, i.e., das offshores;
Refira-se, por sua vez, no tocante aos arguidos LM… e LAl… que o constante deste documento está inteiramente de acordo com as notas internas da SLN SGPS que criaram as direcções de serviços e respectivos responsáveis, notas estas supra identificadas.
- Apenso 33 - 30\287\C\CFGA\POSTOS DE TRABALHO\IF…\Disco C\SLN SGPS\atas ca 2001\acta c. adm. sln abrl 2001.doc. – 26.04.2001 – Acta do Conselho de Administração da SLN, SGPS que, sob o ponto 2 da ordem de trabalhos, relativo ao Sistema de Controle e Consolidação de Contas, aprovou por unanimidade um programa de “desk review” sobre informação financeira mensal das empresas do Grupo SLN que deverá abranger a análise crítica da evolução da actividade, bem como a eficiência dos recursos utilizados. O programa de trabalho dos analistas deve ser completado com um relatório a submeter ao Conselho de Administração.
Por outro lado, por contrato de 24.07.2002, foi constituída a sociedade de advogados “Cardoso, Ferreira, Guimarães e Associados” tendo por sócios fundadores IM…, IF…, AG… e AA…, sociedade de advogados que exerceu actividade nas mesmas instalações da PLANFIN, quer em Lisboa, quer no Porto (factos 51° a 53° da pronúncia; v. factos provados 55, 56 e 57 e factos não provados 19 e 20). Sendo que só mais tarde, em 29.08.2007, foi celebrado um contrato de prestação de serviços entre aquela sociedade de advogados e a SNL, SGPS.
(…)
Não obstante, os advogados que integraram aquela sociedade, continuaram a receber os seus salários da PLANFIN.
Atente-se na seguinte documentação de suporte a propósito desta factualidade:
(…)- Autos principais, vol. 129, págs. 59 a 65 – 29.08.2007 - Contrato de prestação de serviços jurídicos entre a SLN, SGPS, representada por OC… e LC…, e a CFGA, representada por IM… com ajuste de honorários mensais de 72.000,00 €;
Nesta sociedade de advogados IM…, pelo menos formalmente, assumiu o papel de coordenadora responsável que se situava no topo da estrutura da CFGA (v. apenso informático 33 - 30\284\GESTAO\CFGA\Arquivo Geral_CFGA\FOLHA DE HORAS_ EXCEL\Estrutura_Códigos Departamento e Projetos.xls – Estrutura CFGA 2004 – 2004 - Estrutura da CFGA da autoria de IC… – v. propriedades informáticas -, documento criado a 21.1.2005 e cuja última gravação foi de 06.09.2005, na qual ela se inscreveu no topo da pirâmide como coordenadora responsável.
(…)
Os arguidos LC… e IC… confessaram a materialidade constante dos arts. 59° e 60° da pronúncia, salientando porém que a obtenção junto de fiduciários internacionais de sociedades em offshore não era uma das funções essenciais da Planfin.
De resto, esta confissão está de acordo com os restantes elementos probatórios supra referidos e que descrevem a actuação da Planfin e seus colaboradores para a constituição de sociedades offshore do grupo SLN/BPN ou de pessoas singulares responsáveis pelo grupo.
Também é certo que desses elementos probatórios decorre que se a aludida função não deixou de ser importante na actividade da Planfin, a mesma não era essencial e/ou nuclear, estando em paralelo com outras funções igualmente importantes como, por exemplo, a elaboração de pareceres jurídicos, a representação de partes processuais em juízo, a elaboração de contratos de natureza jurídica, etc. (v. factos provado 58 e 59 e não provado 21).
Já se referiu supra que a arguida IM… era, via de regra, a primeira procuradora das sociedades offshore do grupo não só para subscrever contratos, mas sobretudo para efeitos de abertura e movimentação das contas bancárias tituladas por essas mesmas sociedades, como se evidenciará quando adiante se referir a abertura e movimentações de contas bancárias de muitas sociedades offshore.
Sem prejuízo do que se evidenciará em termos documentais, importa desde já referir que a arguida IC… confessou a materialidade constante do facto 61° da pronúncia, aliás, explicando circunstanciada e pormenorizadamente a sua intervenção nessa factualidade (v. facto provado 60).
Não obstante a arguida IC… ter declarado em julgamento que “era uma mera executora daquilo que a mandavam fazer”, designadamente do que os arguidos OC… e LC… determinavam, o que é inequívoco, como se demonstrará infra, é que a arguida IC…, sendo conhecedora de algumas decisões de investimento e das correspondentes movimentações financeiras, agindo como agiu, prestou colaboração quer na produção de contratos de conveniência, - como no caso Camden -, quer na emissão de instruções para a realização de movimentação bancárias, - como na aquisição do BI com fundos sacados da Venice, que foram transferidos para a Marazion e desta para a Insular Holdings que, por sua vez, pagou à Fincor (v. art. 62° da pronúncia; v. facto provado 61).
Porém, como referido, o que também é aplicável ao facto 62° da pronúncia (v. o que se deixou fundamentado a propósito do art. 57° da pronúncia), as decisões de investimento e também de movimentação financeira não partiam do arguido LM…, mas, outrossim, dos arguidos OC…, LC… e FS… (quanto a este, algumas vezes, numa base de adesão às decisões daqueles dois), dando-lhes o arguido LM… execução prática, o que, aliás, está em consonância com o vertido no art. 64° da pronúncia que corresponde à realidade dos factos ocorridos (v. facto não provado 22).
De acordo com as já aludidas notas internas da SLN, SGPS de 10.05.2000 e 26.03.2003, ambas subscritas por OC… e LC…, LM…, que LC… convidara, exerceu as funções de director financeiro e de director de controlo e avaliação estratégica da SLN, SGPS em colaboração directa com LC… até 31.03.2006 (data em que renunciou aos cargos).
Naquelas funções, como mencionado, interveio na definição de circuitos de financiamento e controlo contabilístico e executou, transmitindo directamente à Direcção de Operações do BPN, via e-mail ou verbalmente, ordens para o lançamento de movimentos nas contas bancárias das sociedades offshore instrumentais do grupo, seja no BPN Cayman, seja também no Banco Insular.
Por outro lado, LM… exerceu funções de administrador de entidades sub-holdings do grupo, designadamente na SLN Investimentos.
Cumpre dizer que na sua essência o arguido LM… confessou a factualidade constante do art. 64° da pronúncia.
Independentemente disso, a prova documental constante dos autos, só por si, permitia alcançar o mesmo desiderato (prova dos factos 63° e 64° da pronúncia quanto ao arguido LM… – v. factos provados 62 e 63.).
Veja-se:
- Apenso 33 – 30\287\C\CFGA\POSTOS DE TRABALHO\IC…\C\IC… Ficheiros Vários\IMC\Sociedade de Advogados\Clientes\SLN\Memos CA\Sociedade de advogados\Memo-CA SLN_ sociedades não residentes ponto da situação – 05.11.2003 – Memo de IM… para OC… com o ponto de situação das sociedades não residentes constituídas por intermédio da PLANFIN para operações do Grupo SLN/BPN onde, além de descrever a relação de confiança PLANFIN com os directores fiduciários, refere que os movimentos das contas eram controlados pela SLN (LM…);
-   Apenso 33-30\Apagados\288\WK1\Ficheiros eliminados\C\L…\Memorandos – Memo situação offshore 30_9_2001 doc. – 25.10.2001 - Memo da Planfin Contas, designadamente de LM… para a administração da SLN (LC…) sobre o ponto da situação dos procedimentos das sociedades offshore instrumentais com referência à data de 30.09.2001 pelo qual, além do mais, dá conhecimento à administração do “controlo contabilístico efectuado a estas sociedades”. Doc. não assinado mas que nas suas propriedades informáticas contém a autoria LM… e data da criação e última modificação, respectivamente, 24.10.2001 e 25.10.2001;
- Apenso 33 – 30\Apagados\288\WK1\Ficheiros eliminados\C\L…\1.Grupo SLN\planfin contas\folhas Horas\facturação a Novembro.xls – sheet Folhas Totais – Folhas de Horas Totais de Agosto a Novembro de 2001 (é necessário seleccionar o técnico, designadamente LM…) que descreve a sua actividade na Planfin Contas e o tempo gasto em cada uma delas naquele mês – Linha 284 (Mapas Banco Portugal) (3h5); Linha 287 (Banco de Portugal – Mapas) (1h); Linha 290 (Banco de Portugal – Mapas/Dr. LCC (3h); Linha 291 (Banco de Portugal) (2h); Linha 292 (Banco de Portugal – Seis) (2h); Linha 295 (Consolidado) (4h5); Linha 300 (Reunião LCC – Consolidado) (2h); Linha 303 (Consolidado) (27h); Linha 285 (Reunião LCC - Rácio de Solvabilidade) (3h); Linha 352 (Rácio de solvabilidade) (3h); Linha 288 (Reunião AF… – Movimentos Financeiros) (1h); Linha 289 (AF… – Mov. Financeiros) (3h); Linha 293 (Consolidado Off-Shore) (48h); Linha 296 (Memo – offshores (3h); Linha 301  Memo – Off shores (16h); Linha 297 (Mapa dos juros) (2h);
-   Apenso 33–22\TRAT\1\MAIL\FS…\26122004\1fs….nsf\ ($Sent- Drafts)\Taxa devedora DO – Cayman.msg – E-mail de RP… para FS… com pedido de indicação das taxas devedoras de todas as sociedades offshore do grupo, acrescentado em nota que a taxa será carregada a todas as sociedades offshore que LM… indicar como sendo do grupo;
- Apenso R, vol. 48, pág. 100 – 29.01.2001 – Fax de LCu… para ML… (secretária de OC…) sobre ratificações de descobertos que têm despacho manuscrito de FS…, o qual, dirigindo-se ao Dr. LM…, agradece a verificação dos saldos e do número de dias a descoberto;
- Apenso 33 – 30\287\C\CFGA\POSTOS DE TRABALHO\IC…\C\IC…_Ficheiros Vários\IMC\SLN-Direcções de Serviços\ ACTOS E CONTRATOS_GRUPO SLN\2000-11-09-Constituição da Sociedade_SLN Investimentos, SA.pdf – 09.11.2000 – Escritura de constituição da SLN, Investimentos, da qual resulta que, no acto de constituição e para o triénio 2000/2002, o arguido LM… foi designado Presidente do Conselho de Administração da sociedade;
- Apenso 33 - 9\Trat\EP…\MAIL 2\EP…\C\W_BPN\1 epeix_20040416.nsf\ offshore \RE – acessos a BPN Cayman 7.msg – 30.10.2002 - E-mail de AJo… para EP… com conhecimento a RP… a solicitar o acesso directo à aplicação 8079 (BPN Cayman) para LM… e LAl….
- Apenso 33 – F:\4910\1-Anexo A\TRAT\6\Pen-ScanDisk-Cruzer-Mini-2GB\DOCS\C\2. Grupo OFF-Shore\AF….doc – Instrução de LM… para AF… para movimentação de conta do Banco Insular;
- Apenso 33 – F:\4910\1-Anexo A\TRAT\6\Pen-ScanDisk-Cruzer-Mini-2GB\DOCS\C\2. Grupo OFF-Shore\AF…2.doc – Instrução de LM… para AF… para abertura de conta no banco insular e movimentação a débito;
- Apenso 33 – F:\4910\1-Anexo A\TRAT\6\Pen-ScanDisk-Cruzer-Mini-2GB\DOCS\C\2. Grupo OFF-Shore\AF….3 doc – Instrução de LM… para AF… para abertura de conta e movimentação a débito no Banco Insular;
Por sua vez, não subsistem dúvidas de que o arguido LAl… foi nomeado vogal do Conselho de Administração da SLN Investimentos (art. 63° da pronúncia; v. facto provado 62) – v. doc. do apenso informático 33 no seguinte caminho: 30\287\C\CFGA\POSTOS DE TRABALHO\IC…\C\IC…_Ficheiros Vários\IMC\SLN-Direcções de Serviços\ ACTOS E CONTRATOS_GRUPO SLN\2000-11-09-Constituição da Sociedade_SLN Investimentos, SA.pdf – 09.11.2000 – Escritura de constituição da SLN, Investimentos;
(…)
Relativamente à matéria alegada na contestação (fls. 17726 a 17755) do arguido LM… a relacionada com a identificada factualidade da pronúncia é a constante dos seus arts. 50, 60 a 110, 130, 150 e 360 a 420 .
(…)
A propósito do alegado no facto 50 da sua contestação remete-se para tudo o que já se deixou supra exposto, - notas internas da SLN que constituem as direcções de serviços e nomeação de directores para cada uma delas -, notas das quais resulta, em bom rigor, que o arguido não foi nomeado para o cargo de director financeiro da SLN em Março de 2003, mas sim em Maio de 2000, ocorrendo, por sua vez, em Março de 2003 uma renomeação para o mesmo cargo (v. facto provado 5 da sua contestação).
Por sua vez, não foi produzida qualquer prova de que em consequência dessa nomeação, ao longo dos anos, não se tenha verificado uma alteração de remuneração pelo desempenho dessas funções (v. facto não provado 4).
Se é certo que não se detectaram, na prova documental, procurações outorgadas a favor do arguido para movimentar contas bancárias, isso não significa que elas não possam ter existido, o que equivale a dizer que não se demonstrou que o arguido nunca (a expressão é do arguido) foi procurador de alguma conta bancária, não se tendo produzido, aliás, nenhuma prova cabal nesse sentido.
“Mutatis mutandis” e com as devidas adaptações, valem as mesmas considerações quanto ao alegado na restante parte do art. 6° da sua contestação (nunca teve poder para celebrar negócios internos ou externos, de dispor de negociação de créditos ou passivos ou sobre quaisquer clientes) – v. facto não provado 5.
O alegado na parte final do art. 6° da contestação, no fundo, corresponde ao constante no art. 64° da pronúncia e que resultou provado (v. facto provado 63), sendo certo que, naquilo que a pronúncia sustenta que ele fez a nível de decisão (arts. 57° e 62°) resultou não provado (v. factos não provados 18 e 22).
No que respeita ao alegado no facto 7°, além de assinalar que é conclusivo/valorativo o afirmado quanto a que “desempenhava funções meramente operacionais”, remete-se para o consignado no procedente parágrafo.
Também não ficou demonstrado, porque não foi produzida prova cabal disso, de que todas (a expressão é do arguido) as ordens de movimentação de contas representavam a execução de acordos celebrados pela administração do grupo, bem como o demais alegado no facto 8° da sua contestação (v. facto não provado 6).
Face a toda a motivação já expendida, não há dúvidas quanto ao por si alegado no facto 9° (v. facto provado 6).
Não se demonstrou, com base na prova produzida, o motivo redutor e simplista por si alegado (facto 10° da contestação) para a sua nomeação para administrador de sociedades do grupo (v. facto não provado 7).
Também quanto ao alegado no facto 11° da contestação, repete-se o que já foi dito, i.e., que o invocado, no fundo, corresponde ao constante no art. 64° da pronúncia e que resultou provado (v. facto provado 63), sendo certo que, naquilo que a pronúncia sustenta que ele fez a nível de decisão (arts. 57° e 62°) resultou não provado (v. factos não provados 18 e 22).
Não foi demonstrada a relação/conexão exclusiva a que aludem os factos 13° e 15 da contestação (nem os arguidos LM…, IC… ou LC… o referiram) – v. factos não provados 8 e 9.
É certo que o arguido LAl… declarou que Planfin Contas foi constituída devido à necessidade prática de salvaguarda da profissão de técnico oficial de contas, no sentido de se integrarem em sociedades profissionais, mas não justificou cabal e circunstanciadamente a sua afirmação que, aliás, não é concordante com o alegado, na parte em que é afirmado que “a Planfin Contas foi constituída apenas por força (...)” (sublinhado nosso).
Não obstante o BPN ter uma “direcção central financeira”, afirmar, como se afirma (factos 36° e 37° da contestação) que a direcção financeira da SLN não tinha qualquer tipo de intervenção a nível consolidado e global do grupo ou ao nível de depósitos nas instituições bancárias identificadas ou de operações creditícias, é a mesma coisa que afirmar que a direcção de contabilidade da SLN (sociedade “mãe”) não tinha qualquer tipo de intervenção a nível de consolidação de contas do grupo. O que se apresenta como um contra-senso, uma vez que estamos ao nível de uma holding (SGPS) que, no fundo, está à frente de todos os destinos do grupo e empresas do grupo em que tem participação.
Ainda que assim não fosse, o que é facto é que não foi de algum modo demonstrado que a direcção financeira da SLN nunca (mais uma vez, a expressão é do arguido) tenha tido qualquer tipo de intervenção nos segmentos mencionados (v. facto provado 7 e factos não provados 10 e 11).
Resulta cabalmente infirmado o afirmado no art. 38° da contestação do arguido, porquanto, como explicou de forma cabal e séria a testemunha AJo… (trabalhou vários anos na direcção de operações do BPN e, em 2006, passou para assessor do Conselho de Administração da mesma instituição), não suscitando ao Tribunal quaisquer dúvidas quanto à veracidade das suas afirmações, LM… e LAl… tinham acesso directo às contas bancárias do Banco Insular e do BPN Cayman (v. facto não provado 12).
Face à organização interna do grupo SLN a nível financeiro e contabilístico, que já se abordou, e tendo presente o afirmado e confirmado pela testemunha JSo… (foi director de contabilidade do BPN, S.A., desde o início e até finais de 2012), é de concluir pela prova do constante nos arts. 39° a 41° da contestação do arguido (v. factos provados 8 a 10).
Porém, não se demonstrou, antes pelo contrário, que o arguido LM… nunca teve qualquer intervenção directa ou indirecta na contabilidade das sociedades do grupo SLN/BPN (facto não provado 13).
Com efeito, o próprio declarou em audiência:
A primeira contabilidade que fez foi da própria holding individual (SLN SGPS). Uns dias mais tarde entrou o LAl… também para a parte da contabilidade da Planfin (na prática repartiam as contabilidades das empresas do grupo).
À medida que elas foram aparecendo (as empresas do grupo) iam fazendo de forma repartida a contabilidade das empresas.
Estavam sempre a surgir empresas novas, chegaram a fazer, no fim do ano de 99, cerca de 20 ou 30 contabilidades de empresas do grupo.
Mais tarde foram sendo recrutados outros contabilistas poro LC… que os ajudavam na contabilidade das empresas do grupo.
No que concerne ao alegado em (iii) do facto 41°, não se demonstrou haver um órgão na SLN SGPS designado por “departamento de consolidação”. Remete-se, neste âmbito, para o supra exposto e motivado e que permite concluir que eram a Direcção de Contabilidade e a Direcção Financeira da SLN SGPS que procediam à integração das restantes contas das outras áreas de negócio da SLN (v. facto não provado 14).
Se é certo que cabe em última instância, por inerência de funções, às administrações das sociedades dar indicações sobre quais as entidades que se encontram no perímetro de consolidação (art. 42° da contestação; v. facto provado 11), o que também não deixa de ser verdade, ao contrário do que argumenta (2ª parte do art. 42°), é que o arguido tinha conhecimento de realidades diversas que lhe permitiam concluir de outra forma (v. facto não provado 15).
Para o efeito, tenha-se presente o seu conhecimento da realidade “informal” das sociedades não residentes (offshore), bem como do Banco Insular, entidades que nunca consolidaram, sendo certo que deviam ter sido objecto de consolidação como, aliás, se explicará infra.
     *
A matéria alegada pelo arguido LAl… a este respeito é a constante dos arts. 5°, 6° e 21° a 25° da sua contestação (fls. 17756 a 17784), factos em tudo iguais – excluindo o 25° - aos alegados pelo arguido LM….
Por isso, na parte a ele respeitante, “mutatis mutandis” valem aqui as mesmas considerações expostas quando se fez a análise a respeito do arguido LM…, considerações estas que permitem concluir pela não demonstração dos factos 5°, 6° da sua contestação (v. factos não provados 2, 3) e pela demonstração quase integral do que consta dos arts. 21° a 25° da mesma peça processual (v. factos provados 5 a 8 e factos não provados 4 a 6), com os esclarecimentos seguintes:
A propósito do alegado na 2ª parte do art. 22° da contestação (v. facto não provado 4) e sem prejuízo das declarações supra resumidas do arguido LM…, as próprias declarações do arguido LAl… infirmaram o que dele consta.
Atente-se:
A partir de 1 de Outubro de 1999 começou a trabalhar na Planfin. Foi contratado para planificar, organizar e planear a execução de contabilidades, assegurar o cumprimento das obrigações fiscais das empresas, produzir regularmente documentação financeira para apoio da gestão das empresas, elaborar relatórios e contas e também a execução das contas consolidadas.
Estava também a seu cargo a execução das contas consolidadas da SLN.
LM… também fazia a contabilidade de algumas empresas, ele era o técnico de contas da SLN (era o responsável pela contabilidade da empresa).
Ele próprio fez a contabilidade de várias empresas (Sogipart, BPN SGPS).
Já vimos, e concluímos supra, que o arguido LAl… foi nomeado director da direcção de contabilidade da SLN SGPS.
Justificar estas funções de forma tão redutora como o arguido as coloca no art. 25° da contestação, sem curar de qualquer obrigação de verificação do perímetro de consolidação do grupo em que se inclui o Banco Insular e as sociedades não residentes pertença desse grupo, afigura-nos não ter qualquer suporte na realidade de estruturação de um grupo económico de considerável dimensão e abrangente. Além do mais, não foi produzida prova inequívoca e clara de que as suas funções, no âmbito da contabilidade, apenas (a expressão é sua) se resumiam àquilo que elenca naquele facto (v. facto não provado 7).

viii. Conclui-se, pois, que no que respeita às críticas que dirigem ao decidido, quanto a estes pontos da factualidade provada, não assiste razão aos recorrentes.

2. Pontos 149), 150) e 204) (arguido LM… e arguido LAl…) da matéria julgada provada proveniente da pronúncia - Banco Insular:
Entendem estes dois recorrentes que se verifica contradição insanável entre o afirmado no ponto 149 (onde se diz que os arguidos LM… e LAl… intervieram “no processo de determinação e controlo dos movimentos a lançar” em sede de Banco Insular), com o vertido no 150) (onde se referem ambos como meros transmitentes de operações).
Assim afirma-se contraditoriamente que o arguido LM… participou na decisão de determinação e controlo dos movimentos a lançar nas contas do Banco Insular, ao mesmo tempo que se afirma apenas transmissor de instruções a terceiros.
No que se refere ao constante no ponto 204), afirma o arguido que o tribunal “a quo” presume, pela mera constatação da existência desse volume de crédito, que a responsabilidade do mesmo tenha partido também de si, sendo que nada teve a ver com a decisão de conceder crédito no Banco Insular, em qualquer dos seus balcões. Entende que existe erro notório na apreciação da prova.

i. O conteúdo destes pontos é o seguinte:
149) A disponibilidade do Banco Insular para a colocação de operações de crédito foi dada a conhecer pelos arguidos OC… e LC… a outros responsáveis do BPN e da SLN, caso dos arguidos FS…, IC…, LM… e LAl…, passando os arguidos FS…, LM… e LAl… a também intervir no processo de determinação e controlo dos movimentos a lançar nas contas do Banco Insular;
150) As operações a registar pela DOP relacionadas com o Banco Insular tinham o seu início na Administração do BPN ou da SLN, através de JO…, FS… e LC…, que as transmitiam directamente a AF… ou indirectamente através do LM… e do LAl…
204) Através das contas do Balcão 2 do Banco Insular que não eram levadas ao balanço, com a colaboração dos arguidos LM… e LAl…, os arguidos OC…, LC… e FS…, fizeram conceder créditos através de contas correntes caucionadas;

iii. Vejamos.
No que concerne à questão da contradição entre o vertido nos pontos 149) e 150), os arguidos laboram em erro de interpretação.

a. De facto, no ponto 149) não lhes é imputada a decisão de concessão de crédito pelo Banco Insular, isto é, não se afirma aí que coubesse a nenhum destes dois arguidos (LM… e LAl…), a decisão de concessão de crédito por via dessa instituição.

b. O que aí se afirma – e, essa parte, os arguidos não refutam – é que foram postos ao corrente do que iria ser feito, a nível de colocação de operações de crédito a partir do Banco Insular, a ocultação dos mesmos e os propósitos que se queriam alcançar e estes arguidos passaram a intervir no processo de determinação e controlo dos movimentos a lançar nessa instituição, com pleno conhecimento e adesão a tais objectivos.

c. Por seu turno, o ponto 150) esclarece que essas operações tinham início na administração do BPN ou da SLN, isto é, provinham dos arguidos JO…, FS… ou LC…, sendo que eram estes que, quer directamente (via arguido AF…), quer indirectamente (comunicando-as aos arguidos LM… e LAl…) indicavam quais as operações relacionadas com o Banco Insular que deviam ser registadas pela DOP.

iv. De igual modo, no ponto 204) não se imputa aos arguidos LM… e LAl… a decisão quanto à concessão de crédito; isto é, não se afirma terem sido estes dois arguidos a decidir como, a quem, por que montantes, o mesmo seria concedido.

a. O que aí se afirma é que estes dois arguidos ora recorrentes colaboraram na efectiva viabilização da concessão de tal volume de crédito, por utilização de contas correntes caucionadas, através das contas do Balcão 2 do Banco Insular, sendo que a decisão da concessão de tais créditos é imputada aos arguidos JO…, LC… e FS…, tendo, todavia, os arguidos LM… e LAl… conhecimento dos propósitos que se pretendiam alcançar, precisamente porque, por virtude das suas funções, cabia-lhes assegurar a sua realização, bem como a ocultação das mesmas, em sede de balanço.
E que, por decorrência dessa sua colaboração, foi possível aos arguidos OC…, LC… e FS… a concessão de créditos através de contas correntes caucionadas.

b. Ora, nesse ponto factual, a discórdia dos recorrentes não se debruça sobre o que acaba de se referir – e que se constata com a mera leitura do texto – mas antes sobre a putativa imputação de algo (poder decisório quanto ao volume de crédito concedido em fora do balanço) que aí se não mostra descrito.

v. A este propósito, transcreve-se ainda o seguinte segmento da motivação:
Por outro lado, o lançamento das operações a registar no Banco Insular tinha origem em instruções das administrações do BPN e da SLN, designadamente OC…, LC… e FS…, que as transmitiam directamente a AF…, ou indirectamente através de LM… e LAl…, sendo executadas na Direcção de Operações (DOP) ou na Unidade de Operações Internacionais (UOI) pelos operacionais que são identificados nos autos, a fls. 2665 e 2666 do vol. 7, os quais acediam à plataforma informática do Banco Insular. Esta questão do lançamento das operações e das ordens que eram transmitidas à DOP será objecto de mais densa análise posteriormente.
(…)
Passemos, agora, ainda no campo da matéria do Banco Insular, a analisar um novo subtema, que é o referente à sua “estrutura física” (factos 140° a 170° da pronúncia).
Tomando por referência temporal inicial a data em que o Banco Insular foi adquirido pela Insular Holdings – 20.12.2001 – e o que se passou de então em diante (o que ocorreu em termos operacionais na época em que a Fincor era a proprietária do Banco Insular não é objecto da pronúncia) é inequívoco que o Banco Insular nunca teve estrutura operacional própria e autónoma. Aliás, como foi reconhecido pelo arguido VM… (v. facto 140° da pronúncia; v. facto provado 134).
Com efeito, numa primeira fase - desde a aquisição do Banco Insular pela Insular Holdings e até 2006 - era a DOP (Direcção de Operações) do BPN que executava as operações do Banco Insular.
(…)
Os factos 145°, 155°, 156° e 157° da pronúncia (v. factos provados 149 a 151 e factos não provados 49 e 50) relacionam-se com as pessoas/órgãos/dependências do grupo que davam instruções, directa ou indirectamente, para que fossem lançadas operações no Banco Insular.
Neste campo, desde já, quatro referências:
(…)
A arguida IC… negou ter dado alguma vez, directa ou indirectamente, alguma instrução de operação respeitante ao Banco Insular, não se tendo vislumbrado, no processo, nenhuma evidência documental de instrução dela relativa a esta instituição financeira, não havendo, ainda, qualquer testemunha ou arguido que tenha referido que a mesma arguida tenha dado alguma instrução de operação de alguma conta do Banco Insular (de facto, referiram instruções relativas ao BPN Cayman mas não do Banco Insular).
No entanto, face à motivação que já se deixou exposta, isso não significa que não tivesse conhecimento, desde o início, que o grupo SLN/BPN iria colocar/montar operações de crédito no Banco Insular.
No mais, dir-se-á o seguinte para sustentar a materialidade provada:
O arguido FS… reconheceu a materialidade em causa, confessando o que a ele diz respeito:
(…)
As instruções que LC… transmitia relativamente ao Banco Insular eram transmitidas via LM… e LAl…. Tem a certeza disso por causa de documentação que viu à data dos factos.
O grupo colocava operações de crédito no Banco Insular. Essas operações de crédito eram decididas por OC… e nalguns casos por LC…, designadamente operações de crédito relacionadas com o grupo.
As instruções eram transmitidas a AF… e RP….
Quanto ao LM… e LAl… eram instruções de LC…, sendo que aqueles as transmitiam depois à DOP. Recorda-se que isto aconteceu com a Plexpart e GESBO.
Atente-se, igualmente, porque relevantes, nas declarações do arguido LM…, não obstante se ter intitulado de “estafeta” na transmissão das ordens:
Não executava as ordens, simplesmente transmitia as ordens à DOP, tendo-o feito também por mail, diversas vezes.
Ou seja, a ordem era de LC… (99,999% das vezes), que lhe entregava uma folha de papel e transmitia a ordem à DOP.
O arguido LC… entregava-lhe algumas vezes uma folha de papel manuscrita com indicações (p. ex: transferir da conta da empresa tal um montante tal, ás vezes punha justificação outras vezes não; indicava os bancos onde as empresas tinham contas bancárias; passou-se algumas vezes com o BPN Cayman; com o Banco Insular aconteceu meia dúzia de vezes a 10 vezes), outras vezes entregava uma lista de transferências (p. ex: lista com 10, 15, 20 transferências que tinham a ver com reestruturações que estavam em curso no grupo; às vezes colocava o que era, outras vezes não; indicava os montantes e também os bancos). Essas folhas, algumas vezes, vinham rubricadas por OC…. As transferências diziam também respeito ao BPN Cayman. Em relação ao BPN IFI acha que não lhe foi entregue nenhuma. No tocante ao Banco insular em algumas situações sim.
Quando recebia aquelas listas, não fazia a ligação directa se ele podia ou não mexer nas contas. A ligação que fazia era que ele era administrador e podia movimentar ou determinar movimentos sob as contas, pelo menos presumia isso.
Eram decisões que vinham da administração.
Depois de a DOP executar as transferências pedia-lhes para eles imprimirem os comprovativos dos movimentos que eram entregues a LC….
Entregava-lhe esses comprovativos na própria SLN.
Quando eram as instruções escritas manuscritas ou em format excel, a ideia que tem é que entregava os papéis na DOP.
Recorda-se, também em 0,011111% de vezes da ordem vir de OC… e de uma vez vir de FS….
A única explicação que encontra para lhe pedirem a si, essencialmente LC…, para transmitir as instruções à DOP, é que LC… não se dispunha a levantar da secretária para ir ao 3º andar mandar executar as operações na DOP.
Quando eram operações que estavam manuscritas, dirigia-se pessoalmente à DOP, contactava pessoalmente RP…, e dizia-lhe “está aqui o que o LC… pretende fazer”, mostrava-lhe ou entregava-lhe o documento escrito por LC… e ele executava.
Depois era RP… que lhe dava os comprovativos das operações determinadas, as quais entregava no 8º piso.
Nunca analisou para que efeito as operações se destinavam porque eram transferências urgentes (suprimentos, aquisição de acções, etc.), não se punha a analisar o teor da transferência.
Outras vezes, quando as ordens eram de OC…, depois de ter chamado o declarante, ML… ia ao gabinete de OC… e entregava-lhe o papel contendo a ordem do OC…, o que aconteceu não mais do que em 5 ou 6 situações. Recolhia o papel, ia lá abaixo, entregava e eles executavam no balcão (RP…).
No fundo, era um simples transmissor de ordens, quase estafeta.
O arguido OC… apesar de não ter prestado declarações em sede de Julgamento, exarou uma “declaração de responsabilização” na qual assume a total e integral responsabilidade “por todas as acções, operações e/ou tarefas levadas a cabo” por AJo… e afirma que “sempre resultaram de directivas e instruções directamente ordenadas por si, enquanto PCA” da SLN, SGPS (v. doc. constante do apenso de busca 1B, doc. 117).
No âmbito da prova testemunhal são de salientar as seguintes declarações:
AJo… (trabalhou vários anos na direcção de operações do BPN e, em 2006, passou para assessor do Conselho de Administração da mesma instituição):
Relativamente ao documento constante de Braga 13, pág. 65, referiu:
A letra na parte inferior do documento, a parte manuscrita, é de LC…. Corresponde a financiamentos feitos no Banco Insular, ou seja, financiamentos novos, que nunca passaram por Cayman e foram directamente para o Banco Insular. Todas as offshores manuscritas são offshores do grupo detidas pela SLN.”
No mais:
O Banco Insular nas operações que nele foram colocadas tinha vários níveis de intervenção.
Todas as operações de crédito que foram contraídas tiveram a sua concepção ao nível do C.A. da SLN/BPN com o propósito de promover a aquisições de acções da SLN, para limpar crédito do BPN que estava mal parado, bem como para alavancar a actividade da própria SLN.
De alguma forma, também, o Banco Insular foi um instrumento financeiro para permitir que o objecto final estratégico definido ao nível do Conselho de Administração fosse alcançado.
O parqueamento de custos no BI igualmente deriva da incapacidade do BPN/SLN para assumir esses custos.
A cadeia de comando ao nível do Conselho de Administração quanto ao Banco Insular parte na SLN de OC…, FS…, LC… e JN….
No patamar abaixo temos as várias direcções que sempre que foram chamadas para tratar dos assuntos do BI (informática, assuntos jurídicos, contabilidade e financeira).
A utilização de crédito no BI (offshores) destinou-se a cumprir os objectivos definidos estrategicamente pelo CA da SLN.
LM… era director de contabilidade do grupo e enquanto director financeiro do grupo tinha uma percepção superior, tendo sido dele uma grande parte das instruções. De alguma forma tem o papel de fazer o elo de ligação entre o Conselho de Administração e a direcção de operações. Ou seja, era uma parte integrante da cadeia de comando.
Sabia para que é que o dinheiro das offshores tinha sido utilizado. Isto é, por força da informação que estava na pen, sabe para que foram utilizados os financiamentos e quais os activos que as offshores acabaram por adquirir inicialmente em Cayman e, depois, no Banco Insular.
IC… tinha um papel na contratualização e na concepção das operações que eram definidas pelo CA, através dos actos e contratos.
Exemplos de instruções elencados pela testemunha:
- Apenso temático F, vol. 1 – fls. 75 (instrução para abertura de crédito no Insular nas sociedades Nexpart e Breslan, sociedades detidas por LC…, entregue na DOP por LM… a RP…. Letra de LC…, instrução transmitida por LM…. Quem fez os mails para depois dar as instruções das operações foi a própria testemunha após receber instruções superiores. Esta ordem é de Maio de 2003 ou Setembro de 2003 e tinha a ver com o aumento de capital da SLN Valor.
Prosseguindo:
Não tem percepção de, alguma vez, ter recebido qualquer instrução de LAl….
Ele também deu instruções à DOP, mas não se recorda de ter dado instruções de movimentação de contas no BI, mas recorda-se de ter dado instruções de movimentação de contas offshores em Cayman.
Quando LM… abandonou o grupo, passou a ser o LAl… a dar instruções na direcção de operações.
Passou a estar de alguma forma responsável pela contabilidade do grupo SLN.
(…)
TMa… (trabalha no departamento de supervisão prudencial do Banco de Portugal, desde Dezembro de 2007 e desde que iniciou funções no Banco de Portugal, começou a acompanhar o grupo SLN. No acompanhamento do grupo SLN esteve colocada numa inspecção que esteve no BPN em 2008 e 2009, analisando as várias temáticas que iam surgindo - créditos a veículos offshore, créditos a accionistas e a membros dos órgãos sociais do BPN. Pessoalmente abordou essencialmente o crédito a veículos accionistas e créditos a veículos offshore):
Houve uma reunião a 19 de Junho com AF… e ACt…, a testemunha, JAv…, CBr…, Ago… e FBi….
AF… referiu que a nível de topo quem tinha conhecimento do Banco Insular em termos da Administração era o Eng. FS…, o Dr.º LC… e o Eng. JA…. Estas 3 pessoas, como referiu, tinham conhecimento da ligação do grupo ao Banco Insular.
Na reunião de 22 de Julho só estava presente AF… da parte do BPN e do Banco de Portugal CBr…, testemunha e Dr.ª FBi….
AF… referiu que em relação a todos os veículos que existiam no balcão virtual do Banco Insular a gestão dos mesmos era feita pelo Dr.º LC….
Na reunião de 31.7.2008, AF… referiu que eram efectuadas transferências de Cayman e IFI (movimentos contabilísticos) para a conta do Banco Insular de modo a que esta conta, no final do mês, aparecesse como saldada.
As instalações do Banco Insular em Cabo Verde eram no mesmo edifício do BPN IFI, embora houvesse separação física, partilhando todavia o mesmo sistema informático.
Mais referiu que a maior parte das ordens de OC… eram verbais e que a maior parte da documentação que existia estava na posse de Dr.º LC… e de LM….
As actas das reuniões ocorridas eram elaboradas imediatamente depois das reuniões, já nas instalações do Banco de Portugal.
As actas correspondiam fielmente àquilo que os intervenientes do grupo BPN/SLN comunicavam e eram vistas e confirmadas por todos os intervenientes do Banco de Portugal nessa reunião.
Aliás, 2 ou 3 actas, pensa que iniciais, foram lidas e assinadas por AF….”
CR… (iniciou funções em Junho de 1999 no BPN e foi abrir a área de offshore do Banco, parte operacional. Consistia em lançar operações em paraísos fiscais - abertura de contas, depósitos de clientes, financiamentos. Era a unidade de offshore da qual foi o responsável até inícios de 2006):
Começou a operar o Banco Insular por volta de 2001/2002. Quem fazia lançamentos era a testemunha, DG… e mais 1 ou 2 elementos, mas nesta altura as operações eram residuais.
Apercebeu-se, mais tarde, que havia mais gente a lançar operações no Banco Insular, além da unidade de offshores.
Porém, por volta de 2003, a unidade deixou de lançar operações no Banco Insular, porque lhes cortaram o acesso ao mesmo. Disseram-lhes simplesmente que deixariam de trabalhar no Banco Insular e que seria outra área a actuar as operações no Banco Insular, tendo constatado posteriormente que passou tudo para a Direcção de Operações (Núcleo de apoio à direcção). Para este núcleo foi transferido, aliás, o DG….
A partir desta altura não lançou mais quaisquer operações no Banco Insular. As operações na unidade de offshores tinham por base instruções.
Quem dava essas instruções era a rede de balcões, a própria direcção. Pontualmente recebiam instruções directamente da administração, mas muito raramente. As instruções da rede de balcões eram de clientes.
As que vinham da direcção de operações ou eram relacionadas com empresas offshore do grupo ou de determinados clientes considerados de topo e que tinham acesso à administração e que davam as suas instruções via administração.
Quando as instruções vinham da DOP, as mesmas eram transmitidas, por norma, por AD…, e também por RP… via mail. AF… também transmitia, mas raramente.
O AD… estava no mesmo núcleo da Direcção de Operações e tinham instruções da parte da direcção para executarem as instruções que AD… enviasse, desde que as contas estivessem habilitadas e a instrução viesse com conhecimento a pelo menos um elemento da direcção.
Numa ou outra situação recebiam instruções directamente da Administração, não passando pela Direcção de Operações, vinham directamente para a unidade deles. Isto aconteceu meia dúzia de vezes.
Quem deu essas instruções foi OC… ou o Eng. S… (este, na altura, era assessor do Presidente).
Receberam também instruções indirectas de LM… e outro elemento que não se recorda do nome, através da direcção dele, ou seja, havia um mail dele a pedir uma operação, referindo-se por vezes à administração, e depois a testemunha recebia esse mail da sua própria direcção.
EP… (ingressou no BPN em 1993 para exercer as funções de administrativo - sistemas de compensação de cheques - e depois foi para a área informática. Na área informática fazia a parametrização do sistema central - criação de software a nível de gestão bancária - onde ficou cerca de 5 anos. Em 1998/99 as áreas centrais começam a vir para Lisboa e foi convidado para vir para Lisboa trabalhar na área informática. A área de informática estava inserida na direcção de sistemas de informação. Até 2006 ficou na área de informática, altura em que foi trabalhar para a direcção de operações):
No período em que esteve na Direcção de Operações, relativamente à abertura de contas no Banco Insular, as instruções vinham da administração para as abrir e movimentar, nas pessoas de OC… e FS….
As ordens para lançamento de operações nas contas das sociedades offshore do Banco Insular vinham de OC… e FS…, passavam por AD… e iam para a Direcção de Operações.
Quem mandava no Banco Insular era OC…, todos tinham conhecimento disso.
Teve um conhecimento indirecto de que LC… deu instruções para realização de operações no Cayman e no Banco Insular (teve esse conhecimento através do trabalho que fez numa fase final do BPN em que foi feito o levantamento de muitas instruções e documentos e constatou documentos com ordens de LC… e LM… para movimentar contas que estavam sedeadas no Banco Insular)”.
Resumindo, face ao que se deixou exposto: o lançamento das operações a realizar no Banco Insular tinha origem em instruções das administrações do BPN, SA e da SLN, SGPS, designadamente da parte dos arguidos OC…, LC… e FS…, que as transmitiam directamente ao arguido AF… ou indirectamente, através dos arguidos LM… e/ou LAl…, sendo executadas na Direcção de Operações (DOP), ou na Unidade de Operações Internacionais (UOI) pelos operacionais – os identificados supra - que acediam à plataforma informática do Banco Insular.

vi. Assim, resta-nos concluir pela não verificação dos vícios que os recorrentes imputam, nesta parte, ao decidido.

3. Pontos 401) e 405) (arguida IC…) da matéria julgada provada proveniente da pronúncia – PLEXPART:

i. Os pontos que a arguida impugna têm o seguinte teor:
401) Ainda no sentido de ocultar os financiamentos concedidos à PLEXPART pela VENICE e pelo Banco Insular, o arguido LC…, já em 2006, perante a perspectiva da sua eventual saída do grupo SLN, que viria a ocorrer em 2007, solicitou a colaboração da arguida IC…, que conhecia a verdade dos financiamentos e, para não se envolver directamente no assunto, o arguido emitiu uma procuração a favor da Dra. CA…, a quem solicitou que o representasse numa escritura de mutuo, com o objectivo visado de produzir um novo documento que viesse dar uma justificação para a origem dos fundos;
405) A arguida IC… sabia que o afirmado naquele acto notarial não correspondia à verdade, tendo atuado em conluio e para realização dos interesses do arguido LC… e sabendo que, com as suas condutas, estavam a lesar as entidades que efectivamente tinham financiado a PLEXPART;

ii. Vejamos.
A arguida, no que a esta matéria respeita, impugna que tivesse conhecimento da verdadeira origem dos financiamentos e que soubesse que o afirmado nessa escritura não correspondia à verdade.
Alega ainda que o tribunal “a quo” foi “preconceituoso” ao considerar a relação afectiva que mantinha com o arguido LC…; alega que o tribunal “a quo” devia ter feito uma pergunta à testemunha MPa… que não fez; que a Plexpart devia à Breslan – porque lhe comprou 250.000 acções da SLN SGPS, por € 550.000 e não lhe pagou – e a mesma Plexpart devia € 2.000.000 à Newtech, por via da transferência bancária que se verificou entre elas; bem como que as decisões que foram tomadas a esse respeito couberam todas ao arguido LC….

iii. No que concerne à parte da impugnação em que a arguida afirma ser verdadeiro o que consta na escritura mencionada no ponto 405), tal matéria foi já apreciada a propósito do recurso interposto pelo arguido LC…, sendo certo, por um lado, que a arguida não avança novos argumentos a esse propósito (para além dos que já constavam no recurso do arguido) e por outro, que a própria afirma que todas as decisões a esse respeito foram tomadas pelo dito arguido e não por si.

a. Assim sendo, o que se deixou já então dito (e que ora se transcreve) mantém plena validade:
“No que concerne ao ponto 390), o recorrente insurge-se quanto à aí mencionada vontade de ocultação do financiamento, negando-a e afirmando que o circuito de financiamento se ficou a dever a meras questões de ordem fiscal.
Salvo o devido respeito, esquece-se que se tal era o propósito, o mesmo se mostra por comprovar por elementos probatórios que o suportem; isto é, não é feita qualquer referência a quais os elementos de prova que, a esse propósito, o tribunal “a quo” ignorou e que perante si foram produzidos.
Como se deixou já consignado no ponto F. deste acórdão, a impugnação em sede de recurso tem de ser fundada em erros demonstrados pelo recorrente, face à prova produzida nos autos. Neste caso concreto, o arguido LC… limita-se a afirmar uma tese, mas não a sustenta em nenhum elemento probatório, o que equivale a pretender substituir a convicção do tribunal pela sua própria, pretensão que não é fundamento de recurso.
E, convenhamos, tendo em atenção que o financiamento da Plexpart (sociedade de que o arguido LC… era UBO) para subscrição inicial da quota de € 2.000.000,00 da SLN Valor, decorrente do aumento de capital ocorrido em 2001, veio da Venice (que era sustentada financeiramente pelo Grupo SLN/BPN), através de sucessivas transferências entre contas de três outras offshore que seguiam o mesmo padrão de financiamento e de beneficiário final (Grupo SLN/BPN), temos, no mínimo, alguma dificuldade em entender as questões fiscais a que alude, especialmente se tivermos em atenção que as três iniciais transferências de fundos se deram, precisamente, entre contas abertas no BPN Cayman (da Venice para a Multiarea e desta para a Seaford – vide factos provados 384 a 388), só depois se fazendo um circuito externo, via Barclays Bank, da Newtech para a Plexpart.
Se a questão era fiscal, porquê as três transferências iniciais entre contas do BPN Cayman?
Não há qualquer justificação para tal em sede de enquadramento fiscal, sendo que as regras de experiência comum apontam, definitivamente, para o raciocínio expendido pelo tribunal “a quo” – estamos perante manobras de ocultação.
(…) x. No que concerne aos factos 400), 401), 405), 406) e 408)), voltamos à questão da ocultação.
No que concerne ao mencionado no ponto 390, já vimos que não assiste razão ao recorrente.
Assim, resta-nos apreciar a questão da vontade de dissimulação no que respeita à origem do financiamento via Banco Insular (financiamento da Plexpart para aquisição de acções da SLN Valor – subscrições adicionais realizadas na sequência do aumento de capital de 15.05.2003 e incorporação de reservas, de 22 de Agosto de 2005).
xi. Nesta sede, entende o recorrente que se mostra demonstrado que a Breslan pagou ao BPN Cayman o que lhe devia, considerando que tal decorre:
Por um lado, das suas próprias declarações em audiência, em que, ao inverso do que o tribunal “a quo” afirma, não admitiu tal ausência de pagamento;
Por outro lado, face ao que consta no extracto da conta Breslan, aberta no BPN Cayman, cuja cópia se encontra no Apenso Temático R, Volume 40, a folhas 12712 a 12714 e onde podem verificar-se as seguintes transacções na página 12714: em 12 de Abril de 2007 a Breslan vendeu acções da SLN SGPS, no montante de € 3.350.000,00, valor que foi utilizado para amortizar dívidas ao BPN Cayman; em 13 de Julho 2007 a Breslan efectuou outra venda de acções da SLN SGPS, no montante de € 2.449.998,10, por nova venda de acções da SLN SGPS, que teve a mesma finalidade da operação anterior, ou seja, amortizar dívida ao BPN Cayman.
a. Vejamos então.
Como ponto prévio, dir-se-á que, no que concerne à alusão de erro face à fundamentação realizada pelo tribunal “a quo”, o recorrente não indica (sequer genericamente, isto é, em que acta ou dia) quando e em que termos é que terá não admitido o que o tribunal “a quo” refere como por si tendo sido alegado. Não se mostra pois possível, por este tribunal, sem qualquer referência mínima que a balize, encontrar o segmento que demonstraria o erro a que alude.
Note-se aliás que, como decorre do excerto da motivação que de seguida se transcreve, a propósito da dívida da Breslan ao BPN Cayman, o arguido LC… teve não uma, não duas, mas antes três versões, em sede de julgamento.
Assim sendo, mostra-se difícil perceber qual das versões o recorrente pretende ver reapreciada, uma vez que a não sinaliza…
b. Vejamos então o que é que o tribunal “a quo” deixou consignado nesta sede (…):
 Refira-se, desde já, como se verá e justificará infra, que a Plexpart adquiriu uma participação social de 3.150.000 acções da SLN Valor, SGPS, S.A. (art. 403º da pronúncia; facto provado 379).
Aquando do aumento do capital social da SLN Valor, Lda. em 18.07.2001, a Plexpart realizou uma quota de € 2.000.000,00, em linha com o documento de subscrição, sem data, assinado por IF…, cuja liquidação, nos termos do mesmo documento de subscrição, deveria ser feita em 30% até 10.05.2001, ou com esta data-valor, e os restantes 70% até 28.06.2001, ou com esta data-valor.
Paralelamente, em 28.06.2001, IM… e IF…, na qualidade de administradoras da Plexpart, outorgaram procuração conferindo poderes a OC… e VC…, para representar a sociedade na escritura de aumento de capital social da, então, SLN Valor, SGPS, Lda..
Diga-se que o arguido LC… admitiu os factos 404° a 407° da pronúncia (v. factos provados 380 a 383 e facto não provado 113).
A propósito do facto 404° declarou que ficou acordado com OC… que a Plexpart tivesse uma quota no montante de € 2.000.000,00 na SLN Valor.
Negou, porém, qualquer participação/decisão do arguido FS… nesta temática.
Por sua vez, este último, também negou qualquer participação/decisão na aquisição desta participação social e da subsequente da Plexpart na SLN Valor.
“Mutatis mutandis” valem aqui as considerações supra desenvolvidas que levam à não demonstração da factualidade/temática em referência relativamente ao arguido FS…, no seu todo.
No mais, corroborando a confissão do arguido LC…, cabe fazer referência aos seguintes elementos probatórios que, só por si, permitiriam alcançar a mesma conclusão.
- Apenso de busca 21, doc. 37, págs. 335 a 337 ou Braga 32, págs. 1 a 4 – s/data e 28.06.2001 - Documento de subscrição da quota no valor de € 2.000.000,00 assinado por IF…, o qual menciona as condições da subscrição no tocante ao respectivo pagamento; e procuração da Plexpart emitida por IM… e IF… a favor de OC… e VC… para a assembleia-geral da SLN Valor, Lda. na qual é deliberado o aumento do capital social;
- Apenso de busca 13, doc. 108, págs. 51 a 83 (54, 72 e 76) – 18.07.2001 – Escritura do 1° reforço de capital social da SLN, Valor, com outorga da Plexpart, que subscreve uma quota de € 2.000.000,00;
- Processo, vol. 11, fls. 4352 a 4355, págs. 35 a 40 e 41 a 59 (48) ou Braga 3, págs. 164 a 181 - Certidão do registo comercial da SLN Valor – no 1° reforço de capital social a Plexpart realizou uma quota de € 2.000.000,00;
Duas correcções à pronúncia:
1ª – Quem adquiriu a quota foi só o arguido LC…, através da Plexpart, não tendo, obviamente, os arguidos OC… e FS… adquirido qualquer quota da SLN Valor através da Plexpart (v. facto provado 382 e facto não provado 114);
2ª – Quem assinou o boletim de subscrição foi IF… e não a arguida IC… (v. facto provado 382 e facto não provado 114);
Segue-se o circuito financeiro/bancário para a subscrição desta quota de € 2.000.000,00 da Plexpart na SLN Valor (arts. 408° a 412° da pronúncia; v. factos provados 384 a 388 e factos não provados 115 e 116), o qual, bem vistas as coisas, foi confessado pelo arguido LC…, todavia referindo, quanto ao arguido LM…, que se limitou a cumprir ordens que lhe deu e que consistiram em transmitir à Direcção de Operações (DOP) a sequência de todas as transferências que lhe comunicou.
No mesmo sentido pronunciou-se o arguido LM… sustentando, em resumo, que não colaborou com LC… na montagem de qualquer circuito financeiro para retirar fundos da Venice e que se teve algum tipo de participação, foi a habitual, no sentido de transmitir as ordens de movimentos bancários que o arguido LC… lhe dava.
Dir-se-á, neste âmbito, que são credíveis as declarações de ambos os arguidos.
Com efeito, do extenso manancial probatório carreado para os autos, documental ou testemunhal, não há nenhum elemento concreto que permita concluir que o arguido LM…, à data dos factos, decidiu os termos da aquisição da quota ou participou activamente nos procedimentos tendentes a esse desiderato ou ainda que teve qualquer conhecimento suficiente e bastante dos reais contornos dessa aquisição.
Sabe-se, de facto, que o mesmo transmitiu à DOP as ordens que o arguido LC… lhe havia dado para serem realizados os diversos movimentos financeiros/bancários.
No entanto, este elemento, em si ou só por si, e não obstante o arguido LM… ter conhecimento da Venice e dos financiamentos que esta sociedade offshore fazia a diversas sociedades do grupo SLN/BPN, não é suficiente para concluir pela sua participação ou colaboração activa no sentido de se montar um “circuito financeiro” para serem sacados fundos da Venice.
Ora, de facto, para a realização tardia daquela quota, LC.., através do arguido LM…, ordenou a transferência de € 2.000.000,00 da conta da Venice no BPN Cayman, donde a mesma saiu em 28.06.2001 para a conta da Multiarea no BPN Cayman e desta para a Eurowideas no Barklays Bank, em Londres, transferência esta que foi anulada.
Após, em 02.07.2001, LC.. determinou a transferência daqueles € 2.000.000,00 da Multiarea para a conta da Seaford, no BPN Cayman, e desta para a conta da Newtech no Barclays Bank, em Londres (ou HSBC Bank, de Londres) e, finalmente, em 09.07.2001, desta conta para a conta da Plexpart no BPN, SA, onde foi contabilizada como suprimento da Newtech que, ao tempo, era sócia da Plexpart.
A prova do exposto e que resume a factualidade em questão, resulta das já referidas declarações do arguido LC… conjugadas com os seguintes elementos probatórios documentais:
- Apenso 33 – F:\4910\11\Doc. 22\Plexpart SGPS\Instruções - Venice EUR 2.000.000,00 para Multiarea.pdf ou Braga 32, pág. 5 – 28.06.2001 - E-mail de LM… para RP…, com conhecimento a AF…, que invoca indicação de LC… para transferência de € 2.000.000,00 da Venice para a Multiarea e posterior e-mail, com a mesma data, de RP… para CD… para execução da instrução;
- Apenso bancário 25, pág. 18 ou CD vol.13 – Conta n.° … da Venice no BPN, CAYMAN – 28.06.2001 – Movimento a débito de € 2.000.000,00 (400.964.000$00) para a Multiarea:
Refira-se que após este movimento, realizado a descoberto da conta da Venice, a conta por si titulada ficou com um saldo negativo 16.390.809.471$89.
- Apenso bancário 147, pág. 4 – Conta n.° … da Multiarea no BPN Cayman, ou Braga 32, pág. 6 in fine ou CD vol. 13 – 28.06.2001 e 29.06.2001 - Movimentos a débito e a crédito de 2.000.000,00 evidenciando a anulação do movimento a débito que respeitava à transferência da Multiarea para a Eurowideas:
- Apenso bancário 147, pág. 4 - Conta n.° … da Multiarea no BPN, Cayman, ou CD, vol. 13 – 02.07.2001 – Movimento a débito de € 2.000.000,00 para a Seaford:
- Apenso 33 – 1-Anexo A\TRAT\1\PC-Dr-P…\DOCS\C\ Documents and Settings\ g003314\Os meus documentos\proj César\Declarações de Trust\75_Seaford Holdings LLC – Declaração de trust.pdf ou braga 31, págs. 29 a 34 ou apenso I, vol.3, págs. 315 a 320 - Certificado de acções da Seaford e declarações de trust (07.02.2001) da Burgundy e da Trafalgar relativas à Seaford com indicação da Marazion como última beneficiária (docs. na língua inglesa; v. tradução a fls. 42314 a 42316 do vol. 134 dos autos principais);
- Apenso bancário 149, pág. 3 – Conta n.° … da Seaford, no BPN Cayman – 02.07.2001 – Movimento a crédito de € 2.000.000,00;
- Apenso bancário 149, pág. 3 – Conta n.° … da Seaford no BPN Cayman, ou Braga 32, pág. 12 ou CD, vol. 13 – 02.07.2001 – Movimento a débito de € 2.000.000,00 para a conta da Newtech;
- Apenso 33 – 11\Doc. 22\Projecto César Biometrics\2. Sociedades Offshore Negocio Biometrics\Seaford Holdings LLC\Seaford Holding LLC – OPE EUR 2.000.000,00.pdf ou bragas 32, fls. 7 (pág. 8 pdf) – 02.07.2001 - Movimento a débito da conta da Seaford no BPN Cayman para a Newtech no valor de € 2.000.000,00;
- Apenso 33 – 11\Doc. 22\Projecto César Biometrics\2. Sociedades Offshore Negocio Biometrics\Seaford Holdings LLC\ Plexpart _OPR_PTE 400.936.377,00.pdf ou bragas 32, págs. 13 e 14 – 09.07.2001 - A Plexpart recebe € 1.999.870,00 da NEWTECH;
- Apenso de busca 13, doc. 106, pág. 68 – 09.07.2001 – aviso de crédito do BPN, S.A., designadamente do montante de € 1.999.870,00 (400.936.377$00 após dedução da comissão e imposto de selo), na conta n.° … titulada pela Plexpart naquela instituição bancária, tendo como “ordenador” desse crédito a Newtech Strategic Holdings e n.° de operação “OPR201/03103”;
- Apenso bancário 150, pág. 5 pdf (conta n.° … – conta titulada pela Plexpart no BPN Cayman) – 9.07.2001 – crédito do montante de € 400.936.377$00 com a referência “ordem pagamento recebida OPR201/03103”, crédito este que cobre o descoberto originado pelo movimento a débito de 400.964.000$00 realizado em 28.06.2001 para o aumento de capital da SLN Valor;
- Apenso de busca 13, doc. 106, págs. 67 ou Braga 32, págs. 15 – 03.12.2001 - Nota de lançamento na contabilidade do suprimento de € 2.000.000,00 da Newtech;
- Apenso de busca 13, doc. 106, pág. 80 ou Braga 32, pág. 17 – 01.12.2001 – Nota de lançamento na contabilidade da Plexpart relativo à subscrição da quota de € 2.000.000,00 da SLN Valor, Lda;
- Apenso 33 - 1 Anexo A\TRAT\6\Pen-ScanDisk – Mini 2GB\DOCS\C\2.Grupo offshore\30.offshore\001_Consolidado\Consolidado\8-12-2003\Balanços e DR individuais off 12.12.2003 (após reestruturação).xls (31)– 08.12.2003 – v. folha BAL. VENICE - Activos da Venice que tem na conta 26, outros devedores e credores, como devedora, a “Multirea (Plexpart)” no montante de “€ 2.000.000,00” (doc. criado em 12.12.2003, com última modificação em 06.01.2004, e que tem por autor LG… e última modificação LG… – v. propriedades informáticas do documento);
Apesar disso, no balanço da Newtech não aparece a dívida à Venice e o crédito sobre a Plexpart:
-Apenso 33 - 1 Anexo A\TRAT\6|Pen-ScanDisk-Mini2GB\DOCS\C\2.GrupoOFFshore\
30.OFFSHORE\001_Consolidado\Consolidado\8-12-2003\Balanços e DR individuais off 12.12.2003 (após reestruturação).xls (31) – 12.12.2003 – v. folha BAL. NEWTECH – Não tem qualquer referência ao suprimento de € 2.000.000,00 à Plexpart (doc. criado em 12.12.2003 e tem por autor LG… – v. propriedades informáticas do documento);
Em suma, a estratégia de controlo accionista prosseguida por OC… e LC… foi executada pela consolidação do poder accionista na SLN Valor, Lda. através de fundos sacados da conta da Venice, no BPN Cayman, que, depois desta operação que se caracterizou pela passagem por contas de entidades instrumentais, ficou com um descoberto acumulado de - 81,7 milhões de euros (art. 413° da pronúncia; v. facto provado 389 e facto não provado 117):
- Apenso bancário 25, pág. 18 – Conta n.° … da Venice no BPN, Cayman ou CD, vol.13 – 28.06.2001 – Descoberto de 16.390.809.471$89 (€ 81.757.012,95):
Deste modo (art. 414° da pronúncia; v. facto provado 390 e facto não provado 118), os arguidos OC… e LC… montaram um circuito financeiro que se iniciou na Venice e passou por sociedades não residentes, offshore, designadamente Multiarea, Seaford e Newtech, aportando à sociedade residente Plexpart em 09.07.2001, para aqui ser coberto o descoberto resultante da subscrição da quota de € 2.000.000,00, tudo em ordem a ocultar a origem dos fundos obtidos por saque a descoberto sobre a conta da Venice no BPN Cayman.
Não olvidamos que o arguido LC… declarou em sede de julgamento que no âmbito do acordo de saída do Grupo pagou à Venice o empréstimo que esta concedeu à Newtech, via Seaford, e que se destinou a suprimentos da Plexpart utilizados na realização da quota de € 2.000.000,00 da SLN VALOR.
Mais referiu que a Breslan (sociedade offshore que também era sua), além do compromisso de pagar à Venice aquele financiamento de € 2.000.000,00 pelas razões que então invocou, não tinha qualquer outra obrigação para com a Venice.
Porém, posteriormente, foi confrontado com as contas da Breslan e da Venice, ambas no BPN Cayman, que evidenciam que a Venice, em 29.12.2000, havia emprestado à BRESLAN 476.937.777$00, montante que serviu para comprar acções da SLN, SGPS a accionistas, como decorre, para além dos atinentes movimentos e descrições das contas da Breslan e da Venice, da ficha da Breslan feita no âmbito da análise de contas de clientes do BPN Cayman realizada em 08.02.2002 pela DAI do BPN, S.A., a qual refere o financiamento da Venice à Breslan destinado à aquisição de acções da SLN, SGPS:
- CD, vol. 13 – Contas da Breslan e da Venice no BPN Cayman:
- Venice (conta n.° …) – 29.12.2000 (débito da quantia de 476.937.777,00):
- Breslan (conta n.° …) – 29.12.2000 (crédito de igual montante):
- Apenso de busca 7, doc. 54.01, págs. 26 a 29 – Ficha da Breslan feita no âmbito do projecto César que refere o financiamento da Venice para compra de acções da SLN, SGPS;
- Apenso bancário 29 – Conta da Breslan, no BPN CAYMAN, pág. 10 – Extracto com os movimentos relativos ao pagamento das primeiras aquisições de acções anteriores ao aumento de capital e que redundaram num saldo negativo de 476.937.777$00, que foi imediatamente coberto com a referida transferência da Venice;
Perante estas evidências, nas declarações que subsequentemente prestou a perguntas da sua defesa, o arguido LC… emendou o que antes dissera sobre a detenção da Breslan e declarou ser alheio àquelas aquisições que a Breslan fez de acções da SLN, SGPS com recurso a financiamento da Venice.
Todavia, verifica-se que foi LC… quem, ao tempo, deu instruções para a transferência da conta da Venice do BPN Cayman para a conta da Breslan na mesma instituição bancária dos valores que esta sociedade destinou à compra das acções da SLN, SGPS, como também deu, ao mesmo tempo, instrução para uma transferência da mesma conta da Venice para uma conta da Moniala.
E foi também o arguido LC… quem, em 08.01.2001, deu instruções para que a Breslan vendesse 500.000 acções à Martista, acções que faziam parte daquelas que a Breslan tinha adquirido no mês anterior a accionistas com aquele financiamento da Venice:
- Processo, vol. 112.1, fls. 36153 e 36154 (BRESLAN) Ponto1_Breslan_Instrução transferência Venice e venda acções Martista – Instruções manuscritas de LC…;
- Processo, vol. 112.1, fls. 36171, pág. 23 ou CD BPN, vol. 112, fls. 36172 (BRESLAN) – 12.12.2000 - Listagem de transacções de acções da SLN, SGPS pela Breslan:
 Ora, com base neste quadro:
1) 250.000 x 1,80  = € 450.000,00;
2)409.174 x 1,80   = € 736.513,20;
3)125.000 x 1,80   = € 225.000,00;
4)212.027 x 1,80   = € 381.648,60;
5)125.000 x 1,80   = € 225.000,00;
6)200.481 x 1,80   = € 360.793,80;
Valores finais das transacções ocorridas a 12.12.2000 (vendas de acções da SLN SGPS, S.A., por parte de MLo…, FSe… e FPi…) e que correspondem, ao cêntimo, aos débitos ocorridos na conta titulada pela Breslan, no BPN Cayman:
Compra de acções da SLN SGPS, S.A. pela Breslan que foi feita com movimentos a descoberto na conta, que viria a ser coberto pela transferência da Venice do dia 29.12.2000 no montante de 476.937.777,00, o qual saldou a conta.
- Processo, vol. 112.1, fls. 36157 a 36169 – 20.12.2000 – mail´s de RP… pelos quais, no dia anterior aos movimentos financeiros/bancários constantes do quadro antecedente, solicita a AF…, com conhecimento a FS…, e como o objecto “operação de títulos da SLN”, invocando “instruções em nosso poder”, ou seja, da administração da SLN/BPN, solicita a venda à Breslan e a compra, por esta, das acções da SLN SGPS até então tituladas por MLo…, FSe… e FPi…, bem como os fax´s destas pessoas singulares, remetidos a 07.12.2000 ao “Presidente da SLN” ou seja, ao arguido OC…, pelos quais solicitam a venda dessas mesmas acções;
- Apenso bancário 29 – Conta da Breslan, no BPN CAYMAN, pág. 10 – Extracto com os movimentos relativos ao pagamento das primeiras aquisições de acções anteriores ao aumento de capital;
Aliás, a testemunha AJo… (v. razão de ciência supra), que demonstrou um conhecimento pormenorizado das operações de aquisição de títulos pela Breslan e do acordo final do arguido LC… com o grupo SLN/BPN, em depoimento prestado nas sessões de 27.11.2012 e de 29.11.2012 foi peremptório quando afirmou, para além do mais, que a “Newtech nunca recebeu aquele dinheiro” e que o pagamento à Venice dos € 2.000.000,00 nunca foi feito.
Quanto ao referido acordo, tenha-se em consideração o seguinte documento:
-Apenso33; 1-AnexoA\TRAT\3\TOZE#2\DOCS\TOZE#2\Administração\JOC\Acordo Pre Reforma LCC.pdf – 31.08.2007 – Acordo SLN/LC… de Pré-Reforma, acordo complementar de cessação de funções e acordo de cessação de funções de administrador de LC…;
Numa última linha da defesa que esboçou, o arguido LC… invocou que, aquando da sua saída em Agosto de 2007, quem fez as contas que então havia que fazer, foi a testemunha AD… (à data, assessor do Conselho de Administração do BPN), tendo ele LC… ficado convencido que aquele empréstimo da Venice à Plexpart (€ 2.000.000,00) fora considerado nas contas.
Assim, LC… pareceu admitir que, afinal, não foi feito aquele pagamento à Venice, o que se terá devido a incúria de AD… e, simultaneamente, a desatenção dele próprio, LC…, que não se apercebeu que aquele montante de € 2.000.000,00 devido à Venice não foi tido na devida conta, como também não foi tido em devida conta o montante de € 500.000,00 (questão a analisar infra) que a Plexpart devia ao Banco Insular.
Em suma, tudo não foi mais que uma simples desatenção relativa a coisa pouca que eram € 2.000.000,00!
Mas a verdade é que, antecipando esta desatenção, LC… já no ano anterior, 2006, havia determinado a realização da escritura de mútuo outorgada em 16.05.2006 pela Breslan e pela Plexpart, duas entidades que controlava, a qual, tendo por base lançamentos contabilísticos falsos, ficcionou um empréstimo de € 2.500.000,00, que escondia as verdadeiras origens dessa quantia que era devida à Venice e ao Banco Insular e não à Breslan.
Sem prejuízo da abordagem mais desenvolvida deste assunto que adiante se realizará, desde já indica-se a seguinte documentação:
- Apenso de busca 13, doc. 108, pág. 46 ou Braga 33, pág. 73 pdf – 23.06.2003 – Nota de lançamento na contabilidade (DIÁRIO) da Plexpart da compra de  acções da SLN, SGPS por contrapartida duma dívida de € 550.000,00 a accionistas – conta 26.81 (então só havia um accionista que era LC…) que corresponde ao preço de acções da SLN, SGPS vendidas pela Breslan à PLEXPART e não pagas – (c/rubrica de MPa…);
- Apenso de busca 13, doc. 108, pág. 35 ou Braga 33, pág.107 – 26.09.2003 - Nota de lançamento na contabilidade da Plexpart de empréstimo da Breslan à Plexpart de € 500.000,00 quando, é certo, que esse dinheiro teve origem na c/c/c no Banco Insular;
- Apenso de busca 13, doc. 111, págs. 38 a 41 ou Bragas 33, págs. 112 a 115 ou Apenso R, vol.50, fls. 12808 a 12810, págs. 20 a 23 – 16.05.2006 - Escritura de mútuo entre a Breslan e a Plexpart (€ 2.000.000,00 em 09.07.2001 e € 500.000,00 em 26.09.2003 – empréstimo total de € 2.500.000,00 prevendo a escritura o seu pagamento no prazo de 10 anos);
 c. Constatamos, perante a mera leitura do segmento supra, que o tribunal “a quo” refere, analisa e expõe não só os elementos probatórios que o recorrente invoca, como outros coadjuvantes, como se verifica pelas passagens assinaladas a negrito.
d. A isto responde o arguido, contrapondo parte dos elementos factuais que o tribunal “a quo” analisa, invocando uma omissão de pergunta a uma testemunha (o que, em si mesmo, não é nada, pois se tinha interesse nessa questão, nada o impedia de a ter posto à dita testemunha em julgamento – ora, quod non est in actis non est in mundo), respostas dadas por outras testemunhas (quem, quando, a que propósito, ignora-se, porque o recorrente não especifica) e uma série de suposições, que em nada abalam ou contrariam os raciocínios expendidos pelo julgador.
Por seu turno, compulsados os autos, constata-se que os documentos a que o arguido faz apelo (no sentido de comprovarem o pagamento, pela Breslan, da dívida que tinha perante o BPN Cayman), limitam-se apenas a demonstrar que houve lugar a venda de acções pela Breslan, à semelhança, aliás, de outros, que atestam igualmente outras vendas.
Todavia, não confirmam o que o arguido afirma, designadamente qual o uso dado aos quantitativos assim obtidos, uma vez que inexiste documento que ateste que o resultado dessas operações (ou de outras) de venda de acções pela Breslan, tenha sido usado para pagar qualquer quantia em dívida ao BPN Cayman, por aquela sociedade.
e. Ora, cabia ao arguido contrapor, aos efectivos meios de prova e à correlação dos mesmos, enunciada pelo tribunal “a quo”, elementos de prova e um raciocínio que efectivamente os infirmasse, demonstrando o seu erro.
O que de facto fez foi o que se mostra resumido e que mais não serve senão para tentar impor a sua convicção, em detrimento da alcançada pelo julgador, o que não é fundamento de recurso, já que se limita a adjectivar a motivação realizada e a referir prova que foi efectivamente analisada, sem conseguir refutar ao que da apreciação da mesma resulta.
xii. Atento o que se deixa exposto, resta concluir que a peticionada eliminação da matéria de facto dada como provada dos pontos que critica soçobra, uma vez que da análise realizada por este tribunal não se mostra possível concluir que o tribunal “a quo” alcançou a sua convicção de modo errado, não se impondo, por isso, qualquer modificação ao decidido.

b. Temos pois, no que concerne a esta matéria factual, que suporta a alegação de falsidade quanto ao que consta no acto notarial a que se refere o ponto 405), que há que concluir que a mesma se mostra definitivamente assente.

iv. Resta então apurar se existe erro no decidido, quanto ao que se afirma no ponto 405), que imputa à arguida IC… conhecimento dessa não correspondência à verdade e do intuito de lesar as entidades que efectivamente tinham financiado a Plexpart.

a. A arguida afirma duas versões contraditórias – por um lado, que o tribunal “a quo” não indica qualquer prova que sustente a imputação de conhecimento que lhe assaca nesse ponto factual e, por outro, que com base nos mesmos elementos probatórios que o tribunal “a quo” elenca, deve entender-se que tal matéria factual não se provou. Cumpre perguntar: afinal, em que ficamos?

b. Uma vez que é manifesto (como de seguida se reproduzirá) que o tribunal “a quo” se pronunciou, em sede motivacional, sobre tal matéria (e não o fez com base nos simplistas e adjectivados preconceituosos pressupostos que a recorrente lhe imputa), cabe então verificar se, o que aí se mostra vertido, se mostra manifestamente errado.

c. É este o segmento relevante (que outros há):
O art. 425° da pronúncia refere que a arguida IC… “conhecia a verdade dos financiamentos”.
Por sua vez, o art. 429° declara que “a arguida IC… sabia que o afirmado naquele acto notarial não correspondia à verdade, tendo actuado em conluio e para realização dos interesses do arguido LC…”.
Sobre esta factualidade de cariz mais subjectivo o arguido LC… declarou, sumariamente, que IC… sabia que havia financiamentos, mas não sabia que houve os financiamentos na Venice e no Banco Insular.
Por isso, também, negou a matéria factual constante dos arts. 429° e 430° da pronúncia, quer quanto a si, quer quanto à arguida IC….
Quanto ao arguido LC… cabe referir que toda a documentação referenciada permite concluir, sem margem para quaisquer dúvidas, que o mesmo pretendeu ocultar e prejudicar as entidades que efectivamente tinham concedido crédito à Plexpart (como vimos, a Venice, € 2.000.000,00, e o Banco Insular, € 500.000,00) para realizar parte substancial das quotas da SLN Valor e, do mesmo passo, beneficiar de créditos inexistentes sobre a Plexpart por entidade da qual era o único beneficiário (Breslan), sendo certo que a Venice e o Banco Insular nunca foram reembolsados daqueles fundos.
Relativamente à arguida IC… importa, antes de mais, analisar sumariamente as suas declarações:
Em 2003 soube que LC… – isso foi-lhe transmitido pelo AG… - tinha acordado com OC… ficar com a Plexpart e que essa aquisição ia ser feita através da Breslan.
AG… disse-lhe igualmente que já tinha falado com OC… e que LC… ia ficar a dever os suprimentos uma vez que a Newtech tinha sido financiada.
Em 2007, numa reunião com AJo…, este apresentou um quadro dos valores que o LC… devia e nesse quadro constava que o empréstimo tinha sido feito pela Venice à Newtech para a 1ª aquisição de acções da SLN Valor.
LC… tinha referido a MPa… (executava a contabilidade da Plexpart) para lhe efectuar acréscimos de custos relativos a juros do financiamento que ele tinha em dívida para com a Newtech.
MPa… tinha-lhe transmitido isso, i.e., que havia uma contingência, que a Breslan estava a debitar juros à Plexpart e não havia documento de suporte desse crédito (o que havia era notas de débito de juros da Breslan). Para haver esse débito de juros tinha que haver um documento de suporte.
LC… ligou-lhe (à arguida), dizendo que era necessário um contrato de mútuo entre a Breslan e a Plexpart e que os dados relativos aos valores e datas e taxa de juro seriam-lhe dados por MPa…, a quem já tinha dado um quadro com essas indicações.
Na sequência disso foi preparada a escritura de mútuo, a arguida ficou a representar a Plexpart, CA… ficou a representar a Breslan, e foi feita a escritura de mútuo.
Porém, antes de fazer a escritura, mostrou a minuta a OC… e perguntou-lhe se não se estava a reconhecer uma situação que não era a inicial, ou seja, a Newtech ter emprestado esse dinheiro à Plexpart e LC… ter adquirido a Newtech com o suprimento e não ter pago.
OC… disse-lhe que não havia problema nenhum porque estava reconhecido que a dívida inicial seria suportada pela Breslan e que estava tudo documentado, ou seja, a assumpção da dívida pela Breslan.
As suas declarações não convenceram o Tribunal, nem as declarações do arguido LC…, nesta parte.
Em primeiro lugar porque foi clara e nítida a preocupação do arguido LC…, transversal a todas as suas declarações prestadas em Julgamento, em eximir de quaisquer responsabilidades a arguida IC…, bem como os arguidos LM… e LAl….
Compreender-se-á até a sua atitude. É que viveu em união de facto durante vários anos com a arguida IC…, LM… foi seu aluno e convidou-o para ingressar na Planfin, sendo certo que era o superior hierárquico de todos, incluindo LAl…, a quem todos obedeciam sem questionar as suas ordens.
Em segundo lugar, como referiu, OC… disse-lhe que não havia problema nenhum porque estava reconhecido que a dívida inicial seria suportada pela Breslan e que estava tudo documentado, ou seja, a assumpção da dívida pela Breslan.
Mas que dívida inicial era esta?
A arguida não o esclareceu.
A Breslan não devia qualquer quantia à Plexpart, nem a Newtech devia qualquer quantia à Plexpart.
Ora, se houve um reconhecimento, pelo arguido OC…, que a dívida inicial seria suportada pela Breslan, a arguida não podia deixar de conhecer que a quantia de € 2.000.000,00 que a Newtech havia transferido para a Plexpart teve uma origem mais remota.
Aliás, já antes, a arguida tinha conhecimento disso, na medida em que declarou que AG… lhe disse igualmente que já tinha falado com OC… e que LC… ia ficar a dever os suprimentos uma vez que a Newtech tinha sido financiada.
Ou seja, a arguida tinha conhecimento que a origem do dinheiro (€ 2.000.000,00) que havia sido transferido pela Newtech para a Plexpart, posteriormente adquirida pelo arguido LC… como suprimentos não pagos, não tinha a sua origem na Newtech.
Acresce que não é razoável aceitar que, se havia uma assumpção da dívida pela Breslan, documentada, a arguida, advogada, especialista em direito fiscal, nunca se tenha questionado sobre a localização do documento, designadamente na contabilidade respeitante a esta sociedade, e não tenha feito qualquer indagação comprovativa, bastando-se com a declaração do arguido OC….
Em terceiro lugar, não se vê qualquer razão para o arguido LC… ter escondido, durante anos, da arguida IC…, a origem das quantias (€ 2.000.000,00 oriundos da Venice e € 500.000,00 vindos do Banco Insular), tanto mais que ambos viviam em união de facto, o que pressupõe, à partida, uma forte relação de confiança.
Ademais, havia uma relação de trabalho entre os dois na Planfin, embora com subordinação hierárquica, sendo certo, também, que a Planfin prestava serviços para a SLN, incluindo o controlo contabilístico das sociedades offshore pertença do grupo SLN/BPN.
Acresce que, como já foi demonstrado, o Banco Insular e a Venice não constituíam nenhum “segredo” para os funcionários/colaboradores/trabalhadores da Planfin, designadamente para os arguidos IC…, LAl… e LM….
Em quarto lugar, a arguida outorgou a escritura de mútuo na qualidade de “membro do Conselho de Administração da Plexpart”.
E, nessa qualidade, confessou-se “devedora do referido empréstimo”, i.e., da quantia de € 2.500.000,00.
Não é, portanto, crível que, outorgando a escritura naquela qualidade ante a grandeza da dívida assumida, não soubesse os contornos exactos da mesma, mormente os movimentos financeiros que lhe estavam associados.
Mais a mais quando, o que elevava a responsabilidade que sobre si recaía, no dia em que outorgou a escritura de mútuo foi eleita administradora única da Plexpart.
Cargo que, face às regras da experiência comum e da lógica, quando assumido pressupõe o conhecimento de todos os contornos do empréstimo e movimentos financeiros e bancários a ele associados.
Em quinto lugar, como declarou, MPa… tinha-lhe transmitido que havia uma contingência, que a Breslan estava a debitar juros à Plexpart e não havia documento de suporte a esse crédito (o que havia era notas de débito de juros da Breslan), sendo que para haver esse débito de juros tinha que haver um documento de suporte.
Ora, a arguida, advogada, especialista em direito fiscal, confrontada com essa comunicação não questionou porque não havia documento de suporte a esse crédito que tinha a sua origem nos longínquos anos de 2001 (€ 2.000.000,00) e 2003 (€ 500.000,00)?
E, também, não questionou porque somente no ano de 2006, ou seja, respectivamente, 5 e 3 anos depois, é que era outorgada a escritura de mútuo desse alegado crédito?
É possível que não. Mas a ter acontecido, tanto só é explicável porque conhecia todos esses factos desde momento anterior. De outra forma, não é razoável, nem faz sentido, que não se tenha colocado aquelas questões, nem procurado esclarecê-las.
Ou seja, a arguida sabia muito mais do que quis fazer crer ao Tribunal.
E sabia porque, como já foi extensamente demonstrado, as entidades Venice e Banco Insular não lhe eram de forma alguma estranhas.
Aliás, quanto à Venice, cumpre realçar que a arguida ao longo das suas declarações referiu que:
- A Venice, em Cayman, financiou a Marazion e esta a Insular Holdings;
- Não tinha acesso directo à conta bancária da Venice, o que pressupõe que ao longo dos anos teve acesso indirecto aos movimentos bancários desta sociedade offshore;
- Na maior parte dos financiamentos que eram atribuídos às sociedades do grupo SLN/BPN, o financiamento era feito através da Venice;
- Pode ter sabido em determinado momento o saldo negativo da Venice;
- Foi procuradora da Venice desde Setembro de 2000 até finais de 2002;
Tanto assim é que, no que concerne ao movimento supra analisado no montante de 467.937.777$00, transferido da Venice para a Breslan (offshore pertencente ao arguido LC…), ocorrido a 29.12.2000, montante que serviu, como vimos, para a Breslan comprar acções da SLN SGPS, dos cadernos da Planfin manuscritos pela arguida IC… (a própria assumiu a autoria deles) consta uma anotação do seguinte teor (v. apenso de busca 13 –cadernos -, vol. 1, pág. 479):
“2000/12/18 Reunião Interna LM/LCC/IMC
Breslan Investments LLC
Empréstimo da Venice à Breslan
Compra à Ferseque
1.321.642 x 1.8= € 2.278.955 (Esc. 476.937.776)
Breslan vende à Martista 500.000 acções x € 2 = € 1.000.000 (Esc. 200.482.000”.
Tratou-se, pois, de uma reunião interna da Planfin, ocorrida a 18.12.2000, onde estiveram presentes os arguidos LM…, LC… e IM…, em que se discutiu/abordou/falou sobre um empréstimo da Venice à Breslan no montante de 476.937.776$00 e sobre a venda da Breslan à Martista de 500.000 acções da SLN SGPS pelo valor total de 200.482.000$00.
Ora, efectivamente, todos estes movimentos ocorreram posteriormente, designadamente a 29.12.2000, como resulta mais que evidente do extracto da conta n.º … titulada pela Breslan no BPN Cayman:
- CD, vol. 13 – Contas da Breslan e da Venice no BPN, Cayman (sublinhado amarelo nosso):
Venice (conta n.° …) – 29.12.2000 (débito da quantia de 476.937.777,00):
- Breslan (conta n.° …) – 29.12.2000 (crédito de igual montante):
- Breslan (conta n.° …) – 29.12.2000 (débito da quantia de 200.482.000$00):
Ou seja, não era “segredo”, designadamente para os arguidos em questão, que a Venice era a sociedade offshore do grupo SLN/BPN que funcionava como “centro de custos” e que servia para financiar diversas sociedades offshore do grupo em ordem a que estas adquirissem acções da SLN Valor e da SLN SGPS.
Aliás, na mesma reunião interna (v. doc. referido págs. 480 e 483) constam outras duas referências a empréstimos da Venice:
“49. Empréstimo da Venice 421.012
Nextpart, SGPS, S.A. (trabalhadores)”
E
“Empréstimo da Venice a RAVURA
460.000 cts”
Ou seja, ao contrário do afirmado pelos arguidos LC… e IC…, tendo esta conhecimento de todos estes empréstimos, atendendo ao trabalho por si desenvolvido para o grupo SLN/BPN, não se vislumbra como pudesse não conhecer a origem do empréstimo de € 2.000.000,00 à Newtech, ou seja, que o mesmo teve a sua origem na Venice.
Efectivamente, como já foi evidenciado, o circuito financeiro deste empréstimo teve a sua origem na Venice e passou por várias sociedades offshore instrumentais, designadamente a Multiarea, Seaford e Newtech, antes de finalmente ser recebido pela Plexpart.
Ora, ao contrário do que os arguidos sustentaram, a arguida tinha pleno conhecimento que a própria Seaford financiou a Newtech naquele montante, o que resulta cabalmente do seguinte documento:
- Apenso 33: 30\Apagados\288\WK1\Ficheiros eliminados\C\L…\2. Grupo OFF-Shore\Sociedades Não Residentes 23 09 02\Sociedades Instrumentais - Operações.ppt (propriedades informáticas: criado a 19.09.2002 tendo como autor “IC…”):
Além do mais, desse documento consta:
“€ 2.301.232/Abertura de c/c/c na Seaford que transferiu para a Newtech Strategic Holdings Limited (UK) para subscrição do Capital social pelo Grupo e sócios MICROFIL”.
Este montante praticamente coincide com a quantia que, de facto, passou pela sociedade instrumental Seaford, transitou para a Newtech e acabou por ser recebido pela Plexpart, servindo para esta sociedade do arguido LC… adquirir uma quota de € 2.000.000,00 no aumento de capital da SLN Valor.
Em suma, não restam dúvidas ao Tribunal que a arguida IC… conhecia a origem dos financiamentos à Plexpart para a realização das quotas da SLN Valor (arts. 425° e 429° da pronúncia).
Em face do exposto e dos elementos probatórios elencados conclui-se pela prova dos factos 425° a 432° da pronúncia (v. factos provados 401° a 408° e facto não provado 122).

v. Lida a motivação transcrita, demonstra esta alguma insuficiência ou erro que seja patente, visível, manifesto? Demonstrou a arguida que a prova aí enunciada foi erradamente conciliada, que os raciocínios expostos se não fundam na mesma ou se mostram desconformes às regras de livre apreciação da prova e às regras de experiência comum?
A resposta a ambas as questões é negativa.

vi. Assim sendo, daqui resulta que, quanto a esta matéria factual, não se vislumbram vícios que a invalidem, nem a recorrente foi capaz de demonstrar que o seu apuramento se mostra sem fundamento na motivação realizada pelo tribunal “a quo”, o que determina que não se imponha a sua alteração.
Improcede, pois, o pela arguida, neste segmento, peticionado.

4. Pontos 495), 496), 497), 501), 502), 503), 504), 507), 513), 514), 515), 517), 519), 521), 524), 527), 535), 536) e 538) (arguido LM…), 495), 501), 503), 504), 507), 513), 514), 515), 517), 519), 520), 521), 524), 527), 535), 536) e 538) (arguido LAl…), 455) e 498) (arguida IC…) da matéria julgada provada proveniente da pronúncia – Pagamentos feitos à Venice:
Entendem os recorrentes, a uma só voz, que embora tenham tido intervenção nos actos que se mostram descritos nesta factualidade, não tiveram intervenção no processo definidor e decisório aqui em causa.

i. O primeiro ponto a apreciar prende-se com o que se mostra vertido no ponto de facto 455), a que a arguida IC… alude.
O que consta nesse ponto não é, salvo o devido respeito, o que a recorrente afirma. Na verdade, aí se diz que a operação que visou criar a aparência de um circuito financeiro compatível com a aquisição da SLN Imobiliária por uma entidade terceira e independente do Grupo SLN, contou com a colaboração da arguida IC….
Contar com a colaboração não corresponde a afirmar-se que concebeu e decidiu tal circuito; significa tão-somente que colaborou na sua realização.
Assim, e neste ponto, é manifesto não assistir razão à arguida, na crítica que dirige ao decidido, pura e simplesmente porque nesse ponto não se mostra escrito o que afirma.

ii. Prosseguindo.
O tribunal “a quo” motivou a sua convicção, quanto a esta matéria, nos seguintes termos:
Resumo:
A conta da Camden no BPN Cayman, como vimos, “seguida/administrada” pelo arguido LC…, porque era um “poço sem fundo”, em 29.12.2000, recebeu da Venice o montante de 1.823.000.000$00 que foi transferido para a SLN Imobiliária a titulo de suprimentos, montante que foi utilizado para aquisição do capital social de outras sociedades e para realização de parte do capital social da SLN Valor, SGPS, Lda., aquando da constituição desta sociedade.
Com efeito, o financiamento da realização da quota da SLN Valor pela SLN, Imobiliária, SGPS, S.A. teve origem na conta da (i) Venice no BPN Cayman, donde, em 29.12.2000, foi transferido o montante de 1.823.000.000$00 (€ 9.093.985,66) para a conta da (ii) Camden no BPN Cayman sendo desta, no mesmo dia 29.12.2000, transferido aquele mesmo montante para a conta da (iii) SLN Imobiliária, SGPS, SA no BPN, S.A..
E, finalmente, o arguido LC… ordenou a transferência de 623.000.000$00 (€ 3.107.510,90) para a conta da (iv) SLN Valor no BPN, SA, sendo € 3.000.000,00 para realização da subscrição da quota de € 3.000.000,00 no seu capital social, sendo a parte restante registada na contabilidade da SLN Valor como investimento financeiro.
Desenvolvimento:
Já antes, a propósito dos arts. 303° a 310° da pronúncia, havíamos abordado esta matéria.
Por isso, repete-se agora integralmente a mesma fundamentação, porque aqui tem igual alcance a nível de indicação de elementos probatórios:
A SLN Valor, SGPS, Lda. foi constituída em 15 de Dezembro de 2000 (com o capital social de 3.500.000,00 € (701.687.000$00) dividido em duas quotas, uma de € 500.000,00 (100.241.000$00) de OC… e outra de € 3.000.000,00 (601.446.000$00) da SLN, Imobiliária, com recurso a fundos sacados sobre a conta n.° … da sociedade offshore Venice, no BPN Cayman:
- Apenso de busca 7, doc.02.26, págs. 297 a 302 ou Braga 23, págs. 2 a 7 – 15.12.2000 - Escritura de constituição da SLN, Valor, Lda.;
- Apenso de busca 7, doc. 02.26, págs. 303 a 312 – Estatutos da SLN, Valor;
- Autos principais, vol. 11, fls. 4358 a 4375, págs. 41 a 58 – Certidão da CRC da SLN, Valor;
O financiamento da quota da SLN, Valor, realizada pela SLN, Imobiliária:
O financiamento em causa teve origem na conta da (i) Venice Capital no BPN Cayman (conta n.° …), donde, em 29.12.2000, foi transferido o montante de 1.823.000.000$00 (9.093.985,66 €) para a conta da (ii) Camden Capital no BPN CAYMAN (conta n.° …) sendo desta, no mesmo dia 29.12.2000, transferido aquele mesmo montante para a conta da (iii) SLN Imobiliária SGPS, S.A. no BPN, SA; (iv) daqui, foi determinada a transferência de 623.000.000$00 (3.107.510,90 €) para a conta da SLN Valor no BPN, SA, sendo € 3.000.000,00 para realização da subscrição da quota de € 3.000.000,00 no seu capital social e a parte restante, € 107.520,90, registada na contabilidade da SLN Valor como investimento financeiro:
Pesquisa de parte dos identificados movimentos no CD do vol. 13:
a.  Venice para Camden:
 b. Saída de Camden e entrada na conta do BPN, S.A. no BPN Cayman:
 3) Crédito da conta da SLN Imobiliária, SGPS, S.A. (a sociedade, posteriormente, alterou a denominação social para Sogipart) no BPN, S.A. (v. apenso de busca 7, doc. 06.00, pág. 678 ou Braga 22, pág. 2 – 29.12.2000 – esta é a 1ª versão do extracto relativo à transferência a crédito da SLN, Imobiliária, com origem na Camden):
4) Débito da conta da SLN Imobiliária da quantia de 623.000.000$00 e crédito de igual montante na conta da SLN Valor (v. documento anterior e documento constante do apenso informático 33 no seguinte caminho: F:\4910\11\Doc. 22\Extractos de Conta\... - SLN Valor.xls; extra de conta da SLN Valor; a parte sublinhada a amarelo foi feita por nós em ordem a facilitar a visualização):
Aquele movimento de 1.823.000.000$00 a crédito da conta da SLN Imobiliária no BPN, SA. mais tarde, em 2002, foi objecto de manipulação que consistiu na alteração do respectivo extracto bancário, com a consequente alteração da sua contabilidade, tendo em vista criar a ilusão de que o financiamento da SLN, Imobiliária para realização da quota da SLN Valor tivera origem na Aniola e não na Venice, porque, conforme menção manuscrita nos cadernos de IM… “o que temos de omitir é a Venice”.
Além da já mencionada, atente-se ainda na seguinte documentação probatória de suporte:
- Apenso 33 - 30\287\C\CFGA\POSTOS DE TRABALHO\IC…\C\IC…-Ficheiros Vários\IMC\SLN-Direcções de Serviços\ACTOS E CONTRATOS-GRUPO SLN\Docs. Actos e Contratos Scaner\1999_12_14LN Imobiliária, SGPS, SA, pdf – 14.12.1999 - Escritura de constituição da SLN Imobiliária:
Da mesma resulta a nomeação a 14.12.1999:
- do arguido LC… como Presidente do Conselho de Administração;
- do arguido FS… como vogal do Conselho de Administração;
- Apenso bancário 81, págs. 24 a 46 – Certidão do registo comercial da SLN, Imobiliária:
Pela apresentação 29/18.01.01 (v. pág. 28 da certidão) foi registada a cessação de funções do arguido LC…, “por renúncia” em 29.12.2000, precisamente a data na qual se verificaram todos os movimentos indicados supra.
Na mesma data foram designados Presidente e vogal do Conselho de Administração, respectivamente, os arguidos JAu… e LG… (v. mesma certidão, pág. 28; apresentação 30/18.01.01).
- Braga 22 págs. 4 a 7 – Certidão permanente do registo comercial da Sogipart (anterior SLN Imobiliária);
- Braga 22, págs. 13 a 20 – 07.11.2005 - Certidão do registo comercial da Sogipart (anterior SLN Imobiliária);
- Apenso bancário 25 – Conta n.° … da Venice no BPN Cayman, pág. 9 – 29.12.2000 – movimento a débito de 1.823.000.000$00;
- Apenso bancário 61 – Conta n.° … da Camden no BPN Cayman, pág. 23 – 29.12.2000 - Movimento a crédito de 1.823.000.000$00 e a débito de 1.823.000.000$00;
- Apenso bancário 81 – Conta n.° … da SLN Imobiliária, SGPS, no BPN, SA, págs. 13 – ficha de assinaturas de 13.12.1999 da conta em causa:
Nos termos da ficha de assinaturas a movimentação é feita por duas assinaturas entre as de:
- LC…;
- FS… e,
- JAu…;
- Apenso de busca 7, doc. 06.00, pág. 678 ou Braga 22, pág. 2 – 29.12.2000 - 1ª versão do extracto de conta relativo à transferência a crédito da SLN, Imobiliária de 29.12.2000 - 1.823.000.000$00 com origem na Camden;
- Apenso bancário 81 – Conta n.° … da SLN Imobiliária, SGPS no BPN, SA, pág. 91, ou Braga 22, pág. 21 – 29.12.2000 - 2ª versão do extracto relativo à transferência a crédito da SLN Imobiliária (posteriormente redenominada Sogipart) de 29.12.2000 - 623.000.000$00 - nesta versão ainda falta o registo de 1.200.000.000$00 para perfazer o montante global de 1.823.000.000$00, ainda que o saldo final do dia 29.12.2000 seja igual ao do da 1ª versão;
- Apenso 33 – 11\Doc 22\Projecto César Sogipart Camden\Infoextracto _ JR _ 050209 .xls (Extracto_ALL) ou Braga 22, pág. 22 – 3ª versão (o utilizador que registou os movimentos em questão foi, note-se, o RP…) do extracto relativo à transferência a crédito da SLN Imobiliária de 29.12.2000 - 1.200.000.000$00 + 623.000.000$00 - nesta versão já aparecem os dois movimentos cuja soma é € 1.823.000.000$00; as partes com sublinhado amarelo são da nossa autoria, o que foi feito em ordem a facilitar a visualização:
- Apenso de busca 7, doc. 36.02, págs. 49 e 50 ou Braga 22, págs. 24 e 25 - Extracto da conta Camden no BPN CAYMAN (conta n.° …) com anotações manuscritas de LC…, entre as quais se nota “Ven” (VENICE) em 3 créditos e “SLN” e “SLN IMOB” em alguns débitos;
- Apenso de busca 13, vol. 4, fls. 1670 a 1683, págs. 82 a 88 (84) – 29.09.2002 - Apontamentos manuscritos de IM… de reunião da Planfin onde vem referida a presença (canto superior direito) de LCC, LA, LM e IMC (arguido LC…, LAl…, LM… e IM…) que versa, além do mais, sobre a “reconstituição da SLN Imob. 2000/2001 Movimentos financeiros” (pág. 82 pdf), os “valores a corrigir conta DO Imob. Transf da Camden 1.823.000.000” (pág. 83 pdf) e “29.12.2000 Alteração DO/extracto pa BP” (pág. 84 pdf), ou seja, alteração do extracto de 29.12.2000 para o Banco de Portugal, sendo que nesta última pág. vem ainda uma referência ao valor de “623.000.000” com a referência “suprimentos”;
- Autos principais, vol. 101, fls. 33151 e 31152, págs. 231 a 242 ou CD BPN, vol. 101, fls. 32913, SLN Imobiliária, págs. 13 a 24 - Extractos da conta da Sogipart (anterior SLN Imobiliária no BPN, SA), impressos em 29.04.2002 e 07.10.2002, ou seja, antes da reunião a que aludem os cadernos, com anotações manuscritas e valores “riscados” no extracto e nova numeração dos movimentos de modo manuscrita e esquema da alteração dos movimentos manuscrito por LC…, o que foi confirmado pela testemunha AJo… em sede de Julgamento;
-   Apenso 33–1AnexoA\TRAT\3\TOZE#2\DOCS\TOZE\#2\Admnistração \Banco de Portugal\ - Inspecção 2004\-2005\OffShores\Operação Camden – Nova Camden\ Operação Camden Capital Corporation ou Braga 22, págs. 26 a 33 – Resumo da “Operação Camden Capital Corporation” feito por RP… (note-se que na 3ª versão do referido extracto na coluna “utilizador” está mencionado o seu nome à frente de todas as operações), que aborda as alterações realizadas nos registos das contas da SLN Imobiliária onde se diz expressamente “A operação foi alterada para que a origem dos fundos não fosse a Venice, bem como para não mostrar a Camden, cujo extracto foi dado ao BdP sem que nele constassem estes movimentos”.
Cabe ainda referir relativamente a este ficheiro que resulta das respectivas propriedades informáticas que o mesmo foi criado a 3.11.2002 e guardado pela última vez a 2.12.2002, i.e., depois da impressão dos extractos acabados de referir que continham as partes manuscritas do LC… e depois da identificada reunião que foi levada a cabo na Planfin a 29.9.2002 (v. propriedades informáticas a pág. 33 pdf do Braga 22);
- Apenso de busca 13, vol. 3, fls. 1302 e 1303, págs. 296 e 297 – 15.01.2002 – Apontamento manuscrito de IMC nos seus cadernos que diz: “O Banco de Portugal tem todos os elementos/o q temos de omitir é a Venice” e, mais à frente, a propósito de um outro assunto: “AF… vai verificar qual a história q se contou ao Banco de Portugal”;
Os elementos probatórios enunciados confirmam integral e objectivamente os factos 516° e 517° da pronúncia (v. factos provados 491 e 492).
Quanto à participação subjectiva:
Apesar de a prova ser inequívoca, o arguido LC… confessou em julgamento os factos 304° a 308° da pronúncia, designadamente todos os movimentos financeiros, bem como a participação do arguido OC….
Exclui, no entanto, a participação nesses factos do arguido FS… referindo apenas, quanto ao mesmo, que na qualidade de vogal do Conselho de Administração da SLN Imobiliária concordou com a subscrição da quota de 3 milhões de euros na SLN Valor da parte da SLN Imobiliária.
O arguido FS… negou, em julgamento, a sua participação nestes factos.
Não convenceu o Tribunal.
Considere-se que a propósito dos movimentos financeiros/bancários que ocorreram com data-valor de 30.12.2000 e que acabamos ver no âmbito do tema “cessão de créditos”, o arguido declarou que sabia, à data dos factos, que foi utilizada a Venice para fazer a transferência para Camden.
Ora, não se vê como poderia ter conhecimento da utilização da Venice para esse efeito (pagamento das “cessões de créditos”) e já não ter conhecimento do uso da mesma entidade offshore para financiar a aquisição da quota da SLN, Valor, realizada por uma sociedade da qual era administrador, a SLN Imobiliária, quando, também é certo, os movimentos bancários respectivos ocorreram no dia anterior (29.12.2000), transitando pela conta da SLN Imobiliária, para a qual o arguido tinha poderes de movimentação e era movimentada com a assinatura de duas pessoas.
O seu conhecimento e participação, além do mais, é uma consequência lógica das funções que então exercia (administrador da SLN Imobiliária; “chefe de gabinete e “braço direito” do arguido OC…).
Quanto à participação do arguido OC… a mesma não pode deixar de ser considerada como inequívoca.
A Venice, como vimos supra, funcionava como “central de custos”/”saco azul” do grupo SLN/BPN do qual o arguido OC… era o principal responsável.
A SLN Valor (note-se que estamos a falar da subscrição do capital social da SLN Valor) visava servir de veículo de blindagem do grupo e também da SLN SGPS, sendo certo que o arguido era o Presidente do Conselho de Administração desta última e outorgou o contrato de sociedade daquela.
Participou ainda com uma quota inicial de € 500.000,00 no capital social da SLN Valor.
A imputação na participação dos factos que lhe é feita pelo arguido LC… mais do que razoável, apresenta-se como manifestamente verosímil e séria, até porque é a que resulta da conjugação do que acaba de se referir com regras da experiência comum e da lógica.
Relativamente aos arguidos LM… e LAl… os elementos probatórios indicam que o seu conhecimento dos factos reportam a finais do ano de 2002.
Assim, tendo os factos em apreciação ocorrido em finais de 2000 e não havendo outras provas, documentais ou por declarações de testemunhas, das quais se possa concluir pela sua participação, a matéria em referência, quanto aos mesmos, tem de se considerar não provada (v. facto não provado 153).
No que concerne ao facto 518° da pronúncia (v. facto provado 493), a análise de todas as operações descritas até ao momento permite concluir, em suma, que até final de 2000 a conta da Camden foi financiada pela Venice para realização de diversas operações no montante total de 8.456.000.000$00 correspondente às operações parcelares de 4.000.000.000$00 + 1.029.338.316$00 + 1.602.739.204$00 + 1.823.000.000$00, equivalente a € 42.178.360,18 (€ 19.951.915,88 + € 7.994.429,45 + € 5.134.317,87 + € 9.093.085,66).
*
Regressando aos factos da pronúncia, entra-se num novo tema em que são descritos factos em que não há “saque” de fundos da Venice, antes ocorrem pagamentos a esta entidade offshore por outras 8 sociedades offshore (Acle, Jamaki, Kemusa, Marton, Quila, Rador, Ricia e Zala) –
No final do ano de 2002, designadamente no mês de Dezembro, a conta n.° … titulada pela offshore Venice no BPN Cayman tinha um descoberto muito elevado, de cerca de 160 milhões de euros:
- CD vol. 13 (conta identificada da Venice, no BPN Cayman) – sublinhado amarelo nosso:
Nesse descoberto estava incluído, como vimos, o montante de € 42.178.350,19 a que aludem os factos 518° e 519° da pronúncia (v. factos provados 493 e 494).
Nessa altura, por um lado, como vimos supra na matéria atinente ao Banco Insular, o grupo SLN/BPN já dispunha desta instituição bancária para se continuar a financiar e, por outro, já havia desaparecido o referido efeito de criação fictícia de fundos na conta da Venice mediante o resgate de depósitos a prazo de clientes de Cayman, circunstância que evidenciava o seu volumoso descoberto.
Face ao enorme descoberto da conta da Venice no BPN Cayman que, além do mais, espelhava a utilização dos cerca de 42 milhões de euros a “saque” daquela entidade nas operações supra descritas (v. resumo facto 518° da pronúncia e facto provado 493 da pronúncia) procedeu-se, então, em 29.11.2002 (operação n.° 73584986) e 13.12.2002 (operação n.° 73585176), à sua cobertura, mediante créditos no montante global de € 42.201.303,50 concedidos pelo Banco Insular (novo instrumento de mobilização de fundos entretanto obtido) às seguintes oito sociedades offshore, todas tendo por último beneficiário a Marazion, ou seja, o grupo BPN/SLN:
Declarações de trust (docs. que igualmente servem de suporte probatório aos factos 486° a 489° da pronúncia; v. factos provados 461 a 464 da pronúncia):
Acle Holdings Inc (Belize):
- Autos principais, vol. 72, fls. 24526 e 24529, págs. 118 e 121 pdf, ou apenso temático I, vol. 3, págs. 7 a 12 – 1.10.2002 - Declarações de trust relativas à Acle ,que certificam como último beneficiário a Marazion (v. tb. tradução do certificado de  acções a fls. 42158 do vol. 134 do processo);
Jamaki Trading Ltd (Ilhas Virgens Britânicas):
- Autos principais, vol. 71, fls. 24325 e 24328, págs. 256 e 258 pdf, ou apenso temático I, vol. 3, págs. 140 a 145 – 01.10.2002 – Declarações de trust relativas à Jamaki, que certificam como último beneficiário a Marazion, bem como os certificados de incorporação (v. tradução a fls. 42224 e 42225 do vol. 134 do processo);
Kemusa Holdings LLC (Wyoming – EUA):
- Autos principais, vol. 71, fls. 24363 e 24366, págs. 296 e 299, pdf ou apenso temático I, vol. 3, págs. 170 a 175 – 20.05.2002 – Declarações de trust relativas à Kemusa, que certificam como último beneficiário a Marazion (v. tradução a fls. 42239 a 42241 do vol. 134 do processo);
Marton Investments Inc. (Belize):
- Autos principais, vol. 72, fls. 24556 e 24559, págs. 152 e 155 pdf, ou apenso temático I, vol. 3, págs. 209 a 214 – 1.10.2002 – Declarações de trust relativas à Marton, que certificam como último beneficiário a Marazion (v. tradução a fls. 42258 a 42260 do vol. 134 do processo);
Quila Holdings Ltd (Belize):
- Autos principais, vol. 71, fls. 24403 e 24406, págs. 337 e 340 pdf, ou apenso temático I, vol. 3, págs. 281 a 285 – 16.01.2002 – Declarações de trust relativas à Quila, que certificam como último beneficiário a Marazion (v. tradução a fls. 42295 a 42296 do vol. 134 do processo);
Rador Limited (Ilhas Virgens Britânicas):
- Autos principais, vol. 72, fls. 24443 e 24436, págs. 23 e 26 pdf, ou apenso temático I, vol. 3, págs. 286 a 292 – 1.10.2002 – Declarações de trust relativas à Rador, que certificam como último beneficiário a Marazion (v. tradução a fls. 42298 e 42299 do vol. 134 do processo);
Ricia Investments Inc (Belize):
- Autos principais, vol. 72, fls. 24587 e 24590, págs. 185 e 188 pdf ou apenso temático I, vol. 3, págs. 305 a 310 – 1.10.2002 - Declarações de trust relativas à Ricia, que certificam como último beneficiário a Marazion (v. tradução do certificado de acções a fls. 42310 do vol. 134 do processo);
Zala Holdings Ltd (Belize):
- Autos principais, vol. 72, fls. 24461 e 24464, págs. 52 e 55 pdf, ou apenso temático I, vol. 3, págs. 379 a 384 – 20.05.2002 - Declarações de trust relativas à Zala, que certificam como último beneficiário a Marazion (v. tradução a fls. 43352 a 42354 do vol. 134 do processo);
A propósito dos últimos beneficiários destas sociedades, tenha-se ainda em consideração o seguinte documento:
- Apenso 33 - 10\TRAT\1\PC.Dr. P… \DOCS\C\ Documents and Settings\g003314 \Os meus documentos\proj César \fichas\.xls ou apenso temático AL, anexo 16, págs. 145 a 168 – Fichas elaboradas no âmbito do Projecto César das sociedades offshore Marazion (SLN, SGPS), Acle, Jamaki, Kemusa, Marton, Quila, Rador, Ricia, Zala, Aniola e Camden, as quais indicam que cada uma destas sociedades tem por último beneficiário a Marazion;
Os créditos concedidos pelo Banco Insular a estas oito sociedades offshore, operacionalizados através de c/c/c (contas correntes caucionadas) sem a prestação de quaisquer garantias, foram depois transferidos pelas operações n.° 73584986 de 29.11.2002 e n.° 73584986 de 13.12.2002, e, após triangulação pelo banco ABN de Amesterdão, creditados na conta da Venice no BPN Cayman, primeiro em 11 e 12.12.2002 e, depois, em 16 e 20.12.2002.
Os valores dos créditos concedidos a cada uma das sociedades são os seguintes:
- Apenso bancário 93 – Conta da Acle no Banco Insular; - Apenso bancário 102 – Conta da Jamaki no Banco Insular; - Apenso bancário 86 – Conta da Kemusa no Banco Insular; - Apenso bancário 95 – Conta da Marton no Banco Insular; - Apenso bancário 84 – Conta da Quila no Banco Insular; - Apenso bancário 91 – Conta da Rador no Banco Insular;
- Apenso bancário 89 – Conta da Ricia no Banco Insular; - Apenso bancário 87 – Conta da Zala no Banco Insular;
Ou, CD, vol. 13 – sublinhado amarelo nosso:
(i) Acle – conta n.° … no Banco Insular, aberta a 22.11.2002 (€
1.073.549,08 + € 2.483.180,07= € 3.556.729,15 €);
(ii) Jamaki – conta n.° … no Banco Insular, aberta a 22.11.2002 (€ 2.126.399,48 + € 2.378.045,67 = € 4.504.445,15):
 (v)Quila - conta n.° … no Banco Insular, aberta a 22.11.2002
(€ 2.121.946,85 + € 6.886.943,45 = € 9.008,890,30):
(vi)Rador – conta n.° … no Banco Insular, aberta a 22.11.2002 (€ 2.014.439,15 + € 2.490.006,00 = € 4.504.445,15):
(vii)Ricia - conta n.° … no Banco Insular, aberta a 22.11.2002 (€ 1.059.557,80 + € 2497.171,35 = € 3.556.729,15):
(viii)Zala – conta n.° … no Banco Insular, aberta a 22.11.2002 (€ 2.054.516,54 + € 2449.928,61 = € 4.504.445,15):
Note-se que o circuito dos fluxos financeiros correspondentes às operações 73584986 e 73585176 iniciou-se nas c/c/c (contas correntes caucionadas) destas 8 sociedades offhore no Banco Insular e passaram, como vimos, para as respectivas contas à ordem.
Daí, passaram para a conta do Banco Insular “Nostro Cayman” (v. CD, vol. 13) – sublinhado amarelo nosso:
Movimentos de 29.11.2002 (operação 73584986):
 E, quando podiam perfeitamente ser transferidos directamente para a conta da Venice em Cayman, em vez disso foram triangulados com o Banco ABN Amsterdam:
- Apenso 33: 11\CD Dados 2\Grupo\AE-23_2008\Anexos Clientes\ELEMENTOS SOLICITADOS EM 09-10-2008\ZZ_FLUXOS CLIENTES GLOBAL 09-10-2008.xls (v. folhas “Fluxos a justificar – base” e “DOP – UTC”) – em todas as transferências aparece a indicação “Target BPN Cayman – ABN Amsterdão”;
Por fim, com data-valor de 11, 12, 16, 18, 19 e 20.12.2002, foram transferidos para a conta n.º … da Venice no BPN Cayman, reduzindo o seu descoberto nos valores correspondentes:
- Apenso bancário 25 – Conta da Venice no BPN Cayman – v. movimentos a crédito nas data indicadas;
Ou CD, vol. 13 (sublinhado amarelo nosso):
 - Processo, vol. 71, fls. 24316 e segs., págs. 247 a 251 pdf – 21.11.2002 – Aprovação do crédito no Banco Insular e contrato de mútuo Banco Insular/Jamaki (4.550.000,00 €) – há também documentação sobre a abertura de contas;
- Processo, vol. 71, fls. 24.352 e segs., págs. 283 a 288 pdf – 21.11.2002 – Aprovação do crédito no Banco Insular e contrato de mútuo Banco Insular/Kemusa (9.100.000,00 €) - há também documentação sobre a abertura de contas;
- Processo, vol. 71, fls. 24393 e 24395 e segs., págs. 327 a 332 pdf – 21.11.2002 – Aprovação de crédito no Banco Insular e contrato de mútuo Banco Insular/Quila (9.100.000.00 €) - há também documentação sobre a abertura de contas;
- Processo, vol. 72, fls. 24.425 e segs., págs. 10 a 18 pdf – 21.11.2002 – Aprovações do crédito no Banco Insular e contrato de mútuo Banco Insular/Rador (4.550.000,00 € com alteração em 15.04.2003 – passou a 4.700.000,00 €) - há também documentação sobre a abertura de contas;
- Processo, vol. 72, fls. 24.453 e segs., págs. 42 a 47 pdf – 21.11.2002 – Aprovação de crédito no Banco Insular e contrato de mútuo Banco Insular/Zala (4.550.000,00 €) - há também documentação sobre a abertura de contas;
- Processo, vol. 72, fls. 24.516 e segs., págs. 79 a 82 e 108 a 113 pdf – 22.11.2002 – Aprovações de crédito no Banco Insular e contrato de mútuo Banco Insular/Acle (4.550.000,00 €) com alteração em 15.04.2003 – passou para 4.950.000,00 € - há também documentação sobre a abertura de contas;
- Processo, vol. 72, fls. 24.551 e segs., págs. 136 a 147 pdf – 22.11.2002 – Aprovações de crédito no Banco Insular e contrato de mútuo Banco Insular/Marton (4.550.000,00 €) com alteração em 15.04.2003 – passou para 4.600.000,00 € - há também documentação sobre a abertura de contas;
- Processo, vol. 72, fls. 24.579 e segs., págs. 170 a 180 pdf – 22.11.2002 – Aprovações de crédito no Banco Insular e contrato de mútuo Banco Insular/Ricia (4.550.000,00 €) com alteração em 30.05.2003 – passou para 4.800.000,00 € - há também documentação sobre a abertura de contas;
Em termos operativos/bancários os empréstimos tiveram a sua origem na DOP (Direcção de Operações) do BPN, S.A.:
- Apenso 33: 1-Anexo A\CAIXAS CORREIO\TRAT\3\TOZE#2\CAIXAS DE CORREIO\6 A_ATDUAR.NSF\($Sent-Drafts)\Re- Banco Insular.msg;
- Apenso 33: 1-Anexo A\CAIXAS CORREIO\TRAT\2\Portatil\CAIXAS DE CORREIO\4 a_atduar.pst\Sent Items\Contratos-1ªParte.msg;
- Apenso temático AL, anexo 20, fls. 160 a 162, págs. 180 a 182 pdf;
1) 21.11.2002 – mail de AJo… para RP… no qual aquele informa “aqui estão os financiamentos”, seguindo-se um mail, na mesma data, de RP… para IS… pelo qual solicita que sejam efectuados “os financiamentos no Banco Insular” e pede para “elaborar os contratos (...), considerando financiamentos com inicio hoje (...)”;
2) 22.11.2002 – mail de AJo… para M, pelo qual lhe envia um ficheiro com a minuta do contrato e pede que carregue “cada contrato com os dados que te passo a indicar”, o que faz, no mesmo mail, indicando os dados das sociedades offshore Kemusa, Quila, Zala, Rador e Jamaki, montantes a financiar, taxa e data do contrato;
Em termos de suporte probatório é de ter também em consideração a seguinte documentação:
- Apenso temático AL, anexo 19, págs. 178 e 179 pdf – print das duas operações que consubstanciaram os financiamentos de 29.11.2002 e 13.12.2002 das oito sociedades offshore com empréstimos no Banco Insular que foram para a conta da Venice no BPN Cayman;
- Apenso temático AL, anexo 22, págs. 231 a 256 (projecto César) – Mapas de operações bancárias das oito sociedades que efectua as reconciliações bancárias;
- Apenso temático AL, anexo 23, fls. 234 e 235, págs. 258 e 259– Mapa de apuramento das dívidas bancárias das oito sociedades;
- Apenso temático Z, vol. 1 – Banco Insular - fls. 17 a 20, págs. 17 a 20 – 25.10.2002 - Acta n.º 44 da reunião do conselho de administração do Banco Insular datada de 25.10.2002 com a aprovação dos créditos às 8 sociedades, com a presença do arguido JV…;
- Apenso temático AL, anexo 18, fls. 153 a 157, págs. 172 a 176 pdf – 29.11.2002 (data em que se iniciaram os movimentos bancários supra referidos) - Cartas dos fiduciários, em representação das sociedades offshore, solicitando ao Conselho de Administração do Banco Insular “a concessão de financiamento, a fim de financiarmos os investimentos da nossa afiliada (...)”; - docs. em inglês; v. tradução fls. 43534 a 43544 do vol. 138 dos autos principais;
Em síntese (factos objectivos):
O valor global dos empréstimos concedidos pelo Banco Insular às 8 sociedades offshore no montante global de € 42.201.303.50 correspondeu, sensivelmente, ao valor global despendido pela Camden (€ 42.178.350,18) com a SLN, Imobiliária nos seguintes termos (matéria já analisada supra):
(i) Pagamento da primeira prestação do preço de compra da SLN Imobiliária pela CAMDEN (2.000.000.000$00);
(ii) Pagamento do preço das cessões de créditos da SLN e da SLN, Imobiliária (2.633.000.000$00);
 (iii) Pagamento dos suprimentos à SLN Imobiliária (1.823.000.000$00);
(iv) Pagamento da segunda prestação do preço de compra da SLN Imobiliária (2.000.000.000$00);
Pagamentos estes que perfazem o total de 8.456.000.000$00, o equivalente a € 42.178.350,18.
Note-se, finalmente, que o crédito concedido àquelas oito sociedades offshore foi inicialmente registado no balcão 2000 do Banco Insular tendo, em 2003, sido acantonado no balcão 2001, então aberto, e jamais foi pago:
- Apenso temático AL, anexo 20, fls. 205, pág. 226 pdf – 15.04.2003 – E-mail de RP… para IS… com indicação para transferir para o balcão virtual (“BI Off”) os empréstimos daquelas oito sociedades offshore;
E resulta, de facto, da análise dos extractos de conta destas sociedades (v. CD, vol. 13), que precisamente nessa data (15.4.2003) foram abertas as respectivas contas no balcão 2001, abertas também novas contas corrente caucionadas, pagas as contas correntes caucionadas no balcão 2000 e transferidos os créditos deste para aquele balcão.
Ademais, não se olvide, como já vimos, que o balcão 2001 (“virtual”) não era objecto de qualquer consolidação nem reporte às autoridades de supervisão.
Analisados os factos e elementos probatórios do ponto de vista objectivo, falta a análise da imputação factual subjectiva.
Ora, neste âmbito, excluindo, em parte, a arguida IC…, nenhum dos restantes arguidos quis assumir qualquer responsabilidade.
O arguido LM… negou qualquer tipo de participação, decisão ou intervenção.
No mesmo sentido foi o arguido LAl….
O arguido VM… também declarou que não teve qualquer tipo de decisão ou conhecimento na montagem das operações, explicando que a sua “participação” foi “aquela que já referiu” a propósito de todas as operações de crédito do Banco Insular, ou seja, a montagem da operação foi feita pelo BPN e a sua intervenção era puramente de registo, de lançar a operação no livro de actas, ver se estava devidamente documentada e obter a garantia sob a forma de put-option, não sabendo nada quanto aos contornos que estavam subjacentes a estas operações de crédito.
O arguido FS… declarou que não participou na decisão de diminuir o descoberto da Venice, não conhecia o montante deste descoberto, e só teve conhecimento posterior, após os financiamentos terem ocorrido, que estas sociedades tinham sido criadas para substituir o financiamento que tinha sido indicado ao Banco de Portugal como sendo dos accionistas donos da Camden.
Mais declarou que só teve conhecimento disso através de uma conversa com colaboradores da área das operações, designadamente RP… e AJo…..
Por sua vez, o arguido LC… declarou que, à data dos factos, não passou por ele qualquer decisão, participação ou intervenção nestes factos e que só teve conhecimento deles depois de terem ocorrido, na sequência de uma reunião com o administrador MNe….
Ou seja, teve conhecimento dos movimentos financeiros daquelas 8 sociedades, no mesmo ano, mas após terem ocorrido.
Em resumo:
Nenhum admitiu a participação nos factos analisados.
O que é indubitável é que eles ocorreram e não foi certamente por iniciativa/decisão dos operacionais da Direcção de Operações (DOP) do BPN, S.A., designadamente RP… (subdirector) e AJo… (operacional), que tiveram lugar.
Já a arguida IC… clarificou um pouco os acontecimentos.
Com efeito, declarou que uns meses antes de uma reunião que se realizou na Planfin a 28.11.2002, a constituição de algumas destas sociedades havia sido solicitada por RP…, o que foi confirmado junto do arguido OC….
Na altura, em que tal foi solicitado, não souberam qual era a finalidade da constituição destas sociedades.
Posteriormente, no dia 28.12.2002, MNe… deslocou-se ao escritório da Planfin a uma reunião onde estiveram presentes a arguida, o arguido LC…, RP… e AG…, este último, entrando na mesma posteriormente.
Nessa reunião, como explicou a arguida, MNe… disse-lhe que, face à rescisão do protocolo, era preciso desfazer as operações iniciais da Sogipart, ou seja, libertar o financiamento que tinha sido feito aos accionistas quando estes adquiriram a SLN Imobiliária, o mesmo é dizer, libertar o valor que havia saído da Venice. Informando também MNe… que essas 8 sociedades iam obter financiamento junto do Banco Insular e que com estes financiamentos os accionistas iam pagar a dívida que tinham contraído junto dos seus bancos e libertar os fundos da Venice que estavam a servir de garantia.
Inquirida, a testemunha AG… (advogado e, na altura, trabalhador/colaborador da Planfin) declarou recordar-se que o MNe… foi às instalações da Plafin a propósito da documentação necessária para a abertura de crédito de várias sociedades no Banco Insular.
Recorda-se ainda de ter ocorrido uma reunião no escritório onde estiveram presentes MNe…, LC…, IC… e a testemunha a propósito deste assunto.
Esclareceu, por fim, que quem pediu as operações foi o MNe…, mas o arguido LC… estava presente, ouviu tudo e não se opôs.
Curiosamente, a testemunha MNe… inquirida sobre estas operações declarou não se recordar das mesmas.
Não se deixa igualmente de anotar que a mesma testemunha só no dia seguinte, 29.11.2002, é que foi nomeado administrador da SLN SGPS (v. certidão do registo comercial - doc. constante do vol. 11º dos autos principais, págs. 4323 a 4350).
No entanto, dir-se-á:
Tomando por verdadeira a versão da arguida IC… e da testemunha AG… (ocorrência da reunião e pedido de MNe…) o que é um facto é que na reunião foi tudo explicado e todos os presentes ficaram ao corrente do pretendido.
Acresce que, nessa data (28.11.2002), quem já era efectivamente administrador da SLN SGPS e tinha poderes para a vincular e sobre ela decidir, era o arguido LC….
É certo que a arguida IC…, uma vez mais, no âmbito da explicação que lhes foi dada pelo MNe…, referiu que as 8 sociedades iam obter financiamento junto do Banco Insular e que com estes financiamentos os accionistas iam pagar a dívida que tinham contraído junto dos seus bancos e libertar os fundos da Venice que estavam a servir de garantia.
Ou seja sustentou, novamente, a versão – já refutada supra – de que os fundos que inicialmente tinham saído da Venice serviram de colateral aos alegados créditos que os accionistas tinham obtido junto dos seus bancos.
Porém, esqueceu-se que nesta altura já tinham passado cerca de dois anos sobre a saída inicial dos fundos e, como sempre, não havia quaisquer sinais, em termos documentais, dos alegados créditos dos accionistas junto dos seus bancos, nem do colateral/garantia dos fundos saídos da Venice.
Olvida também que não faz qualquer sentido substituir alegados financiamentos dos accionistas nos seus bancos nacionais por outros tantos em nome de sociedades offshore num banco sediado em Cabo Verde.
Mais a mais quando essa substituição ia ser feita pelo valor inicial em dívida, o que pressuponha que os accionistas nunca tinham pago qualquer capital dos empréstimos que alegadamente obtiveram junto dos seus bancos, e sem que, apesar disso, ao fim de dois anos, tivesse sido accionada a garantia/colateral da Venice!
Mais ainda, quando os accionistas eram cinco e os empréstimos que deviam ser solicitados ao Banco Insular era para oito sociedades offshore, sociedades estas cujo último beneficiário era a Marazion e não os accionistas.
Complementarmente é, ainda de notar o seguinte:
Foi a Planfin que disponibilizou todas as identificadas sociedades offshore que, conforme declarações de trust juntas aos autos, tinham por último beneficiário a Marazion.
Os contratos de abertura de contas estão assinados pelos fiduciários, mas não estão datados.
Os financiamentos foram todos aprovados em acta da reunião do Conselho de administração do Banco Insular n.º 44 de 25.10.2002, acta que foi assinada pelo arguido JV… e JN….
Os contratos de mútuo estão assinados pelo arguido JV… e JN…, em representação do Banco Insular, e pelos fiduciários, em representação das sociedades offshore, estando datados de 21.11.2002, nos casos da Jamaki, da Kemusa, da Quila, da Rador e da Zala, e de 22.11.2002 nos casos da Acle, da Marton e da Ricia.
Todavia, as procurações dos fiduciários, passadas a favor da arguida IM… e de AG…, designadamente para abrir as contas no Banco Insular mostram-se datadas de 04.12.2002:
- Autos principais, vol. 105, fls. 34050, págs. 5 e seguintes – 04.12.2002 - Procurações dos fiduciários (originais em inglês acompanhadas das correspondentes traduções), relativas à Jamaki, Kemusa, Acle, Ricia, Rador e Quila a favor da arguida IM… e AG…;
Não se olvida que dos autos consta (v. Apenso 33 – 30\283\1\ G… \Offshores \Memo Abertura de créditos ou apenso Z, vol. 2, págs. 140 e 141 ou apenso temático AL, anexo 21, págs. 228 e 229) um Memorando da Planfin (AG…), datado de 04.12.2002, dirigido ao conselho de administração da SLN (à atenção de JMN…), relativo à abertura de contas e empréstimos, designadamente às 8 sociedades offshore, com expressa referência à reunião de 28.11.2002, em que estiveram presentes os arguidos LC… e IC… e também com o parecer de que os contratos de mútuo deveriam ser assinados pelos directores das sociedades.
No entanto, este memorando era completamente irrelevante e inócuo.
Com efeito, naquela data (04.12.2002) as operações bancárias já estavam todas executadas, o que ocorreu, como vimos, a 29.11.2002, portanto, MNe… já não podia decidir nada a este respeito, a não ser aprovar a assinatura dos contratos de mútuo pelos fiduciários.
Circunstancialismo que nos leva para a zona de decisão e participação:
Os elementos probatórios referenciados permitem concluir, sem mais, que os arguidos LC… e IC… tinham pleno conhecimento dos objectivos propostos com esta operação.
Adicionalmente tenham-se ainda em conta os seguintes elementos probatórios relevantes:
A testemunha AJo… pronunciando-se sobre esta matéria, em resumo, declarou:
Em Novembro de 2002 estas sociedades entregaram uma carta a pedir um financiamento no Banco Insular para comprar a Camden.
Foi concedido o empréstimo e o mesmo destinou-se a pagar à Venice em BPN Cayman.
Nesta data, deixou de haver qualquer dívida da Venice, e a mesma passou a estar concentrada nestas sociedades.
Não foi prestada qualquer garantia por estas sociedades.
Recebeu instruções de RP… para fazer grande parte destas operações.
As cartas foram assinadas pelos fiduciários e as procurações deram poderes a IC… e AG….
Não tem dúvidas que as ordens vieram de OC… e LC…, porque as operações estavam na égide da SLN, estas sociedades são detidas pela Marazion, pelo que nenhum administrador do BPN podia dar ordens para se fazerem estas operações.
Em 2009 os créditos passaram para o BPN e em 2010 passaram para a Parvalorem, sendo certo que os créditos, ainda no âmbito do Banco Insular, passaram do balcão 1 para o balcão 2.
Em termos documentais:
- Apenso de busca 13, vol. 4, fls. 1811 a 1820, págs. 218 e 227 – cadernos da arguida IM… – anotação do dia 25.11.2002, ou seja, antes de ocorrem os identificados movimentos bancários, do seguinte teor: “KEMUSA, KILA, ZALA – solicitadas p caso o Banco de Portugal perguntar sobre os 2.000 cts da Imobiliária/Repartiam o financia/to por estas 3”.
Com é óbvio, não se fala em qualquer financiamento dos 5 accionistas nos seus bancos nem se alude a qualquer financiamento da Venice que sirva de colateral/garantia àqueles financiamentos.
O manuscrito é claro e esclarecedor.
Nessa data, quatro dias antes de as operações bancárias ocorrerem, a arguida IC… estava perfeitamente consciente de que se visava substituir o alegado financiamento da Venice por outros 3 financiamentos às sociedades Kemusa, Kila e Zala, e isto para o caso de o Banco de Portugal perguntar sobre os 2.000 às da Imobiliária que, como vimos, tinham tido a sua origem na Venice.
- Apenso de busca 13, vol. 3, págs. 386 e 387 pdf – cadernos da arguida IM… - vol. 3, págs. 386 e 387 – 28.11.2002 - Nota manuscrita de reunião interna com “LCC”, i.e., o arguido LC…, que sobre o tema Operações Novembro em 2) refere “financiamento de 44M euros no BI+juros 7.150.182,00 € 20% Kemusa, 20% Quila,10% Zala,10% Rador Ricia 10% Acle 10% Marton 10% Jamaki Aniola”;
Vale o exposto por dizer que três dias depois do último apontamento mencionado e um dia antes de ocorrerem os movimentos bancários, os arguidos LC… e IM…, além de saberem o propósito do financiamento a atribuir a estas sociedades offshore no Banco Insular, tinham pleno conhecimento dos termos em que ia ser feita a repartição do financiamento por cada uma das sociedades e o valor total dele, valor este que era aproximado ao valor global despendido pela Camden com a SLN Imobiliária (cerca de 42 milhões de euros).
Acresce que os objectivos do financiamento estão plasmados no documento constante dos autos principais, vol. 17, fls. 6643, pág. 43 pdf, ou apenso temático AL, fls. 152, pág. 170 pdf, com o título “Financiamentos a efectuar por BINSULAR Off-shores Grupo” no qual, à frente das identificadas 8 sociedades, consta: “liquida dívida referente à transferência de 2,6 Mcts e 823 mcts, faltando juros e parte dos 4 Mcts da aquisição da Sogipart”, o que corresponde aos objectivos que temos vindo a evidenciar ao longo desta motivação.
Este documento tem, como admitido pelo próprio, anotações escritas pelo arguido LC….
Confrontado inicialmente com o mesmo, a instâncias do Tribunal, declarou que foi exibido na reunião com MNe…, reunião na qual este foi pedir apoio à Planfin na questão da transferência dos créditos que estavam em Cayman para o Banco Insular.
Posteriormente, alterou um pouco a versão, declarando que não ordenou estas operações, nem deu indicação de valores e que se os movimentos foram feitos, eles foram anteriores à reunião.
Esqueceu, porém, três pontos que colocam em crise a sua versão:
1°) A reunião com o MNe… ocorreu a 28.11.2002, i.e., antes de serem executados os movimentos bancários analisados supra;
2°) O documento em causa não alude a financiamentos efectuados mas, outrossim, a “Financiamentos a efectuar por BINSULAR Off-shores Grupo”;
3°) A última coluna do documento diz respeito ao “futuro”, constando na parte referente a cada uma das sociedades “aumentar linha para EUR (...)”, querendo-se significar aumentar a c/c/c (conta corrente caucionada), sendo que se indicam os valores para os quais devem ser aumentadas as contas correntes caucionadas de cada uma das sociedades. Ora, os montantes constantes do documento vieram, na verdade, a ser objecto de empréstimos através de contas correntes caucionadas, mas nas datas de 21.11.2002 e 22.11.2002, seguindo-se, então, os movimentos bancários analisados supra;
Por fim, consta dos autos, a fls. 33151 e 33152 (págs. 240 e 241 pdf) do vol. 101, um documento manuscrito da autoria confessa do arguido LC… que consiste num “esquema” da maior parte dos movimentos aqui analisados.
É certo que o arguido, confrontado com o mesmo, declarou que esse documento é um apanhado dos movimentos efectuados e não ordens dos movimentos a efectuar, referindo igualmente que fez isso para perceber e ter o ponto da situação onde estavam as dívidas.
Percebe-se a versão do arguido, mas não se apresenta como verosímil.
Por um lado, o arguido, como vimos, estava perfeitamente ao corrente dos movimentos efectuados ao longo dos anos.
Por outro, não é lógico ou credível que o arguido, administrador da SLN, se desse ao trabalho de “manuscrever” os movimentos efectuados quando, dentro da Planfin, tinha colaboradores perfeitamente habilitados e capazes para o efeito.
Acresce que uma análise cuidada do teor do documento em questão permite concluir que o mesmo começa pelos últimos movimentos em que são intervenientes as sociedades offshore Kemusa, Quila, Zala, Rador e Jamaki e das transferências delas para entidades terceiras, o que evidencia que se trata de movimentos a efectuar, pois, se assim não fosse e se tratasse dos movimentos bancários/financeiros já efectuados, a lógica levaria a que se iniciasse os movimentos pela base e não pelo fim.
Ademais, sabendo-se que em 2002 ocorreram movimentos, considerando que as partes do documento relativas a esse ano estão sem quaisquer indicações de datas de movimentos, conclui-se que o mesmo foi elaborado antes da data de execução destes, tratando-se por isso os mencionados de movimentos a efectuar, “encabeçados” pelas identificadas sociedades offshore, e não de operações já realizadas.
Por fim, salienta-se ainda que no documento constam várias anotações manuscritas “BP” o que só pode significar Banco de Portugal, ou seja, os movimentos que se pretendiam ver escondidos da entidade de supervisão, logo, movimentos que se pretendiam efectuar e não já efectuados.
De tudo o exposto resulta por parte dos arguidos LC… e IC… um conhecimento total das operações em questão antes de as mesmas ocorrerem, bem como a participação e decisão dos mesmos nos factos em questão.
Acresce que o arguido LC… era, à data, administrador da SLN SGPS, S.A. Assim sendo, considerando a finalidade dos movimentos analisados, não pode ter deixado de participar na definição dos mesmos e na estratégia delineada, até porque aquela sociedade era a cúpula de todo o grupo SLN/BPN.
Quanto ao arguido OC… é manifesta a sua decisão/participação nos factos em questão, atendendo aos objectivos subjacentes aos movimentos/financeiros e às funções por si, então, exercidas, designadamente de Presidente do Conselho de Administração da SLN e do BPN, S.A..
Já vimos, por sua vez, que o arguido FS… teve decisão/participação em todos os movimentos analisados que ocorreram no ano de 2000.
E, veremos, também, que participou em factos (arts. 558° a 563° da pronúncia) relacionados com outros movimentos ocorridos um pouco antes dos presentes.
Ora, os movimentos que temos vindo agora a analisar são uma consequência lógica de todos os anteriores, incluindo os referidos nos arts. 558° a 563° da pronúncia, pelo que, se o arguido participou sempre nos anteriores, não se vislumbra como possa não ter participado a nível de decisão/estratégia nos presentes: Tanto mais quando eles se iniciaram precisamente na data (29.11.2002) em que foi designado administrador da SLN SGPS, S.A. - (v. certidão do registo comercial - doc. constante do vol. 11° dos autos principais, págs. 4323 a 4350).
A participação dos arguidos LM… e LAl… apresenta-se igualmente como inequívoca.
Porém, quanto a eles a análise da imputação factual subjectiva será apenas feita após a análise dos negócios subsequentes (arts. 544° a 557° e 558° a 563°) pois, em relação à factualidade do ano de 2002, só a visão de conjunto e integrada de todas as circunstâncias espelha a evidência da sua participação/decisão.
(…)
Importa ainda esclarecer o seguinte:
Nos termos expostos, o delinear da estratégia considera-se provado quanto aos arguidos OC…, LC…, FS…, LAl… e LM…, cabendo referir que a imputação à arguida IC… é na pronúncia feita a título de colaboração (v. art. 523° da pronúncia).
Apesar do que se acaba de mencionar, tal não significa que a operacionalização dos movimentos seja imputável a todos os arguidos, mas tão só aos arguidos OC…, LC… e FS…, pois que estes é que eram administradores da SLN SGPS, S.A., e, por isso, só eles tinham domínio sobre a operacionalização.
A factualidade em apreço tem, pois, duas componentes:
1) A definição da estratégia/plano, provada em relação aos arguidos OC…, LC…, FS…, LAl… e LM… (v. factos 520° a 522°, 524°, 526° a 529°, 532°, 538° e 539°, 540° e 542° da pronúncia; v. factos provados 495 a 497, 499, 501 a 504, 507, 513 e 514, 515 e 517); e
2) A operacionalização da mesma, demonstrada em relação aos arguidos OC…, LC… e FS… (v. factos 530°, 531°, 533°, 534° da pronúncia; v. factos provados 505, 506, 508, 509);
Por fim, no que concerne ao art. 530° da pronúncia (v. facto provado 505), cabe referir que:
Se houvesse alguma intenção de pagamento dos montantes sacados no âmbito das contas correntes caucionadas abertas a favor das oito sociedades offshore tinham de existir garantias. Procedimento habitual em qualquer crédito bancário que seja concedido, pelo menos nos de valor mais elevado.
No caso, não foram prestadas quaisquer garantias aquando da abertura das c/c/c.
Relativamente às “put option” (cartas de conforto):
(…)
    *
Finalizada que está a análise deste “sub-tema” da pronúncia (519º a 543º), cumpre atender à matéria das contestações que com ele se relacionam.
O arguido LM… limita-se a negar em bloco estes factos da pronúncia, formulando ainda juízos de valor sobre os mesmos (v. arts. 51º e 52º da contestação de fls. 17726 a 17755).
O mesmo fez o arguido LAl… (v. arts. 35º e 36º da contestação de fls. 17756 a 17784).
Por conseguinte, nenhuma das referidas considerações foi vertida na factualidade provada ou não provada.
*
Por sua vez a arguida IC… pronuncia-se sobre a mesma matéria da pronúncia nos arts. 246º a 253º da contestação de fls. 17854 a 17906.
Não foram levados à factualidade provada ou não provada os factos dos arts. 246º e 247º porquanto se limitam a negar parte dos factos da pronúncia.
No que concerne aos restantes:
Como vimos, a actuação da arguida não se resumiu a tomar conhecimento de que as 8 sociedades offshore haviam sido constituídas por determinação da administração do grupo SLN/BPN, nem se vê que as mesmas tivessem por objecto a gestão de participações sociais (art. 248º da contestação; v. facto não provado 55 da contestação).
Com efeito, a actividade dessas 8 sociedades offshore limitou-se à obtenção de financiamentos sob a forma de c/c/c e à transferência dos fundos para a sociedade Venice.
Provado que está que as 8 sociedades offshore foram concebidas para “criar a aparência de repartir o financiamento da Camden” (v. facto provado 496 da pronúncia), necessariamente que não fica demonstrado o alegado pela arguida na al. a) do art. 249º da contestação, nem sequer em termos do invocado “conhecimento”, do qual não se produziu qualquer prova cabal (v. facto não provado 56 da contestação).
Também não está demonstrado (v. facto não provado 57 da contestação) o invocado na al. b) do art. 249° da contestação. Por um lado, porque não houve qualquer negociação das 8 sociedades offshore para obterem financiamento junto do Banco Insular e, por outro, porque esta instituição financeira não era um banco “correspondente” do BPN, S.A..
Com efeito, como já tivemos oportunidade de evidenciar, o Banco Insular pertencia ao grupo SLN/BPN e as operações de crédito de que beneficiaram aquelas 8 sociedades offshore foram única e exclusivamente decididas no seio do grupo, sem qualquer negociação com quem quer que fosse do Banco Insular.
Acresce que não foi produzida qualquer prova do “conhecimento” que a arguida invoca.
Na mesma ordem de ideias, face à motivação desenvolvida supra, não obstante estar demonstrado o alegado nas als. a) e b) do art. 250° da contestação, apurou-se que a actuação da arguida e da Planfin, nesta matéria, não se limitou ao invocado nestas duas alíneas (v. facto provado 76 e facto não provado 58, ambos da contestação).
Não há prova cabal e circunstanciada do que a arguida alega nos arts. 251° e 252° da contestação (v. factos não provado 59 e 60).
Aliás, diga-se, que dos autos constam as procurações dos fiduciários, datadas de 04.12.2002, emitidas a favor da arguida IM… e de AG… para abrir as contas no Banco Insular:
- Autos principais, vol. 105, fls. 34050, págs. 5 e seguintes – 04.12.2002 - Procurações dos fiduciários (originais em inglês acompanhadas das correspondentes traduções), relativas à Jamaki, Kemusa, Acle, Ricia, Rador e Quila a favor da arguida IM… e de AG…;
No que respeita ao alegado no art. 253° da contestação (v. facto não provado 61 da contestação), sabe-se que foram outorgados os contratos de mútuo com as identificadas 8 sociedades offshore.
Desconhece-se, todavia, quem os elaborou ou formalizou em ordem a que posteriormente fossem outorgados.
Por isso, não se pode concluir, como o faz a arguida, que a própria ou os demais advogados da Planfin “nunca” elaboraram ou formalizaram os contratos de mútuo em causa.
(…)
* *
Passamos à matéria seguinte da pronúncia (“Sociedade Aniola Trading”- arts. 544° a 563°) que, todavia, em termos temporais, precede a do anterior tema.
Matéria que se subdivide em três sub-temas para facilitar a sua compreensão:
1) Pagamento de suprimentos da Imonações – Sociedade Imobiliária, S.A. e da Villas D’Agua – Construções à Beira Mar, S.A. à Aniola Trading Limited (arts. 544° a 557° da pronúncia);
2) Transferências da conta da Aniola para as contas da Rador, da Kemusa, da Jamaki, da Quila e da Zala (arts. 558° a 563° da pronúncia);
3) A totalidade do passivo gerado (art. 564° da pronúncia);
Comecemos pelo primeiro:
1) Pagamento de suprimentos:
No que aqui tem relevância, algumas das oito sociedades offhore, designadamente a Jamaki, a Kemusa, a Quila, a Rador e a Zala tinham aberto contas por si tituladas no BPN Cayman (arts. 544°, 1° parte, e 547° da pronúncia; v. factos provados 519, 1º parte e 522):
- Apenso bancário n.° 115 - conta n.° … titulada pela Kemusa no BPN Cayman;
- Apenso bancário n.° 59 - conta n.° … titulada pela Rador no BPN Cayman;
- Apenso bancário n.° 103 - conta n.° … titulada pela Jamaki no BPN Cayman;
- Apenso bancário n.° 88 - conta n.° … titulada pela Zala no BPN Cayman;
 
- Apenso bancário n.° 85 - conta n.° … titulada pela Quila no BPN Cayman;
- CD, vol. 13 (pesquisa das contas respectivas);
Resulta dos respectivos extractos de conta, bem como do CD do vol. 13, que a estas sociedades, no BPN Cayman, foram concedidos créditos sob a forma de conta corrente caucionada, tendo cada uma ficado devedora, na sequência da utilização destas contas, no montante de € 1.000.000,00 (arts. 544°, 1ª parte e 548° da pronúncia; v. factos provados 519, 1ª parte e 523).
Uma vez que o Banco de Portugal, como vimos acima, tinha acesso a dados das contas do BPN Cayman, via supervisão da CYMA (autoridade de supervisão de Cayman), para ocultar do BdP os fluxos financeiros não liquidados entre as contas de algumas daquelas oito sociedades no BPN Cayman e a conta da Venice e da Camden na mesma instituição bancária, as participadas da Sogipart, SGPS, S.A. (ex-SLN Imobiliária, SGPS, S.A.), designadamente a Imonações – Sociedade Imobiliária, S.A. e a Villas D’Água – Construção à Beira Mar, S.A., procederam ao pagamento de suprimentos da Sogipart.
Os montantes dos suprimentos pagos foram os seguintes:
- Imonações (€ 122.098,00 + € 3.600.000,00);
- Villas D’Água (€ 2.557.174,00);
Esses pagamentos perfazem o montante global de € 6.279.272,00.
Os suprimentos foram pagos por meio de cheques bancários do BPN, S.A., emitidos à ordem da Sogipart e endossados à sociedade offshore Aniola Trading, sem que tenham sido reflectidos na contabilidade da Sogipart.
A nível de documentação relevante para efeitos probatórios indica-se:
Aniola Trading (último beneficiário) e abertura de conta bancária no BPN Cayman (arts. 549° da pronúncia; v. factos provado 524):
- Processo, vol. 134, fls. 42168 e 42170, pág. 28 e 31 pdf – 01.10.2002 - tradução da declaração de trust da Aniola que certifica que o último beneficiário era a Marazion;
- Processo, vol. 134, fls. 42169, pág. 30 pdf – 01.10.2002 - tradução do certificado de unidades de participação da Aniola;
- Apenso 33 - 10\TRAT\1\PC.Dr. P… \DOCS \C \Documents and Settings\g003314 \Os meus documentos\proj César \fichas\47\Kerin_ficha.xls ou apenso temático AL, anexo 16, fls. 146 e 147, pág. 163 e 164 pdf – “Ficha” da sociedade offshore Aniola que indica como último beneficiário a Marazion;
- Apenso 33 – 1-Anexo A\CAIXAS CORREIO\TRAT\1\PC-Dr-P… \CAIXAS DE CORREIO\1 outlook.ost\A receber\ Declarações.msg – 10.10.2008 - E-mail de AG… para PCo…, com um ficheiro anexo em excel das sociedades não residentes do grupo SLN/BPN e indicação dos últimos beneficiários, do qual consta que o último beneficiário da Aniola é a Marazion e o último beneficiário desta a SLN SGPS;
Contas bancárias:
- CD, vol. 13 (sublinhado amarelo nosso):
A Aniola é titular da conta n.° … no BPN Cayman, aberta a 26.1.2000.
Esta conta antes de ser titulada pela Aniola era titulada pela Endalla:
- Autos principais, vol. 110, fls. 35.803 e 358041, págs. 220 e 221 pdf - comprovativo da renomeação da conta da Endalla para Aniola o que ocorreu, face ao teor do documento, a 03.11.2002;
Além da identificada conta, a Aniola é titular de uma outra conta no BPN Cayman, com o n.° …, cuja movimentação se iniciou a 06.11.2002 com data-valor de 05.11.2002 (v. facto 550° da pronúncia; facto provado 525) – v. print CD, vol. 13 seguinte.
Movimentos bancários:
Esta última conta teve como primeiro movimento uma transferência a crédito no montante de € 6.279.272,00 com data-valor de 05.11.2002 (art. 557° da pronúncia; v. facto provado 532):
- CD, vol. 13 (sublinhado amarelo nosso):
- Apenso bancário 92, fls. 1, pág. 1 pdf – a identificada conta titulada pela Aniola no BPN Cayman com o crédito de € 6.279.272,00;
A origem deste movimento a crédito de € 6.279.272,00 (arts. 551° a 558° da pronúncia; v. factos provados 526 a 533):
A subconta … da Aniola, então aberta no BPN Cayman, foi, em 5.11.2002 (data-valor), creditada pelo pagamento de suprimentos da SLN, Imobiliária (então redenominada Sogipart), à Imonações e Villas D’Água, pagamentos que foram feitos pelos seguintes cheques bancários:
- (i) nos montantes de € 122.098,00 e de € 3.600.000,00 quanto à Imonações;
- (ii) e de € 2.557.174,00 quanto à Villas D’Água;
Os 3 cheques, que perfazem o valor global de € 6.279.272,00, foram emitidos a favor da Sogipart, endossados pelos arguidos FS… e JAu…, e depositados naquela subconta da Aniola:
- Apenso bancário 92 – Conta titulada pela Aniola no BPN Cayman – fls. 10 e 11 – 02.10.2002 - Pedidos dos cheques bancários da Villas D’Água e da Imonações, assinados pelos arguidos FS… e JMo…;
- Apenso bancário 92 – Conta titulada pela Aniola no BPN Cayman - fls. 5, 6 e 7 – 02.10.2002, 02.10.2002 e 03.10.2002 - Cheques bancários emitidos a favor da Sogipart e endossados pelos arguidos FS… e JMo…;
- Apenso bancário 92 – Conta titulada pela Aniola no BPN Cayman – fls. 3 e 1 – Talão de depósito de valores (os 3 cheques) e extracto bancário da Aniola com o descritivo “DEP VALORES” no montante de € 6.279.272,00 com data valor de 05.11.2002;
Estes pagamentos não foram contabilizados nem por caixa, nem por bancos, na Sogipart (anterior SLN Imobiliária, SGPS, S.A.) – (art. 556° da pronúncia; v. facto provado 531):
- Apenso temático S, vol. 3 fls. 41 a 92, págs. 42 a 49 (2000); págs. 50 a 65 (2001); págs. 66 a 81 (2002) e págs. 84 a 92 - Extractos de conta da SLN – Imobiliária/Sogipart relativos aos anos de 2000, 2001 e 2002;
- Processo, vol. 123, fls. 39215 a 39215, págs. 229 a 231 pdf – Extractos de contas da Imonações e da Sogipart;
2) Transferências da conta da Aniola para as contas da Rador, da Kemusa, da Jamaki, da Quila e da Zala:
Após o crédito do referido valor global de € 6.279.272,00 na conta da Aniola no BPN Cayman, em 11.11.2002, foi transferido desta conta o montante global de € 5.000.000,00 para as seguintes cinco sociedades (arts. 559° a 563° da pronúncia; v. factos provados 534 a 538):
(i) Rador (€ 1.000.000,00);
(ii) Kemusa (€ 1.000.000,00);
(iii)Jamaki (€ 1.000.000,00);
(iv)Quila (€ 1.000.000,00);
(v) Zala (€ 1.000.000,00);
Estas transferências serviram para reduzir e saldar as c/c/c/ associadas às contas à ordem destas sociedades no BPN Cayman, que foram liquidadas:
- Apenso bancário 59 – Conta titulada pela Rador no BPN Cayman;
- Apenso bancário 115 – Conta titulada pela Kemusa no BPN Cayman;
- Apenso bancário 103 – Conta titulada pela Jamaki no BPN Cayman;
- Apenso bancário 85 – Conta titulada pela Quila no BPN Cayman;
- Apenso bancário 88 – Conta titulada pela Zala no BPN Cayman;
- CD, vol. 13 (débitos da Aniola e créditos das 5 sociedades) – sublinhado amarelo nosso:
3) A totalidade do passivo gerado:
A utilização das oito sociedades offshore com conta no Banco Insular, incluindo as operações subsequentes de financiamento da VENICE e os juros contados, gerou o passivo geral, com referência a finais de 2008, de € 68.344.846,37, conforme quadro que consta do artigo 564° da pronúncia (v. facto provado 539) e se extrai dos pertinentes documentos que constam do vol. 72 dos autos principais, designadamente, das cartas remetidas pelo BPN Cayman a 5 sociedades offshore, informando o montante total em dívida, após terem ocorrido as cessões de créditos do Banco Insular ao BPN Cayman e deste ao BPN, S.A.:
- Processo, vol. 72, fls. 24429, pág. 19 – 23.12.2008 – Carta do BPN Cayman à Rador (montante em dívida - € 6.762.563,91);
- Processo, vol. 72 fls. 24457, pág. 48 – 23.12.2008 – Carta do BPN Cayman à Zala (montante em dívida - € 6.774.637,01);
- Processo, vol. 72 fls. 24522, pág. 114 – 23.12.2008 – Carta do BPN Cayman à Acle (montante em dívida - € 6.911.626,55);
- Processo, vol. 72 fls. 24552, pág. 148 – 23.12.2008 – Carta do BPN Cayman à Marton (montante em dívida - € 7.196.560,77);
- Processo, vol. 72 fls. 24553, pág. 181 – 23.12.2008 – Carta do BPN Cayman à Ricia (montante em dívida - € 6.876.348,22);
O montante total em dívida por referência a cada uma das oito sociedades offshore também resulta dos respectivos extractos de conta constantes do CD, vol. 13 dos autos (sublinhado amarelo nosso):
Acle (conta n.° … no BPN Cayman), em 23.12.2008:
Jamaki (conta n.° … no Banco Insular), em 01.06.2008:
Kemusa (conta n.° … no BPN Cayman), em 23.12.2008:
Marton (conta n.° … no Banco Insular), em 01.06.2008:
Quila (conta n.° … no Banco Insular), em 01.06.2008:
Rador (conta n.° … no Banco Insular), em 01.06.2008:
Ricia (conta n.° … no Banco Insular), em 01.06.2008:
Zala (conta n.° … no Banco Insular), em 01.06.2008:
Ou seja, excluindo os “juros” e o “total” da sociedade Acle e, consequentemente, a última linha na parte referente aos “juros” e ao “total” que, certamente por lapso, não estão correctos e por isso serão corrigidos em conformidade (v. facto provado 539 e facto não provado 161), todos os restantes valores do quadro do art. 564° estão em conformidade com os movimentos que temos vindo a analisar e os totais em dívida, por sociedade, nas datas ora mencionadas.
Do exposto resulta que esta operação visou ocultar a Venice e ligava-se, completando-a, àquela outra operação já descrita que consistiu na concessão de crédito pelo Banco Insular àquelas oito sociedades offshore que substituíram o crédito antes concedido pela Venice.
Resta a análise da imputação factual subjectiva.
OC…:
À data dos factos era o Presidente do Conselho de Administração da SLN SGPS, S.A., BPN, SGPS, S.A. e BPN, S.A..
O BPN Cayman consolidava no grupo SLN/BPN.
O Banco Insular, como já foi analisado, era uma instituição bancária que pertencia ao grupo SLN/BPN.
As oito sociedades offshore identificadas tinham como último beneficiário a Marazion, sociedade que, por sua vez, também pertencia ao grupo.
As operações financeiras que temos vindo a analisar repartiram-se entre o Banco Insular, o BPN Cayman e o BPN, S.A..
O arguido decidiu e participou em todas as operações que temos vindo a analisar desde a alegada venda da SLN Imobiliária à Camden, sendo a presente operação mais uma que se liga a todas as outras.
Todos os negócios/operações analisadas tiveram por interlocutores sociedades do grupo SLN/BPN, residentes e não residentes, e beneficiaram este grupo.
O arguido assinou os cheques nos montantes de € 2.557.174,00 e 3.600.000,00 emitidos, respectivamente, em 03.10.2002 e 02.10.2002, à ordem da Sogipart e endossados à sociedade offshore Aniola (v. fls. 6 e 7 do apenso bancário 92 – conta titulada pela Aniola no BPN Cayman).
Por conseguinte, não restam quaisquer dúvidas quanto ao seu domínio, decisão e participação nos factos em questão.
LC…, LM… e LAl…:
O arguido LC…, na generalidade, negou a sua decisão e participação nestes factos.
Admitiu tão só que a Imonações e a Villas D’Água estavam com liquidez nas suas contas bancárias e que, por isso, sugeriu às administrações que efectuassem o pagamento dos suprimentos que inicialmente eram da SLN SGPS e/ou da SLN Imobiliária e que tinham sido vendidos à Camden e determinou aos administradores dessas sociedades que efectuassem o pagamento dos suprimentos à Camden.
Corrigiu posteriormente, esclarecendo que quando utilizou o verbo “determinou” foi um lapso da sua parte.
Mais referiu que o dinheiro era para devolver à Sogipart, mas a Sogipart já tinha vendido os suprimentos à Camden, portanto, o dinheiro, teoricamente, devia entrar na Camden, o que não aconteceu, acabando por entrar na Aniola.
Foram os serviços do banco que decidiram que o dinheiro fosse para a conta da Aniola para amortizar a dívida da Aniola ao banco.
A Aniola foi uma empresa criada a pedido da DOP (Direcção de Operações) para partilhar o financiamento da Camden.
Os movimentos efectuados a débito da conta da Aniola foram determinados pela Direcção de Operações (DOP).
Os arguidos LM… e LAl… negaram qualquer decisão/participação nestes factos.
Não se apresenta, de modo algum, verosímil a negação dos factos pelos arguidos.
Desde logo, no que concerne ao LC…, o mesmo disse a verdade quando declarou que “determinou” aos administradores da Imonações e Villas D’Água que efectuassem o pagamento dos suprimentos à Camden.
Ou seja, o processo decisório também partiu dele.
E não convenceu o Tribunal quando, de seguida, declarou que a utilização dessa expressão se deveu a lapso da sua parte.
Por outro lado, é completamente irrealista e inverosímil que tenham sido os “serviços do banco” ou seja, os funcionários da DOP (Direcção de Operações), a decidir que o dinheiro fosse para a conta da Aniola para amortizar uma dívida que esta tinha ao banco.
Os “funcionários/operacionais” não tinham quaisquer poderes para decidir sobre esta matéria, nem a sociedade offshore Aniola era deles.
Podem, é certo, ter feito os movimentos no respectivo software bancário, mas nunca sem decisão e aval da administração do grupo SLN/BPN.
Na mesma senda também é manifestamente irrealista e inverosímil que tenha sido a DOP (Direcção de Operações) a pedir que fosse criada a Aniola para partilhar o financiamento da Camden.
Não se vislumbra que interesses pudessem ter os funcionários da DOP nesse desiderato, nem se vê que essa matéria fosse da competência dos mesmos.
Acresce que nenhuma prova, documental ou testemunhal, foi produzida quanto ao declarado pelo arguido LC….
Pelo contrário, a prova documental permite, sem dúvidas, face às regras da experiência comum e da lógica, concluir pela decisão/participação dos 3 referidos arguidos.
Sem prejuízo do que ainda se dirá infra a este propósito, atente-se no teor da seguinte documentação:
- Apenso de busca 13 – cadernos da arguida IM… - vol. 4, fls. 1616 a 1621, págs. 22 a 27 - 2002/08/26 - Reunião interna Dr. LCC Dr. FV Dr. LM/Dr.LA IMC, ou seja, uma reunião interna da Planfin com a presença dos arguidos LC…, LM…, LAl… e IM….
Reunião, essa, que aconteceu antes de todos os factos que temos vindo a analisar terem ocorrido, sendo de salientar do respectivo manuscrito (bold nosso):
“Assunto: Sogipart
Minutas dos contratos/protocolos
- Villas D’Água – 75%
- Foz Garden SA – 100%
Pôr estas participações
Certificação Sogipart//
O que falta – verificar lança/tos rectificativos”
E ainda:
“Villas D’Agua – criar nova offshore
Solicita financia/to ao BPN de 6.000 milhões de euros
Devolve suprimentos à Sogipart
3.295.857 €
Devolve suprimentos à nova offshore
3 cheques bancários
2.577.172 € (valor dos supri/tos q esta na Camden)
Passar os cheques bancários em nome de FCr… e endosso p a nova offshore”.
Note-se que o valor de “2.577.172 €” corresponde, com uma diferença de € 2,00, ao montante do cheque (€ 2.557.174,00) emitido uns meses depois (03.10.2002) pela sociedade Villas D’Água à Sogipart e que foi endossado à Aniola, constituída em Outubro de 2002, sendo certo que o manuscrito em causa já previa, quanto àquele cheque, o “endosso p a nova offshore”.
Anota-se ainda a coincidência entre os “3 cheques bancários” e o número de cheques que, como vimos, viriam a ser emitidos.
- Apenso bancário 92 – Conta titulada pela Aniola no BPN Cayman, pág. 11 – 02.10.2002:
No pedido de cheque bancário no valor de € 3.600.000,00 encontra-se uma anotação, riscada, do seguinte teor: “De acordo com instrução do Dr. LM… s/efeito” (bold nosso).
Ou seja, houve uma primeira instrução do arguido LM… para que fosse emitido este cheque bancário, tendo a mesma sido considerada “s/efeito” porque os próprios arguidos FS… e JMo… viriam a subscrever o pedido de emissão do cheque bancário.
Sendo que não faz qualquer sentido que alguém consignasse no pedido do cheque a referida instrução do arguido LM… se o mesmo não a tivesse transmitido.
- Processo, vol. 111, fls. 35854, pág. 18 pdf – Instruções manuscritas do arguido LC… para realização de operações na conta bancária da Aniola no BPN Cayman, designadamente as que temos vindo a analisar;
E não se diga, como o arguido LC… parece ter querido sustentar em Julgamento, que essas anotações são um “apanhado” posterior aos factos para tentar perceber os movimentos.
Se assim fosse, os valores e datas constantes do manuscrito teriam de coincidir com os movimentos bancários/financeiros entretanto realizados.
Essa coincidência não ocorre, o que monstra, inequivocamente, que o manuscrito foi elaborado antes dos factos ocorrerem.
- Apenso de busca 33 - 22/TRAT/1/MAIL-FS…s/17102004/1 fs….nsf/(Inbox)/FW - Informação Solicitada.msg – 21.11.2003 - E-mail da arguida IM… para o arguido FS… sobre a função da Aniola no âmbito da operação Camden – “Aniola é uma das utilizadas por causa do BP na operação Camden/SLN, Imobiliária/para desfazer operações (RP e o LM podem confirmar)”, sendo certo que as referências a “BP”, “RP” e “LM” significam, respectivamente, Banco de Portugal, RP… e LM…, este último, arguido nos autos;
- Apenso 33 - 1 Anexo A\TRAT\6\Pen-ScanDisk-Cruze-\Mini-2GB\DOCS\C\2.Grupo OFF-Shore\ Histórias para o Banco de Portugal\Movimentos Financeiros dos Cheques.xls /sheet 1 e sheet 2) – Este ficheiro respeita ao pagamento de suprimentos da Imonações e da Villas D’Água e esclarece, em termos contabilísticos, as finalidades da operação Aniola.
O ficheiro é, segundo as suas propriedades informáticas, da autoria de “LM”, ou seja do arguido LM…, e tem a data de criação de 26.11.2002, poucos dias depois dos factos analisados terem ocorrido.
Não se olvide, também, que o arguido LM…, face aos registos constantes das finanças, à data dos factos, era o técnico oficial de contas da sociedade Imonações:
- Apenso R, vol. 31, fls. 7086, pág. 215 pdf - print das finanças com a relação dos cargos societários exercidos pelo arguido LM…;
FS… e JAu…:
O arguido JMo… não prestou declarações em sede de Julgamento.
 O arguido FS… admitiu apenas que os cheques bancários foram requisitados ao BPN por si e pelo arguido JMo… e que ambos endossaram os cheques.
Mais referiu que os cheques foram emitidos e endossados a pedido do arguido LC… para ser feita a devolução dos suprimentos.
Quanto ao arguido FS…, realça-se, desde logo, o e-mail acabado de referir, sendo certo que a pergunta que o arguido FS… havia colocado à arguida IC… era: “Sr.ª Dr.ª A off-shore associada a este cliente penso que se chama Aniola Trading e não a Endalla. Será que me pode confirmar esta informação? Obrigado”.
No mais, dir-se-á:
O arguido FS… participou em todas as operações anteriores e na subsequente, todas já analisadas ao longo desta motivação.
Assim sendo, não se vê como podia não ter conhecimento desta operação interlocutória.
Acresce que o arguido FS…, à data dos factos, era vogal do Conselho de Administração da sociedade Imonações:
- Apenso R, vol. 31, fls. 7078, pág. 207 pdf - print das finanças com a relação dos cargos societários exercidos pelo arguido FS…;
Como era vogal do Conselho de Administração da sociedade Villas D’Água:
-   Apenso 33:1-AnexoA\TRAT\3\TOZE#2\DOCS\TOZE#2\Administração\Banco de Portugal - Inspecções\Banco de Portugal - Inspecção Ano de 2006\Villas de Agua\Villas de Agua\2005 _ 01 _ 17 _ Certidão do Registo Comercial _ Villas D´Água.pdf –cópia da certidão do registo comercial da sociedade Villas D’Água;
E, por fim, era vogal do Conselho de Administração da SLN Imobiliária:
- Apenso bancário 81, fls. 16 e segs., págs. 23 e segs. pdf - cópia da certidão do registo comercial da SLN Imobiliária;
Por sua vez, o arguido JMo… era, à data dos factos, vogal do Conselho de Administração da sociedade Villas D’Água:
-   Apenso 33:1-AnexoA\TRAT\3\TOZE#2\DOCS\TOZE#2\Administração\Banco de Portugal - Inspecções\Banco de Portugal - Inspecção Ano de 2006\Villas de Agua\Villas deAgua\2005 _ 01 _ 17 _ Certidão do Registo Comercial _ Villas D´Água.pdf -cópia da certidão do registo comercial da sociedade Villas D’Água;
E também exercia o cargo de Presidente do Conselho de Administração da SLN Imobiliária:
- Apenso bancário 81, fls. 16 e segs., págs. 23 e segs. pdf - cópia da certidão do registo comercial da SLN Imobiliária;
Todas estas sociedades foram intervenientes nos factos analisados, sendo certo que duas delas, a Imonações e a Villas D’Água, emitiram os identificados cheques à ordem da Sogipart (ex-SLN Imobiliária) os quais foram endossados à Aniola.
Acresce que os arguidos FS… e JMo… requisitaram os cheques bancários.
Por sua vez, no verso dos cheques, na parte do “endosso”, consta a assinatura de ambos.
Por fim, considerando as funções que exerciam nas identificadas sociedades, não podiam deixar de saber que os cheques não foram depositados na conta da Sogipart, nem na conta da Camden, onde deviam ter sido (numa ou noutra porque a Sogipart era a titular originária dos créditos e a Camden foi a sociedade a quem os créditos foram cedidos), tendo, sim, sido endossados a terceiro, a sociedade offshore Aniola.
Do exposto resulta, sem margem para dúvidas, a participação de ambos os arguidos na estratégia delineada a que nos temos vindo a referir.
Os objectivos/finalidades desta operação em que foram intervenientes as sociedades offshore Aniola, Kemusa, Rador, Jamaki, Zala e Quila (arts. 544° a 565° da pronúncia):
Além dos elementos probatórios indicados e sem prejuízo do que já foi dito a este respeito, é de ter ainda em consideração a seguinte documentação:
- Apenso 33 – 1 Anexo A\TRAT\3\TOZE#2\DOCS\TOZE#2\Irmandade das Off Shores\ Gestão de Clientes\Aniola\Operação Aniola e Offs.vsd – Esquema da operação Aniola (propriedades informáticas: considerando a que a criação do documento é sempre anterior à sua modificação, é de concluir que o documento em questão foi criado a 12.11.2002, um dia depois das transferências operadas pela Aniola para as outras 5 sociedades offshore):
O “esquema” constante deste documento tem como ponto de partida a sociedade Aniola a transferir € 1.000.000,00 para cada uma das 5 identificadas sociedades offshore, montantes que, por seu lado, serviram para amortizar os valores disponibilizados nas contas correntes caucionadas.
- Apenso 33 – 1 Anexo A\TRAT\TOZE#2\DOCS\TOZE #2\Administração\ Banco de Portugal –Inspecção 2004-2005\Offshores\Operação Camden Nova Camden\Operação Camden Capital Corporation.doc – (propriedades informáticas: documento criado a 18.11.2002, ou seja, poucos dias depois de todos os movimentos terem ocorrido; como autor do documento está indicado “RP…”, i.e., RP…, à data, subdirector da Direcção de Operações):
Este documento explica toda a operação Camden, designadamente as alterações dos movimentos bancários que visavam alterar a origem dos fundos e a entidade ordenante, cabendo salientar as seguintes parte (bold e sublinhado nosso):
“A off-shore Camden possui conta em Cayman, com o nº …, através da qual, numa sequência de movimentos efectuados em Outubro e Dezembro de 2000, realizou a compra da Sociedade SLN Imobiliaria, SGPS, SA pelo montante de 4.000.000.000$00.
Na sequência das referidas operações, a conta encerrou o ano de 2000 com um saldo devedor de 5.012.222$00 (extracto entregue ao Banco de Portugal).
(...).
Em Outubro de 2000, foi necessário adquirir à SLN SGPS, SA os suprimentos por esta dados à SLN Imobiliária, no montante de 2.633.000.000$00.
(...) Originalmente, a transferência de 2.633.000.000$00 foi efectuada directamente pela Camden, com fundos recebidos da off-shore Venice.
A operação foi alterada para que a origem dos fundos não fosse a Venice, bem como para não mostrar a Camden, cujo extracto foi dado ao Banco de Portugal sem que nele constassem estes movimentos.
Assim, através das off-shores Kemusa, Quila, Zala, Rador e Jamaki (supostamente pertencentes aos accionistas da Camden) e a off-shore Aniola (detida a 100% pela Camden), foi desenhada a mesma operação, com a seguinte estrutura de fundos:
(...)A ordenante da transferência passou a ser a Aniola, tendo a origem dos fundos sido substituída conforme indicado. Neste contexto, a Venice passou a ser credora das entidades acima indicadas pelo valor total da transferência (concretizando-se totalmente a substituição da origem dos fundos), 623.000.000$00 em 29/12/2000
Originalmente, a transferência foi efectuada pelo montante de 1.823.000.000$00, directamente pela Camden e com fundos disponibilizados pela Venice.
Por conveniência, a operação foi partida em duas (623 Mcts e 1,2 MCts – abordada em documentos específico), mantendo-se as premissas da operação de 2,633 MCts, ou seja, alterar a origem dos fundos e a entidade ordenante.
 (...).
A ordenante da transferência passou a ser a Aniola, tendo a origem dos fundos sido substituída conforme indicado. Neste contexto, a Venice passou a ser credora das entidades acima indicadas pelo valor total da transferência (concretizando-se totalmente a substituição da origem dos fundos).
(...)
Movimentos de fecho da operação
Depósito de € 6.279.272,00 na Aniola, em 04/11/2002
O depósito efectuado na data indicada, na conta da Aniola, refere-se a devolução de suprimentos por parte da Sogipart - SGPS (ex SLN Imobiliária), tendo-se procedido aos seguintes movimentos nas off-shores:
(...).
Na sequência de todos estes movimentos, as posições das off-shores junto de BPN Cayman e junto da Venice ficaram como se mostra no quadro resumo abaixo:
(...)
Financiamentos efectuados no Banco Insular
No decurso do mês 11 de 2002, foram efectuados os seguintes financiamentos pelo Banco Insular:
Off-Shore Financiamento Taxa aplicada
Kemusa    € 2.163.238,98 Taxa fixa 8%
Quila        € 2.121.946,85 Taxa fixa 8%
Zala          € 2.054.516,54 Taxa fixa 8%
Rador       € 2.014.439,15 Taxa fixa 8%
Jamaki     € 2.126.399,48 Taxa fixa 8%
Estes valores foram triangulados por correspondentes, sendo o destino final dos mesmos a Venice em Cayman, saldando a divida destas off-shores á mesma.”
Os objectivos/finalidades de toda a operação (arts. 433° a 564° da pronúncia):
Outra questão tem a ver com a consecução dos objectivos da operação Camden/Anilola que se iniciou com a venda das acções da SLN Imobiliária e se desenvolveu até à transferência do “saque” da Venice para o Banco Insular, considerando que o BdP (Banco de Portugal) determinou a agregação das contas da Sogipart às contas da SLN, SGPS.
O documento acabado parcialmente de citar é manifestamente elucidativo de toda a estratégia empreendida.
Estratégia que resulta igualmente clara e definida de todos os elementos probatórios referenciados.
A operação Camden/Aniola, iniciada em finais de 2000, teve por objectivo fundamental esconder a exposição de crédito da SLN Imobiliária que, em 31.09.1999, era de € 45.700.000,00 e consolidava na SLN, SGPS, violando grosseiramente os limites dos grandes riscos.
Por outro lado, na sua parte final, no ano de 2002, a mesma operação visou esconder o “saque” de fundos da offshore Venice, sociedade não residente que serviu para pagar todos os negócios que temos vindo a descrever, bem como para esconder a Camden, que também recebeu fundos daquela sociedade offshore para parte dos negócios/operações referenciadas.
É certo que, não obstante ter sido objectivo esconder a exposição de crédito da SLN Imobiliária no valor de € 45.700.000,00 da entidade de supervisão, o Banco de Portugal, pelo ofício de 27.10.2003 dirigido ao BPN, S.A., determinou que esta instituição bancária agregasse “aos riscos sobre o próprio grupo os incorridos sobre os «grupos de clientes»”, entre outros, a Sogipart – Sociedade Imobiliária SGPS, S.A.:
- Processo, vol. 103, fls. 33.605 e 33606, págs. 130 e 131 pdf – 27.10.2003 - Carta do BdP a determinar a agregação da Sogipart;
Porém, esta agregação da Sogipart determinada pelo BdP apenas impactou uma exposição de crédito à volta de € 5.000.000,00 nas contas consolidadas da SLN, SGPS, S.A., porque, entretanto, grande parte daquele crédito de € 45.700.000,00, como acima evidenciado, havia sido transferido para o Banco Insular.
Aliás, note-se que em algumas partes analisadas dos cadernos manuscritos pela arguida IM… se apontou uma operação de crédito em que o Banco Insular iria financiar um conjunto de offshores em cerca de 44 milhões de euros, o que retirava a Venice da operação Camden e, do mesmo passo, montava uma outra história que seria contada ao BdP se este viesse a indagar a origem dos fundos da Camden:
- Apenso de busca 13 (cadernos da arguida IM…), vol. 3, fls. 1392 e 1393, págs. 386 e 387 – 28.11.2002 - Nota manuscrita de reunião interna com LCC (arguido LC…) que sobre o tema Operações Novembro em 2) refere “financiamento de 44M euros no BI+juros 7.150.182,00 € 20% Kemusa, 20% Quila, 10% Zala, 10% Rador Ricia 10% Acle 10% Marton 10% Jamaki Aniola”;
- Apenso de busca 13, (cadernos da arguida IM…), vol. 3, fls. 1302, pág. 296 – 15.01.2002 - “O Banco de Portugal tem todos os elementos/ o q temos de omitir é a Venice”; com referência à Urbinegócios: “AF… vai verificar qual a história que se contou ao Banco de Portugal”;
Note-se ainda que a utilização da Aniola na operação Camden/SLN Imobiliária foi explicada pela arguida IM… a FS… em e-mail que lhe enviou em 21.11.2003 como tendo servido “para desfazer operações” “por causa do BdP”:
- Apenso de busca 33 - 22/TRAT/1/MAIL-FS…/17102004/1 fs….nsf/(Inbox)/FW - Informação Solicitada.msg;
Importa notar que o facto de o BdP ter aceitado que as mais-valias pudessem deixar de ser deduzidas aos fundos próprios da SLN, SGPS, apenas tem que ver com o nível de fundos próprios da SLN, SGPS, S.A. e não com a consolidação da SLN, influenciando apenas o rácio de solvabilidade e os grandes riscos na medida em que estes são influenciados pelo nível dos fundos próprios.
A este propósito, é de ter em consideração a seguinte documentação quanto à posição assumida pelo Banco de Portugal:
- Autos principais, vol. 108, fls. 35210, pág. 178 pdf – 23.02.2001 - Carta do BdP a determinar que a mais-valia da venda da SLN Imobiliária seja considerada elemento negativo dos fundos próprios;
- Autos principais, vol. 108, fls. 35252 e 35253, págs. 220 e 221 pdf – 22.05.2001 - Carta do BdP em que refere: “aguarda-se ainda a informação sobre o envolvimento directo/indirecto do BPN ou do grupo SLN na compra da SLN Imobiliária pela CAMDEN”;
- Autos principais, vol. 108, fls. 35258 a 35263, págs. 226 a 231 – 03.06.2001 - Carta da SLN (FCo… – administrador) para o BdP, revelando interesse o ponto 6º relativo à Camden e a parte em que se refere que “o BPN, S.A., não teve qualquer envolvimento, directo ou indirecto, na venda da SLN Imobiliára à sociedade Camden Capital Corporation”, informação que, como foi demonstrado supra, estava em flagrante oposição com a realidade dos factos ocorridos;
- Autos principais, vol. 108, fls. 35264 e 35265, págs. 232 e 233 pdf – 09.07.2001 - Carta do BdP para o BPN, S.A., em que reitera que “não se considera esclarecido sobre diversas operações”, nomeadamente, entre outras, o “envolvimento directo/indirecto de qualquer sociedade do grupo BPN/SLN na compra da SLN Imobiliáira pela sociedade Camden”;
- Autos principais, vol. 108, fls. 35266 a 35270, pág. 234 a 238 pdf – 17.08.2001 - Carta da SLN (arguido OC…) para o BdP em que se reafirma que “não há qualquer envolvimento” em resposta àquela questão colocada pelo Banco de Portugal, o que não tem a mínima correspondência com a verdade, atendo à circunstância de a Venice e a própria Camden serem, à data dos factos, sociedades não residentes do grupo SLN/BPN e tendo esta última beneficiado de fundos daquela para a “alegada” compra da SLN Imobiliária;
- Autos principais, vol. 108, fls. 35271 e 35272, págs. 239 e 240 – 20.09.2001 - Carta do BdP que mantém a determinação de que as mais-valias de certas operações, entre elas a venda da SLN Imobiliária, sejam deduzidas aos fundos próprios porque não se prova que as vendas de títulos foram a preços de mercado;
Em síntese conclusiva, numa óptica subjectiva da participação dos arguidos, importa evidenciar de modo global e integrado a documentação que de forma impressiva evidencia a intervenção em toda esta operação da Planfin e dos arguidos LC… e IC… (operações dos anos de 2000 e 2002), bem como dos arguidos LM… e LAl… (essencialmente nas operações do ano de 2002).
Neste âmbito, entre outra documentação já indicada, assumem uma especial relevância os manuscritos dos cadernos da arguida IC… dos quais resulta uma intervenção inequívoca da Planfin e dos seus colaboradores, aqui arguidos, ao longo de todo o processo.
Afigura-se-nos dever salientar a documentação seguinte:
- Autos principais, vol. 17, fls. 6643, pág. 43 pdf ou apenso temático Z, vol. 4, fls. 18 e 19 - documento parcialmente manuscrito pelo arguido LC… com o título “financiamentos a efectuar por BINSULAR Off-shores Grupo”, entre as quais se contam as identificadas 8 sociedades offshore – Quila, Kemusa, Zala, Rador, Jamaki, Ricia, Acle e Marton – com a seguinte indicação, à frente de cada uma delas: “liquida dívida referente à transferência de 2,6 Mcts e 623 mcts, faltando juros, parte dos 4 Mcts da aquisição da Sogipart”;
- Apenso de busca 13 (cadernos manuscritos da arguida IC…), vol. 1, fls. 314 a 316 – 28.09.2000 – revela conhecimento das condições do contrato promessa de compra e venda da SLN Imobiliária à Camden, da carta do BdP, do descoberto da Venice e dos valores, bancos e contas dos accionistas compradores da SLN Imobiliária e cheques a depositar na Camden;
- Apenso de busca 13 (cadernos manuscritos da arguida IC…), vol. 1, fls. 402 - 10.11.2000 – referência ao protocolo pelo “CA” e accionistas da SLN, ao preço do contrato-promessa, condições e datas de pagamento da parte restante do preço;
- Apenso de busca 13 (cadernos manuscritos da arguida IC…), vol. 2, fls. 640 – listagem das sociedades offshore “instrumentais” do grupo SLN/BPN, com referência à Camden, Venice e Marazion;
- Apenso de busca 13 (cadernos manuscritos da arguida IC…), vol. 3, fls. 1302 – 15.01.2002 – parte manuscrita da arguida por referência ao BPN Vida: “745.000 o Banco de Portugal sabe que estas acções estavam nas contas / o Banco de Portugal tem todos os elementos / o q temos de omitir é a Venice” e no tocante à Urbinegócios outra parte manuscrita com o seguinte texto: “AF… vai verificar qual a história q se contou ao Banco de Portugal”;
- Apenso de busca 13 (cadernos manuscritos da arguida IC…), vol. 3, fls. 1436 a 1438 – 04.03.2002 (reunião com “LCC”, i.e., o arguido LC…) – referência ao “Acordo Camden”, algumas cláusulas de alteração do protocolo e à “alteração da denominação social/não confusão”;
- Apenso de busca 13 (cadernos manuscritos da arguida IC…), vol. 3, fls. 1162 – 29.4.2002 (reunião interna LCC/LM…/LAl…/IMC, i.e., entre os arguidos LC…, LM…, LAl… e IM…) – abordado/discutido o assunto “ acções e suprimentos Camden/comprava ela ou quem ela indicasse”;
- Apenso de busca 13 (cadernos manuscritos da arguida IC…), vol. 3, fls. 1167 a 1174 – 02.05.2002 (reunião interna LCC/LM/LA/IMC, i.e., entre os arguidos LC…, LM…, LAl… e IM…) – abordadas/discutidas as movimentações financeiras offshore (Marazion, Jazey etc.) e, no ponto 3º a SLN Imobiliária “ver datas dos movimentos financeiros e ver datas dos contratos” com a indicação das sociedades “q saiem do «Grupo»” e as “q são reclassificadas”, post-it com indicação de valores que se transferem da Camden para a SLN SGPS, referência ao “contrato de cessão de créditos” entre a Camden e a SLN Imobiliária, as sociedades que se mantêm na Imobiliária e as que saiem, aos “suprimentos ou em curso que saiem” com a indicação de “Imonações = 3.722.097,55” e “Villas D’Água (Cabermar) = 2.557.172”, “o que fica na Imob.”, “as que pagaram”, a referência ao “suprimento da Camden a Imob. de 1.823.000 é reclassificado p uma 26, todos os movi/tosde transferência de  acções e sup às participadas são efectuadas pela conta 26 da Camden”.
Salienta-se que os valores mencionados correspondem quase ao cêntimo aos montantes dos cheques que 6 meses depois viriam a ser emitidos pelas sociedades Imonações (€ 122.098,00 + € 3.600.000,00 = € 3.722.098,00) e Villas D’Água (€ 2.557.174,00) à ordem da Sogipart e que foram endossados à Aniola;
- Apenso de busca 13 (cadernos manuscritos da arguida IC…), vol. 3, fls. 1176 e 1177 – 06.05.2002 (reunião interna LCC/IMC, i.e., entre os arguidos LC… e IM…) – referência ao protocolo e sua alteração, designadamente a parte do texto que, de facto, viria a ser alterado no protocolo no final do ano de 2002;
- Apenso de busca 13 (cadernos manuscritos da arguida IC…), vol. 4, fls. 1616 a 1621 – 26.08.2002 (reunião interna Dr. LCC/Dr. FV/Dr. LM/Dr. LA/IMC, i.e., entre os arguidos LC…, LM…, LAl.. e IM…) em que foi abordado/discutido “Assunto Sogipart; minutas dos contratos/Protocolo rectificações cheques bancários FCr… e endosso para nova offshore” que só pode referir-se, face ao contexto, à sociedade offshore Aniola que viria a ser criada posteriormente e a quem foram endossados os identificados 3 cheques bancários das sociedades Imonações e Villas D’Água;
- Apenso de busca 13 (cadernos manuscritos da arguida IC…), vol. 4, fls. 1655 a 1660 – 21.09.2002 -, reunião num “sábado” conforme consta do manuscrito entre LCC/LM/IMC (i.e., os arguidos LC…, LM… e IM…) – referência a “respostas B.F.” – admite-se, há dúvidas se pretende significar ou não o Banco de Portugal -, e “Sogipart capital social 5000000 accionista Camden” e enunciação de várias renúncias do arguido LC… a cargos sociais em várias sociedades do grupo SLN/BPN, bem como a indicação das pessoas que o iriam substituir nesses cargos;
- Apenso de busca 13 (cadernos manuscritos da arguida IC…), vol. 4, fls. 1676 a 1682 – 29.09.2002 -, reunião interna num “domingo” conforme consta do manuscrito de LCC/LA/LM/IMC, (i.e., reunião na Planfin entre os arguidos LC…, LAl…, LM… e IM…) em que se abordou/discutiu a “reconstituição da SLN Imob 2000/2001 movimentos financeiros transferência da CAMDEN 1.823.000.000; alteração DO/extracto para BP; Imobiliária; suprimentos relatório e contas da SLN Imobiliária 2000”, reconstituição dos movimentos financeiros e alteração do extracto de conta à ordem que, de facto, ocorreram, note-se, “para BP”, ou seja, para o Banco de Portugal;
- Apenso de busca 13 (cadernos manuscritos da arguida IC…), vol. 4, fls. 1715 – 19.10.2002 -, manuscrito da arguida do seguinte teor: “15/06/2001 Camden/carta p devolução de suprimentos”;
- Apenso de busca 13 (cadernos manuscritos da arguida IC…), vol. 4, fls. 1820 – s/data -, manuscrito da arguida do seguinte teor: “tira o dinheiro da Rivagal p passar p Jared p esta pagar contas 12; Kemusa, Kila e Zala – solicitadas p caso o Banco de Portugal perguntar sobre os 2.000 cts da Imobiliária/repartiam o financiam/to por estas 3; Rishona obteve financiamento no Banco Insular no montante de USD 5.000.000 e transferiu para a Insular Holdings – Insular Holdinsgs aumentou o capital social do Banco insular em USD 5.000.000”;
- Apenso de busca 13 (cadernos manuscritos da arguida IC…), vol. 3, fls. 1377 – 26.11.2002 -, “LCC”, ou seja, reunião entre a arguida IC… e o arguido LC…, com o seguinte manuscrito: “protocolo de rescisão SLN/Camden ref. SLN Imob, alterações 4º versão”;
- Apenso de busca 13 (cadernos manuscritos da arguida IC…), vol. 3, fls. 1392 – 28.11.2002 -, “R. interna LCC”, ou seja, reunião entre a arguida IC… e o arguido LC…, com a seguinte parte manuscrita: “Factura da SOGIPART vai para a pasta da PARTINVEST é esta que paga” e outra do seguinte teor: “financiamento de 44. M. Euros no BI + juros 7.150.182 € 20% Kemusa, 20% Quila, Zala 10%, Rador 10%, Ricia 10%, Acle 10%, Marton 10%, Jamaki, Anila – financiamento total 44.173.540 + juros; Procurações p abertura de contas /B.Insular/data/prever financia/tos//Movimentação de conta”;
Do teor destes documentos resulta, sem margem para dúvidas, uma intervenção activa da Planfin e dos seus colaboradores, aqui arguidos LC…, LM…, LAl… e IM…, no tratamento e planificação de negócios sensíveis do grupo SLN/BPN - incluindo o que temos vindo a analisar SLN Imobiliária/Venice/Camden/Aniola/Kemusa/Quila/Zala/Rador/Ricia/Acle/Marton e Jamaki/financiamento do Banco Insular -, bem como o conhecimento inequívoco do “saque” de fundos da Venice para estes negócios e das acções desenvolvidas para omitir factos, e a própria Venice, ao Banco de Portugal, ao ponto de ser necessário alterar o extracto de conta da SLN Imobiliária, como veio a ocorrer.
Sinaliza-se ainda que os assuntos versados nas reuniões internas da Planfin não tinham teor informativo, dado que eram abordados antes de os factos ocorreram, sendo certo que, posteriormente, as operações/movimentos financeiros e bancários e negócios ocorriam em conformidade com o que era discutido nas reuniões e anotado pela arguida IM….
Note-se que os cadernos manuscritos da arguida não se resumem só às partes que acabamos de citar.
Diversamente, contêm centenas de páginas em que são abordados outros assuntos do grupo SLN/BPN, com a indicação dos negócios, planificação dos mesmos, previsão dos movimentos bancários, necessidade de constituição de sociedades offshore e de abertura de contas para esse efeito.
Ou seja, a Planfin foi um elemento essencial e preponderante na condução de toda a estratégia do grupo SLN/BPN, tendo os seus colaboradores, aqui arguidos LC…, LM…, LAl… e IM…, um conhecimento circunstanciado e, muitas vezes, profundo do teor dos negócios em curso e dos que estavam a ser planeados e viriam a concretizar-se, dando o seu apoio à respectiva concretização, quer na vertente jurídica, através dos advogados colaboradores da Planfin (arguida IC…, AG…, IF… e CA…), quer na vertente contabilístico/financeira, por meio dos seus também colaboradores, aqui arguidos LM… e LAl….
Embora estes últimos dois não sejam tão mencionados nos cadernos, não se descure que qualquer negócio tinha sempre duas vertentes: a jurídico/formal, que reclamava o apoio dos respectivos advogados, e a contabilístico/financeira, que implicava o apoio técnico dos arguidos LM… e LAl… e restante equipa técnica.
Não se olvide também que estes dois arguidos, bem como a arguida IC…, pelas notas internas da SLN SGPS de 10.5.2000 e 26.3.2003 (v. busca 7, doc. 03.04, págs. 7 a 9 ou Braga 5, pás. 36 a 38) foram nomeados para cargos nesta sociedade, designadamente os seguintes:
- arguido LM… – responsável pela Direcção Financeira e Direcção de Controlo e Avaliação Estratégica (em acumulação);
- arguido LAl… – responsável pela Direcção de Contabilidade;
- arguida IC… – responsável pela Direcção de Assuntos Jurídicos e Fiscais;
Tenha-se ainda em consideração que se mostrava fácil e escorreita a ligação entre a Planfin e respectivos colaboradores com o grupo SLN/BPN na medida em que o arguido LC… era administrador da SLN SGPS, S.A., e, concomitantemente, no biénio 1999/2000, vogal do Conselho de Administração da Planfin, tendo, no triénio 2002/2004, assumido as funções de Presidente do Conselho de Administração desta sociedade.
Uma última nota:
A circunstância de o plano a que aludem os arts. 544º a 564º ter sido delineado pelos arguidos OC…, LC…, FS…, LM… e LAl…, ao qual aderiu o arguido JMo…, não significa que na execução dele todos os arguidos tenham praticado os factos em conjunto (v. factos não provados 158 e 160).
* *
Esgotada que está a análise de mais este tema da pronúncia (arts. 544º a 564º) importa ver a matéria das contestações dos arguidos que se relaciona com o mesmo.
(…)
O arguido LM… (v. contestação de fls. 17726 a 17755) também se limita a negar toda a factualidade (v. arts. 530 e 540).
O arguido LAl… (contestação de fls. 17756 a 17784) nega a prática dos factos (arts. 370 e 380), afirma que o arguido JMo… “era o administrador responsável por toda a área imobiliária do grupo”, o que já consta dos factos provados (v. facto provado 529 da pronúncia), e finaliza com uma hipótese: “não seria com certeza o contabilista que prestava serviço à empresa que alguma vez obteve a colaboração do Administrador”.
Por sua vez, a arguida IM…, apesar de não ser visada nos factos em questão (arts. 5440 a 5640 da pronúncia), invoca o desconhecimento dos mesmos (v. contestação fls. 17854 a 17906 – art. 2540).
Assim sendo, nenhuma das circunstâncias alegadas pelos ditos arguidos foi vertida na factualidade provada ou não provada.
 (…)

iii. Apreciando.
a. A factualidade que aqui se mostra em apreciação, insere-se no âmbito das operações que determinaram pagamentos feitos à Venice, no final do ano de 2002, para diminuição do descoberto (42 milhões de euros) gerado pelas anteriores operações de financiamento da Camden (ocorridas no ano 2000), para aquisição da SLN Imobiliária e para aquisição de créditos da SLN SGPS.

b. Os recorrentes LM…, LAl… e IC… alegam que:
- As notas internas de 2000 e 2003 (nomeação como directores) são insuficientes para fundamentar a conclusão de os arguidos terem tido intervenção na concepção da estratégia a que o tribunal “a quo” alude, como resulta do que afirmaram o arguido LC…, JGm…, JMN…, AP… e EP… pois, ao contrário do concluído pelo Tribunal a quo, apenas em Março de 2003 é que essa distribuição de funções se implementou, e não antes.
- Fazem ainda apelo ao memorando de JMN….
- Os actos que o arguido LM… praticou foram no sentido do cumprimento de ordens que recebeu, do arguido LC… (actualizações constantes nos mapas, em 2003), não lhe cabendo saber qual era o fim a que se destinavam; na pen que o tribunal “a quo” refere, existem documentos que desconhece; invoca ainda alguns dos documentos que o tribunal “a quo” refere;
- O arguido LAl… admite ter enviado a carta datada de 11 de Março de 2004 para o Banco de Portugal, mas afirma que na mesma apenas consta a informação que pediu e que lhe foi dada pelo departamento de contabilidade da SLN Imobiliária e que tomou por correcta, não tendo tido qualquer intenção de enganar o BdP. Mais afirma que foi um facto público e também do conhecimento do BdP que a SLN Imobiliária foi vendida, o que não impediu que o dito BdP, para efeitos prudenciais, considerasse sempre a SOGIPART como fazendo parte do Grupo SLN.
Terminam pedindo que seja retirado dos factos provados acima referidos a parte em que se afirma que os arguidos intervieram no processo definidor e decisório nos factos em apreço. Mais peticionam que, por não ser indicada qualquer prova que sustente essa imputação, deverá ser reconhecida a nulidade do acórdão recorrido, por insuficiência da fundamentação e por erro notório na apreciação da prova.

iv. Vejamos então.
Independentemente de, mais uma vez, ser manifesta a contradição de pedidos formulados pelos arguidos, em sede de vícios, face à reapreciação pedida, vamos ao que importa.

a. O que está aqui em discussão é saber se o tribunal “a quo” errou ao imputar aos arguidos LM… e LAl…, com a colaboração da arguida IC…, a concepção da estratégia de utilização das 8 entidades offshore aí descritas, de forma a diminuírem contabilisticamente o descoberto de 42 milhões de euros que apresentava a conta da Venice, junto do BPN Cayman (descoberto este determinado pelas operações de financiamento da Camden para aquisição de acções da SLN Imobiliária e aquisição de créditos da SLN SGPS, ocorridas no ano 2000).

b. A operacionalização de tal estratégia (viabilizada pela circunstância de o Banco Insular já se mostrar então no universo do Grupo SLN/BPN, pois a sua aquisição verificou-se em Dezembro de 2001) ocorreu no final do ano de 2002, mais concretamente:
. Em 5.11.2002 e 11.11.2002 - movimentos a crédito (provenientes de suprimentos da Imonações e da Villas D’Água) e débito na conta da Aniola (saída para 5 offshores);
. Em 29.11.2002 e 13.12.2002 - movimentos a débito das 8 offshore;
. Em 11/12.12.2002 e em 16/20.12.2002 – transferência a crédito da Venice, dos montantes provenientes das 8 offshore.

c. Pese embora tais operações tenham decorrido, como se mostra documentalmente comprovado e os arguidos não impugnam, em Novembro e Dezembro de 2002, a verdade é que a concepção de tal estratégia ocorreu alguns meses antes.
É disso mesmo que o tribunal “a quo” dá conta, ao mencionar as reuniões que foram realizadas em Agosto e Setembro desse mesmo ano e que envolveram estes três arguidos e outros cuja actuação neste momento não se cuida.

d. De facto, consta nos cadernos manuscritos da arguida IC… (Apenso de busca 13, vol. 4, fls. 1616 a 162) o resumo de uma reunião ocorrida em 26.08.2002, entre os arguidos LC…, LM…, LAl… e IM…, em que foi abordado/discutido o “Assunto Sogipart; minutas dos contratos/Protocolo rectificações cheques bancários FCr… e endosso para nova offshore” que só pode referir-se, face ao contexto, à sociedade offshore Aniola que viria a ser criada posteriormente e a quem foram endossados os identificados 3 cheques bancários das sociedades Imonações e Villas D’Água.
De igual modo, nos mesmos cadernos (Apenso de busca 13, vol. 4, fls. 1655 a 1660), mostra-se vertido o resultado da reunião ocorrida no dia 21.09.2002 (sábado), entre os arguidos LC…, LM… e IM…) – referência a “respostas B.F.” – admite-se, há dúvidas se pretende significar ou não o Banco de Portugal -, e “Sogipart capital social 5000000 accionista Camden” e enunciação de várias renúncias do arguido LC… a cargos sociais em várias sociedades do grupo SLN/BPN, bem como a indicação das pessoas que o iriam substituir nesses cargos;
Uma semana e um dia depois (em 29.09.2002, um domingo), ocorre uma nova reunião (Apenso de busca 13, cadernos manuscritos da arguida IC…, vol. 4, fls. 1676 a 1682) na Planfin, entre os arguidos LC…, LAl…, LM… e IM…, em que se abordou/discutiu a “reconstituição da SLN Imob 2000/2001 movimentos financeiros transferência da CAMDEN 1.823.000.000; alteração DO/extracto para BP; Imobiliária; suprimentos relatório e contas da SLN Imobiliária 2000”, reconstituição dos movimentos financeiros e alteração do extracto de conta à ordem que, de facto, ocorreram, note-se, “para BP”, ou seja, para o Banco de Portugal.
E, posteriormente, nesses mesmos cadernos, mostram-se sintetizados os resultados de duas reuniões posteriores, já em Novembro de 2002, com indicação num deles de que se trata da 4ª versão – sendo que se constata que esta é, de facto, a 4ª reunião registada a propósito deste tema, no seguimento das três acabadas de mencionar (Apenso de busca 13 (cadernos manuscritos da arguida IC…), vol. 3, fls. 1377 – 26.11.2002 -, “LCC”, ou seja, reunião entre a arguida IC… e o arguido LC…, com o seguinte manuscrito: “protocolo de rescisão SLN/Camden ref. SLN Imob, alterações 4º versão” e - Apenso de busca 13 (cadernos manuscritos da arguida IC…), vol. 3, fls. 1392 – 28.11.2002 -, “R. interna LCC”, ou seja, reunião entre a arguida IC… e o arguido LC…, com a seguinte parte manuscrita: “Factura da SOGIPART vai para a pasta da PARTINVEST é esta que paga” e outra do seguinte teor: “financiamento de 44. M. Euros no BI + juros 7.150.182 € 20% Kemusa, 20% Quila, Zala 10%, Rador 10%, Ricia 10%, Acle 10%, Marton 10%, Jamaki, Anila – financiamento total 44.173.540 + juros; Procurações p abertura de contas /B.Insular/data/prever financia/tos//Movimentação de conta”), sendo certo que esta súmula corresponde, ipsis verbis, às operações de movimentação que os factos provados descrevem, posteriormente realizadas: suprimentos, créditos e débitos, relativos àquelas offshore.

e. Ora, independentemente de toda a demais prova documental que o tribunal “a quo” avança a propósito desta matéria (que serve de suporte corroboratório a estes elementos probatórios), as reuniões cujo resultado se mostra vertido nesses cadernos, bem como os dias da semana em que duas delas ocorreram (sábado e domingo), determinam, em sede de experiência comum, que tenhamos de entender estarmos perante reuniões em que se procurou estabelecer uma estratégia, de modo a resolver a questão do descoberto que envolvia aquelas sociedades (note-se que Sogipart passou a ser a nova denominação da SLN Imobiliária).
De facto, se os arguidos ora recorrentes não tivessem tido intervenção na concepção de tal estratégia, não há nenhuma razão lógica para estarem presentes em sucessivas reuniões a propósito deste tema, ainda por cima desenvolvidas fora do horário de trabalho. Teriam recebido as suas instruções ou verbalmente ou via mail.

f. Assim, mostra-se de acordo com as regras de experiência comum a apreciação que o tribunal “a quo” faz a seu propósito, quando afirma que do teor destes documentos resulta, sem margem para dúvidas, uma intervenção activa da Planfin e dos seus colaboradores, aqui arguidos LC…, LM…, LAl… e IM…, no tratamento e planificação de negócios sensíveis do grupo SLN/BPN – incluindo o que temos vindo a analisar SLN Imobiliária/Venice/Camden/Aniola/Kemusa/Quila/Zala/Rador/Ricia/Acle/Marton e Jamaki/financiamento do Banco Insular - bem como o conhecimento inequívoco do “saque” de fundos da Venice para estes negócios e das acções desenvolvidas para omitir factos, e a própria Venice, ao Banco de Portugal, ao ponto de ser necessário alterar o extracto de conta da SLN Imobiliária, como veio a ocorrer.
(…) Sinaliza-se ainda que os assuntos versados nas reuniões internas da Planfin não tinham teor informativo, dado que eram abordados antes de os factos ocorreram, sendo certo que, posteriormente, as operações/movimentos financeiros e bancários e negócios ocorriam em conformidade com o que era discutido nas reuniões e anotado pela arguida IM….
Note-se que os cadernos manuscritos da arguida não se resumem só às partes que acabamos de citar.
Diversamente, contêm centenas de páginas em que são abordados outros assuntos do grupo SLN/BPN, com a indicação dos negócios, planificação dos mesmos, previsão dos movimentos bancários, necessidade de constituição de sociedades offshore e de abertura de contas para esse efeito.
Ou seja, a Planfin foi um elemento essencial e preponderante na condução de toda a estratégia do grupo SLN/BPN, tendo os seus colaboradores, aqui arguidos LC…, LM…, LAl… e IM…, um conhecimento circunstanciado e, muitas vezes, profundo do teor dos negócios em curso e dos que estavam a ser planeados e viriam a concretizar-se, dando o seu apoio à respectiva concretização, quer na vertente jurídica, através dos advogados colaboradores da Planfin (arguida IC…, AG…, IF… e CA…), quer na vertente contabilístico/financeira, por meio dos seus também colaboradores, aqui arguidos LM… e LAl….
Embora estes últimos dois não sejam tão mencionados nos cadernos, não se descure que qualquer negócio tinha sempre duas vertentes: a jurídico/formal, que reclamava o apoio dos respectivos advogados, e a contabilístico/financeira, que implicava o apoio técnico dos arguidos LM… e LAl… e restante equipa técnica.

g. Estes elementos probatórios e estas considerações não merecem, da parte dos recorrentes, qualquer impugnação ou comentário.
E uma vez que é, com base nos mesmos (corroborados por outra prova a que o tribunal “a quo” alude, nela se incluindo as notas internas, que os arguidos chamam aqui à colação, mas que servem como elemento acessório comprovador e relativamente às quais já deixámos supra transcrita a motivação relevante a seu propósito expendida pelo tribunal “a quo”) que o tribunal “a quo” funda a sua motivação, não tendo os arguidos demonstrado a existência de erro ou vício quanto a estes, nem se vislumbrando que ocorra erro de apreciação, face às regras da livre apreciação e da experiência comum, teremos de concluir que os recorrentes não conseguiram demonstrar que, no que toca à matéria que impugnam, se imponha decisão diversa, isto é a sua alteração.

v. Temos pois de concluir que, nesta parte dos seus recursos, o aí peticionado não se mostra de passível provimento.

5. Pontos 561), 563), 564), 565), 568), 569), 571), 573), 588), 589), 594), 621), 625), 628), 629), 644), 645) e 647) (arguidos LM… e LAl…) e 561), 577), 588), 589), 594), 644), 645) e 647) (arguida IC…) da matéria julgada provada proveniente da pronúncia – Validus:

i. Nesta sede, entendem os recorrentes:
Os arguidos LM… e LAl…: que se mostra erradamente dado como assente que simularam uma cessão de créditos – sobre a Validus – entre a SLN Investimentos e a Keresley, porque efectivamente ocorreu uma transferência de suprimentos sobre a Validus da Invesco para a Keresley (ao inverso do que o tribunal “a quo” afirma).
Os arguidos LM…, LAl… e IC…, que se mostra erradamente dado como provado que estes três arguidos:
. Participaram na decisão de colocar a titularidade da Validus na esfera da SLN Investimentos;
. Participaram na decisão de divisão do património da Validus e sobre os actos contratuais que a executaria;
. Participaram na decisão de transmissão da Validus para RO…, bem como no que respeita aos actos contratuais que a permitiram;
. Participaram na decisão de utilização da Groundsel para transmitir as acções da Validus para RO…;
. Participaram na colocação na pessoa de RO… do património da sociedade Validus;
. Geraram um prejuízo patrimonial para a SLN Imobiliária.
Afirmam que esse erro (e os vícios que subsidiariamente invocam) se funda numa incorrecta apreciação dos elementos probatórios, designadamente:
Quanto à arguida IC…, por não ter sido seguido o mesmo raciocínio que o tribunal “a quo” adoptou a propósito da sua não intervenção na questão da Keresley;
Quanto aos arguidos LM… e LAl…, por ter sido entendido que a mera assinatura dos contratos os coloca como conhecedores e decisores de tudo, o que se mostra contra as regras de experiência comum, pois limitaram-se a cumprir ordens.
Todos os arguidos afirmam ainda que:
. Não houve qualquer prejuízo decorrente desta operação – a existir decorreria de uma outra: a aquisição por parte da Kinasol da sociedade Interopus.
. A única alienação que gerou uma mais-valia foi a venda da Quinta da Torre de Santo António, S.A. pela SLN Investimentos ao BPN Seguros de Vida, S.A. (facto que nem sequer relevou para o Acórdão recorrido).
. A decisão de adquirir, transformar e cindir a Validus não teve início em Dezembro de 2000, mas sim, em 8 de Novembro 1999 (referência ao projecto hoteleiro, em parceria com o Chiva-Som International Health Resorts da Tailândia).

ii. Apreciando.
Parte das questões que os recorrentes aqui suscitam já foram anteriormente apreciadas em sede dos recursos interpostos pelos arguidos JO… e LC…, sendo que os argumentos que se mostram aqui referidos são, em grande medida, ipsis verbis, os nesses articulados constantes.
Assim, porque o aí vertido mantém plena actualidade e por razões de mera economia processual, transcrevem-se os segmentos relevantes aí já produzidos, que têm o seguinte teor (da apreciação dos recursos dos arguidos JO… e LC….):

a. (…)
“Em defesa da sua tese, o recorrente limita-se a aduzir que a ausência de um descritivo e de não ter sido encontrado nos autos um documento que formalizasse a cessão dos suprimentos que a Invesco detinha sobre a Validus, para a Keresley, não autoriza que se desconsidere a existência da materialidade do movimento bancário efectuado.
iv. Sucede, todavia, que o tribunal “a quo” refere precisamente essa questão, discutindo e rebatendo a tese que o arguido agora avança.
Efectivamente, constata a existência desse movimento, bem como a ausência de qualquer documento formal de cessão de suprimentos - o que, por muito informal que fosse o tratamento em sede de entidades offshore, ultrapassa, em sede de regras de experiência comum, o entendimento de como seria possível fazer prova de tal transmissão, em termos legais e que se mostra em desacordo com a formalização da cessão de suprimentos realizada posteriormente, no negócio da nova Validus – e constata ainda a discrepância de valores monetários resultantes de tal putativa transmissão, face ao quantitativo alegadamente relativo a “suprimentos” (mais do dobro do que a esse título seria “devido”), que resulta da mera análise dos fluxos financeiros efectivamente realizados.
O que daqui decorre é que, relativamente a tal debate, o arguido mostrou-se incapaz de proceder à sua contra-argumentação, a rebatê-la, nada aduzindo em seu contraponto.
v. Por seu turno, a palavra prejuízo mostra-se aqui usada no seu sentido corrente, comum, não jurídico (prejuízo é comumente utilizado para expressar a perda de algo, uma diminuição patrimonial), sendo certo que se mostra explicado pelo tribunal “a quo” porque razão entendeu que tal perda ocorria. Assim, não se vislumbra aqui qualquer impedimento à utilização de tal palavra.
vi. Temos, pois, que nesta sede, mais uma vez o recorrente não conseguiu apresentar argumentos que demonstrassem a existência de um erro de apreciação, que impusesse uma alteração da factualidade dada como assente, razão pela qual improcede o por si peticionado.”

b. (…)
“a. Entende o arguido que a matéria de facto aí constante deve ser julgada como não provada quanto a qualquer prejuízo alegadamente decorrente da operação, para a SLN Imobiliária, dando-se ainda como não provado que foi essa a intenção dos arguidos.
b. A tese do arguido funda-se, essencialmente, na alegação de que, pertencendo a SLN Imobiliária e a SLN Investimentos ao mesmo Grupo, as transacções entre ambas ocorridas não importam prejuízo.
c. Discorda-se frontalmente de tal tese, sendo certo que debalde procurámos, no recurso do arguido, a indicação de quaisquer normas jurídicas que a suportem.
Uma sociedade é uma sociedade, ainda que se mostre inserida num determinado Grupo societário. Tem contabilidade própria, gere o património que lhe pertence e desenvolve a sua actividade em autonomia, o que significa que suporta custos próprios, que têm de ser financiados pelos ganhos decorrentes das tarefas que se incluem no seu objecto social e que lhe cumpre prosseguir.
d. Ora, no caso, se comprovadamente (e neste ponto, o arguido nada impugna) a SLN Imobiliária, quando vende a Validus à SLN Investimentos, a valoriza em 1.084.000.000$00 (que foi o preço da venda) e esta, por sua vez, limita-se a dividir o património dessa sociedade em duas e vende as mesmas pelo valor total de 2.327.382.255$00, sendo que essas operações – venda à SLN Investimentos, posterior cisão e venda das duas novas sociedades: a nova Validus e Quinta da Torre de Stº António – decorreram no período de dois dias (28 e 29 de Dezembro de 2000), há que concluir que a SLN Imobiliária teve, de facto, o prejuízo correspondente (2.327.382.255$00-1.084.000.000$00=1.243.382.255$00).
e. E uma vez que tudo isto se passou naquele mais que exíguo espaço temporal – de um dia para o outro – é absolutamente indiferente apurar se o projecto de cisão já vinha pensado há dias, meses ou anos, se havia isenção de sisa ou não, se houve autorizações de registo ou o que é que a SLN Investimento tencionava fazer com a Quinta da Torre de Stº António, porque forçosamente, em 24 horas, nada sucedeu (nem o arguido o invoca) que justifique a dramática alteração de valor do mesmíssimo acervo patrimonial (apenas dividido em dois – duas sociedades).
(…)
g. Assim, o que decorre da reapreciação realizada é que se mostra por demonstrar que a factualidade vertida em tais pontos factuais foi erradamente apurada, o que determina a improcedência das alterações que o arguido propõe.”

iii. Ao que se deixa aqui vertido, que demonstra a incapacidade de a argumentação expendida por todos estes arguidos, de demonstração da invalidade da factualidade objectiva apurada que aqui impugnam, no que concerne à questão da Keresley e dos prejuízos da SLN, haverá apenas agora de atender à questão de saber se os arguidos LM…, LAl… e IC… intervieram ou não na decisão da colocação da Validus na SLN Investimentos / na preparação e venda da Validus (já como activo da SLN Investimentos) para aquisição de acções da SLN SGPS / no financiamento da Groundsel para comprar a nova Validus / no financiamento da nova Validus para proceder à liquidação financeira das acções da SLN SGPS; ou seja, se intervieram na decisão e operacionalização de toda a estratégia, sabendo os fins que se pretendiam alcançar.

iv. E a resposta a estas questões é positiva.
Na verdade, e ao inverso do que os recorrentes afirmam – tese na qual acabam por sustentar a sua crítica ao decidido - estes não se limitaram a cumprir ordens.

a. De facto, os arguidos LM… e LAl…, ao longo de todo o período temporal em que decorreram as operações descritas nesta factualidade, eram administradores da SLN Investimentos (facto 561 nessa parte não impugnado e documentalmente demonstrado), para além da actividade que exerciam (assim como a arguida IC…) em sede da Planfin, desde 1999 (pontos de facto 40 e 41).

b. O arguido LM… passou ainda, a partir do ano 2000, a exercer funções como director financeiro e da direcção de controlo e avaliação estratégica da SLN SGPS (facto 52) e de 2002 até 2007, foi administrador da Planfin.
Para o triénio 2000/2002, o arguido LM… foi designado Presidente do Conselho de Administração da SLN Investimentos.

c. Por seu turno, o arguido LAl… assume o cargo de administrador da Planfin no triénio 2005/2007 (factos 42 a 47), sendo que era, desde 1999, responsável da contabilidade da SLN SGPS, colaborando ainda com a direcção dirigida pelo arguido LM… (facto 54).
Foi nomeado administrador da SLN Investimentos para o triénio 2000/2002.

d. A arguida IC… era já então e assim se manteve até 2007 (factos 40 a 47) vogal do conselho de administração da Planfin, para além do exercício de funções como colaboradora da SLN (advogada mandatada pela mesma), passando, em 2000, a exercer o cargo de responsável da direcção de assuntos jurídicos e fiscais da SLN (facto 51). Foi ainda foi procuradora de entidades offshore pertencentes ao Grupo SLN/BPN (facto 60).
Era igualmente, àquela data, administradora da SLN Investimentos.

v. Dizem os arguidos que não é possível chegar-se à prova de terem actuado de tal modo, simplesmente por virtude dos documentos que assinaram e dos cargos que ocuparam.
E a pergunta é – como não?

a. Um cargo de administrador implica grande exigência e responsabilidade no exercício dessas funções. É um cargo em que alguém tem nas mãos decisões que se prendem com a aplicação de dinheiro que lhe foi confiado pelos investidores e que deve ser administrado de modo a potenciar-lhes retorno do mesmo.

b. Obviamente que, adstrito ao exercício de tal cargo, se mostra a absoluta imperiosidade de conhecimento profundo e adequado de toda a estrutura da sociedade e, em especial, dos negócios que a mesma celebra, do seu activo e do seu passivo.

c. É para esse fim que se é nomeado e se aceita o exercício de tal cargo. Não é uma função subalterna, nem hierarquicamente sujeita ao cumprimento inquestionado de ordens.
Quando se aceita um cargo de administrador (ou de presidente de uma sociedade), não é apenas para se ter direito a um título, a uma remuneração e a um bónus.
Aceitam-se responsabilidades e essas reconduzem-se a tomar decisões, assumi-las e responder por elas.

vi. No caso, os arguidos LM… e LAl… tinham ambos cargos de topo na SLN Investimentos e ambos assinaram (factos indisputados quanto aos cargos exercidos, ao teor concreto dos documentos e quanto à aposição das suas assinaturas):
a. O pretenso acordo de cessão de créditos entre a Validus, a SLN Investimentos e a Keresley (factos 563, 564 e 566), que visava ocultar o financiamento que a Invesco havia feito à SLN SGPS em 31.05.2000 (facto 570);
b. O contrato de compra e venda da Validus e o valor dos suprimentos (que foi adquirida pela SLN Investimentos), em 28.12.2000 (factos 588 a 591);
c. O contrato de compra e venda das acções da nova Validus, seus activos e suprimentos, à Groundsel (factos 622 a 629), compra esta financiada pela Kinasol e pela Oardale (29.12.2000 e 31.12.2001);
d. Determinaram que a SLN Investimentos, no dia 29.12.2000, transferisse para a conta da nova Validus (com data valor de dois meses antes – 30.10.2000), o montante de 463.614.625$00, assim ficando pagas as 1.250 acções da SLN SGPS que haviam sido carregadas na conta do arguido RO… (factos 631 a 634).

vii. Não tendo os arguidos alegado nem demonstrado que, nos momentos temporais em que procederam à assinatura de tais contratos, se encontrassem em não pleno exercício das suas faculdades mentais, a inferência de que sabiam, queriam, ajudaram na decisão da estratégia e na viabilização da mesma, no que a esta factualidade se reporta, mostra-se plenamente assegurada face às regras de experiência comum.

viii. E no que concerne à arguida IC…, sendo a mesma já então igualmente administradora da SLN Investimentos, para além do exercício de funções na Planfin e da sua qualidade de jurista, perante o Grupo SLN, pese embora não tenha assinado tais contratos, não se vislumbra como poderia ignorar o teor dos mesmos e o que deles decorria.
Não obstante, há um contrato que assinou e até o fez a solo, em representação da Validus – o contrato de cisão desta sociedade. Ora, esse contrato foi realizado no mesmo dia (28.12.2000) em que foi celebrado o contrato de aquisição da Validus, sendo certo que a escritura de cisão continha já os elementos de aprovação do modo como seria realizada.

ix. O que acaba de se sintetizar mostra-se vertido ao longo da motivação que o tribunal “a quo” realizou a propósito da sua convicção quanto a esta factualidade (e para a qual remetemos, escusando-nos de a novamente reproduzir, dada a sua extensão), salientando-se, todavia, pela sua pertinência e ausência de impugnação pelos arguidos (não basta negar, é preciso fundamentar a negação…), os seguintes segmentos motivacionais:
A arguida IC…, à data, também era vogal do Conselho de Administração da SLN Investimentos.
Exercia funções na Planfin juntamente com os arguidos LC…, LM… e LAl…, sociedade que prestava serviços jurídicos e financeiros/contabilísticos para o grupo SLN no qual eram administradores a os arguidos OC… e LC….
Assim sendo, embora não tenha subscrito o contrato em representação da SLN Investimentos, perante este circunstancialismo, face às regras da experiência comum, da lógica e máximas da vida, não se vislumbra como não tenha, igualmente, concordado com a referida aquisição, em conjunto com os arguidos LM… e LAl…, e, deste modo, participado nessa decisão, embora, como sobredito, o “papel” mais relevante nessa decisão fosse dos arguidos OC… e LC….
(…)
2) Contrato de cessão de créditos entre a Keresley, como cedente, e a SLN Investimentos, como cessionária, relativo aos suprimentos no montante de 427.270.262$00:
Na mesma data em que foi outorgado o contrato analisado no ponto anterior, foi outorgado este outro em que intervieram como representantes da SLN Investimentos os arguidos LM… e LAl….
Estes, além da circunstância de terem sido nomeados a 10.5.2000 directores, respectivamente, da direcção financeira e da direcção de contabilidade da SLN SGPS, S.A., prestavam, no âmbito da Planfin, serviços de contabilidade e financeiros para o grupo, efectuando ainda, como já foi explicado, um controlo dos activos e passivos das sociedades offshore do grupo.
Eram profissionalmente próximos do arguido LC…, na medida em que exerciam funções com ele na Planfin, sociedade que prestava serviços para o grupo SLN do qual o arguido LC… era administrador.
A alegada transferência dos suprimentos da Invesco para a Keresley não tinha qualquer documento contratual de suporte, nem se mostrava comprovada nos extractos bancários de qualquer das sociedades offshore.
Perante este circunstancialismo, face às regras da experiência comum, da lógica e máximas da vida, não se vislumbra como os arguidos LM… e LAl… não tivessem conhecimento cabal da factualidade relativa aos suprimentos da Validus.
Por isso, outorgando o identificado contrato de cessão de créditos, não se pode deixar de concluir pela prova dos factos correspondentes da pronúncia em relação a estes dois arguidos (arts. 588° a 598° da pronúncia).
(…)
3) A divisão do património da Validus, S.A., ou seja, a sua cisão:
À data em que ocorreu a totalidade da participação social da Validus, S.A. estava na titularidade da SLN Investimentos.
Assim, pelas razões descritas no ponto 2), não obstante o arguido FS… ter outorgado o contrato de venda das 50.000 acções da Validus à SLN Investimentos, quanto ao mesmo, não fica demonstrada a relação causa/efeito que é estabelecida no art. 586° da pronúncia, i.e., que tivesse decidido essa venda em ordem a que fosse dividido o património da Validus.
Já não se pode chegar à mesma conclusão quanto à arguida IC….
Pela simples razão de que ela, e só ela, outorgou na escritura pública de cisão na qualidade de administradora e em representação da sociedade Validus – Imobiliária e Investimentos, S.A., escritura à qual, aliás, foram anexados elementos documentais relevantes, que necessariamente conhecia, como sejam: projecto de cisão simples, relatório/parecer sobre o projecto de cisão simples do revisor oficial de contas, relatório/parecer do fiscal único da sociedade cindida, documento complementar, certificados de admissibilidade das sociedades Validus e Quinta da Torre de Santo António – v. apenso temático S, vol. 1, fls. 135 a 145, págs. 136 a 146 pdf.
Ou seja, e em resumo:
Participou na decisão de aquisição da Validus, S.A, pela SLN Investimentos à SLN Imobiliária.
Outorgou, como administradora, e em representação da Validus, a escritura pública de cisão.
O contrato de aquisição da Validus e a escritura de cisão foram realizados no mesmo dia (28.12.2000).
Logo, não se pode deixar de concluir que a arguida IC…, na qualidade de vogal do Conselho de Administração da SLN Investimentos, participou na decisão de aquisição por esta sociedade de 50.000 acções da Validus, S.A., em ordem a que fosse dividido o seu património através da cisão, então, operada.
(…)
Relativamente aos arguidos LAl… e LM…, considerando que os mesmos outorgaram no contrato a que se refere o art. 663° da pronúncia, pelo qual a SLN Investimentos procedeu à venda das acções da “Nova Validus” à entidade Groundsel, sociedade do arguido RO…, não se pode deixar de concluir que aqueles arguidos tinham total conhecimento da finalidade subjacente à serie de contratos outorgados, a eles não se opondo, logo, aderindo à pretensão de se “alcançar o objectivo de” transferir “a sociedade Validus para o RO…”.
E, tendo sido o arguido LC… a determinar a série de actos contratuais, isso só reforça, obviamente, o seu conhecimento e plena participação nesta matéria.
Por sua vez, a arguida IC… trabalhava com os arguidos LC…, LM… e LAl… na Planfin, tratando mais das questões jurídicas e fiscais dos contratos que eram submetidos à apreciação desta sociedade.
Interveio como única outorgante na escritura pública de cisão e divisão do património da Validus.
Por conseguinte, face às mesmas regras da experiência comum, da lógica e máximas da vida, não se pode deixar de concluir que tinha pleno conhecimento daquele desiderato e que aderiu ao mesmo.
(…)
Foi feita a transferência a que alude o art. 673º da pronúncia (v. facto provado 631).
O arguido LAl… confessou que assinou o pedido de transferência a pedido do arguido LC…, mais referindo que em todo o negócio da Validus foi o mesmo arguido que lhe deu as instruções, designadamente para a outorga dos contratos em que foi interveniente a SLN Investimentos.
Acresce que o arguido LM… era, à data, o Presidente do Conselho de Administração da SLN Investimentos e outorgou o já identificado contrato de compra e venda entre aquela sociedade e a Groundsel atinente à transferência do capital social da Nova Validus.
Portanto, não pode ter deixado de conhecer e aderido à “execução da estratégia de aumento dos suprimentos à Validus”, bem como à “transferência” a que alude o facto em questão
No mais, dir-se-á que esta transferência corresponde à execução material dos negócios (“série de actos contratuais”) que vinham sendo definidos pelos arguidos e a que já nos reportamos em termos subjectivos.
(…)
Em suma, pelo modo que já foi analisado supra, os arguidos OC…, LC…, FS…, IM…, LM… e LAl…, intervenientes nesta série de actos contratuais (alguns em parte deles, outros na sua totalidade), lograram que o arguido RO… ficasse titular/dono da Nova Validus e do respectivo activo, composto pelo seu capital social, pelo imóvel sito na Av. do Brasil, no Estoril, e pelo lote de 1.250.000 acções da SLN SGPS, S.A. (art. 688° da pronúncia; v. facto provado 644).

x. Uma palavra final, no que se refere ao aludido pela arguida IC…, quanto ao seguinte segmento da motivação exarada pelo tribunal “a quo”:
Quanto aos arguidos FS… e IC… não se logrou superar as dúvidas existentes.
Nenhum deles outorgou o identificado contrato de cessão de créditos.
As funções da arguida IC… na Planfin estavam mais ligadas às questões técnicas/jurídicas, até face às suas qualificações profissionais (licenciada em Direito; advogada).
A “camuflagem” a que aludem os arts. 573° e 574° da pronúncia, em que se incluía uma pretensa venda à Invesco do suprimento que a SLN SGPS detinha sobre a Validus, resultou não provada em relação aos arguidos FS… e IC….
Os factos em análise estão ligados aos factos 573° e 574° da pronúncia, bem como a uma suposta operação intermédia, alegada pelo arguido LC… mas não demonstrada, designadamente a eventual venda dos suprimentos da Invesco à Keresley.
Não se viram elementos probatórios de natureza testemunhal, documental ou por declarações de arguidos que pudessem ligar os arguidos FS… e IC… às alegadas várias transmissões dos suprimentos que culminaram na cessão de créditos entre a Keresley e a SLN Investimentos.
Assim sendo, havendo dúvidas, e não se tendo logrado ultrapassá-las, em obediência ao princípio in dubio pro reo, a factualidade dos arts. 588° e segs. deve considerar-se não provada no que respeita aos arguidos FS… e IC….

a. Queixa-se a arguida de a igual entendimento não ter chegado o tribunal “a quo”, no que se refere à restante actividade que lhe imputa, nesta sede fáctica, parecendo querer arguir que terá havido violação do princípio in dubio pro reo.
Não lhe assiste qualquer razão.

b. Tal princípio tem o seu campo de aplicação limitado às situações em que, no decurso da formação da convicção do julgador, este chegue a um ponto de indecisão inultrapassável quanto à circunstância de o arguido ter ou não praticado um determinado facto. Nesse caso – e apenas nesse caso – deverá o tribunal fazer a aplicação de tal princípio.

c. Do dito decorre que não basta, para tanto, que a prova produzida seja contraditória ou não uniforme ou que o arguido opte pelo silêncio ou negue a prática dos factos (se assim fosse, salvo nos casos de confissão, qualquer acusação estaria inevitavelmente votada ao insucesso). Necessário se mostra, como se disse, que o acervo probatório, atendido na sua globalidade, não permita que o julgador atinja uma certeza jurídica quanto à ocorrência de um determinado facto.

d. No caso vertente, teremos de começar por realçar que, em momento algum da fundamentação, o tribunal “a quo” nos dá notícia de, em relação aos factos que consignou e deu como assentes, ter chegado a qualquer situação de dúvida inultrapassável, nem a mesma se mostra minimamente presente ou perceptível, atenta a leitura do que aí ficou exarado. Na verdade, a mera circunstância de existirem teses opostas, de o arguido negar a prática de um acto ou de este não ter sido presenciado, na sua integralidade, por alguma testemunha, não conduz, forçosamente, à conclusão de ocorrência de dúvida. Ela só se verificará se o julgador não puder, em termos de convicção, dar prevalência a um relato dos factos, por nenhum dos elementos probatórios que lhe foram apresentados se mostrar credível ou suficiente.

e. Mas tal não sucede neste caso, em que o tribunal “a quo” entendeu – e sem razões de censura – que da conjugação dos elementos probatórios que elencou, em conjugação com as regras de experiência comum, lhe foi possível apurar o desenrolar dos factos e imputar a autoria dos mesmos à arguida.
Deu assim prevalência ao acervo probatório e às inferências do mesmo resultantes, como acima referido, por o considerar no seu todo credível, verdadeiro, fiável e, uma vez que o mesmo compreende a sucessão do ocorrido, entendeu o tribunal dar como assente tais factos, nos precisos termos por si relatados.

f. Isto significa, muito simplesmente, que o tribunal não chegou a nenhuma situação de dúvida inultrapassável, insuperável, pois acreditou na globalidade do acervo probatório que mencionou, alcançando, através do mesmo, a certeza jurídica quanto ao modo como a acção se processou e quem a realizou.

g. E, revendo as razões que o levaram a assim entender, confrontando-as com as críticas que a recorrente lhe dirige, entendemos que o fez sem razões de censura. Efectivamente, neste caso – ao inverso do que sucedeu com a questão da Keresley (em que não viu elementos probatórios de natureza testemunhal, documental ou por declarações de arguidos que pudessem ligar a arguida IC… às alegadas várias transmissões dos suprimentos que culminaram na cessão de créditos entre a Keresley e a SLN Investimentos e em que por isso, constatou a existência de uma dúvida que não logrou ultrapassar) – o tribunal “a quo” viu elementos probatórios bastantes e não teve dúvidas inultrapassáveis quanto à intervenção da arguida nesta factualidade.

h. De tudo o que se deixa dito ressalta que, da fundamentação realizada pelo tribunal “a quo” resulta que, da conjugação dos elementos probatórios que refere, lhe foi possível alcançar a certeza jurídica da ocorrência dos factos que deu como assentes. E se assim é, e se o fez de acordo com os poderes que a lei lhe confere, nos termos do artº 127 do C.P. Penal - onde se consigna que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador (isto é, convicção devidamente fundamentada, como é o caso, em que o raciocínio conviccional se mostra claramente explanado pelo tribunal “a quo” em sede de fundamentação, inexistindo pois arbitrariedade ou discricionariedade) - haverá que daí extrair que não houve violação do acima referido princípio, por não se verificarem, in casu, os requisitos de que depende a sua aplicação.

i. Não é essa a convicção da recorrente, o que é postura que tem direito a manter mas, no caso, não é a sua convicção pessoal que releva, mas sim a do julgador, uma vez que esta se mostra alcançada em perfeito cumprimento das normas legais que regem tal matéria.
 Improcede, pois, a crítica da arguida, quanto a esta questão.

xi. Do que se deixa exarado resulta claro que os arguidos ora recorrentes se mostraram incapazes de demonstrar que a motivação realizada pelo tribunal “a quo” não se mostrava suportada pelos elementos probatórios e pela análise que fez sobre os mesmos, quanto a estas questões, bem como que não se vislumbra que o decidido padeça de qualquer vício que o infirme, razão pela qual se tem de concluir pela improcedência das peticionadas alterações a nível factual.
 
6. Pontos  948) (arguidos LM… e LAl…) e 949) (arguida IC…) da matéria julgada provada proveniente da pronúncia:
Os recorrentes pretendem a reapreciação dos pontos acima mencionados, que se reportam à imputação subjectiva.
Todavia, fundam tal pedido num único argumento - o pressuposto de que seria dado provimento às alterações factuais que supra se mencionaram e, por virtude das mesmas, se teria de concluir que:
- os arguidos não actuaram em conjugação de esforços com outros arguidos, com o propósito de criarem cenários de forma a enganar terceiros e a possibilitarem a apropriação de fundos, tendo para tal forjado documentos e registos contabilísticos de forma a ocultar e a criar justificações para os seus actos e os de terceiros (arguidos LM… e LAl…);
- que a arguida IC… não actuou com o propósito de prestar uma ajuda essencial para a prática de actos de apropriação de fundos alheios e de forjar de documentos essenciais para o desenvolvimento dos actos praticados pelos arguidos OC…, LC… e FS….
Uma vez que soçobrou o fundamento em que baseiam o pedido de alteração quanto a esta materialidade, haverá que concluir que neste ponto é manifesta a improcedência do peticionado por todos os arguidos.

7. Pontos 5), 6), 7), 10), 11), 12), 13), 15), 16), 19), 20) e 21) (arguido LM…), 4), 6), 7), 8), 10), 11) e 12) (arguido LAl…) e 10), 21), 22), 24), 27), 29), 30), 32), 33), 34), 35), 36), 40), 48), 55), 56), 57), 59), 60), 61), 67), 68), 69) e 70) (arguida IC…) da matéria julgada não provada proveniente das contestações dos arguidos:
A este propósito, alegam os recorrentes que, uma vez que o seu julgamento de não provado decorre do incorrecto julgamento realizado pelo Tribunal a quo para dar como provados os factos que se impugnaram no presente Recurso, valerão aqui as mesmas considerações que supra aduzimos para infirmar esse julgamento do Tribunal, devendo, por conseguinte, e ao invés do realizado no Acórdão recorrido, darem-se os mesmos como provados, a saber, factos julgados não provados 5), 6), 7), 10), 11), 12), 13), 15), 16), 19), 20) e 21) (arguido LM…); 4), 6), 7), 8), 10), 11) e 12) (arguido LAl…); 10), 21), 22), 24), 27), 29), 30), 32), 33), 34), 35), 36), 40), 48), 55), 56), 57), 59), 60), 61), 67), 68), 69) e 70) (arguida IC…).
Do que deixa dito decorre que as razões pelas quais pretendem os arguidos que a matéria inserida em tais pontos factuais seja dada como provada, é igualmente equacionada sob um único prisma: os ora recorrentes partem do pressuposto que seria dado provimento às alterações factuais que supra se mencionaram, por si propugnadas e, por virtude das mesmas, se deveria concluir pelo inverso do aí consignado.
Uma vez que soçobrou o fundamento em que baseiam os pedidos de alteração quanto à materialidade fáctica dada como provada, haverá que concluir que neste ponto é manifesta a improcedência do peticionado.
 
vi. Síntese final no que respeita aos recursos sobre a matéria de facto interpostos pelos arguidos LM…, LAl… e IC…:
Atento o que se deixa exposto, há que concluir que, nesta sede, os recursos interpostos não merecem provimento.

gh. recurso apresentado pelo arguido tb…:
gi. recurso apresentado pelo arguido lf…:
gj. recurso apresentado pelo arguido rd…:

i. Os recorrentes extraíram das motivações de recurso que apresentaram, a propósito desta questão:
Arguido TR…: as conclusões expostas nos artºs 1º a 59º, 74º a 97º, 132º a 136º, e 176º e 177º - parte factual (uma vez que se procedeu já supra à transcrição integral das conclusões apresentadas por cada um dos recorrentes, opta-se por aqui se indicar apenas os números referentes às mesmas, que importam à decisão das questões que neste segmento cabe apreciar).
Arguido LA…: as conclusões expostas nos artºs 19º a 49º, 50º a 65º, 90º a 239º, 243º a 250º (uma vez que se procedeu já supra à transcrição integral das conclusões apresentadas por cada um dos recorrentes, opta-se por aqui se indicar apenas os números referentes às mesmas, que importam à decisão das questões que neste segmento cabe apreciar).
Arguido RC…: as conclusões expostas nos artºs III a XIV, XX A XLV; L a CLXXIX, CLXXXIV a CCXXII, CCXXXIX a CCLXIII (uma vez que se procedeu já supra à transcrição integral das conclusões apresentadas por cada um dos recorrentes, opta-se por aqui se indicar apenas os números referentes às mesmas, que importam à decisão das questões que neste segmento cabe apreciar).

ii. Opta-se por se proceder, neste segmento, por meras razões de economia processual, à apreciação conjunta dos recursos interpostos por estes três arguidos, dada a afinidade dos pontos de impugnação, bem como os seus fundamentos.
Não obstante, na parte em que tal afinidade não se verifica, proceder-se-á à apreciação em separado.

iii. O MºPº apresentou resposta a tais conclusões, no sentido do indeferimento da verificação das nulidades apontadas, bem como da improcedência das reapreciações fácticas pedidas (vide transcrição integral supra, em respostas a recursos).

iv. Proceder-se-á à apreciação da matéria sintetizada nas conclusões, nos termos já expostos supra em “F. Critérios da apreciação da matéria de facto.”

v. Apreciando.

1. Pontos 711, 712, 729 e 732 (arguido RC…..) da matéria julgada provada proveniente da pronúncia:

i. Estes pontos têm a seguinte redacção:
711) Para proceder ao aumento de capital da LABICER, os arguidos OC… e FS… iniciaram contactos no sentido de identificar terceiros que aceitassem intervir como meros detentores de acções da LABICER.
712) Tais terceiros seriam financiados através do Banco Insular, devendo, para tal, ser pessoas de confiança, razão pela qual, além do TR…, foram escolhidas pessoas que já haviam aceitado colaborar com o Grupo BPN noutras áreas de negócio, caso do RJ…, do VM… e do EC…;
(...)
729) De igual forma conforme o acordado entre os arguidos OC… e FS… e os quatro accionistas, nenhum dos quatro mutuários procedeu ao pagamento de qualquer importância a título de juros, ao longo da vigência dos financiamentos, uma vez que os arguidos haviam comprometido o BPN a suportar todos os encargos financeiros com a operação;
 (...)
732) Dos referidos accionistas formais da LABICER, os também arguidos TR… e RD…, passaram a exercer cargos de administração na LABICER, formulando o propósito de vir a tirar proveitos pessoais da colaboração prestada ao BPN e das facilidades de financiamento que este concedia ao projecto da LABICER.

ii. Apreciando.
a. Pretende o recorrente, no que se refere ao ponto 712), que a referência a “terceiros” seja substituída por “pessoas” e que, no que a si se refere, se adite “um quadro das empresas do grupo de longa data, o RJ…”.
Salvo o devido respeito, não se vislumbra qualquer razão para tal alteração.
Em primeiro lugar, o uso do termo “terceiros” neste ponto factual mostra-se correcto, pois está a ser feita referência a pessoas que, à data, não tinham qualquer relação com a Labicer.
E o facto de o arguido RC… desempenhar já então funções na Sogipart (ex-SLN Imobiliária), não o exclui de colaborador do Grupo BPN noutras áreas de negócio. Não se vê assim razão para se proceder a qualquer alteração quanto ao que se mostra escrito, desde logo pela manifesta e total irrelevância de tal alteração semântica.

b. Entende ainda o recorrente que o constante no ponto 729) devia ser alterado, pois não foi feita prova de ter acordado o que quer que fosse com os restantes arguidos, uma vez que era um mero fiduciário, leia-se, “alguém que faz as vezes de outro, que detém em nome de outra pessoa”.
Salvo o devido respeito, não impugnando o arguido a objectividade da factualidade anterior que indica que deu o seu acordo para actuar como accionista da Labicer no aumento de capital realizado, com financiamento proveniente do Banco Insular, que assinou o contrato de crédito perante o mesmo realizado, que aceitou ser mero detentor de tais acções, a que acresce o que resulta das declarações prestadas por todas as testemunhas que aceitaram igualmente deter acções nessas condições (que declararam, como enuncia o tribunal “a quo” na sua motivação, que as condições do acordo celebrado eram, precisamente, a de nada terem de pagar a tal respeito, pois seriam meros detentores em nome de outrem das ditas acções) não se vislumbra qual o erro de que padece o que se mostra vertido no ponto 729), por se limitar a constatar a realidade das coisas.
A mera alegação de ter actuado como fiduciário (título, aliás, a que se faz referência em sede de motivação), a bem dizer, até reforça tal entendimento, uma vez que ao aceitar assim agir, sabia que outros (no caso o BPN, via Banco Insular) iam suportar os custos dessa operação, algo ao qual deu o seu acordo.
Diga-se, para além do mais, que atendendo aos diversos significados da palavra fiduciário e, em especial, à circunstância de se tratar de um termo jurídico, o aditamento que pretende em nada esclarece ou complementa o que decorre da leitura da totalidade da matéria dada como assente, que descreve os termos e condições em que os novos accionistas “convidados” aceitaram deter acções decorrentes do aumento de capital da Labicer (vide pontos 707 e seguintes). Por alguma razão, aliás, em sede de determinação da matéria de facto dada como assente, o tribunal “a quo” eliminou o sub-título (que advinha da pronúncia) denominado “Entrada e financiamento de 4 accionistas fiduciários”. Ter a qualidade jurídica de fiduciário é algo que decorre da apreciação da matéria de facto, não é um facto em si mesmo, por tratar-se, repete-se, de um conceito de natureza essencialmente do Direito.

c. Entende ainda o arguido RC… que, no que concerne ao ponto de facto 732), deveria daí ser retirada a referência ao seu nome, porque:
. O arguido RC… foi nomeado vogal do conselho de administração da empresa meses antes de se ter tornado accionista, mais concretamente foi nomeado em 24 de Janeiro de 2003 e apenas se tornou accionista em finais de Março de 2013;
. Não teve o propósito de vir a tirar proveitos pessoais da colaboração prestada ao BPN e das facilidades de financiamento que este concedia ao projecto da Labicer, pois o arguido RC… era já um quadro do grupo muito antes de ter aceitado ser accionista e administrador da Labicer, apenas tendo querido prestar um favor ao grupo SLN/OC… (aceitação como accionista).
Vejamos.
Em primeiro lugar, mostra-se efectivamente demonstrado documentalmente que o arguido RC… se tornou administrador da Labicer por deliberação de 24.1.2003, para o biénio 2003/2004 (juntamente com o arguido LA… que, posteriormente, no biénio 2005/2006, viria a exercer as funções de presidente, a que renunciou em 28.02.2007; por seu turno, o arguido RC… foi nomeado presidente da Labicer em 13.4.2007, tendo renunciado em 27.02.2009) – vide apenso temático AM, fls. 7 e 8 pdf e apenso temático O, pág. 31 e segs.. 

d. Todavia, da mera constatação de que a sua nomeação foi anterior à sua entrada como accionista não resulta que se mostre infirmado o que vem afirmado neste ponto 732), designadamente a formulação do propósito de vir a tirar proveitos pessoais da colaboração prestada.
Na verdade, a nomeação como administrador (e, anos mais tarde, como presidente da Labicer, bem como presidente da Sogipart – cargos que implicam o recebimento de remunerações e prémios correspondentes, substancialmente superiores aos atribuídos aos quadros, funcionários ou colaboradores de uma sociedade) surge, como resulta da factualidade assente, no momento temporal em que é obtido o seu acordo para a detenção das ditas acções.
Assim, todo este processo inicia-se com o contacto e aceitação, por parte de algumas pessoas (nas quais se inclui o arguido) para passarem a deter acções da Labicer, a que se seguiram então os procedimentos necessários à concretização de tal operação, forçosamente temporalmente algo morosa, dada a necessidade de se proceder, entretanto, a um aumento de capital.
Obtida a sua aceitação, o arguido é nomeado para tal cargo, passando a deter as acções (como se havia comprometido) quando a logística de tal operação viabilizou esse desiderato.  
Para além deste manifesto proveito imediato que retirou com essa aceitação (com esse favor que prestou ao arguido JO…, como o arguido o caracteriza), outros veio a retirar, dada a circunstância de, por virtude dessa aceitação, passar a encontrar-se num círculo de confiança da então primeira figura do Grupo, designadamente a sua futura nomeação como Presidente da Labicer, bem como o que se mostra descrito na factualidade constante nos pontos 908 e segs. da matéria de facto dada como provada como, aliás, o próprio tribunal “a quo” refere em sede de motivação, ao afirmar: Mais tarde, como será analisado a propósito de outra factualidade e para cuja motivação se remete, formularam o propósito de vir a tirar proveitos pessoais em troca da colaboração ao BPN e das facilidades dadas ao financiamento da Labicer (art. 784° da pronúncia; v. facto provado 732 e facto não provado 254).
A menção a proveitos pessoais, ao inverso do que o arguido parece pretender entender, não se consubstancia, no seu caso, na imputação de recebimento directo de uma qualquer quantia monetária. Proveitos pessoais referem-se, isso sim, ao cargo que passou a ocupar, a outros que futuramente lhe foram atribuídos e às facilidades dadas ao financiamento da Labicer. Estranho e contrário às mais básicas regras da experiência comum seria que o arguido aceitasse passar a ter em seu nome o encargo de um mútuo para aquisição de acções de uma sociedade cujo futuro era uma incógnita, sem qualquer contrapartida.

e. Assim, atenta a globalidade da prova produzida, que o tribunal “a quo” menciona e face aos critérios de normalidade que presidem à sua apreciação, teremos de concluir que não se vislumbram erros que imponham alteração à factualidade impugnada, nem vícios que a inquinem.
 
iii. Atento o que se mostra exarado, cabe concluir não assistir razão ao recorrente RC… na crítica que dirige ao decidido.

2. Pontos 733 a 752 (arguido LA…) e pontos 742 a 744, 746, 748, 749, 751 e 752 (arguido RC…) da matéria julgada provada proveniente da pronúncia:
O arguido RC… entende que não foi feita prova de estarmos perante facturas forjadas, dados os elementos probatórios serem contraditórios e o valor de € 10.000,00 se mostrar por explicar, pelo que pede a eliminação desses factos.
Entende igualmente que não foi feita prova de ter tido conhecimento da natureza adulterada de tais facturas, por não se poder considerar assente que recebeu os dois faxes a que o tribunal “a quo” alude.
Afirma ainda que não existe prova de ter ordenado o pagamento de tais facturas e de ter dado ordem para a sua contabilização como imobilizado incorpóreo, nem de dedução do IVA.
Pede, assim, que a referência à sua pessoa seja eliminada de todos estes pontos factuais, bem como que seja dado como provado o que consta nos artigos 26, 27, 28 e 30 da sua contestação.
De igual modo, o arguido LA… defende que as ditas facturas correspondiam a serviços efectivamente prestados, pelo que peticiona a eliminação do ponto 744 da matéria de facto dada como assente.

i. Essa factualidade tem o seguinte teor:
742) O arguido OC… entendeu porém, que a LABICER deveria suportar a totalidade dos pagamentos, pelo que, em conjunto com o arguido FS… e com o TR…, foi concebida uma forma de forjar uma justificação para a LABICER realizar um pagamento que pudesse compensar o montante adiantado pela JARED;
743) Assim, seguindo o acordado pelos três arguidos, os dois primeiros, OC… e FS…, determinaram a emissão pelo BPN de duas facturas, com os descritivos “assessoria no desenvolvimento técnico do projecto da nova unidade de produção de cerâmica conforme, contrato oportunamente celebrado” e “assessoria e acompanhamento jurídico no desenvolvimento do projecto da nova unidade de produção de cerâmica, conforme contrato oportunamente celebrado”, respectivamente com os números 2160 e 2161, com data de 28-3-2003, que foram dirigidas à LABICER, onde chegaram via Fax, no dia 1-4-2003;
744) Tais facturas não correspondiam a serviços efectivamente prestados, tendo os arguidos feito produzir as mesmas com um montante total, sem IVA, de 426.965,00 €, correspondente ao montante sacado sobre a conta da JARED no Banco Insular;
745) O arguido TR… transmitiu aos seus colegas de Administração da LABICER, arguidos LA… e RJ… que as referidas facturas não correspondiam a reais serviços e que se destinavam a compensar o BPN pelo financiamento da aquisição dos terrenos;
746) Não obstante tal conhecimento, os arguidos TR…, LA… e RD… determinaram o pagamento das referidas facturas pela LABICER, o que veio ocorrer na data de 13 de Agosto de 2003, através de transferência para conta bancária do próprio BPN;
748) As referidas facturas emitidas pelo BPN foram contabilizadas pela LABICER, por determinação dos arguidos, seus administradores, como imobilizado incorpóreo, sendo consideradas despesas de implementação da sociedade, as quais só viriam a gerar o dever de amortizar três anos depois, com a consequente integração fraccionada nos custos da sociedade;
749) No entanto, dado estarem em causa facturas que os arguidos sabiam serem forjadas, as mesmas nunca poderiam ser aceites como custos, facto que os arguidos administradores da LABICER e os arguidos OC… e FS… também conheciam;
Verifica-se porém, que, nos exercícios de 2006 a 2008, em que tais facturas podiam ser integradas como custos, a LABICER registou resultados líquidos negativos, ao que acresce o facto de, por via de contrato de concessão de benefícios fiscais celebrado na sequência de contrato de investimento firmado com a Agência Portuguesa para o Investimento (API), a LABICER gozava de um crédito de imposto, em sede de IRC;
751) Os arguidos administradores da LABICER fizeram porém, a sociedade deduzir o IVA pago nas referidas facturas, no montante de 81.123,35 €;
752) Por outro lado, pese embora a contabilização das referidas facturas pudesse influenciar a situação fiscal da LABICER em IRC, os arguidos sabiam que a sociedade era beneficiária do referido crédito de imposto;

ii. O tribunal “a quo” motivou a sua convicção nos seguintes termos:
Face às vinte e três escrituras de compra e venda de prédios para instalação da Labicer, que foram outorgadas em 03.04.2003 e em 16.04.2003, com exclusão da compra de dois terrenos cujo pagamento foi feito directamente pela Labicer através de cheques, os preços declarados atingiram a soma de € 529.019,76 (valor que consta do referido mapa elaborado pelo JRi…):
- Apenso temático P, vol. 10, fls. 37 e segs., págs. 39 e seguintes pdf – 03.04.2003 e 16.04.2003 - cópias das 23 escrituras públicas de compra e venda dos terrenos;
- Apenso temático P, vol. 10, fls. 49 a 51, págs. 51 e 54 pdf – 03.04.2003 – escritura pública de compra e venda de terrenos entre ASm… e mulher e a Labicer, representada pelos arguidos LA… e RC…, pelo preço de € 23.045,00, pago directamente pela Labicer, e cheque emitido por esta sociedade para pagamento;
- Apenso temático P, vol. 10, fls. 117 a 120, págs. 119 a 122 pdf – 16.04.2003 – escritura de compra e venda de terreno entre MSi… e mulher e a Labicer, representada pelos arguidos LA… e RC…, pelo preço de € 11.807,00, pago directamente pela Labicer, e cheque emitido por esta sociedade para pagamento;
O montante de € 43.880,24, respeitante ao preço do terreno da Tecpor que estava integrado no prédio urbano das instalações dessa sociedade, cuja venda não foi escriturada, ficou pendente de regularização, como consta do aludido mapa.
O somatório do valor de todos os terrenos perfaz o montante global € 572,900,00 (€ 529.019,76 + € 43.880,24), que correspondia, como sobredito, ao valor já recebido pelo arguido TR….
Por outro lado, o valor global correspondente aos valores reais dos preços daqueles terrenos foi € 980.836,76, aliás, como resulta do referenciado mapa.
Resulta do exposto supra que, deste valor, a Labicer pagou directamente aos vendedores de dois terrenos (os lotes designados 35 e 36 no referido mapa), o montante de € 34.852,00 € (€ 11.807,00 + € 23.045,00), conforme cheques que, então, emitiu (os supra identificados).
Esse pagamento resulta, igualmente, do extracto de conta da Labicer:
- Apenso bancário 36, fls. 4, pág. 6 pdf – conta titulada pela Labicer, no BPN, S.A. – 07.04.2003 e 17.04.2003 – saques dos cheques nos valores de € 23.045,00 e de € 11.807,00, respectivamente;
Na eminência da outorga daquelas escrituras verificava-se, pois, que o arguido TR… tinha despendido ou despenderia € 945.984,76 (€ 980.836,76 – € 34.852,00) e tinha recebido da Labicer, adiantados, € 529.019,76 (€ 572.900,00 – € 43.880,24), restando-lhe, assim, receber € 416.965,00.
Daí que TR… tenha informado por fax, em 17.03.2003, o arguido OC… da quantia que lhe faltava receber, fax esse do qual foi dado conhecimento aos arguidos LA… e RC…:
- Apenso temático AJ, fls. 29 e 30, págs. 30 e 31 pdf – 31.12.2002 – fax da DEEF, com texto manuscrito de MMo…, que anexa declaração-minuta para o arguido TR… relativa ao pagamento que este fez dos terrenos, da alteração dos terrenos e com nota que despendeu € 934.800,00, valor superior àquele que a Labicer lhe disponibilizou (€ 572.900,00);
Essa declaração foi assinada, na mesma data, pelo arguido TR… (v. fls. 31, pág. 32 pdf do mesmo apenso).
Com importância, assinala-se que do identificado mapa (v. apenso temático P, vol. 10, fls. 34, pág. 36 pdf) elaborado pela testemunha MJo… (directora de contabilidade do BPN), consta: “o diferencial entre o valor real dos terrenos e o valor escriturado foi regularizado com as facturas do BPN nºs 2160 e 2161” (bold nosso).
Esse diferencial, como foi explicado, corresponde ao montante de € 416.965,00.
- Apenso de busca 18 (efectuada na residência do arguido de LA…), doc.7, págs. 562 e 568 – 17.03.2003 - Fax do arguido TR… dirigido ao arguido OC…, com conhecimento aos arguidos LA… e RC…, no qual o arguido TR… refere as quantias que já despendeu e as quantias que recebeu ficando a faltar a quantia de € 416.965, ou citando “para poder concretizar a escritura dos terrenos descritos ser disponibilizado o diferencial entre o valor total e o já despendido ou seja (989.865,00 – 572.900,00 Euros) = 416.965,00 Euros”;
- Processo, vol.107.2, fls. 34.997 a 34.999, págs. 77 a 79 – 31.05.2012 – informação da PT nos termos da qual o n.° 225432798 (n.° que consta do fax mencionado como sendo do arguido RC…) teve por data de início de facturação o dia 23.04.2003;
- Apenso F, fls. 216, pág. 217 pdf – demonstração de resultados da sociedade offshore Jared - tem como custo o pagamento de € 426.965,00 à Labicer por conta do arguido TR…;
“En passant”, recorde-se que a Jared servia de “central de custos” ou “saco azul” do grupo SLN/BPN.
- Processo, vol. 158, fls.48700, fls. 48700, pág. 184 pdf (documento junto pela defesa do arguido em sede de julgamento) – 03.04.2003 – Nota de crédito do Banif da quantia de € 426.965,00 na conta do arguido TR… com parte manuscrita do seguinte teor:
“LABICER – Pagamentos Terrenos – (Extra)
416.965,00 - deveria ter sido
426.965,00 – Pagaram
10.000,00 - Troco para pagamento p/conta dos juros que eu suportei”
Ora, para pagamento da diferença dos preços pagos directamente pelo arguido TR… e os valores que este recebeu da Labicer, o arguido OC…, com a colaboração do arguido FS…, em 01.04.2003, ou seja, dois dias antes da outorga das primeiras escrituras de compra e venda de terrenos destinados às instalações da Labicer, deu instruções para a movimentação a débito da conta da Jared no Banco Insular n.° … do balcão 2000, pelo montante de € 426.965,00.
Este montante foi transferido para a conta do arguido TR…, no Banif (arts. 790° a 793° da pronúncia; v. factos provados 738 a 741):
- Apenso temático AJ, fls. 49, pág. 50 pdf – nota de lançamento na conta da Jared do débito de € 426.965,00;
- CD, vol. 13 - movimento a débito no indicado valor – (sublinhado amarelo nosso):
- Apenso temático AJ, fls. 50, pág. 51 pdf – 01.04.2003 – E-mail de AJo… para LRe… pedindo a transferência de € 426.965,00 para a conta de TR… no BANIF;
- Apenso bancário 39, fls. 4, pág. 5 pdf – conta titulada pelo arguido TR… no Banif - 3.04.2003 – movimento a crédito de € 426.965,00, que cobriu o descoberto de € 112.692,90 e permitiu o pagamento dos terrenos aos vendedores (v. fls. 4 e 4 v°, 24 e 25, 27 e 28, 29 e 30);
Porque relevante, refira-se que a conta do arguido TR… no Banif só esteve a descoberto 1 dia e não evidencia qualquer cobrança de juros pelo descoberto, muito menos no valor de € 10.000,00.
Ou seja, o arguido apropriou-se deste montante.
Todavia, o arguido OC… entendeu que a Labicer devia suportar também aquele custo de € 426.965,00 e, por isso, ele, o arguido FS… e o arguido TR… conceberam uma forma de forjar uma justificação para a Labicer proceder ao pagamento daquele montante.
E, assim, o BPN emitiu duas facturas com os n.°s 2160 e 2161, ambas com data de 28.03.2003, e com os descritivos “assessoria no desenvolvimento técnico do projecto da nova unidade de produção cerâmica, conforme contrato oportunamente celebrado” e “assessoria e acompanhamento jurídico no desenvolvimento do projecto da nova unidade de produção de cerâmica, conforme contrato oportunamente celebrado”, no valor global de € 426.965,00, sem IVA.
Estas facturas foram dirigidas à Labicer por fax de 01.04.2003.
É óbvio que estas facturas são forjadas.
Desde logo, pela coincidência de valores entre o que o BPN pagou, através da Jared, e o pagamento que estava a solicitar à Labicer.
Depois, pela circunstância de não ter sido outorgado nenhum dos contratos de assessoria a que as mesmas se referem.
Por fim, caso estas quantias fossem efectivamente devidas pela Labicer por causa de serviços prestados, não havia qualquer justificativo para a Jared ter transferido igual valor para a conta do arguido TR….
Importância, neste âmbito, têm também as declarações das testemunhas que serão referidas infra e que solidificam/sustentam a ausência de qualquer justificativo para emissão de facturas de serviços alegadamente prestados pelo grupo SLN/BPN à Labicer.
Desde já, assumem relevo os seguintes elementos probatórios documentais:
- Apenso temático AJ, fls. 35 e 36, págs. 36 e 37 pdf - 28.03.2003 - facturas do BPN n.°s 2160 e 2161, no valor global de € 426.965,00, s/IVA - fax de 01.04.2003;
Note-se no pormenor que consta da factura n.° 2161: “despesas pagas com autenticação - € 6.965,00” que permitiu o “arredondamento” para o valor exacto pretendido.
- Apenso de busca 18 (busca na residência do arguido LA…), doc.7, págs. 527 e 528 – 28.03.2003 - As facturas n.°s 2160 e 2161 do BPN com anotações manuscritas “terrenos e aumento do capital”, as quais evidenciam, em pé de página e às avessas, elementos dos quais resulta que foram enviadas por fax do BPN – Presidente;
- Processo, vol. 15, fls. 5906, pág. 5 pdf – informações prestadas por LP… a solicitação do inspector ASl… “a ordem para a emissão das facturas veio de instâncias superiores” “não existe qualquer contrato de assessoria técnica”;
- Processo, vol.16, fls. 6485, pág. 235 - Resposta do BPN sobre as facturas n.°s 2160 e 2161 e contratos que elas mencionam, a qual refere: “Não foi localizado, nos serviços que efectuaram as operativas, qualquer documento, instrução ou contrato que os mandou emitir”;
Face a tudo que se deixou exposto, não subsistem quaisquer dúvidas de que o arguido TR… informou os arguidos LA… e RC…, os outros administradores da Labicer, que as facturas não correspondiam a reais serviços mas que se destinavam a compensar o BPN, SA pelo financiamento da aquisição dos terrenos.
Não obstante, os mesmos arguidos determinaram o pagamento das referidas facturas (ordem de 01.04.2003 assinada pelos arguidos TR… e LA…), o que só veio a ocorrer em 13.08.2003 (antes a conta da Labicer não tinha provisão) mediante transferência bancária para o BPN.
Tal quantia não reentrou na conta da Jared, no BPN Cayman, daí decorrendo que o pagamento inicial desta sociedade contribuiu para aumentar o débito a descoberto em tal conta:
- Apenso temático P, vol. 2, fls. 37, pág. 40 pdf – 01.04.2003 – fax do arguido TR… para o arguido FS…, com conhecimento aos arguidos LA… e RC…, solicitando transferência para pagamento das facturas “que enviou”, i.e., que o arguido FS… havia enviado anteriormente, e bem assim o envio dos originais das facturas;
- Apenso temático P, vol. 2, fls. 38, pág. 41 pdf – 01.04.2003 – fax remetido e assinado pelos arguidos TR… e LA… para o BPN, S.A. (RPe… – agência da Av. da República), solicitando, por débito da conta n.° … (conta da Labicer no BPN, S.A.), o pagamento das facturas do BPN;
- Apenso bancário 36, fls. 4 e 5, págs. 6 e 8 pdf – conta titulada pela da Labicer no BPN, S.A.:
- 02.04.2004 – débito do montante de € 508.088,35 (valor total das duas facturas, incluindo IVA), pagamento que viria a ser anulado no próprio dia, como decorre do respectivo extracto;
- 13.08.2003 – débito de igual quantia com o descritivo “PAGT Fact. 2160 e 2161 do BPN” e que corresponde ao efectivo pagamento das facturas;
E mais determinaram que as referidas facturas fossem contabilizadas pela Labicer como imobilizado incorpóreo, sendo consideradas despesas de instalação/ implementação da sociedade:
- Apenso temático AJ, fls. 56, pág. 57 pdf – 28.03.2003 - extracto de contas da contabilidade da Labicer – conta 243210 – IVA Ded (€ 39.900,00 + € 41.223,35), valores estes que correspondem aos montantes constantes das facturas n.°s 2160 e 2161 a título de IVA;
E determinaram, ainda, que a Labicer deduzisse o IVA pago no montante de € 81.123,35, quando é certo que o mesmo não era dedutível:
- Apenso temático AJ, fls. 57 e 58, págs. 58 e 59 pdf – 12.05.2003 - declaração periódica do IVA com dedução de € 81.123,35 subscrito pela administração;
A nível da prova testemunhal, são relevantes as seguintes declarações:
MFe… (Foi administrador da Labicer no processo de criação da empresa e, passado 1 ou 2 anos saiu do Conselho de Administração. Foi administrador no início da Labicer até cerca de 1 ano depois):
A escolha, compra e pagamento dos terrenos foi um processo conduzido exclusivamente por TR…, que ia dando conta dos avanços das negociações.
Relativamente às facturas, referiu que quando havia a necessidade de se proceder a algum pagamento, havia uma ficha da sua direcção que era enviada para a contabilidade.
Confrontado com as facturas constantes do anexo AJ, pág. 36, explicou que não conhecia as facturas e tem a certeza que elas não saíram da sua direcção.
JF… (Trabalhou na Labicer entre 2002 e 2009. Era o responsável pela área de sistemas de informação que engloba toda a parte informática e todo o sistema de apoio à gestão):
Confirmou que foram feitos contratos-promessa de compra e venda dos terrenos em nome de TR… que passaram para a Labicer aquando das escrituras finais.
TR… liquidava inicialmente os valores (financiamento directo da Labicer pelo BPN e depois Labicer reembolsava-o – havia uma conta corrente).
Confirmou os dados respeitantes aos adiantamentos feitos, preços declarados e preços da escritura.
Referiu ainda que a última coluna do documento exibido, (valores efectivamente pagos pela Labicer), contém o valor que ficou acordado pela venda dos terrenos. Tem conhecimento disso porque acompanhou as negociações e apontou os valores (teve acesso aos contratos-promessa e procurações).
A memória que tem daqueles valores (reais) corresponde à realidade porque, além de ter acompanhado as escrituras, procurações e até os próprios cheques, muitos deles foi a secretária que os passou e depois passou-os para as procurações.
Considera os valores como certos.
Todos os valores que estão no mapa foram pagos em cheque, sacados sobre a conta do Banif de TR…, cheques esses sacados pelo valor real.
MJo… (trabalhou na Labicer desde a sua fundação (2001) até 18.10.2013. Durante este tempo sempre foi directora financeira e responsável pelas contas da empresa (TOC). Todas as questões contabilísticas da empresa passavam por si.).
Quanto à compra dos terrenos:
Explicou que TR… tinha “carta branca” para negociar a compra dos terrenos (chegou a haver procuração com plenos poderes para ele comprar os terrenos).
Recorda-se de ter havido várias transferências do BPN para a Labicer e depois desta para TR… para ele poder negociar os terrenos.
Ouviu falar de pagamentos por fora relativamente às escrituras, muito mais tarde (2009). Nunca ouviu falar disso aquando das escrituras e das negociações.
Nunca lhe foi apresentado o valor de € 934.800,00.
O imobilizado corpóreo ficou sempre pelo valor próximo dos 570 mil euros.
Quanto aos faxes (facturas 2160 e 2161):
Sabe que que o indicativo 289 é do Algarve, sendo que o LA… trabalhava na Marina de Albufeira.
O indicativo 22 é do Porto e RC… trabalhava no Porto.
Relativamente ao documento constante do apenso P, vol. 10, pág. 36, explicou: Não se recorda do documento em si, recorda-se da situação.
Havia uma diferença entre o valor escriturado e o valor pago aos vendedores. Considerando que houve pagamentos suplementares aos vendedores, para regularizar este valor, foram emitidas estas facturas (2160 e 2161).
Recorda-se de umas facturas que vieram do BPN por fax, sendo que os originais nunca foram remetidos.
A propósito disso, referiu que havia documentos que não passavam pelo departamento financeiro, iam directamente para a administração que tratava deles e depois mandava “para dentro para eles contabilizarem”.
No que concerne a outros documentos:
- apenso AJ págs. 41, 39 (o último está assinado por TR… e LA…).
- busca 18, doc. 7, pág. 526 pdf:
Este layout era típico do seu departamento.
Esta tramitação de pagamentos “na hora” não era normal.
Isto foi um caso excepcional.
As facturas fazem referência a “contrato oportunamente celebrado” mas, pessoalmente, não conhece nenhum contrato.
As facturas necessitam da documentação de suporte, porém, não a conhece.
Era da responsabilidade do departamento financeiro ter a documentação de suporte.
À partida o IVA destas facturas foi deduzido.
A Labicer beneficiou do crédito do IVA pago naquelas facturas.
Mais esclareceu, relativamente às facturas:
Pediu os elementos de suporte à administração das facturas 2160 e 2161, mas nunca lhe deram.
Admitiu, em julgamento, que pudessem ser confidenciais.
Perguntada, respondeu que tinha acordo de confidencialidade com a empresa Labicer durante 20 anos, não encontra explicação para o facto de, como directora financeira, não lhe terem dado esses elementos, caso existissem.
Já na parte final da sua inquirição, mudou um pouco a sua versão, referindo que não se lembra se pediu ou não à administração os documentos de suporte das facturas, esclarecendo que esse seria o comportamento normal a adoptar por si.
Referiu ainda que a situação daquelas facturas foi “especial” porque veio por fax e foram logo pagas.
LP… (foi presidente do Conselho de Administração da Labicer entre 3.4.2009 e 30.11.2011):
Explicou que foi para a Labicer com 3 objectivos específicos que lhe foram definidos:
1) Apurar tudo o que se tinha passado desde a sua constituição;
2) Tomar medidas de gestão para a empresa a nível operacional ser viável do ponto de vista económico/financeiro;
3) Se viável, vender a empresa;
Quanto aos terrenos adquiridos para a construção da unidade fabril apurou:
Foram entregues € 572.900,00 a TR… para ele, a título particular, começar a comprar terrenos numa determinada zona, na expectativa de que a Câmara autorizasse a instalação nesses terrenos da unidade fabril.
Da conta da Labicer, após a sua constituição, foram retiradas várias verbas para a conta de TR… que perfazem aquele montante.
Confirmou as contas de TR… quanto aos 416.965 euros, face aos registos constantes da empresa.
Mais referiu que, do ponto de vista jurídico e contabilístico, a Labicer apenas pode registar na contabilidade aquilo que está na escritura.
Alguém teve que suportar o diferencial entre o valor das escrituras e valor real pago, mas não sabe quem foi.
No que concerne às facturas 2160 e 2161:
Quando obteve na empresa a fotocópia destas facturas, teve a iniciativa de procurar saber se havia ou não os desenvolvimentos técnicos da cerâmica ou a assessoria jurídica e os contratos a que elas faziam referência.
GS… era o responsável pela direcção de contabilidade do BPN e, em 28.9.2009, enviou um mail a MMo… em que perguntou pelos documentos subjacentes a estas facturas, designadamente dos contratos.
Obteve resposta de MMo… no sentido de que não conhecia os contratos, sendo certo que este prestou apoio à empresa em candidaturas.
Por telefone contactou GS… (director de contabilidade do BPN) que lhe disse que emitia as facturas consoante as ordens que lhe davam e não tinha conhecimento de qualquer contrato. Limitou-se a emitir as facturas em consonância com as ordens internas do Banco que lhe tinham sido dadas.
Afirmou também a testemunha que na Labicer não consta qualquer documento de suporte destas facturas.
Mais explicou:
Estas facturas apareceram inicialmente por fax enviados pela administração do BPN na Avenida da República.
Na sequência da recepção por fax, TR…, no mesmo dia, emitiu uma ordem de transferência para pagamento das facturas, que ele próprio assinou, e mandou por fax para a Marina de Albufeira onde estava LA…. Este assina e devolve o fax no mesmo. Ainda no mesmo dia, TR… envia um fax o FS…, com conhecimento a LA… e RC…, que, pelo conteúdo, indica que o fax inicial foi enviado por FS….
Especificou ainda que MJo… o informou que os três “vistos”/”certos” manuscritos é a confirmação típica de TR… de que enviou o fax a 3 pessoas.
AFo… (Na Socerfin era o director de assuntos jurídicos e contencioso, funções que manteve no banco até ser nomeado administrador em 2003. Foi administrador do BPN, S.A., desde 2003 até 24.6.2008. Tinha o pelouro da direcção de assuntos jurídicos e contencioso e recuperação de crédito):
Quanto às facturas 2160 e 2161 pronunciou-se no seguinte sentido:
Neste caso, da Labicer, da facturação de serviços jurídicos prestados, MMo… disse à testemunha que isso foi feito a pedido do Presidente do BPN.
A sua direcção não elaborava facturas autónomas de serviços jurídicos prestados. Os serviços jurídicos eram incluídos nos serviços económico-financeiros.
As facturas em questão foram emitidas pela contabilidade e a decisão de facturar foi do Presidente (OC…).
O descritivo de uma das facturas não é o mais exacto (a empresa Labicer já estava constituída, o que precisava era de operar, a análise foi essencialmente técnica; a assessoria jurídica foi essencialmente a nível de negociações com os italianos).
Não foi a testemunha que determinou que a facturação fosse feita, a descrição não se ajusta e o texto não foi indicado pela sua direcção.
As reuniões, embora penosas, não justificavam este montante de facturação.
Também nunca indicou à contabilidade uma relação dos serviços jurídicos prestados à Labicer, tipo nota de honorários.
Nunca faziam facturas autónomas de prestação de serviços jurídicos, esses valores eram sempre incluídos na facturação dos serviços técnicos.
Houve necessidade de recorrer a especialistas em matéria fiscal, designadamente GS… e um quadro do BCP.
No fundo, existiu uma assessoria jurídica a nível fiscal.
Não consegue quantificar o valor destes serviços.
Por todos os serviços prestados da sua parte e da sua equipa na assessoria jurídica à Labicer e a TR…, entende que um valor de honorários de 120 mil euros seria bem pago.
Voltou a frisar que não elaborou a factura 2161 e não deu quaisquer indicações para a sua elaboração.
Aquela factura pelos serviços prestados pelo banco, por todos os serviços prestados a nível jurídico, 120 mil euros já era “muito bom”.
De toda a prova produzida, não subsistem quaisquer dúvidas, como salientado e explicado, de que as 2 facturas não correspondem a quaisquer serviços prestado à Labicer.
Questão que será um pouco mais controversa prende-se com o saber se os arguidos LA… e RC… tinha conhecimento deste circunstancialismo e, apesar disso, determinaram o pagamento das farturas por acordo com o arguido TR….
Os elementos probatórios evidenciados apontam inequivocamente nesse sentido.
Em reforço, dir-se-á:
Os arguidos RC… e LA… outorgaram as escrituras de compra e venda dos terrenos, logo, sabiam dos valores que tinham sido pagos aos vendedores.
As cópias das facturas foram apreendidas na residência do arguido LA…, o que é demonstrativo de que, de facto, elas foram enviadas ao próprio e ao arguido RC… como delas consta.
E eram administradores da Labicer, essencialmente por conta do grupo SLN/BPN, que era quem detinha a maioria do capital social da Labicer.
Mais sabiam dos valores que o arguido TR… reclamava receber, valores coincidentes com o valor global das facturas, sem IVA.
Perante este circunstancialismo e demais elementos probatórios indicados, não podiam desconhecer que as facturas não correspondiam a quaisquer serviços prestados e, apesar disso, não se opuseram ao seu pagamento. Pelo contrário, o arguido LA… até solicitou esse pagamento em conjunto com o arguido TR….
Afirmar que nada sabiam seria um contra-senso ao arrepio de elementares regras da experiência comum, da lógica e máximas da vida.
Em suma: face ao exposto, conclui-se pela prova integral dos factos 794° a 804° da pronúncia (v. factos provados 742 a 752).
(…)
Considerando o teor da prova testemunhal elencada no âmbito do negócio “Labicer”, resulta claro que o “BPN prestou à Labicer diversos serviços, abrangendo a fase de análise de viabilidade do projecto e subsequente desenvolvimento e preparação do dossier de apresentação à API” (art. 967° da contestação; v. facto provado 66).
Porém, isso não significa que esses serviços tivessem sido facturados à Labicer e muito menos que o tivessem sido pelas identificadas facturas n.°s 2160 e 2161.
(…)
Avançamos com a contestação (fls. 15901 a 15942) do arguido TR… e a análise dos seus arts. 216° a 253°.
(…)
Não resultou provado o descrito no art. 244° da contestação (v. facto não provado 85).
Aliás, diga-se, a conta do BPN a que se refere e que é por si titulada é a n.° … (v. tb. documento mencionado no art. 246° e apenso bancário 52).
Se é certo que nesta conta foram debitados juros, nada permite concluir que isso ocorreu por causa da compra dos terrenos.
Acresce que, os próprios documentos indicados pelo arguido no art. 244° e os demais mencionados supra, dizem respeito a pagamentos feitos pela conta por si titulada no Banif e não no BPN, S.A..
Não foi produzida a mínima prova de que a sociedade “Jared Finance” fosse “totalmente desconhecida do arguido” (art. 246° da contestação; v. facto não provado 86).
Remete-se para a motivação dos factos da pronúncia na qual foi analisada a diferença de € 10.000,00 entre o que o arguido pagou pelos terrenos e o que recebeu.
Essa motivação e elementos probatórios então elencados, bem como a análise que se acabou de fazer no que concerne às contas por si tituladas no Banif e no BPN, S.A., não permite, de modo algum, concluir que tal diferença “representa apenas parte do reembolso dos juros que o BPN cobrara ao arguido pela movimentação a descoberto da conta”. Antes pelo contrário (v. art. 247° da contestação; v. facto não provado 87).
Além do mais, se assim fosse, não se compreenderia que só tivesse sido pago esse montante, em vez dos € 27.194,08 a que o arguido se refere no art. 248° do seu articulado.
Pelas mesmas razões, não resultou provado o art. 248° da contestação (juros suportados no montante de € 27.194,08) – (v. facto não provado 88).
(…)
Se é certo que o arguido TR… remeteu ao arguido OC… o fax mencionado no art. 249° da contestação (v. doc. de fls. 11906, pág. 212 pdf do volume 29 de processo), dele não resulta que a mencionada diferença de € 10.000,00 lhe tivesse sido paga a título de juros por si suportados por conta do terreno.
Note-se que o arguido, nesse fax, não faz qualquer alusão ao pagamento anterior de € 10.000,00, que ocorreu a 01.03.2003 (v. docs. supra elencados relativos à transferência da Jared para a conta titulada pelo arguido no Banif).
Não obstante, demonstra-se o envio do fax em questão (v. facto provado 46).

iii. Apreciando.
Os pontos de facto que o arguido RC… refere, assim como o mencionado pelo arguido LA…, mostram-se em correlação com o que se mostra dado como assente nos pontos 733) e segs..
Aí se descreve, sinteticamente, o seguinte (seguimos de perto, nesta síntese, a que foi realizada pelo tribunal “a quo” em sede de apreciação de direito):
O arguido TR… assumiu (com a concordância do arguido JO…) a negociação com proprietários rurais, tendo em vista a aquisição de um conjunto de prédios rústicos, que viriam a ser posteriormente unificados e utilizados pela Labicer, para efeitos de implantação da sua unidade industrial.
Esses terrenos foram pagos por valores superiores aos que constaram nas escrituras respectivas.
A Labicer pagou a aquisição dos valores de tais terrenos, declarados nas escrituras, no montante de € 572.900,00;
Para a realização dos pagamentos não declarados os arguidos TR…, FS… e OC… movimentaram a débito a conta da Jared Finance, junto do Banco Insular, pelo montante de € 426.965,00.
Porém, o arguido OC… entendeu que a Labicer devia suportar a totalidade dos pagamentos, pelo que, em conjunto com o arguido FS… e com o arguido TR…, concebeu uma forma de forjar uma justificação para a Labicer realizar um pagamento que pudesse compensar o montante adiantado pela Jared.
Foi assim que, por acordo dos três, foram emitidas pelo BPN as facturas 2160 e 2161, com data de 28.3.2003, dirigidas à Labicer.
Tais facturas não correspondiam a serviços efectivamente prestados, tendo os arguidos feito produzir as mesmas com um montante total, sem IVA, de € 426.965,00, correspondente ao montante sacado sobre a conta da JARED no Banco Insular.
Os arguidos LA… e RC… tomaram conhecimento que essas facturas não correspondiam a serviços reais e que se destinavam a compensar o BPN pelo financiamento, através da Jared, da aquisição dos terrenos.
Não obstante, os arguidos TR…, LA… e RC… determinaram o seu pagamento ao BPN.
As mesmas facturas foram contabilizadas, por determinação dos arguidos administradores da Labicer, i.e., os arguidos TR…, LA… e RC…, como imobilizado incorpóreo, sendo consideradas despesas de implementação das sociedades, as quais só viriam a gerar o dever de amortizar três anos depois.
Acresce que, os mesmos administradores fizeram a Labicer deduzir o IVA pago nas facturas, no montante de € 81.123,35, sabendo ainda que a sociedade era beneficiária do referido crédito de imposto.
 
iv. Este intróito mostra-se necessário para situar a questão.
a. Afirmam os arguidos, em primeiro lugar, que a prova produzida é contraditória, quer face à discrepância dos valores recebidos pelo arguido TR…, no montante de € 10.000,00, quer face ao que resulta dos depoimentos testemunhais prestados.
Salvo o devido respeito, não lhes assiste razão.

b. Na verdade, a prova testemunhal é clara e consistente ao permitir concluir – sem vozes dissonantes – que o somatório dos valores daquelas facturas correspondia ao montante suportado pelo BPN, a título de pagamento “debaixo da mesa” do valor real dos terrenos, bem como que não correspondiam à facturação de quaisquer serviços (vejam-se os sublinhados supra).

c. E, para além da espantosa e por outro modo inexplicada correspondência, ao cêntimo, do somatório das duas facturas a tal valor, a verdade é que não existe qualquer documento de suporte que comprove a existência de qualquer assessoria que justifique a sua emissão, nem rasto documental de ordem de facturação da mesma; isto é, temos duas facturas, que atingem um valor total próximo do meio milhão de euros, sem qualquer documentação de suporte e que, ainda assim, foram pagas…

d. Por seu turno, a testemunha AFo…, que coordenou o apoio que o BPN deu à Labicer, afirmou peremptoriamente que a sua direcção não elaborava facturas autónomas de serviços jurídicos prestados, uma vez que estes eram incluídos nos serviços económico-financeiros (para além de esclarecer que o descritivo de uma das facturas nem sequer é exacto e que nunca indicou à contabilidade uma relação dos serviços jurídicos prestados à Labicer, tipo nota de honorários, entendendo que um valor de honorários de 120 mil euros seria bem pago pelos serviços prestados da sua parte e da sua equipa na assessoria jurídica à Labicer e a TR…).

e. De igual modo, o tribunal “a quo” não teve qualquer dificuldade em, com base nos elementos documentais juntos aos autos, afastar a tese que o arguido TR… propugnava, quanto às razões pelas quais ficou para si com € 10.000,00 (algo que se mostra documentalmente comprovado). Não existe, quanto a esta questão, qualquer dúvida quanto ao sucedido, ao inverso do que os recorrentes afirmam (diga-se, aliás, que no seu recurso, nem sequer o arguido TR… sindica essa factualidade – vide supra).

f. Assim sendo, não existindo qualquer prova que demonstre a efectiva prestação de serviços pelo BPN à Labicer, que suporte a emissão de tais facturas, terá de se concluir que as mesmas não correspondem, efectivamente, ao fim a que uma factura se destina - exigência de pagamento por um serviço efectivamente prestado ou por venda de um bem.
Daqui decorre, desde logo, que estamos perante duas facturas cuja veracidade se mostra mais do que duvidosa.
Se aditarmos à equação o momento temporal em que foram emitidas, ao emitente das mesmas (BPN) e o devedor a quem o seu pagamento é exigido (Labicer), a que acresce a já comprovada coincidência, ao extremo, dos valores nas mesmas constantes, face ao somatório da despesa suportada pelo BPN com a aquisição dos imóveis para as instalações da Labicer, teremos de concluir qual o verdadeiro propósito que presidiu à sua emissão.
Assim, o raciocínio que o tribunal “a quo” expõe quanto à análise conjugada dos elementos probatórios de que dispôs mostra-se de acordo com as regras de livre apreciação da prova e da experiência comum, pelo que se não impõe a sua alteração.
Conclui-se, pois, que estamos perante duas facturas forjadas, precisamente porque não se reportam ao pagamento de qualquer serviço efectivamente prestado.

g. No que concerne ao conhecimento que os arguidos LA… e RC… tiveram de tal não correspondência à verdade dessas facturas, constata-se que os arguidos intervieram em todas as escrituras de aquisição dos terrenos, em representação da Labicer (total de 23 escrituras, que foram outorgadas em 03.04.2003 e em 16.04.2003), pelo que tinham pleno conhecimento de quais os valores despendidos por força das mesmas.
Eram ambos, já à data, administradores da Labicer, tendo sido nessa qualidade que intervieram em tais escrituras.
O arguido LA… recebeu os faxes enviados por TR…, que se referiam, precisamente, à questão das facturas falsas, como se constata pela circunstância de tais documentos terem sido apreendidos no seguimento da busca realizada a sua casa. Não há assim qualquer dúvida quanto ao seu pleno conhecimento da verdadeira natureza e fim das “facturas” em apreço.

h. Afirma o arguido RC… que não recebeu os faxes a que o tribunal “a quo” alude, porque o número de envio que a si lhe é reportado se refere a uma entidade onde nunca trabalhou (que denomina BPN Corporate), tendo o mesmo sido criado já depois da data do envio dos ditos faxes.

i. Não lhe assiste razão.
Compulsado o documento a que o arguido alude, constata-se que o dito número de fax tem como cliente o BPN (a indicação corporate significa apenas cliente empresarial, na terminologia vulgarmente utilizada pelas empresas de telecomunicações, não identificando qualquer sociedade denominada BPN Corporate, como o arguido quer fazer crer; note-se, aliás, que na restante informação prestada pela PT, o uso do termo “corporate” abrange todos os números de telefone fixos e de fax atribuídos aos vários edifícios do BPN, em Lisboa e no Algarve), situa-se no Porto, na Avª da Boavista e o que aí se refere é que esse número está associado ao nº 225 430 30, sendo que a data do início da facturação (e não a data de instalação, como erroneamente o arguido refere) corresponde a 23.4.2003.

j. Ora, uma coisa é o início da facturação e algo diverso é a data da criação desse número.
Tanto assim é que esse número foi efectivamente utilizado em 17.3.2003 e novamente em 1.04.2003, por quem tinha obrigação de saber (o arguido TR…) com exactidão quais os números a usar para comunicar com os administradores da Labicer (o arguido RC…, que trabalhava no Porto e o arguido LA…, que trabalhava no Algarve).

k. Não havendo notícia de ter o dito arguido TR… poderes sobrenaturais de adivinhação, que lhe permitissem saber antecipadamente que esse mesmíssimo número viria a ser atribuído, em 23 de Abril, ao BPN no Porto (na tese do arguido RC…, o arguido TR… teria de ter adivinhado, com mais de 20 dias de antecedência, qual o número de fax que iria ser atribuído ao BPN no Porto …), resta-nos concluir que tal número de fax estava em efectivo funcionamento, em 17 de Março e 1 de Abril de 2003, sendo certo que resulta igualmente de uma mera regra de experiência comum que a facturação de serviços de telecomunicações é realizada, pela primeira vez, num segmento temporal de cerca de um mês, um mês e meio após, o início do fornecimento do serviço.
 
l. Assim, a convicção alcançada pelo tribunal “a quo”, no que se refere a ter o arguido RC… recebido tais faxes (note-se, aliás, que o número de fax estava adstrito às instalações do BPN no Porto - que as testemunhas situam como o seu local habitual de trabalho à data - pelo que seguramente lhe seriam entregues, já que lhe eram nominalmente dirigidos) mostra-se devidamente suportada pelos elementos probatórios e pelos raciocínios que expõe.

m. Note-se, aliás, que estranho seria que os arguidos RC… e LA… não soubessem o que se pretendia pagar através da emissão de tais facturas.
Na verdade, até o responsável pela área de sistemas de informação que engloba toda a parte informática e todo o sistema de apoio à gestão da Labicer, JF…, afirmou ter tido perfeito conhecimento da questão da desconformidade de valores relativo à aquisição dos terrenos para instalação da Labicer (escrituras/preço pago), por ter acompanhado todo o processo de aquisição dos imóveis e ter sido a sua secretária a emitir grande parte dos cheques aos mesmos relativos.
Ora, os arguidos não só acompanharam tais operações, como nas mesmas foram intervenientes, já que celebraram as escrituras. E eram ambos administradores desta sociedade e não apenas um dos seus quadros.
Assim, o diferencial entre o aí declarado e o efectivamente pago, era algo que não podia passar despercebido a estes arguidos, bastando umas simples operações aritméticas para se poder alcançar qual o valor total efectivamente pago, qual o valor declarado, qual a diferença entre ambos e qual o valor somado das facturas.
E daí, consequentemente, que não lhes podia passar despercebido que a soma dos valores constantes nas duas facturas correspondesse, precisamente, ao montante relativo à dita diferença.
Para além de que sabiam igualmente que o BPN não tinha prestado quaisquer serviços à Labicer naqueles montantes e não podiam desconhecer que estavam perante um quantitativo muito avultado (quase meio milhão de euros), especialmente se atendermos ao facto de ser exigido logo no arranque de uma nova empresa.
E se dúvidas tivessem quanto à exigência do dito valor, seguramente que pediriam a documentação de suporte das facturas, uma vez que, face às regras de experiência comum, caso desconhecessem as razões pelas quais estava a ser exigido tal quantitativo, o mero vulto do que era exigido determinaria o uso das devidas cautelas e averiguações, antes que se procedesse ao pagamento de tal verba (para a qual a Labicer, além do mais, nem tinha então sequer provisão na conta para o realizar).
E também não lhes poderia passar despercebido – caso não soubessem sequer das ditas facturas – que as mesmas existiam e que haviam sido pagas, face às funções que ambos exerciam na Labicer. Assim, se fosse verdade que, até ao seu pagamento, desconheciam (pelo menos o arguido RC…, já que o arguido LA… até deu ordem para a realização desse pagamento) a natureza de tais facturas ou sequer a sua existência, não restam dúvidas, face às regras normais da vida, que exigiriam saber o que se passava. Ora, não há a mais leve prova de tal indagação posterior ter sucedido nem de qualquer tentativa de recuperação/devolução da quantia paga.

n. Temos, pois, que a certeza jurídica que o tribunal “a quo” alcançou, no que se refere ao conhecimento, por ambos os arguidos, da natureza fraudulenta daquelas duas facturas, não merece a crítica que os recorrentes lhe dirigem.

o. No que concerne à ordem de pagamento de tais facturas, embora a mesma tenha sido assinada pelos arguidos TR… e LA… (ordem datada de 01.04.2003, mas cujo pagamento só veio a ocorrer em 13.08.2003, por antes dessa data a conta da Labicer não ter provisão para tal), não restando dúvidas, quanto ao arguido LA… que determinou que as mesmas fossem satisfeitas, de igual modo se terá de entender relativamente ao arguido RC… – isto é, que soube do seu pagamento e com este concordou.
Na verdade, o arguido RC… sabia que tinham sido emitidas duas facturas que eram falsas, porque não correspondiam ao pagamento de quaisquer serviços prestados, tomou conhecimento de que o seu pagamento, ainda assim, foi pedido, sabia quais os valores que nas mesmas constavam e, por virtude das suas funções de administrador, sabia qual a provisão da conta da Labicer e o seu saldo, sendo certo que não existe qualquer registo de qualquer oposição da sua parte à realização de tal pagamento, naquela forma.
E igualmente por inerência das suas funções e do conhecimento que tinha de toda esta questão, tinham ambos os arguidos perfeita consciência de que, procedendo a Labicer ao pagamento de tais facturas, como se estas fossem verdadeiras, o IVA seria deduzido pelos serviços de contabilidade da Labicer, assim como que daí decorreriam os efeitos a nível de IRC a que o ponto 752 alude.

v. O arguido LA… começa por tecer uma série de considerandos ao que se mostra vertido nos pontos 733) a 741).

a. Invoca depois a existência de uma contradição entre o na mesma constante e o vertido no ponto 951), mas sem razão, porque tal contradição inexiste.
De facto, uma coisa é o acordo entre os arguidos JO…, FS… e TR…, quanto à origem do financiamento para a aquisição dos terrenos para a Labicer - dinheiro proveniente da Jared - e a decisão de que os montantes constantes nas escrituras não corresponderiam aos valores reais (sendo que essas decisões não são imputadas ao arguido LA…, nem ao arguido RC…) e algo de bem diverso a constatação de que os arguidos LA… e RC… sabiam que as duas facturas emitidas pelo BPN, a título de prestação de serviços, não se reconduziam a tal realidade, servindo antes para pagar o resto do preço dos imóveis não declarado em escritura, mas efectivamente recebido pelos compradores.

b. De igual modo, inexiste qualquer contradição entre o vertido nos pontos 742) a 745) e a restante factualidade, porque o que aí se descreve é a intervenção, o conhecimento e o acordo do arguido LA… na prossecução do pagamento do valor em falta, relativo à aquisição dos imóveis, através de facturas falsas.
É isto e apenas isto que resulta da leitura conjugada de tal factualidade, nada havendo aqui de errado ou contraditório.

c. E, finalmente, no que concerne à matéria factual constante nos pontos 748) a 752), remete-se para o que já se deixou supra expresso no que se refere ao recurso apresentado pelo arguido RC…, a propósito dos mesmos pontos factuais.

d. No que respeita à violação do princípio in dubio pro reo a que o arguido alude – embora omita em que factualidade concreta entende que a mesma ocorreu – caberá apenas relembrar-lhe os seguintes princípios:
O acima mencionado princípio tem o seu campo de aplicação limitado às situações em que, no decurso da formação da convicção do julgador, este chegue a um ponto de indecisão inultrapassável quanto à circunstância de o arguido ter ou não praticado um determinado facto. Nesse caso – e apenas nesse caso – deverá o tribunal fazer a aplicação de tal princípio.
Do dito decorre que não basta, para tanto, que a prova produzida seja contraditória ou não uniforme ou que o arguido opte pelo silêncio ou negue a prática dos factos (se assim fosse, salvo nos casos de confissão, qualquer acusação estaria inevitavelmente votada ao insucesso). Necessário se mostra, como se disse, que o acervo probatório, atendido na sua globalidade, não permita que o julgador atinja uma certeza jurídica quanto à ocorrência de um determinado facto.
No caso vertente, teremos de começar por realçar que, em momento algum da fundamentação, o tribunal “a quo” nos dá notícia de, em relação aos factos que consignou e deu como assentes, ter chegado a qualquer situação de dúvida inultrapassável, nem a mesma se mostra minimamente presente ou perceptível, atenta a leitura do que aí ficou exarado. Na verdade, a mera circunstância de existirem teses opostas, de o arguido negar a prática de um acto ou de este não ter sido presenciado, na sua integralidade, por alguma testemunha, não conduz, forçosamente, à conclusão de ocorrência de dúvida. Ela só se verificará se o julgador não puder, em termos de convicção, dar prevalência a um relato dos factos, por nenhum dos elementos probatórios que lhe foram apresentados se mostrar credível ou suficiente.
Mas tal não sucede neste caso, em que o tribunal “a quo” entendeu – e sem razões de censura – que da conjugação dos elementos probatórios, em conjugação com as regras de experiência comum - lhe foi possível apurar o desenrolar dos factos e imputar a autoria dos mesmos ao arguido.
Deu assim prevalência ao acervo probatório acima referido, por o considerar no seu todo credível, verdadeiro, fiável e, uma vez que o mesmo compreende a sucessão do ocorrido, entendeu o tribunal dar como assente tais factos, nos precisos termos por si relatados.
Isto significa, muito simplesmente, que o tribunal não chegou a nenhuma situação de dúvida inultrapassável, insuperável, pois acreditou na globalidade do acervo probatório que mencionou, alcançando, através do mesmo, a certeza jurídica quanto ao modo como a acção se processou e quem a realizou.
E, revendo as razões que o levaram a assim entender, confrontando-as com as críticas que o recorrente lhe dirige, não se vislumbraram razões de censura.
Efectivamente, da fundamentação realizada pelo tribunal “a quo” resulta que, da conjugação dos elementos probatórios que refere, lhe foi possível alcançar a certeza jurídica da ocorrência dos factos que deu como assentes.
E se assim é, e se o fez de acordo com os poderes que a lei lhe confere, nos termos do artº 127 do C.P. Penal - onde se consigna que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador (isto é, convicção devidamente fundamentada, como é o caso, em que o raciocínio conviccional se mostra claramente explanado pelo tribunal “a quo” em sede de fundamentação, inexistindo pois arbitrariedade ou discricionariedade) - haverá que daí extrair que não houve violação do acima referido princípio, por não se verificarem, in casu, os requisitos de que depende a sua aplicação.
Não é essa a convicção do recorrente, o que é postura que tem direito a manter mas, no caso, não é a sua convicção pessoal que releva, mas sim a do julgador, uma vez que esta se mostra alcançada em perfeito cumprimento das normas legais que regem tal matéria.
 Improcede, pois, a crítica do recorrente, no que concerne ao apuramento da matéria fáctica dada como provada, com fundamento na violação de tal princípio.

vi. Atento o que se deixa dito, teremos de concluir que, no que a estes pontos factuais se refere, os arguidos se mostraram incapazes de demonstrar a existência de um erro que impusesse a sua alteração (quer no que respeita aos factos provados provenientes da pronúncia, quer no que se refere aos factos não provados advenientes da contestação), assim como se não vislumbram quaisquer vícios que os enfermem, razão pela qual improcede o que por ambos a este título foi peticionado. 

3. Ponto 951) (arguido LA… e arguido RC…) da matéria julgada provada proveniente da pronúncia, na parte relativa às facturas pagas pela Labicer:
Entendem os recorrentes que a matéria fáctica constante nesse ponto deve ser dada como não provada.

i. O facto 951) tem a seguinte redacção:
951) Os arguidos TR…, LF… e RD… actuaram com o propósito de, conjugando esforços com os arguidos OC… e FS…, fazerem contabilizar e pagar pela LABICER documentos que sabiam não corresponderem à verdade, de forma a gerar vantagens em sede fiscal.

ii. Apreciando.
Alegam os recorrentes, na parte que ora aqui nos importa (uma vez que se mostra definitivamente assente que as duas facturas são facturas forjadas) que a emissão da referida facturação, sendo globalmente neutra em termos de IVA, teria levado a um pagamento acrescido de IRC ao Estado, por parte do BPN, SA, relativamente a um acréscimo (nesse caso indevido) de resultado líquido correspondente a 420.000,00€, pelo que o que se mostra consignado no dito ponto de facto 951 se mostra errado.

a. Já tivemos oportunidade de apreciar, em sede do recurso interposto pelo arguido JO…, tal argumento.
Por se manterem válidas as razões já aí expressas, procedemos aqui à sua transcrição:
“Foram emitidas duas facturas falsas e o IVA pago nas mesmas, no montante de € 81.123,35, foi pela Labicer deduzido.
v. Como se deixou já consignado a propósito de um dos recursos intercalares interpostos, o IVA visa tributar todo o consumo em bens materiais e serviços, abrangendo, na sua incidência, todas as fases do circuito económico, desde a produção ao retalho, tendo como base tributável o valor acrescentado em cada fase.
A dívida tributária de cada operador económico é calculada pelo método do crédito de imposto, pois aplicada a taxa ao valor global das transacções da empresa, em determinado período, deduz-se o imposto por ela suportado nas compras desse mesmo período, revelado nas respectivas facturas de aquisição.
O apuramento do imposto devido é feito pela dedução ao imposto liquidado, do imposto suportado nas aquisições; isto é, os sujeitos passivos de IVA suportam impostos nas aquisições de bens e serviços efectuados a outro sujeito passivo e, por sua vez, liquidam IVA nas transmissões por si efectuadas. Do encontro desses dois valores apura-se o valor do IVA.
vi. É assim que opera este tipo de imposto e, como se constata pela matéria fáctica apurada, a emissão de tais facturas permitiu a existência de um crédito de imposto a favor da Labicer – com base numa realidade que não suportava o mesmo (facturas falsas) – sendo que os arguidos do mesmo fizeram uso, uma vez que o deduziram.
vii. Perante esta realidade simples, não assiste qualquer razão ao recorrente quando afirma a “neutralidade”, em sede de IVA, da emissão de tais facturas – ela claramente inexiste, face ao uso do crédito de imposto que foi realizado, no montante de € 81.123,35.
viii. Por seu turno, é indiferente para efeitos do afirmado nos ditos pontos factuais, se há ou não lugar a pagamento adicional de IRC a esse título, pelo BPN, desde logo porque por demonstrar se mostra que tal tenha efectivamente sucedido; em segundo lugar porque não há “compensações” entre impostos devidos por sociedades diversas e autónomas (a Labicer e o BPN) e, em terceiro lugar – e é esse, de facto o que aqui releva – porque o propósito de obtenção de vantagens fiscais, para si e para terceiros, através de documentos falsos, decorre claramente da restante matéria de facto provada, assim como também da mesma decorre que o arguido fez contabilizar e pagar pela Labicer documentos que sabia serem falsos, de forma a gerar vantagens em sede fiscal, designadamente para a Labicer, que assim pôde deduzir o crédito desse IVA.

iii. Atento o que se mostra exposto, há que concluir não assistir razão aos recorrentes nas críticas que dirigem ao decidido, quanto a este ponto da matéria de facto, não se vislumbrando portanto razões para se proceder à sua alteração. 

4. Pontos 766, 767, 908, 909 e 911 (arguido RC…) da matéria julgada provada proveniente da pronúncia e pontos 965 e 966 da pronúncia:

i. Estes pontos têm a seguinte redacção:
766)Em Novembro de 2005, os arguidos OC… e FS… resolveram substituir os três homens de confiança que até aí tinham utilizado para deter formalmente as acções da LABICER, os referidos EC…, RD… e VV…, ao mesmo tempo que decidiram retirar o TR… da administração da LABICER;
767)No entanto, os mesmos arguidos continuaram a não fazer intervir directamente o grupo BPN/SLN no capital da LABICER, preferindo encontrar novas entidades fiduciárias ou constituir novas entidades veículo para deter as referidas acções, aceitando suportar custos acrescidos para o grupo com o financiamento dessa estratégia;
908)O arguido RG… iniciou contactos no sentido de ser regularizado o empréstimo que havia sido contraído em seu nome, em 2003, junto do Banco Insular, pretendendo deixar de figurar como titular de acções da LABICER;
909) O arguido RC… era vogal da administração da Sogipart;
911) Em meados de 2008, o arguido RC… manifestou interesse na venda das acções LABICER detidas em seu nome, contactando, para o efeito, com o arguido FS…, a quem propôs dar execução ao que havia sido combinado com o arguido OC…;

ii. Os pontos 965) e 966) da pronúncia tinham a seguinte redacção:
965) Foi acordado no seio do grupo que, à semelhança das anteriores operações, a venda das acções LABICER detidas em nome do RC…, deveria ser realizada por um preço suficiente para garantir o pagamento do financiamento que havia sido concedido pelo Banco Insular, à data em que ocorresse a operação.
966) O arguido RC… não chegou a consumar o acordado com o OC… até à data em que este último renunciou à Presidência do Grupo, em Fevereiro de 2008;

iii. Apreciando.
Entende o recorrente que existe contradição no que se mostra descrito nesta factualidade, mas sem razão.
De facto, o que se mostra vertido no ponto 766) reporta-se ao ano de 2005 e a uma intenção de substituição que, no que respeita ao arguido RC…, não se chegou a concretizar.
Por seu turno, o constante no ponto 908), reporta-se a uma vontade proveniente do próprio arguido RC… e reporta-se ao ano de 2008, como se verifica pela leitura do facto 911 e segs..

iv. Entende ainda o recorrente que o tribunal “a quo” errou na apreciação que fez da prova produzida, sendo que a redacção dos pontos 908) e 909) devia passar a ser a seguinte:
908) O arguido RG… efectuou contactos com OC… ainda durante a presidência deste, para efectuar a sua substituição enquanto fiduciário no capital da LABICER, à imagem do que acontecera com os demais fiduciários da mesma LABICER, atendendo ao que OC… já havia decidido anteriormente de acordo com os factos provados 766 e 767
909) Nesse âmbito, foi decidido que a nova fiduciária da LABICER em substituição de RC… deveria ser a SOGIPART, que continuava a reportar a OC… e de que o arguido RC… era vogal da administração.
Por seu turno, entende ainda que os factos constantes nos pontos 965) e 966) da pronúncia deviam ser dados como provados.

a. No seu entendimento, esse erro reconduz-se à circunstância de a factualidade fazer recair apenas sobre si a decisão de deixar de ser o titular dessas acções quando, na verdade, foi uma decisão tomada em conjunto com o arguido JO….
Funda esse erro que imputa ao decidido na ausência de consideração dos seguintes elementos:
O que consta na contestação do arguido JO…;
O que resulta das declarações do arguido FS…;
A errada valoração do seu silêncio em julgamento, em sede de violação do princípio in dubio pro reo.
 
b. Vejamos.
No que concerne ao teor da contestação apresentada pelo arguido JO…, debalde tentámos encontrar dispositivo legal que permita valorar o seu conteúdo em si mesmo como elemento probatório.
E, no caso, o arguido que apresentou tal contestação nem sequer prestou declarações em audiência, nem juntou nenhum elemento de prova correlacionado com este tema.
Assim, o que consta em tal articulado remete-se ao fim que lei lhe reserva – meio de exposição da defesa do arguido que a subscreve, com remessa para os meios de prova que entender relevantes.
E são esses meios que têm de ser apreciados e valorados, sendo certo que, no caso, o recorrente não indica qual a prova produzida que os confirmaria.
O texto, em si, de uma contestação não tem, obviamente, qualquer valor probatório ínsito, precisamente porque não é um meio de prova. 

c. No que se refere aos restantes elementos a que o recorrente alude, o tribunal “a quo” refere-se-lhes, de modo bem diverso daquele que o arguido invoca.
Senão, vejamos:
Retomando à pronúncia cabe, agora, proceder à análise crítica dos factos 962º a 978º intitulados “Saída de RC… e entrada da Sogipart, SGPS, S.A..
A “saída” que aqui está em causa é da titularidade do capital social da Labicer, à semelhança do aconteceu com as saídas já vistas dos accionistas EC…, TR… e VP….
Da conjugação dos arts. 962º e 963º da pronúncia, resulta a afirmação que já no ano de 2007, ainda na Presidência do arguido OC…, o arguido RC… o contactou, manifestando-lhe a vontade de regularizar o empréstimo que havia contraído em seu nome, no Banco Insular, pretendendo deixar de figurar como titular das acções da Labicer.
Na sequência desse contacto, o arguido OC… logo definiu que a entidade que deveria figurar como adquirente das acções detidas pelo arguido RC… seria a Sogipart.
Em parte, estes factos não se provaram (v. factos não provados 291 e 292 e factos provados 908 e 909).
Com efeito, sem prejuízo de isso resultar mais claro à medida que se for desenvolvendo a motivação, simplesmente não se vislumbrou prova, documental (cabal) ou testemunhal, que permita afirmar que os contactos tendentes à resolução desta questão se iniciaram ainda na Presidência do arguido OC….
Há documentos em que o arguido RC… o afirma.
Porém, não passam de “afirmações” do próprio.
Essas afirmações, só por si, não se mostram suficientes para confirmar os contactos em questão.
Não há dúvidas de que o arguido RC… manifestou a vontade de regularizar o empréstimo que estava em seu nome no Banco Insular, mas isso ocorreu, com total certeza, após a saída do arguido OC… do grupo SLN/BPN.
Quanto à parte que resultou provada do art. 963º da pronúncia (exercício do cargo de vogal da administração da Sogipart pelo arguido RC…), teve-se em consideração o teor da cópia da certidão do registo comercial (apenso bancário 81, págs. 24 a 46), bem como o teor da prova testemunhal que será mencionada infra.
Relativamente à prova do facto 964º da pronúncia (v. facto provado 910), remete-se para os elementos probatórios de suporte já elencados aquando da análise do tema “utilização do Banco Insular para aquisição das acções da Labicer” (arts. 759º a 784 da pronúncia) dos quais resulta, de modo claro, que o arguido RC… não tinha procedido à assinatura do contrato de mútuo com o Banco Insular até ao momento em liquidou a sua dívida para com esta instituição bancária.
Não se tendo provado os contactos alegadamente estabelecidos entre os arguidos OC… e RC… com vista à transmissão do capital social da Labicer de que este último era titular, natural e logicamente que também não fica demonstrado o “acordo” a que se refere o facto 965º da pronúncia (v. facto não provado 293).
Pressupondo o art. 966º a demonstração do “acordo” e não havendo prova de que tenha ocorrido, necessariamente que o facto em questão resulta, na íntegra, não provado (v. facto não provado 294).
Na mesma lógica, quanto ao facto 967º não resulta provada a parte em que se afirma “voltou” (v. facto não provado 295).
Deste facto consta ainda que o arguido RC… entrou em contacto com o arguido FS… “a quem propôs dar execução ao que havia sido combinado com o arguido OC…”;
A propósito disso, em síntese, esclareceu o arguido FS…:
Lembra-se que RC… era administrador da Sogipart e que despachava directamente com OC…;
Já depois da saída de OC… do grupo, RC… falou consigo demonstrando vontade de resolver o assunto (divida no Banco Insular e detenção das acções da Labicer). Lembra-se dele ter dito que tinha falado com OC… no sentido de ser alienada a sua posição na Labicer, mas não se recorda dele ter falado na Sogipart quanto à entidade que ia adquirir as acções no âmbito do que anteriormente tinha acordado com OC….
Daqui retira-se que o arguido RC… contactou o arguido FS… a quem propôs a resolução do assunto nos termos em que, segundo ele, tinha combinado com o arguido OC…, o que, no fundo, corresponde ao que consta da parte final do art. 967º da pronúncia (v. facto provado 911)
Tal não significa, porém, que se esteja a dar como provado qualquer acordo entre os arguidos OC… e RC….
Está-se apenas a dar como provado que ocorreu este contacto no qual, o arguido RC… propôs algo.
Diga-se, também, que estas são as únicas declarações que aludem a um alegado acordo entre os arguidos OC… e RC… sobre esta questão.
No entanto, são manifestamente insuficientes para concluir pela existência desse acordo.
É que, por um lado, o arguido FS… apenas sabia daquilo que o RC… lhe transmitiu.
E, por outro, no exercício de um direito que lhe assiste, o arguido RC… não prestou declarações em julgamento, prescindindo, assim, da oportunidade para se pronunciar sobre o tema.

d. O que resulta da leitura deste trecho é simples:
O tribunal “a quo”, face ao que constava na pronúncia e aos elementos probatórios respeitantes a esta questão, considerou que a existência de acordo entre o arguido RC… e o arguido JO…, antes da saída deste do Grupo (ocorrida em Fevereiro de 2008) quanto à questão das acções da Labicer, se mostrava duvidosa, porque apenas suportada por algo que o próprio arguido RC… escreveu (em escrito não dirigido ao arguido JO…, mas antes dirigido a FS…, já após a saída do arguido OC… da presidência do Grupo), bem como pela recolecção do próprio arguido FS…, não de algo que presenciou, mas antes de algo que lhe foi dito, igualmente, pelo arguido RC….
Daqui decorre que a fonte de tal eventual entendimento entre os arguidos JO… e RC… é uma única: o arguido RC…. 
Assim, não existindo quaisquer outros elementos probatórios (quer documentais, quer por esclarecimentos que os arguidos JO… e RC… quisessem prestar), ficou na dúvida quanto à existência desse acordo e, na dúvida, não o deu como assente.
 
v. Não se vislumbra, pois, quanto a esta matéria, qualquer erro ou vício que a inquine, sendo que no que se refere à questão da violação do princípio in dubio pro reo não se vislumbra o incumprimento dos preceitos reguladores de tal matéria (vide supra o que se deixou já exposto a esse título, no ponto 2.) razão pela qual cabe concluir pela improcedência do pelo arguido peticionado.

5. Ponto 910 (arguido RC…) da matéria julgada provada proveniente da pronúncia:
O arguido entende que o ponto de facto 910 deve ser complementado, passando a ter a seguinte redacção:
910) Pese embora tal financiamento tivesse sido concedido em 2003, o arguido RC… nunca havia procedido à assinatura do contrato de mútuo com o Banco Insular, na medida em que desconhecia que o mesmo provinha dessa origem e não do BPN, o que deveria ser regularizado antes da consumação do pagamento ao Banco Insular;

i. Vejamos.
O arguido, pese embora a sua crítica, esquece-se de referir quais os elementos probatórios em que funda a mesma, bem como o pedido de alteração; isto é, quais as provas que permitiriam a este tribunal concluir que as razões que o levaram a não assinar o contrato se prendiam com o seu desconhecimento de que o dinheiro provinha do Banco Insular e não do BPN.

ii. Para além do mais, escapa-se-nos (pois o arguido também o não explica) como tal alegado desconhecimento (Banco Insular versus BPN) determinaria ou não a assinatura de tal contrato.

iii. Manifestamente, não assiste razão ao arguido RC… no que aqui peticiona.

6. Ponto 913 (arguido RC…) da matéria julgada provada proveniente da pronúncia:
Pretende o recorrente que a esse ponto seja aditado o seguinte segmento final: e contactou ainda o Dr. FA… para obter autorização da administração do grupo.

i. Consta em sede de motivação, a propósito do contacto com o Dr. FA…, o seguinte:
De um deles, designadamente do remetido a 16.06.2008 a FA…, mostra-se pertinente realçar as seguintes palavras do arguido RC…: “Na quarta-feira foi-me dado o extracto em anexo.
No seguimento dessa informação propus, por mail anexo, a venda pelo valor de € 1,44 a acção o que perfazia o valor de € 1.800.000 ou de € 1,45 que dava o valor de € 1.812.500.
A 31.05.2008 a dívida era de 1.250.000 + 522.858,21 = 1.772.858,21, que a juntar o juro corrente em Junho, naquela data, dava o valor arredondado de € 1.802.858,21”
Deste mail resulta claro que o arguido RC… visava ajustar o valor unitário da acção da Labicer de modo a que, multiplicado pelo número de acções de que era titular (1.250.000,00), o produto global da venda fosse o necessário e suficiente para pagar a dívida (capital + juros) que o onerava no Banco Insular.
E isto, independentemente do valor real e efectivo das acções da Labicer.
Se a dívida fosse superior, o valor unitário por acção seria ajustado para cima, se fosse inferior, seria ajustado para baixo.

ii. Consta ainda na mesma motivação:
Esgotada que está a análise crítica da factualidade da pronúncia relativa a este tema (arts. 962° a 978°), é tempo de verificar os factos das contestações dos arguidos OC… (fls. 17910 a 18110) e RC… (fls. 15699 a 15751) que estão relacionados com a matéria.
(…)
A factualidade da contestação do arguido RC… que se refere a esta matéria é a que consta dos arts. 47° a 94°.
(…)
Face aos elementos probatórios elencados e respectiva motivação, não resultou provado o referido pelo arguido nos arts. 67° e 68° da contestação (v. factos não provados 1 e 2 da contestação).
Repete-se o que já se afirmou:
Das declarações da testemunha FA… resulta que a mesma não deu qualquer aval/autorização a esta operação.
A mesma limitou-se a emitir uma opinião no sentido de que a operação devia estar sustentada com deliberações do conselho de administração, pareceres jurídicos e estudo da situação financeira da Labicer.
O que o arguido afirma é que a aquisição das acções “não mereceu a oposição do Dr.º FA…”, o que é completamente distinto.
Ainda que se concluísse que não tinha havido objecção, esta não oposição seria abstracta e condicional, na medida em que afirmou:
O que lhe disse foi que se actuasse com os critérios correctos a nível financeiro e jurídico não via posição de princípio que objectasse a esse negócio.
Mas, não se olvide que, mais de uma vez, se manifestou no seguinte sentido:
Não houve qualquer validação da sua parte a estas propostas de RC….

iii. Apreciando.
O que consta em tal escrito e o que o tribunal “a quo” refere, no que concerne ao conteúdo do depoimento da testemunha, mostram-se inabalados pelo que o arguido alega, já que se limita a querer impor outra interpretação (sem fundamento no teor desses elementos probatórios) que não é a que resulta da simples e mera análise da dita prova.
Assim, não se vislumbra o erro que o arguido imputa ao decidido, nem se impõe a peticionada alteração (vide infra, onde retomaremos a questão).

7. Pontos 914, 915 e 916 (arguido RC…) da matéria julgada provada proveniente da pronúncia:
Entende o recorrente que os pontos 914 e 916 devem ser eliminados do rol dos factos provados, uma vez que não há qualquer prova de o arguido ter encomendado o relatório aí referido, à DFK, com o intuito de inflacionar o valor das acções da Labicer.
No que concerne ao ponto 915, pugna pela sua alteração, passando a aí constar 915) O arguido RD… com o conhecimento dos responsáveis do grupo SLN, obteve as aprovações necessárias para vender à SOGIPART as acções que detinha na LABICER como fiduciário do mesmo grupo, pelo montante necessário para liquidar o empréstimo junto do Banco Insular, à imagem do que havia sucedido com as demais participações fiduciárias na mesma LABICER.

i. Os pontos em questão têm a seguinte redacção:
914)No sentido de dar cobertura ao valor pretendido para as acções, o arguido RD… ainda solicitou, à custa da LABICER, um parecer de avaliação da sociedade, baseado em dados de expectativas de negócio não conformes com a realidade e que o próprio arguido forneceu – relatório produzido pela SROC “DFK & Associados” que, projectando resultados a Dezembro de 2008, previa um valor unitário para as acções de 1,60 €;
915) Porém, o arguido RD… sabia que, como o preço das acções tinha sido ajustado ao montante necessário para liquidar o empréstimo junto do Banco Insular, com a consequente inflação do valor das acções, a compradora SOGIPART SGPS S.A. teria assim que adquirir uma participação social, no caso na LABICER, acima do valor real;
916) A aquisição das acções da LABICER seria assim, uma forma de induzir uma menos valia na entidade que viesse a consumar a operação, razão pela qual, o arguido decidiu utilizar uma outra sociedade de que tinha o controlo, no caso a ADICAIS, de forma a gerar um financiamento à SOGIPART, para que esta procedesse ao pagamento da aquisição das acções da LABICER;

ii. O tribunal “a quo” motivou a sua convicção, a este propósito, nos seguintes termos:
. No que se refere à questão da sobrevalorização das acções (fls. 1284 a 1288):
 JCa… (Engenheiro Civil com MBA em gestão e administração de empresas. Em 1997 pertencia aos quadros da gestora de patrimónios Soserfin, - gestor de valores, depois mudou nome para BPN Gestão de Valores e depois BPN Gestão de Activos. Entrou como director e depois foi administrador a partir de Fevereiro de 1998 e até 22 de Julho de 2012):
Uma das principais funções do fundo passava por valorizar os seus activos.
Em Dezembro de 2008 o Fundo não teve a menor dúvida que o valor das acções da Labicer era 0.
Em finais de Outubro/início de Novembro de 2008 deram o benefício da dúvida e foram comparar o cenário que tinha as melhores projecções de 22.12.2008 (BDO/Banco Efisa), sendo que estes eram muito menos optimistas do que o da DFK.
O Fundo não aceitou o relatório e contas de 2007 porque tinha dúvidas quanto à valorização da linha tradicional e também quanto aos custos diferidos que em termos contabilísticos aparecem no activo no valor de 21 milhões de euros.
Posteriormente o Fundo contratou a Ernst & Young para fazer um “restatement” (reanálise das contas) que concluiu por capitais próprios negativos de 61 milhões.
Outorgou o acordo de regularização de dívidas na qualidade de gestor do Fundo.
Numa reunião consigo, LA…, OC… e FS… apresentaram-lhe os contornos deste negócio, referindo que seria vantajoso para a Labicer e permitiria o seu desbloqueamento com a saída de TR….
O valor das acções foi transmitido e não negociado pelo Fundo, mas face aos elementos que tinham da empresa não lhes repugnou nada o preço indicado no contrato que viria a ser assinado.
AJo… (à data, assessor do Conselho de Administração do BPN):
 À data do acordo de regularização de dívidas, a Labicer já tinha uma dívida de 60 milhões de euros ao BPN e nenhum retorno.
O processo experimental sempre correu mal, designadamente nos processos inovadores.
Desta resenha, resulta que o projecto Labicer está votado ao insucesso, há muito.
E estava, igualmente, em 2007, quando foi feito o acordo de regularização de dívidas.
Nessa altura já se tinham passado vários anos sem que os problemas técnicos dos sistemas inovadores (Vitrakem e Reverse) tivessem sido resolvidos.
A cerâmica tradicional (Keromateca) nunca conseguiria dar retorno à colossal dívida da Labicer que se cifrava em montantes superiores a 60 milhões de euros.
O grupo SLN/BPN, até então, não tinha obtido o mínimo retorno com este projecto.
As acções, no fundo, tinham valor contabilístico negativo, uma vez que a Labicer estava em falência técnica (a questão dos custos diferidos – contabilizados no activo têm por efeito que o capital apresente um valor positivo, não contabilizados como custos diferidos, no activo, o capital passa a ser negativo).
É certo que, pouco mais de um ano depois, em Março de 2008, a DFK procedeu a uma avaliação da Labicer nos termos da qual foi atribuído o valor de 1,60 € por cada acção:
- Apenso temático AM, anexo 68, fls. 411 a 422, págs. 412 a 423 pdf – avaliação da DFK, de 30.03.2008, com referência a 31.12.2007;
No entanto, esta avaliação assentou em pressupostos errados e até incompletos.
Tal resulta das próprias declarações da testemunha MLa… (licenciado em gestão de empresas e que, à data, trabalhava na DFK – sociedade de revisores oficiais de contas):
Foi contactado por LA… (telefonicamente) no sentido de a DFK fazer uma avaliação da Labicer.
Na sequência disso, foi à empresa onde teve uma reunião com vários responsáveis (LA…, o director de marketing e a responsável financeiro ou de contabilidade).
O contacto foi para solicitar as contas históricas e os elementos mais recentes da contabilidade.
Os elementos documentais também lhe foram facultados por LA….
O trabalho de avaliação foi suportado por um estudo, na altura recente, económico-financeiro, para efeitos de apoios bancários. Esse estudo baseava-se em contas económico-financeiros provisionais para os anos seguintes e a estratégia da administração constante do mesmo.
A administração da Labicer tinha uma convicção relativamente ao futuro a nível de lucros e vendas.
A BDO transpôs isto para números no seu relatório de avaliação.
A DFK seguiu os termos deste relatório.
Aquando da avaliação LA… ou RC… nunca lhe disseram que o sistema Reverse já não funcionava e que o Vitrakem estava com deficiências técnicas.
Para a avaliação da empresa tomaram por base:
- a informação dos relatórios e contas históricos que analisaram;
- o estudo da BDO que analisaram e discutiram com a gestão da empresa de forma a perceber se era aquela a convicção da gestão em relação ao futuro.
E não fizeram mais nada.
Não fizeram estudo de mercado sectorial e geográfico.
Não analisaram a capacidade produtiva da empresa.
Não indagaram de eventuais deficiências técnicas dos métodos de produção ou dos produtos finais.
No fundo, não fizeram mais nada.
Os custos diferidos não têm qualquer impacto sobre o cash-flow porque, no fundo, já foram pagos.
Os custos diferidos não foram de modo nenhum tidos em consideração para a avaliação da empresa.
Os custos estavam, portanto, como activo e não como custo.
Se tivessem sido registados como custos nos anos anteriores as contas históricas seriam bastante piores.
Os custos diferidos, as normas de contabilidade internacional, só os admitem, quando os mesmos tenham um impacto positivo nos exercícios seguintes em algum aspecto.
Admitindo que os custos foram de desenvolvimento (tecnologia, patentes), esses custos iriam permitir as vendas e as projecções previstas, os mesmos podiam ser diferidos.
Continuou a relevar no mesmo campo os custos diferidos porque nos anos anteriores também foi feito assim.
A referência da avaliação a 31 de Dezembro de 2008 é um lapso, pois o que estava em causa era uma avaliação reportada a 31 de Dezembro de 2007.
O âmbito do contrato de prestações de serviços (ou seja, aquilo que foi encomendado), neste caso, foi circunscrito à avaliação com base no relatório anterior da BDO e nas informações prestadas ou fornecidas pela Labicer.
O trabalho não se debruçou, nem isso foi contratado, sobre uma auditoria às contas, logo, não confirmou se os valores constantes dos elementos contabilísticos estavam ou não correctos.
Não foi feita qualquer confirmação dos custos diferidos, quer quanto aos valores, quer quanto aos itens lá eventualmente discriminados.
Quando fez a avaliação não fez qualquer confirmação se as contas de 2007 já estavam ou não aprovadas em sede de assembleia geral.
No final, esclareceu que verificou os custos diferidos no sentido de perguntar o que lá estava incluído, embora não tivesse feito qualquer confirmação da facturação a este nível.
Em resumo, não se tratou de uma verdadeira e efectiva avaliação da Labicer.
Repete-se:
A administração da Labicer tinha uma convicção relativamente ao futuro a nível de lucros e vendas.
A BDO transpôs isto para números no seu relatório de avaliação.
A DFK seguiu os termos deste relatório.
Para a avaliação da empresa tomaram por base, tão só:
- a informação dos relatórios e contas históricos que analisaram;
- o estudo da BDO que analisaram e discutiram com a administração da Labicer de forma a perceber se era aquela a convicção da gestão em relação ao futuro.
Aliás, esta avaliação da DFK é completamente posta em causa pela análise da testemunha JCa… do BPN Gestão de Activos pela qual concluiu que as acções da Labicer, em 2007, tinham valor “zero”.
Também refere e justifica a mesma análise que “a existência de custos diferidos de 21,8 milhões de euros, onde avultavam custos pré-operativos de 17 milhões de euros, deveria ter sido deduzida à situação líquida, em face do insucesso dos processos fabris «Reverse» e «Vitrakem”.”
A propósito dos processos produtivos inovadores que também faliram, o Reverse e o Vitrakem, evidencia-se que, já em 2006, as perspectivas de êxito eram mais que sombrias porquanto eles se mostravam técnica e comercialmente inviáveis, como bem está reflectido nas actas do conselho de administração da Labicer:
- Apenso temático P, vol. 4, fls. 33 a 86, págs. 35 a 87 pdf – 02.04.2004 até 30.08.2007 - Atas do conselho de administração da Labicer relativas ao arranque de testes e produção industrial dos processos inovadores Vitrakem e Reverse e do processo tradicional Keramoteca e o evoluir dos valores de investimento;
Particularmente, conforme se regista na acta da reunião do conselho de administração de 15.06.2006 (fls. 66 a 69, págs. 68 a 71 pdf), apenas o sistema tradicional Keramoteca, que arrancou mais tarde, estava em fase de produção industrial e com uma “produtividade abaixo do normal”.
E, após sucessivas calendarizações, sempre adiadas, do início da produção a ritmo industrial dos processos ditos inovadores, a acta da reunião de 30.08.2007 (fls. 84 a 88, págs. 86 a 90 pdf) refere-se ao processo Reverse como um “processo sem progressos visíveis e propostas de produção sem valor acrescentado justificativo de produção em série” e ao processo Vitrakem como um processo “sem níveis de industrialização necessários e previstos”.
O próprio Eng.º MS… relatou a falência dos ditos processos produtivos inovadores, o Reverse e o Vitrakem:
- Apenso 33 – 12\BCS 20090104\BCS 3.bfk\Pastas\cnc\1567 Labicer\E-Solution\Vitrakem\Vitrakem final.doc – 12.12.2007 - documento elaborado por MS… (v. propriedades do documento) – Relato cronológico da implementação dos processos produtivos inovadores Vitrakem e Reverse;
De resto, é também significativo o enorme grau de incumprimento dos objectivos da Labicer definidos no contrato de investimento que celebrou com a API e que estão expressos em ofício da AICEP à Labicer:
- Apenso temático P, vol. 8, fls. 7 e 8, págs. 9 e 10 pdf – 07.11.2007 – medições efectuadas relativas ao período que vai de 1 de Janeiro de 2005 a 31 de Dezembro de 2006;
No ofício que ora se indicou, a AICEP, tendo por base as demonstrações financeiras certificadas, mediu um valor de vendas acumulado desde 1 de Janeiro de 2005 até 31 de Dezembro de 2006 que representava apenas 4% do valor contratualmente previsto.
Este valor estava, obviamente, muito distante do volume de vendas acordado:
- Apenso temático AI, fls. 63, pág. 84 pdf – 30.04.2005 – contrato de investimento outorgado entre a API/Labicer/TR… – cláusula 2.1.3 (i) - objectivos estabelecidos, designadamente quanto ao valor das vendas;
A própria crença e fé do arguido OC… no projecto estava forçosamente abalada, como se revela da carta que em 12.04.2006 enviou a Wiliam Medici da E-Solution:
- Apenso temático O, fls. 131 e 132, págs. 133 e 134;
Face ao exposto é por demais evidente a sobrevalorização das acções da Labicer.

. No que se refere a este ponto factual:
Por outro lado, o arguido RC… solicitou, à custa da Labicer, à sociedade de revisores oficiais de contas DFK um parecer de avaliação daquela sociedade baseado em dados de expectativas de negócios.
A DFK previu o valor de € 1,60 por acção:
- Apenso temático AM, anexo 68, fls. 411 a 422, págs. 412 a 423 pdf – 30.03.2008 - avaliação da DFK § Associados que atribui, com referência a 31 de Dezembro de 2008, o valor de € 1,6 a cada acção da Labicer;
- Apenso temático P, vol. 11, fls. 122, pág. 122 pdf – 06.11.2008 - Factura n.° 1581 da DFK relativa ao trabalho de avaliação da Labicer, no valor de € 6.000,00;
O Tribunal não tem quaisquer dúvidas que o preço unitário por acção da avaliação foi, manifestamente, sobreavaliado.
Já nos debruçámos sobre a sobreavaliação das acções da Labicer no âmbito do tema da pronúncia “regularização de dívidas” (arts. 856° a 881° da pronúncia).
Os elementos probatórios então indicados e a motivação desenvolvida, para a qual se remete, é inteiramente válida na análise crítica da matéria que aqui nos ocupa.
Em aditamento, referem-se apenas, em resumo, as declarações da testemunha LP… (Presidente do Conselho de Administração da Labicer entre 3.4.2009 e 30.11.2011) na parte em que se reportou directamente a esta questão da avaliação da Labicer:
Não concorda com o valor da avaliação da Labicer.
Quando iniciou funções em Abril de 2009 era suposto as contas de anos anteriores estarem aprovadas, o que não acontecia. Logo coube à sua administração aprovar as contas de 2007 e 2008.
O maior accionista da Labicer, o BPN activos, deliberou que essas contas dos anos anteriores só seriam por si aprovadas se houvesse uma auditoria externa.
Dessa auditoria externa da Ernst & Young resultou que, na data em que ocorreu a transacção do Eng. RC…, se o balanço estivesse aprovado a 31.12.2007, a Labicer estaria com capitais próprios negativos, ou seja, em falência técnica, de 11 milhões e tal euros.
Não é possível vender acções a € 1,44 de uma empresa com capitais próprios negativos.
Esta afirmação poderia ser contrariada caso a empresa estivesse a desenvolver negócios relativamente aos quais se perspectivasse sucesso, o que não acontecia.
Aliás, os capitais próprios negativos passaram de 11 milhões para 59 milhões negativos a 31.12.2008.
Uma empresa com capitais próprios negativos de 59 milhões nunca ninguém dá nada por ela, antes pelo contrário, têm que lhe pagar para ficarem com ela.
Ante tudo o que se deixa escrito é por demais evidente a sobrevalorização das acções da Labicer.
Ora, a manifesta sobrevalorização das acções teve em vista acomodar que o produto da venda das acções da Labicer tituladas pelo arguido RC… fosse suficiente para pagar a sua dívida (capital + juros) no Banco Insular.
Consequentemente, o arguido RC…, que então era Presidente do conselho de administração da Labicer, bem sabia que o preço ajustado das acções era superior ao real e, não obstante, diligenciou no sentido de que a Sogipart adquirisse uma participação social por valor acima daquele que efectivamente valia.
De resto, diversamente do que consta da fundamentação da deliberação do conselho de administração da Labicer (“preço justo”), o preço da compra e venda foi determinado em função do montante em dívida ao Banco Insular como o próprio RC… disse a JRd… e AMq…:
- Apenso de busca 1, doc. 69, págs. 1 a 5 (4) – 06.10.2008 - nota interna da DAI do BPN da autoria de JRd… e AMq… da qual consta, com importância (print) – (sublinhado amarelo nosso):

(Imagem removida)

(Imagem removida)

Pelo que não há dúvidas na prova dos factos 970° e 971° da pronúncia (v. factos provados 914 e 915).

iii. Apreciando.
Consideremos:
Atento o investimento de € 60.000.000,00, a Labicer conseguiu, ao longo dos anos em que esteve em funcionamento, pagar sequer parcialmente esse financiamento? Não.
Era um sucesso de produção e de vendas? Não, uma vez que desde 1 de Janeiro de 2005 até 31 de Dezembro de 2006 não conseguiu cumprir sequer 4% do valor contratualmente previsto (objectivo que se havia proposto perante o AICEP).
Em Janeiro de 2007, a Labicer tinha já uma dívida de 60 milhões de euros ao BPN e nenhum retorno? Sim.
 A análise das contas feita pela Ernst & Young (restatement) não concluiu que a Labicer tinha capitais próprios negativos de 61 milhões? Concluiu.
A cerâmica tradicional (Keromateca) alguma vez conseguiu dar retorno à dívida da Labicer de, pelo menos, 60 milhões de euros? Não.
Os problemas técnicos dos sistemas inovadores (Vitrakem e Reverse) ao longo dos anos de laboração, alguma vez foram resolvidos? Não.
Existe algum elemento probatório que infirme, efectivamente e com base numa auditoria séria e completa à Labicer, que a mesma se mostrava, há já vários e seguramente em 2008, em falência técnica? Não.
Estando uma empresa em situação de falência técnica, têm as suas acções valor transaccionável, ainda por cima superior ao da sua emissão? Não.
O parecer da DFK fundou-se em elementos obtidos de forma independente, por análise directa dos mesmos? Não.
O parecer da DFK fundou-se apenas na informação veiculada pela própria administração da Labicer e baseou-se em expectativas de negócios pela mesma afirmadas, mas não comprovadas pelos autores do parecer? Sim.
O valor de avaliação unitário das acções, situado em € 1,60, com referência ao final do ano de 2008, permitia dar uma aparência de razoabilidade para o valor unitário de € 1,44/€ 1,45, que permitia proceder ao pagamento de todo o mútuo relativo à aquisição de acções, ocorrida em 2003, de que era titular o arguido RC…, sem questões de mais-valias? Sim.
A real situação financeira da Labicer era do conhecimento de FA…? A resposta terá de ser negativa, desde logo pelo que o tribunal “a quo” acima refere, bem como pela circunstância de as contas da Labicer, respeitantes ao ano de 2007 ainda nem sequer terem sido aprovadas, existindo um parecer da DFK que procedia a uma avaliação completamente desfasada da realidade no que se refere ao valor das acções, sendo que por demonstrar se mostra que aquele responsável do Grupo SLN tivesse conhecimento do modo como tal valor foi alcançado. Note-se, aliás, que o arguido RC… (como resulta da prova produzida) fez juntar à documentação relativa à venda das acções que detinha da Labicer o dito parecer.
Quem seguramente de tudo isto tinha perfeito conhecimento era o arguido RC… que, à data, desempenhava as funções de presidente da Labicer.
Assim, o que se mostra dado como provado revela-se infundado na prova e inconsistente face às regras de experiência comum? Não.

iv. Do que se deixa exposto resulta que a reapreciação probatória realizada não permite concluir que a motivação avançada pelo tribunal “a quo” quanto a este ponto factual se mostre desamparada, face à prova e aos raciocínios que explana, pelo que não se impõe a sua alteração, assim improcedendo o pelo arguido aqui peticionado.

8. Pontos 917, 918 e 919 (arguido RC…) da matéria julgada provada proveniente da pronúncia:
Entende o arguido que o tribunal “a quo” errou ao não atender à circunstância de todas as operações realizadas nesses pontos decorrerem de actos de mera gestão de tesouraria, pelo que tais pontos factuais devem passar a ter a seguinte redacção:
917) Assim, foi utilizada por uma questão de mera gestão de tesouraria no âmbito do grupo, parte dos fundos disponíveis na ADICAIS detida a 100% pela SOGIPART, a fim de disponibilizar tais fundos à mesma SOGIPART, para que esta pudesse pagar as acções da LABICER;
918) Para o efeito, foi utilizada temporariamente, parte da disponibilização dum montante de crédito, no valor de 1.450.000,00 €, dirigido ao “financiamento para construção e venda”, que veio a ser disponibilizado na conta BCP nº …, da ADICAIS, na data de 16-6-2008;
919) Uma vez tendo disponíveis tais fundos na conta da ADICAIS, os responsáveis desta empresa determinaram a realização de uma transferência, a débito da referida conta BCP, para a conta da SOGIPART, conta BCP nº …, no montante de 1.700.000,00 €, com data de 18-6-2008;

i. Esses pontos factuais têm a seguinte redacção:
917) Assim, o arguido RD…, na qualidade de presidente da administração da ADICAIS, decidiu aproveitar as linhas de financiamento de que a mesma dispunha junto do BCP, no sentido de solicitar a disponibilização de uma tranche adicional do financiamento, a fim de disponibilizar tais fundos à SOGIPART, para que esta pudesse pagar as acções da LABICER;
918) Executando tal propósito, o arguido RD… contratou com o BCP a utilização de um montante de crédito, no valor de 1.450.000,00 €, dirigido ao “financiamento para construção e venda”, que veio a ser disponibilizado na conta BCP n° …, da ADICAIS, na data de 16-6-2008;
919) Uma vez tendo disponíveis tais fundos na conta da ADICAIS, o arguido RD… determinou a realização de uma transferência, a débito da referida conta BCP, para a conta da SOGIPART, conta BCP n° …, no montante de 1.700.000,00 €, com data de 18-6-2008;

ii. O tribunal “a quo” apresentou, a este respeito, a seguinte motivação:
Neste contexto o arguido RC…, na qualidade de Presidente do Conselho de Administração da Adicais, aproveitou as linhas de financiamento para construção de que esta dispunha junto do BCP a fim de disponibilizar fundos à Sogipart para que esta pagasse as acções da Labicer.
Assim obteve, em 16.06.2008, € 1.450.000,00 destinados a “financiamento para construção e venda” na conta da Adicais no BCP, o que lhe permitiu, em 18.06.2008, realizar uma transferência desta conta para a conta da Sogipart no BCP de € 1.700.000,00, tendo o dito montante sido contabilizado na Sogipart como empréstimo da Adicais (arts. 972° a 975° da pronúncia; v. factos provados 917 a 920):
Apenso bancário n.° 97 – conta titulada pela Adicais no BCP:
- fls. 17, pág. 19 pdf – cópia da certidão do registo comercial da Adicais (exercício do cargo de Presidente do Conselho de Administração);
- fls. 9, pág. 11 pdf - ficha de assinaturas da Adicais da qual resulta que o arguido RC…, na qualidade de Presidente desta sociedade, tinha poderes para movimentar a conta;
- fls. 60 a 63, págs. 101 a 106 pdf – 29.03.2006 – escritura pública de mútuo com hipoteca, outorgado entre o Banco Investimento Imobiliário (grupo BCP) e a Adicais no montante de € 32.500.000,00, na qual esta sociedade esta apenas representada pelo arguido RC…;
- fls. 59, pág. 99 pdf – 31-05.2008 – mail do arguido RC… a pedir ao BCP a libertação do financiamento “relativo ao empreendimento Lote 1 junto à Casa da Música”;
- fls. 5, pág. 7 “in fine” – informação de saldos e prestações relativos a empréstimos para financiamento “a construção e venda”;
- fls. 4, pág. 6 pdf – data movimento 17.06.2008 e data-valor de 16.06.2008 - extracto da conta da Adicais no BCP com o movimento a crédito de 1.450.000,00 que, conforme o respectivo descritivo, é um “adiantamento crédito imobiliário empresa n.º 14098965”
- fls. 5, pág. 7 pdf – data-valor de 18.06.2006 – mesmo extracto - movimento a débito de € 1.700.000,00 por transferência para a conta n.° …, que corresponde à conta da Sogipart (o n.° de conta identificado no art. 975° da pronúncia tem um pequeno lapso, designadamente o seu último algarismo é “9” e não “0” com dele consta – v. factos não provados 297 e 298);
- Apenso temático P, vol. 8, fls. 68, pág. 70 pdf – extracto da conta contabilística da Sogipart 26.8.1.00001 na qual está registado o empréstimo da Adicais no valor de € 1.700.000,00;
- Apenso bancário 83, fls. 58, pág. 87 pdf – 18.06.2008 – extracto da conta da Sogipart no BCP – movimento a crédito de € 1.700.000,00 provindo da Adicais;
Em 17.06.2008 foi formalizada a venda à Sogipart das 1.250.000 acções da Labicer pelo preço de € 1.800.000,00.
O preço foi pago por cheque sacado sobre a conta da Sogipart no BCP, que o arguido RC… depositou na sua conta pessoal (art. 976° da pronúncia; v. facto provado 921 facto não provado 298).
Refira-se que, com data de 06.06.2008, tinha sido exarada uma acta do conselho de administração da Sogipart, presidido pelo arguido RC…, na qual foi tomada a deliberação de aquisição daquela participação social pelo referido preço de € 1.800.000,00, que foi considerado “justo tendo em conta o valor actual da Labicer”, valor certamente aferido pela avaliação encomendada à DFK:
- vol. 26 do processo, fls. 10744 a 10746, págs. 264 a 266 pdf – 06.06.2008 - acta n.° 10 da reunião do conselho de administração da Sogipart, com a presença do arguido RC… e dos administradores LFi… e RJo…, que delibera a aquisição ao arguido da participação de 1.250.000 acções da Labicer e da qual consta “sendo que o preço praticado na aquisição das referidas acções é o preço justo e, por outro lado, pela avaliação que efectuamos do negócio consideramos que o mesmo se afigura um bom negócio para a sociedade”;
Note-se que no mail enviado pelo arguido RC… a AJo…, em 11.06.2008, i.e., em data posterior à constante da referida acta do conselho de administração da Sogipart, o arguido RC… escrevia:
“Caro Dr. AD…,
Gostaria que me pudesse responder se pode aceitar a minha proposta. Tenho alguma urgência, nessa decisão por forma a fazer a correspondente acta”. 
- Apenso temático AM, anexo 66, fls. 403 a 405, págs. 404 a 406 pdf – 17.06.2008 - contrato de compra e venda das 1.250.000 acções da Labicer pelo preço de € 1.800.000,00, outorgado entre o arguido RC…, na qualidade de vendedor, e a Sogipart, na qualidade de compradora, representada pelos administradores LFi… e RB…;
- Apenso temático AM, anexo 70, fls. 435, pág. 436 pdf – cópia do cheque de € 1.800.000,00 emitido pela Sogipart sobre a conta do BCP, com a assinatura do arguido RC… e emitido à ordem do próprio RC…;
- Apenso bancário 83, fls. 58, pág. 87 pdf – extracto da conta titulada pela Sogipart no BCP – 18.06.2008 e 19.06.2008 – respectivamente, movimento a crédito de € 1.700.000,00 provindo da Adicais e movimento a débito de € 1.800.000,00 por saque de cheque;
- Apenso temático AM, anexo 71, fls. 436, pág. 437 pdf - cheque de € 10.000,00 emitido pela Adicais sobre o BCP, com assinatura do arguido RC…, a favor dele próprio;
- Apenso bancário 42, fls. 123, pág. 246 pdf – 19.06.2008 - extracto da conta titulada pelo arguido RC… no BCP – depósito de € 1.810.000,00 (valor que inclui o cheque de € 10.000,00);
- Apenso temático AM, anexo 69, fls. 424 a 428, págs. 425 a 429 pdf – 17.06.2008 – comunicação do arguido RC… pela qual solicita o registo da transmissão das acções a favor da Sogipart; certificado de título n.º 10 de acções da Labicer em nome do arguido e averbamento do registo da transmissão;
- Processo, vol. 26, fls. 10747 a 10750, págs. 267 a 270 pdf – 02.09.2008 - Nota interna de RC… para MC… com explicações sobre a operação de aquisição e venda da participação na Labicer que refere que o Dr. FA… autorizou a operação da venda, o que foi várias vezes negado por esta testemunha;
Finalmente, em 09.09.2008, mediante cheque bancário no montante de € 1.812.872,00, sacado sobre a sua conta pessoal no BCP, o arguido RC… pagou ao Banco Insular o empréstimo que então atingia este valor, contra recibo do Banco Insular, datado de 10.09.2008 e assinado por JV… (art. 977º da pronúncia; v. facto provado 921 e facto não provado 299):
- Apenso bancário 42, fls. 129, pág. 257 pdf – 09.09.2008 - conta titulada pelo arguido RC… no BCP – movimento a débito de € 1812.884,50 pela emissão de cheque bancário;
- Apenso de busca 1, doc. 69, págs. 33 e 34 pdf – 09.09.2008 – documento de depósito do cheque de € 1.812.872,00 na conta titulada pelo arguido RC… no Banco Insular e cópia do cheque;
- CD, vol. 13 – data-valor de 09.09.2008 – conta titulada pelo arguido RC… no Banco Insular – movimento a crédito de € 1.812.872,00 que liquida o empréstimo no montante de € 1.250.000,00 e juros vencidos desde 26.3.2003 (data do empréstimo) – (sublinhado amarelo nosso):
Conta à ordem:
- Apenso AM, anexo 76, fls. 456, pág. 457 pdf – 10.09.2008 – recibo de liquidação do empréstimo emitido pelo Banco Insular assinado pelo arguido JV…;
Mostra-se ainda relevante fazer referência à prova testemunhal produzida sobre esta matéria que suporta e consolida a factualidade provada.
Em resumo:
AJo… (v. razão de ciência supra):
Em Junho de 2008 RC… mandou-lhe um mail na sequência de um mail anterior no qual declarava que pretendia vender as acções da Labicer.
Telefonicamente informou-o que a questão tinha que ser resolvida no âmbito do Conselho de Administração da SLN.
Em Setembro de 2008 foi efectuada a operação na sequência de autorização do Dr.º MC….
Na mesma data alertou o Dr.º MF… que não havia contrato de mútuo.
Foi assinado o contrato de mútuo e emitido o cheque de 1 milhão e 800 mil euros, também é emitida a declaração de que RC… nada deve e é amortizado o crédito de RC… no Banco Insular.
O dinheiro seguiu para o Banco Insular.
As acções foram adquiridas pela Sogipart.
Para pagamento do mútuo, a Sogipart recebeu uma transferência da Adicais e é com esses fundos que vem a ser adquirida, pela Sogipart, a participação de RC… na Labicer.
RC… utilizou uma linha de crédito que estava aprovada no BCP, crédito concedido à Adicais para financiamento à construção de edifícios na Av. da Boavista, junto à casa da música, no Porto.
À data destes factos RC… era presidente do conselho de administração da Sogipart, da Adicais e vogal da Labicer.
Este negócio já não era contemporâneo da presidência de OC….
CA… (advogada; à data trabalhava na Planfin e na sociedade de advogados CFGA):
Teve conhecimento da venda da participação de RC… na Labicer por transferência para a Sogipart.
Em Março de 2008 apareceu nas instalações onde se encontrava a testemunha e disse-lhe que tinha essa participação, tinha sido acordada a transferência para a Sogipart, e pediu-lhe para fazer a minuta da acta do C.A. da Sogipart a decidir a compra e também a minuta do contrato de compra e venda.
A pessoa que estava nessa altura na área não financeira da SLN era FA…, foi no mandato deste que RC… lhe pediu aquelas minutas.
Elaborou os documentos.
Nessa altura, fez as minutas e o assunto não ficou logo resolvido.
Várias vezes RC… veio a Lisboa, pedindo-lhe para imprimir as minutas, para alterar as datas, porque ia falar com o FA… para aprovar a operação, até que um dia lhe disse que FA… tinha aprovado a operação e pediu-lhe para imprimir as versões finais.
Depois de impressas as versões definitivas das minutas foi recolher a assinatura à sede da empresa de Asi…, foi recolher a assinatura de LMa…, isto em Junho de 2008.
Fez um pequeno resumo do que ele estava a assinar e LMa… assinou normalmente.
A assinatura do outro administrador não foi recolhida por si.
Daqui resulta que não houve qualquer discussão em sede do Conselho de Administração da Sogipart sobre esta questão.
A testemunha CB… simplesmente encontrou-se com LMa…, que fazia parte da administração da Sogipart, entregou-lhe a versão definitiva da acta por si anteriormente minutada e ele assinou-a.
Mais referiu a testemunha, em síntese:
Relativamente aos fundos utilizados na operação não tem conhecimento nenhum.
Mais tarde, em Setembro de 2008, RC… disse-lhe que precisava de um recibo em como o dinheiro que recebeu da venda se destinou ao pagamento de um empréstimo que tinha no Banco Insular.
Pediu-lhe para ir falar com AD… para ver se conseguia o recibo. AD… disse-lhe para ir ao edifício da Brancamp. Foi lá e estava um envelope ao seu cuidado, abriu-o, confirmou que era o pretendido e enviou-o para o Eng. RC….
Sobre esta operação aquando da compra e venda, não falou com FA…, ou seja, não perguntou se devia ou não ser feito este contrato.
Mas não tinha dúvidas se isto teria sido autorizado a nível superior.
Nunca ninguém questionou a testemunha sobre esta operação.
FA… (Foi nomeado administrador da SLN SGPS em meados de
Janeiro de 2008 e nomeado CEO das sub-holdings da área não financeira em Fevereiro de 2008. No âmbito da SLN o pelouro que assumiu foi o da área não financeira. Manteve-se em funções no grupo até finais de Outubro de 2008, cerca de 2 semanas antes da nacionalização do BPN):
A Sogipart não fazia formalmente parte do universo de participações da área imobiliária.
Tinha à frente dela (presidência) o Eng. RC…. A Sogipart era detida por uma offshore chamada Camden, a qual era detida pela Marazion.
RC… sempre lhe disse que os activos da Sogipart pertenciam ao grupo.
O Eng. RC…, em meados de Maio de 2008, comunicou-lhe que tinha esta participação social na Labicer e que estava numa situação em que teria assumido uma responsabilidade que não era dele a solicitação de OC… e que estava a pensar fazer a alienação da participação à Sogipart.
O que lhe disse foi que, se actuasse com os critérios correctos a nível financeiro e jurídico, não via posição de princípio que objectasse a esse negócio.
De qualquer forma, não tinha qualquer poder decisório nesta matéria.
RC… disse-lhe ainda que isso era um assunto que vinha sendo acompanhado por FS… e que já tinham previsto uma solução.
Não sabe o que foi feito a nível de validação financeira e jurídica.
O Eng. RC… chegou a enviar-lhe um mail em que descrevia a operação.
Acha que nunca respondeu a estes mails e não houve qualquer validação da sua parte a estas propostas do RC….
Em seu entender RC… seria um detentor fiduciário das acções da Labicer.
Não sabe exactamente o que foi feito e, em seu entender, isto teria que ser feito com deliberações do conselho de administração, pareceres jurídicos e estudo da situação financeira da Labicer
Quanto à fixação do preço, tinha implícito a dívida do Eng. RC… ao Banco.
Não sabe se o preço estava ou não acertado com a realidade da Labicer.
Só teve conhecimento da situação e contornos mais exactos da Labicer em Setembro de 2008.
Na altura do negócio aquele preço (1,44) não lhe disse nada.
Nada lhe foi transmitido quanto aos concretos movimentos financeiros.
Não sabia, igualmente, na altura, que a dívida era ao Banco Insular.
Na altura, considerou/pensou que a dívida era ao BPN, porque lhe falaram que era uma dívida ao Banco.
Já a instâncias da defesa, em suma, declarou:
Quando entrou para o grupo começou também a acompanhar a área imobiliária.
O Eng. RC…, por vezes, reunia consigo, uma vez que tinha uma série de dossiers da área imobiliária que fazia questão de lhe comunicar e informar.
A partir de Junho de 2008 deixou de acompanhar a área imobiliária.
RC… informou-o dos desenvolvimentos relativos ao edifício da EDP.
Recebeu informação de RC… sobre as entidades Adicais, Fozgarden e Sogipart.
Quanto às acções de que ele era titular da Labicer, o que disse a RC… foi que devia sustentar em termos jurídicos e financeiros a operação.
É normal uma SGPS prestar suprimentos às participadas.
Antes do fecho da operação (venda das acções da Labicer) não sabia que RC… se tinha financiado no Banco Insular para comprar as acções.
Das declarações desta testemunha resulta que a mesma não deu qualquer aval/autorização à operação.
Limitou-se a emitir uma opinião no sentido de que a mesma devia estar sustentada com deliberações do conselho de administração, pareceres jurídicos e estudo da situação financeira da Labicer.
No mesmo sentido - de que não houve qualquer aval ou autorização formal do grupo -, aponta o mail (vol. 175 do processo, fls. 52547, pág. 85 pdf) remetido pela testemunha MM… (à data, administrador da SLN e do BPN) ao arguido RC… a 9 de Setembro de 2008 do seguinte teor:
“Sr.º Eng. RC…,
Aceito, por que me diz e pela sua preocupação manifestada, que a sua responsabilidade com o Banco Insular lhe tenha sido induzida por anteriores responsáveis do grupo.
Agora, não aceito, desculpar-me-á, que diga que fui eu quem lhe deu instruções para pagar.
O que lhe digo é que, sendo devedor (por acto real ou irreal), e querendo pagar a responsabilidade, o deve fazer junto do banco mutuante. Mas a iniciativa é sua. A “facilitação” (é um nosso dever) burocrática é minha. E fico satisfeito, como o grupo e consigo, que a situação fique bem resolvida.
(...)”.
Dir-se-á ainda:
Esta operação, em termos de racionalidade financeira e económica, não faz qualquer sentido.
A Sogipart, SGPS, S.A., ou seja uma sociedade gestora de participações sociais do ramo imobiliário, está a adquirir uma participação numa sociedade, a Labicer, que nada tem a ver com este ramo, uma vez que era uma empresa que única e exclusivamente se dedicava à produção industrial de produtos cerâmicos.
Por outro lado, ao tempo da venda das acções da Labicer de que era titular, o arguido RC… era, simultaneamente, administrador das sociedades Sogipart, Adicais e Labicer.
Na qualidade de membro da administração da Labicer bem sabia que as acções desta sociedade, nada valiam.
E, por outro lado, a dupla qualidade de presidente dos conselhos de administração da Adicais e da Sogipart permitiu-lhe montar a operação de venda das acções da Labicer nos termos que foram descritos.
Sublinha-se ainda que, quando, em 08.09.2009, o arguido RC… fez entrega voluntária de documentação relevante sobre a venda das acções à Sogipart, ele não se esqueceu de entregar a avaliação das acções da DFK feita a pedido da Labicer e por esta custeada.
Porém, nesta circunstância, não fez entrega de nenhuma documentação atinente ao financiamento da operação que começou com o pedido de adiantamento de parte duma linha de financiamento para construção e venda que a Adicais tinha obtido junto do BCP:
- Processo, vol. 11, fls. 4640 a 4645, págs. 330 a 335 pdf – relato de diligência externa e auto de busca e apreensão;
De tudo resulta que não haja dúvidas de que o arguido RC… gerou um prejuízo na Adicais com o aumento do seu endividamento sob o falso pretexto de se destinar a financiamento para construção e venda, bem como uma menos-valia para a Sogipart, que adquiriu pelo preço unitário de € 1,44, 1.250.000,00 acções da Labicer que tinham um valor contabilístico negativo, sem qualquer expectativa de negócio que lhe permitisse gerar retorno para pagar o muito elevado endividamento que tinha perante o grupo SLN/BPN (art. 978° da pronúncia; v. facto provado 922).

iii. Apreciando.
A tese do arguido, face à mera objectividade do que resulta documentalmente provado, não se mostra minimamente substanciada.
Senão, vejamos:

a. É verdade que o arguido pediu, na qualidade de presidente da Adicais, uma linha de crédito ao BCP, linha de crédito essa destinada a financiamento para construção e venda? Sim.

b. E, pergunta-se, foi essa a utilização dada a uma parcela proveniente dessa linha de crédito, no valor de € 1.450.000,00?
Não. O dinheiro assim recebido, bem como a restante quantia necessária, que se encontrava na conta da sociedade Adicais, foi transferido para uma outra sociedade, a Sogipart, da qual o arguido era igualmente então presidente.
Então, fazendo uso desse dinheiro, a Sogipart comprou ao arguido RC… as 1.250 acções que este detinha na Labicer.
De seguida, o arguido RC… pagou ao Banco Insular a dívida que até então aí tinha em seu nome, por virtude da aquisição em 2003 das ditas acções.

c. Salvo o devido respeito, onde é que aqui se vislumbra qualquer normal gestão de tesouraria, que mais não é do que a diária movimentação de recursos financeiros, dirigida ao fluxo de caixa?
E já agora, da tesouraria de qual das duas sociedades – da Sogipart ou da Adicais? É que a tese do arguido refere que a ajuda à gestão de tesouraria teria sido prestada pela Adicais à Sogipart. Mas, resta perguntar porquê, já que não foi feita com recurso a capitais próprios da primeira, mas antes, em enorme medida, por recurso ao crédito. Se assim foi, porque razão é que a Sogipart não pediu directamente tal crédito (e já agora, para efectiva gestão de tesouraria, não pretensamente para construção…).

d. Em que é que o financiamento permitiu o normal desenvolvimento da prossecução dos fins de qualquer uma das duas sociedades (ambas do sector imobiliário), em especial, da Sogipart? Em nada.

e. Porque razão haveria qualquer grau mínimo de normal gestão corrente, na decisão de aquisição, por um fundo imobiliário, de acções de uma empresa que se dedicava à produção de produtos cerâmicos? Ignora-se.

f. Como é que um pedido de adiantamento de uma parcela, no valor de cerca de um milhão e meio de euros, obtida através de um financiamento para construção e venda, se integra no conceito de mera gestão de tesouraria? Não integra.

g. Como é que o desvio desse montante, sem qualquer título que o justifique, para outro fim e para uma outra empresa, se pode qualificar como um acto corrente de gestão de tesouraria? Salvo o devido respeito, é manifesto que não pode.

h. Existe ou não prova de ter cabido ao arguido RC… a iniciativa da transferência de € 1.700.000,00 da conta da Adicais para a conta da Sogipart?
Vejamos.
A Adicais, representada apenas pelo seu presidente, o arguido RC…, havia celebrado um contrato de mútuo com o BCP, em valor ligeiramente superior a 30 milhões de euros, para financiamento de um projecto de construção situado junto à Casa da Música no Porto.
O arguido RC…, no final de Maio de 2008, pediu um adiantamento de uma parcela de tal empréstimo (vide Apenso Bancário AB a 97, pág. 99 pdf).
Esse valor é recebido na conta da Adicais, em Junho de 2008 (€ 1.450.000,00) e, de seguida, tendo já a conta da Adicais provisão suficiente (o remanescente necessário mostrava-se na conta da Adicais), é realizada uma transferência no montante de € 1.700.000,00 para a Sogipart, sem qualquer tipo de justificação ou documentação.
Uma vez que foi o arguido RC… que pediu a libertação dessa parcela de tal financiamento, que a mesma entrou na conta da Adicais e que depois transitou para a conta da Sogipart, onde foi usada para pagar ao arguido RC… a aquisição das acções que tinha em seu poder, decorre das mais básicas regras de experiência que a ordem para a transferência do quantitativo de € 1.700.000,00 da conta da Adicais para a da Sogipart foi dada por sua iniciativa, pois era este arguido o único interessado nessa transferência.
Assim, respondendo à questão supra formulada, temos de concluir que existe prova de tal.

i. E, finalmente, resta perguntar como é que o uso do quantitativo recebido, sem qualquer razão justificativa, pela Sogipart, para aquisição de acções de uma empresa de cerâmica tecnicamente falida, que estavam em nome do presidente quer da Adicais, quer da Sogipart, se integra no conceito de acto de gestão corrente?
A resposta é obviamente, uma negativa simples.

j. Nada nesta operação e em todas estas movimentações se insere, sequer remotamente, num acto de gestão, muito menos corrente, num acudir entre empresas ao seu normal giro comercial. O que decorre da objectividade das operações realizadas, apreciadas à luz das regras de experiência comuns, é pura e simplesmente o que se mostra vertido nos pontos factuais que o arguido impugna.

iv. Aqui chegados, resta-nos apenas concluir que o arguido se mostrou incapaz de demonstrar a existência de qualquer erro, na determinação da matéria fáctica apurada pelo tribunal “a quo” ou de vício que a infirmasse, razão pela qual não se impõe a sua alteração, improcedendo pois o que aqui peticiona.

9. Pontos 920, 921 e 922 (arguido RC…) da matéria julgada provada proveniente da pronúncia:
a. Entende o recorrente que no ponto 920) deve ser feita referência ao acordo de outros dois administradores da Sogipart, no que concerne à decisão de aquisição das acções da Labicer;
Quanto ao ponto 921), peca por não referir que o arguido era fiduciário;
Finalmente, no que concerne ao ponto 922), entende que a operação foi aprovada e conhecida pela administração da SLN, que já a havia equacionado anteriormente, foi aprovada e executada pela administração da SOGIPART sem reservas, o que em seu entender determina que não quis gerar prejuízo na Adicais e uma menos valia na Sogipart.
Peticiona, assim, as seguintes alterações à matéria de facto dada como assente (a bold as alterações peticionadas):
920) Uma vez reunidos os meios financeiros, o arguido RD… formalizou então a venda à SOGIPART das 1.250.000 acções da LABICER, por 1.800.000,00, conforme decidido e executado pela compradora no seio do conselho de administração e com o aval do grupo SLN, que foi pago através da emissão do cheque nº 5269121232, sacado sobre a conta BCP nº … e que o arguido RD… depositou na sua conta pessoal;
921) Após a recepção do pagamento, o arguido RD…, através da sua conta pessoal no BCP, conta nº …, adquiriu um cheque bancário, para liquidação da dívida junto do Banco Insular que havia sido contraída enquanto fiduciário do grupo SLN, então no total de 1.812.872,00 €, que incluía os juros remuneratórios gerados na sua conta em virtude do produto da venda das acções da LABICER à SOGIPART, na data de 09 de Setembro de 2008;
922) O arguido RD… veio a realizar o pagamento da divida aberta em seu nome junto do Banco Insular enquanto fiduciário do grupo SLN na LABICER, tendo sido utilizados fundos disponíveis na ADICAIS num regime de cash pooling, transferidos para a sua empresa mãe SOGIPART para o efeito, passando esta ultima a figurar como titular das ditas acções em substituição do mesmo RC…, conforme decidido há muito no seio do grupo e autorizado, com o conhecimento de toda a hierarquia;
b. O ponto de facto 922 tem, actualmente, a presente redacção:
922) O arguido RD… visou realizar o pagamento da divida aberta em seu nome junto do Banco Insular, mas aceitou para tal gerar um prejuízo na sociedade ADICAIS, através do aumento do endividamento desta empresa, sob a encenação de um empréstimo para a construção, e ainda uma menos valia na SOGIPART, que adquiriu, pelo preço de 1,44€ cada, um total de 1.250.000 acções da LABICER, que têm um valor contabilístico negativo e se reportam a uma empresa sem expectativa de negócio;

i. O tribunal “a quo” motivou tal matéria fáctica nos seguintes termos:
Em 17.06.2008 foi formalizada a venda à Sogipart das 1.250.000 acções da Labicer pelo preço de € 1.800.000,00.
O preço foi pago por cheque sacado sobre a conta da Sogipart no BCP, que o arguido RC… depositou na sua conta pessoal (art. 976° da pronúncia; v. facto provado 921 facto não provado 298).
Refira-se que, com data de 06.06.2008, tinha sido exarada uma acta do conselho de administração da Sogipart, presidido pelo arguido RC…, na qual foi tomada a deliberação de aquisição daquela participação social pelo referido preço de € 1.800.000,00, que foi considerado “justo tendo em conta o valor actual da Labicer”, valor certamente aferido pela avaliação encomendada à DFK:
- vol. 26 do processo, fls. 10744 a 10746, págs. 264 a 266 pdf – 06.06.2008 - acta n.° 10 da reunião do conselho de administração da Sogipart, com a presença do arguido RC… e dos administradores LFi… e RJo…, que delibera a aquisição ao arguido da participação de 1.250.000 acções da Labicer e da qual consta “sendo que o preço praticado na aquisição das referidas acções é o preço justo e, por outro lado, pela avaliação que efectuamos do negócio consideramos que o mesmo se afigura um bom negócio para a sociedade”;
Note-se que no mail enviado pelo arguido RC… a AJo…, em 11.06.2008, i.e., em data posterior à constante da referida acta do conselho de administração da Sogipart, o arguido RC… escrevia:
“Caro Dr. AD…,
Gostaria que me pudesse responder se pode aceitar a minha proposta. Tenho alguma urgência, nessa decisão por forma a fazer a correspondente acta”. 
- Apenso temático AM, anexo 66, fls. 403 a 405, págs. 404 a 406 pdf – 17.06.2008 - contrato de compra e venda das 1.250.000 acções da Labicer pelo preço de € 1.800.000,00, outorgado entre o arguido RC…, na qualidade de vendedor, e a Sogipart, na qualidade de compradora, representada pelos administradores LFi… e RB…;
- Apenso temático AM, anexo 70, fls. 435, pág. 436 pdf – cópia do cheque de € 1.800.000,00 emitido pela Sogipart sobre a conta do BCP, com a assinatura do arguido RC… e emitido à ordem do próprio RC…;
- Apenso bancário 83, fls. 58, pág. 87 pdf – extracto da conta titulada pela Sogipart no BCP – 18.06.2008 e 19.06.2008 – respectivamente, movimento a crédito de € 1.700.000,00 provindo da Adicais e movimento a débito de € 1.800.000,00 por saque de cheque;
- Apenso temático AM, anexo 71, fls. 436, pág. 437 pdf - cheque de € 10.000,00 emitido pela Adicais sobre o BCP, com assinatura do arguido RC…, a favor dele próprio;
- Apenso bancário 42, fls. 123, pág. 246 pdf – 19.06.2008 - extracto da conta titulada pelo arguido RC… no BCP – depósito de € 1.810.000,00 (valor que inclui o cheque de € 10.000,00);
- Apenso temático AM, anexo 69, fls. 424 a 428, págs. 425 a 429 pdf – 17.06.2008 – comunicação do arguido RC… pela qual solicita o registo da transmissão das acções a favor da Sogipart; certificado de título n.º 10 de acções da Labicer em nome do arguido e averbamento do registo da transmissão;
- Processo, vol. 26, fls. 10747 a 10750, págs. 267 a 270 pdf – 02.09.2008 - Nota interna de RC… para MC… com explicações sobre a operação de aquisição e venda da participação na Labicer que refere que o Dr. FA… autorizou a operação da venda, o que foi várias vezes negado por esta testemunha;
Finalmente, em 09.09.2008, mediante cheque bancário no montante de € 1.812.872,00, sacado sobre a sua conta pessoal no BCP, o arguido RC… pagou ao Banco Insular o empréstimo que então atingia este valor, contra recibo do Banco Insular, datado de 10.09.2008 e assinado por JV… (art. 977º da pronúncia; v. facto provado 921 e facto não provado 299):
- Apenso bancário 42, fls. 129, pág. 257 pdf – 09.09.2008 - conta titulada pelo arguido RC… no BCP – movimento a débito de € 1812.884,50 pela emissão de cheque bancário;
- Apenso de busca 1, doc. 69, págs. 33 e 34 pdf – 09.09.2008 – documento de depósito do cheque de € 1.812.872,00 na conta titulada pelo arguido RC… no Banco Insular e cópia do cheque;
- CD, vol. 13 – data-valor de 09.09.2008 – conta titulada pelo arguido RC… no Banco Insular – movimento a crédito de € 1.812.872,00 que liquida o empréstimo no montante de € 1.250.000,00 e juros vencidos desde 26.3.2003 (data do empréstimo) – (sublinhado amarelo nosso)(…)
- Apenso AM, anexo 76, fls. 456, pág. 457 pdf – 10.09.2008 – recibo de liquidação do empréstimo emitido pelo Banco Insular assinado pelo arguido JV…;
Mostra-se ainda relevante fazer referência à prova testemunhal produzida sobre esta matéria que suporta e consolida a factualidade provada.
Em resumo:
AJo… (v. razão de ciência supra):
Em Junho de 2008 RC… mandou-lhe um mail na sequência de um mail anterior no qual declarava que pretendia vender as acções da Labicer.
Telefonicamente informou-o que a questão tinha que ser resolvida no âmbito do Conselho de Administração da SLN.
Em Setembro de 2008 foi efectuada a operação na sequência de autorização do Dr.º MC….
Na mesma data alertou o Dr.º MF… que não havia contrato de mútuo.
Foi assinado o contrato de mútuo e emitido o cheque de 1 milhão e 800 mil euros, também é emitida a declaração de que RC… nada deve e é amortizado o crédito de RC… no Banco Insular.
O dinheiro seguiu para o Banco Insular.
As acções foram adquiridas pela Sogipart.
Para pagamento do mútuo, a Sogipart recebeu uma transferência da Adicais e é com esses fundos que vem a ser adquirida, pela Sogipart, a participação de RC… na Labicer.
RC… utilizou uma linha de crédito que estava aprovada no BCP, crédito concedido à Adicais para financiamento à construção de edifícios na Av. da Boavista, junto à casa da música, no Porto.
À data destes factos RC… era presidente do conselho de administração da Sogipart, da Adicais e vogal da Labicer.
Este negócio já não era contemporâneo da presidência de OC….
CA… (advogada; à data trabalhava na Planfin e na sociedade de advogados CFGA):
Teve conhecimento da venda da participação de RC… na Labicer por transferência para a Sogipart.
Em Março de 2008 apareceu nas instalações onde se encontrava a testemunha e disse-lhe que tinha essa participação, tinha sido acordada a transferência para a Sogipart, e pediu-lhe para fazer a minuta da acta do C.A. da Sogipart a decidir a compra e também a minuta do contrato de compra e venda.
A pessoa que estava nessa altura na área não financeira da SLN era FA…, foi no mandato deste que RC… lhe pediu aquelas minutas.
Elaborou os documentos.
Nessa altura, fez as minutas e o assunto não ficou logo resolvido.
Várias vezes RC… veio a Lisboa, pedindo-lhe para imprimir as minutas, para alterar as datas, porque ia falar com o FA… para aprovar a operação, até que um dia lhe disse que FA… tinha aprovado a operação e pediu-lhe para imprimir as versões finais.
Depois de impressas as versões definitivas das minutas foi recolher a assinatura à sede da empresa de ASi…, foi recolher a assinatura de LMa…, isto em Junho de 2008.
Fez um pequeno resumo do que ele estava a assinar e LMa… assinou normalmente.
A assinatura do outro administrador não foi recolhida por si.
Daqui resulta que não houve qualquer discussão em sede do Conselho de Administração da Sogipart sobre esta questão.
A testemunha CB… simplesmente encontrou-se com LMa…, que fazia parte da administração da Sogipart, entregou-lhe a versão definitiva da acta por si anteriormente minutada e ele assinou-a.
Mais referiu a testemunha, em síntese:
Relativamente aos fundos utilizados na operação não tem conhecimento nenhum.
Mais tarde, em Setembro de 2008, RC… disse-lhe que precisava de um recibo em como o dinheiro que recebeu da venda se destinou ao pagamento de um empréstimo que tinha no Banco Insular.
Pediu-lhe para ir falar com AD… para ver se conseguia o recibo. AD… disse-lhe para ir ao edifício da Braamcamp. Foi lá e estava um envelope ao seu cuidado, abriu-o, confirmou que era o pretendido e enviou-o para o Eng. RC….
Sobre esta operação aquando da compra e venda, não falou com FA…, ou seja, não perguntou se devia ou não ser feito este contrato.
Mas não tinha dúvidas se isto teria sido autorizado a nível superior.
Nunca ninguém questionou a testemunha sobre esta operação.
FA… (Foi nomeado administrador da SLN SGPS em meados de Janeiro de 2008 e nomeado CEO das sub-holdings da área não financeira em Fevereiro de 2008. No âmbito da SLN o pelouro que assumiu foi o da área não financeira. Manteve-se em funções no grupo até finais de Outubro de 2008, cerca de 2 semanas antes da nacionalização do BPN):
A Sogipart não fazia formalmente parte do universo de participações da área imobiliária.
Tinha à frente dela (presidência) o Eng. RC…. A Sogipart era detida por uma offshore chamada Camden, a qual era detida pela Marazion.
RC… sempre lhe disse que os activos da Sogipart pertenciam ao grupo.
O Eng. RC…, em meados de Maio de 2008, comunicou-lhe que tinha esta participação social na Labicer e que estava numa situação em que teria assumido uma responsabilidade que não era dele a solicitação de OC… e que estava a pensar fazer a alienação da participação à Sogipart.
O que lhe disse foi que, se actuasse com os critérios correctos a nível financeiro e jurídico, não via posição de princípio que objectasse a esse negócio.
De qualquer forma, não tinha qualquer poder decisório nesta matéria.
RC… disse-lhe ainda que isso era um assunto que vinha sendo acompanhado por FS… e que já tinham previsto uma solução.
Não sabe o que foi feito a nível de validação financeira e jurídica.
O Eng. RC… chegou a enviar-lhe um mail em que descrevia a operação.
Acha que nunca respondeu a estes mails e não houve qualquer validação da sua parte a estas propostas do RC….
Em seu entender RC… seria um detentor fiduciário das acções da Labicer.
Não sabe exactamente o que foi feito e, em seu entender, isto teria que ser feito com deliberações do conselho de administração, pareceres jurídicos e estudo da situação financeira da Labicer
Quanto à fixação do preço, tinha implícito a dívida do Eng. RC… ao Banco.
Não sabe se o preço estava ou não acertado com a realidade da Labicer.
Só teve conhecimento da situação e contornos mais exactos da Labicer em Setembro de 2008.
Na altura do negócio aquele preço (1,44) não lhe disse nada.
Nada lhe foi transmitido quanto aos concretos movimentos financeiros.
Não sabia, igualmente, na altura, que a dívida era ao Banco Insular.
Na altura, considerou/pensou que a dívida era ao BPN, porque lhe falaram que era uma dívida ao Banco.
Já a instâncias da defesa, em suma, declarou:
Quando entrou para o grupo começou também a acompanhar a área imobiliária.
O Eng. RC…, por vezes, reunia consigo, uma vez que tinha uma série de dossiers da área imobiliária que fazia questão de lhe comunicar e informar.
A partir de Junho de 2008 deixou de acompanhar a área imobiliária.
RC… informou-o dos desenvolvimentos relativos ao edifício da EDP.
Recebeu informação de RC… sobre as entidades Adicais, Fozgarden e Sogipart.
Quanto às acções de que ele era titular da Labicer, o que disse a RC… foi que devia sustentar em termos jurídicos e financeiros a operação.
É normal uma SGPS prestar suprimentos às participadas.
Antes do fecho da operação (venda das acções da Labicer) não sabia que RC… se tinha financiado no Banco Insular para comprar as acções.
Das declarações desta testemunha resulta que a mesma não deu qualquer aval/autorização à operação.
Limitou-se a emitir uma opinião no sentido de que a mesma devia estar sustentada com deliberações do conselho de administração, pareceres jurídicos e estudo da situação financeira da Labicer.
No mesmo sentido - de que não houve qualquer aval ou autorização formal do grupo -, aponta o mail (vol. 175 do processo, fls. 52547, pág. 85 pdf) remetido pela testemunha MM… (à data, administrador da SLN e do BPN) ao arguido RC… a 9 de Setembro de 2008 do seguinte teor:
“Sr.º Eng. RC…,
Aceito, por que me diz e pela sua preocupação manifestada, que a sua responsabilidade com o Banco Insular lhe tenha sido induzida por anteriores responsáveis do grupo.
Agora, não aceito, desculpar-me-á, que diga que fui eu quem lhe deu instruções para pagar.
O que lhe digo é que, sendo devedor (por acto real ou irreal), e querendo pagar a responsabilidade, o deve fazer junto do banco mutuante. Mas a iniciativa é sua. A “facilitação” (é um nosso dever) burocrática é minha. E fico satisfeito, como o grupo e consigo, que a situação fique bem resolvida.
(...)”.
Dir-se-á ainda:
Esta operação, em termos de racionalidade financeira e económica, não faz qualquer sentido.
A Sogipart, SGPS, S.A., ou seja uma sociedade gestora de participações sociais do ramo imobiliário, está a adquirir uma participação numa sociedade, a Labicer, que nada tem a ver com este ramo, uma vez que era uma empresa que única e exclusivamente se dedicava à produção industrial de produtos cerâmicos.
Por outro lado, ao tempo da venda das acções da Labicer de que era titular, o arguido RC… era, simultaneamente, administrador das sociedades Sogipart, Adicais e Labicer.
Na qualidade de membro da administração da Labicer bem sabia que as acções desta sociedade, nada valiam.
E, por outro lado, a dupla qualidade de presidente dos conselhos de administração da Adicais e da Sogipart permitiu-lhe montar a operação de venda das acções da Labicer nos termos que foram descritos.
Sublinha-se ainda que, quando, em 08.09.2009, o arguido RC... fez entrega voluntária de documentação relevante sobre a venda das acções à Sogipart, ele não se esqueceu de entregar a avaliação das acções da DFK feita a pedido da Labicer e por esta custeada.
Porém, nesta circunstância, não fez entrega de nenhuma documentação atinente ao financiamento da operação que começou com o pedido de adiantamento de parte duma linha de financiamento para construção e venda que a Adicais tinha obtido junto do BCP:
- Processo, vol. 11, fls. 4640 a 4645, págs. 330 a 335 pdf – relato de diligência externa e auto de busca e apreensão;
De tudo resulta que não haja dúvidas de que o arguido RC… gerou um prejuízo na Adicais com o aumento do seu endividamento sob o falso pretexto de se destinar a financiamento para construção e venda, bem como uma menos-valia para a Sogipart, que adquiriu pelo preço unitário de € 1,44, 1.250.000,00 acções da Labicer que tinham um valor contabilístico negativo, sem qualquer expectativa de negócio que lhe permitisse gerar retorno para pagar o muito elevado endividamento que tinha perante o grupo SLN/BPN (art. 978° da pronúncia; v. facto provado 922).
                                                    *
Esgotada que está a análise crítica da factualidade da pronúncia relativa a este tema (arts. 962° a 978°), é tempo de verificar os factos das contestações dos arguidos OC… (fls. 17910 a 18110) e RC… (fls. 15699 a 15751) que estão relacionados com a matéria.
 (…)
Repete-se que já se afirmou:
Das declarações da testemunha FA… resulta que a mesma não deu qualquer aval/autorização a esta operação.
A mesma limitou-se a emitir uma opinião no sentido de que a operação devia estar sustentada com deliberações do conselho de administração, pareceres jurídicos e estudo da situação financeira da Labicer.
O que o arguido afirma é que a aquisição das acções “não mereceu a oposição do Dr.º FA…”, o que é completamente distinto.
Ainda que se concluísse que não tinha havido objecção, esta não oposição seria abstracta e condicional, na medida em que afirmou:
O que lhe disse foi que se actuasse com os critérios correctos a nível financeiro e jurídico não via posição de princípio que objectasse a esse negócio.
Mas, não se olvide que, mais de uma vez, se manifestou no seguinte sentido:
Não houve qualquer validação da sua parte a estas propostas de RC….
Face aos elementos probatórios elencados – e outros não se vislumbram – não existe prova do que o arguido alega no art. 71° da contestação (v. facto não provado 3).
Não obstante exista a acta (suporte físico) que o arguido identifica no art. 730 da contestação – aliás, já foi referida supra a sua localização no processo – o que é facto indesmentível é que não houve qualquer deliberação do Conselho de Administração da Sogipart relativo à aquisição das acções da Labicer (v. facto não provado 4)
Remete-se, neste âmbito, para o teor das declarações da testemunha CA… e para o teor do mail remetido, a 11.06.2008, pelo arguido RC… a AJo…, mail de data posterior à data constante da acta.
Considerando os elementos probatórios já indicados, nada permite concluir que a “valorização” das acções da Labicer foi “deliberada e assumida, às claras, pela administração da SLN” (art. 760 da contestação; v. facto não provado 5).
Relativamente ao facto 770 remete-se para o que já se expôs no que concerne à identificada acta, chamando-se a atenção que o facto em causa resultou não provado (v. facto não provado 4 da contestação).
Está errado o que o arguido concluiu no art. 880 da contestação (v. facto não provado 6).
Foi assim que, de facto, foi registado em termos contabilísticos, o que não significa que esteja certo.
Quem se financiou foi a sociedade Adicais e com um propósito diverso do descrito.
Depois de os fundos entrarem na Adicais, o que ocorreu foi uma simples transferência de fundos de uma sociedade para outra.
Não ocorreu, pois, para o efeito, qualquer pedido de financiamento da Sogipart à Adicais.

ii. Apreciando.
No que se refere à questão da sua indicação como fiduciário, em sede factual, remete-se para o que supra se referiu já a este propósito.

iii. No que concerne à autorização dada pela hierarquia de topo da SLN, quanto à operação de venda das acções da Labicer à Adicais, mostra-se a mesma por demonstrar.

a. Como já anteriormente se referiu, os depoimentos prestados não indicam que tal autorização tivesse sido concedida, nem que essa administração (empossada há escassos meses, após a saída do arguido JO… da Presidência do Grupo) tivesse conhecimento, à data em que essa venda se processou – Junho de 2008 – da real situação financeira da Labicer (remete-se para a motivação supra, sendo certo que os comentários que o arguido expõe se mostram incapazes de abalar o que aí se mostra dito e escrito pelos diversos intervenientes).

b. De igual modo e no que concerne aos restantes administradores da Sogipart:
A acta a que o arguido faz referência é abordada pelo tribunal “a quo”, que a conjuga com os restantes elementos probatórios, afirmando o seguinte:
Refira-se que, com data de 06.06.2008, tinha sido exarada uma acta do conselho de administração da Sogipart, presidido pelo arguido RC…, na qual foi tomada a deliberação de aquisição daquela participação social pelo referido preço de € 1.800.000,00, que foi considerado “justo tendo em conta o valor actual da Labicer”, valor certamente aferido pela avaliação encomendada à DFK:
- vol. 26 do processo, fls. 10744 a 10746, págs. 264 a 266 pdf – 06.06.2008 - acta n.° 10 da reunião do conselho de administração da Sogipart, com a presença do arguido RC… e dos administradores LFi… e RJo…, que delibera a aquisição ao arguido da participação de 1.250.000 acções da Labicer e da qual consta “sendo que o preço praticado na aquisição das referidas acções é o preço justo e, por outro lado, pela avaliação que efectuamos do negócio consideramos que o mesmo se afigura um bom negócio para a sociedade”;
(…)
Daqui resulta que não houve qualquer discussão em sede do Conselho de Administração da Sogipart sobre esta questão.
A testemunha CB… simplesmente encontrou-se com LMa…, que fazia parte da administração da Sogipart, entregou-lhe a versão definitiva da acta por si anteriormente minutada e ele assinou-a.
(…)
Das declarações desta testemunha (FA…) resulta que a mesma não deu qualquer aval/autorização à operação.
Limitou-se a emitir uma opinião no sentido de que a mesma devia estar sustentada com deliberações do conselho de administração, pareceres jurídicos e estudo da situação financeira da Labicer.
No mesmo sentido - de que não houve qualquer aval ou autorização formal do grupo -, aponta o mail (vol. 175 do processo, fls. 52547, pág. 85 pdf) remetido pela testemunha MM… (à data, administrador da SLN e do BPN) ao arguido RC… a 9 de Setembro de 2008 do seguinte teor:

c. Esta prova não se mostra sequer beliscada pelo que o arguido afirma no seu recurso, uma vez que corresponde ao que efectivamente foi dito e escrito pelas testemunhas ouvidas em julgamento, sendo perfeitamente indiferente para o que aqui se discute as considerações que tece a propósito dos pedidos cíveis.

d. Sejamos claros:
O arguido mostra-se incapaz de demonstrar que, desde o topo do Grupo SLN, até à administração da Sogipart, todos os seus elementos deram o seu aval à realização de uma série de actos que, em bom rigor, apenas a si interessavam e apenas a si beneficiavam, já que se destinavam a livrá-lo do peso da dívida que sobre si recaía, pelo facto de ter aceite ser detentor de acções da Labicer, apesar de estarem plenamente cientes de qual a proveniência do dinheiro usado para efectivar tal venda, bem como a real valia das acções da Labicer.

e. Não obstante, sempre se dirá que, ainda que outros (que não estão aqui a ser julgados e que, como tal, não tiveram sequer direito a ser ouvidos em sua defesa, quanto a tal questão) pudessem eventualmente saber de todas as circunstâncias relativas à questão da venda de tais acções à Sogipart (nomeadamente, que essas acções não tinham qualquer valor, porque a Labicer estava falida; que o dinheiro para as comprar provinha de um empréstimo feito à Adicais, que foi transferido, sem qualquer título que o justificasse, para a Sogipart, bem como a restante quantia retirada da conta da mesma sociedade; que a circunstância de o arguido ter aceite, em 2003, ficar detentor das acções da Labicer, teve por base a perspectiva de daí retirar proveitos pessoais), nenhuma destas circunstâncias afastaria a responsabilidade do arguido RC… em todas estas operações.
Na verdade, como em sede de enquadramento jurídico melhor se explicitará, os prejudicados pelo engano que, manifestamente ocorre em todas estas operações (desde a inicial, em que o arguido simula a aquisição de acções quando, em bom rigor, aceitou apenas ser detentor das mesmas em nome de outrem), são os accionistas do Grupo SLN/BPN. Ora, relativamente aos mesmos, não há qualquer dúvida que era total o desconhecimento que tinham de todas estas operações.
Assim sendo, não afastando a responsabilidade do arguido pela sua intervenção em todos estes actos, a eventual co-responsabilização de outros (algo que, manifestamente, excede em absoluto o thema decidendum que este tribunal pode apreciar), a sua repetida tentativa, ao longo de todo o seu recurso, de alijar culpas para cima de outros, mostra-se infrutífera quanto ao fim que se propõe – obter a sua própria exoneração.

f. Prosseguindo.
Face à prova efectivamente produzida, não restam dúvidas que assiste plena razão ao tribunal “a quo” quando refere: E, por outro lado, a dupla qualidade de presidente dos conselhos de administração da Adicais e da Sogipart permitiu-lhe montar a operação de venda das acções da Labicer nos termos que foram descritos.
E, aditamos nós – a única pessoa que tinha efectivo e real interesse na realização de toda esta operação, era o arguido RC… e ninguém mais, pois bem sabia que as acções que vendeu não tinham qualquer valor real.
Na verdade, se as acções da Labicer valiam o que a avaliação da DFK referia, pergunta-se porque razão optou o arguido pela montagem de todo este esquema? Porque é que, simplesmente, não deu ordem de venda de tais acções, a quem tivesse interesse em comprá-las? Na verdade, se as acções até valeriam unitariamente € 1,60, teria sido mais proveitoso para o arguido proceder à sua venda a outros que não à Sogipart.
A razão porque não optou por tal solução – que é óbvia face ao que se mostra dado como assente - é mais um elemento que corrobora tudo aquilo que o tribunal “a quo” verteu na sua motivação.

g. Finalmente, no que se refere ao prejuízo:
Por muito que o arguido sublinhe o facto de a Sogipart ser a holding da Adicais, não há volta a dar – o que foi feito criou prejuízos para a sociedade filha e menos-valias para a sociedade mãe.
Diga-se, aliás, que mesmo que só para uma delas tivesse gerado prejuízos, escapa-se-nos de onde retira o arguido suporte legal para entender que se esse desfalcamento for feito dentro de uma relação entre holdings e sub-holdings, tal circunstância não terá qualquer relevância.
Na verdade, a relação holding/sub-holding não altera a natureza autónoma de cada uma dessas empresas, sendo certo que quem administra cada uma delas tem o dever de o fazer de modo a que aqueles que nas mesmas aplicaram o seu dinheiro possam daí retirar o melhor retorno possível.
Retornando à questão dos prejuízos, constata-se que a Adicais teve de suportar um aumento de endividamento (o pagamento de uma tranche de um empréstimo no valor de € 1.450.000,00 que, ao invés de ser usado para o desenvolvimento da sua actividade, foi entregue à Sogipart), assim como foi desapossada da quantia de € 250.000,00 que estava depositada na sua conta; por seu turno, a Sogipart, ficou com uma menos-valia resultante da aquisição de acções sem qualquer valor.
 
iv. Atento o que se mostra dito, resta concluir que, mais uma vez, o arguido se mostrou incapaz de demonstrar que o decidido padecia de erro ou de vício, que impusessem a sua alteração.

10. Ponto 952 (arguido RC…) da matéria julgada provada proveniente da pronúncia:
Entende o recorrente que não se mostra provado que tenha tido qualquer intenção de obter para si nem para ninguém, um enriquecimento ilegítimo com a operação, em face de tudo aquilo que foi dito, mas apenas resolver uma situação que lhe foi imposta pelo grupo SLN no passado, e que acabou por se resolver às claras com assentimento e colaboração activa do mesmo grupo SLN.

i. O ponto 952) tem a seguinte redacção:
952) O arguido RD… actuou ainda com o propósito de criar um cenário que lhe permitisse lançar mão de fundos obtidos por financiamento pela sociedade ADICAIS, de que era administrador, a fim de satisfazer interesses próprios, no caso o pagamento de divida ao Banco Insular, sabendo que estava a induzir uma perda para aquela sociedade;

ii. Apreciando.
O recorrente pretende vir novamente discutir a factualidade dada como assente, quer sob o prisma de erro, quer sob o prisma de vício ou de nulidade, que já anteriormente rebateu, sem sucesso e ad nauseam.
Todas as questões que aqui suscita mostram-se já anteriormente abordadas, pelo que remetemos para o que supra se mostra dito a propósito da sua actuação nesta questão, que envolve o uso de um financiamento e de uma quantia pertencentes à Adicais, que foi entregue à Sogipart para esta adquirir as acções da Labicer que o arguido detinha, tendo este, por sua vez, com o dinheiro recebido, procedido ao pagamento da dívida resultante da aquisição de tais acções, junto do Banco Insular.

a. Aditaremos apenas o seguinte:
O dolo, embora sendo matéria factual, parametriza-se como um facto psicológico, de cariz interno. Isto significa que a sua apreensão não acontece, por regra (e a excepção é, precisamente, o caso de confissão integral, em que o sujeito verbaliza essa sua interna vontade e intencionalidade), de forma directa, sensorial, não é algo que seja directamente apreensível mediante observação. Ao invés, a sua indagação decorre da avaliação crítica do comportamento humano em presença, de acordo com as regras da experiência, podendo ainda ser alcançado por recurso a presunções ligadas ao princípio da normalidade.

b. Na verdade, em muitas situações, a prova dos factos resulta de outros factos que não se comprovam em si próprios, mas de ilações, retiradas face ao facto e às circunstâncias concretas do seu cometimento – cfr., a este respeito, M. Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal, Vol. I, Lisboa/S. Paulo, Ed. Verbo, 1992, págs. 297 e 298.
Tais normas da experiência são, por conseguinte, definições ou juízos hipotéticos, de conteúdo genérico, independentes do caso concreto “sub judice”, assentes na experiência comum e, por isso, independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade (Cavaleiro Ferreira, Curso Proc. Penal, II, 30).

c. Por seu turno, e no que concerne à consciência da ilicitude, não só o artº 6º do C. Civil expressamente refere que a ignorância da lei não aproveita a ninguém como, em sede criminal, tal questão se mostra há muito pacífica.
Como refere o já provecto acórdão do STJ de 14 de Outubro de 1992, no processo nº 42.918, “a consciência da ilicitude fica implícita no próprio facto, desde que seja do conhecimento geral que ele é proibido e punível.”
Em sede doutrinária, Teresa Beleza escreve in “Direito Penal”, 2.° Vol.: Na problemática do erro sobre a ilicitude, “o que está em causa é saber-se se, numa situação concreta, a pessoa tinha a obrigação de suspeitar que aquele acto realmente fosse ilícito ou lícito e, em consequência disso, intentar verificar se assim era ou não” (...), concretamente, informar-se (...). E isto porque (...) “haverá que evitar o «amolecimento ósseo» do Direito Criminal”. Por isso, “o agente não tem de conhecer a norma violada, bastando-lhe uma consciência da ilicitude material que, normalmente, se presume. E quando o facto, para além de ser uma infracção do Direito, constitui também uma violação da ordem moral e ética, o erro é normalmente evitável, já que a valoração normativa pode surgir do próprio sentimento jurídico com um maior ou menor esforço da consciência” (mesma Autora, in “Problemática do erro sobre a ilicitude”, pág. 71, retirado do Acórdão do T.R. de Guimarães, processo nº1121/04-1, de 22-11-2004).
E de igual modo se poderiam citar, entre outros, Figueiredo Dias – vide Maia Gonçalves, C. Penal Português, 18ª edição, pág. 120.

d. Nos presentes autos, o arguido RC… não prestou declarações.
Do dito decorre que, para apuramento da materialidade fáctica a este respeito, afastada que se mostra a confissão, teremos de nos socorrer dos ensinamentos acima concisamente expostos e relativos quer ao modo de apuramento do dolo, quer da consciência da ilicitude.
E foi isso que o tribunal “a quo” fez, nos termos que acima se deixaram exarados.

e. Diga-se, aliás, que as alterações que o recorrente pretende, a este título (imputação subjectiva), se fundam sempre no pressuposto de que outra seria a materialidade resultante da reapreciação fáctica (para além da invocação da circunstância de a sua saída do Grupo ter sido negociada e remunerada, o que se ignora e não tem qualquer relevo para o que aqui e agora se discute e decide).
Tal não sendo o caso – isto é, soçobrando este pressuposto – o arguido não apresenta qualquer argumento que rebata a fundamentação do tribunal “a quo” quanto à matéria neste ponto de facto consignada, sendo certo que não se vislumbra qualquer erro a seu respeito.
Improcede pois, nesta parte, o por si alegado e peticionado.

11. Pontos 60, 61, 62, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 71, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 81, 87, 88 e 90 da contestação do arguido RC… (arguido RC…):
O arguido pede que, em consequência, devem ainda ser considerados como provados os factos 60, 61, 62, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 71, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 81, 87, 88 e 90 da contestação do arguido RC…
Uma vez que a procedência deste pedido se mostrava dependente da procedência do anteriormente peticionado, nada há neste ponto a discutir, excepto concluir pela sua manifesta improcedência.

12. Recurso interposto pelo arguido TR…, no que se refere à matéria de facto:

A. O arguido começa por declarar, no artº 1º das suas conclusões, que pretende recorrer de facto e de direito.

a. Posteriormente, do artº 5º até ao artº 105 e depois, novamente, nos dois últimos artigos das suas conclusões, o arguido debruça-se, indiscriminadamente, sobre questões de facto e de direito, fazendo-o não segundo os termos e condicionalismos que a lei impõe, em sede de recurso (como ficou já explanado no ponto F. Critérios da apreciação da matéria de facto deste acórdão), mas sim como se de uma contestação se tratasse.
Na verdade, o arguido indigna-se por a sua versão dos factos não ter sido acolhida em sede conviccional pelo tribunal “a quo” e, de seguida, vai enunciando partes de tal versão e, em simultâneo, vai fazendo apelo resumido a certos segmentos da factualidade dada como assente pelo tribunal “a quo”, comentando-os.

b. Sucede, todavia, que as conclusões são um mero reflexo do modo como em sede de motivação, no seu recurso, abordou a sua crítica ao decidido, pelo que se mostra legalmente impossível proceder-se à elaboração de um despacho de aperfeiçoamento, na parte respeitante apenas às conclusões, já que, em bom rigor, tal determinaria a abertura da possibilidade de o arguido vir apresentar novo recurso, em que em sede de motivação cumprisse as exigências legais, fazendo-o depois repercutir nas conclusões. [1]

c. Assim, perante as manifestas deficiências que o recurso apresenta, duas soluções legais são possíveis:
A primeira seria a rejeição do recurso (dada a sua insuficiência) no que concerne às críticas dirigidas à matéria de facto, por manifesto incumprimento do ónus legal de indicação de quais os pontos erradamente apreciados, de qual o sentido que o recorrente entendia que os mesmos deveriam apresentar, com fundamento na discussão da motivação realizada pelo tribunal “a quo”, face à globalidade da prova produzida e aos raciocínios que expõe, assim como o debate das razões em que funda a crítica de erro/indicação precisa e concisa dos pontos de facto que padecem de vícios, quais, porquê, concretizando especificamente, em relação a cada um deles, as razões da sua discórdia.
A segunda, tentar aproveitar-se, na medida do possível, os segmentos em que, embora com dificuldade, se pode ainda deduzir qual o ponto factual concreto de que o arguido discorda e porquê (como já acima se deixou explanado, não tendo o tribunal “ad quem” capacidades divinatórias, se os recorrentes não especificam aquilo de que concretamente discordam quanto ao decidido e porquê, não se mostra possível realizar-se qualquer apreciação).

B. Será esta segunda alternativa a via escolhida para efeitos de apreciação deste recurso, sendo certo que a enumeração dos pontos de facto que o arguido quis especificamente criticar serão indicados por este tribunal, uma vez que o arguido os não enunciou, limitando-se a fazer genérica referência ao que se mostrava escrito, ao longo de toda a materialidade fáctica em que se descreve a sua actuação. Assim, se algum lapso existir, o mesmo decorrerá, pura e simplesmente, das deficiências de que o recurso padece e que se deixaram exaradas.

C. Assim, vejamos:

i. Ponto de facto 780) dado como provado:
Afirma o arguido que não está correcta a data de incompatibilização entre si e o arguido JO…, uma vez que, em seu entender, a mesma se teria verificado desde Novembro de 2005.
Para além de não avançar quais os elementos probatórios que foram desconsiderados pelo tribunal “a quo”, que comprovem o erro a que alude, a verdade é que tal segmento é meramente acessório, na economia do que se mostra descrito no facto 780) e nos que se lhe seguem.
Na verdade, a inclusão no ponto 780) da referência ao final do ano de 2006 justifica-se apenas como uma explicação para a subsequente mudança de mãos das acções da Labicer que o arguido então possuía, sendo certo que as operações que a viabilizaram se iniciaram, efectivamente, nesse período temporal. Assim, se já estavam zangados há mais tempo ou não, é indiferente, pois seguramente que naquela data estavam efectivamente incompatibilizados, algo que o arguido não impugna.

ii. Pontos de facto 720), 721) e 722) dados como provados:
Afirma o arguido que se financiou sempre por meio de empréstimos, isto é, por mútuos e não por contrato de conta corrente caucionada.
Supõe-se que se está a referir às acções da Labicer que adquiriu. Sendo esse o caso, efectivamente assim é. E é isso que se mostra vertido nos factos dados como provados.
Na verdade, a questão das c/c/c que os factos provados referem, não se reporta ao arguido TR…, mas sim à decisão tomada pelos arguidos JO… e FS… de a tal mecanismo recorrerem, para financiamento do Banco Insular, com o qual o arguido veio a celebrar contrato de mútuo (tendo ainda sido financiado pelo BPN – pontos de facto 697, 714, 724, 728, 729).
Já não será assim no que se refere ao financiamento da Labicer propriamente dita, em que, de facto, houve recurso a c/c/c; isto é, não houve celebração de qualquer contrato de mútuo para aquisição dos terrenos onde foram edificadas as suas instalações (vide factos provados 733 a 741).

iii. Ponto 167 da contestação do arguido, julgado não provado:
Insurge-se o recorrente pela circunstância de não ter sido dado como provado que pretendia, em contrapartida da regularização de dívidas e alienação dos activos, a obtenção líquida final de € 2.500.000,00.
O ponto da sua contestação a que alude tem a seguinte redacção:
E diga-se, em abono da verdade, que não foi efectuada, pelo menos pelo arguido, qualquer auditoria ou outra diligência para averiguar do valor do negócio, porquanto o mesmo, como ocorre com regularidade, partiu de uma proposta (feita pelo arguido de que pretendia dois milhões e quinhentos mil euros, líquidos, isto é, depois de liquidados todos os seus compromissos para com o Grupo BPN) que foi sendo negociada até ao valor final (dois milhões de euros líquidos, pagos em duas tranches de um milhão de euros cada, com a liquidação de todos os compromissos do arguido para com o Grupo BPN e entrega por ele, em pagamento, de dois imóveis confinantes com as instalações da Labicer).  
Sucede, todavia, como o próprio recorrente admite, que não foi feita qualquer prova que comprovasse essa pretensão.
Assim, o mero facto de tal alegação constar na sua contestação – que é o articulado pelo qual o arguido se defende da factualidade que lhe é imputada, enunciando a sua versão, querendo, e apresentando prova que a suporte (como, aliás já se teve oportunidade de referir supra, a propósito de um dos segmentos do recurso interposto pelo arguido RC… – vide ponto 4. supra) – não sendo esta, em si mesma, meio de prova, não consubstancia fundamento de crítica quanto ao decidido.
De facto, o texto de uma contestação não tem, obviamente, qualquer valor probatório ínsito, precisamente porque não é um meio de prova. 

iii. Pontos de facto provados 780) a 786):
Alega o arguido que inexiste prova ou fundamentação, no que se refere a ter-lhe sido pedida opinião sobre a constituição da Etrapanob.
Na verdade, não há qualquer fundamentação a esse respeito porque, em bom rigor, nenhum facto provado refere tal auscultação.

iv. Ponto de facto provado 781):
O arguido formula uma série de considerandos a propósito da diferença de detenção das acções entre si e os demais arguidos, mas nada refere quanto a qualquer desconformidade no que concerne à matéria fáctica aí dada como assente.

v. Pontos de facto provados 803) a 829):
O arguido faz uma súmula do que aí consta, afirmando apenas que recebeu somente um milhão de euros e que ficou em situação económica difícil. Nada pois aqui requer quanto a qualquer alteração fáctica.
Prossegue ainda tecendo considerações quanto à sua discórdia no que concerne ao entendimento de que houve sobrevalorização das acções da Labicer. Quanto a essa questão, remete-se para o que supra se deixou já dito, no âmbito dos recursos interpostos pelos arguidos JO… e FS…, no que se refere a esta matéria de facto (valor das acções da Labicer à data da sua aquisição pela Etrapanob).
Finalmente, refere que se não pode entender que a ETRAPANOB tivesse sido vítima de algum logro. Estamos de acordo; a vítima do logro não é a Etrapanob. De facto, esta sociedade fez parte da encenação, do logro, como aliás resulta da mera leitura dos factos e do texto do acórdão.

vi. Facto provado 751):
Afirma o arguido que não existe prova nos autos de ter sido pedida a dedução do IVA pela Labicer, designadamente declaração emitida pela AT.
Labora em erro flagrante, atenta a informação prestada pela Direcção Geral de Impostos, junta a fls. 23.045 do vol. 66 dos autos principais, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

vii. Conclusão 176 e 177 (na parte factual):
O recorrente limita-se a afirmar que os documentos que juntou no RAI, relativos à sua situação empresarial anterior à adesão ao projecto Labicer e ao historial do mesmo projecto, são relevantes, por serem hábeis a comprovar a coerência das invocações do Recorrente e das correspectivas incoerências da pronúncia do mesmo. Entende, por isso, que o acórdão ao julgar esses factos e documentos fora do âmbito da pronúncia efectuou um incorrecto julgamento dos meios de prova e dos mesmos factos.
Embora se mostre dificilmente apreensível a que documentos concretos o arguido se pretende referir e quais as coerências e incoerências que da análise dos mesmos resultariam – por total falta de concretização – a verdade é que se mostra compreensível que pretenderá criticar a circunstância de algum documento não ter sido atendido pelo tribunal “a quo”, como meio de prova.
Sucede, todavia, que decorre igualmente do que deixa genericamente alegado, que tais documentos se reportarão a factos que não se mostram elencados na pronúncia; isto é, à situação empresarial do arguido, antes de embarcar no projecto Labicer.
Ora, se assim é, é óbvio que estando o tribunal restringido à apreciação do que constitui o thema decidendum, a matéria que o arguido invoca situa-se, manifestamente, fora do seu âmbito. Não se vislumbra pois qual a ilicitude concretamente cometida, que o arguido aponta ao tribunal “a quo”, sendo certo que nem sequer situa qual o momento do acórdão em que tal decisão terá sido tomada.
 
vi. Síntese final no que respeita aos recursos sobre a matéria de facto interpostos pelos arguidos TR…, LA… e RC…:
Atento o que se deixa exposto, há que concluir que, nesta sede, os recursos interpostos por estes três arguidos não merecem provimento.

                                                        *
gk. recurso apresentado pelo arguido jmo…:
 
i. O recorrente extraiu das motivações de recurso que apresentou, a propósito desta questão, as conclusões expostas nos artºs 1º a 11º; 17º a 31º e 33º a 42º (uma vez que se procedeu já supra à transcrição integral das conclusões apresentadas por cada um dos recorrentes, opta-se por aqui se indicar apenas os números referentes às mesmas, que importam à decisão das questões que neste segmento cabe apreciar).

ii. O MºPº apresentou resposta a tais conclusões, no sentido do indeferimento da verificação das nulidades apontadas, bem como da improcedência das reapreciações fácticas pedidas (vide transcrição integral supra, em respostas a recursos).

iii. Proceder-se-á à apreciação da matéria sintetizada nas conclusões, nos termos já expostos supra em “F. Critérios da apreciação da matéria de facto.”

iv. Apreciando.

1. Pontos 527, 529, 530, 538, 953 e 958 da matéria julgada provada proveniente da pronúncia e pontos 8 e 9 dos factos não provados da contestação do arguido:
Entende o arguido que estes pontos de facto deveriam ter sido considerados como não provados porque:
. Não existe prova de ter aderido ao plano a que se alude no ponto 527;
. O arguido apenas determinou um empréstimo a uma sociedade do Grupo e não qualquer desvio ou descaminho de dinheiro;
. Não existe prova de ter sido elaborado qualquer estratagema ou plano montado por todos os arguidos aí referidos, incluindo o arguido JMo…;
. A decisão sobre a matéria elencada nos factos 529 e 530 está em clara contradição com o referido na motivação do acórdão a fls. 1478 onde se refere que: “neste plano inicial não há qualquer intervenção do arguido JMo…”.
. O Recorrente nada sabia sobre o financiamento oculto da Camden, inexistindo prova de tal conhecimento.
. Decorrentemente, mostram-se indevidamente dados como não provados os pontos 8 e 9, decorrentes da sua contestação.

i. Os factos em apreço têm a seguinte redacção:
527) O plano dos arguidos OC…, LC…, FS…, LM… e LAl…, a que o arguido JMo… aderiu, passava por determinar algumas das sociedades participadas pela já então designada SOGIPART a procederem ao pagamento dos suprimentos realizados pela sociedade mãe, desviando depois tais meios de pagamento para a conta da referida ANIOLA;
529) O arguido FS… era administrador das sociedades Imonações, Villas D’Água e SLN Imobiliária e o arguido JMo… era administrador das sociedades Villas D’Água e SLN Imobiliária;
529) Para efeito desses pagamentos, de acordo com o estratagema montado por todos, foram emitidos os seguintes cheques bancários em nome da Sogipart:
- Cheque n° 11217105, no montante de € 122.098,00, sendo o custo da emissão pago sobre a conta n° … - IMONAÇÕES - SOCIEDADE IMOBILIARIA, SA;
- Cheque n° 11217114, no montante de € 3.600.000,00, sendo o custo da emissão pago sobre a conta n° … - IMONAÇÕES - SOCIEDADE IMOBILIARIA, SA;
- Cheque n° 11217113, no montante de € 2.557.174,00, sendo o custo da emissão pago sobre a conta n° … - VILLAS D’ AGUA-CONSTRUÇÕES À BEIRA MAR SA.
530)De seguida, ainda em execução do planeado por todos, os arguidos FS… e JMo…, na qualidade de administradores da SOGIPART, a favor de quem os cheques haviam sido emitidos, trataram de endossar os mesmos;
538) Tendo os arguidos identificados no facto 527° levado a própria SOGIPART a um gasto de fundos de forma a suportar a ocultação do financiamento da sua própria accionista, a CAMDEN;
Não provados:
8) Na sua consciência o arguido JMo… endossou um cheque da sociedade de que era administrador a uma sociedade maioritariamente detida por esta e que mais não seria do que um crédito que a Sogipart passaria a deter sobre a Aniola;
9) As funções desempenhadas pelo arguido na Sogipart não abrangiam o tratamento de documentação financeira e contabilística;

ii. O tribunal “a quo”, a propósito desta matéria, pronunciou-se nos termos constantes de fls. 1029 e segs., já supra transcritas e para as quais remetemos.
Não obstante, sinalizamos as seguintes passagens:
Passamos à matéria seguinte da pronúncia (“Sociedade Aniola Trading” - arts. 544° a 563°) que, todavia, em termos temporais, precede a do anterior tema.
Matéria que se subdivide em três sub-temas para facilitar a sua compreensão:
1) Pagamento de suprimentos da Imonações – Sociedade Imobiliária, S.A. e da Villas D’Agua – Construções à Beira Mar, S.A. à Aniola Trading Limited (arts. 544° a 557° da pronúncia);
2) Transferências da conta da Aniola para as contas da Rador, da Kemusa, da Jamaki, da Quila e da Zala (arts. 558° a 563° da pronúncia);
3) A totalidade do passivo gerado (art. 564° da pronúncia);
Comecemos pelo primeiro:
1) Pagamento de suprimentos:
No que aqui tem relevância, algumas das oito sociedades offhore, designadamente a Jamaki, a Kemusa, a Quila, a Rador e a Zala tinham aberto contas por si tituladas no BPN Cayman (arts. 544°, 1° parte, e 547° da pronúncia; v. factos provados 519, 1º parte e 522):
(…)
Resulta dos respectivos extractos de conta, bem como do CD do vol. 13, que a estas sociedades, no BPN Cayman, foram concedidos créditos sob a forma de conta corrente caucionada, tendo cada uma ficado devedora, na sequência da utilização destas contas, no montante de € 1.000.000,00 (arts. 544°, 1ª parte e 548° da pronúncia; v. factos provados 519, 1ª parte e 523).
Uma vez que o Banco de Portugal, como vimos acima, tinha acesso a dados das contas do BPN Cayman, via supervisão da CYMA (autoridade de supervisão de Cayman), para ocultar do BdP os fluxos financeiros não liquidados entre as contas de algumas daquelas oito sociedades no BPN Cayman e a conta da Venice e da Camden na mesma instituição bancária, as participadas da Sogipart, SGPS, S.A. (ex-SLN Imobiliária, SGPS, S.A.), designadamente a Imanações – Sociedade Imobiliária, S.A. e a Villas D’Água – Construção à Beira Mar, S.A., procederam ao pagamento de suprimentos da Sogipart.
Os montantes dos suprimentos pagos foram os seguintes:
- Imonações (€ 122.098,00 + € 3.600.000,00);
- Villas D’Água (€ 2.557.174,00);
Esses pagamentos perfazem o montante global de € 6.279.272,00.
Os suprimentos foram pagos por meio de cheques bancários do BPN, S.A., emitidos à ordem da Sogipart e endossados à sociedade offshore Aniola Trading, sem que tenham sido reflectidos na contabilidade da Sogipart.
(…)
- Apenso bancário 92, fls. 1, pág. 1 pdf – a identificada conta titulada pela Aniola no BPN Cayman com o crédito de € 6.279.272,00;
A origem deste movimento a crédito de € 6.279.272,00 (arts. 551° a 558° da pronúncia; v. factos provados 526 a 533):
A subconta … da Aniola, então aberta no BPN Cayman, foi, em 5.11.2002 (data-valor), creditada pelo pagamento de suprimentos da SLN, Imobiliária (então redenominada Sogipart), à Imonações e Villas D’Água, pagamentos que foram feitos pelos seguintes cheques bancários:
- (i) nos montantes de € 122.098,00 e de € 3.600.000,00 quanto à Imonações;
- (ii) e de € 2.557.174,00 quanto à Villas D’Água;
Os 3 cheques, que perfazem o valor global de € 6.279.272,00, foram emitidos a favor da Sogipart, endossados pelos arguidos FS… e JAu…, e depositados naquela subconta da Aniola:
- Apenso bancário 92 – Conta titulada pela Aniola no BPN Cayman – fls. 10 e 11 – 02.10.2002 - Pedidos dos cheques bancários da Villas D’Água e da Imonações, assinados pelos arguidos FS… e JMo…;
- Apenso bancário 92 – Conta titulada pela Aniola no BPN Cayman - fls. 5, 6 e 7 – 02.10.2002, 02.10.2002 e 03.10.2002 - Cheques bancários emitidos a favor da Sogipart e endossados pelos arguidos FS… e JMo…;
- Apenso bancário 92 – Conta titulada pela Aniola no BPN Cayman – fls. 3 e 1 – Talão de depósito de valores (os 3 cheques) e extracto bancário da Aniola com o descritivo “DEP VALORES” no montante de € 6.279.272,00 com data valor de 05.11.2002;
Estes pagamentos não foram contabilizados nem por caixa, nem por bancos, na Sogipart (anterior SLN Imobiliária, SGPS, S.A.) – (art. 556° da pronúncia; v. facto provado 531):
(…)
- Apenso bancário 92 – Conta titulada pela Aniola no BPN Cayman, pág. 11 – 02.10.2002:
No pedido de cheque bancário no valor de € 3.600.000,00 encontra-se uma anotação, riscada, do seguinte teor: “De acordo com instrução do Dr. LM… s/efeito” (bold nosso).
Ou seja, houve uma primeira instrução do arguido LM… para que fosse emitido este cheque bancário, tendo a mesma sido considerada “s/efeito” porque os próprios arguidos FS… e JMo… viriam a subscrever o pedido de emissão do cheque bancário.
(…)
- Apenso 33 - 1 Anexo A\TRAT\6\Pen-ScanDisk-Cruze-\Mini-2GB\DOCS\C\2.Grupo OFF-Shore\ Histórias para o Banco de Portugal\Movimentos Financeiros dos Cheques.xls /sheet 1 e sheet 2) – Este ficheiro respeita ao pagamento de suprimentos da Imonações e da Villas D’Água e esclarece, em termos contabilísticos, as finalidades da operação Aniola.
O ficheiro é, segundo as suas propriedades informáticas, da autoria de “LM”, ou seja do arguido LM…, e tem a data de criação de 26.11.2002, poucos dias depois dos factos analisados terem ocorrido.
(…)
FS… e JAu…:
O arguido JMo… não prestou declarações em sede de Julgamento.
O arguido FS… admitiu apenas que os cheques bancários foram requisitados ao BPN por si e pelo arguido JMo… e que ambos endossaram os cheques.
Mais referiu que os cheques foram emitidos e endossados a pedido do arguido LC… para ser feita a devolução dos suprimentos.
Quanto ao arguido FS…, realça-se, desde logo, o e-mail acabado de referir, sendo certo que a pergunta que o arguido FS… havia colocado à arguida IC… era: “Sr.ª Dr.ª A off-shore associada a este cliente penso que se chama Aniola Trading e não a Endalla. Será que me pode confirmar esta informação? Obrigado”.
No mais, dir-se-á:
O arguido FS… participou em todas as operações anteriores e na subsequente, todas já analisadas ao longo desta motivação.
Assim sendo, não se vê como podia não ter conhecimento desta operação interlocutória.
Acresce que o arguido FS…, à data dos factos, era vogal do Conselho de Administração da sociedade Imonações:
- Apenso R, vol. 31, fls. 7078, pág. 207 pdf - print das finanças com a relação dos cargos societários exercidos pelo arguido FS…;
Como era vogal do Conselho de Administração da sociedade Villas D’Água:
-   Apenso 33:       1-Anexo A\TRAT\3\TOZE#2\DOCS\TOZE#2\Administração\Banco de Portugal - Inspecções\Banco de Portugal - Inspecção Ano de 2006\Villas de Agua\Villas de Agua\2005 _ 01 _ 17 _ Certidão do Registo Comercial _ Villas D´Água.pdf –cópia da certidão do registo comercial da sociedade Villas D’Água;
E, por fim, era vogal do Conselho de Administração da SLN Imobiliária:
- Apenso bancário 81, fls. 16 e segs., págs. 23 e segs. pdf - cópia da certidão do registo comercial da SLN Imobiliária;
Por sua vez, o arguido JMo… era, à data dos factos, vogal do Conselho de Administração da sociedade Villas D’Água:
-   Apenso 33:       1-Anexo A\TRAT\3\TOZE#2\DOCS\TOZE#2\Administração\Banco de Portugal - Inspecções\Banco de Portugal - Inspecção Ano de 2006\Villas de Agua\Villas de Agua\2005 _ 01 _ 17 _ Certidão do Registo Comercial _ Villas D´Água.pdf -cópia da certidão do registo comercial da sociedade Villas D’Água;
E também exercia o cargo de Presidente do Conselho de Administração da SLN Imobiliária:
- Apenso bancário 81, fls. 16 e segs., págs. 23 e segs. pdf - cópia da certidão do registo comercial da SLN Imobiliária;
Todas estas sociedades foram intervenientes nos factos analisados, sendo certo que duas delas, a Imonações e a Villas D’Água, emitiram os identificados cheques à ordem da Sogipart (ex-SLN Imobiliária) os quais foram endossados à Aniola.
Acresce que os arguidos FS… e JMo… requisitaram os cheques bancários.
Por sua vez, no verso dos cheques, na parte do “endosso”, consta a assinatura de ambos.
Por fim, considerando as funções que exerciam nas identificadas sociedades, não podiam deixar de saber que os cheques não foram depositados na conta da Sogipart, nem na conta da Camden, onde deviam ter sido (numa ou noutra porque a Sogipart era a titular originária dos créditos e a Camden foi a sociedade a quem os créditos foram cedidos), tendo, sim, sido endossados a terceiro, a sociedade offshore Aniola.
Do exposto resulta, sem margem para dúvidas, a participação de ambos os arguidos na estratégia delineada a que nos temos vindo a referir.
Os objectivos/finalidades desta operação em que foram intervenientes as sociedades offshore Aniola, Kemusa, Rador, Jamaki, Zala e Quila (arts. 544° a 565° da pronúncia):
Além dos elementos probatórios indicados e sem prejuízo do que já foi dito a este respeito, é de ter ainda em consideração a seguinte documentação:
- Apenso 33 – 1 Anexo A\TRAT\3\TOZE#2\DOCS\TOZE#2\Irmandade das Off Shores\ Gestão de Clientes\Aniola\Operação Aniola e Offs.vsd – Esquema da operação Aniola (propriedades informáticas: considerando a que a criação do documento é sempre anterior à sua modificação, é de concluir que o documento em questão foi criado a 12.11.2002, um dia depois das transferências operadas pela Aniola para as outras 5 sociedades offshore):
O “esquema” constante deste documento tem como ponto de partida a sociedade Aniola a transferir € 1.000.000,00 para cada uma das 5 identificadas sociedades offshore, montantes que, por seu lado, serviram para amortizar os valores disponibilizados nas contas correntes caucionadas.
- Apenso 33 – 1 Anexo A\TRAT\TOZE#2\DOCS\TOZE #2\Administração\ Banco de Portugal – Inspecção 2004-2005\Offshores\Operação Camden Nova Camden\Operação Camden Capital Corporation.doc – (propriedades informáticas: documento criado a 18.11.2002, ou seja, poucos dias depois de todos os movimentos terem ocorrido; como autor do documento está indicado “RP…”, i.e., RP…, à data, subdirector da Direcção de Operações):
Este documento explica toda a operação Camden, designadamente as alterações dos movimentos bancários que visavam alterar a origem dos fundos e a entidade ordenante, cabendo salientar as seguintes parte (bold e sublinhado nosso):
“A off-shore Camden possui conta em Cayman, com o nº …, através da qual, numa sequência de movimentos efectuados em Outubro e Dezembro de 2000, realizou a compra da Sociedade SLN Imobiliária, SGPS, SA pelo montante de 4.000.000.000$00.
Na sequência das referidas operações, a conta encerrou o ano de 2000 com um saldo devedor de 5.012.222$00 (extracto entregue ao Banco de Portugal).
(...).
Em Outubro de 2000, foi necessário adquirir à SLN SGPS, SA os suprimentos por esta dados à SLN Imobiliária, no montante de 2.633.000.000$00.
(…)
Originalmente, a transferência de 2.633.000.000$00 foi efectuada directamente pela Camden, com fundos recebidos da off-shore Venice.
A operação foi alterada para que a origem dos fundos não fosse a Venice, bem como para não mostrar a Camden, cujo extracto foi dado ao Banco de Portugal sem que nele constassem estes movimentos.
Assim, através das off-shores Kemusa, Quila, Zala, Rador e Jamaki (supostamente pertencentes aos accionistas da Camden) e a off-shore Aniola (detida a 100% pela Camden), foi desenhada a mesma operação, com a seguinte estrutura de fundos:
(...)A ordenante da transferência passou a ser a Aniola, tendo a origem dos fundos sido substituída conforme indicado. Neste contexto, a Venice passou a ser credora das entidades acima indicadas pelo valor total da transferência (concretizando-se totalmente a substituição da origem dos fundos).
(…)
623.000.000$00 em 29/12/2000
Originalmente, a transferência foi efectuada pelo montante de 1.823.000.000$00, directamente pela Camden e com fundos disponibilizados pela Venice.
Por conveniência, a operação foi partida em duas (623 Mcts e 1,2 MCts – abordada em documentos específico), mantendo-se as premissas da operação de 2,633 MCts, ou seja, alterar a origem dos fundos e a entidade ordenante.
 (...).
A ordenante da transferência passou a ser a Aniola, tendo a origem dos fundos sido substituída conforme indicado. Neste contexto, a Venice passou a ser credora das entidades acima indicadas pelo valor total da transferência (concretizando-se totalmente a substituição da origem dos fundos).
(...)
Movimentos de fecho da operação
Depósito de € 6.279.272,00 na Aniola, em 04/11/2002
O depósito efectuado na data indicada, na conta da Aniola, refere-se a devolução de suprimentos por parte da Sogipart - SGPS (ex SLN Imobiliária), tendo-se procedido aos seguintes movimentos nas off-shores:
(...).
Na sequência de todos estes movimentos, as posições das off-shores junto de BPN Cayman e junto da Venice ficaram como se mostra no quadro resumo abaixo:
(...)
Financiamentos efectuados no Banco Insular
No decurso do mês 11 de 2002, foram efectuados os seguintes financiamentos pelo Banco Insular:
 

Off-ShoreFinanciamentoTaxa aplicada
Kemusa€ 2.163.238,98Taxa fixa 8%
Quila€ 2.121.946,85Taxa fixa 8%
Zala€ 2.054.516,54Taxa fixa 8%
Rador€ 2.014.439,15Taxa fixa 8%
Jamaki€ 2.126.399,48Taxa fixa 8%


Estes valores foram triangulados por correspondentes, sendo o destino final dos mesmos a Venice em Cayman, saldando a divida destas off-shores á mesma.”
(…)
Os objectivos/finalidades de toda a operação (arts. 433° a 564° da pronúncia):
Outra questão tem a ver com a consecução dos objectivos da operação Camden/Anilola que se iniciou com a venda das acções da SLN Imobiliária e se desenvolveu até à transferência do “saque” da Venice para o Banco Insular, considerando que o BdP (Banco de Portugal) determinou a agregação das contas da Sogipart às contas da SLN, SGPS.
O documento acabado parcialmente de citar é manifestamente elucidativo de toda a estratégia empreendida.
Estratégia que resulta igualmente clara e definida de todos os elementos probatórios referenciados.
A operação Camden/Aniola, iniciada em finais de 2000, teve por objectivo fundamental esconder a exposição de crédito da SLN Imobiliária que, em 31.09.1999, era de € 45.700.000,00 e consolidava na SLN, SGPS, violando grosseiramente os limites dos grandes riscos.
Por outro lado, na sua parte final, no ano de 2002, a mesma operação visou esconder o “saque” de fundos da offshore Venice, sociedade não residente que serviu para pagar todos os negócios que temos vindo a descrever, bem como para esconder a Camden, que também recebeu fundos daquela sociedade offshore para parte dos negócios/operações referenciadas.~
(…)
Em síntese conclusiva, numa óptica subjectiva da participação dos arguidos, importa evidenciar de modo global e integrado a documentação que de forma impressiva evidencia a intervenção em toda esta operação da Planfin e dos arguidos LC… e IC… (operações dos anos de 2000 e 2002), bem como dos arguidos LM… e LAl… (essencialmente nas operações do ano de 2002).
(…)
A circunstância de o plano a que aludem os arts. 544º a 564º ter sido delineado pelos arguidos OC…, LC…, FS…, LM… e LAl…, ao qual aderiu o arguido JMo…, não significa que na execução dele todos os arguidos tenham praticado os factos em conjunto (v. factos não provados 158 e 160).
(…)
No que respeita à contestação (fls. 16384 a 16405) do arguido JAu… não foram traduzidos nos factos provados e não provados os seguintes aspectos pelas razões infra:
(…)
Quanto aos demais relacionado com a matéria da pronúncia (arts. 544° a 564°) analisada:
No que concerne ao alegado nos arts. 37° e 38° da contestação, ao contrário do que o arguido JMo… afirma (v. facto não provado 1) da contestação), à data dos factos (5.11.2002 a 11.11.2002 - v. arts. 550° e 559° da pronúncia; v. factos provados 525 e 534 da pronúncia), o arguido FS… não era administrador da SLN SGPS, S.A..
Sendo que este último arguido só foi nomeado administrador desta sociedade por deliberação de 29.11.2002 (v. certidão do registo comercial - doc. constante do vol. 11° dos autos principais, págs. 4323 a 4350);
Por outro lado, como já tivemos oportunidade de explanar, o arguido FS…, à data destes factos, era vogal do Conselho de Administração da SLN Imobiliária, enquanto o arguido JMo… era o Presidente do Conselho de Administração da mesma sociedade.
Logo, ao contrário do que afirma (art. 37° da contestação; v. facto não provado 2), o arguido FS… não era seu superior hierárquico. Aliás, o arguido JMo… é que ocupava o cargo mais alto da estrutura societária.
Por sua vez, a afirmação de que ambos eram administradores da SLN Imobiliária já consta da factualidade provada da pronúncia (v. facto provado 529 da pronúncia).
Não foi produzida qualquer prova circunstanciada e objectiva do que se invoca nos arts. 39° e 40° da contestação (v. factos não provados 3 e 4 da contestação).
Por outro lado, sendo o arguido, à data dos factos, Presidente da SLN Imobiliária, uma holding do sector imobiliário, é difícil configurar que se limitasse ao desenvolvimento de actos de gestão corrente.
Igualmente, não foi produzida prova do que o arguido alega nos factos 47° a 49° da contestação (v. factos não provados 5 a 7).
Nem sequer o arguido FS… confirmou que tenha falado com o arguido JMo… a respeito.
Não demonstradas que estão as informações que o arguido JMo… alegadamente recebeu do arguido FS…, necessariamente que também não se mostra viável retirar as ilações de ordem subjectiva/consciência que sustenta no art. 50° da contestação (v. facto não provado 8).
No que reporta ao art. 52° da contestação, não obstante a alegação de um facto hipotético, o que é verdade é que, como demonstrado, a sociedade Aniola Trading pertencia ao grupo SLN/BPN (v. facto provado 1).
Por fim, o alegado no art. 68° da contestação (v. facto não provado 9), também não ficou demonstrado, desde logo porque nenhuma prova foi produzida de que o arguido não tinha responsabilidade no tratamento da documentação financeira e contabilística.
Ao que acresce que o mesmo, na qualidade de Presidente do Conselho de Administração da Sogipart, à data dos factos, sabendo, como se demonstrou, dos movimentos financeiros em questão, seria sempre o último responsável pela fidedignidade do tratamento contabilístico desses movimentos.
(…)

iii. Apreciando.
Em bom rigor, não se mostrava sequer realmente necessário fazer-se apelo à fundamentação realizada pelo tribunal “a quo” no que concerne à reapreciação que o arguido formula, quanto aos precisos pontos que indica, por uma singela razão – por um lado, porque o arguido não indica qualquer meio probatório desconsiderado ou mal avaliado pelo tribunal “a quo”, limitando-se a apresentar a sua versão dos factos e, por outro, porque basta a leitura conjugada do que se mostra definitivamente assente para se poder constatar, face às regras de experiência comum, que os pontos que o arguido impugna se mostram devidamente suportados por tais princípios.

iv. Senão, vejamos.
a. Mostra-se definitivamente assente (por prova que o arguido não impugna) o seguinte:
O arguido JMo… era, em Novembro de 2002, administrador da sociedade Villas D’Água e presidente da Sogipart (nova denominação da SLN Imobiliária).
A sociedade Villas D’Água era uma das sociedades participadas da Sogipart.
A SLN-Imobiliária (Sogipart) havia sido adquirida, no final do ano 2000, pela sociedade Camden (vide factos 409) a 464)).

b. Os factos relativos ao arguido JMo… reportam-se ao final do ano de 2002.
A sociedade Villas D’Água emitiu um cheque no valor de € 2.557.174,00, a favor da Sogipart.
Este cheque foi endossado pelo arguido JMo…, na sua qualidade de administrador da Sogipart.
Por seu turno, a sociedade Imonações emitiu dois cheques, nos valores respectivos de € 122.098,00 e € 3.600.000,00, a favor da Sogipart.
Estes dois cheques foram igualmente endossados pelo arguido JMo… - na sua qualidade de presidente da Sogipart - bem como pelo arguido FS….
Estes três cheques foram emitidos com a justificação de que se destinavam ao pagamento de suprimentos destas duas sociedades-filhas, à sociedade-mãe, a Sogipart.
Não obstante, nenhum desses cheques foi depositado na conta desta sociedade, nem a contabilidade da Sogipart dá conta da sua entrada, quer por caixa quer por “12- bancos”.

c. Estes três cheques, graças ao seu endosso, foram depositados na conta da sociedade offshore Aniola.
Uma vez aí recebidos tais montantes, foram determinados vários movimentos a débito, da conta da Aniola para as contas de outras cinco offshores (Kemusa, Rador, Jamaki, Zala e Quila) abertas no BPN Cayman, assim reduzindo ou encerrando as c/c/c que aí mantinham.

d. Os volumes de descoberto destas cinco offshores haviam resultado, por sua vez, do financiamento que haviam anteriormente feito à Camden (accionista da Sogipart) no ano de 2000; ou seja, cerca de dois anos antes.

e. Cabe assim perguntar:
Face a esta objectiva narração factual plenamente documentada nos autos, das movimentações realizadas com tais cheques, é verosímil a versão do arguido JMo…, quando defende estarmos aqui apenas perante uma questão de suprimentos, um crédito que a Sogipart passaria a deter sobre a Aniola?
Objectivamente, é claro e óbvio que não.

f. De facto, se fosse esse o seu real destino, tais cheques teriam de ter dado entrada na conta da Sogipart, bem como na sua contabilidade, o que não sucedeu. E, por seu turno, a contabilidade da Sogipart teria depois de reflectir a entrega desse quantitativo à Aniola, bem como a que título esta se processou.

g. Nada disto foi realizado – isto é, não há qualquer traço documental, em sede de contabilidade ou de registo bancário da Sogipart, da passagem daquele dinheiro.

i. Ora, como pode haver lugar a um empréstimo se o dinheiro nunca chega a ser recebido pelo seu destinatário, que o não pode utilizar em seu benefício, seja para o despender, seja para o mutuar?

j. E se o objectivo era o empréstimo de dinheiro à Aniola (que era uma sociedade do grupo SLN Imobiliária/Sogipart, pois era controlada pela Marazion, que por sua vez era controlada pela SLN Imobiliária/Sogipart), porque é que o mesmo não foi feito directamente pela Imonações e pela Villas D’Água àquela sociedade?
Se era um empréstimo e era para a Aniola, não há qualquer razão para o destinatário do cheque ser outra empresa que não esta e para os contratos de suprimentos indicarem a Sogipart e não a Aniola; isto é, a Sogipart admite receber suprimentos das suas participadas, ficando devedora nessa mesma medida (que não é pouca: € 6.279.272,00) e, não obstante, não recebe esse dinheiro, passando-o para uma outra sociedade que, por sua vez, o distribui por outras offshores, para cobertura de descobertos criados pelo financiamento da sociedade Camden, que era a accionista da Sogipart.
E esse seu “empréstimo” à Aniola (de mais de 6 milhões de euros) é feito sem qualquer registo que permita à Sogipart vir a exigir o seu pagamento.
  
k. Efectivamente, como se constata pela matéria de facto assente não impugnada, os ditos cheques, depois de emitidos à ordem da Sogipart, foram endossados pelo arguido JMo… (e também pelo arguido FS…), tendo sido entregues aos arguidos JO… e LC…, que os fizeram depositar na conta da Aniola.
Ora, esse endossamento, em si mesmo – para o qual o arguido não dá qualquer explicação plausível – revela que este foi o modo como foi viabilizada a entrada dos montantes inscritos em tais cheques, na conta de uma entidade que não era a destinatária dos mesmos, face à literalidade dos títulos.
Na verdade, são estes endossamentos – também da autoria do arguido JMo… – que habilitam o depósito das quantias nesses cheques tituladas, directamente na conta da Aniola.

l. Assim, a emissão e o circuito destes cheques é claramente demonstrativo de se não estar perante qualquer operação relativa a suprimentos, mas antes mediante a retirada de dinheiro de duas sociedades – a Imonações e a Villas D’Água - para ser entregue a uma outra, sem qualquer título que suportasse tal operação, permitindo assim que sobre a conta da Aniola viessem a ser processados os movimentos descritos no ponto 534).

m. Por seu turno, sendo a Aniola uma sociedade do Grupo Sogipart e sendo o arguido JMo… o seu presidente, a entrada dessa quantia na conta bancária da Aniola, bem como o seu destino (transferências para cinco offshores) eram algo que era do seu forçoso conhecimento.

n. Em súmula:
Esta operação em que o arguido teve directa e relevante intervenção, pois sem a mesma não teria sido possível a emissão do cheque pela Villas D’Águas a favor da Sogipart, nem o posterior depósito desse cheque, bem como o dos provenientes da Imonações, na conta da Aniola (viabilizados pelo endosso realizado), teve um único propósito, o desvio de dinheiro da Imonações e da Villas D’Água para a conta das sociedades offshore que financiaram a Camden (via Sogipart e Aniola), objectivo este plenamente alcançado.

o. De igual modo, a emissão do cheque, os endossos realizados e a sua entrega aos arguidos JO… e LC… - para além de ser do conhecimento do arguido (face às funções que desempenhava como presidente da Sogipart) o destino que o dinheiro titulado em tais cheques levou - são demonstrativos de o arguido JMo… estar plenamente ciente da operação em que estava a participar e de ter aceite na mesma colaborar, bem sabendo que estava a determinar que uma empresa de que era administrador gastasse fundos para ocultar o financiamento da sua própria accionista, a Camden, colaborando ainda na retirada de fundos de uma outra sociedade – a Imonações – ao endossar os cheques por esta emitidos a favor da Sogipart, em benefício de uma entidade terceira.

p. No que se refere à questão da documentação remete-se, pela sua justeza, para o que se mostra já afirmado pelo tribunal “a quo” na sua motivação:
Por fim, o alegado no art. 68° da contestação (v. facto não provado 9), também não ficou demonstrado, desde logo porque nenhuma prova foi produzida de que o arguido não tinha responsabilidade no tratamento da documentação financeira e contabilística.
Ao que acresce que o mesmo, na qualidade de Presidente do Conselho de Administração da Sogipart, à data dos factos, sabendo, como se demonstrou, dos movimentos financeiros em questão, seria sempre o último responsável pela fidedignidade do tratamento contabilístico desses movimentos.

q. No que concerne à questão da frase que o arguido cita, constante de fls. 1478 da fundamentação de direito:
A mesma mostra-se descontextualizada.
A frase, no seu todo, é a seguinte:
 Desta factualidade resulta um plano/estratégia inicial mais abrangente delineado pelos arguidos OC…, LC…, LM…, LAl… e FS….
Neste plano inicial não há qualquer intervenção do arguido JMo…
O plano, depois, passa por uma segunda fase, já com a intervenção deste arguido.” 
Daqui resulta que o tribunal “a quo” distingue duas fases:
A primeira reporta-se ao sucedido no ano 2000 (vide factos 409) a 464)), no qual o arguido JMo… não teve intervenção;
A segunda fase reporta-se aos factos que aqui e agora se discutem (Novembro de 2002), nos quais este arguido já interveio, colaborando com os restantes indicados no ponto de facto 527).
Não há qualquer contradição ou confusão.

v. Do que se deixa dito claramente decorre não assistir qualquer razão ao arguido nas críticas que aponta ao decidido, uma vez que, face à prova produzida e às mais básicas regras de experiência comum, a motivação realizada pelo tribunal “a quo” se mostra devidamente fundada, não se impondo pois razões para alteração do que se mostra dado como provado e não provado, nesta sede.
De igual modo, os factos provados limitam-se a descrever factualmente a actuação do arguido, não padecendo de qualquer erro ou vício que os inquine.
Improcede, pois, nesta parte, o pelo arguido peticionado.
 
2. Pontos 669, 672, 682 a 685 e 954 da matéria julgada provada proveniente da pronúncia:
O recorrente entende que não há prova de ter concebido um esquema para liquidar uma dívida à Partenon sem realizar qualquer esforço financeiro, porque:
Fez um pagamento de 45 mil euros à Partenon, liquidando assim grande parte da sua dívida, sendo que o facto de ter sido feito por meio de descoberto bancário não permite concluir que não houve qualquer esforço financeiro do Recorrente.
Não existe qualquer lesão para a Partenon em resultado dos factos imputados ao Recorrente, pois ele e a sua esposa eram os únicos sócios e gerentes da Partenon, sendo que os valores que se encontrassem na sociedade reverteriam sempre para o Recorrente como distribuição de dividendos que poderia facilmente deliberar ou por aumento do preço da venda das quotas da Partenon.
Assim, o objectivo da aceitação das facturas da Dairew foi o de evitar o pagamento de impostos e não a apropriação de montantes que sempre seriam do Recorrente.

i. Os factos que o recorrente impugna têm o seguinte teor:
669)Durante o período em que teve o benefício da utilização da conta titulada pela GROUNDSEL, o arguido JMo… aproveitou a mesma para receber pagamentos realizados por uma das sociedades, a “PARTENON Prestações de Serviços, Lda”, de que era responsável e sócio, antes de vender parte do seu capital ao grupo SLN, no âmbito de um esquema que concebeu para amortizar empréstimos que a sociedade lhe havia feito;
672)Através deste esquema, o arguido visava liquidar a dívida que tinha para com a PARTENON, mas sem realizar qualquer esforço financeiro, uma vez que o montante pago seria, de imediato, retornado para a sua esfera;
682) Face ao exposto, o arguido JMo… lesou a sociedade PARTENON, levando-a a realizar um pagamento indevido, de forma a reverter para si próprio o montante de 8.569.606$00;
683) Em resultado do esquema atuado pelo arguido JMo…, este conseguiu liquidar os montantes que tinha em dívida para com a PARTENON, mas induziu esta a pagar facturas sem correspondência com a realidade, revertendo o valor do pagamento para a esfera do próprio arguido JMo…;
684) Assim, o arguido JMo… alcançou uma vantagem traduzida na liquidação da dívida que tinha para com a PARTENON sem que, no final, tivesse realizado o correspondente esforço financeiro;
685) Por outro lado, o mesmo arguido induziu uma perda para a sociedade PARTENON, da qual era administrador, levando-a a pagar facturas por serviços não recebidos e privando-a de um crédito legítimo que detinha – o crédito sobre o próprio arguido M…;
954) O arguido JMo… actuou ainda com o propósito de fazer contabilizar na sociedade PARTENON facturas que sabia não corresponderem à realidade, de forma a se apoderar dos fundos gerados com o pagamento das mesmas, que fez integrar na sua esfera, logrando ainda obter uma diminuição do seu passivo face àquela empresa;

ii. O tribunal “a quo” fundamentou a sua convicção a propósito desta matéria nos seguintes termos:

Regressando à factualidade da pronúncia, entra-se num tema novo denominado “Utilização anterior da entidade Groundsel” (arts. 720° a 737°).
A sociedade offshore Groundsel foi constituída a 26.4.1999 e teve, na fase inicial, como último beneficiário MCa…, cônjuge do arguido JAu…:
- Apenso bancário 136, fls. 27 – 08.06.1999 – certificado de constituição da Groundsel;
- Apenso bancário 136, fls. 27 – 08.06.1999 – declaração de trust (doc. na língua inglesa; v. tradução fls. 41729, pág. 317 pdf, do vol. 132 do processo).
Era, também, titular da conta n.° … no BPN Cayman, a qual foi utilizada, até Maio de 2000, em benefício do arguido JAu… e da cônjuge, MCa… (art. 720° da pronúncia, v. facto provado 668):
- Apenso bancário 136, fls. 14 a 16 – 08.06.1999 - procuração emitida pelos directores fiduciários da Groundsel a favor do arguido JAu…, conferindo-lhe “poderes para, em nome da própria mandante, abrir e movimentar a crédito ou a débito uma ou mais contas bancárias junto dos seguintes bancos: BPI – Banco Português de Investimento, BNU – Banco Nacional Ultramarino e BPN – Banco Português de Negócios e, para o efeito, efectuar depósitos e levantamentos sob qualquer forma, solicitar empréstimos de qualquer natureza (...)” – bold nosso;
- Apenso bancário 136, fls. 8 a 10 – 22.03.2000 – ficha de assinaturas da conta identificada. Quanto às condições de movimentação “a sociedade é vinculada pela assinatura de um dos seus directores ou de um director e da secretaria ou um dos seus procuradores”, sendo certo que resulta da “ficha” que o arguido JAu… e a mulher, MCa…, eram os procuradores com autorização para movimentarem a conta;
- Apenso bancário 136, fls. 17 – “ficha de informações empresa” do BPN Cayman relativa à sociedade offshore Groundsel da qual consta a indicação de sócios ou accionistas o arguido JAu… (50%) e MCa… (50%);
No espaço temporal com relevo nos autos (11.10.1999 a 05.05.2000) o arguido JAu… e cônjuge, MCa…, foram sócios e gerentes da sociedade Partenon – Prestação de Serviços, Ld.ª, que tinha por objecto a “prestação de serviços de consultadoria na área de engenharia civil e gestão de empresas e outros organismos”.
Posteriormente, em 27.07.2000, ambos transmitiram as suas quotas à SLN Imobiliária:
- Apenso bancário 130, anexo II, fls. 7 a 13 – cópia da certidão da conservatória do registo comercial da sociedade Partenon – Prestação de Serviços, Ld.ª;
Esta sociedade era titular da conta bancária n.° …, no BPN, S.A., conta que podia ser movimentada, à data, por qualquer um dos seus representantes legais, designadamente o arguido JAu… ou MCa…:
- Apenso bancário 130, fls. 3 – 30.09.1999 – ficha de assinaturas da conta;
Ora, resultará da motivação desenvolvida infra que, até Maio de 2000, a conta n.° … da Groundsel, no BPN Cayman, foi utilizada a benefício do arguido JAu…, que se serviu dela para receber pagamentos realizados pela Partenon.
Esses pagamentos foram feitos no âmbito de um esquema para amortizar empréstimos que a Partenon lhe havia feito (art. 721° da pronúncia; facto provado 669).
Em 31.01.2000, o arguido JAu… era devedor à Partenon do montante de 10.067.127$45 (€ 50.214.62,00), por via de empréstimos que lhe haviam sido concedidos por aquela sociedade (art. 722° da pronúncia; v. facto provado 670 e facto não provado 248):
- Apenso bancário 130 – conta titulada pela Partenon, no BPN, S.A.;
- Apenso bancário 100 – conta titulada pelo arguido JAu…, no BPN, S.A.;
- Apenso bancário 136, fls. 71 a 74 – “resumo dos movimentos entre a Partenon, S.A. e JMo… entre 30.06.1999 e 31.12.2000”, designadamente o extracto/conta corrente “Partenon – Movimentos com JAu…” de onde constam todos os “pagamentos” e “recebimentos” realizados;
Do mesmo extracto resulta (fls. 74) que os pagamentos/transferências feitas pela Partenon a favor do arguido JMo… até 31.12.1999 contabilizam um total de € 64.452,34.
Por sua vez, até 31.12.1999, os pagamentos/transferências realizadas pelo arguido JMo… a favor da Partenon totalizam € 13.408,34.
Logo, até essa data, o arguido JMo… devia à Partenon a quantia de € 51.044,00 (€ 64.452,34 - € 13.408,34).
Porém, descontando o “recebimento”, a 31.01.2000, da quantia de € 829,38 – v. extracto/conta corrente, fls. 74 -, resulta que, nesta data (31.01.2000), o arguido JMo… devia à Partenon o montante global de € 50.214,62 (€ 51.044,00 - € 829,38), valor a que alude a pronúncia no art. 722° e que corresponde a 10.067.127$45 (e não a 10.076.330$00, como dela consta).
Em 11.04.2000, o arguido JAu… pagou a maior parte dessa dívida - 9.021.690$00 equivalentes a € 45.000,00 - mediante um cheque sacado sobre a sua conta pessoal no BPN, SA., cujo pagamento originou um saldo a descoberto (art. 723° da pronúncia; v. facto provado 671):
- Apenso bancário 100, fls. 13 – conta titulada pelo arguido JAu… no BPN, S.A. – 11.04.2000 – movimento a débito de 9.021.690$00 por saque de cheque que gerou descoberto na conta de 7.076.349$00;
- Apenso bancário 130, anexo IV, fls. 24 – conta titulada pela Partenon no BPN, S.A. – 11.04.2000 - cheque no montante de € 9.021.690,00 emitido pelo arguido ao portador, sacado sobre a conta do BPN, S.A., com endosso a favor da Partenon (conta n.° …);
- Apenso bancário 130, anexo III, fls. 19 – conta titulada pela Partenon no BPN, SA – 12.04.2000 – movimento a crédito de 9.021.690$00 por depósito de valores;
- Processo, vol. 19, fls. 8099T, pág. 576 pdf, parte final – 11.04.2000 – nota de lançamento contabilístico relativo à “amortização do empréstimo” da Partenon ao arguido JAu no valor de 9.021.690$00;
Porém, paralelamente, o arguido JAu… contabilizou na Partenon duas facturas da Dairew Limited, sociedade instrumental utilizada pela entidade de planeamento fiscal IFS/ISM, o que foi devidamente esclarecido pela testemunha PCd… (inspector da Polícia Judiciária) – arts. 723° a 727° da pronúncia; factos provados 671 a 676 e 679.
Estas facturas, datadas de 11.10.1999 e 19.11.1999, respectivamente, nos montantes de € 25.000,00 e de € 20.000,00, relativas a serviços nunca prestados, foram pagas pela Partenon à Dairew em 12.04.2000, sendo que o arguido JMo… fez reverter esses montantes para seu próprio benefício, depois de deduzida a devida comissão de 5% (€ 2.250,00) à entidade emissora das facturas, a Dairew:
- Processo, vol. 19, fls. 8099Q a 8099S, págs. 572 a 575 pdf – 11.10.1999 e 19.11.1999 - facturas da Dairew à Pártenon de € 25.000,00 e € 20.000,00 com os descritivos “subcontratação da preparação e coordenação dos projectos de construção para «Lote 4.40 Expo» e «Avenida de Berlim – Olivais, gaveto Rua da Cidade de Luanda» em conformidade com o contrato” (factura de € 25.000,00) e “Prestação de serviços de controlo do trabalho de construção, análise financeira e gestão das vendas do edifício na «Avenida de Berlim – Olivais, gaveto Rua da Cidade de Luanda» cujo proprietário é a «Sociedade Imobiliária Fábrica de Gelo, S.A.», em conformidade com o nosso contrato datado de 15 de Maio de 1999” (facturas na língua inglesa; v. tradução a fls. 37421 a 37422, págs. 258 a 261 pdf, do vol. 116 dos autos principais);
- Processo, vol. 19, fls. 8099T, pág. 576 pdf, parte inicial – 11.04.2000 - nota de lançamento contabilístico da Partenon relativa ao pagamento à Dairew com o descritivo “liquidação da dívida à Dairew”;
- Apenso bancário 130 – conta titulada pela Partenon, no BPN, S.A. - anexo III, fls. 19 – 12.04.2000 – movimento a débito de 9.021.690$00;
- Apenso bancário 130 – mesma conta, anexo IV, fls. 22 – 11.04.2000 - ordem de transferência de € 45.000,00 (contravalor de 9.021.690$00) a favor da Dairew, assinada pelo arguido Jau…;
- Apenso bancário 141, fls. 2 – conta n.° …/… titulada pela Dairew no Banif – 13.04.2000 – movimento a crédito de 9.021.690$00;
No entanto, a Dairew, tendo recebido o “pagamento” das facturas que emitira, deu execução ao chamado “Kickback”, devolvendo esse montante, deduzido da sua comissão de 5%, através de uma transferência de 8.750.000$00, equivalente a € 42.750,00, para a conta da Groundsel, no BNP Cayman que, como se disse, era então utilizada pelo arguido JAu… em seu beneficio (arts. 729° e 730° da pronúncia; factos provados 677 e 678):
- Apenso bancário 141, fls. 2 – conta titulada pela Dairew no Banif – 26.04.2000 – movimento a débito de 8.570.606$00 (contravalor de € 42.750,00);
- Apenso bancário 141, fls. 24 a 27 – mesma conta – 26.04.2000 – ordem de transferência do montante de 8.570.606$00 (contravalor de € 42.750,00) a favor do beneficiário “Groundsel Propreties Limited”;
- Apenso bancário 136, fls. 49 – conta titulada pela Groundsel, no BPN Cayman – 02.05.2000, com data-valor de 28.04.2000 – movimento a crédito de 8.570.606$00 (contravalor de € 42.750,00);
- Apenso bancário 136 – Conta titulada pela Groundsel, no BPN Cayman, – fls. 20 – apontamento manuscrito da autoria de PR… dirigido a CD…, colaborador da unidade de offshore da DOP – direcção de operações, do seguinte teor: “conforme n/ conversa telefónica esta conta destina-se à passagem de fundos com início já dia 27/28 Março (conta em Cayman. Minhas siglas G.C. – PR…”;
- Processo, vol. 19, fls. 7872 a 7874, págs. 323 a 325 – documento da operação de transferência de 8.570.606$00 (contravalor de € 42.750,00), aviso de crédito e spgt da Dairew para a Groundsel;
- CD, vol. 13 dos autos - movimento a crédito de 8.570.606$00 na identificada conta da Groundsel e que corresponde ao primeiro movimento da conta – (sublinhado amarelo nosso):

Finalmente, o arguido JAu… transferiu da conta da Groundsel para a conta por si titulada no BPN, S.A. a quantia de 8.569.606$00, o que fez por três movimentos sucessivos, nas datas e montantes seguintes (arts. 732° e 733° da pronúncia; v. factos provados 680 e 681 e facto não provado 249):
(i) Em 04.05.2000, 3.809.058$00;
(ii) Em 05.05.2000, 2.380.624$00;
(iii) E, em 08.05.2000, 2.379.924$00;
As datas que constam, sucessivamente, do art. 733° da pronúncia estão incorrectas (v. facto não provado 249), sendo as corretas, pela mesma ordem, as que se acabaram de indicar.
Também ocorrem ligeiras imprecisões nos montantes indicados no art. 733° da pronúncia (v. facto provado 681 e não provado 249).
Daí resulta, também, uma ligeira imprecisão no montante indicado no art. 734 da pronúncia (v. facto provado 682 e facto não provado 734).
Consequentemente, a conta titulada pelo arguido JAu… no BPN, S.A. que, desde 11.04.2000, estava a descoberto em consequência do pagamento que fizera da sua dívida à Partenon, passou a evidenciar saldo positivo (762.564$00):
- Apenso bancário 136, fls. 50 – conta titulada pela Groundsel no BPN Cayman – 04.05.2000, 05.05.2000 e 08.05.2000 – movimentos a débito de 3.809.058$00, 2.380.624$00 e 2.379.924$00, respectivamente;
- Apenso bancário 100, fls. 14 – conta titulada pelo arguido JAu…, no BPN, S.A. – 04.05.2000, 05.05.2000 e 08.05.2000 – movimentos a crédito de 3.809.058$00, 2.380.624$00 e de 2.379.924$00, respectivamente;
- Processo, vol. 19, fls. 7866 a 7871, págs. 317 a 322 pdf – 03.05.2000, 04.05.2000 e 05.05.2000 - as três ordens de transferência da conta da Groundsel no BPN Cayman, para a conta titulada pelo arguido JAu… no BPN, S.A., dirigidas a “PSa… – BPN” e subscritas por MCa…, cônjuge do arguido, bem como as “notas internas” relativas às execuções destas ordens;
- CD, vol. 13 dos autos - débito dos 3 montantes nas datas indicadas – (sublinhado amarelo nosso):
(…)
Face às regras da experiência comum, da lógica e máximas da vida, o Tribunal não tem quaisquer dúvidas de que as duas facturas emitidas pela Dairew são falsas e visavam, única e exclusivamente, que o arguido JAu… tivesse um justificativo para se apropriar das quantias por elas “tituladas”.
Com efeito:
Desde logo, as habituais referências genéricas nas facturas aos trabalhos alegadamente realizados: “subcontratação da preparação e coordenação dos projectos de construção” e “prestação de serviços de controlo do trabalho de construção, análise financeira e gestão das vendas”.
Ou seja, falta de especificação dos trabalhos efectivamente realizados.
Por outro lado, é de realçar a inexistência dos contratos a que se referem as facturas, contratos esses que, se existissem, certamente teriam sido juntos aos autos pelo arguido JAu….
Acresce que não é crível que uma sociedade offshore, com sede na Irlanda, prestasse serviços a uma sociedade nacional do tipo dos referenciados nas facturas (preparação e coordenação dos projectos de construção e controlo do trabalho de construção, análise financeira e gestão de vendas).
Releva, igualmente, o habitual procedimento de “kickback” característico das facturas falsas, pelo qual é devolvido à origem o montante anteriormente creditado à sociedade offshore, deduzido da sua comissão 5%, que corresponde à remuneração da actividade da entidade emitente das facturas que se traduz, precisamente, na emissão das facturas.
Caso as facturas fossem reais, a Partenon limitar-se-ia a proceder ao seu pagamento, não sendo necessário o adiantamento dos fundos a descoberto da conta do arguido JAu… e, posteriormente, a devolução desses mesmos fundos à conta por si titulada utilizando, para o efeito, uma outra sociedade offshore, a Groundsel.
Tanto que assim é que a conta da offshore Groundsel, enquanto esteve titulada pelo arguido, só foi usada para este efeito, i.e., registou como primeiro movimento a crédito a quantia de 8.570.606$00 e, subsequentemente, em 3 parcelas, o mesmo montante a débito de 8.569.606$00, após débito da despesa de 1.000$00, ficando, então, saldada.
Demonstrativo disso é, também, o referido manuscrito do seguinte teor: “conforme n/ conversa telefónica esta conta destina-se à passagem de fundos com início já dia 27/28 Março (conta em Cayman. Minhas siglas G.C. – PR…”.
Vale o exposto por dizer que pelo “esquema” montado pelo arguido JAu…, através do uso de facturas falsas, resultou um benefício ilegítimo para o mesmo no montante de 8.569.606$00 e o correspondente prejuízo para a Partenon.
Benefício e prejuízo que foram determinados pelo arguido JAu… na medida em que ordenou o pagamento de facturas sem correspondência com a realidade (arts. 735° a 737° da pronúncia; v. factos provados 683 a 685).
                                                        *
Analisados que estão criticamente os factos 720° a 737° da pronúncia, importa, agora, proceder à correspondente análise de factos da contestação (fls. 16384 a 16405) do arguido JAu… (arts. 7° a 16°).
Destes (7° a 16°) não foram vertidos para a factualidade provada ou não provada da contestação os seguintes, pelos motivos indicados infra:
(…)
Relativamente aos demais:
O que alega na 2ª parte do art. 11º da contestação mostra-se prejudicado, pois já consta dos factos provados da pronúncia (v. facto provado 669 – “Partenon Prestações de Serviços, Lda, de que era responsável e sócio”).
Ao contrário do afirmado pelo arguido no art. 7º da contestação, no art. 721º da pronúncia não se afirma que à data dos factos imputados ao arguido a Partenon era uma sociedade do grupo SLN.
O que se afirma nesse facto da pronúncia é, precisamente, o que o arguido sustenta nos arts. 8º a 10º da contestação, designadamente que o arguido “era responsável e sócio” da Partenon “antes de vender parte do seu capital ao grupo SLN” (bold nosso).
O facto em questão da pronúncia resultou provado (v. facto provado 669 da pronúncia).
Por conseguinte, está prejudicado o alegado pelo arguido nos arts. 8º a 11º da contestação, em que pretendia demonstrar um eventual lapso/erro da pronúncia, que não existe.
Considerando a motivação desenvolvida supra e os elementos probatórios indicados mostra-se evidente a prova do declarado pelo arguido no art. 12º da contestação (v. facto provado 2 da contestação).

iii. Apreciando.
a. Como se constata pelo que se deixa supra exposto, o arguido não impugna que as facturas emitidas pela Dairew eram facturas forjadas, porque não correspondiam, de facto, a nenhum serviço que aquela sociedade tivesse prestado à Partenon. Também não impugna o circuito financeiro ocorrido – isto é, os fluxos de pagamentos realizados.

b. Efectivamente, e no que concerne a elementos de prova, o arguido (mais uma vez) não assinala um único que se mostre erroneamente desconsiderado ou mal apreciado pelo tribunal “a quo”, limitando-se apenas a apresentar uma versão alternativa dos fins ínsitos à emissão de tais facturas que, curiosamente, se reconduzem à admissão da prática de um crime de natureza fiscal (o objectivo da aceitação das facturas da Dairew foi o de evitar o pagamento de impostos - sic), ao mesmo tempo que, apesar de reconhecer não ser o único sócio da sociedade, desconsidera em absoluto tal circunstância. Ora, por muito que um casamento seja sólido e coeso, os cônjuges mantém a sua personalidade e capacidade jurídica, em todos os campos, incluindo no que se refere ao direito de expressão da sua vontade em sede societária. Assim, o que o arguido quer é uma coisa, o que a outra sócia quereria é algo de diverso e não confundível na mesma realidade.
De facto, uma coisa é uma determinada pessoa colectiva e outra as pessoas singulares que são seus sócios ou que a administram e representam (estamos em crer que o arguido não pretende aqui invocar a figura da desconsideração da personalidade colectiva…).
Mas adiante, uma vez que, de facto, a tese apresentada não tem qualquer verosimilhança.

c. Senão vejamos.
Estamos perante facturas falsas, emitidas a pedido do arguido, sobre a Partenon.
O arguido tinha uma dívida de cerca de 50 mil euros para com a Partenon.
No dia 11 de Abril de 2000:
O arguido paga 45 mil euros à Partenon;
Faz contabilizar, no mesmo dia, na Partenon, as duas facturas forjadas, cujo valor somado é de 45 mil euros;
A Partenon, no dia seguinte, paga essas facturas;
De seguida, a Dairew – descontando o pagamento de 5% do quantitativo inscrito em tais facturas (pagamento dos serviços de planeamento fiscal que a dita Dairew fornecia, através da emissão de facturas falsas) - transfere o montante de 42.750 euros para a conta da Groundsel.
Por sua vez, entre 4 e 8 de Maio de 2000, o arguido JMo… faz transferir, em 3 tranches, esse montante de 42.750 euros para a sua conta pessoal, do qual assim se apropria.

d. O que daqui decorre é o que a singela realidade dos factos dita:
O arguido simulou o pagamento, pela sua própria pessoa, da dívida que tinha para com a Partenon mas, efectivamente, não o suportou, pois fez a Partenon “devolver-lho”, determinando-a ao pagamento de duas facturas falsas.
 Liquidou, pois, formalmente, os montantes que tinha em dívida para com a Partenon, sem qualquer esforço financeiro efectivo seu, privando a Partenon de um crédito legítimo que detinha – sobre o próprio arguido – do qual, na realidade, não foi paga.

e. E, ao inverso do que o arguido afirma, na sua versão dos factos, ainda que tivesse direito a receber dividendos da Partenon, a verdade é que esta sociedade (e os credores da mesma, para além da outra sócia) teria sempre o direito a receber as quantias que havia emprestado ao arguido. 

f. Assim, nada na motivação ou nos factos provados se prende, sequer remotamente, com o facto de a entrada inicial feita pelo arguido, na Partenon, no montante de 45 mil euros, ter sido obtida ou não por descoberto da sua conta pessoal.
A ausência de esforço financeiro da sua parte resulta da simples constatação de que o quantitativo que então “pagou” lhe ter sido devolvido, através do artifício das facturas falsas, o que determinou a obtenção de um benefício ilegítimo para si e o correspondente prejuízo para a Partenon.
Na verdade, como bem sintetiza o MºPº na sua resposta, “por virtude de toda esta operação, o arguido apropriou-se de quantias monetárias que pertenciam a uma pessoa colectiva, com personalidade jurídica distinta da sua, para satisfação de obrigações suas, logo, em seu proveito único e exclusivo, com prejuízo desta, a qual ficou prejudicada no seu património, logo, destituída de capacidade de cumprir com os seus deveres contraídos.”

iv. Face ao que se deixa exposto, mostra-se flagrante a sem razão do recorrente, não se vislumbrando erro ou vício que imponha, determine, as alteração que propõe, que assim se indeferem.

v. Síntese final no que respeita ao recurso sobre a matéria de facto interposto pelo arguido JMo…:
Atento o que se deixa exposto, há que concluir que, nesta sede, o recurso interposto não mereceu provimento.

                                                    *
                                                    *
                                                    *
h. recursos apresentados pelo MºPº.
ha. Arguidos JO… e FB… – crimes de fraude fiscal qualificada (ambos) e de burla qualificada (o segundo isoladamente):

§. Do crime de fraude fiscal qualificado, imputado aos arguidos JO… e FB… (factos narrados na pronúncia nºs 979 a 995; factos provados no acórdão nos pontos 923 a 938, 943, 956 e 958 e factos não provados nos pontos 305, 307, 312 e 315).
§§. Do crime de burla qualificada, relativamente ao arguido FB… (factos narrados na pronúncia nºs 738 a 881; factos provados no acórdão nos pontos 686 a 829 e factos não provados ).

I.
1. O MºPº extraiu as seguintes conclusões a propósito das questões supra enunciadas (uma vez que se procedeu já supra - vide ponto II. Transcrições dos segmentos (…) 2. - à transcrição integral das conclusões apresentadas por cada um dos recorrentes, opta-se por aqui se indicar apenas os números referentes às mesmas, que importam à decisão das questões que neste segmento cabe apreciar):
a. No que concerne ao arguido JO…:
Conclusões 2 a 69.

b. No que concerne ao arguido FB…:
Conclusões 351 a 512.

2. O arguido JO… apresentou resposta, nos pontos I a IV. A a H. (não nos pronunciaremos sobre a parte relativa à impossibilidade de valoração dos documentos constantes no apenso 33, vertida no ponto IV. B da sua resposta, pois tal matéria mostra-se já supra decidida neste acórdão).

3. O arguido FB… apresentou resposta nos pontos 1 a 490.

II. Do recurso subordinado em processo penal.
i. Caberá, antes de mais, pronunciarmo-nos sobre a admissibilidade, em termos de decisão a ser proferida por este tribunal, no que concerne ao vertido pelo arguido JO…, na sua resposta ao recurso, nos pontos IV. F a H, bem como pelo arguido FB… (que, aliás, suscita directamente a questão), no ponto IV.B da sua resposta, em conjugação com os pedidos que formulam na sua decorrência.
 
ii.  O MºPº interpôs recursos em relação a estes dois arguidos, por estar em desacordo com parte da matéria de facto dada como não provada (arguido FN… – crimes de fraude fiscal e de burla qualificada), bem assim como no que concerne ao enquadramento jurídico realizado pelo tribunal “a quo” (arguidos JO… e FN… - crime de fraude fiscal).
Na verdade, embora o MºPº esteja em sintonia com o decidido, quanto ao entendimento de que se mostrava cometido, pelo arguido JO…, um crime de fraude fiscal, já não considera correcto o facto de o tribunal “a quo” ter entendido que tal ilícito apenas se verificava na sua forma simples e, por decorrência de tal integração jurídica, ter declarado a sua prescrição.
No que concerne ao arguido FN…, pede que alguns factos dados como não provados passem a ser considerados como assentes e, por decorrência dessa alteração factual, seja o mesmo condenado pela prática de um crime de fraude fiscal agravada e um crime de burla qualificada.

iii. Por seu turno, o arguido JO…, no recurso que apresentou subsequente ao acórdão proferido pelo tribunal “a quo” em Novembro de 2018, aditou ao texto do recurso anteriormente apresentado uma série de pontos, sendo certo que a este propósito já foi supra decidido (vide ponto 9 de I. Relatório) pela impossibilidade do seu conhecimento nessa sede.
Assim, no âmbito do recurso que o arguido JO… interpôs do acórdão proferido pelo tribunal “a quo”, entendeu-se que as matérias constantes nas sua conclusões 1053 a 1074, 1101 e 1248 a 1253 (além de outras, que no presente caso não relevam), não poderiam ser alvo de apreciação naquela sede.

iv. Resta então apurar se tais questões (já constantes da resposta inicialmente apresentada pelo arguido JO… ao recurso interposto pelo MºPº, tudo no ano de 2017) podem ser analisadas por este tribunal de apelo, em sede de recurso subordinado.
De igual modo, haverá que averiguar se os pontos acima mencionados da resposta do arguido FN… (em que pede a reapreciação probatória, em sede de resposta ao recurso por si interposto, de alguma matéria factual, peticionando que a mesma seja dada como não provada) podem nesta sede ser atendidos.

v. Estipula a este propósito o artº 404 do C.P.Penal:
Recurso subordinado
1 - Em caso de recurso interposto por uma das partes civis, a parte contrária pode interpor recurso subordinado.
2 - O recurso subordinado é interposto no prazo de 30 dias contado da data da notificação referida nos n.os 6 e 7 do artigo 411.º
3 - Se o primeiro recorrente desistir do recurso, este ficar sem efeito ou o tribunal não tomar conhecimento dele, o recurso subordinado fica sem efeito.

vi. Como decorre da sua mera leitura, constata-se que em sede processual penal apenas se mostra previsto este tipo de recurso subordinado, em matéria cível, mas já não em matéria penal.
E não estamos perante uma lacuna, suprível por recurso ao disposto no âmbito processual civil (artº 4º do C.P.Penal), mas antes perante uma opção que o legislador tomou em sede desta ordenação processual criminal, face às suas especificidades relativamente ao processo civil.

vii. Esta tem sido a orientação jurisprudencialmente unânime, tendo sido já objecto de apreciação pelo T. Constitucional, pelo acórdão nº 284/2006, de 3 de Maio de 2006 (proc. nº 862/05, 1ª secção), consultável em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20060284.html.
Porque nesse aresto se mostram explanadas as razões para a conformidade constitucional de tal interpretação, procede-se à transcrição do mesmo, nos segmentos com relevo para a decisão desta questão (sublinhados nossos):
(…)
 4. Por despacho de 6 de Outubro de 2005, a reclamação foi indeferida pelo Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra, pelos seguintes fundamentos:
“[…] A uniformidade da jurisprudência que se vem pronunciando sobre a inadmissibilidade do recurso subordinado sobre a matéria penal, e já citada nos autos, dispensa-nos de grandes considerações para concluir pela improcedência da reclamação. Na verdade, como salienta Maia Gonçalves, in C. P. Penal anotado, l3ª edição, página 796, só pode haver recurso subordinado «em caso de o recurso prin­cipal interposto por uma das partes civis, e portanto abrange também só a questão civil». E não se diga que esta solução viola os direitos de defesa do arguido constitucionalmente consagradas. Na verdade, segundo o ordenamento jurídico português a pena não é negociável entre o arguido e a acusação. Compreende-se o recurso subordinado no âmbito da matéria civil em que as partes podem negociar uma solução de compromisso: ambas podem discordar da decisão, mas podem comprometer-se aceitá-la reciprocamente se a outra não recor­rer; ou podem «esperar para ver» e aceitar a decisão se a outra parte o fizer também, No âmbito da matéria penal não é assim. Se um dos sujeitos processuais não concorda com a decisão tem de interpor o respectivo recurso; Se aceitar a decisão, não o pode fazer condicionalmente, para recorrer se a parte contrária o fizer, tem de a aceitar definitivamente. Se o sujeito processual contrário recorrer, a lei confere-lhe todos os direitos para se defender na resposta à motivação e, quando é caso disso, nas alega­ções a produzir em audiência. Este sistema não viola qualquer preceito ou princípio constitucional. Não há qualquer tutela constitucional do «esperar para ver», subjacente ao recurso subordinado, se o recurso deve ou não ser interposto quanto à matéria penal; perante a discordância, o sujeito processual tem logo de optar por recorrer aí defendendo livremente, com todas as garantias, a sua posição no âmbito de uma matéria que não é negociável.
5. Deste despacho que lhe indeferiu a reclamação interpôs A. recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, pretendendo a apreciação, face ao disposto nos artigos 26º, n.º 2, 27º, n.º 1, e 32º, n.º 1, da Constituição, do artigo 404º do Código de Processo Penal, quando interpretado no sentido de não admitir recurso subordinado em matéria penal (fls. 104 e seguintes).
(…)
Cumpre apreciar e decidir.
II
7. O artigo 404º do Código de Processo Penal determina o seguinte:
“Artigo 404º
(Recurso subordinado)
1. Em caso de recurso interposto por uma das partes civis, a parte contrária pode interpor recurso subordinado.
2. O recurso subordinado é interposto no prazo de quinze dias, contado a partir da notificação do despacho que tiver admitido o recurso da parte contrária.
3. Se o primeiro recorrente desistir do recurso, este ficar sem efeito ou o tribunal não tomar conhecimento dele, o recurso subordinado fica sem efeito.”.
Segundo o recorrente, seria inconstitucional a norma constante deste preceito, na interpretação segundo a qual não é admissível recurso subordinado em matéria penal, por violação do disposto nos artigos 26º, n.º 2, 27º, n.º 1, 32º, n.º 1, e 13º da Constituição. Esta é, portanto, a questão de constitucionalidade de que cumpre conhecer.
8. À figura do recurso subordinado alude também o artigo 682º do Código de Processo Civil.
De tal disposição decorre que o regime do recurso subordinado é, em síntese, o seguinte:
a) É pressuposto do recurso subordinado que ambas as partes tenham ficado vencidas na decisão;
b) O recurso subordinado deve ser interposto dentro do prazo de 10 dias, a contar da notificação do despacho que admite o recurso da parte contrária;
c) O recurso subordinado caduca, se o primeiro recorrente desistir do recurso, se este ficar sem efeito ou se o tribunal dele não tomar conhecimento, sendo todas as custas da responsabilidade do recorrente principal;
d) O recurso subordinado pode, em princípio, ser interposto, mesmo que tenha havido renúncia ao direito de recorrer ou aceitação, expressa ou tácita, da decisão, desde que a parte contrária tenha recorrido da decisão;
e) Em regra, o recurso subordinado é admitido sempre que o recurso independente tenha sido admitido.
Ao primeiro pressuposto do recurso subordinado refere-se Armindo Ribeiro Mendes (Recursos em processo civil, 2ª ed., Lisboa, Lex, 1994, p. 173) nos seguintes termos: “[o recurso subordinado] tem lugar no caso de a decisão ser desfavorável ao autor (ou a vários autores) e ao réu (ou a vários réus). É a situação a que CARNELUTTI chamava decaimento (soccombenza) recíproco ou inverso”.
Nestes casos de decaimento recíproco ou inverso há, como explicam José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes (Código de Processo Civil anotado, vol. 3º, Coimbra, Coimbra Editora, 2003, p. 27), duas possibilidades de interposição de recurso: “ou ambas as partes interpõem recursos independentes, no prazo do art. 685º, tendo cada um deles autonomia, embora sejam processados em conjunto […]; ou apenas uma interpõe recurso principal e a outra, notificada da sua admissão, decide também interpor recurso, o qual fica dependente do primeiro na medida em que só é conhecido pelo tribunal ad quem se ele tomar conhecimento do recurso principal”.
A justificação do recurso subordinado reside, segundo Miguel Teixeira de Sousa (Estudos sobre o novo processo civil, 2ª ed., Lisboa, Lex, 1997, p. 496), na justiça processual e na igualdade das partes: concretamente, são estes princípios que “justificam que se admita que a parte, que inicialmente se conformara com a decisão […], possa, ela própria, interpor recurso da decisão, mesmo que já tenha decorrido o prazo geral dessa interposição”, no caso de ter sido interposto recurso pela contraparte. Nas palavras de José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes (ob. cit., p. 27), o recurso subordinado “é interposto por aquele que, em princípio, aceita a parte da decisão em que ficou vencido, desde que a contraparte aceite igualmente a parte em que também ficou vencida”.
9. Pressupondo a figura do recurso subordinado que ambas as partes tenham ficado vencidas, e justificando-se a sua admissibilidade pela circunstância de a outra parte não se ter conformado com a parte da decisão em que ficou vencida, forçoso é concluir que tal figura dificilmente se adapta ao processo penal.
Desde logo, e atento o dever de objectividade na condução da acção penal que recai sobre o Ministério Público, consagrado no artigo 219º, n.º 1, da Constituição (cfr. também o artigo 53º do Código de Processo Penal e, designadamente, a alínea d) do seu n.º 2), não se lhe pode reconhecer a qualidade de parte nesse processo e, consequentemente, a possibilidade de ter ficado vencido em determinada decisão: como tal, o pressuposto em que assenta a figura do recurso subordinado (o de ambas as partes terem ficado vencidas) não pode pura e simplesmente verificar-se no processo penal.
Por outro lado, a justificação do recurso subordinado também não pode estender-se ao processo penal. É que o objectivo de não prejudicar a parte que se conformou com a decisão pode, no processo penal, ser alcançado através do mecanismo da resposta à motivação do recurso interposto pelo Ministério Público (cfr. o artigo 413º do Código de Processo Penal), não carecendo o arguido, para obter a redução da pena que lhe tenha sido aplicada, ou mesmo a absolvição, de interpor o seu próprio recurso (cfr. o artigo 409º do Código de Processo Penal, que proíbe apenas – em certos casos – a reformatio in pejus).
Estas considerações apontam para a conclusão no sentido da não violação dos preceitos constitucionais invocados pelo recorrente.
Não considerando sequer a indicada norma do artigo 26º, n.º 2, da Constituição – pela sua manifesta irrelevância para a resolução da questão sub judice, atendendo a que tal norma constitucional protege contra certas formas de obtenção e utilização de informações relativas às pessoas e famílias, que não estão agora evidentemente em causa –, impõe-se verificar que a interpretação normativa perfilhada pelo tribunal recorrido não afronta o direito à liberdade, à segurança ou às garantias da defesa. Na verdade, o arguido pode, na resposta ao recurso do Ministério Público, alegar o que bem entender no sentido do não agravamento, ou mesmo da redução, da pena que lhe foi aplicada.
Tal interpretação também não ofende o princípio da igualdade, pois que, pelas razões expostas, não é arbitrária a distinção entre o processo penal e o processo civil, no que ao regime do recurso subordinado diz respeito.
III
10. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao recurso.

viii. Como se vê, o ponto fulcral (em síntese) reconduz-se à circunstância de o processo criminal não ser um processo de partes. Efectivamente, neste tipo de pleitos, o objectivo da proposição da acção prende-se com a obtenção de vencimento de causa (uma parte ficará vencedora em detrimento da outra, quer parcial, quer totalmente), no âmbito de estritas relações em sede de direito privado, em que os interessados são livres de propor – ou não – as suas dissidências, para serem decididas por um tribunal.
Ora, o fim primeiro do processo penal é outro - é o de providenciar a realização do exercício da acção punitiva do Estado. E, dentro deste contexto, como bem acima se salienta, o que move o MºPº é um dever de objectividade, não de vencimento de causa, pelo que não assume a figura de parte, tal como é entendida em sede cível.
Tanto assim é que o legislador, ao tomar posição nesta questão, em sede do artº 404 do C.P.Penal, apenas admitiu a possibilidade de recurso subordinado no chamado enxerto cível, isto é, na parte em que, por virtude do princípio da adesão, um tribunal, no âmbito de um processo-crime, tem de analisar e decidir questões de natureza meramente civil.

ix. Assim, decorre do que se deixa exposto a inadmissibilidade do recurso subordinado que o arguido JO… interpôs, bem como do arguido FN…, no âmbito dos seus articulados de resposta aos recursos interpostos pelo MºPº (isto é, na parte em que tais respostas extravasam o seu conteúdo e se dirigem à reanálise de segmentos não compreendidos no âmbito dos recursos interpostos pelo MºPº).
 
x. Não obstante, para descanso e paz das consciências, sempre se dirá, como refere o T. Constitucional no aresto supra citado, que essa impossibilidade formal não obsta a que este tribunal, ao proceder à análise dos recursos interpostos, tenha em atenção o que consta, ainda que a esse título, nas respostas que os arguidos apresentaram a tais recursos, uma vez que do teor dos recursos apresentados pelo MºPº, em si mesmos considerados, decorre a necessidade de se proceder à reapreciação probatória, com base nos mesmíssimos elementos de prova que os ora respondentes arguidos avançam (para além, obviamente, de a verificar-se qualquer vício previsto no artº 410 nº2 ou no artº 358, ambos do C.P.Penal, ter este tribunal, por virtude de serem os mesmos de conhecimento oficioso, obrigação de pronúncia).
Será assim, pois, que se procederá à apreciação dos recursos a que nos dedicaremos neste capítulo.

III. Do crime de fraude fiscal qualificado - arguidos JO… e FB….

A. O tribunal “a quo”, na matéria que ora nos cumpre apreciar, pronunciou-se nos seguintes termos;

a. Arguido OC… (isoladamente):
Encontra-se pronunciado pela prática, na qualidade de autor material, de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelo art. 103º, n,º 1, als. a) e c) e 104º, n.º 1, als. a), f) e g) do RGIT.
Na parte com interesse, dispunham os arts. 103º, n.º 1, als. a) e c) e 104º, n.ºs 1, als. a), f) e g) RGIT na redacção emergente da Lei n.º 15/2001, de 5.6. (em vigor à data dos factos) o seguinte:
Art. 103º:
 “1 – Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. A fraude fiscal pode ter lugar por:
a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável;
b) (…);
c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas.
2) Os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a (euro) 7500;
3) Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.
Art. 104º:
1. Os factos previstos no artigo anterior são puníveis com prisão de um a cinco anos para as pessoas singulares e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas quando se verificar a acumulação de mais de uma das seguintes circunstâncias:
a) O agente se tiver conluiado com terceiros que estejam sujeitos a obrigações acessórias para efeitos de fiscalização tributária;
(…);
f) Tiver sido utilizada a interposição de pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável;
g) O agente se tiver conluiado com terceiros com os quais esteja em situação de relações especiais;
(…).
A redacção do art. 103º, n.º 2 do RGIT viria a ser alterada pela Lei n.º 60-A/2005, de 30.12. (v. art. 60º) da qual emergiu a seguinte redacção que ainda se mantém a actual:
(…)
2 – Os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a (euro) 15.000”.
Os factos que resultaram provados:
923) O arguido FB…, no âmbito da sua actividade como advogado, disponibilizou ao arguido OC…, no ano de 2002, a utilização da entidade CLASSICAL FINANCIAL TRADING, com registo nas British Virgin Islands, constituída através do escritório de fiduciários da CITCO, na Suíça;
924) Utilizando a referida entidade CLASSICAL FINANCIAL, o arguido OC… fez proceder à abertura de conta, em nome da mesma, junto do Banco Insular, conta nº …;
925) De seguida, o arguido OC… fez aprovar a concessão pelo Banco Insular de um mútuo à CLASSICAL FINANCIAL no valor de 362.500,00 €, contando, de novo, com a colaboração do arguido FN…, que assinou o contrato de mútuo na qualidade de procurador da CLASSICAL – contrato datado de 15-11-2002;
926) O arguido OC… pretendia aproveitar-se da entidade Banco Insular para a coberto da CLASSICAL FINANCIAL obter para seu próprio proveito uma atribuição patrimonial, cuja remuneração e devolução de capital não pretendia realizar;
927) Foram efectuadas duas transferências para a conta n.º … do arguido FN…, junto do BPN, com origem na conta da CLASSICAL FINANCIAL junto do Banco Insular, uma no montante de 250.000,00 €, com data de 15-11-2002, e outra no montante de 112.500,00 €, com data de 9-12-2002;
928) O arguido FN… disponibilizou a sua conta para serem creditados aqueles montantes;
929) De seguida, seguindo indicações do arguido OC…, o arguido FN… fez emitir dois cheques, sobre aquela sua conta pessoal, um no valor de 250.000,00 €, com data de 15-11-2002, e outro no valor de 112.500,00 €, com data de 11-12-2002, a favor de AMP…;
930) Tais cheques destinavam-se a pagar o preço da aquisição de um imóvel sito em Sesmarias, Albufeira, traduzido no lote 8, composto por uma vivenda com dois pisos e um total de sete divisões, garagem, terraço e onde veio a ser instalada uma piscina, inscrito na matriz predial urbana sob o art. 19409, da freguesia de Albufeira, correspondente à descrição predial nº 5977, daquela freguesia;
931) A escritura de aquisição do referido imóvel veio a ser celebrada na data de 11-12-2002, tendo sido subscrita pela vendedora AMP…, entretanto falecida, e o arguido FB…, na qualidade de procurador do arguido OC…;
932) Na referida escritura, o arguido OC… fez inscrever como valor de venda do imóvel o preço de 150.000,00 €;
933) No entanto, os arguidos sabiam que o montante pago à vendedora, através dos cheques referidos supra, tinha sido de 362.500,00 €;
934) Ao declarar um valor abaixo do efectivamente pago, o arguido OC… visava obter vantagem em sede da liquidação do imposto de sisa, então devido;
935) Efectivamente, veio a ser liquidado um montante de sisa no total de 12.421,49 €, quando, face ao valor realmente pago, seria devida sisa no montante de 36.250,00€, de onde resulta um imposto em falta de 23.828,51 €;
936) O arguido OC… fez transitar a conta no Banco Insular da CLASSICAL FINANCE para o designado Balcão 2, isto é, conforme narrado supra, colocou a conta e o financiamento fora do balanço do Banco, na data de 01.06.2004, na sequência do propósito de não realizar qualquer liquidação do financiamento;
937) O arguido OC… tinha conhecimento que, com a sua conduta, estava a lesar o Estado em sede da arrecadação fiscal, sabendo ainda o arguido OC… que o BPN ficava lesado pelo não reembolso da quantia mutuada;
938) Na data de 10 de Março de 2008, o arguido FB… aceitou ainda representar o arguido OC… na celebração de uma escritura de partilha, que ajudou a preparar, através da qual o referido imóvel veio a ser atribuído à cônjuge do arguido OC…, MY…;
(…)
943) O arguido OC…, actuou ainda com o propósito de obter vantagens fiscais, para si e para terceiros, através da utilização de documentos que fez produzir e sem correspondência com a realidade e através da ocultação de valores que deviam ser declarados em actos públicos e com relevância fiscal;
(…)
958)Todos os arguidos actuaram livre e conscientemente, sabendo os arguidos OC…, VM…, LC…, FS…, LM…, IC…, LAl…, TR…, JAu…, LA…, AF… e RC… que as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei;
                                                    *
Questões prévias:
Em sede de contestação (fls. 17910 a 18110 - arts. 1185º a 1191º) o arguido suscitou a caducidade do direito à liquidação do imposto de sisa.
Declara, em resumo, “que ao longo de todos estes anos nunca foi o arguido (…) notificado para liquidar o imposto de sisa devido, apenas o tendo sido em Dezembro de 2009, com a notificação da douta Acusação, resulta evidente que o direito à liquidação do imposto de sisa devido caducou, nos termos do artigo 45º, n.º 1 da Lei Geral Tributária que claramente estatui:
«O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro»”.
Salvo melhor opinião, não assiste qualquer razão ao arguido.
O prazo que invoca só tem relevância para efeitos de a administração tributária liquidar o imposto em falta e não tem qualquer influência sobre a eventual prática do crime.
Como referem António Tolda Pinto e Jorge Manuel Bravo (in Regime Geral das Infracções Tributárias, anotado, em anotação ao art. 103), e relativamente ao crime de fraude fiscal, “este crime classificado doutrinalmente como um crime de resultado cortado ou de tendência interna transcendente, o mesmo consuma-se ainda que nenhum dano ou vantagem patrimonial indevida venha a ocorrer efectivamente, bastando-se a lei com a circunstância de «as condutas ilegítimas tipificadas» visem ou sejam preordenadas à obtenção de vantagens patrimoniais «susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias".
Vale o exposto por dizer que é suficiente que a conduta seja preordenada a tal fim, sendo a eventual verificação do resultado lesivo apenas relevante em sede de aplicação concreta da medida da pena.
E, para a punição do agente, basta comprovar que este quis as respectivas acções ou omissões e que elas eram adequadas à obtenção das pretendidas vantagens patrimoniais e à consequente diminuição das receitas tributárias.
Independentemente disso, o que é indubitável no caso concreto, é que ocorreu um efectivo prejuízo para a administração tributária:
935) Efectivamente veio a ser liquidado um montante de sisa no total de 12.421,49 €, quando, face ao valor realmente pago, seria devida sisa no montante de 36.250,00€, de onde resulta um imposto em falta de 23.828,51 €;
Não é, pois, pela circunstância de eventualmente a administração ter deixado decorrer o prazo para liquidar o imposto de sisa em falta que deixa de haver prejuízo.
Ele está lá, é originário e ainda anterior à própria escritura pública de compra e venda do imóvel, uma vez que a outorga desta, à data, implicava o prévio pagamento da Sisa.
*
Nos arts. 1224º a 1235º da contestação, o arguido pugna pela despenalização deste crime de fraude fiscal de que está pronunciado.
Assenta a sua tese na entrada em vigor, após os factos, da Lei n.º 14/2003, de 30.5., que no seu art. 33º alterou os escalões dos valores das taxas do Imposto Municipal de Sisa.
Conclui, pedindo a aplicação, em bloco, da lei penal mais favorável ao arguido, porquanto, em seu entender, se os factos tivessem ocorrido na vigência daquela lei, “o Estado teria ficado prejudicado em € 6.178,51, ou seja, num valor inferior àquele a partir do qual o art. 103º, n.º 2 do RGIT, na sua redacção inicial, previa como fraude fiscal (€ 7.500,00), valor que só foi alterado para € 15.000,00 com a entrada em vigor da Lei 60-A/2005, de 30 de Dezembro.
Também não tem razão o arguido na presente argumentação.
Já dispunha o art. 103º, n.º 3 do RGIT na redacção emergente da Lei n.º 15/2001, de 5.6., que “para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração”.
A legislação aplicável só pode ser entendida como sendo a que está em vigor à data da prática dos factos e não qualquer outra que, posteriormente altere as tabelas do imposto de Sisa.
É em função desta que se apura o montante do imposto em dívida.
As alterações posteriores das tabelas não alteram os valores de imposto devido à data dos factos.
Por outro lado, obviamente que não estamos perante um caso de aplicação de lei penal mais favorável.
A lei penal aplicável, neste âmbito, é só constituída pelas normas do RGIT e as do Código Penal, não caindo na sua alçada os escalões dos valores das taxas do Imposto Municipal de Sisa.
Estes escalões só têm importância para a definição do imposto devido a cada momento.
Apurado e não pago, só aí entram em acção as normas do RGIT em ordem a aferir-se se se está, ou não, perante um crime de fraude fiscal.
Os escalões dos valores das taxas constituem, assim, um normativo exterior à disciplina substantiva penal, não funcionando sequer como uma condição objectiva de punibilidade.
*
Por fim, sustenta ainda o arguido (art. 1235º da contestação) que “a interpretação dos arts. 103º, n.º 1, als. a) e c) e 104º, n.º 1, als. a), f) e g) do RGIT «a contrario sensu», desconsiderando-se para efeitos de despenalização dos factos a entrada em vigor da Lei (mais favorável ao arguido) n.º 14/2003, de 30 de Maio, que alterou o artigo 33º do Código do Imposto Municipal de Sisa, designadamente, quanto aos escalões dos valores para efeitos de taxas do Imposto Municipal de Sisa, é materialmente inconstitucional por violação do artigo 29º, n.º 4, da CRP e do princípio da retroactividade da lei penal mais favorável ao arguido”.
Diz bem o arguido: o princípio da retroactividade da lei penal mais favorável.
Mas, em ordem a que seja aplicado esse princípio mostra-se necessário que estejamos perante uma lei penal.
O que, obviamente, não é o caso.
A Lei n.º 14/2003, de 30.5., não constitui nenhuma lei penal.
Define tão só, no que ora interessa, para o futuro, face aos novos escalões que dela constam, o imposto de Sisa devido pelas transacções imobiliárias.
No mais, o arguido limita-se a invocar a inconstitucionalidade por violação daquele princípio, sem cuidar de apresentar qualquer argumentação.
Não nos cabe, a nós, argumentar contra um “vazio” de argumentos.
*
Vejamos, doravante, se estão ou não verificados os elementos objectivos e subjectivos do tipo-de-ilícito em análise.
O tipo de crime de fraude fiscal é o que maior relevância tem no nosso ordenamento penal fiscal, quer no que respeita a uma dimensão de desvalor da acção, quer no que concerne à expressão quantitativa da sua ocorrência ou verificação.
A conduta do agente terá de visar a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causar diminuição das receitas tributárias e de ser abrangida por alguma das alíneas do nº 1, sendo, assim, diversas as condutas tipificadas passíveis de integrar o crime.
No que ora interessa:
a) ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável;
c) celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas, desde que tais condutas visem a não liquidação, entrega ou pagamento do imposto ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causar diminuição das receitas tributárias da administração fiscal.
A conduta tipificada na alínea a) consiste em ocultar, isto é, esconder, encobrir ou alterar factos ou valores que devam constar dos livros da contabilidade ou das declarações apresentadas ou prestadas: a contabilidade não corresponde à realidade dos factos ou valores e o mesmo sucede com as declarações apresentadas ou prestadas. Esses documentos são enganosos, não correspondem à verdade dos factos e nessa medida violam o dever de cooperação e de verdade do cidadão fiscal. Não se trata da simples omissão de contabilidade ou de apresentação ou prestação de declarações, pois esta omissão é sancionada como contra-ordenação, mas de contabilidade ou de prestação de declarações não verdadeiras.
Quanto à alínea c) e nos termos do art. 240º do Código Civil, há negócio simulado se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante.
Qualquer forma de simulação, desde que objectivamente vise a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária e seja susceptível de causar diminuição das receitas tributárias, constitui a conduta típica prevista na alínea c) do nº 1 do art. 103º.
As situações mais conhecidas de negócios jurídicos simulados para efeitos fiscais visam o não pagamento de sisa, como é o caso dos autos, ou imposto sobre sucessões e doações por valor inferior ao devido.
A vantagem patrimonial susceptível de causar diminuição das receitas tributárias é elemento típico essencial para a verificação do ilícito (e não uma condição objectiva de punibilidade (neste sentido, Germano Marques da Silva, in Direito Penal Tributário, Sobre as Responsabilidades das Sociedades e dos seus Administradores conexas com o Crime Tributário, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2009, p. 234.) e a mesma tem que ser igual ou superior a € 15.000,00 (cfr. art. 103º, nº 2 do RGIT, na redacção introduzida pela Lei nº 60º-A/2005, de 30 de Dezembro, sendo que na anterior redacção do preceito o montante era de € 7.500,0000).
Esta vantagem patrimonial ilegítima corresponde ao montante de impostos que o sujeito passivo pretendeu deixar de pagar em consequência da declaração defraudada ou simulada.
Importa ainda referir que este crime é classificado como um crime de resultado cortado, ou seja, o mesmo consuma-se ainda que nenhum dano ou vantagem patrimonial indevida venha a ocorrer efectivamente, bastando-se a lei com a circunstância de que “as condutas ilegítimas tipificadas” visem ou sejam preordenadas à obtenção de vantagens patrimoniais “susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias”, ou seja, é suficiente que a conduta seja preordenada a tal fim, sendo a eventual verificação do resultado lesivo apenas relevante em sede de aplicação concreta da pena.
O tipo de crime em apreço é essencialmente doloso, podendo aparecer sob todas as formas desta categoria da culpa, não se exigindo qualquer espécie de dolo específico.
Ora, os factos que resultaram provados configuram todos estes pressupostos.
Face ao preço real da compra e venda do imóvel (€ 362.500,00), na liquidação da Sisa, o arguido OC… escondeu o imposto em falta de € 23.828,51 (art. 103º, n.º 1, al. a) do RGIT).
Ocorreu, sem dúvida alguma, um negócio simulado quanto ao valor (art. 103º, n.º 1, al. c) do RGIT) que visou a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária devida.
A vantagem patrimonial obtida (€ 23.828,51) é superior a € 15.000,00 (art. 103º, n.º 2 do RGIT).
A nível subjectivo, também se mostra claro que está verificado o dolo, directo, uma vez que o arguido OC… tinha conhecimento que, com a sua conduta, estava a lesar o Estado em sede de arrecadação fiscal e actuou com o propósito de obter vantagem fiscal através da ocultação de valores com relevância fiscal.
Acresce que actuou deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida por lei.
Quanto à imputação pela fraude fiscal qualificada (art. 104º, n.º 1, als. a), f) e g) do RGIT):
Está verificada a circunstância da al. a). Na verdade, houve um conluio com terceiros, a vendedora AMN…, aquando da outorga da escritura pública de compra e venda (declaração de preço inferior ao real), sendo certo que esta também estava sujeita a obrigações acessórias para efeitos de fiscalização tributária (IRS).
Não estão verificadas as outras duas qualificativas.
Por um lado, a sociedade offshore Classical não foi interveniente na escritura de compra e venda. Embora o arguido fosse o seu último beneficiário, quem a outorgou foi o arguido OC… (foi representado pelo seu procurador: o arguido FN…), tendo a sociedade apenas beneficiado de um mútuo no Banco Insular (al. f)).
Por outro, não se tendo provado o conluio com o arguido FN…, seu procurador, não se verifica a qualificativa da al. g) – “conluiado com terceiros com os quais esteja em situação de relações especiais”.
Independentemente disso, o que é uma realidade incontornável é que está verificada a qualificativa a que aludia o art. 104º, nº 2, al. a) do RGIT, a qual dispõe:
2. A mesma pena é aplicável quando:
a) A fraude tiver lugar mediante a utilização de facturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes ou por valores diferentes ou ainda com a intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação subjacente”;
A factura, em termos simples, é um documento de valor contabilístico que atesta uma transacção comercial entre duas pessoas ou empresas. Deve conter informação sobre o produto ou serviço prestado, bem como a quantidade e o valor desta transacção.
No fundo, é a prova da compra, da transmissão dos bens. Prova que determinada pessoa é agora o dono do produto ou beneficiário do serviço e também devedora do respectivo montante.
Nesta perspectiva que entendemos a correta, uma escritura pública de compra e venda de um imóvel não pode deixar de se considerar um documento equivalente a uma factura.
Na verdade, sem dúvida alguma que atesta uma transacção comercial entre duas pessoas.
E contém, igualmente, informação sobre o produto transaccionado (imóvel) e o valor da transacção (preço).
No caso em apreço, tais elementos resultam claramente da factualidade provada (v. factos provados 930 a 932 da pronúncia).
Por outro lado, a escritura de compra e venda não releva só para efeitos civis, tendo também importância para efeitos fiscais, nomeadamente para efeitos de pagamento, à data dos factos, da Sisa, que é o que aqui está em causa.
Acresce que, na compra e venda de imóveis, normalmente não há emissão de facturas, constituindo a própria escritura pública o elemento relevante para efeitos contabilísticos e tributários.
Determinado que está, que se verificava um dos requisitos a que alude o art. 104º, n.º 2 do RGIT, importa aferir do segundo, a saber “por valores diferentes (…) das da operação subjacente”.
Sem dúvida que ocorre. Remete-se para o sobredito. Aquando da outorga da escritura ocorreu uma simulação do preço, uma vez que foi declarado um inferior ao real.
Apesar do exposto, é de ter em consideração o seguinte:
O D.L. n.º 197/2012, de 24.8., introduziu alterações no Código do IVA, no Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias e alguma legislação complementar, transpondo o artigo 4.º da Directiva n.º 2008/8/CE, do Conselho, de 12 de Fevereiro, em matéria de localização das prestações de serviços, e a Directiva n.º 2010/45/UE, do Conselho, de 13 de Julho, em matéria de facturação, dando execução às autorizações legislativas constantes do artigo 128.º da Lei n.º 64-A/2011, de 30 de Dezembro.
Este Decreto-Lei entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2013 (v. art. 18º, n.º 1).
Procedeu à alteração de normas de vários diplomas (v. art. 1º, n.º 2), neles não se incluindo o RGIT.
Porém, o seu art. 16º sob a epígrafe “Disposição final” dispõe:
Com a entrada em vigor do presente diploma, consideram-se derrogadas todas as referências a «factura ou documento equivalente» constantes da legislação em vigor, devendo entender-se como sendo feitas apenas à «factura» a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 29.º do Código do IVA, na sua actual redacção.
Dispõe o art. 9º, n.º 3 do C.C. que “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.
O legislador foi claro e inequívoco.
Derrogou aquelas referências da legislação em vigor, não excepcionando nenhuma, incluindo a de ordem criminal.
Não há nenhum elemento histórico ou interpretativo que nos permita concluir que não tenha sido essa a intenção do legislador.
Assim sendo, deve entender-se que também derrogou do art. 104º, n.º 2, al. a) do RGIT a expressão “facturas ou documentos equivalentes”, devendo agora entender-se como sendo feita “apenas à «factura» a que se refere a al. b) do n.º 1 do artigo 29º do Código do IVA, na sua actual redacção”.
Este D.L. e a derrogação a que procede é mais favorável ao arguido (art. 2º, n.º 4 do C.P.) devendo, por conseguinte, ser aplicado ao caso presente.
Daí resulta:
1) A escritura pública de compra e venda actualmente não pode ser considerada um “documento equivalente” a factura;
2) A expressão que consta do art. 104º, n.º 2, al. a) do RGIT deve, agora, entender-se como sendo feita apenas à factura a que se refere a al. b) do n.º 1 do artigo 29º do Código do IVA;
Ou seja, atenta a derrogação referida, é de concluir que não se verifica, no caso presente, a qualificativa do art. 104º, n.º 2, al. a) do RGIT.
Assim sendo, a conduta do arguido é apenas subsumível à fraude simples (art. 103º, n.º 1, als. a) e c) do RGIT), punível com pena de prisão até 3 anos.
O prazo de prescrição do procedimento criminal é de 5 anos (art. 118º, n.º 1, al. c) do C.P.).
É certo que ocorreram causas interruptivas e suspensivas da prescrição do procedimento criminal.
No entanto, importa considerar que “a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade” (art. 121º, n.º 3 do C.P.).
Do exposto resulta que a prescrição do procedimento criminal ocorre decorridos que estejam 10 anos e seis meses a partir da data de 11.12.2002 (data da outorga da escritura pública de compra e venda), correspondendo este período ao seguinte cômputo:
- prazo normal de prescrição: 5 anos (art. 118º, n.º 1, al. b) do C.P.);
- acrescido de metade: 2 anos e 6 meses (art. 121º, n.º 3 do C.P.);
- período máximo da suspensão: 3 anos (art. 120º, n.º 1, al. b) e n.º 2 do C.P.);
Assim sendo, contando-se o prazo de prescrição a partir de 11.12.2002, a prescrição do procedimento criminal ocorreu a 11.06.2013.
Consequentemente, no “dispositivo”, após alteração da qualificação jurídica, declarar-se-á extinto, por prescrição, o procedimento criminal intentado contra o arguido OC… pelo crime de fraude fiscal qualificada.

b. Arguido FB… (isoladamente):
O arguido FN… também está pronunciado pela prática, como autor material, de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. nos arts. 103º, n.º 1, als. a) e c) e 104º, n.ºs 1, als. a), f) e g) e 2 do RGIT, “relativamente aos factos narrados nos arts. 979º a 985º da pronúncia”.
Nos arts. 290º a 305º da contestação (fls. 16480 a 17059) o arguido sustenta que os factos descritos na pronúncia não configuram um crime de fraude fiscal qualificada, mas antes um crime de fraude fiscal simples.
Pugnou pela alteração da qualificação jurídica dos factos da pronúncia e, na sequência dela, pela extinção do procedimento criminal, por prescrição.
Pelo despacho de fls. 23593 e 23594 e fundamentos que dele constam decidiu-se “relegar para momento posterior (fim do julgamento, após produção de toda a prova) a eventual alteração da qualificação jurídica dos factos de que o arguido se encontra acusado (falsificação qualificada para falsificação simples) e, operando-a, relegar igualmente para momento posterior (Acórdão) o conhecimento da prescrição do procedimento criminal suscitada pelo arguido.”
Vejamos, antes de mais, o que resultou provado dos arts. 979º a 985º da pronúncia (factos provados 923 a 938 e 956 da pronúncia):
(…)
956) O arguido FB… interveio ainda em escritura pública fazendo declarações sobre montante de preço pago e recebido que sabia não corresponder à verdade;
Defendia o arguido, então, na contestação que:
O art. 104º, n.º 2 do RGIT não pode ser avocado para efeito de qualificação.
Esse n.º 2 do art. 104º do RGIT determina a aplicação da pena prevista no n.º 1 quando a fraude tiver lugar mediante a utilização de facturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes ou por valores diferentes ou ainda com a intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação subjacente.
No caso presente, não se verifica na alegada fraude fiscal, a utilização de quaisquer facturas ou documentos equivalentes.
A escritura pública de compra e venda, se eventualmente simulada, constitui elemento constitutivo do crime, incorporando a simulação.
As normas:
Na parte com interesse, dispunham os arts. 103º, n.º 1, als. a) e c) e 104º, n.ºs 1, als. a), f) e g) e 2 do RGIT na redacção emergente da Lei n.º 15/2001, de 5.6. (em vigor à data dos factos) o seguinte:
Art. 103º:
(…)
Art. 104º:
(…)
A redacção do art. 103º, n.º 2 do RGIT viria a ser alterada pela Lei n.º 60-A/2005, de 30.12. (v. art. 60º) da qual emergiu a seguinte redacção que ainda se mantém a actual:
(…)
A factura, em termos simples, é um documento de valor contabilístico que atesta uma transacção comercial entre duas pessoas ou empresas. Deve conter informação sobre o produto ou serviço prestado, bem como a quantidade e o valor desta transacção.
No fundo, é a prova da compra, da transmissão dos bens. Prova que determinada pessoa é agora o dono do produto ou beneficiário do serviço e também devedora do respectivo montante.
Nesta perspectiva que entendemos a correcta, uma escritura pública de compra e venda de um imóvel não podia deixar de se considerar um documento equivalente a uma factura.
Na verdade, sem dúvida alguma que atestava uma transacção comercial entre duas pessoas.
E continha, igualmente, informação sobre o produto transaccionado (imóvel) e o valor da transacção (preço).
No caso em apreço, tais elementos resultam claramente da factualidade provada (v. factos provados 930 a 932 da pronúncia).
Por outro lado, ao contrário do que o arguido defende no art. 301º da contestação, a escritura de compra e venda não relevava só para efeitos civis, tendo também importância para efeitos fiscais, nomeadamente para efeitos de pagamento, à data dos factos, da Sisa, que é o que aqui está em causa.
Não lhe assiste igualmente razão no alegado no art. 302º da contestação.
Pela simples razão de que o “instrumento” utilizado para a “fraude” foi a própria escritura pública, documento equivalente a uma factura.
Determinado que está que se verifica um dos requisitos a que alude o art. 104º, n.º 2 do RGIT, aferir do segundo, a saber “por valores diferentes (…) das da operação subjacente”.
Obviamente que sim.
Atente-se (factos provados 932 e 933) da pronúncia:
932) Na referida escritura, o arguido OC… fez inscrever como valor de venda do imóvel o preço de 150.000,00 €;
933) No entanto, os arguidos sabiam que o montante pago à vendedora, através dos cheques referidos supra, tinha sido de 362.500,00 €;
Ou seja, o negócio subjacente (compra e venda do imóvel) foi realizado pelo montante de € 362.500,00 e, na escritura, foi declarado um valor diferente, inferior, de € 150.000,00.
Apesar do exposto, é de ter em consideração o seguinte:
O D.L. n.º 197/2012, de 24.8., introduziu alterações no Código do IVA, no Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias e alguma legislação complementar, transpondo o artigo 4.º da Directiva n.º 2008/8/CE, do Conselho, de 12 de Fevereiro, em matéria de localização das prestações de serviços, e a Directiva n.º 2010/45/UE, do Conselho, de 13 de Julho, em matéria de facturação, dando execução às autorizações legislativas constantes do artigo 128.º da Lei n.º 64-A/2011, de 30 de Dezembro.
Este Decreto-Lei entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2013 (v. art. 18º, n.º 1).
Procedeu à alteração de normas de vários diplomas (v. art. 1º, n.º 2), neles não se incluindo o RGIT.
Porém, o seu art. 16º sob a epígrafe “Disposição final” dispõe:
“Com a entrada em vigor do presente diploma, consideram-se derrogadas todas as referências a «factura ou documento equivalente» constantes da legislação em vigor, devendo entender-se como sendo feitas apenas à «factura» a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 29.º do Código do IVA, na sua actual redacção.”
Dispõe o art. 9º, n.º 3 do C.C. que “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.
O legislador foi claro e inequívoco.
Derrogou aquelas referências da legislação em vigor, não excepcionando nenhuma, incluindo a de ordem criminal.
Não há nenhum elemento histórico ou interpretativo que nos permita concluir que não tenha sido essa a intenção do legislador.
Assim sendo, deve entender-se que também derrogou do art. 104º, n.º 2, al. a) do RGIT a expressão “facturas ou documentos equivalentes”, devendo agora entender-se como sendo feita “apenas à «factura» a que se refere a al. b) do n.º 1 do artigo 29º do Código do IVA, na sua actual redacção”.
Este D.L. e a derrogação a que procede é mais favorável ao arguido (art. 2º, n.º 4 do C.P.) devendo, por conseguinte, ser aplicado ao caso presente.
Daí resulta:
1) A escritura pública de compra e venda actualmente não pode ser considerada um “documento equivalente” a factura;
2) A expressão que consta do art. 104º, n.º 2, al. a) do RGIT deve, agora, entender-se como sendo feita apenas à factura a que se refere a al. b) do n.º 1 do artigo 29º do Código do IVA;
Ou seja, atenta a derrogação referida, é de concluir que não se verifica, no caso presente, a qualificativa do art. 104º, n.º 2, al. a) do RGIT.
No mais, dir-se-á:
A fraude também não é qualificada pelo art. 104º, n.ºs 1, als. a), f) e g) do RGIT.
Está verificada a circunstância da al. a). Na verdade, houve um conluio com terceiros, a vendedora AMN…, aquando da outorga da escritura pública de compra e venda (declaração de preço inferior ao real), sendo certo que esta também estava sujeita a obrigações acessórias para efeitos de fiscalização tributária (IRS).
Não estão verificadas as outras duas qualificativas:
Por um lado, a sociedade offshore Classical não foi interveniente na escritura de compra e venda. Quem a outorgou foi o arguido OC… (foi representado pelo seu procurador: o arguido FN…), tendo a sociedade apenas beneficiado de um mútuo no Banco Insular (al. f)).
Por outro, não se tendo provado o conluio com o arguido FN…, seu procurador, não se verifica a qualificativa da al. g) – “conluiado com terceiros com os quais esteja em situação de relações especiais”.
A condenação por esta qualificativa exige a “acumulação de mais de uma” das circunstâncias a que se refere as als. a) a g) do n.º 1 do art. 104º, circunstancialismo que não ocorre.
Assim sendo, a conduta do arguido é apenas subsumível à fraude simples (art. 103º, n.º 1, als. a) e c) do RGIT), punível com pena de prisão até 3 anos.
O prazo de prescrição do procedimento criminal é de 5 anos (art. 118º, n.º 1, al. c) do C.P.).
É certo que ocorreram causas interruptivas e suspensivas da prescrição do procedimento criminal.
No entanto, importa considerar que “a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade” (art. 121º, n.º 3 do C.P.).
Do exposto resulta que a prescrição do procedimento criminal ocorre decorridos que estejam 10 anos e seis meses a partir da data de 11.12.2002 (data da outorga da escritura pública de compra e venda), correspondendo este período ao seguinte cômputo:
- prazo normal de prescrição: 5 anos (art. 118º, n.º 1, al. b) do C.P.);
- acrescido de metade: 2 anos e 6 meses (art. 121º, n.º 3 do C.P.);
- período máximo da suspensão: 3 anos (art. 120º, n.º 1, al. b) e n.º 2 do C.P.);
Assim sendo, contando-se o prazo de prescrição a partir de 11.12.2002, a prescrição do procedimento criminal ocorreu a 11.06.2013.
Consequentemente, no “dispositivo”, após alteração da qualificação jurídica, declarar-se-á extinto, por prescrição, o procedimento criminal intentado contra o arguido FB… pelo crime de fraude fiscal qualificada.
Porque se mostra relevante, não se deixa de referir:
Ainda que se entendesse que não ocorria a prescrição do procedimento criminal, o arguido FN… seria necessariamente absolvido da prática deste crime.
Do ponto de vista subjectivo, o crime de fraude fiscal é doloso, o que vale por dizer que o respectivo autor deve ter vontade livre e consciente de praticar o facto típico descrito no tipo objecto, ou seja, de levar a cabo alguma ou várias das condutas tipificadas no art. 103º do RGIT.
Além disso, independentemente da questão de saber se se trata de um elemento subjectivo específico da ilicitude ou de dolo específico, a fraude fiscal só se verifica, se o agente tiver por finalidade a não liquidação entrega ou pagamento do imposto em dívida ou a aquisição de uma vantagem fiscal, que tanto pode ser um benefício fiscal, um reembolso ou vantagens fiscais de outra natureza (cfr., neste sentido, embora com divergentes qualificações, Patrícia Silveira da Cunha, Revista Jurídica, 22, p. 298, Alfredo de Sousa, Infracções Fiscais Não Aduaneiras, e Sá Gomes, «O Princípio do Non Bis ln Idem Face À Criminalização das Infracções Fiscais Não Aduaneiras», p. 14; Acs. da Relação de Lisboa de 13.07.2010; Acs. da Relação de Coimbra de 04.05.2011; 17.11.2011 e de 12.09.2012, in http://www.dgsi.pt).
Em resumo, do ponto de vista subjectivo, embora se admita o dolo em qualquer uma das suas possíveis formas de manifestação - bastando, portanto, o conhecimento da obrigação tributária e da anti juridicidade da acção -, supõe-se ainda a chamada "intenção defraudatória", ou seja, que o agente tenha atuado com o propósito de obter, para si ou para terceiro, um enriquecimento ilegítimo, à custa ou em detrimento do património fiscal.
Quanto ao arguido FN…, neste âmbito, provou-se (factos provados da pronúncia):
933) (…) os arguidos sabiam que o montante pago à vendedora, através dos cheques referidos supra, tinha sido de 362.500,00 €;
(…)
956) O arguido FB… interveio ainda em escritura pública fazendo declarações sobre montante de preço pago e recebido que sabia não corresponder à verdade;
Porém, não se provou:
305) O arguido FN… visava obter vantagem em sede da liquidação do imposto de sisa, então devido;
307) O arguido FN… tinha conhecimento que, com a sua conduta, estava a lesar o Estado em sede de arrecadação fiscal;
Por outro lado, embora se tivesse demonstrado que o arguido FN… interveio em escritura pública fazendo declarações sobre o montante do preço pago e recebido que sabia não corresponder à verdade, não se provou que assim actuou “de forma a gerar um ganho fiscal ilegítimo em benefício do arguido OC… com quem actuou de forma concertada” (v. facto não provado 312 da pronúncia).
Vale o exposto por dizer que não estão verificados os elementos subjectivos do tipo-de-ilícito do crime de fraude fiscal qualificada.
Por um lado, o dolo genérico.
Por outro, para quem o exige, o dolo específico, i.e., a “intenção defraudatória”.
Acresce que, sempre seria de difícil configuração a “imputação do facto ao agente”, i.e., ao arguido FN….
O conluio na simulação do preço foi acordado e prosseguido entre os outorgantes na escritura, ou seja, entre o comprador e o vendedor, respectivamente, o arguido OC… e a AMN….
O arguido FN… apenas subscreveu a escritura de compra e venda na qualidade de procurador do arguido OC… sendo, portanto, um “extraneus” a esse conluio. 

B. Em síntese do que acaba de se transcrever temos que:
1. O tribunal “a quo” entendeu que:
a. Os factos dados como assentes não permitiam concluir que o arguido FB… cometeu um crime de fraude fiscal;
b. Os factos dados como assentes determinavam o preenchimento, por parte do arguido JO…, da prática de um crime de fraude fiscal;
c. Não se provou a circunstância qualificativa agravante consignada na al. g) do nº 1 do artº 104 do RGIT – “conluiado com terceiros com os quais esteja em situação de relações especiais”;
d. Provou-se a circunstância qualificativa agravante prevista no art. 104º, nº 2, al. a) do RGIT, entendida nos termos da legislação em vigor à data da prática dos factos (a) A fraude tiver lugar mediante a utilização de facturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes ou por valores diferentes ou ainda com a intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação subjacente”), na interpretação
e. Todavia, face às posteriores alterações legislativas introduzidas pelo Dec. Lei nº 197/2012, de 24.8., ao código do IVA, designadamente ao constante no seu art. 16º (Com a entrada em vigor do presente diploma, consideram-se derrogadas todas as referências a «factura ou documento equivalente» constantes da legislação em vigor, devendo entender-se como sendo feitas apenas à «factura» a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 29.º do Código do IVA, na sua actual redacção.), considerou que foi derrogado do art. 104º, n.º 2, al. a) do RGIT a expressão “facturas ou documentos equivalentes”, devendo agora entender-se como sendo feita “apenas à «factura» a que se refere a al. b) do n.º 1 do artigo 29º do Código do IVA, na sua actual redacção”;
f. Essa derrogação, sendo favorável ao arguido JO…, determina que, nos termos do art. 2º, n.º 4 do C.Penal se tenha de proceder à sua aplicação ao caso presente. Assim, o crime cometido foi-o apenas na sua forma simples e, dado o lapso temporal já decorrido, mostra-se prescrito.

2. O MºPº entende que, no caso, o tribunal “a quo” errou porque:
a. O arguido JO… actuou em conluio com o arguido FB…;
b. A escritura pública é o documento a que se refere o art. 104º, n.º 2, a), do Regime Geral das Infracções Tributárias; e
c. O arguido FB… agiu com vontade e conhecimento de realização do facto típico aqui em causa.
Considera, assim, como incorrectamente julgados os factos não provados indicados no acórdão recorrido nos pontos 305) 307), 312) e 315).
Pede que sejam considerados como provados os seguintes factos (constantes na pronúncia e dados como não provados):
i.  Ao declararem um valor abaixo do efectivamente pago, os arguidos visaram obter vantagem em sede da liquidação do imposto de sisa, então devido.
ii. Ambos os arguidos tinham conhecimento que, com a sua conduta, estavam a lesar o Estado em sede da arrecadação fiscal.
iii. O arguido FB… interveio ainda em escritura pública fazendo declarações sobre montante de preço pago e recebido que sabia não corresponderem à verdade, de forma a gerar um ganho fiscal ilegítimo em benefício do arguido OC…, com quem actuou de forma concertada.
iv. O arguido FB… actuou livre e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
E, pedindo a reparação de tais erros, pede a condenação de ambos os arguidos pela prática de um crime de fraude fiscal agravada, ilícito este que se não mostra prescrito.

3. Por seu turno, o arguido JO… entende que:
a. O artigo 103.º, n.º 2, do RGIT, na sua redacção original, e o artigo 33.º, n.º 2, do Código do Imposto Municipal de Sisa, na redacção da Lei n.º 14/2003, de 30 de Maio, interpretados no sentido de a “vantagem patrimonial ilegítima” inferior a 7.500,00 euros, não poder ser aferida para efeitos penais à luz da diminuição das taxas de SISA, em data posterior aos factos, e, consequentemente, no sentido de os artigos em causa não poderem ser aplicados em bloco para determinação do regime mais favorável ao Arguido ao nível da punibilidade dos factos, são materialmente inconstitucionais por violação do artigo 29.º, n.º 4, da CRP e do princípio da retroactividade da lei penal mais favorável ao Arguido e, da mesma forma, os artigos 2.º, n.º 4, do CP e 103.º, n.º 2, do RGIT, na sua redacção original, interpretados conjugadamente no sentido de a “vantagem patrimonial ilegítima” inferior a 7.500,00 euros, não poder ser aferida à luz do artigo 33.º, n.º 2, do Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, alterado, em data posterior aos factos, pela Lei n.º 14/2003, de 30 de Maio, e, consequentemente, no sentido de, com base na diminuição das taxas de SISA, se poder determinar o regime penal mais favorável ao Arguido para aferição da punibilidade dos factos, são materialmente inconstitucionais por violação do artigo 29.º, n.º 4, da CRP e do princípio da retroactividade da lei penal mais favorável ao Arguido.
b. Invoca a nulidade decorrente da violação do disposto no artigo 358.º do C.P.Penal no que concerne à factualidade dada como provada no ponto 959, bem como da matéria de facto atinente ao efectivo valor da pretensa vantagem fiscal daí resultante (matéria constante do ponto 935), entendendo que existem vícios relacionados com a questão da transmissão e do valor do recheio do imóvel;
c. Concorda com a interpretação produzida pelo tribunal “a quo” a propósito da derrogação operada em sede de RGIT pelo artº 16 do Dec. Lei nº 197/2012, de 24.8., bem como com o enquadramento jurídico como fraude fiscal simples, ilícito já prescrito.

4. Finalmente, o arguido FB…, a propósito desta questão (fraude fiscal) entende que:
a. Existe desacerto no apuramento do facto vertido sobre o facto provado 923) inscrito no acórdão recorrido (O arguido FB…, no âmbito da sua actividade como advogado, disponibilizou ao arguido OC…, no ano de 2002, a utilização da entidade CLASSICAL FINANCIAL TRADING, com registo nas British Virgin Islands, constituída através do escritório de fiduciários da CITCO, na Suíça), conclusão probatória errada, pois não foi o Recorrido a disponibilizar a sociedade CLASSICAL FINANCIAL TRADING, com registo nas British Virgin Islands.
b. O acórdão padece de vícios e de erros relacionados com a questão da transmissão e do valor do recheio do imóvel (casa das Sesmarias);
c. Está em desacordo com o entendimento jurídico que o recorrente MºPº avança no que concerne à verificação das circunstâncias qualificativas do crime de fraude fiscal a que alude.
Vejamos então.

C. Alteração fáctica no que concerne ao crime de fraude fiscal.
1. Por uma questão de ordem lógica, comecemos pela apreciação da questão relativa aos factos provados e não provados, uma vez que a eventual procedência da alteração fáctica propugnada pode ter reflexos em sede de enquadramento jurídico.

2. Recorrente e recorridos estão de acordo quanto à enunciação da materialidade provada, no que concerne aos actos efectivamente realizados por ambos os arguidos, com três excepções:
O arguido FN… contesta que tenha disponibilizado a entidade Classical Financial (ponto 923 dos factos provados);
Ambos os arguidos entendem que a casa foi vendida com o seu recheio e que este era valioso;
O MºPº entende que a factualidade se mostra incorrectamente julgada no que concerne ao elemento subjectivo do dolo, quanto ao arguido FB…, por o tribunal ter erroneamente apurado o intuito com que agiu.

3. Revista a prova, vejamos então:
No que concerne ao ponto 923 (O arguido FB…, no âmbito da sua actividade como advogado, disponibilizou ao arguido OC…, no ano de 2002, a utilização da entidade CLASSICAL FINANCIAL TRADING, com registo nas British Virgin Islands, constituída através do escritório de fiduciários da CITCO, na Suíça;) não restam dúvidas que não existe erro no que aí se mostra vertido.
Como sintetiza o tribunal “a quo” O que está em causa no art. 979º é quem disponibilizou a sociedade, i.e., quem fez as diligências necessárias em ordem à constituição da Classical. E, disso, não há dúvidas, foi a sua sociedade de advogados e com o seu inteiro conhecimento (art. 979º da pronúncia; v. facto provado 923).
 Para além do mais, em sede de integração do ilícito de fraude fiscal, tal factualidade é inócua, pois não corresponde ao preenchimento de nenhum dos elementos constitutivos do tipo.

4. Entende o recorrente JO… que o tribunal “a quo” violou o disposto no artº 358.º do C.P.Penal, pois deu como assente a matéria de facto constante no ponto 959 (Os bens móveis que integravam o imóvel identificado no facto provado 930 não tinham um valor superior a € 30.000,00), sendo que a mesma não constava da pronúncia nem das contestações.

i. Salvo o devido respeito, apenas se compreende tal alegação por razões decorrentes de flagrante falha de memória.
Na verdade, consta na contestação apresentada pelo arguido JO… (sublinhados nossos):
1175.º O Arguido OC… demonstrou ao Arguido FB…., enquanto advogado, o interesse em adquirir o referido imóvel e respectivo recheio.
1176.º Como o imóvel tinha sido recomendado pelo Senhor TCa…, que conhecia muito bem os proprietários e que é pessoa por quem o Arguido OC… tem muita estima e admiração, sabendo que realizaria o contrato com pessoas de bem decidiu adquirir o imóvel, que estava completamente mobilado e equipado com um recheio valioso.
1177.º Para tal, mandatou o Arguido FB…, atribuindo-lhe poderes para desempenhar essa tarefa, através da procuração junta aos autos, a fls. 7382 a 7384.
1178.º Do recheio de grande valor do imóvel destacam-se: todos os electrodomésticos novos de modelos avançados e de marcas de prestígio; móveis novos de elevada qualidade; móveis antigos intactos ou restaurados de grande valor comercial; obras de arte, algumas de artistas plásticos com prestígio e de elevado valor comercial; uma biblioteca com um elevado número de exemplares; vários tapetes de Arraiolos e persas; diversos cortinados e candeeiros, entre vários outros objectos decorativos de grande valor.
1179.º O valor e utilidade destes bens móveis, assim como o potencial de valorização das obras de arte, mereceram grande interesse do Arguido JO…, uma vez que não lhe agradava a ideia de ter de mobilar a casa, com igual bom gosto, caso fosse comprada sem recheio. 
1180.º Alguns dos objectos descritos, tendo em conta o seu valor, foram transferidas para Lisboa, por não ser prudente mantê-los numa casa de férias, desabitada na maior parte do ano.
1181.º O montante prestado pelo imóvel, por exigência da vendedora, que se encontrava bastante doente, foi fixado em €150.000,00, conforme consta da escritura de compra e venda (a fls. 7386 a 7388 dos Autos) assinada pelo Arguido FB… em representação do Arguido JO…, valor este que corresponde ao valor real do imóvel.
1182.º O valor prestado pela compra dos bens móveis foi de €212.000,00, valor esse que correspondia ao valor real de tais objectos, que tiveram de ser comprados em conjunto e cujo preço não foi passível de ser negociado, por inflexibilidade da vendedora, que apenas aceitava transmitir a propriedade do imóvel se fosse também comprado todo o recheio da casa, cujo valor foi grandemente evidenciado pela mesma nas duas chamadas telefónicas que foram o único contacto que existiu entre esta e o ora Arguido.
1183.º A prestação destes valores foi efectuada mediante a entrega de dois cheques à vendedora, um de €250.000,00 e outro de €112.500,00, realizada pelo Arguido FB… e passados sobre a sua conta no BPN.   

ii. Por seu turno, também em sede de contestação apresentada pelo arguido FB…, afirma-se (sublinhados nossos):
210.° Por sua vez, no que respeita à transferência de valores para a sua conta pessoal, o que sabe é que nela foram creditadas duas quantias, uma de 150.000€ e outra de 112.500€, na sequência do pedido de representação numa compra e venda que lhe foi formulado pelo co-arguido OC… e para pagamento das responsabilidades por este assumidas no contexto da negociação por este desenvolvida com a vendedora Sra. AMP….
211.° Em conformidade, o arguido teve tais quantias como recebidas por remessa do arguido OC… para aquisição do imóvel sito em Sesmarias, em Albufeira, integrando, ao que se recorda, recheio.
214.° Assim, em cumprimento do mandato que lhe foi conferido, o ora arguido entregou à referida senhora os valores que tinha como pertencentes ao arguido OC… e destinados ao pagamento do imóvel sito em Sesmarias, Albufeira, e de bens móveis por aquele transaccionados, e outorgou a escritura pública de compra e venda.
217.° Mas fê-lo na pressuposição de que se tratava de pagamento de outros compromissos de OC… com a vendedora, e com esta por ele negociados, porquanto este lhe transmitiu que havia obras de arte, mobiliário e equipamento na moradia que iria ser adquirida.

iii. E, finalmente, afirma o tribunal “a quo” o seguinte, em sede de fundamentação da decisão quanto à matéria de facto:
(…) A segunda respeita à alegada venda conjunta de móveis e de obras de arte que incluiria peças de serviço da Companhia das Índias, por € 212.500,00, valor bem acima do preço declarado da vivenda que foi de € 150.000,00.
Não houve contrato escrito de venda de quaisquer móveis, obras de arte, que curialmente, parecia dever ter sido celebrado.
Não foi apreendido, nem junto aos autos, o contrato-promessa que deverá ter sido celebrado, - tanto mais que foi prestado um sinal de € 250.000,00 quase um mês antes da outorga da escritura -, no qual estivesse contemplada a invocada venda dos móveis e obras de arte pelo preço de € 212.500,00.
Neste particular aspecto, é de reter o depoimento categórico que foi prestado por CAB…, ex-marido de AAN…, que remeteu a compra e venda dos móveis, com esse valor, para o domínio das histórias sem qualquer credibilidade:
Em síntese disse:
A casa estava equipada e mobilada.
Ouviu a mulher dizer que combinou com OC… o pagamento à parte do recheio.
Não tem dúvidas nenhumas que o recheio não valia, nem pouco mais ou menos, o valor da casa.
O recheio da habitação não teria valor superior a 30 mil euros.
Os 2 ou 3 pratos da fábrica do Rato que lá estavam não valeriam mais do que 40 ou 50 contos.
O recheio da casa tinha cerca de 20 e tal anos (mobília), a casa foi comprada em finais anos 70, mobilada pouco tempo depois e vendida com o mesmo recheio.
O que tudo é sintomático, não só, de que a invocada venda de móveis e obras de arte nos moldes referidos pelo arguido não existiu, mas também de que a referida alegação só serve de tentativa vã de explicar, de forma legítima, os movimentos financeiros ocorridos.  
Por fim, atente-se que na escritura de partilha não foi relacionado qualquer mobiliário, designadamente aquele mobiliário de alegado elevado valor (€ 212.500,00), que supostamente teria sido adquirido com o imóvel, como também não foi relacionado o crédito que o arguido OC… tinha sobre a Galeria Filomena Soares.
(…) Relativamente aos que restam:
Quanto ao alegado nos arts. 211º e 214º da contestação, de facto, face às declarações da testemunha CC…, é de concluir que o preço pago em sede de escritura pública não incluía o valor dos bens móveis (v. facto provado 28 da contestação).
Com efeito, a testemunha declarou expressamente que a sua mulher lhe disse que “combinou com OC… o pagamento à parte do recheio”.
Não se vislumbra qualquer razão para que ela tivesse faltado à verdade quando afirmou o mencionado ao marido.
Refira-se que não foi possível inquiri-la, porquanto, já faleceu, conforme transmitido ao Tribunal pela testemunha. 
Sinal inequívoco de que esses activos inexistiam no acervo patrimonial do casal.

iv. Resulta claramente do que se deixa transcrito que a questão do recheio da casa ter sido transmitido juntamente com o imóvel, bem como o valor do mesmo, não é matéria factual nova (no sentido de ter o tribunal “a quo”, à revelia dos intervenientes processuais e das regras relativas ao thema decidendum, resolvido suscitar e apurar tal factualidade), pois são os próprios arguidos – em especial o arguido JO… – que em sede de contestação vêm suscitar tal tese.
E, refrescando a memória dos arguidos, esse foi tema debatido em audiência de julgamento, nomeadamente através da inquirição de uma testemunha (ex-marido da vendedora), que os mesmos arguidos tiveram ampla oportunidade de interrogar.

v. Tornava-se assim forçoso, em sede de factualidade dada como assente, que o tribunal “a quo” se pronunciasse sobre os factos constantes na tese avançada, a este propósito, pelo arguido JO… (parte do dinheiro entregue à vendedora destinava-se a pagar o recheio da casa).
Assim sendo, conclui-se inexistir qualquer violação do disposto no artº 358 do C.P.Penal, a propósito de tal matéria factual.

5. Prosseguindo ainda neste tema, os arguidos invocam a ocorrência de vícios no que a esta matéria se refere, entendendo, em síntese, que o tribunal “a quo” não atendeu ao facto de a casa ter sido vendida com o seu recheio, de o valor do mesmo não ser inferior a € 30.000,00 e de não ter deduzido esse quantitativo para efeitos de apuramento do imposto de sisa devido.

i. Não lhes assiste qualquer razão.
O tribunal “a quo” entendeu - e sem razões de censura, face à fundamentação que avança a este respeito e para a qual remetemos, por razões de mera economia processual (depoimento do ex-marido da vendedora, ausência de qualquer referência documental que demonstre a existência de valioso património mobiliário, bem como da sua transmissão ao arguido JO…) – que o imóvel, embora tivesse algum recheio, o seu valor nunca ultrapassaria os € 30.000,00 e não deu como provado que, na venda do imóvel, tal recheio estivesse incluído; isto é, o tribunal “a quo” entendeu que a venda celebrada se quedou pelo imóvel, sem recheio.

ii. É isso que decorre, sem qualquer dúvida, da leitura da matéria de facto dada como assente pelo tribunal “a quo” e que se mostra de harmonia com o que consignou, a este propósito, em sede de fundamentação da sua convicção.

iii. Diga-se, para além do mais, que em momento algum ao longo do decurso deste processo, qualquer um dos arguidos – em especial o arguido JO…, que de tais factos teve, obviamente, um conhecimento directo, como interessado imediato na aquisição – se deu ao trabalho de quantificar qual seria, em concreto, o valor de tal recheio, de apresentar um rol (ainda que sintético) dos bens que, em concreto, o constituíam (e, já agora, o valor de cada item), nem sequer precisou o momento temporal em que se teria procedido à transferência de posse de tais bens.

iv. Todos estes elementos seriam de facílima enunciação para o arguido JO…, já que qualquer comprador minimamente cauteloso não adquiriria um espólio valioso sem o arrolar, especificar o valor e se certificar que o recebia por inteiro, para mais quando, como parece pretender fazer crer este arguido, o valor de tal recheio ultrapassaria em muito o próprio valor do imóvel.
Inexiste pois qualquer prova documental que ateste a ocorrência de tal contrato, bem como igualmente inexiste prova testemunhal que o confirme, como decorre da mera leitura do depoimento do ex-marido da vendedora (que explica que, tanto quanto sabe, não houve venda de qualquer recheio e que o mesmo era constituído por parcos bens, de reduzido valor e já com muitos anos de uso).

v. Assim, e para finalizar este tema, teremos de constatar que, em bom rigor, não existe sequer qualquer razão para se discutir se o valor de tal recheio era ou não inferior a € 30.000,00, pela singela razão de que tal elemento é absolutamente indiferente para a apreciação da materialidade em causa já que, repete-se, não se mostra provado que a casa das Sesmarias tivesse sido vendida com inclusão de qualquer recheio; ou seja, os valores envolvidos no caso referem-se, única e exclusivamente, ao preço de venda do imóvel. 

vi. Do que se deixa dito decorre que, toda a materialidade constante nos factos dados como assentes pelo tribunal “a quo”, designadamente no que concerne aos pontos relativos ao valor de aquisição da casa das Sesmarias, valores declarados e diferença em termos declarativos para efeitos de liquidação do imposto de sisa, se mostra correcto, pelo que se deve manter.
 
6. Passemos então - finalmente - à questão da factualidade relacionada com o dolo e com a consciência da ilicitude que é, afinal, o que discute o recorrente.

i. O dolo, embora sendo matéria factual, parametriza-se como um facto psicológico, de cariz interno. Isto significa que a sua apreensão não acontece, por regra (e a excepção é, precisamente, o caso de confissão integral, em que o sujeito verbaliza essa sua interna vontade e intencionalidade), de forma directa, sensorial, não é algo que seja directamente apreensível mediante observação. Ao invés, a sua indagação decorre da avaliação crítica do comportamento humano em presença, de acordo com as regras da experiência, podendo ainda ser alcançado por recurso a presunções ligadas ao princípio da normalidade.

ii. Na verdade, em muitas situações, a prova dos factos resulta de outros factos que não se comprovam em si próprios, mas de ilações, retiradas face ao facto e às circunstâncias concretas do seu cometimento – cfr., a este respeito, M. Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal, Vol. I, Lisboa/S. Paulo, Ed. Verbo, 1992, págs. 297 e 298.
Tais normas da experiência são, por conseguinte, definições ou juízos hipotéticos, de conteúdo genérico, independentes do caso concreto “sub judice”, assentes na experiência comum e, por isso, independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade (Cavaleiro Ferreira, Curso Proc. Penal, II, 30).

iii. Por seu turno, e no que concerne à consciência da ilicitude, não só o artº 6º do C. Civil expressamente refere que a ignorância da lei não aproveita a ninguém como, em sede criminal, tal questão se mostra há muito pacífica.
Como refere o já provecto acórdão do STJ de 14 de Outubro de 1992, no processo nº 42.918, “a consciência da ilicitude fica implícita no próprio facto, desde que seja do conhecimento geral que ele é proibido e punível.”
Por seu turno, em sede doutrinária, Teresa Beleza escreve in “Direito Penal”, 2.° Vol.: Na problemática do erro sobre a ilicitude, “o que está em causa é saber-se se, numa situação concreta, a pessoa tinha a obrigação de suspeitar que aquele acto realmente fosse ilícito ou lícito e, em consequência disso, intentar verificar se assim era ou não” (...), concretamente, informar-se (...). E isto porque (...) “haverá que evitar o «amolecimento ósseo» do Direito Criminal”. Por isso, “o agente não tem de conhecer a norma violada, bastando-lhe uma consciência da ilicitude material que, normalmente, se presume. E quando o facto, para além de ser uma infracção do Direito, constitui também uma violação da ordem moral e ética, o erro é normalmente evitável, já que a valoração normativa pode surgir do próprio sentimento jurídico com um maior ou menor esforço da consciência” (mesma Autora, in “Problemática do erro sobre a ilicitude”, pág. 71, retirado do Acórdão do T.R. de Guimarães, processo nº1121/04-1, de 22-11-2004).
E de igual modo se poderiam citar, entre outros, Figueiredo Dias – vide Maia Gonçalves, C. Penal Português, 18ª edição, pág. 120.

iv. Nos presentes autos, o arguido FB… prestou declarações, negando ter vontade ou consciência de colaborar com o arguido JO…, no defraudar da Fazenda, em sede de imposto de sisa.
O arguido JO… não prestou declarações.
Do dito decorre que, para apuramento da materialidade fáctica a este respeito, afastada que se mostra a confissão, por parte de qualquer um dos arguidos, teremos de nos socorrer dos ensinamentos acima concisamente expostos e relativos quer ao modo de apuramento do dolo, quer da consciência da ilicitude.

v. Procedamos então à análise dos factos que se mostram definitivamente adquiridos para o processo e que relatam a actividade concreta prosseguida pelo arguido FB… nesta questão, de modo a podermos apurar se se vislumbra erro de julgamento.
Resulta de tal análise que a actividade do arguido FB… foi a seguinte:
a. Assinou o contrato de mútuo, na qualidade de procurador da Classical, celebrado entre esta entidade e o Banco Insular.
b. Recebeu em conta bancária por si titulada junto do BPN – a qual disponibilizou para tal - com origem na conta da Classical, junto do Banco Insular, o montante de € 362.500,00.
c.  Seguindo indicações do arguido JO…, mandou emitir dois cheques sobre essa sua conta pessoal, um no valor de € 250.000,00 e outro no valor de € 112.500,00, a favor de AMP…, os quais se destinavam a pagar o preço de aquisição de um imóvel àquela pertencente, sito nas Sesmarias.
d. Subscreveu – conjuntamente com a vendedora AMP… – a escritura de aquisição do referido imóvel, na qual se fez inscrever como valor de venda € 150.000,00.
e.  Sabia que o montante pago à vendedora, através dos cheques referidos supra, tinha sido de € 362.500,00.
f. Na escritura consta como único bem objecto de venda um imóvel.
g. O arguido era, à data, advogado de profissão.

vi. Que dizer de tudo isto?
É uma mera constatação de facto afirmar-se que qualquer comum cidadão sabe (e se não sabe até à escritura, é algo que terá forçosamente de saber até àquele momento, uma vez que esse acto não pode ser realizado sem o pagamento prévio desse imposto) que, ao adquirir um imóvel, terá sobre o mesmo de pagar um imposto sobre a sua transmissão, bem como que o cálculo de tal imposto é realizado sobre o valor declarado na escritura como sendo o valor de venda. Já assim é há largas dezenas de anos, independentemente das mudanças de nomenclatura que o legislador entende ocasionalmente realizar a propósito desta obrigação fiscal.
No caso dos autos, a questão de possuir o arguido FB… pleno conhecimento de tais circunstâncias nem sequer se equaciona, dada a sua qualidade de advogado e a sua competência técnica na área económico/financeira.
Por outro lado, quando qualquer mortal manda emitir um cheque a partir da sua conta, tem forçosamente de saber o quantitativo que no mesmo manda inscrever. O arguido FN… integra-se, obviamente, nessa categoria.
Assim, sabendo igualmente o arguido que o valor declarado em escritura (já que a celebrou e assinou) não correspondia ao valor dos cheques que mandou emitir e que entregou à vendedora, não se mostrando provado que à mesma fosse devida qualquer outra quantia, a qualquer outro título (uma vez que o único bem vendido foi o imóvel), quer pela sociedade Classical, quer pelo arguido JO…, quer pelo arguido FB…, a única conclusão possível de alcançar, em termos de mero e básico senso comum, é que este arguido tinha pleno conhecimento que o preço de venda da casa não era o de € 150.000,00, mas antes de € 362.500,00.
E se de tal tinha conhecimento, também forçosamente sabia que o imposto de sisa pago era o correspondente ao valor declarado para efeitos de escritura, que não correspondia ao real.

vii. E, sabendo de tudo isso, saberia também que a declaração, como preço de venda, de um valor muito inferior ao real, tinha o propósito de determinar que o imposto de sisa fosse inferior àquele que efectivamente seria devido, caso tal adulteração se não verificasse.
Como igualmente sabia que, cabendo ao arguido JO… proceder ao pagamento de tal imposto, a viciação do valor real tinha como propósito o pagamento de menos imposto de sisa do que o que era devido, o que determinaria que aquele auferisse assim uma indevida vantagem e prejudicasse a Fazenda Pública, sabendo igualmente que esta era uma actuação que a Lei proibia.

viii. E se, não obstante, praticou todos estes actos, não se vê como se mostra possível concluir de outro modo senão que quis fazê-lo, com plena consciência do que se pretendia alcançar, colaborando activamente com o arguido JO… a ludibriar as Finanças e o Estado.

ix. Posto isto, salvo o devido respeito, mostra-se incompreensível que o que é óbvio, flagrante e insusceptível de outra interpretação, possa ter sido entendido pelo tribunal “a quo” de outro modo.

x. Desde logo, a circunstância de o arguido FN… ter ou não tido contactos prévios com a vendedora, em nada importa para o que se deixou exarado – o que sabia do negócio, dada a intervenção que no mesmo teve, era mais do que suficiente para poder saber o que acima se deixou dito.

xi. Mais: o próprio tribunal “a quo” admite (e por essa razão deu tal factualidade como assente), em sede de motivação da sua convicção, a propósito da análise da contestação apresentada pelo arguido FB… que Não foi produzida prova cabal do alegado pelo arguido no art. 217º da pronúncia (v. facto não provado 9 da contestação), sendo certo que o Tribunal já justificou a razão para concluir que o arguido FN… sabia que o valor declarado na escritura não correspondia ao valor real do imóvel.
 
xii. Não obstante esta epifania, adita ainda em sede de motivação: Quem visava obter vantagem em sede da liquidação do imposto de SISA era o interessado no negócio, i.e., o arguido OC… que comprou o imóvel, e já não o arguido FN… a quem era indiferente essa vantagem. Com efeito, esta, não lhe dizia directamente respeito, mas tão só ao arguido OC… que seria o único beneficiado com a mesma.

xiii. Salvo o devido respeito, este é um não argumento.
A seguir-se esta lógica, alguém que decida ajudar outra pessoa a cometer um crime (nem que seja a matar um progenitor ou cônjuge do outro, que quer receber a herança correspondente), sem com isso alcançar um benefício directo, nunca actua com intenção de ser alcançado tal objectivo…
O que sucede é que, ao fazer esta afirmação, o tribunal “a quo” não está a apreciar de facto mas sim de direito.
Na verdade, resulta flagrantemente deste segmento, que o tribunal “a quo” não está a justificar as razões porque entendeu não dar como provada a intenção de actuação do arguido FN…, mas antes a antecipar-se ao juízo jurídico que defende, em sede de enquadramento da matéria de facto, no que respeita à disputa entre a tese de o crime de fraude fiscal ser um tipo de crime comum ou específico (questão que infra, em sede própria, abordaremos).

xiv. Sucede todavia que em sede de apreciação fáctica, não compete ao julgador tomar partido quanto a eventuais questões jurídicas que, face à mesma, venham a surgir.
O que é pedido ao julgador, nesta sede, é que se limite a apreciar a matéria factual, atendendo tão-somente à prova e às regras de experiência comum, mas já não que, nessa fase, tome posição quanto a teses jurídicas, para das mesmas extrair regras de apreciação probatória.
A análise e o debate quanto a eventuais discordantes teses jurídicas é algo que fica para depois, para quando chegar o momento de se proceder à apreciação em sede de direito, que é o seu lugar próprio, pois é aí que, com base nos factos, se verifica se houve ou não preenchimento dos requisitos do tipo.

7. Decorre assim de tudo o que se deixa dito, que é manifesto que a decisão tomada pelo tribunal “a quo”, no que se refere a grande parte da factualidade que deu como não provada nos pontos 305) 307), 312) e 315), se mostra flagrantemente errada, impondo-se pois que outra seja a decisão a propósito de tais matérias.

8. Assim, suprindo esse erro, determina-se que os pontos de facto nºs 934), 937), 956 e 958) passem a ter a seguinte redacção:
 934) Ao declararem um valor abaixo do efectivamente pago, os arguidos JO… e FB… visaram obter vantagem em sede da liquidação do imposto de sisa, então devido.
937) Os arguidos JO… e FB… tinham conhecimento que, com a sua conduta, estavam a lesar o Estado em sede da arrecadação fiscal, sabendo ainda o arguido JO… que o BPN ficava lesado pelo não reembolso da quantia mutuada;
956) O arguido FB… interveio ainda em escritura pública fazendo declarações sobre montante de preço pago e recebido que sabia não corresponderem à verdade, de forma a gerar um ganho fiscal ilegítimo em benefício do arguido OC…, com quem actuou de forma concertada.
958)Todos os arguidos actuaram livre e conscientemente, sabendo os arguidos JO…, JV…, LC…, FS…, LM…, IC…, LAl…, TR…, JAu…, LA…, FB…, AF… e RC… que as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei;

9. E determina-se a eliminação do elenco de factos não provados dos pontos 305) e 312), sendo que os pontos 307) e 315) passam a ter a seguinte redacção:
307) Do facto 993º não se provou: “o arguido FB… tinha conhecimento que o BPN ficava lesado pelo não reembolso da quantia mutuada”;
315) Os arguidos RO… e HF… sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei.

D. Do enquadramento jurídico do crime de fraude fiscal imputado aos arguidos JO… e FB….  

1. Apurada que se mostra a factualidade dada como provada, cumpre agora proceder à análise das questões jurídicas suscitadas.

2. À data da prática dos factos, a Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho (REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS) tinha a seguinte redacção, no que se refere aos seus artºs 103 e 104:

i. Crimes fiscais
Artigo 103.º
Fraude
1 - Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. A fraude fiscal pode ter lugar por:
a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável;
b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária;
c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas.
2 - Os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a (euro) 7500.
3 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.
Artigo 104.º
Fraude qualificada
1 - Os factos previstos no artigo anterior são puníveis com prisão de um a cinco anos para as pessoas singulares e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas quando se verificar a acumulação de mais de uma das seguintes circunstâncias:
a) O agente se tiver conluiado com terceiros que estejam sujeitos a obrigações acessórias para efeitos de fiscalização tributária;
b) O agente for funcionário público e tiver abusado gravemente das suas funções;
c) O agente se tiver socorrido do auxílio do funcionário público com grave abuso das suas funções;
d) O agente falsificar ou viciar, ocultar, destruir, inutilizar ou recusar entregar, exibir ou apresentar livros, programas ou ficheiros informáticos e quaisquer outros documentos ou elementos probatórios exigidos pela lei tributária;
e) O agente usar os livros ou quaisquer outros elementos referidos no número anterior sabendo-os falsificados ou viciados por terceiro;
f) Tiver sido utilizada a interposição de pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável;
g) O agente se tiver conluiado com terceiros com os quais esteja em situação de relações especiais.
2 - A mesma pena é aplicável quando a fraude tiver lugar mediante a utilização de facturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes ou por valores diferentes ou ainda com a intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação subjacente.
3 - Os factos previstos nas alíneas d) e e) do n.º 1 do presente preceito com o fim definido no n.º 1 do artigo 103.º não são puníveis autonomamente, salvo se pena mais grave lhes couber.

ii. Todavia, tais preceitos sofreram alterações, que presentemente se mostram em vigor, a saber:
a. No que se refere ao artº 103, por virtude da Lei n.º 60-A/2005, de 30/12, o valor constante no seu nº3 passou de 7.500 euros para 15.000 euros;
b. E, no que concerne ao artº 104 do RGIT, por virtude das alterações introduzidas pela Lei n.º 64-B/2011, de 30/12, os seus nºs 2 e 3 passaram a ter a seguinte redacção (sendo que o nº3 passou a nº4):
2 - A mesma pena é aplicável quando:
a) A fraude tiver lugar mediante a utilização de facturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes ou por valores diferentes ou ainda com a intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação subjacente; ou
b) A vantagem patrimonial for de valor superior a (euro) 50 000.
3 - Se a vantagem patrimonial for de valor superior a (euro) 200 000, a pena é a de prisão de 2 a 8 anos para as pessoas singulares e a de multa de 480 a 1920 dias para as pessoas colectivas.
 
iii. Pese embora se verifique, quanto às alterações acima referidas, uma sucessão de leis penais no tempo, a verdade é que, face ao caso presente, não se mostra necessário – quanto a estas – o recurso ao disposto no artº 2.º, n.º 4, do Código Penal, pela simples razão de que a redacção das alíneas pelas quais os arguidos FN… e JO… vinham pronunciados, se terem mantido inalteradas.

iv. Na verdade, em sede de pronúncia, é imputada a prática a estes arguidos do crime de fraude fiscal agravada, por se mostrarem preenchidos os requisitos previstos nos artºs 103 nº1 al. a) e c) e 104 nº1 als. a), f) e g).
Ora, como se constata pela resenha acabada de expor, quer à data da prática dos factos, quer presentemente (sem que no entretanto tenha ocorrido qualquer revogação), estipulavam tais alíneas o seguinte:
Preenche os elementos integradores de tal crime:
a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável;
c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas.
Preenche os elementos integradores da agravação:
A acumulação de mais de uma das seguintes circunstâncias:
a) O agente se tiver conluiado com terceiros que estejam sujeitos a obrigações acessórias para efeitos de fiscalização tributária;
f) Tiver sido utilizada a interposição de pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável;
g) O agente se tiver conluiado com terceiros com os quais esteja em situação de relações especiais.
2. A fraude tiver lugar mediante a utilização de facturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes ou por valores diferentes ou ainda com a intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação subjacente

3. Prosseguindo.
A primeira questão a abordar prende-se com o apuramento do valor não declarado para efeitos de Sisa (imposto que à data incidia sobre tais tipos de transmissões, vigorando presentemente o IMT).

i. Entende o arguido JO… chamar novamente à colação uma questão que havia já suscitado em sede de contestação e que, como tal, foi já alvo de decisão pelo tribunal “a quo”.
Referimo-nos, em concreto, à questão da aplicação das alterações posteriores à data da celebração da escritura, às tabelas do Imposto de Sisa, entendendo o arguido que decorre das mesmas a despenalização do ilícito praticado.

ii. Sucede, todavia, que na resposta que apresenta, o arguido não avança qualquer argumento novo, não rebate de qualquer forma, refutando, o argumentário em que o tribunal “a quo” fundou a sua decisão de entender ser a sua tese inaplicável in casu, limitando-se, tão-somente, a aditar considerações e transcrições doutrinárias e jurisprudenciais, a propósito da aplicação retroactiva da lei mais favorável ao arguido.

iii. Deixa-se desde já claro que nada temos a refutar a tais considerações; sucede, todavia, que o disposto no artº 2º nº4 do C.Penal – e, por decorrência, tais considerações e transcrições – se mostram inaplicáveis ao presente caso.

iv. A este propósito, deixou o tribunal “a quo” consignado:
Nos arts. 1224º a 1235º da contestação, o arguido pugna pela despenalização deste crime de fraude fiscal de que está pronunciado.
Assenta a sua tese na entrada em vigor, após os factos, da Lei n.º 14/2003, de 30.5., que no seu art. 33º alterou os escalões dos valores das taxas do Imposto Municipal de Sisa.
Conclui, pedindo a aplicação, em bloco, da lei penal mais favorável ao arguido, porquanto, em seu entender, se os factos tivessem ocorrido na vigência daquela lei, “o Estado teria ficado prejudicado em € 6.178,51, ou seja, num valor inferior àquele a partir do qual o art. 103º, n.º 2 do RGIT, na sua redacção inicial, previa como fraude fiscal (€ 7.500,00), valor que só foi alterado para € 15.000,00 com a entrada em vigor da Lei 60-A/2005, de 30 de Dezembro.”
Também não tem razão o arguido na presente argumentação.
Já dispunha o art. 103º, n.º 3 do RGIT na redacção emergente da Lei n.º 15/2001, de 5.6., que “para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração”.
A legislação aplicável só pode ser entendida como sendo a que está em vigor à data da prática dos factos e não qualquer outra que, posteriormente altere as tabelas do imposto de Sisa.
É em função desta que se apura o montante do imposto em dívida.
As alterações posteriores das tabelas não alteram os valores de imposto devido à data dos factos.
Por outro lado, obviamente que não estamos perante um caso de aplicação de lei penal mais favorável.
A lei penal aplicável, neste âmbito, é só constituída pelas normas do RGIT e as do Código Penal, não caindo na sua alçada os escalões dos valores das taxas do Imposto Municipal de Sisa.
Estes escalões só têm importância para a definição do imposto devido a cada momento.
Apurado e não pago, só aí entram em acção as normas do RGIT em ordem a aferir-se se se está, ou não, perante um crime de fraude fiscal.
Os escalões dos valores das taxas constituem, assim, um normativo exterior à disciplina substantiva penal, não funcionando sequer como uma condição objectiva de punibilidade.
*
Por fim, sustenta ainda o arguido (art. 1235º da contestação) que “a interpretação dos arts. 103º, n.º 1, als. a) e c) e 104º, n.º 1, als. a), f) e g) do RGIT «a contrario sensu», desconsiderando-se para efeitos de despenalização dos factos a entrada em vigor da Lei (mais favorável ao arguido) n.º 14/2003, de 30 de Maio, que alterou o artigo 33º do Código do Imposto Municipal de Sisa, designadamente, quanto aos escalões dos valores para efeitos de taxas do Imposto Municipal de Sisa, é materialmente inconstitucional por violação do artigo 29º, n.º 4, da CRP e do princípio da retroactividade da lei penal mais favorável ao arguido”.
Diz bem o arguido: o princípio da retroactividade da lei penal mais favorável.
Mas, em ordem a que seja aplicado esse princípio mostra-se necessário que estejamos perante uma lei penal.
O que, obviamente, não é o caso.
A Lei n.º 14/2003, de 30.5., não constitui nenhuma lei penal.
Define tão só, no que ora interessa, para o futuro, face aos novos escalões que dela constam, o imposto de Sisa devido pelas transacções imobiliárias.
No mais, o arguido limita-se a invocar a inconstitucionalidade por violação daquele princípio, sem cuidar de apresentar qualquer argumentação.
Não nos cabe, a nós, argumentar contra um “vazio” de argumentos.

v. Cabe razão ao tribunal “a quo”.
Não estamos aqui perante uma questão de sucessão de leis no tempo, pela singela razão de que é a própria Lei que estipula que os valores a considerar, para efeitos do cálculo do imposto devido são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração (art. 103º, n.º 3 do RGIT na redacção emergente da Lei n.º 15/2001).

vi. Por seu turno, o nº1 art 5.º do RGIT determina (e já determinava então) que “As infracções tributárias consideram-se praticadas no momento e no lugar em que, total ou parcialmente, e sob qualquer forma de comparticipação, o agente actuou, ou, no caso de omissão, devia ter actuado, ou naqueles em que o resultado típico se tiver produzido (…).”
 
vii. Dispunha o artº 45º do Código da Sisa (sublinhados nossos) que este imposto será liquidado pela taxa em vigor ao tempo da transmissão e estipulava ainda o artº 47º do Código da Sisa (CÓDIGO do IMPOSTO MUNICIPAL da SISA e das SUCESSÕES e DOAÇÕES): “A liquidação do imposto municipal de sisa precederá o acto ou facto translativo dos bens (…).      
O facto translativo – a escritura – ocorreu no dia 11.12.2002.

viii. Assim, tudo visto, constata-se que decorre expressa e inequivocamente da lei que o apuramento a realizar pelo julgador, no que concerne à verificação do preenchimento de todos os elementos do tipo de ilícito imputado ao arguido (nos quais se inclui o valor do imposto devido), terá de ser feito tendo em conta o momento em que o agente actuou, uma vez que existia norma expressa que determinava, em sede de imposto de Sisa, que o mesmo tinha de ser liquidado pela taxa em vigor ao tempo da transmissão.
É em função desta legislação em vigor quando o crime é cometido (consumado) que se apura o montante do imposto em dívida, sendo irrelevantes quaisquer alterações posteriores a nível de tabelas, pois não há qualquer previsão de aplicação retroactiva, no âmbito estritamente fiscal - o único atendível para efeitos de apuramento de valores devidos a título de imposto – de legislação mais favorável ao contribuinte. [2]
Assim, sendo elemento constitutivo do tipo o valor determinado pela taxa, tendo esta sempre – por virtude de norma expressa determinada pelo legislador – de ser a que está em vigor ao tempo da transmissão (artº 45 do C. Sisa), aí se fixou tal elemento (a alteração posterior de taxas aplicar-se-á tão somente às transmissões que vieram a ser realizadas nas datas em que as mesmas já estavam em aplicação).
Apenas se poria uma questão de sucessão de leis no tempo caso o legislador tivesse vindo a alterar o momento em que entendia que se fixava a taxa a aplicar ao caso. Mas, como se constata pelo teor do artº 18 do CIMT, este entendimento ainda hoje se mantém (1 - O imposto será liquidado pelas taxas em vigor ao tempo da ocorrência do facto tributário.)
Diga-se, aliás, que a seguir-se a tese perfilhada pelo arguido, estaríamos perante um convite aberto à fraude ou, pelo menos, à procrastinação, pois qualquer cidadão teria a tentação de não proceder ao pagamento atempado dos seus deveres fiscais, na expectativa de, algures no tempo, vir a ocorrer uma diminuição tributária que os aligeirasse, numa espécie de recompensa ao contribuinte relapso, o que de todo não se mostra entendimento passível, face ao disposto no artº 9 do C. Civil.

ix. Retornando ao caso concreto, temos que o momento da transmissão ocorreu no dia 11.12.2002, data em que se celebrou a escritura. Foi assim, nesse dia, que se fixou a taxa aplicável, sendo esse o momento em que se consumou o crime, ficando então definitivamente fixados todos os elementos que o integravam.
Assim, quaisquer posteriores alterações às tabelas devidas a título de sisa, são irrelevantes, uma vez que não estamos perante normas pertencentes à esfera criminal, que tenham capacidade revogatória nesta sede, pelo que não determinam a aplicação do vertido no artº 2º do C.Penal.

x. Pelo que se conclui que não assiste razão ao arguido JO…, no que nesta matéria aduz, sendo certo que a argumentação avançada quer pelo tribunal “a quo”, quer por este TRL se mostra conforme à Lei e à Constituição, pelos fundamentos já supra aduzidos.

 4. Estamos então em condições de concluir que, no âmbito da factualidade que aqui nos importa analisar, o valor do imposto de sisa em falta foi de € 23.828,51.
 De igual modo se pode também afirmar que estamos perante um negócio simulado, precisamente por virtude da divergência querida, entre o valor declarado como o de transmissão do bem e o verdadeiro.

5. Das circunstâncias qualificativas agravantes do nº1 als. a) e g) do artº 104 do RGIT.

i. Entendeu o tribunal “a quo”, no caso presente e face à matéria fáctica que então deu como assente, que:
a. Se mostrava preenchida a circunstância qualificativa agravante consignada na al. a) - o agente se tiver conluiado com terceiros que estejam sujeitos a obrigações acessórias para efeitos de fiscalização tributária (Na verdade, houve um conluio com terceiros, a vendedora AMN…, aquando da outorga da escritura pública de compra e venda (declaração de preço inferior ao real), sendo certo que esta também estava sujeita a obrigações acessórias para efeitos de fiscalização tributária (IRS).)
b. Não se mostrava preenchida a circunstância qualificativa agravante prevista na al. g) - o agente se tiver conluiado com terceiros com os quais esteja em situação de relações especiais (não se tendo provado o conluio com o arguido FN…, seu procurador, não se verifica a qualificativa da al. g) – “conluiado com terceiros com os quais esteja em situação de relações especiais”).

ii. No que concerne ao preenchimento da al. a), é questão que nenhum dos intervenientes impugna, não suscitando a mesma a necessidade de qualquer aditamento ao que já se mostra correctamente decidido.

iii. No que se refere ao preenchimento da al. g), já o caso muda de figura.
Na verdade, atenta a alteração da matéria fáctica acima referida, não restam dúvidas que os requisitos da mesma se verificam, pois provado se mostra que o arguido FB…, que interveio na celebração da escritura na qualidade de procurador do arguido JO… (o que configura a existência de uma relação especial) o fez em conluio com este último. É o que resulta do constante no ponto provado nº 956 - O arguido FB… interveio ainda em escritura pública fazendo declarações sobre montante de preço pago e recebido que sabia não corresponderem à verdade, de forma a gerar um ganho fiscal ilegítimo em benefício do arguido OC…, com quem actuou de forma concertada.

iv. Assim, e neste ponto, teremos de concluir que assiste razão ao recorrente MºPº.

6. Da circunstância qualificativa agravante do nº2 do artº 104 do RGIT (actualmente, na al. a) desse artigo).
i. Debrucemo-nos agora sobre a argumentação expendida no acórdão proferido pelo tribunal “a quo” – e que se prende ainda com a questão da sucessão de leis no tempo – relativa à entrada em vigor das alterações ao Código do IVA, que merecem a crítica do recorrente MºPº e, adianta-se desde já, com bons fundamentos.
Senão, vejamos.

ii. O acto em causa nos presentes autos reporta-se à celebração de um negócio com preço simulado, celebrado através de escritura pública – compra e venda de uma casa sita nas Sesmarias.
O que aqui está em questão é saber se a conduta do arguido seria potencialmente integradora da circunstância qualificativa consignada no nº2 do artº 104 do RGIT (actualmente, na al. a) desse artigo).
 
iii. O artº 128 da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro concedeu uma autorização legislativa, para que o Governo pudesse legislar sobre a seguinte matéria (sublinhados nossos):
Autorizações legislativas no âmbito do IVA
1 - Fica o Governo autorizado a proceder à transposição para a ordem jurídica interna do artigo 4.º da Directiva n.º 2008/8/CE, do Conselho, de 12 de Fevereiro, que altera a Directiva n.º 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de Novembro, no que respeita ao lugar das prestações de serviços.
2 - O sentido e a extensão das alterações a introduzir na legislação do IVA, nos termos da autorização legislativa prevista no número anterior, são os seguintes:
a) Em derrogação à regra geral referida na alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º do Código do IVA, estabelecer que a locação de meios de transporte, com excepção da locação de curta duração, no caso de serviços prestados a não sujeitos passivos, se localiza no lugar onde o destinatário está estabelecido ou tem domicílio ou residência habitual;
b) Em derrogação à regra referida na alínea a), estabelecer que a locação de embarcações de recreio, com excepção da locação de curta duração, nos casos de serviços prestados a não sujeitos passivos, se localiza no lugar onde a embarcação é colocada à disposição do destinatário, quando a prestação de serviços seja efectivamente realizada por um prestador a partir da sua sede ou estabelecimento estável situados nesse lugar.
3 - Fica o Governo autorizado a proceder à transposição para a ordem jurídica interna dos n.os 1 a 5 do artigo 1.º da Directiva n.º 2010/45/UE, do Conselho, de 13 de Julho, que altera a Directiva n.º 2006/112/CE, relativa aos sistema comum do IVA no que respeita às regras em matéria de facturação.
4 - O sentido e a extensão das alterações a introduzir na legislação do IVA em matéria de exigibilidade, nos termos da autorização legislativa prevista no número anterior, são os seguintes:
a) Estabelecer que nas transmissões intracomunitárias de bens isentas nos termos do artigo 14.º do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias, efectuadas de forma continuada por um período superior a um mês civil, o facto gerador e a exigibilidade ocorrem no final de cada mês civil;
b) Clarificar que as regras constantes do artigo 8.º do Código do IVA não são aplicáveis às prestações intracomunitárias de serviços, cujo imposto seja devido pelo adquirente nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA, nem às transmissões intracomunitárias de bens;
c) Determinar que nas transmissões intracomunitárias de bens isentas nos termos do artigo 14.º do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias o imposto se torna exigível no momento da emissão da factura ou, não tendo sido emitida factura até à data fixada, no termo do prazo para a respectiva emissão;
d) Prever que nas aquisições intracomunitárias de bens o imposto se torna exigível no momento da emissão da factura ou, não tendo sido emitida factura até à data fixada, no termo do prazo para a respectiva emissão.

iv. Assim, no uso dessa dita autorização legislativa, veio a ser promulgado o Decreto-Lei n.º 197/2012, de 24/08 (que introduziu alterações no Código do IVA, no Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias e alguma legislação complementar, transpondo o artigo 4.º da Directiva n.º 2008/8/CE, do Conselho, de 12 de Fevereiro, em matéria de localização das prestações de serviços, e a Directiva n.º 2010/45/EU, do Conselho, de 13 de Julho, em matéria de facturação, dando execução às autorizações legislativas constantes do artigo 128.º da Lei n.º 64-A/2011, de 30 de Dezembro).

v. No artº 16º desse Dec. Lei ficou vertido que, com a entrada em vigor do presente diploma, consideram-se derrogadas todas as referências a «factura ou documento equivalente» constantes da legislação em vigor, devendo entender-se como sendo feitas apenas à «factura» a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 29.º do Código do IVA, na sua actual redacção.

vi. Por seu turno, o dito artº 29 nº1 al. b) do CIVA estipula (sublinhados nossos):
1 - Para além da obrigação do pagamento do imposto, os sujeitos passivos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º (1 - São sujeitos passivos do imposto: a) As pessoas singulares ou colectivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões livres, e, bem assim, as que, do mesmo modo independente, pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas actividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos de incidência real do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) ou do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC);) devem, sem prejuízo do previsto em disposições especiais:
(…)
b) Emitir obrigatoriamente uma factura por cada transmissão de bens ou prestação de serviços, tal como vêm definidas nos artigos 3.º e 4.º, independentemente da qualidade do adquirente dos bens ou destinatário dos serviços, ainda que estes não a solicitem, bem como pelos pagamentos que lhes sejam efectuados antes da data da transmissão de bens ou da prestação de serviços;

vii. Determina o artº 1º do mesmo CIVA que:
1 - Estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado:
a) As transmissões de bens e as prestações de serviços efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal;
b) As importações de bens;
c) As operações intracomunitárias efectuadas no território nacional, tal como são definidas e reguladas no Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias.
Finalmente, no seu artº 3º refere:
1 - Considera-se, em geral, transmissão de bens a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade.

viii. Da resenha que se acaba de realizar decorre forçosamente o seguinte:
a. A matéria relativa às alterações introduzidas em sede de Código do IVA insere-se na reserva de competência legislativa da Assembleia da República (artº 165 da CRP).
b. A A.R., ao conceder uma autorização legislativa ao Governo (como foi o caso) teve, como lhe impunha o nº 2 do mencionado artº 165, de definir o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização.
c. O Governo, ao legislar sobre tal matéria, não pode extrapolar o conteúdo, objecto e sentido, constantes em tal autorização, sob pena de inconstitucionalidade.
d. Decorre cristalino do teor da dita autorização que a mesma se circunscreve a determinada matéria em sede, única e exclusivamente, de legislação do IVA.
e. A razão de ser dessas alterações – em que se inclui a derrogação prevista no artº 16 acima transcrito – foi o da necessidade de uniformização, a nível comunitário, dos sistemas informáticos de facturação, relativamente a bens e serviços abrangidos pelo IVA, integrando-os em modelos pré-determinados, consignados em programas informáticos de facturação certificados, que permitem a comunicação directa de cada factura à A.T..
f. Ainda em sede de IVA, existem isenções previstas no seu artº 9º, por exemplo, que determinam que os actos aí previstos não estejam sujeitos às obrigações desse Código. Não obstante, tais actos, não sendo gratuitos, geram a obrigação de emissão de factura comprovativa da sua realização e pagamento, embora não segundo os parâmetros formais exigidos para os actos sujeitos a IVA.
g. De igual modo, como bem salienta o recorrente, constituem igualmente documentos equivalentes à factura, as notas de crédito, as notas de débito, as facturas-recibo, os recibos modelo nº 6, a que se refere o art.º 107.º do Código do IRS, bem como qualquer tipo de recibo desde que, para a mesma operação não seja emitida factura.
h. A compra e venda de um bem imóvel por dois particulares não está sujeito a imposto de IVA, mas sim a Imposto de Sisa (à data) e, presentemente, a IMT (artº 2º do Decreto-Lei nº 41.969, de 24 de Novembro de 1958: O imposto municipal de sisa incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis; artº 1º do CIMT: O imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) incide sobre as transmissões previstas nos artigos seguintes, qualquer que seja o título por que se operem), para além do Imposto de Selo.
i. Há uma série de actividades humanas que não se mostram, igualmente, sujeitas a IVA, logo não têm de obedecer aos parâmetros impostos em sede de CIVA (e legislação complementar), no que se refere a facturação e, não obstante, geram o dever de emissão de documento que ateste a realização desse acto e o recebimento do valor contraprestativo do mesmo, pois esses valores mostram-se sujeitos a outro tipo de impostos (é o caso dos actos médicos, por exemplo).

ix. Do que se deixa dito claramente decorre que a derrogação consignada no artº 16 acima transcrito se restringe, única e exclusivamente, à esfera de actuação em que se mostre em causa tributação em sede de IVA.

x. Em todos os demais casos, um dos quais o que ora nos cumpre apreciar – transmissão onerosa de um bem imóvel entre dois particulares – o dito artº 16 não tem qualquer repercussão ou relevância, o que determina que se tenha de continuar a avaliar se, face às características de documento emitido - relevante para efeitos de tributação fora do âmbito do Imposto de IVA – este se mostra ou não documento equivalente a uma factura; isto é, se independentemente do aspecto formal e do modo como é emitido (sem ser por programa informático certificado), se tem de entender que, atento o seu conteúdo, estamos ou não perante uma declaração em tudo similar a uma factura, por conter todos os elementos que são exigidos na factura em estrito sentido em sede de IVA (art. 36º, n.º 5 do CIVA).

xi. Assim, retornando então ao caso concreto, temos que, como afirma o próprio acórdão proferido pelo tribunal “a quo”:
A factura, em termos simples, é um documento de valor contabilístico que atesta uma transacção comercial entre duas pessoas ou empresas. Deve conter informação sobre o produto ou serviço prestado, bem como a quantidade e o valor desta transacção.
No fundo, é a prova da compra, da transmissão dos bens. Prova que determinada pessoa é agora o dono do produto ou beneficiário do serviço e também devedora do respectivo montante.
Nesta perspectiva que entendemos a correcta, uma escritura pública de compra e venda de um imóvel não pode deixar de se considerar um documento equivalente a uma factura.
Na verdade, sem dúvida alguma que atesta uma transacção comercial entre duas pessoas.
E contém, igualmente, informação sobre o produto transaccionado (imóvel) e o valor da transacção (preço).
No caso em apreço, tais elementos resultam claramente da factualidade provada (v. factos provados 930 a 932 da pronúncia).
Por outro lado, a escritura de compra e venda não releva só para efeitos civis, tendo também importância para efeitos fiscais, nomeadamente para efeitos de pagamento, à data dos factos, da Sisa, que é o que aqui está em causa.
Acresce que, na compra e venda de imóveis, normalmente não há emissão de facturas, constituindo a própria escritura pública o elemento relevante para efeitos contabilísticos e tributários.

xii. E efectivamente assim é. Note-se, aliás, que neste segmento, nem o recorrente nem o arguido argumentam o que quer que seja em contrário.
Ora, tendo de se considerar que a escritura pública de compra e venda de um imóvel constitui documento equivalente à factura, por inexistir derrogação, em sede do artº 104 nº2 do RGIT, no que concerne a actos que se não mostrem abrangidos pelo Imposto de IVA, teremos de concluir que se mostra preenchida a circunstância qualificativa agravante prevista no mencionado artigo.

III. Consequências jurídicas da reapreciação probatória realizada, no que respeita aos arguidos JO… e FB… – crimes de fraude fiscal qualificada (ambos).

1. A ambos os arguidos era imputada, em sede de pronúncia, a prática, em autoria material, de crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artºs 103 nº1 al. a) e c) e artº 104 nº 1 al. a), f) e g) e nº2, do RGIT.

2. Como anteriormente já se referiu, o conteúdo das normas constantes na pronúncia cujo preenchimento é imputado a ambos os arguidos, mantém-se inalterado, não se suscitando assim questões de sucessão de leis no tempo.

3. O tribunal “a quo” procedeu já à enunciação do enquadramento jurídico genérico quanto a este específico tipo de ilícito, sendo que na parte que ora se transcreve e à qual aderimos (por razões de mera economia processual) não foi suscitada qualquer discordância por parte dos intervenientes processuais:
Vejamos, doravante, se estão ou não verificados os elementos objectivos e subjectivos do tipo-de-ilícito em análise.
O tipo de crime de fraude fiscal é o que maior relevância tem no nosso ordenamento penal fiscal, quer no que respeita a uma dimensão de desvalor da acção, quer no que concerne à expressão quantitativa da sua ocorrência ou verificação.
A conduta do agente terá de visar a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causar diminuição das receitas tributárias e de ser abrangida por alguma das alíneas do nº 1, sendo, assim, diversas as condutas tipificadas passíveis de integrar o crime.
No que ora interessa:
a) ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável;
c) celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas, desde que tais condutas visem a não liquidação, entrega ou pagamento do imposto ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causar diminuição das receitas tributárias da administração fiscal.
A conduta tipificada na alínea a) consiste em ocultar, isto é, esconder, encobrir ou alterar factos ou valores que devam constar dos livros da contabilidade ou das declarações apresentadas ou prestadas: a contabilidade não corresponde à realidade dos factos ou valores e o mesmo sucede com as declarações apresentadas ou prestadas. Esses documentos são enganosos, não correspondem à verdade dos factos e nessa medida violam o dever de cooperação e de verdade do cidadão fiscal. Não se trata da simples omissão de contabilidade ou de apresentação ou prestação de declarações, pois esta omissão é sancionada como contra-ordenação, mas de contabilidade ou de prestação de declarações não verdadeiras.
Quanto à alínea c) e nos termos do art. 240º do Código Civil, há negócio simulado se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante.
Qualquer forma de simulação, desde que objectivamente vise a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária e seja susceptível de causar diminuição das receitas tributárias, constitui a conduta típica prevista na alínea c) do nº 1 do art. 103º.
As situações mais conhecidas de negócios jurídicos simulados para efeitos fiscais visam o não pagamento de sisa, como é o caso dos autos, ou imposto sobre sucessões e doações por valor inferior ao devido.
A vantagem patrimonial susceptível de causar diminuição das receitas tributárias é elemento típico essencial para a verificação do ilícito (e não uma condição objectiva de punibilidade (neste sentido, Germano Marques da Silva, in Direito Penal Tributário, Sobre as Responsabilidades das Sociedades e dos seus Administradores conexas com o Crime Tributário, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2009, p. 234.) e a mesma tem que ser igual ou superior a € 15.000,00 (cfr. art. 103º, nº 2 do RGIT, na redacção introduzida pela Lei nº 60º-A/2005, de 30 de Dezembro, sendo que na anterior redacção do preceito o montante era de € 7.500,0000).
Esta vantagem patrimonial ilegítima corresponde ao montante de impostos que o sujeito passivo pretendeu deixar de pagar em consequência da declaração defraudada ou simulada.
Importa ainda referir que este crime é classificado como um crime de resultado cortado, ou seja, o mesmo consuma-se ainda que nenhum dano ou vantagem patrimonial indevida venha a ocorrer efectivamente, bastando-se a lei com a circunstância de que “as condutas ilegítimas tipificadas” visem ou sejam preordenadas à obtenção de vantagens patrimoniais “susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias”, ou seja, é suficiente que a conduta seja preordenada a tal fim, sendo a eventual verificação do resultado lesivo apenas relevante em sede de aplicação concreta da pena.
O tipo de crime em apreço é essencialmente doloso, podendo aparecer sob todas as formas desta categoria da culpa, não se exigindo qualquer espécie de dolo específico.
Ora, os factos que resultaram provados configuram todos estes pressupostos.
Face ao preço real da compra e venda do imóvel (€ 362.500,00), na liquidação da Sisa, o arguido OC… escondeu o imposto em falta de € 23.828,51 (art. 103º, n.º 1, al. a) do RGIT).
Ocorreu, sem dúvida alguma, um negócio simulado quanto ao valor (art. 103º, n.º 1, al. c) do RGIT) que visou a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária devida.
A vantagem patrimonial obtida (€ 23.828,51) é superior a € 15.000,00 (art. 103º, n.º 2 do RGIT).
A nível subjectivo, também se mostra claro que está verificado o dolo, directo, uma vez que o arguido OC… tinha conhecimento que, com a sua conduta, estava a lesar o Estado em sede de arrecadação fiscal e actuou com o propósito de obter vantagem fiscal através da ocultação de valores com relevância fiscal.
Acresce que actuou deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida por lei.

4. Ao que se deixa transcrito acresce que, no que se refere ao arguido FB…, de igual modo se mostra assente que se concertou com o arguido JO…. na simulação realizada, actuando com dolo directo, já que sabia e queria, com a sua conduta, gerar um ganho fiscal ilegítimo em benefício daquele segundo arguido, o que bem sabia ser proibido por lei.

5. Assim, mostram-se preenchidos os elementos constitutivos do tipo de crime de fraude fiscal, previstos no artº 103 nº1 al. c) do RGIT.
Por seu turno, e como de igual modo já acima referimos, mostram-se igualmente preenchidas duas circunstâncias qualificativas consignadas nas alíneas a) e g) do nº1 do artº 104 do RGIT, o que determina, face ao corpo desse mesmo número (“quando se verificar a acumulação de mais de uma das seguintes circunstâncias:”), a agravação da pena para prisão de um a cinco anos – crime de fraude fiscal qualificada.

6. No que se refere ao arguido JO…, não se suscita qualquer dúvida que, sendo o sujeito passivo da obrigação tributária, daí resulta necessariamente a conclusão de que praticou este ilícito nesta forma qualificada.
E atenta a moldura penal aplicável, constata-se, atenta a data da prática do crime – 11.12.2002 – que o procedimento criminal não se mostra prescrito, uma vez que ocorreram factores interruptivos e suspensivos da prescrição (artºs 119, nº1, 118 nº1 al. b), 120 nº1 al. b) e 121 nº1 al. a) – notificação da acusação em Dezembro de 2009 – 120 nº1 als. b) e e), 120 nº2, 121 nºs 2 e 3, todos do C.Penal).

7. No que concerne ao arguido FB…, entendemos, de igual modo, que os factos por si praticados preenchem os elementos constitutivos do ilícito e que, à semelhança do que sucede com o arguido OC…, o procedimento criminal também se não mostra prescrito (este arguido foi igualmente notificado da acusação em Dezembro de 2009).

i. Na verdade, perfilhamos o entendimento de que o crime de fraude fiscal é um crime comum e não próprio, por não exigir que o seu autor seja o sujeito passivo da obrigação tributária.[3]
Estamos assim de acordo com o que consta dos arestos que de seguida se transcrevem (todos consultáveis em www.dgsi.pt):
- Acórdão do T.R. Coimbra, processo 53/06.8IDAVR.C1, de 11-06-2008 (sublinhados nossos):
3.2.2. Tem-se discutido se o crime de fraude fiscal constitui um crime comum, em que o autor pode ser qualquer pessoa que pratique a conduta típica, ou um crime próprio ou específico, que só pode ser cometido pelo sujeito passivo da relação tributária.
No sentido de que se trata de um crime comum pronunciou-se Isabel Marques da Silva, afirmando: «O preceito a nenhuma delimitação expressa em relação à autoria procede, nem parece que as condutas ilegítimas tipificadas tenham de ser cometidas – motus proprio ou em comparticipação –, por quem tenha a qualidade de contribuinte ou de sujeito passivo de imposto, antes nos parecem poder ser cometidas por qualquer pessoa» (Regime Geral das Infracções Tributárias, Cadernos IDEFF, n.º5, 2.ª edição, p. 157 e 158).
Também no sentido de que o crime de fraude fiscal pode ser perpetrado por qualquer pessoa, ainda que pressuponha a intervenção de sujeitos passivos de relações jurídicas de imposto, se pronunciou Nuno Pombo (A fraude fiscal – a norma incriminadora, a simulação e outras reflexões, Almedina, 2007, pp. 56 e segs.).
Já para Paulo Dá Mesquita, o crime de fraude fiscal é específico, pois exige a intervenção de pessoas de um determinado círculo (sujeitos passivos de relações tributárias), mas podendo, contudo, ser imputado a qualquer pessoa (A tutela penal das deduções e reembolsos indevidos de imposto, Revista do Ministério Público, Ano 23, n.º 91, p. 58).
Atente-se que para Susana Aires de Sousa, a delimitação do círculo de autores que definiria o crime em causa, no seu entender, como específico, apenas se reporta às omissões previstas nas alíneas a) e b) do n.º1 do artigo 103.º do R.G.I.T.
Diversamente, quando a conduta típica se realiza no quadro da alínea c), por acção, esta autora entende que o tipo pode ser preenchido por qualquer pessoa, o que faz que a fraude fiscal, nessa modalidade de conduta, seja um crime comum (Os crimes fiscais: Análise dogmática…, Coimbra Editora, 2006, pp.98 e 99).
A nosso ver, havendo um negócio entre duas pessoas, simulado quanto ao valor, como foi o caso, tendo em vista a finalidade de diminuir a prestação de imposto, há co-autoria na prática do crime de fraude fiscal, ainda que apenas um dos outorgantes seja o sujeito passivo da relação tributária.
Nessa situação, que é uma das vias de execução vinculada do crime (que apenas pode ser cometido através de uma das formas típicas descritas nas alíneas do n.º1 do citado artigo 103.º), estamos perante uma infracção por natureza plurissubjectiva, o que equivale a dizer que só mediante o acordo de vontades em que se traduz o contrato celebrado é possível cometer o crime de fraude fiscal. A circunstância de um dos intervenientes no contrato não ser sujeito passivo e, por conseguinte, não retirar para si vantagem patrimonial da simulação, não sendo, patrimonialmente, beneficiado ou prejudicado, não significa que não deva ser considerado como co-autor (neste sentido, Nuno Pombo, ob. cit., pp. 180 e segs.).
Revertendo ao caso concreto, a circunstância de a recorrente não beneficiar da simulação do valor do trespasse e de serem os trespassantes a retirar benefício, pela diminuição da prestação tributária devida, não impede que deva ser considerada co-autora do crime de fraude fiscal, nos termos em que o foi pela sentença recorrida, atenta a conjunção de vontades e a contribuição objectiva conjunta para a realização típica, constituindo a actuação da recorrente um elemento indispensável para essa realização.
- Acórdão do T. R. Coimbra, processo nº379/07.3TAILH.C1, de12-09-2012
1.- O crime de fraude fiscal é um crime comum, na medida em que pode ser praticado por qualquer pessoa e é um crime de perigo em que o bem jurídico protegido é a ofensa à Conta do Estado na rubrica que inclui as receitas fiscais destinadas à realização de fins públicos de natureza financeira, económica ou social.
- Acórdão do T.R. Coimbra, processo nº 27/06.9IDLRA.C1, de 21-02-2018
I – O crime de fraude fiscal, pelo menos o que se consuma na modalidade prevista no nº 2 do artigo 104.º do RGIT, é um crime comum, ou seja, pode ser cometido por qualquer pessoa, e não apenas pelo sujeito passivo da relação tributária.
II – Esta interpretação normativa não viola o princípio da legalidade, inscrito no artigo 2.º do CP e no artigo 29.º, n.º 1, da CRP.
Bem como com o que a nível doutrinário igualmente se transcreve:
- Germano Marques da Silva, Direito Penal Tributário, Universidade Católica Editora”, pág. 235:
Nada no artigo aponta no sentido de a fraude fiscal constituir crime especial ou próprio, salvo no que se refere à conduta omissiva, mas pressupondo o crime uma declaração nos termos da legislação aplicável, só quem tiver esse dever a pode apresentar».
- Nuno Pombo, “A Fraude Fiscal”, Almedina, pág. 58 e ss.:
Ainda que sendo omisso o texto da lei relativamente à qualidade do autor, há quem entenda que o crime de fraude fiscal é um crime próprio, devendo subentender-se que a qualidade de contribuinte surge como elemento objectivo não escrito, uma vez que não pode deixar de estar implícita a existência de uma relação jurídico-tributária. Há quem considere, pois, que o círculo de possíveis autores coincide com o dos sujeitos passivos daquelas relações jurídicas. Permitimo-nos, em todo o caso, discordar […]. O legislador, na redacção que o D.L. 394/93, de 24 de Novembro, deu ao artigo 23.º do RJIFNA, cujo estilo foi herdado pelo artigo 103.º do RGIT, preferiu começar o artigo por referir o que constitui fraude fiscal. Apesar de os legisladores de 1993 e do RGIT terem amputado a referência expressa à possibilidade de haver crime com a pretensão (concretizada de forma vinculada) de obter para o próprio ou para outrem uma vantagem patrimonial indevida, julgamos que ela não pode ser excluída. Na verdade, o que presentemente releva é que se vise a obtenção de vantagem patrimonial susceptível de causar diminuição das receitas tributárias (…). Como se pode ver, não parece que do tipo deste crime resulte a necessidade de ser para o agente a vantagem patrimonial que apresente susceptibilidade de causar a diminuição das receitas tributárias.
Cremos, pois, que continua a ser um crime comum, já que qualquer pessoa o poderá perpetrar, não se tratando, em termos genéricos, de crime cuja ilicitude (crime específico próprio) ou grau de ilicitude (crime específico impróprio) dependam de certas qualidades ou relações especiais do agente.
(…) a natureza da infracção não revelará a titularidade de relações jurídicas, mas antes a materialização de determinados comportamentos típicos. Não se vê, na verdade, que os interesses que a lei pretende ver tutelados possam ser ofendidos apenas pelos sujeitos passivos de relações jurídicas tributárias, razão pela qual entendemos precipitada a intenção de ver reduzido a estes o círculo de eventuais agentes. Não pode, neste sentido, advogar-se que o legislador visa com a incriminação sancionar a violação de deveres específicos que recaem apenas sobre determinadas pessoas, os contribuintes. Essa conclusão, neutraliza, em boa medida, as dimensões pedagógica e preventiva da norma incriminadora»

ii. Diga-se, para além do mais, que mesmo para quem defende tratar-se de um crime próprio (ou mesmo de mão-própria), como é o caso de Susana Aires de Sousa, “Os crimes fiscais: Análise dogmática…”, Coimbra Editora, 2006, págs.98 e 99, ainda assim entende que, nos ilícitos fiscais, os mesmos terão apenas a natureza de crimes próprios quando estamos perante uma conduta omissiva, mas já serão crimes comuns se o ilícito for cometido por acção.

iii. Ora, no caso dos autos, estamos sem dúvida perante um crime cometido por acção (simulação) e não por omissão, razão pela qual nos resta concluir que, ainda que se pudesse discutir, em tese, a natureza própria ou comum do ilícito, no caso que ora nos ocupa tal discussão não teria qualquer propósito.

8. Assim, face a tudo o que se deixa exposto, conclui-se assistir razão ao recorrente MºPº, na crítica que, a este propósito, dirige ao decidido, pelo que o acórdão, nesta parte - absolvição do arguido FB… e declaração de prescrição do crime de fraude fiscal em relação ao arguido JO… – terá de ser revogado.

i. Cometeu assim, cada um dos arguidos – JO… e FB… – em co-autoria material, um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelo artº 103 nº1 al. c) do RGIT e pelas alíneas a) e g) do nº1 do artº 104 do RGIT, pelo qual terão de ser condenados (não havendo lugar à aplicação do disposto no artº 2º nº4, uma vez que a redacção actual do preceito não se mostra mais favorável aos arguidos, como acima se explicou – igual preenchimento do tipo qualificado e idêntica moldura penal).

ii. Por seu turno, pese embora seja possível entender-se que, no caso, a actuação dos arguidos integraria os elementos vertidos no nº 2 do artº 104 do RGIT (actual al. a) do nº2), uma vez que já houve lugar à agravação do ilícito por virtude da aplicação das circunstâncias qualificativas previstas no nº1 do mesmo artº 104 do RGIT, teremos de concluir que a factualidade relativa ao preenchimento desta segunda qualificativa – fraude mediante utilização de uso de documento equivalente a facturas falsas - constitui apenas circunstância agravante de carácter comum, a atender em sede de dosimetria da pena.

IV. Da reapreciação probatória relativa ao crime de burla qualificada - arguido FB….

1. O recorrente MºPº entende que, no que tange à factualidade relativa ao chamado “Negócio da Labicer - Colaboração de FB… na Concretização da Estratégia de JO…, LC… e FS…”, especificamente os três subtemas: (a.) Introdução; (b.) Entrada da Etrapanob SGPS, SA e saída de TR…; e (c.) Encenação de regularização de dívidas”, o tribunal “a quo” errou em termos de apreciação da prova produzida.
Considera, assim, incorrectamente julgados:
a. Os factos não provados indicados no acórdão recorrido, nessa parte, nos pontos 2), 23), 25) a 28), 260), 261), 268), 270), 272), 275), 300) a 303), 305) a 307), 311), 313) e 315),
b. A exclusão do arguido daquilo que se descreve no ponto 809) dos factos provados.
c. Os factos 6) a 27) dados como provados da contestação do arguido FB….
Considera que devem ser dados como provados, após reapreciação probatória, os seguintes factos (constantes na pronúncia e dados como não provados):
i.  «O arguido OC… continuou a confiar o desenvolvimento de negócios mais sensíveis, bem como a montagem das estruturas societárias pessoais a VC… e FB….»
ii. «para a concretização da sua estratégia».
iii. «A intervenção deste arguido era determinada por decisão do arguido OC…, atenta a relação de confiança pessoal estabelecida.»
iv. «segundo a estratégia definida pelos três supra referidos arguidos e ainda que em prejuízo para o próprio grupo».
v. «ainda que em prejuízo do grupo».
vi. «O arguido, através da sociedade de advogados que integrava, disponibilizou ainda outras sociedades em offshore que foram utilizadas no desenvolvimento de operações de ocultação de negócios no seio da SLN/BPN.»
vii. «adoptando uma solução concebida pelo arguido FB…».
viii. «Dando execução ao objectivo para que fora constituída a ETRAPANOB, o arguido FB… concebeu e obteve a concordância dos arguidos OC… e FS…, para um acordo a celebrar com o TR…, onde seria considerado o património accionista deste último para realizar um encontro de contas com as dívidas por financiamentos concedidos pelo Grupo BPN.»
ix. «FB… determinou».
x. «Assim, a ETRAPANOB foi montada pelos arguidos JO…, FS… e FB… para comprar as acções da LABICER que o TR… detinha, pagando pelas mesmas o valor total de 6.106.817,22 €, que sabiam iria representar uma lesão patrimonial para o BPN, acrescendo que, desse valor, aceitaram emitir um cheque no montante de 438.057,08€, que se destinava à esfera pessoal do arguido TR…, tendo sido depositado pelo mesmo na sua conta no BCP».
xi. «com a colaboração do arguido FN…».
xii. «que aderiu ao plano de actuação».
xiii. «Os arguidos OC…, FS… e TR…, com a colaboração do arguido FB…, criaram assim, uma aparência de regularização de dívidas e de transmissão de acções, visando recolocar a participação accionista detida na LABICER pelo TR… sem revelar a directa participação accionista do grupo BPN, acordando, para tal, conferir uma vantagem patrimonial ao mesmo TR…, à custa da lesão financeira do próprio BPN.»
xiv. «O arguido FL… actuou com propósito de prestar ajuda a negócios desenvolvidos pelo arguido OC… pese embora com conhecimento e consciência de serem lesivos para as entidades que o mesmo devia administrar, levando as mesmas a atribuições patrimoniais determinadas por representações viciadas da realidade.»
xv. O arguido FB… actuou livre e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.»
Enuncia ainda os segmentos de prova onde ancora os raciocínios que expõe.

2. O arguido, naturalmente, está em desacordo, considerando que o tribunal “a quo” apreciou correctamente a prova.

3. Revista a prova, cumpre desde já adiantar que, neste segmento, não assiste razão ao recorrente MºPº.
Expliquemos sucintamente porquê.

i. A este arguido era imputada, em sede de pronúncia, a prática de um crime de burla qualificada, pela prática dos factos vertidos nos pontos 738 a 881 da mesma – ou seja, a matéria factual a apreciar aqui prende-se com o seu envolvimento e conhecimento dos meandros relativos ao negócio da Labicer.
E, mais concretamente – pois a pronúncia apenas aponta a sua intervenção nesse segmento específico – à sua actividade correlacionada com a entrada da Etrapanob SGPS SA e a saída de TR…, como accionista da Labicer.

ii. Mostra-se demonstrado que o arguido FB… tinha uma relação de proximidade e confiança pessoal e profissional com o arguido JO….
De igual modo, mostra-se provado que, ao longo do tempo lhe foi pedido, atenta tal relação e as suas qualificações jurídicas, que elaborasse documentos de grande relevo para a vida societária do grupo de que foi, inclusive, secretário, bem como documentos de cariz mais particular, tudo em sede de desenvolvimento de negócios, envolvendo quer o grupo BPN/SLN, quer apenas o arguido JO… (redigiu o contrato de sociedade de constituição da SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.; elaborou o contrato de sociedade de constituição do Banco Português de Negócios, SGPS, S.A. na qualidade de procurador e em representação da SLN, SGPS, S.A.; produziu o contrato de sociedade de constituição da SLN Imobiliária, SGPS, S.A., na qualidade de procurador e em representação da SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A., tendo ainda, no mesmo acto, sido nomeado secretário da mesa da assembleia geral para o biénio 1999/2000; em 15/12/2000, foi nomeado secretário da mesa da assembleia geral.)

iii. Igualmente se mostra demonstrado, no que concerne, em particular, à questão que ora nos ocupa, que foi a este arguido que o arguido JO… recorreu, para resolução, pelo menos em termos jurídicos, da questão da transmissão das acções da Labicer, que pertenciam ao arguido TR….
Nesse âmbito, o arguido FB…:
a. Disponibilizou a morada do seu escritório para servir como sede da Etrapanob;
b. Montou essa entidade offshore, em 28 de Dezembro de 2006 (registada com a actividade de gestão de participações sociais, com um capital social de 5.000,00 €, repartido em duas quotas, uma de 2.550,00 € detida por LA… e outra de 2.450,00 € detida por MS…), para que a mesma viesse a adquirir as acções detidas pelo arguido TR…;
c. Colaborou juridicamente na elaboração de um contrato de regularização de dívidas, datado de 5 de Janeiro de 2007, de compra e venda de acções e suprimentos, entre o arguido TR… e as suas sociedades Tecpor e Reverse, por um lado e o BPN. S.A. e o BPN Cayman, por outro lado, tendo ainda intervenção o Fundo “BPN Valorização Patrimonial” e a ETRAPANOB SGPS Lda,;
d. Subscreveu, na qualidade de procurador do Banco Insular, em 5 de Janeiro de 2007, o acordo celebrado entre o arguido TR… e o Banco Insular, onde constava que o pagamento da dívida do TR… ao Banco Insular, no total de 3.631.392,53 €, seria pago pela ETRAPANOB.

iv. Mais se mostra indiscutido que o teor do contrato de regularização de dívidas era o seguinte:
O arguido TR… e as suas empresas tinham os seguintes activos:
- o TR… a titularidade de 2.350.000 acções da LABICER, 250.000 acções da QUIMICERAM e 87.500 acções da VALORCERAM, sendo ainda detentor de suprimentos no montante de 224.442,92€ sobre a QUIMICERAM, referindo ainda ser titular do capital de uma sociedade de direito italiana denominada LABICER.COM SRL.
- a Tecpor, um prédio urbano em Bustos (Conserv. Registo Predial de Oliveira do Bairro, sob a descrição 3.109, estando inscrito na matriz predial urbana com o artigo 1697), um predito rústico em Vale de Cucos (Conserv. Registo Predial de Oliveira do Bairro, sob a descrição 3.015, estando inscrito na matriz predial rústica com o artigo 421) e outro prédio rústico em Vale de Cuques (Conserv. Registo Predial de Oliveira do Bairro sob a descrição 1.828, estando inscrito na matriz predial rústica com o artigo 399), denominados contratualmente como Imóveis TECPOR;
- a Reverse, um imóvel em Vale de Cuques, Oliveira do Bairro, (inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1488);
Nesse contrato foram consignadas as seguintes transmissões:
- a TECPOR transmite a totalidade dos imóveis ao BPN como dação em cumprimento das dívidas que a TECPOR tinha junto do BPN S.A.,  tendo os imóveis sido avaliados à  TECPOR num montante de 2 milhões de euros;
- a REVERSE vende o imóvel ao BPN Imonegócios – Fundo Aberto, sendo atribuído o valor de 850.000,00 € assim liquidando o remanescente das dívidas da TECPOR ao BPN S.A.;
- a ETRAPANOB SGPS Lda adquire as acções LABICER e da LABICER.COM,  sendo as primeiras pelo preço de 6.106.817,22 €, à cotação de 2,60 por acção;
- O Fundo capital de risco BPN Valorização Patrimonial adquire as acções da QUIMICERAM e VALORCERAM e suprimentos acima referidos;

v. Pergunta-se – tendo o arguido FB… tido intervenção no desenvolvimento de todo este negócio, nos termos acima exarados e dados os conhecimentos técnicos que tem sobre esta específica matéria jurídica, pode-se entender que decorrerá das regras de senso comum que lhe seria possível saber que os actos em que esteve envolvido se destinavam apenas a conferir uma vantagem patrimonial ao arguido TR…, à custa do Grupo BPN/SLN?

vi. A resposta é negativa.
De facto, para que pudesse saber ser esse o propósito, das duas uma:
a. Ou alguém o pôs a par, previamente, de tudo o que se propunham fazer;
b. Ou seria possível aperceber-se, perante os contornos do negócio e a sua intervenção nos mesmos, que era esse, indubitavelmente, o propósito que se pretendia alcançar.

vii. No que se refere à primeira hipótese (ter sido informado de todos os propósitos envolvidos no negócio), não existe prova de tal ter sucedido.
O arguido FN… nega-o, o arguido JO… não prestou declarações e o arguido FS… apenas refere que o 2º arguido terá dito ao 1º arguido que a Etrapanob seria uma entidade veículo para deter participações na Labicer (infra voltaremos a este último ponto).
Igualmente, e no que concerne à elaboração dos contratos acima referidos e à actividade de secretário da assembleia-geral (redigiu o contrato de sociedade de constituição da a SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.; elaborou o contrato de sociedade de constituição do Banco Português de Negócios, SGPS, S.A. na qualidade de procurador e em representação da SLN, SGPS, S.A.; produziu o contrato de sociedade de constituição da SLN Imobiliária, SGPS, S.A., na qualidade de procurador e em representação da SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A., tendo ainda, no mesmo acto, sido nomeado secretário da mesa da assembleia geral para o biénio 1999/2000, e, em 15/12/2000, foi nomeado secretário da mesa da assembleia geral.), a prática desses actos e o exercício dessa função (ainda que vistos sob o prisma de uma relação de confiança e proximidade com o arguido JO…), são apenas susceptíveis de permitirem concluir que a sua colaboração remonta aos inícios da constituição do Grupo BPN/SLN, mas já não de que tenha sido informado a par-e-passo e tenha tido intervenção na implementação da estratégia de retirada e apropriação de fundos daquele Grupo, bem como na indução em erro ou engano das entidades (accionistas), cujo património competia ao arguido JO… administrar.
De facto, uma coisa é colaborar com um arguido na criação de uma estrutura financeira; algo bem diverso é concluir que os actos que praticou revelam que agiu com pleno conhecimento de uma estratégia com fins ilícitos à qual aderiu e que, dolosamente, ajudou a executar.

viii. Quanto à segunda hipótese, não restam dúvidas que o arguido FB… sabia que, com os contratos realizadas, o seu propósito era o de permitir a saída do arguido TR… como accionista da Labicer, bem como a liberação das dívidas que ainda mantinha para com entidades do grupo. E que para tal, foi criada uma entidade offshore, que adquiriu as acções, entidade essa que era detida nominalmente por MS… e pelo arguido LA…, bem como que foi transmitida a titularidade de acções e bens imóveis para diversas sociedades no âmbito do Grupo BPN/SLN.

ix. Todavia, não se mostra demonstrado, nem existem elementos factuais que permitam inferir que o arguido FN… soubesse que:
a. As acções da Labicer, na titularidade do arguido TR…, haviam sido adquiridas com quantias obtidas de modo lesivo para o Grupo BPN/SLN (uma vez que não há prova de ter tido qualquer intervenção nos actos, anos antes praticados, a este respeito, nem de lhe ter sido dada tal informação);
b. O valor das acções da Labicer, à data, não correspondia ao que se mostra vertido no contrato (isto é, que as acções tinham um valor contabilístico negativo e a empresa se encontrava em falência técnica). Na verdade, para de tal ter conhecimento, necessário seria que soubesse qual a real situação financeira dessa sociedade, inexistindo quaisquer elementos de prova ou de facto que permitam afirmar que assim sucedia (não tinha qualquer relação funcional com a Labicer e não há prova de que tivesse obtido informação a propósito da situação financeira desta sociedade por algum outro meio);
c. O valor dos bens imobiliários transmitidos teria sido inflacionado para montantes que não tinham correspondência com a realidade (não há qualquer elemento de prova de que tivesse tido intervenção ou sequer conhecimento da avaliação realizada a tais imóveis);
d. O valor das acções da QUIMICERAM e da VALORCERAM e os suprimentos referidos não correspondessem à realidade;
e. O montante em dívida ao Banco Insular não correspondia ao valor de 3.631.392,53 €, a ser pago pela ETRAPANOB;
f. O pagamento do preço pela Etrapanob tivesse sido realizado através da apropriação ilegítima de fundos pertencentes ao Grupo BPN/SLN.

x. Efectivamente, pese embora os contornos do negócio e a formulação jurídica dos mesmos, a “matemática” envolvida – no sentido da valorização dos bens transmitidos, acerto de contas quanto a dívidas, obtenção de empréstimos e “lucro” do vendedor – não necessitava dos específicos conhecimentos jurídicos do arguido FN… para a sua congeminação, sendo certo que os demais arguidos envolvidos nesse negócio (JO…, FS… e TR…) estavam mais do que habilitados, pelo exercício das suas actividades a nível financeiro e de gestão empresarial, para poderem conceber tal solução, necessitando apenas de apoio jurídico para a sua formalização.

xi. Por seu turno, embora o arguido FN… tivesse agido na qualidade de procurador do Banco Insular no contrato acima referido, a verdade é que não se mostra feita prova de ter tido qualquer intervenção no empréstimo concedido por aquela instituição a TR…, nem no que se reporta aos mecanismos que possibilitaram à Etrapanob obter fundos, após a sua constituição, para adquirir as acções da Labicer. A sua intervenção quedou-se (para além da elaboração do contrato) por, na qualidade de procurador do Banco Insular, declarar que o pagamento realizado pelo arguido TR… regularizava a dívida que este tinha para com aquela instituição.

xii. De facto, e ao inverso do que o recorrente MºPº invoca, nem sequer na pronúncia é imputada a este arguido a determinação da realização dos movimentos financeiros que permitiram à Etrapanob a aquisição das acções, designadamente o mútuo celebrado.
 Quem teve intervenção em tais movimentos financeiros de obtenção de celebração de mútuos e de transferência de fundos (assim como nas restantes movimentações que envolveram o Banco Insular, o BPN e que relevam para efeitos da apreciação das razões para a celebração deste acordo e para as consequências que do mesmo advieram) foram os arguidos JO…, FS… e TR… – pontos da pronúncia nºs 832º a 839º, 840º a 855º e 856º a 881º.

xiii. Assim, não tendo o arguido FN… tido qualquer intervenção na parte relativa às operações concretas de movimentação de fundos, que possibilitaram a inicial aquisição das acções da Labicer pelo arguido TR…, nem nas restantes, que permitiram a sua posterior transmissão, não se vislumbra porque lhe seria exigível saber (sem que alguém lho confiasse), os pormenores relativos aos meios financeiros envolvidos.

xiv. E, repete-se, não há prova dessa informação lhe ter sido fornecida, nem se mostra exigível que, ao jurista que elabora um acordo, a mesma lhe tenha de ser prestada (need to know basis). É que essa informação não decorre da mera elaboração contratual, pois são os directamente interessados que expõem o que pretendem, não cabendo a quem produz os contratos apurar, com diligência investigativa, se os valores de avaliação estão correctos e se os financiamentos são algo mais do que aparentam, nomeadamente se para a obtenção destes não for pedida a sua intervenção (e não há qualquer prova de o arguido ter aqui actuado em sede de consultoria financeira).

xv. Mesmo no que toca à constituição da sociedade offshore Etrapanob, se é verdade que tal tipo de sociedade serve, amiúdas vezes, de meio de ocultação de negócios, também é verdade que a sua constituição não é, em si mesma, proibida por lei. Assim como o não é a não revelação pública de quem é o seu beneficiário final.

xvi. E a cedência da morada do escritório do arguido FN… para sede de tal sociedade, desacompanhada de demais elementos probatórios ou factuais que apontem caminho diverso, permite apenas concluir que aquele saberia que, pese embora a titularidade das quotas da Etrapanob estivesse definida como pertencendo a duas pessoas, o arguido JO… tinha um interesse pessoal na realização daquele negócio, naqueles termos (algo que corrobora as declarações prestadas pelo arguido FS… acima mencionadas). Daí o favor que lhe fez.
Mas dessa conjugação de factores não decorre, forçosamente, a conclusão de que teria conhecimento e consciência que tal acto serviria para lesar entidades pertencentes ao Grupo BPN/SLN.

xvii. É verdade que o arguido FN… sabia qual era o valor do capital social da sociedade Etrapanob, uma vez que foi a si que lhe coube a sua constituição. Não obstante, daí não decorre que tivesse de saber de onde provinham, nem a que título, os fundos que foram usados para a celebração do negócio de aquisição das acções, pelas razões já atrás mencionadas.

xviii. O facto de a testemunha AJo… poder saber aquilo que é, neste momento temporal, uma mera constatação – a Etrapanob não tinha meios financeiros próprios para ser uma empresa viável e, muito menos, para adquirir as acções da Labicer – não determina que o arguido FN… do mesmo tivesse, à data, conhecimento.
Na verdade, tal testemunha (ao contrário do que sucedia com aquele arguido) trabalhou vários anos na direcção de operações do BPN e, em 2006, passou a assessor do Conselho de Administração da mesma instituição, o que significa que tinha acesso a informação que não era pública (e, que se saiba, não facultou ao arguido FN…).

xix. E a circunstância de a mesma testemunha afirmar que os movimentos financeiros para a constituição da sociedade Etrapanob foram determinados pelo Dr. FN… (sessão de 08/01/2013, a que se refere a acta de fls. 36.367 e segs. e o ficheiro 20130108104430_55480_64687.wma, de 13m06s a 14m44s), bem como que o apuramento de todas as dívidas que TR… tinha perante o Banco Insular foi feito a pedido de FB… que mais tarde, no contexto do “acordo para regularização das dívidas”, deu as instruções para a emissão dos cheques tendentes ao “pagamento” das mesmas (sessão de 08/01/2013, a que se refere a acta de fls. 36.367 e segs. e o ficheiro 20130108104430_55480_64687.wma, de 09m a 11m10s e de 28m30s a 30m52s), não altera o que já se deixou exarado, pois daí não decorre que o arguido FN… soubesse do ocorrido nos anos anteriores (relativamente à Labicer e à Tecpor), nem que tivesse conhecimento do duplo desembolso que viria a acarretar, para o Grupo, os contratos agora elaborados, nem qual era o real valor das acções e dos bens nos mesmos referidos. 
Demonstra e reforça que a sua actuação se dirigiu, em especial, aos trâmites de criação da Etrapanob (dois accionistas e capital social correspondente ao valor de € 5.000,00) e ao apuramento e concretização dos montantes que teriam de constar no acordo de regularização de dívidas, que viria a subscrever como procurador do Banco Insular.

xx. Dito isto, resta concluir que apenas se mostra possível inferir que o arguido FN… se terá apercebido que haveria uma vontade de ocultação, do público ou mesmo da contraparte, da identidade do adquirente das acções (prática algo comum e que pode ter em vista evitar apenas a escalada do preço a pagar, atenta a pessoa ou entidade envolvida na compra ou na venda), o que não implica, nem pode implicar, o forçoso conhecimento de todos os demais circunstancialismos implícitos no negócio, nem a existência de uma colaboração numa encenação, tendo em vista beneficiar alguém, à custa de um prejuízo de outrem.

xxi. Assim, o arguido FN… poderia saber que quem efectivamente tinha interesse em adquirir as acções da Labicer era o Grupo SLN/BPN (pois ser-lhe-ia possível perceber que era essa a vontade do seu presidente, o arguido JO…), visando o contrato a colocação numa entidade-veículo - a ETRAPANOB - das acções que se encontravam na esfera do arguido TR…, sendo que essa colocação não constitui, em si mesma, um acto proibido por lei.
Todavia, já não é possível afirmar-se que, com base na sua intervenção nesse negócio, o arguido FN… soubesse que o seu único objectivo fosse a atribuição propositada de um benefício ao arguido TR… para sair do projecto Labicer, com o consequente prejuízo para o grupo SLN/BPN; isto é, não se mostra possível afirmar-se que tivesse conhecimento e consciência de serem os actos que praticou lesivos para as entidades que o arguido JO… administrava, levando as mesmas a atribuições patrimoniais determinadas por representações viciadas da realidade, nem que tenha actuado com vontade dirigida à obtenção de tal objectivo.

xxii. Atento o que se deixa exposto, resta-nos então concluir que, finda a reapreciação probatória pedida, a mesma mostra-se fadada ao insucesso, uma vez que não constatámos verificar-se qualquer vício nem qualquer erro de julgamento, no que concerne à matéria de facto dada como assente pelo tribunal “a quo” e respectiva fundamentação, nesta questão.
Assim, a matéria de facto dada como provada e não provada, relativamente ao arguido FB…, na parte acima referida, manter-se-á nos precisos termos em que se mostra apurada pelo tribunal “a quo”.

V. Consequências jurídicas da reapreciação probatória realizada, no que respeita ao arguido FB… – crime de burla qualificada

Uma vez que o pedido formulado pelo recorrente MºPº, de condenação deste arguido pela prática do crime de burla qualificada, assentava apenas na expectativa de ocorrer a alteração fáctica pedida, sucumbindo esta improcederá de igual modo aquela.
Mantém-se, pois, a decisão absolutória quanto ao arguido FB…, no que concerne à prática do crime de burla qualificada, que lhe era imputado em sede de pronúncia, por não se mostrarem preenchidos todos os elementos preenchedores do tipo.
 
VI. Das penas a impor aos arguidos jo… e fb… pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada.

1. Como supra se referiu, concluída que se mostra a reapreciação probatória, há que concluir que cada um dos arguidos – JO… e FB… – cometeu um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelo artº 103 nº1 al. c) do RGIT e pelas alíneas a) e g) do nº1 do artº 104 do RGIT, pelo qual terão de ser condenados.

2. A moldura penal prevista para este tipo de ilícito é a de pena de 1 a 5 anos de prisão.

i. O recorrente MºPº pede a condenação dos arguidos nas seguintes penas parcelares:
Arguido JO… – pena de 3 anos e 6 meses de prisão;
Arguido FB… – pena de 2 anos e 6 meses de prisão, com a condição de, em igual prazo, pagar ao Estado português a quantia de 30.000 €.

ii. A este respeito, os arguidos não se pronunciaram em sede de resposta aos recursos contra si interpostos (o arguido JO… pronunciou-se apenas em sede de recurso final, no que concerne a algumas penas parcelares aplicadas e em relação à pena única).

3. Decidindo.
Para determinação da medida da pena cabe ter presente, desde logo, o vertido nos artigos 40º, 70º e 71º, todos do Código Penal, a saber:
- Protecção dos bens jurídicos acautelados pela norma incriminadora, atentos os fins de prevenção geral e especial (na prevenção geral utiliza-se a pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos - prevenção geral negativa – e para incentivar a convicção da sociedade de que as normas penais são válidas, eficazes e devem ser cumpridas – prevenção geral positiva; na prevenção especial, a pena é utilizada no intuito de dissuadir o próprio delinquente de praticar novos crimes e com o fim de auxiliar a sua reintegração na sociedade);
- Culpa do agente.
- Ilicitude do facto;
- Circunstâncias de carácter comum, agravantes e atenuantes.
Atenta a moldura penal deste tipo de crime (não admite, em alternativa, pena não privativa da liberdade), o disposto no artº 70 do C.Penal mostra-se afastado.

4. Para apreciação das diversas circunstâncias a que alude o artº 71 do C.Penal, atenderemos à matéria de facto dada como assente pelo tribunal “a quo”, bem como aos critérios que se mostram vertidos no acórdão, a que aditaremos o vertido no ponto 5. infra.
Assim, para além da materialidade assente, relativa à narração da actividade prosseguida por estes dois arguidos, preenchedora dos elementos constitutivos do crime (já acima referida), temos que:

i. Arguido OC…:
970) O arguido é oriundo de um meio social rural, tendo crescido no seio de uma família tradicional e conservadora e de condição socioeconómica humilde;
971) Quando concluiu a escolaridade obrigatória iniciou actividade laboral;
972) Durante o cumprimento do serviço militar retomou os estudos e, já adulto, concluiu o liceu e o curso de economia na Universidade do Porto;
973) Durante o curso universitário ingressou no Banco de Portugal;
974) Na mesma altura saiu de casa dos pais e passou a viver no Porto com a cônjuge;
975) Após concluir a licenciatura foi transferido para Lisboa, onde ainda reside;
976) Exerceu funções no Banco de Portugal até aos 56 anos de idade, momento em que assumiu a representação de Portugal no Banco Europeu de Investimentos, onde permaneceu até 1994, altura em que assumiu a presidência do Finibanco. Em 1998 assumiu a presidência do BPN até Fevereiro de 2008;
977) Entre 1985 e 1991 exerceu o cargo de Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais; 
978) Está inactivo desde Fevereiro de 2008, dedicando-se presentemente à leitura e à escrita. Isolou-se socialmente e restringiu as suas relações à família;
979) Vive com a cônjuge, de quem está separado de pessoas e bens desde Março de 2008;
980) Mantém relação afectuosa, coesa e de interajuda com a cônjuge e tem o apoio dos dois filhos;
981) Orientou a sua vida para a realização profissional e ascensão socioeconómica em detrimento das vertentes social e familiar;
982) É reservado, pouco sociável, empreendedor, tem grande capacidade intuitiva para a área financeira, revelando gratificação pelo reconhecimento público e realização no desempenho de funções de liderança e em enfrentar e ultrapassar desafios;
983) Em 1998 foi sujeito a cirurgia radical por diagnóstico de carcinoma da próstata. Apresenta doença hepática crónica, sintomatologia associada a desequilíbrios e desmaios, fragilidade física e humor depressivo, denotando o seu discurso dificuldades mnésicas de curto prazo, associadas à idade;
984)Foi-lhe diagnosticado um cancro na próstata em 1998;
985) Está aposentado desde 1994, recebendo uma pensão de € 1 300 mensais, uma vez que 50% do valor da pensão auferida está afecta ao pagamento de coimas que lhe foram aplicadas;
986) Dedicava ao grupo cerca de 14 horas de trabalho diárias, incluindo muitos fins-de-semana;
987)Tem bens pessoais que estão arrestados à ordem de outros processos;

ii. Arguido FN…:
1094) Até aos 15 anos, desenvolveu-se inserido no agregado familiar dos progenitores, juntamente com os irmãos. Posteriormente, com a separação dos pais, ficou a residir com o progenitor;
1095) Teve um percurso escolar regular, tendo concluído a licenciatura em Direito. Mais tarde concluiu o Master em direito do comércio;
1096)Em termos profissionais, desempenhou funções de assessoria jurídica no BCP (1992/1995), foi monitor na faculdade de direito da Universidade de Lisboa (1995/96), tendo em 1995 constituído a sociedade de advogados Baião, Castro e Associados, Sociedade de Advogados RL. Desde Fevereiro de 2014 colabora a tempo inteiro com outro escritório de advogados;
1097) Dedica-se sobretudo à área de advocacia de negócios;
1098) Reside com a cônjuge e três filhos, compondo com eles um agregado familiar com dinâmica relacional harmoniosa e situação financeira desafogada;
1099) Tem capacidade de trabalho e é empreendedor e profissionalmente assertivo e empenhado;
1100) Aufere rendimento mensal não inferior a € 2 500;
1101) É considerada pessoa recta, idónea e honesta;
1102) É muito dedicado à família, nuclear e alargada;
1103) É pessoa discreta;
1104) É considerado um excelente profissional;
1105) Foi advogado da agência europeia de segurança marítima;

5. O dolo é directo, no que respeita à actuação de ambos os arguidos, pelo que a culpa se tem de considerar num patamar acima do médio;
A ilicitude é elevada, tendo em atenção:
- Os valores envolvidos, à data da ocorrência dos factos (e, em bom rigor, ainda presentemente) - o valor do prejuízo causado foi de € 23.828,51;
- As actividades profissionais que ambos os arguidos desenvolviam à data (presidente de um grupo bancário e financeiro e advogado), que lhes permitiu fazer uso dos seus conhecimentos nessas áreas, utilizando os mesmos de forma diametralmente oposta à que lhes era exigível;
O beneficiado directo na actividade que ora se analisa foi o arguido JO…, que desse modo conseguiu eximir-se ao pagamento de mais de 2/3 do montante devido a título de sisa, para aquisição de uma segunda habitação no Algarve;
No que concerne ao arguido JO… constata-se que, pese embora em momento posterior, este cometeu novamente um crime de fraude fiscal, pelo que se terá de entender que a factualidade aqui apreciada não se trata de um episódio único e esporádico;
Nenhum dos arguidos demonstra reconhecimento da gravidade da conduta;
Não houve reparação;
Ambos os arguidos se mostram social e familiarmente inseridos, tendo vidas profissionais consistentes e longas;
Nenhum dos arguidos tem antecedentes criminais;
O lapso de tempo já decorrido, desde a prática dos factos;
O arguido JO… tem, presentemente, 84 anos de idade e encontra-se reformado;
O arguido FB… tem, presentemente, 49 anos de idade e exerce advocacia;

6. Tudo ponderado, entende-se ser de aplicar aos arguidos as seguintes penas parcelares:
Arguido JO… – 3 anos de prisão;
Arguido FB… – 1 ano e 6 meses de prisão.

7. Tendo em atenção a pena imposta ao arguido FB…, haverá agora que ponderar se se mostram preenchidos os requisitos previstos no artº 50 do C.Penal.
Apesar da gravidade dos factos, o arguido não tem antecedentes criminais registados.
A matéria factual quanto a si apreciada, restringe-se a um episódio, que nem sequer se insere – no que lhe diz respeito – directamente na vida do Grupo BPN/SLN, decorrendo a sua actuação da relação pessoal que mantinha (e continuou a manter em anos seguintes) com o arguido JO….
Os factos decorreram no ano de 2002.
O arguido tinha 33 anos à data da prática dos factos.
Desde então e até ao presente, mostra-se empenhado no exercício da sua profissão, bem como no prosseguimento dos deveres impostos aos cidadãos em geral.
Atendendo ao que se deixa dito, conclui-se que a simples censura do facto e a ameaça da prisão, neste caso, ainda realizarão de forma adequada e suficiente as finalidade da punição, embora se considere igualmente, face à ausência, quanto aos factos que praticou, de reconhecimento da gravidade da sua conduta, bem como à circunstância de continuar a exercer advocacia, que a mesma deve ser sujeita ao dever de reparação – ainda que parcial – do mal do crime, nos termos do artº 51 nº1 al. c) do C.Penal.
Considera-se, assim, que a suspensão da execução da pena de prisão, com sujeição a uma obrigação que o faça responsabilizar pela conduta adoptada será suficiente para afastar o arguido da criminalidade, tendo-se em atenção, na fixação do seu quantum, às suas circunstâncias pessoais e económicas.
Tudo ponderado, entende-se que a pena de 1 ano e 6 meses de prisão imposta ao arguido FB… deve ser suspensa na sua execução, por igual período temporal, com a condição de, em igual prazo, pagar ao Estado português a quantia de € 10.000 (dez mil euros).

8. No que se refere ao arguido JO…, uma vez que o mesmo recorreu da medida da pena imposta em sede de cúmulo jurídico, debruçar-nos-emos nesse momento, sobre as consequências desta condenação relativamente à pena única (como se refere em HD).
                                                    *
hb. arguido lc… – crime de abuso de confiança.
(Escritura de mútuo celebrada em 16 de Maio de 2006, entre as sociedades Breslan e Plexpart).
§. Do crime de abuso de confiança, previsto e punível pelo art.º205.º, n.º 1, 4, b), e 5, do Código Penal, imputado ao arguido LC… (factos narrados na pronúncia nºs 389 a 432 e 998; factos provados no acórdão nos pontos 366 a 408 e 941).
§§. Agravamento das penas parcelares impostas ao arguido LC… quanto aos crimes de burla qualificada e falsificação, bem como da pena única resultante.

I.

1. O MºPº extraiu as seguintes conclusões a propósito das questões supra enunciadas (uma vez que se procedeu já supra à transcrição integral das conclusões apresentadas por cada um dos recorrentes, opta-se por aqui se indicar apenas os números referentes às mesmas, que importam à decisão das questões que neste segmento cabe apreciar), nos pontos 70 a 113.

2. O arguido LC… apresentou resposta, que se mostra vertida nos pontos I a III.

II. Do crime de abuso de confiança, previsto e punível pelo art.º205.º, n.º 1, 4, b), e 5, do Código Penal, imputado ao arguido LC… (factos narrados na pronúncia nºs 389 a 432 e 998; factos provados no acórdão nos pontos 366 a 408 e 941).

1. O tribunal “a quo”, na matéria que ora nos cumpre apreciar, pronunciou-se nos seguintes termos (sublinhados nossos, em grande parte do texto, por razões que infra melhor se explicitarão):

Arguido LC…:
Além do mais, encontra-se pronunciado pela prática, como autor material, de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo art. 205º, n.ºs 1, 4, al. b) e 5 do C.P., “com referência aos factos narrados nos arts. 389º a 432º da pronúncia”.
Desta factualidade vejamos, antes de mais, naquilo que se configura de essencial a que resultou provada (v. factos provados 366 a 408 da pronúncia):
366) Na execução da estratégia definida no terceiro pilar, conforme acima narrado, no sentido da consolidação do controlo da posição accionista, acordaram os arguidos OC… e LC…, em adquirir acções da SLN Valor SGPS através de uma sociedade controlada pelo arguido LC…;
367) Para tanto, os arguidos OC… e LC…, conceberam a estratégia de constituir uma sociedade de direito português através dos serviços da PLANFIN, que denominaram PLEXPART SGPS;
368) Em execução do acordo, a sociedade “Plexpart SGPS S.A.” foi constituída por escritura datada de 29 de Maio de 2001, tendo como accionista única a PLANFIN – Serviços Planeamento Financeiro Internacional S.A. (PLANFIN daqui em diante), sendo esta representada no acto pela arguida IC…;
(…);         
378) A 23 de Janeiro de 2002, verificou-se uma alteração accionista na Plexpart, com a venda das restantes 12.500 acções detidas pela Newtech a LC…, ficando o mesmo accionista único da “Plexpart SGPS S.A.”, tal como planeado pelos arguidos OC… e LC…;
379) A sociedade Plexpart SGPS S.A. obteve 3.150.000 acções da SLN Valor SGPS S.A, as quais foram adquiridas da seguinte forma:
380) Em 18 de Julho de 2001, ocorreu um aumento de capital da SLN VALOR SGPS, tendo a PLEXPART concorrido para aquisição de uma quota de 2.000.000,00 €, tal como haviam planeado os arguidos OC… e LC…;
(…);
384) Para pagamento da quota subscrita, o arguido LC…, através do arguido LM…, ordenou, em 28 de Junho de 2001, uma transferência de 2.000.000,00 € da conta nº … da VENICE Capital junto do BPN Cayman para a conta da entidade offshore Multiarea junto do BPN Cayman com o nº …;
385) Ordenou ainda o arguido LC…, através do arguido LM…, que a Multiarea transferisse os mesmos 2.000.000,00 € para a conta da entidade offshore Eurowideas, no Barclays Bank em Londres;
386) A ordem de pagamento para o exterior foi executada por débito da conta da Multiarea, tendo no entanto tal ordem de pagamento sido anulada e o montante devolvido novamente à conta da Multiarea em BPN Cayman;
387) Em 2 de Julho de 2001, o arguido LC… fez com que a Multiarea transferisse o montante de 2.000.000,00 € a favor da conta junto do BPN Cayman titulada pela entidade offshore Seaford Holdings, com o número … e que desta fosse emitida nova ordem de pagamento a favor da conta da entidade offshore “Newtech Strategic Holdings Limited” junto do Barclays em Londres;
388) No dia 9 de Julho de 2001, a conta da PLEXPART junto do BPN registou um movimento a crédito de PTE 400.936.377$00 (EUR 1.999.870,00) cujo ordenante foi a Newtech Strategic Holdings Limited;
389) Desta forma, os arguidos OC… e LC… consolidaram poder accionista na SLN VALOR SGPS com recursos obtidos junto da entidade VENICE, a qual, após esta operação ficou com um saldo negativo de acumulado de 81,7 milhões de euros;
390) Os arguidos OC… e LC… montaram um circuito financeiro para os fundos retirados da VENICE, fazendo-os passar por contas de entidades instrumentais, caso das entidades offshore MULTIAREA, SEAFORD e NEWTECH, antes de finalmente ser recebido pela PLEXPART, de forma a ocultar a origem dos fundos e o saque a descoberto sobre a conta da VENICE;
391) No seguimento do seu plano de controlo accionista, os arguidos OC… e LC…, através da PLEXPART, concorreram a um novo aumento de capital da SLN VALOR SGPS;
392) Assim, na sequência do acordado, no dia 15 de Maio de 2003 a Plexpart concorreu ao aumento de capital tendo subscrito uma quota adicional de 1.000.000,00€;
393) Esta quota foi liquidada pela PLEXPART em duas tranches, uma a 23 de Junho de 2003, no montante de 500.000,00 € e a segunda em 29 de Setembro de 2003, também de 500.000,00 €;
394) A liquidação das duas tranches teve por base os seguintes movimentos:
395) No dia 23 de Junho de 2003, a sociedade offshore BRESLAN INVESTMENTS vendeu 250.000 acções da SLN SGPS S.A. à PLEXPART, tendo esta ficado devedora da “Breslan Investments LLC” no montante de 550.000,00 €;
396) A BRESLAN INVESTMENTS é uma entidade offshore, disponibilizada através da PLANFIN, que tem como beneficiário final o próprio arguido LC…;
397) No mesmo dia 23 de Junho de 2003, a Plexpart vendeu as mesmas 250.000 acções à sociedade “Geslusa”, empresa que consolida no universo SLN e onde o arguido LC… era vogal do Conselho de Administração desde 5 de Agosto de 1999, ao preço de 2,20 €, gerando um crédito na conta BPN da “Plexpart SGPS S.A.” de 550.000,00 €;
398) A liquidação da tranche ocorreu por débito da conta da PLEXPART no BPN e crédito na conta da SLN Valor no BPN, por transferência ordenada pelo arguido LC…;
399) Para liquidação da segunda tranche, ocorrida em 29 de Setembro de 2003, os arguidos LC… e OC…, com a colaboração do arguido VM…, fizeram conceder um crédito, no Banco Insular, no montante de 500.000,00 €, à sociedade “Plexpart SGPS S.A.”;
400) Para esconder a existência de um empréstimo junto do Banco Insular, o arguido LC…, fez depositar, no mesmo dia 29 de Setembro de 2003, um cheque de igual montante na conta da “Plexpart SGPS S.A.” junto do BPN, cheque esse sacado sobre a conta da PLEXPART junto do BBVA, fazendo, no entanto, inscrever na respectiva contabilidade que se tratava de um empréstimo da “Breslan Investments LLC”;
401) Ainda no sentido de ocultar os financiamentos concedidos à PLEXPART pela VENICE e pelo Banco Insular, o arguido LC…, já em 2006, perante a perspectiva da sua eventual saída do grupo SLN, que viria a ocorrer em 2007, solicitou a colaboração da arguida IC…, que conhecia a verdade dos financiamentos e, para não se envolver directamente no assunto, o arguido emitiu uma procuração a favor da Dra. CA…, a quem solicitou que o representasse numa escritura de mutuo, com o objectivo visado de produzir um novo documento que viesse dar uma justificação para a origem dos fundos;
402) Assim, o arguido LC… e a arguida IC… transmitiram à Dra. CA… apenas a informação de que a entidade BRESLAN havia realizado empréstimos à PLEXPART, nos anos de 2001 e de 2003, os quais era importante reconhecer;
403) Em execução do congeminado pelo arguido LC…, foi então celebrada, a 16 de Maio de 2006, no Cartório Notarial da Dra. JMt…, em Lisboa, uma escritura de mútuo em que a Dra. CA… interveio em representação da BRESLAN e a arguida IC… interveio em representação da PLEXPART;
404) No acto dessa escritura, a arguida IC… e a Dra. CA… declararam que a BRESLAN tinha concedido a 9 de Julho de 2001 um empréstimo à sociedade PLEXPART no montante de 2,5 milhões de euros, quantia que havia sido disponibilizada em duas tranches, uma nessa data de 2001 e no montante de 2 milhões de euros e a outra na data de 26 de Setembro de 2003, no montante de 500 mil euros, fazendo ainda referência a um prazo e taxa de juro;
405) A arguida IC… sabia que o afirmado naquele acto notarial não correspondia à verdade, tendo atuado em conluio e para realização dos interesses do arguido LC… e sabendo que, com as suas condutas, estavam a lesar as entidades que efectivamente tinham financiado a PLEXPART;
406) Com efeito, o arguido LC… para além de pretender ocultar o seu compromisso com financiamentos originados na VENICE e no Banco Insular, pretendia, através da BRESLAN, de que era beneficiário, forjar a existência de créditos sobre a sociedade PLEXPART;
407) Em 22 de Agosto de 2005, por deliberação em Assembleia-geral da SLN Valor SGPS S.A foram atribuídas 150.000 acções no aumento de capital por incorporação de reservas;
408) Os arguidos OC… e LC…, na prossecução dos seus intentos de domínio da posição societária, fizeram adquirir através da PLEXPART, um total de 1.000.000,00 €, em participações na SLN VALOR SGPS, com recurso a fundos obtidos junto de uma sociedade do grupo, a GESLUSA, e de um empréstimo junto do Banco Insular;
Vejamos de modo mais desenvolvido o crime de abuso de confiança:
No tipo legal do crime de abuso de confiança previsto no art. 205º, nº 1, do Código Penal, “Quem ilegitimamente se apropriar de coisa móvel que lhe tenha sido entregue por título não translativo de propriedade é punido …”, a coisa móvel não é subtraída a outrem pelo agente do crime, como sucede no crime de furto; ela já está em seu poder, mas por título não translativo de propriedade, dando-lhe, porém ele um destino diferente daquele para que foi confiada, ao dela se apropriar ilegitimamente.
Como refere o Prof. Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra Editora 1999, Tomo II, pág. 94, “o crime de abuso de confiança, tal como o crime de furto é um crime patrimonial pertencente à subespécie dos crimes contra a propriedade, tem como objecto de acção, tal como o furto, uma coisa móvel alheia, e, ainda como o furto revela-se por um acto que traduz o mesmo conteúdo substancial de ilicitude, uma apropriação”.
Porém, “a consumação deste crime consiste na inversão do título de posse, ou seja, no passar o agente a dispor da coisa “animo domini”. (…) O crime consuma-se quando o agente, que recebe a coisa móvel por título não translativo de propriedade para lhe dar determinado destino, dela se apropria, passando a agir “animo domini”, devendo porém entender-se que a inversão do título de posse carece de ser demonstrada por actos objectivos, reveladores que o agente já está a dispor da coisa como se sua fosse. Isto não significa, porém, que a conduta tenha que ser positiva, já que uma mera omissão pode consubstanciar essa reveladora objectividade” (neste sentido J. António Barreiros, in “Crimes Contra o Património, 111, e Prof. Cavaleiro Ferreira, aí citado.).
Ou seja, um dos elementos típicos do crime de abuso de confiança que exprime por excelência o bem jurídico protegido é a apropriação.
Enquanto, que no crime de furto a apropriação intervém como elemento tipo subjectivo de ilícito (como “intenção de apropriação”), no abuso de confiança, diferentemente, na sua estrutura de apropriação, isto é, na sua veste objectiva de elemento do tipo objectivo do ilícito.
Por isso, a apropriação no abuso de confiança, “não pode ser (...) um puro fenómeno interior – até porque «cogitationis poenam nemo patitu» – mas exige um «animus» que lhe corresponde se exteriorize, através de um comportamento, que revele e execute» (Prof. Eduardo Correia, in RLJ, 90º, 36, citado pelo Prof. Figueiredo Dias, in op. cit., pág. 103).
A apropriação traduz-se sempre, no contexto do crime de abuso de confiança precisamente na inversão do título de posse ou detenção: o agente que recebera a coisa «uti alieno», passa em momento posterior a comportar-se relativamente a ela – naturalmente, através de actos objectivamente idóneos e concludentes, nos termos gerais – «uti dominus»; é exactamente nesta realidade objectiva que se traduz a “inversão do título de posse ou detenção” e é nela que se traduz e se consuma a apropriação (...) Sob que forma deva manifestar-se a apropriação, é em definitivo indiferente: necessário é apenas, que como acima se disse, se revele por actos concludentes que o agente inverteu o título de posse e passou a comportar-se perante a coisa “como proprietário”. (...) É indispensável que através do acto ou actos de apropriação se tenha verificado uma deslocação da propriedade: a mera afectação da substância da coisa não constitui abuso de confiança (Prof. Jorge Figueiredo Dias, in loc. cit.).
Retomemos a factualidade provada:
Em primeiro lugar, importa aferir como e de onde veio o dinheiro.
1) Quanto à subscrição inicial da quota de € 2.000.000,00 no aumento de capital ocorrido em 2001:
O arguido LC…, na verdade, através da Plexpart, adquiriu uma quota de € 2.000.000,00 da SLN Valor.
Para o efeito, determinou uma transferência desse montante da conta da Venice Capital junto do BPN Cayman para a conta da entidade offshore Multiarea junto da mesma instituição bancária.
Depois de a quantia passar pela Seaford e pela Newtech finalmente, a 9.7.2001, a conta da Plexpart foi creditada com o montante de € 1.999.870,00.
Isto é, em resumo, tal como resulta do facto provado 389 da pronúncia a subscrição da quota da SLN Valor, naquele montante, foi lograda “com recursos obtidos junto da entidade Venice, a qual, após esta operação ficou com um saldo negativo acumulado de 81,7 milhões de euros”.
Não deixamos de estar perante um descoberto em conta que não é mais do que uma forma de concessão de crédito pelos bancos aos seus clientes, ficando com o direito de haver deles os montantes que lhes adiantaram.
De um lado, temos a responsabilidade da Venice perante o BPN Cayman pelo montante de € 2.000.000,00 sacado a descoberto da sua conta.
Já num momento posterior mas quase concomitante, temos a responsabilidade da Plexpart que fica devedora deste montante perante a Venice, podendo, assim, configurar-se a referida transferência de uma para a outra como um empréstimo/mútuo.
2) Subscrição adicional da quota de € 1.000.000,00:
A Plexpart subscreveu uma quota adicional de € 1.000.000,00 da SLN Valor, a qual foi liquidada em duas tranches, no montante de € 500.000,00 cada.
No que concerne à 1ª tranche:
No dia 23.6.2003 a offshore Breslan vendeu 250.000 acções da SLN, SGPS, S.A., à Plexpart tendo ficado devedora no montante de € 550.000,00, i.e., esta sociedade não pagou o preço de aquisição daquelas acções.
Por sua vez, no mesmo dia, a Plexpart vendeu as mesmas acções à Geslusa e recebeu o respectivo preço de € 550.000,00.
Creditada esta quantia na sua conta, a Plexpart liquidou a 1ª tranche das acções.
O que ocorreu foi, pois, uma compra e venda de acções entre a Plexpart e a Breslan, ficando esta sociedade com um crédito sobre a Plexpart no montante de € 550.000,00, na medida em que a Plexpart não pagou a aquisição.
Num segundo momento, entre a Geslusa e a Plexpart verificou-se uma compra e venda de acções com a correspondente liquidação financeira.
No que respeita à 2ª tranche:
A 29.9.2003 faltava pagar € 500.000,00.
Para a liquidação desta segunda tranche a Plexpart obteve um mútuo/empréstimo junto do Banco Insular no valor de € 500.000,00, quantia com a qual, a 29.3.2003, liquidou a 2ª tranche.
Daqui se conclui, que as obrigações que decorreram daqueles acordos têm natureza civil.
Contudo a violação dos direitos de crédito pelos arguidos não integra o elemento objectivo do crime de abuso de confiança.
Tratam-se de casos semelhantes, aos exemplos referidos pelo Prof. Figueiredo Dias (in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, 1999, págs. 102 e 103), designadamente o caso, do “mútuo, que, como contrato com eficácia real tendo por objecto coisas fungíveis, transfere a propriedade para o mutuário, (CC, art. 1144º), como será o caso do depósito irregular que tem também como objecto coisas fungíveis e ao qual são aplicáveis as normas relativas ao mútuo (CC, arts. 1205º e 1206º): trata-se ainda de um contrato real quoad effectum que transfere a propriedade da coisa para o depositário. E o mesmo deverá ainda dizer-se, para o efeito, do próprio depósito bancário de coisas fungíveis, nomeadamente de dinheiro, se bem que a sua natureza seja muito discutida, variando as qualificações: mútuo, depósito irregular, contrato misto, etc.”.
Como refere o mesmo autor (op. cit., pág. 102) “com a formulação agora legislativamente consagrada torna-se isento de dúvida que a violação de um mero direito de crédito de quem faz a entrega da coisa não pode nunca integrar o tipo objectivo do tipo de ilícito do abuso de confiança”. (bold nosso)
No mesmo sentido pronuncia-se Paulo Pinto de Albuquerque (in Comentário do Código Penal, 2ª ed. actualizada, Universidade Católica Portuguesa, pág. 646) quando refere que “estão excluídos do âmbito do tipo o mútuo de coisas fungíveis e o depósito irregular de coisas fungíveis, em virtude de se verificar a transferência da propriedade pelo facto da entrega (artigos 1144º e 1206º do CC).
Da factualidade provada, não resulta que os arguidos tenham praticado qualquer acto objectivamente idóneo e concludente, nos termos gerais – «uti dominus».
Em todas as situações analisadas ocorreu uma transferência da propriedade da coisa (dinheiro e acções).
Ou seja, não ocorreu a inversão do título da posse ou detenção, através da prática de um ou mais actos concludentes do agente, de que resulte inequivocamente a intenção do agente de fazer sua a coisa (apropriação).
Do exposto resulta que os arguidos não se apropriaram da aludida quantia, no sentido e alcance que lhe é dado, no crime de abuso de confiança, como elemento típico objectivo do ilícito.
Neste sentido, não se verifica o elemento objectivo do tipo de ilícito abuso de confiança, ou seja, a apropriação.
Assim sendo, uma vez que não se verificam os elementos objectivos do tipo de ilícito do crime de abuso de confiança, impõe-se a absolvição do arguido LC… da prática deste crime.
Isso não significa que a factualidade indicada não possa configurar a prática de outros crimes contra o património, designadamente da burla, falsificação de documento e infidelidade.
Tenha-se presente que o arguido LC…, além do mais, está também pronunciado pela prática, em autoria material, de:
-   um crime de burla qualificada, “com referência ao conjunto da sua actuação no que se reporta à indução em erro ou engano das entidades que lhe competia administrar, directa ou indirectamente”, p. e p. pelos arts. 217º e 218º, n.ºs 1 e 2, al. a) do C.P.;
-   um crime de falsificação de documento, “com referência ao conjunto da sua actuação no que se refere ao forjar de documentos e de registo de movimentos bancários e contabilísticos”, p. e p. pelo art. 256º, n.ºs 1, als. a) e e) e 3 do C.P.;
-   um crime de infidelidade, “com referência ao conjunto da sua actuação no que se reporta à violação das normas de gestão, com a consequente lesão dos interesses patrimoniais das entidades administradas”, p. e p. no art. 224º, n.º 1 do C.P.;
Oportunamente serão analisados estes crimes.
Por ora e pelas razões aduzidas, impõe-se a absolvição do arguido LC… da prática de um crime de abuso de confiança.
 
2. O MºPº entende que, no caso, o tribunal “a quo” errou porque, face à matéria de facto dada como provada, este deveria ter condenado o arguido LC… pela prática do crime a que vimos fazendo referência, o que se extrai do texto do acórdão recorrido, conjugado com as regras da experiência comum, consubstanciando a opção de absolvição tomada uma contradição entre a fundamentação – de facto – e a decisão, assim como resulta de erro notório na apreciação da prova, nos termos a que se refere o  art.º410.º, n.º 2, b) e c), do Código de Processo Penal.

3. Por seu turno, o arguido entende que:
a. Inexiste qualquer um dos vícios apontados à decisão, sendo certo que o recorrente não explicita de onde decorrem as nulidades que avança;
b. Se está em desacordo com a apreciação da prova realizada pelo tribunal “a quo”, deveria tê-la impugnado nos termos que a lei exige, explicitando os raciocínios que o levavam a concluir pela existência de tais vícios;
c. Estes vícios não se verificam;
d. O que está em causa não é um problema de apreciação de prova, mas uma questão exclusivamente normativa relacionada com a integração da factualidade no âmbito de aplicação do tipo incriminador de abuso de confiança.
 e. A decisão proferida pelo tribunal “a quo” mostra-se correcta pois não se mostra preenchido o tipo legal de crime de abuso de confiança.

4. Ponto prévio.
i. Começará por se dizer que, num ponto, assiste obviamente razão ao recorrido – quando afirma não estar aqui em questão, face ao argumentário do recorrente, uma questão de vícios, mas antes um desacordo quanto à integração jurídica realizada pelo tribunal “a quo”, face à matéria fáctica dada como provada.

ii. Na verdade, a tese do recorrente não se funda na afirmação de que o tribunal “a quo” julgou incorrectamente este ou outro facto que aduza, nem que deu como assente algo que se mostra contraditado pela motivação conviccional que realizou. O recorrente MºPº não requer o suprimento de qualquer vício em sede de matéria de facto, nem em sede de motivação.
O que o recorrente entende – embora o fundamente juridicamente em normas não aplicáveis ao caso (isto é, em sede dos vícios previstos no nº2 do artº 410 do C.P.Penal) – é que o tribunal “a quo” errou ao proceder ao enquadramento jurídico dos factos que deu como assentes, porque discorda do entendimento aí expresso no que se refere à apreciação da actuação do arguido LC… nesta matéria, já que considera que se mostram preenchidos os elementos constitutivos do crime de abuso de confiança.

iii. Tal fundamento de discórdia é legalmente admissível (artº 410 nº1 do C.P.Penal) e, mostrando-se compreensível quais os argumentos que a alicerçam (tanto assim é que o próprio recorrido demonstra tê-lo alcançado sem qualquer dificuldade, pois que dedica um título inteiro – ponto III. 1 – a refutar tal enquadramento jurídico), será por esse prisma que este tribunal procederá à apreciação da questão proposta pelo recorrente.

5. Apreciando.
i. A matéria factual relevante para a apreciação desta questão é a que se mostra vertida nos pontos 366) a 408) e 941) dos factos provados.
Sinteticamente, e para a questão que agora nos cumpre resolver, o que estes factos narram é o seguinte:
a. Os arguidos JO… e LC… quiseram proceder à aquisição de acções da SLN Valor SGPS e aproveitaram os três aumentos de capital por aquela sociedade realizados, em 18 de Julho de 2001, 15 de Maio de 2003 e 22 de Agosto de 2005, para o fazerem, num total de 3.150.000 acções.
b. Essas acções foram adquiridas por uma sociedade offshore criada para esse fim, denominada Plexpart SGPS S.A..
c. Essa sociedade era detida pela sociedade offshore Newtech, cujo UBO (ultimate beneficial owner ou beneficiário efectivo) era a sociedade offshore Marazion, ou seja, a SLN Imobiliária (que detinha 12.500 acções da Plexpart) e pelo arguido LC… (que detinha 37.500 acções da Plexpart). Em 23 de Janeiro de 2002, a Newtech vendeu as acções da Plexpart ao arguido LC…, que passou a ser o seu único UBO.
d. As quantias necessárias para a aquisição das acções da SLN Valor SGPS pela Plexpart, foram alcançadas do seguinte modo:
§. O montante de € 2.000.000,00: fundos retirados da sociedade offshore Venice - UBO Grupo BPN/SLN (através de um circuito financeiro de circulação desses fundos por contas de entidades instrumentais, como as entidades offshore MULTIAREA, SEAFORD e NEWTECH, antes de finalmente ser recebido pela PLEXPART, de forma a ocultar a origem dos fundos e o saque a descoberto sobre a conta da VENICE);
§. O montante de € 1.000.000,00:
> Através da venda, pela Plexpart, de 250.000 acções da SLN SGPS à Geslusa, sociedade pertencente ao universo SLN (estas acções provieram da Breslan, que as vendeu à Plexpart) - pagamento da primeira tranche;
> € 500.000,00 através de crédito concedido pelo Banco Insular à Plexpart, que correspondeu à liquidação da segunda tranche, que ocorreu em 29 de Setembro de 2003. Esse crédito foi disfarçado, de modo a aparentar estar-se perante um empréstimo da Breslan à Plexpart (e não, como verdadeiramente ocorria, um empréstimo proveniente do Banco Insular).
§. A última aquisição (150.00 acções): por incorporação de reservas.
e. Constata-se assim que, no final de Setembro de 2003, a Plexpart recebeu o total de € 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil euros), provenientes de empréstimos da Venice e do Banco Insular, tendo sido com esses fundos que adquiriu o número correspondente de acções da SLN Valor SGPS.
f. O arguido LC… era o UBO (beneficiário efectivo) de uma sociedade offshore denominada Breslan.
g. Em 16 de Maio de 2006, o arguido LC… determinou que se celebrasse uma escritura, em que foram intervenientes a Breslan e a Plexpart, constando na mesma (denominada escritura de mútuo) que a sociedade Breslan havia concedido um empréstimo à sociedade Plexpart, em 9 de Julho de 2001, no montante de 2,5 milhões de euros. Aí se fazia igualmente referência a um prazo e a uma taxa de juro.

ii. Como se constata pela sua mera leitura, sublinhámos oportunamente - quando transcrevemos o enquadramento jurídico realizado pelo tribunal “a quo” a este respeito - boa parte desse texto.
Os segmentos assim realçados correspondem à apreciação realizada pelo tribunal “a quo” à qual damos a nossa concordância, à semelhança, aliás, do que sucede com o recorrido, que na sua resposta avança ainda mais citações doutrinárias e jurisprudenciais, a propósito da vexata quaestio da exclusão do âmbito do tipo de crime que apreciamos, no que concerne à factualidade que acabámos de resumir e que se mostra ínsita nas alíneas a. a f. (independentemente de essa factualidade poder ter relevância em sede de outro tipo de ilícito, designadamente no âmbito do crime de burla).
Efectivamente, no que respeita a essa matéria fáctica, estamos perante acordos de natureza civil, sendo certo que a eventual violação dos direitos de crédito pelos arguidos não integra o elemento objectivo do crime de abuso de confiança.

iii. Todavia, a apreciação muda radicalmente de sentido, ao constatarmos o acto praticado por iniciativa do arguido LC…, em 16 de Maio de 2006, que se mostra relatado na alínea g. supra.
Sucede, todavia, que não só o acórdão, em sede de enquadramento jurídico, não lhe faz a mais remota referência como, de igual modo parece o recorrido esquecer que o mesmo ocorreu. É um silêncio ensurdecedor, em que, aparentemente, ninguém se quer referir ao “elefante na sala”, perdoe-se-nos a expressão, com excepção, obviamente, do ora recorrente.

iv. Determina o artigo 1142 do C. Civil que mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade.
Por seu turno, dispõe o nº1 do artº 241 do mesmo diploma legal que quando sob o negócio simulado exista um outro que as partes quiseram realizar, é aplicável a este o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem dissimulação, não sendo a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado.

v. Resulta da matéria de facto provada que o contrato de mútuo celebrado através da escritura de 16 de Maio de 2006 é não só um contrato simulado - pois o seu teor não corresponde à realização de qualquer negócio real que lhe subjaza - mas essencialmente uma apropriação unilateral ilegítima; isto é, o que essa simulação esconde nem sequer é um outro negócio jurídico sinalagmático (negócio real, querido pelas partes), mas antes a integração ilegítima de património alheio.

vi. Efectivamente, a Breslan nunca emprestou qualquer quantia à Plexpart – quem emprestou foram a Venice e o Banco Insular (em última ratio, o Grupo BPN/SLN, na área do qual estas entidades consolidavam).
Assim, o que verdadeiramente o arguido pretendeu com a celebração dessa escritura, não foi a consagração de um negócio real em sede civil, mas alcançar (através de declarações que não tinham qualquer correspondência com a realidade) um único propósito – a apropriação, pela Breslan (isto é, pelo seu UBO) de dois milhões e meio de euros; ou seja, esta escritura não transferiu a propriedade do que quer que fosse, pela singela razão que a Breslan nunca transmitiu qualquer quantia para a Plexpart.

vii. Trata-se assim, sem dúvida, de um puro e simples acto de apropriação.
É por esta via que o arguido LC… procedeu à inversão do título da posse, no que concerne às quantias que a Plexpart havia recebido de instituições pertencentes ao grupo BPN/SLN.
Na verdade, a Plexpart – à data integralmente pertencente ao arguido LC… – havia recebido quantias provenientes da Venice e do Banco Insular, para adquirir acções.
Ao realizar, em 2006, o contrato simulado acima mencionado, o arguido LC… apropriou-se desses montantes que havia recebido, integrando-os no património da Breslan, de que era beneficiário efectivo (UBO).
Praticou este acto como se fosse proprietário dessa quantia, fazendo-a entrar no seu património, dispondo dela como coisa sua, demonstrando, nesse momento temporal, que não tinha qualquer propósito de a restituir à Venice ou ao Banco Insular.

viii. Do que se deixa dito decorre que, se no que concerne aos actos que levaram às movimentações em dinheiro que permitiram à Plexpart adquirir as acções da SLN Valor SGPS (provenientes da Venice e do Banco Insular) estamos fora do âmbito da previsão do tipo de crime de abuso de confiança, por se tratarem de contratos de natureza civilística que, só por si, não preenchem o requisito de apropriação, o mesmo já não sucede com o acto sobre o qual agora nos debruçamos.

ix. Efectivamente, a escritura de 16 de Maio de 2006, é o acto através do qual o arguido LC… se serviu para se apropriar de coisa móvel (dinheiro), que lhe havia sido entregue por título não translativo da propriedade (empréstimos concedidos à Plexpart, de quem era o único beneficiário, pela Venice e pelo Banco Insular).
O montante alvo de apropriação ascende a € 2.500.000,00, pelo que atento o disposto no artº 202 al. b) do C.Penal, se tem de entender como valor consideravelmente elevado (aquele que exceder 200 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto: a UC estava fixada, à data, em € 89,00x200 = € 17.800,00).
Dinheiro é uma coisa móvel fungível[4], integrando-se na definição legal consignada no corpo do artº 205 do C.Penal (1 - Quem ilegitimamente se apropriar de coisa móvel (…) que lhe tenha sido entregue por título não translativo da propriedade é punido (…)).
O arguido LC… era o beneficiário efectivo da sociedade offshore Plexpart, tendo assim recebido os montantes emprestados em depósito imposto em razão do facto de ser o único accionista daquela sociedade, que exclusivamente controlava.
O arguido quis e actuou da forma descrita, bem sabendo que tal apropriação não era permitida por lei.
Mostram-se assim preenchidos todos os elementos constitutivos do tipo de crime que, em sede de pronúncia, era imputado ao arguido.

x. E inexiste relação de consumpção entre este crime de abuso de confiança e o crime de burla qualificada, pelo qual o arguido LC… se mostra já condenado.
Efectivamente, embora em ambos os crimes o bem jurídico protegido seja a defesa do património, a tutela legal diversa e autónoma é dirigida aos diferentes modos como se processa o alcançar de tal desígnio - o ataque aos bens de outrem.
Enquanto no crime de abuso de confiança a apropriação incide sobre uma coisa entregue licitamente ao agente, na expectativa, portanto, da sua oportuna devolução ao seu legítimo proprietário, sendo tal entrega realizada no contexto de uma relação de fidúcia entre o agente e o proprietário, no crime de burla a actividade astuciosa que provoca o erro ou engano sobre os factos, tem de determinar essa entrega, esse prejuízo patrimonial, nunca se verificando pois, qualquer inicial transmissão lícita.
Assim, na burla, o desapossamento, o empobrecimento da vítima resulta de um acto de engano, enquanto que no abuso de confiança tudo se inicia e processa sem qualquer erro ou ardil, pelo que a actividade ilícita apenas se verifica quando se inicia a apropriação ilegítima.
São acções e intenções que, embora violem a protecção do bem jurídico propriedade, são autónomas entre si, pois requerem do agente que as pratica a formulação de vontades de agir, independentes e diversas, para poder alcançar os seus propósitos, sendo cada uma delas dirigida à dita violação da tutela do bem jurídico protegido.

ix. Assim sendo, resta-nos concluir que se mostram preenchidos todos os elementos constitutivos do tipo de crime que lhe vinha imputado, pelo que caberá reconhecer que assiste razão ao recorrente, tendo o arguido LC… de ser condenado pela prática de um crime de abuso de confiança, previsto e punível pelo art.º205.º, n.ºs 1 e 4, al. b), ex vi artº 202 al. b), todos do Código Penal.
No que concerne à circunstância qualificativa agravante consignada no nº 5 do citado artº 205 do C.Penal, uma vez que a actuação do arguido já se mostra integrada na circunstância qualificativa agravante prevista no nº4 al. b) do mesmo preceito (sendo a moldura penal idêntica, em função de qualquer uma destas qualificativas – 1 a 8 anos de prisão), esta terá apenas relevância como circunstância agravante comum, para efeitos de dosimetria da pena.
 
III. Da pena a impor ao arguido pela prática de um crime de abuso de confiança, previsto e punível pelo art.º205.º, n.º 1, 4, b), do Código Penal.

1. A moldura penal prevista para este tipo de ilícito é a de pena de 1 a 8 anos de prisão.

2. O recorrente MºPº pede a condenação do arguido na pena de 5 anos e 6 meses de prisão, pela prática deste ilícito.

3. O recorrido, nesta sede, queda-se pelo pedido de manutenção da sua absolvição.

4. Decidindo.
Para determinação da medida da pena cabe ter presente, desde logo, o vertido nos artigos 40º, 70º e 71º, todos do Código Penal, a saber:
- Protecção dos bens jurídicos acautelados pela norma incriminadora, atentos os fins de prevenção geral e especial (na prevenção geral utiliza-se a pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos - prevenção geral negativa – e para incentivar a convicção da sociedade de que as normas penais são válidas, eficazes e devem ser cumpridas – prevenção geral positiva; na prevenção especial, a pena é utilizada no intuito de dissuadir o próprio delinquente de praticar novos crimes e com o fim de auxiliar a sua reintegração na sociedade);
- Culpa do agente.
- Ilicitude do facto;
- Circunstâncias de carácter comum, agravantes e atenuantes.
Atenta a moldura penal deste tipo de crime (não admite, em alternativa, pena não privativa da liberdade), o disposto no artº 70 do C.Penal mostra-se afastado.

5. Para apreciação das diversas circunstâncias a que alude o artº 71 do C.Penal, atenderemos à matéria de facto dada como assente pelo tribunal “a quo”, bem como aos critérios que se mostram vertidos no acórdão, a que aditaremos o vertido no ponto 6. infra.
Assim, para além da materialidade assente, relativa à narração da actividade prosseguida por estes dois arguidos, preenchedora dos elementos constitutivos do crime (já acima referida), temos que:
1003) Cresceu junto dos progenitores e de oito irmãos, num agregado de média condição económica, coeso e afectivamente gratificante;
1004) Teve um percurso escolar com elevado aproveitamento académico, tendo feito, após conclusão do ensino secundário, o bacharelato em contabilidade. Mais tarde, enquanto trabalhador estudante, licenciou-se pelo Instituto Superior de Contabilidade de Aveiro;
1005) Fez serviço militar obrigatório entre 1973 e 1975 nos comandos;
1006) Posteriormente foi professor do ensino secundário, tendo, em 1977, ingressado na Direcção-Geral de Contribuições e Impostos, da qual saiu em 1993 como Director de Finanças. Entre 1990 e 1995 leccionou contabilidade e auditoria na Universidade Autónoma de Lisboa e no Instituto de Estudos Económicos e Fiscais. Entre 1993 e 1999 integrou a consultora Ernst & Young como consultor/especialista tributário. De 1999 a 2007 foi administrador da SLN, do qual saiu na situação de pré-reforma;
1007)Teve um casamento, do qual nasceram duas filhas. Posteriormente viveu maritalmente por mais de uma década com a arguida IC…;
1008) É esforçado, trabalhador, empreendedor, competente e autoconfiante;
1009) Reformado desde 2014, aufere uma pensão de reforma no montante de € 2 460 mensais;
1010) O arguido mantém boa relação com as filhas e netos e com a ex-companheira;
1011) Reside sozinho numa casa pela qual paga a renda mensal de € 500;
1012) Ocupa-se com a sua actualização nas matérias do seu interesse a escrever sobre os mesmos temas, para além da leitura, cinema e fotografia;
 
6. O dolo é directo, pelo que a culpa se tem de considerar num patamar acima do médio;
A ilicitude é elevada, tendo em atenção:
- As funções que o agente exercia (quer em sede do Grupo BPN/SLN, quer no que respeita às offshore Plexpart e Breslan), que lhe permitiram actuar do modo descrito, em sentido diametralmente oposto ao que lhe era exigível;
- o facto de o montante alvo de apropriação ultrapassar em muito o valor determinado para poder ser considerado como consideravelmente elevado, ou seja, o quantitativo de que se apropriou, retirando tal elemento qualificativo agravativo, ultrapassar a fasquia dos 2 milhões de euros.
O arguido não demonstrou reconhecimento da gravidade da conduta;
Não houve reparação;
O arguido mostra-se social e familiarmente inserido, tendo vida profissional consistente e longa;
Não tem antecedentes criminais;
O lapso de tempo já decorrido, desde a prática dos factos;
O arguido tem presentemente 67 anos de idade.
O arguido encontra-se reformado.

7. Tudo ponderado, entende-se ser de aplicar ao arguido a pena parcelar de 4 anos de prisão.

§§. Agravamento das penas parcelares impostas ao arguido LC… quanto aos crimes de burla qualificada e falsificação, bem como da pena única resultante.

1. O MºPº, no recurso que interpôs e na parte concernente a este arguido, pediu o agravamento das seguintes penas:
Pelo cometimento do crime de burla qualificada previsto e punível pelos arts. 217.º e 218.º, n.º 2, a), do Código Penal: pena de 7 anos de prisão (pena imposta pelo tribunal “a quo”: 6 anos e 6 meses de prisão);
Pelo cometimento do crime de falsificação de documento, previsto e punível pelo art.º256.º, n.º 1, a) e e), e n.º 3 do Código Penal: pena de 4 anos de prisão (pena imposta pelo tribunal “a quo”: 3 anos e 6 meses de prisão).
Em cúmulo jurídico destas penas com a pena parcelar pelo cometimento do crime de abuso de confiança – pena única de 11 anos e 6 meses de prisão (pena imposta pelo tribunal “a quo”: 8 anos e 6 meses de prisão).

2. Como se refere infra em HD., entende-se que tal questão deverá ser tratada em bloco, quando nos debruçarmos sobre os pedidos formulados, por todos os recorrentes, a propósito de tal questão (vide infra neste acórdão, IV. Fundamentação, §§, capítulo J.).
                                                    *
hc. arguido ro… – crime de burla qualificada.

Do crime de burla qualificada, p. e p. pelos artºs. 217º, 218º, nº1 e nº 2 al. a) do C. Penal, imputado ao arguido RO… (conjunto da sua actuação, factos narrados na pronúncia nºs 599 a 719; factos provados no acórdão nos pontos 574 a 667, factos provados da contestação e factos não provados).
§. relatório.
1. O MºPº extraiu as seguintes conclusões a propósito das questões supra enunciadas (uma vez que se procedeu já supra à transcrição integral das conclusões apresentadas por cada um dos recorrentes, opta-se por aqui se indicar apenas os números referentes às mesmas, que importam à decisão das questões que neste segmento cabe apreciar), nos pontos 125 a 350.

2. O arguido RO… apresentou resposta, que se mostra supra já transcrita.

§§. da reapreciação probatória.
1. Em sede de pronúncia, era imputada ao arguido a prática dos seguintes factos:
Preparação da venda da VALIDUS pela SLN Investimento
599º - Tal estratagema tinha também como objectivo gerar e aumentar os suprimentos colocados na VALIDUS.
600º - Com efeito, ao declararem adquirir um inexistente crédito de terceiro sobre a VALIDUS, os arguidos estavam a aumentar o crédito da sociedade que representavam, a SLN INVESTIMENTOS, sobre a mesma VALIDUS.
601º - Esse procedimento, inseria-se, numa estratégia concebida pelos arguidos OC…, LC… e FS…, que visava utilizar a VALIDUS numa operação de transferência de acções da SLN SGPS, visando aumentar o nível de controlo da mesma pela SLN VALOR, conforme se passa a narrar.
602º - Essa estratégia passava também por proporcionar ganhos a um terceiro, o arguido RO…, a quem a VALIDUS seria transmitida carregada de suprimentos, e que tinha aceite intervir nas mesmas operações.
Utilização da VALIDUS para aquisição de acções SLN
603º - Em Outubro de 2000, os arguidos JO…, LC…, FS…, IC…, LM… e LAl… elaboraram um novo estratagema para a realização de operações financeiras simuladas de forma a transferir para a SLN VALOR, com a aparência de serem adquiridas a terceiros, mais um conjunto de acções da SLN SGPS, que se encontrava detida por entidades em offshore do próprio grupo.
604º - Tal esquema passava por utilizar a VALIDUS como veículo para a aquisição de acções da SLN SGPS, que depois seriam revendidas à SLN VALOR.
605º - Para tal, era necessário que a VALIDUS fosse detida por terceira pessoa da confiança do grupo.
606º - A VALIDUS seria financiada para a realização de tal operação, ao mesmo tempo que seria garantido a esse terceiro a obtenção de um ganho, que os arguidos aceitavam pagar para alcançar o objectivo da transferência de acções para a SLN VALOR.
607º - Porém, como a VALIDUS detinha património de elevado valor, sendo um imóvel sito em Torres Novas do interesse do próprio grupo, que não interessava ser colocado em terceiros, os arguidos decidiram que teria que ser dividido o património desta empresa, se necessário através de uma cisão, tal como efectivamente veio a ser levado a cabo.
608º - Para execução desse plano, os arguidos JO…, LC…, FS…, IC…, LM… e LAl…, obtiveram a adesão ao mesmo do arguido RO…, a quem ofereceram a obtenção final de um ganho e garantiram a existência de um financiamento para levar a cabo a aquisição da VALIDUS.
609º - O arguido RO… veio porém, a exigir que, neste negócio, lhe viesse a ser conferida, para a sua esfera pessoal, uma vantagem acrescida, uma vez que, na mesma época, o grupo BPN/SLN estava interessado na aquisição de imóveis que eram detidos pelas suas empresas ou que estavam na sua esfera de intermediação.
610º - Esses negócios então pendentes traduziam-se em:
- Venda, através da empresa ALTOS VOOS, pertença de RO…, ao fundo IMONEGÓCIOS, gerido pela IMOFUNDOS, do imóvel sito na Rua D. João V, em Lisboa, para instalação do Private Bank do BPN, que veio a ser concretizada pelo preço de 350 mil contos, por escritura de 20 de Fevereiro de 2001, (folhas 1960 Proc. …/…);
- Venda da sociedade ASTROIMÓVEL, detentora de um imóvel sito na Rua Castilho, em Lisboa, a duas sociedades offshore, a OARDALE e a KINASOL, ocorrida a 15-12-2000, entidades essas que, na data de 31-12-2001, venderam a mesma sociedade e o seu activo ao fundo IMOGLOBAL, gerido pelo IMOFUNDOS do BPN, e participado pelo próprio RO…, como adiante se narrará.
611º - De acordo com o planeado, os arguidos JO…, LC…, FS…, no dia 30 de Outubro de 2000, determinaram a aquisição por RO… de 1.250.000 acções da SLN SGPS S.A.
612º - A aquisição de 1.250.000 acções foi efectuada ao preço de 1,85€ cada, sendo a entidade vendedora a EMKA INTERNACIONAL, já acima referida, sendo uma pertencente ao universo do grupo SLN.
613º - Consequentemente, nesse dia 30-10-2000, a conta de títulos BPN nº …, titulada pelo arguido RO…, foi carregada com as aludidas 1.250.000 acções da SLN SGPS.
614º - Nessa data, a transacção aludida não consubstanciou qualquer dispêndio por parte do comprador, ou seja, apesar da entidade vendedora terem sido creditada pela venda pelo montante de 2.312.500,00€, a que corresponde o contravalor de 463.614.625$00, o comprador, arguido RO…, não realizou qualquer pagamento.
615º - Tal valor ficou numa denominada conta contabilística de regularização, prática sujeita a regularização dentro do mesmo exercício.
616º - Tal operação seria apenas transitória, uma vez que o plano dos arguidos JO…, LC…, FS…, IC…, LM… e LAl… passava pela utilização da sociedade VALIDUS como veículo para a transmissão daquelas acções para a SLN VALOR.
617º - Assim, o montante de 463.614.625$00, preço das acções, seria transferido para a referida sociedade VALIDUS e esta então vendida ao arguido RO….
618º - Conforme já acima narrado, nessa data, último trimestre do ano 2000, a sociedade VALIDUS era detida pela SLN IMOBILIÁRIA, que por via da operação contabilística também supra referida, havia parqueado cerca de 90% das acções da VALIDUS na sociedade offshore VENICE.
619º - Os arguidos JO…, LC…, FS…, IC…, LM… e LAl… precipitaram então uma série de actos contratuais, praticados nos dias 28 e 29 de Dezembro de 2000, de modo a alcançar o objectivo de transferirem a sociedade VALIDUS para o RO….
620º - Para tal, tiveram que forjar documentos e alterar a sequência lógica dos actos, aceitando lesar as sociedades do Grupo SLN tendo em vista alcançar o propósito de reforço do controlo accionista, ou seja, colocar as acções da SLN SGPS na titularidade da SLN VALOR.
621º - Assim, os arguidos JO…, LC…, FS…, IC…, LM… e LAl…, começaram por, a 28 de Dezembro de 2000, fazer com que a então SLN Imobiliária SGPS S.A (actualmente SOGIPART SGPS S.A.) vendesse à SLN Investimentos SGPS S.A. as acções que detinha sobre a sociedade VALIDUS, com o NIF 503430587, pelo preço de 1.084.000.000$00, a que acresceu ainda o valor de 57.436.000$00 relativo a suprimentos que entretanto haviam sido gerados.
622º - Nessa data, conforme os arguidos fizeram constar do contrato, os créditos por suprimentos de que a SLN Imobiliária era titular na VALIDUS atingiam o montante de 57.436.000$00, tendo sido esse o valor dos suprimentos sobre a VALIDUS cedidos pela SLN Imobiliária à SLN Investimentos.
623º - Tal aquisição foi paga, no dia 29 de Dezembro de 2000, pela SLN Investimentos através de transferência da sua conta BPN nº …, das importâncias de 975.600.000$00 e de 108.400.000$00, no montante total de 1.084.000.000$00 para a conta nº …, da SLN IMOBILIÁRIA.
624º - Não tiveram em conta porém, os arguidos, que 90% das acções da VALIDUS estavam na posse da VENICE e assim, apenas com data do dia seguinte, 29 de Dezembro, vêm a regularizar a situação fazendo transferir da VENICE para a SLN IMOBILIÁRIA as referidas acções, conforme pagamento do montante de 975.600.000$00 realizado para a conta da VENICE nº …, nesse mesmo dia.
625º - Assim, pese embora a SLN IMOBILIÁRIA tenha transmitido um activo que estava parqueado na esfera da VENICE, isto é transmitiu o que não tinha, certo é que a SLN INVESTIMENTOS, onde se encontravam como administradores o LM… e o LAl…, veio a tornar-se a única accionista da sociedade VALIDUS.
626º - No 28 de Dezembro de 2000, os arguidos elaboraram também um projecto de cisão do património da VALIDUS, através da sua colocação em duas distintas empresas, conforme já vinham a congeminar.
627º - Tal actuação tinha como objectivo não incluírem no negócio com RO… o património detido pela VALIDUS que ainda interessava para o grupo, o imóvel sito em Torres Novas.
628º - Através da referida cisão, a sociedade designada “VALIDUS – Imobiliária e Investimentos, SA”, com o NIF 503430587, passou a designar-se “Quinta da Torre Santo António – Sociedade Imobiliária, SA”, mantendo o mesmo NIF.
629º - A Quinta da Torre Santo António, SA, ficou no seu activo com imóvel sito em Torres Novas - prédios mistos denominados Quinta da Torre Santo António e Quinta do Marquês, sito na freguesia de Santiago, concelho de Torres Novas, descrito na conservatória do registo predial de Torres Novas, sob o nº 00848/300993 e inscrito na matriz predial a parte urbana sob o artigo 951 e a parte rústica sob o artigo 1 da Secção C, com o valor de 1.600.000.000$00.
630º - Da cisão resultou ainda a constituição de uma nova sociedade que também designaram por “Validus- Imobiliária e Investimentos, SA”, agora com o NIF 505147459, com o capital social de 11 mil contos, dividido em outras tantas acções com o valor nominal de 1.000$00.
631º - Esta empresa, ficou com o restante activo da antiga VALIDUS e que se traduzia num imóvel sito em Cascais, na Avenida do Brasil, Rua Particular, Lote Um, correspondente ao artigo matricial nº 7205, da freguesia e concelho de Cascais, com o valor de  252.767.630$00.
632º - Esta era a entidade VALIDUS que os arguidos JO…, LC…, FS…, IC…, LM… e LAl… haviam planeado vender ao arguido RO… e onde deveriam ser colocados suprimentos suficientes para garantir a aquisição e o pagamento das acções da SLN SGPS já colocadas na conta do RO….
633º - Deveria ainda possibilitar ao arguido RO… a obtenção dos ganhos pessoais prometidos, como contrapartida da sua colaboração na transmissão de acções para a SLN VALOR.
634º - Porém, o arguido RO…, para além de todas as prometidas contrapartidas, não pretendia, ainda assim, fazer qualquer esforço financeiro pela aquisição da nova sociedade VALIDUS, pelo que, propôs a realização de outro negócio contemporâneo e em complemento daquele.
O negócio da aquisição da ASTROIMÓVEL
635º - Com efeito, para lograrem obter a participação do arguido RO…, que exigia, conforme acima referido, a concretização de negócios imobiliários, concordaram os arguidos JO…, LC…, FS…, IC…, adquirir, em parceria com aquele, a empresa ASTROIMÓVEL.
636º - Para lhe proporcionarem a liquidez necessária, os arguidos JO… LC…, FS… e IC…, conceberam então um plano que, passava por aumentar e utilizar os financiamentos concedidos a duas sociedades offshore, a OARDALE e a KINASOL, para adquirir as acções da aludida ASTROIMÓVEL.
637º - Conseguiam com esta operação e através das daquelas empresas proporcionar financiamento ao RO… para a aquisição da VALIDUS.
638º - Com efeito, o arguido RO… havia negociado com ASS… a aquisição da sociedade ASTROIMÓVEL, contando, para tal, com a montagem de um financiamento através do BPN Cayman e do Banco Insular.
639º - Para tal aquisição, os arguidos OC…, LC…, IC… e FS… decidiram utilizar duas entidades veículo, em offshore, no caso as referidas KINASOL ASSETS LTD e OARDALE HOLDINGS CORP, ambas com registo nas Ilhas Virgens Britânicas.
640º - A sociedade KINASOL ASSETS LTD, pertencia ao Grupo SLN.
641º - Por sua vez, a sociedade OARDALE HOLDINGS CORP, tinha como beneficiário final o arguido RO….
642º - Em execução do plano, em 15 de Dezembro de 2000, a KINASOL ASSETS LTD adquiriu 36.000 acções representando 36% da “Astroimóvel – Sociedade Imobiliária” a familiares de ASS… pelo preço de 1.000.000.000$00.
643º - Na mesma data, a sociedade OARDALE HOLDINGS CORP., adquiriu os restantes 64 % por 1.295.000.000$00 ao próprio ASS… e à empresa “A. Santo Empreendimentos Industriais e Turísticos, S.A”.
644º - O pagamento de tais aquisições, foi realizado com débitos a descoberto sobre as contas da KINASOL junto do BPN Cayman, conta nº …, e da OARDALE também junto do BPN Cayman, conta nº …, os quais foram solicitados pela arguida IC…, com a ratificação do arguido OC…, uma vez que as referidas contas foram movimentadas a descoberto.
645º - O acordo então estabelecido entre o arguido RO… e os arguidos OC… e LC…, previa que a oportunidade de negócio trazida pelo primeiro fosse remunerada com a detenção de uma participação inicial de 35% sobre a sociedade ASTROIMÓVEL, sem que ao mesmo arguido RO… fosse exigido qualquer esforço financeiro para a aquisição da mesma sociedade.
646º - Foi então necessário recompor as participações de cada uma das sociedades offshore no capital social da ASTROIMÓVEL, pelo que os arguidos RO…, LC…, OC…, IC… e FS… trataram de fazer a OARDALE vender à KINASOL o equivalente a 29% do capital social da ASTROIMÓVEL.
647º - Tal operação gerou novos pagamentos, sobre a mesma conta da KINASOL, a favor da OARDALE, mesma conta supra indicada no BPN Cayman, nos montantes de 2.900.132,32 € e de 258.859,06€ (a titulo de juros), de novo determinados pelos arguidos LC…, OC…, IC… e FS….
648º - Tais pagamentos vieram apenas a ser realizados na data de 31-12-2001, correspondendo à data da venda das participações na ASTROIMÓVEL ao fundo IMOGLOBAL, como adiante se narrará.
649º - Assim, a Kinasol passou a deter 65 % da Astroimóvel a um custo de aquisição de 8.146.970,80€ e a Oardale passou a deter 35 % a um custo de aquisição de 3.300.441,39€.
650º - Tendo sido resposta a proporção acordada, de 35% para RO…, através da OARDALE, e de 65% para a SLN SGPS, através da KINASOL, os arguidos OC…, LC…, FS…. e RO…, trataram de fazer rentabilizar a aquisição da ASTROIMÓVEL através da venda da mesma a uma terceira entidade.
651º - Para o efeito, dando execução ao planeado entre os arguidos LC…, OC…, IC… e FS… e o arguido RO…, veio a ser criado o fundo de investimento imobiliário IMOGLOBAL, gerido pelo IMOFUNDOS, do BPN.
652º - Tal fundo IMOGLOBAL seria financiado pelo próprio BPN, e destinava-se a adquirir os imóveis apresentados para aquisição pelo RO…, de acordo com valores de conveniência a definir pelos arguidos, sendo a parte dos pagamentos destinada ao mesmo RO… convertida em unidades de participação no referido fundo.
653º - Assim, em 31 de Dezembro de 2001, a sociedade “KINASOL Assets Ltd” vende 65.000 acções (65 %) da ASTROIMOVEL ao fundo BPN IMOGLOBAL, por EUR 12.350.000,00 tendo a sua conta junto do BPN Cayman sido creditada pelo referido montante.
654º - No mesmo dia, a sociedade “OARDALE Holdings Corp” vendeu as 35.000 acções (35%) da ASTROIMOVEL ao fundo BPN IMOGLOBAL, por 6.650.000,00€ tendo a sua conta junto do BPN Cayman sido creditada pelo referido montante.
655º - Face ao exposto, os arguidos fizeram com que o BPN Imofundos através do BPN Imoglobal viesse a pagar 19 milhões de euros pela totalidade do capital social da sociedade ASTROIMÓVEL, quando o mesmo havia, um ano antes, sido adquirido pelo preço de 2.295.000.000$00, correspondente a cerca de 11 milhões de euros.
656º - Tal operação de compra e venda da ASTROIMÓVEL gerou assim os seguintes pagamentos e mais-valias:

(Imagem removida)

             657º - Assim, no intervalo de tempo decorrido entre 15-12-2000 e 31-12-2001, a sociedade ASTROIMÓVEL foi valorizada em 7.552.588,26€, em prejuízo do fundo IMOGLOBAL, onde o activo se encontra actualmente inscrito, sem valorização.
Financiamento das operações a desenvolver com a nova sociedade VALIDUS
a) Financiamento da GROUNDSEL para comprar a VALIDUS
658º - Na sequência da condição imposta pelo arguido RO…, acima narrada, no sentido de não realizar qualquer entrada de capital da sua esfera para a aquisição da VALIDUS, os arguidos OC…, LC…, FS…, IC…, LM… e LAl… elaboraram um novo plano para garantirem financiamento para tal operação.
659º - Para tal, decidiram utilizar os financiamentos já projectados e permitidos sobre as contas do BPN CAYMAN em nome da KINASOL e da OARDALE, conforme negócio supra exposto, para também financiarem a aquisição da nova VALIDUS, pelo RO….
660º - Logravam, também, conforme já referido, dar cobertura à estratégia de utilização da mesma VALIDUS para a transferência de acções da SLN SGPS.
661º - Acordaram assim, todos os arguidos num plano de utilizar os financiamentos concedidos no âmbito do BPN Cayman às entidades offshore KINASOL e OARDALE para financiar a aquisição da VALIDUS pelo RO…, já sem a perspectiva de virem a pagar os financiamentos concedidos às referidas entidades em offshore.
662º - Para o efeito de transmissão das acções da VALIDUS ao RO…, os mesmos arguidos resolveram então utilizar uma sociedade veículo GROUNDSEL PROPERTIES LIMITED, com registo no Offshore de Gibraltar, detida por RO….
663º - Assim, em 29 de Dezembro de 2000, os mesmos arguidos fizeram a SLN INVESTIMENTOS, representada pelos arguidos LM… e LAl…, proceder à venda das acções da “VALIDUS Sociedade Imobiliária” (nova Validus) e seus activos e suprimentos à entidade GROUNDSEL PROPERTIES LIMITED, pelo preço total de 738.614.615$00.
664º - Nos termos da Cláusula Quarta do contrato então redigido pelos arguidos, tal preço seria pago em dois momentos.
665º - Na data do contrato seria pago o montante de 570.000.000$00, enquanto o restante, no montante de 168.614.625$00 poderia ser pago em 60 dias.
666º - No dia 29 de Dezembro de 2000, para o primeiro pagamento da aquisição da nova sociedade VALIDUS, os mesmos arguidos determinaram uma transferência no valor de 570.000.000$00 para a conta nº … do BPN Cayman, titulada pela GROUNDSEL PROPERTIES LIMITED.
667º - Tal montante teve origem na conta BPN Cayman nº …, titulada pela offshore KINASOL ASSETS LTD, onde foi consequentemente debitada aquela quantia.
668º - O segundo pagamento por conta do preço da aquisição da VALIDUS, incluindo seus activos e suprimentos, viria a ocorrer porém, apenas em final de 2001.
669º - Tendo, no dia 31 de Dezembro de 2001, mais uma vez, os arguidos determinado um financiamento da GROUNDSEL, desta feita por débito, da conta BPN Cayman, nº …, titulada pela OARDALE HOLDINGS CORP, conta onde foi debitado o montante de 168.614.625$00.
670º - Com esses financiamentos, em execução do plano concebido pelos mesmos arguidos, estes vieram a determinar a realização dos seguintes movimentos, de forma a pagar o preço de aquisição da VALIDUS e seus activos pela GROUNDSEL:
- No dia 29 de Dezembro de 2000, a sociedade GROUNDSEL PROPERTIES LIMITED através da conta BPN Cayman nº … procede à transferência de 570.000.000$00 a favor da conta da SLN Investimentos, junto da conta do BPN com o nº …, o que configura a primeira parte do pagamento do preço.
- No dia 31 de Dezembro de 2001, ou seja um ano mais tarde, a Groundsel Properties Limited transferiu também através de débito na sua conta em BPN Cayman nº … a favor da SLN Investimentos junto da conta do BPN nº …, o montante de 168.614.625$00 (mesma data da venda da Astroimóvel ao fundo IMOGLOOBAL).
671º - Deste modo, os arguidos OC…, LC…, FS…, IC…, LM… e LAl… fizeram com que a aquisição pela GROUNDSEL PROPERTIES LIMITED da VALIDUS à “SLN Investimentos”, fosse efectuada de forma integral com recurso a uma offshore que pertence à SLN SGPS S.A. – no caso a KINASOL ASSETS LTD – e a uma outra offshore que era utilizada em benefício de RO… – no caso a OARDALE HOLDINGS CORP.
672º - Estes arguidos lograram ainda, que o arguido RO…, através da GROUNDSEL tivesse adquirido todas as acções da nova VALIDUS sem que tivesse que entregar qualquer quantia monetária para tal, ficando os encargos a ser suportados pelo BPN.
b) Financiamento da VALIDUS para proceder à liquidação financeira das acções da SLN SGPS
673º - Porém, no dia 29.12.2000, no mesmo dia em que venderam as acções da VALIDUS, os arguidos LM… e LAl…, em execução da estratégia de aumento dos suprimentos à VALIDUS, definida com os restantes arguidos, determinaram a realização de uma transferência no montante de 463.614.625$00, para a conta bancária BPN nº …, aberta na mesma data, em nome da VALIDUS.
674º - Assim, conforme fizeram constar no contrato de venda das acções da VALIDUS à GROUNDSEL, os arguidos colocaram na esfera do RO… um património constituído, além das referidas acções da VALIDUS e do imóvel que tinha como activo, por direitos de crédito sobre a mesma sociedade no montante de 705.382.255$00 e um conjunto de 1.250.000 acções da SLN SGPS.
675º - Com efeito, através da transferência do montante de PTE 463.614.625$00, supra referida, os arguidos fizeram a SLN INVESTIMENTOS libertar os fundos necessários para que as 1.250.000 acções da SLN SGPS, já colocadas na esfera do RO… desde 30 de Outubro de 2000, fossem então efectivamente pagas e colocadas na titularidade da VALIDUS.
676º - Acresce que os arguidos fizeram com que a transferência dos 463.614.625$00 da conta da SLN INVESTIMENTOS para a conta da VALIDUS (nova sociedade) fosse realizada com data-valor de 31-10-2000, data em que a referida conta ainda não tinha sido aberta, mas corresponde à data em que as acções foram carregadas na conta de valores mobiliários do RO….
677º - Os arguidos procuraram então ocultar quer a existência de uma prévia colocação de 1.250.000 acções da SLN SGPS na esfera do RO…, quer a coincidência entre a GROUNDSEL e a pessoa do mesmo RO… como seu beneficiário.
678º - De forma a ocultar a prévia colocação das referidas acções da SLN SGPS na conta do RO…, ocorrida já a 30 de Outubro de 2000, os arguidos OC…, LC…, FS… e RO… resolveram forjar um contrato de venda do mesmo conjunto de acções, no qual surgisse como vendedora uma entidade terceira.
679º - Para o efeito, de acordo com tal resolução, os mesmos arguidos decidiram utilizar a entidade INVESCO WORLWIDE LTD, sociedade offshore, com registo em Gibraltar, que tinha como beneficiária final a própria SLN SGPS.
680º - Assim, os arguidos redigiram um contrato de compra e venda de acções e de créditos entre a referida INVESCO e a nova VALIDUS, com o NIF 505 147 459, no qual fizeram afirmar que a primeira vendia à segunda um total de 1.250.000 acções da SLN SGPS pelo montante de 463.614.625$00, fazendo constar no mesmo contrato a data de 29 de Dezembro de 2000.
681º - Ora, esse valor de 463.614.625$00 correspondia precisamente ao montante feito transferir da SLN INVESTIMENTOS para a VALIDUS.
682º - Também correspondia ao valor de venda de 1.250.000 acções da SLN SGPS à cotação de 1,85€ (2.312.500,00€ = 463.614.625$00) que já estavam creditadas na conta de valores mobiliários do RO…, desde 30 de Outubro de 2000, mas cuja liquidação financeira não se havia ainda operado.
683º - Ainda na redacção do referido contrato, os arguidos, precipitados pela urgência em que actuavam, fizeram constar que o referido conjunto de 1.250.000 acções eram “representativas da totalidade do capital social da SLN SGPS”, o que efectivamente não correspondia à verdade, uma vez que a SLN tinha então o seu capital dividido em 350 milhões de acções.
684º - Mesmo com essa redacção, os arguidos obtiveram no referido documento as assinaturas dos directores fiduciários da INVESCO WORLWIDE, que eram designados pela FIDUCIARY DIRECTORS LIMITED, escritório de constituição e manutenção de sociedades offshore de Gibraltar.
685º - O arguido RO… assinou o referido documento, como representante da VALIDUS, embora soubesse que o mesmo não correspondia à realidade.
686º - Por esse motivo, para poder ocultar o seu envolvimento nesse contrato forjado entre a INVESCO e a WORLDWIDE  e bem assim nos casos em que intervinha como representante da GROUNDSEL, o arguido RO… fazia apor nos mesmos documentos uma assinatura diversa daquela que normalmente utilizava .
687º - Tal prática foi mantida pelo arguido RO… quer no documento em que representou a GROUNDSEL como adquirente das acções da VALIDUS, folhas 7983, quer mesmo quando, já em 2002, fez a GROUNDSEL vender a si próprio, em nome individual, as acções da mesma VALIDUS, documento no qual, visando ocultar que estava a fazer um negócio consigo próprio, escreveu duas assinaturas distintas, a par de uma outra, folhas 7988.
Ganhos imediatos do RO… e prejuízos da SLN e do BPN
688º - Como resultado final de todo esse cenário contratual forjado, os arguidos OC…, LC…, IC…, FS…, LM…, LAl… e RO…, fizeram colocar na pessoa deste último, pelo preço de 738.614.625$00, suportado do modo já acima narrado, um património colocado na sociedade VALIDUS que, já naquela data, final de Dezembro de 2000, era composto pelas seguintes parcelas:
- 252.767.630$00 corresponde ao valor do imóvel detido pela nova sociedade VALIDUS segundo o pacto de cisão da antiga sociedade VALIDUS;
- 705.382.255$00 correspondente aos suprimentos deixados na VALIDUS pela SLN INVESTIMENTOS  e cujo direito de crédito sobre a sociedade foi transmitido à GROUNDSEL;
- 463.614.625$00 correspondente ao valor de 1.250.000 acções da SLN SGPS, ao preço de 1,85€ .
689º - Assim, mesmo atendendo aos valores à data de Dezembro de 2000, o ganho do arguido RO… com a aquisição da VALIDUS foi de 683.149.885$00 (diferença entre o preço de compra e o valor dos activos da VALIDUS mais os suprimentos sobre a mesma), ao qual devem ser acrescidos os montantes dos financiamentos determinados pelos restantes arguidos através da KINASOL, por débito de contas junto do BPN Cayman e depois junto do Banco Insular e que nunca foram liquidados.
690º - Por outro lado, a mesma encenação contratual, montada pelos arguidos OC…, LC…, IC…, FS…, LM…, LAl… e RO…, gerou um prejuízo para a SLN IMOBILIÁRIA e para o BPN.
691º - No que se refere à SLN IMOBILIÁRIA, porque vendeu à SLN INVESTIMENTOS a antiga sociedade VALIDUS e créditos sobre a mesma pelo preço de 1.084.000.000$00, enquanto que as novas sociedades, saídas da cisão, foram vendidas pelo valor total de  2.338.614.615$00, assim discriminado:
- a “Quinta da Torre de Santo António- Sociedade Imobiliária, SA” é vendida á BPN Vida por PTE 1.600.000.000$00;
- a nova sociedade VALIDUS é vendida à GROUNDSEL por PTE 738.614.615$00.
692º - Isto é, mais uma vez, os arguidos, na sua ânsia de aumentar o controlo accionista, geraram a circunstância de, entre o dia 28 de Dezembro de 2000 e o dia 29 de Dezembro de 2000, o património da VALIDUS, sociedade inicialmente existente, ter sido valorizado de 1.084.000.000$00 para 2.338.614.615$00 com claro prejuízo para a SLN Imobiliária.
693º - No que se refere ao BPN, tal prejuízo gerado pelos arguidos repercute-se actualmente pelo facto de os financiamentos que fizeram conceder à entidade KINASOL ASSETS LTD e que nunca pretenderam liquidar, conforme supra narrado, terem gerado créditos sobre aquela entidade, que foram transferidos para o BPN, já após a nacionalização, no montante actual de 14.244.233,33€ - conforme folhas 7795.
694º - Acresce que, os ganhos do arguido RO…, decorrentes da referida encenação contratual, foram ainda potenciados com a realização do valor real dos activos colocados na nova sociedade VALIDUS e com a execução da parte final do plano inicial dos arguidos, que passava pela venda das acções da SLN SGPS à SLN VALOR.
Ganhos posteriores do arguido RO… com operação VALIDUS
695º - Ao aderir ao plano estabelecido pelos arguidos JO…, LC…, FS…, IC…, LM… e LAl…, o arguido RO… recebeu desde logo a promessa de que as 1.250.000 acções da SLN SGPS, que foram carregadas na sua conta de valores mobiliários e depois transferidas para a VALIDUS, seriam recompradas pela SLN VALOR, podendo guardar para si a totalidade do produto da venda, que integraria assim, o seu ganho pessoal, uma vez que não havia feito qualquer esforço financeiro para a aquisição dessas mesmas acções.
696º - Dando execução a essa promessa de ganho adicional, o arguido RO… subscreveu e dirigiu ao arguido OC…, em 23 de Novembro de 2001, em nome da VALIDUS, um pedido de venda das referidas 1.250.000 acções da SLN SGPS, sem ter necessidade de referir qual a quantidade de acções, mas reportando-se a um acordo anterior para venda à cotação de 2,30€ cada.
697º - Tal pedido veio a ser deferido, conforme o previamente combinado, pelo próprio arguido OC…, com data de 30 de Novembro de 2001, que autorizou o pedido apresentado pelo arguido RO…, determinando que a aquisição fosse feita pela SLN VALOR.
698º - Assim, nesse dia 30 de Novembro de 2001, foi concretizada a compra pela SLN VALOR de 1.250.000 acções da SLN SGPS detidas pela VALIDUS.
699º - Para o seu pagamento a conta da VALIDUS no BPN com o nº …, foi creditada com o montante de 576.385.750$00.
700º - Movimento que o arguido RO… sabia que viria a ocorrer e que, conforme previamente combinado com os restantes arguidos, já havia mobilizado a descoberto, em seu proveito pessoal.
701º - Com efeito, a 21 de Maio de 2001, o arguido RO… mobilizou a descoberto sobre a aludida conta nº …, o montante de 175.000.000$00, através da emissão do cheque nº 5687307, sacado por aquele montante a favor de JEl….
702º - Do mesmo modo, no dia 16 de Novembro de 2001, o arguido RO… emitiu sobre a mesma conta da VALIDUS o cheque nº …, no montante de 405.000.000$00, cujo pagamento foi também autorizado a descoberto.
703º - Tal movimento por cheque, no valor de 405.000.000$00, veio a beneficiar, por crédito de igual montante, a conta particular de RO… junto do BES, conta nº …, fazendo assim, o mesmo arguido, seu tal montante.
704º - Já quanto ao supra referido cheque no valor de 175.000.000$00, o arguido RO… procedeu à sua emissão para princípio de pagamento de um imóvel, sito Av. Torre de Belém, nº 25 e 25 A em Lisboa, o qual foi prometido adquirir pelo arguido em nome da VALIDUS e prometido vender a esta última, pela já referida JEl….
705º - De forma a apropriar-se desse valor, o arguido RO… acordou com um seu conhecido, o Sr. VS…s, a venda do mesmo imóvel, sendo então uma empresa deste último, no caso a GABIMÓVEL, a celebrar a escritura definitiva de aquisição do imóvel à JVt…, devendo depois o VS… devolver o montante adiantado para a aquisição do imóvel, mas já então para benefício da conta pessoal do RO….
706º - A escritura definitiva de venda do imóvel veio a ser celebrada a 7 de Agosto de 2001, entre a referida JEl… e a sociedade GABIMÓVEL, pelo preço de 350.000.000$00.
707º - Por solicitação da vendedora, foi ainda o RO… quem realizou a parte restante do pagamento do preço, nova prestação de 175.000.000$00, através da emissão de um cheque sobre a sua conta pessoal junto do então BIC, naquele valor.
708º - Posteriormente, em execução do combinado, veio a GABIMÓVEL a devolver ao arguido RO… o montante total correspondente ao preço do imóvel, no montante de 350.000.000$00.
709º - Com efeito, a GABIMÓVEL veio a emitir ao arguido RO… um cheque preenchido com o valor de 160.000.000$00 e posteriormente veio a realizar uma transferência para a conta do mesmo junto do BES, no montante de 190.000.000$00, somando assim, a totalidade dos 350.000.000$00 – valores recebidos na conta … do RO…, nas datas de 8 e 9 de Agosto de 2001.
710º - Face ao exposto, o arguido RO… conseguiu arrecadar na sua esfera pessoal mais o montante de 175.000.000$00, que haviam sido pagos a débito sobre a conta da VALIDUS, mas que ali não foram repostos, entrando a totalidade nas contas bancárias pessoais do arguido.
711º - Em sede da conta da VALIDUS junto do BPN, o arguido gerou assim, com a autorização dos restantes arguidos, um descoberto total de 568.200.527$00, correspondente a valores dos quais o arguido se apropriou.
712º - Tal montante foi posteriormente integralmente reposto, pelo crédito do produto da venda das referidas 1.250.000 acções da SLN SGPS à SLN VALOR, venda pelo preço total de 576.385.750$00 e consequente transferência a crédito da VALIDUS do mesmo valor. 
713º - Acresce ainda que, o próprio imóvel detido pela VALIDUS, correspondente ao prédio urbano, sito na Avenida do Brasil, Rua Particular, lote um, em Cascais, veio também a ser vendido por um preço superior ao da avaliação do mesmo imóvel em sede do projecto de cisão.
714º - Com efeito, o arguido RO…, como representante da VALIDUS, veio a vender o referido imóvel à sociedade INICIMOB – Iniciativas Imobiliárias, Lda, pelo preço de 325.000.000$00, que para tal foi financiada pelo BPN, conforme escritura de compra e venda e hipoteca de 22 de Março de 2001.
715º - Ora, também esses montantes pagos pela INICIMOB começaram por ser creditados na conta da VALIDUS, mas de imediato o arguido RO… fez sacar sobre a conta desta última o montante de 300.000,00€, através de cheque emitido com data de 27-3-2001 e que foi depositado na conta pessoal do arguido RO…, conta BPN nº …, pese embora estivesse em causa a venda de um activo que pertencia à sociedade VALIDUS.
716º - Face ao exposto, o ganho final do arguido RO…, em sede pessoal, com a aceitação da sua intervenção no negócio da VALIDUS e transferência de acções da SLN SGPS para a SLN VALOR, acabou por atingir o valor total de 1.118.153.380$00, correspondente à soma de:
- 705.382.255$00 – correspondentes aos suprimentos colocados na VALIDUS e de que o arguido se fez pagar para seu próprio proveito;
- 112.771.125$00 – mais-valias realizadas com a alienação das acções colocadas na VALIDUS;
- 300.000.000$00 – valor da venda do imóvel da VALIDUS que o arguido fez transferir para a sua conta pessoal.
717º - A tal valor de ganho efectivo haverá que atender aos montantes financiados, por determinação dos arguidos, entre a KINASOL e a GROUNDSEL, no total de 570.000.000$00, que os arguidos nunca fizeram pagar, para além da lesão, já acima narrada, dos interesses da SLN IMOBILIÁRIA e da SLN INVESTIMENTOS.
718º - Com todas os operações acima descritas os arguidos OC…, LC… e FS…, com a colaboração dos arguidos LM…, LAl… e IC…, conseguiram atingir os seus propósitos de passarem as acções da SLN SGPS para a SLN VALOR, como se as mesmas tivessem sido vendidas por entidades terceiras ao grupo.
719º - Lograram, ainda, cimentar o controlo accionista por eles pretendido.
720º - A sociedade GROUNDSEL era titular da conta BPN Cayman nº … a qual foi utilizada, até Maio de 2000, em benefício do arguido JAu… e da esposa MCa….

2. O tribunal “a quo”, na matéria que ora nos cumpre apreciar:
a. Deu como provados os seguintes factos (da pronúncia e da contestação do arguido RO…):
Preparação da venda da Validus pela SLN Investimento (arts. 599° a 602° da pronúncia):
573) Tal estratagema tinha também como objectivo gerar e aumentar os suprimentos colocados na VALIDUS;
574) Com efeito, ao declararem adquirir um inexistente crédito de terceiro sobre a VALIDUS, os arguidos JO…, LC…, LM… e LAl… estavam a aumentar o crédito da sociedade que representavam, a SLN INVESTIMENTOS, sobre a mesma VALIDUS;
575) Essa estratégia passava também por proporcionar ganhos a um terceiro, o arguido RO…, a quem a VALIDUS seria transmitida carregada de suprimentos, e que tinha aceitado intervir em parte das operações;
Utilização da Validus para aquisição de acções da SLN SGPS, S.A. (arts. 603° a 634° da pronúncia):
576) Como a VALIDUS detinha património de elevado valor, sendo um imóvel sito em Torres Novas do interesse do próprio grupo, que não interessava ser colocado em terceiros, os arguidos OC…, LC… e IC… decidiram que teria que ser dividido o património desta empresa, se necessário através de uma cisão, tal como efectivamente veio a ser levada a cabo;
577) Os arguidos OC… e RO… acordaram na venda, através da empresa ALTOS VOOS, pertença de RO…, ao fundo IMONEGÓCIOS, gerido pela IMOFUNDOS, do imóvel sito na Rua D. João V, em Lisboa, para instalação do Private Bank do BPN, que veio a ser concretizada pelo preço de 350 mil contos, por escritura de 20 de Fevereiro de 2001;
578) Os arguidos OC…, LC… e RO… acordaram na venda da sociedade ASTROIMÓVEL, detentora de um imóvel sito na Rua Castilho, em Lisboa, a duas sociedades offshore, a OARDALE e a KINASOL, ocorrida a 15-12-2000, entidades essas que, na data de 31-12-2001, venderam a mesma sociedade e o seu activo ao fundo IMOGLOBAL, gerido pelo IMOFUNDOS do BPN, e que veio a ser participado pelo próprio arguido RO…;
579) De acordo com o planeado, o arguido JO…, no dia 31 de Outubro de 2000, colocou na esfera pessoal do arguido RO… 1.250.000 acções da SLN SGPS S.A.;
580) A colocação de 1.250.000 acções foi efectuada ao preço de 1,85 € cada, sendo a EMKA INTERNACIONAL, já acima referida, uma entidade pertencente ao universo do grupo SLN;
582) Consequentemente, no dia 31.10.2000, a conta de títulos BPN n° …, titulada pelo arguido RO…, foi carregada com as aludidas 1.250.000 acções da SLN SGPS;
583) Nessa data, a colocação aludida não consubstanciou qualquer dispêndio da parte do arguido RO…, ou seja, apesar de a Emka ter sido creditada pelo montante de 2.312.500,00 €, a que corresponde o contravalor de 463.614.625$00, o arguido RO… não realizou qualquer pagamento;
584) Tal valor ficou numa denominada conta contabilística de regularização, prática sujeita a regularização dentro do mesmo exercício.
585) Tal operação seria apenas transitória;
586) Assim, o montante de 463.614.625$00, preço das acções, seria transferido para a referida sociedade VALIDUS e esta então transferida para o arguido RO…;
587) Conforme já acima narrado, nessa data, último trimestre do ano 2000, a sociedade VALIDUS era detida pela SLN IMOBILIÁRIA, que por via da operação contabilística também referida supra, havia parqueado cerca de 90% das acções da VALIDUS na sociedade offshore INVESCO WORLDWIDE, LTD;
588) Os arguidos JO…, LC…, FS…, IC…, LM… e LAl… precipitaram então uma série de actos contratuais, praticados nos dias 28 e 29 de Dezembro de 2000, visando os arguidos JO…, LC…, IC…, LM… e LAl… alcançar o objectivo de transferirem a sociedade VALIDUS para o arguido RO…;
589) Os arguidos JO…, LC…, FS…, IC…, LM… e LAl…, começaram por, a 28 de Dezembro de 2000, fazer com que a então SLN Imobiliária SGPS, S.A (actualmente SOGIPART SGPS, S.A.) vendesse à SLN Investimentos SGPS S.A. as acções que detinha sobre a sociedade VALIDUS, com o NIF 503430587, pelo preço de 1.084.000.000$00, a que acresceu ainda o valor de 57.436.000$00 relativo a suprimentos que entretanto haviam sido gerados;
590) Nessa data, conforme os arguidos fizeram constar do contrato, os créditos por suprimentos de que a SLN Imobiliária era titular na VALIDUS atingiam o montante de 57.436.000$00, tendo sido esse o valor dos suprimentos sobre a VALIDUS cedidos pela SLN Imobiliária à SLN Investimentos;
591) Tal aquisição foi paga, no dia 29 de Dezembro de 2000, pela SLN Investimentos através de transferência da sua conta BPN n° …, das importâncias de 975.600.000$00 e de 108.400.000$00, no montante total de 1.084.000.000$00 para a conta n° …, da SLN IMOBILIÁRIA;
592) Não tiveram em conta porém, os arguidos, que 90% das acções da VALIDUS estavam na posse da INVESCO WORLDWIDE e assim, apenas com data do dia seguinte, 29 de Dezembro, vêm a regularizar a situação fazendo transferir da VENICE para a SLN IMOBILIÁRIA as referidas acções, conforme pagamento do montante de 975.600.000$00 realizado para a conta agora titulada pela VENICE n° …, nesse mesmo dia;
593) Assim, pese embora a SLN IMOBILIÁRIA tenha transmitido um activo que estava parqueado na esfera da INVESCO WORLDWIDE, LTD, isto é transmitiu o que não tinha, certo é que a SLN INVESTIMENTOS, onde se encontravam como administradores o LM… e o LAl…, veio a tornar-se a única accionista da sociedade VALIDUS;
594) No dia 28 de Dezembro de 2000, os arguidos JO…, LC…, IC…, LM… e LAl… elaboraram também um projecto de cisão do património da VALIDUS, através da sua colocação em duas distintas empresas, conforme já vinham a congeminar;
595) Tal actuação tinha como objectivo não incluírem no negócio com o arguido RO… o património detido pela VALIDUS que ainda interessava para o grupo, o imóvel sito em Torres Novas;
596) Através da referida cisão, a sociedade designada “VALIDUS – Imobiliária e Investimentos, SA”, com o NIF 503430587, passou a designar-se “Quinta da Torre Santo António – Sociedade Imobiliária, SA”, mantendo o mesmo NIF;
597) A Quinta da Torre Santo António, SA, ficou no seu activo com os imóveis sito em Torres Novas - prédios mistos denominados Quinta da Torre Santo António e Quinta do Marquês, sito na freguesia de Santiago, concelho de Torres Novas, descrito na conservatória do registo predial de Torres Novas, sob o n° 00848/300993 e inscrito na matriz predial a parte urbana sob o artigo 951 e a parte rústica sob o artigo 1 da Secção C, com o valor de 1.600.000.000$00;
598) Da cisão resultou ainda a constituição de uma nova sociedade que também designaram por “Validus - Imobiliária e Investimentos, SA”, agora com o NIF 505147459, com o capital social de 11 mil contos, dividido em outras tantas acções com o valor nominal de 1.000$00;
599) Esta empresa, ficou com o restante activo da antiga VALIDUS e que se traduzia num imóvel sito em Cascais, na Avenida do Brasil, Rua Particular, Lote Um, correspondente ao artigo matricial n° 7205, da freguesia e concelho de Cascais, com o valor contabilístico de 252.767.630$00;
O negócio da aquisição da Astroimóvel (arts. 635° a 657° da pronúncia):
600) Os arguidos JO… e LC… concordaram adquirir, em parceria com o arguido RO…, a empresa ASTROIMÓVEL;
601) Para lhe proporcionarem a liquidez necessária, os arguidos JO… e LC… concederam financiamentos a duas sociedades offshore, a OARDALE e a KINASOL, para adquirir as acções da aludida ASTROIMÓVEL;
602) Com efeito, o arguido RO… havia negociado com ASS… a aquisição da sociedade ASTROIMÓVEL, contando, para tal, com a montagem de um financiamento através do BPN Cayman;
603) Para tal aquisição, os arguidos OC… e LC…, decidiram utilizar duas entidades veículo, em offshore, no caso as referidas KINASOL ASSETS LTD e OARDALE HOLDINGS CORP, ambas com registo nas Ilhas Virgens Britânicas;
604) A sociedade KINASOL ASSETS LTD pertencia ao Grupo SLN;
605) Em 13 de Dezembro de 2000, a KINASOL ASSETS LTD adquiriu 36.000 acções representando 36% da “Astroimóvel – Sociedade Imobiliária” a familiares de ASS… pelo preço de 1.000.000.000$00;
606) Na mesma data, a sociedade OARDALE HOLDINGS CORP., adquiriu os restantes 64 % por 1.295.000.000$00 ao próprio ASS… e à empresa “A. Santo Empreendimentos Industriais e Turísticos, S.A”;
607) O pagamento de tais aquisições, foi realizado com débitos a descoberto sobre as contas da KINASOL junto do BPN Cayman, conta n° …, e da OARDALE também junto do BPN Cayman, conta n° …, os quais foram solicitados pela arguida IC…, com a ratificação do arguido OC…, uma vez que as referidas contas foram movimentadas a descoberto;
608) O acordo então estabelecido entre o arguido RO… e os arguidos OC… e LC…, previa que a oportunidade de negócio trazida pelo primeiro correspondesse a detenção de uma participação inicial de 35% sobre a sociedade ASTROIMÓVEL, sem que ao mesmo arguido RO… fosse exigido qualquer esforço financeiro inicial de capital para a aquisição da mesma sociedade;
609) Foi então necessário recompor as participações de cada uma das sociedades offshore no capital social da ASTROIMÓVEL, pelo que os arguidos RO…, LC… e OC… S… trataram de fazer a OARDALE vender à KINASOL o equivalente a 29% do capital social da ASTROIMÓVEL;
610) Tal operação gerou novos pagamentos, sobre a mesma conta da KINASOL, a favor da OARDALE, mesma conta supra indicada no BPN Cayman, nos montantes de 2.900.132,32 € e de 258.859,06 € (a titulo de juros), de novo determinados pelos arguidos LC… e OC…;
611) Tais pagamentos vieram apenas a ser realizados na data de 31-12­2001, correspondendo à data da venda das participações na ASTROIMÓVEL ao fundo IMOGLOBAL, como adiante se narrará;
612) Assim, a Kinasol passou a deter 65 % da Astroimóvel a um custo de aquisição de 8.146.970,80€ e a Oardale passou a deter 35 % a um custo de aquisição de 3.300.441,39€;
613) Tendo sido resposta a proporção acordada, de 35% para o arguido RO…, através da OARDALE, e de 65% para a SLN SGPS, através da KINASOL, os arguidos OC… e LC… trataram de fazer rentabilizar a aquisição da ASTROIMÓVEL através da venda da mesma a uma terceira entidade;
614) Para o efeito, dando execução ao planeado entre os arguidos LC… e OC… veio a ser criado o fundo de investimento imobiliário IMOGLOBAL, gerido pelo IMOFUNDOS, do BPN;
615) Tal fundo IMOGLOBAL seria financiado pelo próprio BPN e destinava-se a adquirir os imóveis apresentados para aquisição pelo arguido RO…, no que concerne à sociedade Astroimóvel de acordo com um valor de conveniência definido pelos arguidos OC… e LC…, sendo a parte dos pagamentos destinada ao mesmo arguido RO… convertida em unidades de participação no referido fundo;
616) Assim, em 31 de Dezembro de 2001, a sociedade “KINASOL Assets Ltd” vende 65.000 acções (65%) da ASTROIMOVEL ao fundo BPN IMOGLOBAL, por €12.350.000,00, tendo a sua conta junto do BPN Cayman sido creditada pelo referido montante;
617) No mesmo dia, a sociedade “OARDALE Holdings Corp” vendeu as 35.000 acções (35%) da ASTROIMOVEL ao fundo BPN IMOGLOBAL, por € 6.650.000,00, tendo a sua conta junto do BPN Cayman sido creditada pelo referido montante;
618) Os arguidos OC… e LC… fizeram com que o BPN Imofundos através do BPN Imoglobal viesse a pagar 19 milhões de euros pela totalidade do capital social da sociedade ASTROIMÓVEL, quando o mesmo havia, um ano antes, sido adquirido pelo preço de 2.295.000.000$00, correspondente a cerca de 11 milhões de euros;
619) Tal operação de compra e venda da ASTROIMÓVEL gerou assim os seguintes pagamentos e mais-valias:

(Imagem removida)

620) Assim, no intervalo de tempo decorrido entre 15-12-2000 e 31-12­2001, a sociedade ASTROIMÓVEL foi valorizada em € 7.552.588,00, em prejuízo do fundo IMOGLOBAL;
Financiamento da Groundsel para comprar a Validus (arts. 658° a 672° da pronúncia):
621) Para efeito de transmissão das acções da VALIDUS ao RO…, os arguidos OC…, LC…, IC…, LM… e LAl… resolveram utilizar uma sociedade veículo GROUNDSEL PROPERTIES LIMITED, com registo no Offshore de Gibraltar, detida por RO…;
622) Assim, em 29 de Dezembro de 2000, os mesmos arguidos fizeram a SLN INVESTIMENTOS, representada pelos arguidos LM… e LAl…, proceder à alegada venda das acções da “VALIDUS Sociedade Imobiliária” (nova Validus) e seus activos e suprimentos à entidade GROUNDSEL PROPERTIES LIMITED, pelo preço total de 738.614.615$00;
623) Nos termos da Cláusula Quarta do contrato então redigido pelos arguidos, tal preço seria pago em dois momentos;
624) Na data do contrato seria pago o montante de 570.000.000$00, enquanto o restante, no montante de 168.614.625$00 poderia ser pago em 60 dias;
625) No dia 29 de Dezembro de 2000, para o primeiro pagamento da alegada aquisição da nova sociedade VALIDUS, os mesmos arguidos determinaram uma transferência no valor de 570.000.000$00 para a conta n° … do BPN Cayman, titulada pela GROUNDSEL PROPERTIES LIMITED;
626) Tal montante teve origem na conta BPN Cayman n° …, titulada pela offshore KINASOL ASSETS LTD, onde foi consequentemente debitada aquela quantia;
627) O segundo pagamento por conta do alegado preço da aquisição da VALIDUS, incluindo seus activos e suprimentos, viria a ocorrer porém, apenas em final de 2001;
628) Tendo, no dia 31 de Dezembro de 2001, mais uma vez, os arguidos determinado uma transferência para a GROUNDSEL, desta feita por débito, da conta BPN Cayman, n° …, titulada pela OARDALE HOLDINGS CORP, conta onde foi debitado o montante de 168.614.625$00;
629) Em execução do plano concebido pelos mesmos arguidos, estes determinaram a realização dos seguintes movimentos, de forma a pagar o alegado preço de aquisição da VALIDUS e seus activos pela GROUNDSEL:
- No dia 29 de Dezembro de 2000, a sociedade GROUNDSEL PROPERTIES LIMITED através da conta BPN Cayman n° … procede à transferência de 570.000.000$00 a favor da conta da SLN Investimentos, junto da conta do BPN com o n° …, o que configura a primeira parte do alegado pagamento do preço;
- No dia 31 de Dezembro de 2001, ou seja um ano mais tarde, a Groundsel Properties Limited transferiu também através de débito na sua conta em BPN Cayman n° … a favor da SLN Investimentos junto da conta do BPN n° …, o montante de 168.614.625$00 (mesma data da venda da Astroimóvel ao fundo IMOGLOOBAL);
630) Os arguidos OC… e LC… lograram ainda, que o arguido RO…, através da GROUNDSEL tivesse adquirido todas as acções da nova VALIDUS sem que tivesse que entregar qualquer quantia monetária para tal, ficando os encargos a ser suportados pelo BPN;
Financiamento da Validus para proceder à liquidação financeira das acções da SLN SGPS (arts. 673° a 687° da pronúncia):
631) No dia 29.12.2000, no mesmo dia em que venderam as acções da VALIDUS, os arguidos LM… e LAl…, em execução da estratégia de aumento dos suprimentos à VALIDUS, definida com os arguidos OC…, LC… e IC…, determinaram a realização de uma transferência no montante de 463.614.625$00, para a conta bancária BPN n° …, aberta na mesma data, em nome da VALIDUS;
632) Assim, conforme fizeram constar no contrato de venda das acções da VALIDUS à GROUNDSEL, os arguidos colocaram na esfera do arguido RO… um património constituído, além das referidas acções da VALIDUS e do imóvel que tinha como activo, um conjunto de 1.250.000 acções da SLN SGPS;
633) Com efeito, através da transferência do montante de PTE 463.614.625$00 referida supra, os arguidos identificados no facto 631°) fizeram a SLN INVESTIMENTOS libertar os fundos necessários para que as 1.250.000 acções da SLN SGPS, já colocadas na esfera do RO… desde 31 de Outubro de 2000, fossem então efectivamente pagas e colocadas na titularidade da VALIDUS;
634) Acresce que os mesmos arguidos fizeram com que a transferência dos 463.614.625$00 da conta da SLN INVESTIMENTOS para a conta da VALIDUS (nova sociedade) fosse realizada com data-valor de 31-10-2000, data em que a referida conta ainda não tinha sido aberta, mas corresponde à data em que as acções foram carregadas na conta de valores mobiliários do arguido RO…;
635) Os OC… e LC… procuraram então ocultar quer a existência de uma prévia colocação de 1.250.000 acções da SLN SGPS na esfera do RO…, quer a coincidência entre a GROUNDSEL e a pessoa do mesmo RO… como seu beneficiário;
636) De forma a ocultar a prévia colocação das referidas acções da SLN SGPS na conta do arguido RO…, ocorrida já a 31 de Outubro de 2000, os arguidos OC… e LC… resolveram forjar um contrato de venda do mesmo conjunto de acções, no qual surgisse como vendedora uma entidade terceira;
637) Para o efeito, de acordo com tal resolução, os mesmos arguidos decidiram utilizar a entidade INVESCO WORLWIDE LTD, sociedade offshore, com registo em Gibraltar, que tinha como beneficiária final a própria SLN SGPS;
638) Assim, os arguidos OC… e LC… redigiram um contrato de compra e venda de acções entre a referida INVESCO e a nova VALIDUS, com o NIF 505 147 459, no qual fizeram afirmar que a primeira vendia à segunda um total de 1.250.000 acções da SLN SGPS pelo montante de 463.614.625$00, fazendo constar no mesmo contrato a data de 29 de Dezembro de 2000;
639) Esse valor de 463.614.625$00 correspondia precisamente ao montante feito transferir da SLN INVESTIMENTOS para a VALIDUS;
640) Também correspondia ao valor de venda de 1.250.000 acções da SLN SGPS à cotação de 1,85€ (2.312.500,00€ = 463.614.625$00) que já estavam creditadas na conta de valores mobiliários do arguido RO…, desde 31 de Outubro de 2000, mas cuja liquidação financeira não se havia ainda operado;
641) Ainda na redacção do referido contrato, os arguidos OC… e LC…, precipitados pela urgência em que actuavam, fizeram constar que o referido conjunto de 1.250.000 acções eram “representativas da totalidade do capital social da SLN SGPS”, o que efectivamente não correspondia à verdade, uma vez que a SLN tinha então o seu capital dividido em 350 milhões de acções;
642) Mesmo com essa redacção, os arguidos OC… e LC… obtiveram no referido documento as assinaturas dos directores fiduciários da INVESCO WORLWIDE, que eram designados pela FIDUCIARY DIRECTORS LIMITED, escritório de constituição e manutenção de sociedades offshore de Gibraltar;
643) O arguido RO… assinou o referido documento, como representante da VALIDUS, embora soubesse que o mesmo não correspondia à realidade;
Ganhos imediatos do arguido RO… e prejuízos da SLN e do BPN (arts. 688° a 694° da pronúncia):
644) Como resultado final de todo esse cenário contratual forjado, os arguidos OC…, LC…, IC…, FS…, LM… e LAl… colocaram na pessoa do arguido RO… o património da sociedade VALIDUS que, já naquela data, final de Dezembro de 2000, era composto pelas seguintes parcelas:
- 252.767.630$00, correspondente ao valor do imóvel detido pela nova sociedade VALIDUS segundo o pacto de cisão da antiga sociedade VALIDUS;
- 463.614.625$00, correspondente ao valor de 1.250.000 acções da SLN SGPS, ao preço de 1,85€;
645) Por outro lado, a mesma encenação contratual, montada pelos arguidos OC…, LC…, IC…, FS…, LM… e LAl…, gerou um prejuízo para a SLN IMOBILIÁRIA;
646) No que se refere à SLN IMOBILIÁRIA, porque vendeu à SLN INVESTIMENTOS a antiga sociedade VALIDUS e créditos sobre a mesma pelo preço de 1.084.000.000$00, enquanto as novas sociedades, saídas da cisão, foram vendidas/transmitidas pelo valor total de 2.327.382.255$00, assim discriminado:
- a “Quinta da Torre de Santo António-Sociedade Imobiliária, SA” é vendida ao BPN Vida por PTE 1.600.000.000$00;
- a nova sociedade VALIDUS é transmitida à GROUNDSEL por PTE 727.382.255$00;
647) Os arguidos identificados no facto 646), entre os dias 28 de Dezembro de 2000 e 29 de Dezembro de 2000, valorizaram o património da VALIDUS, sociedade inicialmente existente, de 1.084.000.000$00 para 2.327.382.255$00, com prejuízo para a SLN Imobiliária;
Ganhos posteriores do arguido RO… com a operação Validus (arts. 695° a 719° da pronúncia):
648) O arguido RO… subscreveu e dirigiu ao arguido OC…, em 23 de Novembro de 2001, em nome da VALIDUS, um pedido de venda das referidas 1.250.000 acções da SLN SGPS, sem ter necessidade de referir qual a quantidade de acções, mas reportando-se a um acordo anterior para venda à cotação de 2,30€ cada;
649) Tal pedido veio a ser deferido, conforme o previamente combinado, pelo próprio arguido OC…, com data de 30 de Novembro de 2001, que autorizou o pedido apresentado pelo arguido RO…, determinando que a aquisição fosse feita pela SLN VALOR;
650) Assim, nesse dia 30 de Novembro de 2001, foi concretizada a compra pela SLN VALOR de 1.250.000 acções da SLN SGPS detidas pela VALIDUS;
651) Para o seu pagamento a conta da VALIDUS no BPN com o n° …, foi creditada com o montante de 576.385.750$00;
652) A 21 de Maio de 2001, o arguido RO… mobilizou a descoberto sobre a aludida conta n° …, o montante de 175.000.000$00, através da emissão do cheque n° 5687307, sacado por aquele montante a favor de JEl…;
653) Do mesmo modo, no dia 16 de Novembro de 2001, o arguido RO… emitiu sobre a mesma conta da VALIDUS o cheque n° …, no montante de 405.000.000$00, cujo pagamento foi também autorizado a descoberto;
654) Tal movimento por cheque, no valor de 405.000.000$00, veio a beneficiar, por crédito de igual montante, a conta particular de RO… junto do BES, conta n° …, fazendo assim, o mesmo arguido, seu tal montante;
655) Já quanto ao referido cheque no valor de 175.000.000$00, o arguido RO… procedeu à sua emissão para princípio de pagamento de um imóvel, sito Av. Torre de Belém, n° 25 e 25 A em Lisboa, o qual foi prometido adquirir pelo arguido em nome da VALIDUS e prometido vender a esta última, pela já referida JEl…;
656) O arguido RO… acordou com um seu conhecido, o Sr. VS…, a venda do mesmo imóvel, sendo então uma empresa deste último, no caso a GABIMÓVEL, a celebrar a escritura definitiva de aquisição do imóvel à JVt…, devendo depois o VS… devolver o montante adiantado para a aquisição do imóvel, mas já então para benefício da conta pessoal do arguido RO…;
657) A escritura definitiva de venda do imóvel veio a ser celebrada a 7 de Agosto de 2001, entre a referida JEl… e a sociedade GABIMÓVEL, pelo preço de 350.000.000$00;
658) Por solicitação da vendedora, foi ainda o arguido RO… quem realizou a parte restante do pagamento do preço, nova prestação de 175.000.000$00, através da emissão de um cheque sobre a sua conta pessoal junto do então BIC, naquele valor;
659) Posteriormente, em execução do combinado, veio a GABIMÓVEL a devolver ao arguido RO… o montante total correspondente ao preço do imóvel, no montante de 350.000.000$00;
660) Com efeito, a GABIMÓVEL veio a emitir ao arguido RO… um cheque preenchido com o valor de 160.000.000$00 e posteriormente veio a realizar uma transferência para a conta do mesmo junto do BES, no montante de 190.000.000$00, somando assim, a totalidade dos 350.000.000$00 – valores recebidos na conta … do RO…, nas datas de 8 e 9 de Agosto de 2001;
661) O arguido RO… conseguiu arrecadar na sua esfera pessoal o montante de 175.000.000$00, que haviam sido pagos a débito sobre a conta da VALIDUS, entrando a totalidade nas contas bancárias pessoais do arguido;
662) Em sede da conta da VALIDUS junto do BPN, o arguido RO… gerou assim, com a autorização do arguido OC…, um descoberto total de 568.200.527$00;
663) Tal montante foi posteriormente integralmente reposto, pelo crédito do produto da venda das referidas 1.250.000 acções da SLN SGPS à SLN VALOR, pelo preço total de 576.385.750$00 e consequente transferência a crédito da VALIDUS do mesmo valor;
664) Acresce ainda que o imóvel detido pela VALIDUS, correspondente ao prédio urbano, sito na Avenida do Brasil, Rua Particular, lote um, em Cascais, veio também a ser vendido por um preço superior ao da avaliação do mesmo imóvel em sede do projecto de cisão;
665) Com efeito, o arguido RO…, como representante da VALIDUS, veio a vender o referido imóvel à sociedade INICIMOB – Iniciativas Imobiliárias, Lda, pelo preço de 325.000.000$00, que para tal foi financiada pelo BPN, conforme escritura de compra e venda e hipoteca de 22 de Março de 2001;
666) Ora, esses montantes pagos pela INICIMOB começaram por ser creditados na conta da VALIDUS, mas de imediato o arguido RO… fez sacar sobre a conta desta última o montante de 300.000.000$00 através de cheque emitido com data de 27-3-2001 e que foi depositado na conta pessoal do arguido RO…, conta BPN n° …;
667) Face ao exposto, o ganho final do arguido RO…, em sede pessoal, com a aceitação da sua intervenção no negócio da VALIDUS e transferência de acções da SLN SGPS para a SLN VALOR, acabou por atingir o valor total de 337.771.125$00, correspondente à soma de:
- 112.771.125$00 – mais-valias realizadas com a alienação das acções colocadas na VALIDUS;
- 225.000.000$00 – mais-valias realizadas com a venda do imóvel;
1.2.10. Arguido RO…:
1) O arguido RO… conheceu o arguido OC… no desenvolvimento da sua actividade comercial;
2) No ano de 2000, o arguido RO… – utilizando a sua empresa Altos Voos, Lda., – encontrava-se a reconstruir uma antiga casa apalaçada na Rua Dom João V, n.°s 30, 30-A e 30-B, tornejando para a R. Silva Carvalho n.° 164, em Lisboa, casa essa em que pretendia instalar a sede das suas empresas;
3) Este imóvel era, a essa data, propriedade da Sociedade Altos Voos, Lda. (sociedade adquirida pelo arguido RO… ao Sr. RGa… em 9 de Maio de 2000), que o havia adquirido por Esc. 275.000.000$00 e no qual investira em construção Esc. 63.238.520$00;
4) Em dia não determinado do segundo semestre do ano de 2000, ao passar em frente ao referido imóvel na companhia do arguido OC… (posto que se haviam deslocado em conjunto para ir visitar um terreno na Lapa, mais precisamente o terreno sobrante daquilo que é o Hotel da Lapa, sito na Rua do Prior, em Lisboa), o arguido RO… informou o arguido OC… de que ali seria a futura sede das suas empresas;
5) Nessa ocasião o arguido OC… mostrou-se interessado em ver o imóvel, que estava quase finalizado, tendo, depois dessa visita, referido ao arguido RO… que tal imóvel seria uma sede interessante para o Private Banking do BPN, pois o imóvel encontrava-se luxuosamente recuperado;
6) Nessa circunstância o arguido OC… perguntou ao arguido RO… qual seria o preço pelo qual este venderia tal imóvel ao BPN, ao que este último o informou de que nunca o venderia por menos de Esc. 950.000.000$00, por ser para o BPN;
7) O assunto continuou a ser discutido durante algum tempo, sem que houvesse quaisquer desenvolvimentos;
8) Posteriormente veio o arguido OC… a propor ao arguido RO… o seguinte plano negocial, em ordem a poder o BPN adquirir o dito imóvel da sociedade Altos Voos, Lda.:
(i) O BPN adquiria esse imóvel pelo valor de Esc. 950.000.000$00, sendo o pagamento feito nos seguintes moldes:
(ii) Parte do preço em cheque ou transferência bancária (mais precisamente o montante de Esc. 350.000.000$00); e
(iii) Parte através da entrega das acções de uma sociedade, que o arguido OC… disse ter activos no valor de cerca de Esc. 600.000.000$00, a saber:
a) Um imóvel na Av. do Brasil, n.° 1, no Estoril; e
b) Acções da SLN – SGPS, SA;
9) Nesse momento o arguido OC… não identificou que sociedade seria, em concreto, usada como meio de pagamento parcial;
10) Para poder avaliar se os bens dessa sociedade efectivamente valeriam o valor quantificado pelo arguido OC…, o arguido RO… quis conhecer esse imóvel sito na Av. do Brasil, n.° 1, no Estoril;
11) Após uma visita a tal imóvel o arguido RO… avaliou-o em Esc. 100.000.000$00;
12) Quanto às acções da SLN, SGPS, SA, o arguido OC… informou o arguido RO… de que nessa sociedade seriam colocadas acções no valor de cerca de Esc. 500.000.000$00;
13) O negócio de venda do Palacete da Rua Dom João V em Lisboa veio a formalizar-se em 20/02/2001 nesses moldes;
14) O preço fora pago nos termos seguintes:
- (i) Esc. 600.000.000$00 através da entrega, em 29 de Dezembro de 2000, de uma sociedade comercial cujos activos tinham o dito valor, conforme acordado entre os arguidos OC… e RO…, designadamente:
a) Imóvel sito na Av. do Brasil, Rua Particular, Lote Um, no Estoril, pelo valor de Esc. 100.000.000$00 (cerca de € 500.000,00);
b) Acções da SLN SGPS, SA em montante necessário para perfazer Esc. 500.000.000$00;
- (ii) Esc. 350.000.000$00 em 20/02/2001, através de cheque nesse montante emitido pelo BPN Imonegócios a favor da sociedade Altos Voos, Ld.ª
15)Só no dia 29.12.2000 é que o arguido RO… soube que a sociedade em causa se chamava Validus, SA;
16)Até então desconhecia totalmente tal sociedade, tal como desconhecia de onde vinha e as alterações a que tinha sido sujeita antes da concretização do negócio;
17)A sociedade Validus, S.A., foi recebida como parte do preço do imóvel, sito na Rua Dom João V, em Lisboa, que o arguido RO… vendeu a um Fundo do BPN;
18)A intenção do arguido RO… era obter 950 mil contos pelo prédio da R. Dom João V, propósito que obteve;
19)Quanto à escolha de quem seria a entidade que compraria o imóvel da R. Dom João V, a mesma não dependeu de, nem sequer foi alguma vez discutida com o arguido RO…, seja pelo arguido OC…, seja por qualquer outro quadro do BPN;
20)Quem adquiriu foi quem o BPN entendeu que adquirisse;
21)O arguido RO… é alheio à escolha da Imonegócios como compradora do Palacete da Rua Dom João V em Lisboa;
22)Nesta sociedade Imonegócios, nunca teve qualquer intervenção, nunca tendo o respectivo presidente, AC…, discutido qualquer aspecto do negócio com o arguido RO…;
23)O único contacto que manteve com mais alguém a respeito da venda deste imóvel foi com uma pessoa encarregue pelo BPN de todas as obras de novas agências, o qual falou com o arguido RO… solicitando que fossem feitas alterações de modo a que o BPN posteriormente pudesse ali instalar uma agência bancária dentro desse imóvel com porta para a Rua Dom João V;
24)Essas alterações implicaram um atraso na conclusão das obras do imóvel, o que levou a que o mesmo só estivesse pronto em meados de Fevereiro de 2001, sendo que tal agência bancária sita no dito imóvel ainda se mantinha à data da acusação;
25)O volume necessário de acções para perfazer aquele valor de Esc. 500.000.000$00 era de 1.250.000 acções da SLN – SGPS, SA à razão de € 2,00 (grosso modo € 2.500.000,00);
26)Quando o negócio foi “fechado” entre os arguidos OC… e RO… – por volta de Outubro do ano de 2000 – foram carregadas na sua pessoal 1.250.000 acções;
27)A 31/12/2001 as participações sociais detidas pelo arguido RO… ou pelas sociedades por si detidas foram pelo BPN alienadas ao Fundo Imoglobal sem que o arguido RO… desse negócio tivesse tido conhecimento prévio ou contemporâneo;
28) Apenas em meados de Janeiro de 2002, numa reunião tida no BPN, lhe veio a ser comunicado que tal operação havia sido feita em Dezembro de 2001;
29) Nessa reunião, o arguido RO… ficou a saber que, em vez de deter participações em sociedades titulares de imóveis, passara a ser titular de unidades de participação nesse fundo;
30) Foi o grupo SLN/BPN, através dos respectivos representantes (arguidos OC… e LC…), quem escolheu o modo pelo qual a transacção seria operacionalizada e quem montou a concreta operação de aquisição da sociedade Astroimóvel;
31) Foi acordado que o BPN financiaria a operação, sendo que ao arguido RO… caberia uma percentagem de 35% do negócio e ao grupo SLN/BPN 65%;
32) A sociedade que o grupo SLN/BPN arranjou para realizar este negócio em nome do arguido RO…, foi financiada para esse investimento, tendo o arguido pago esse financiamento, sendo que a sua remuneração seria obtida pela valorização do projecto imobiliário quando tivesse de alienar a sua participação no negócio;
33) Foi o grupo SLN/BPN quem indicou ao arguido RO…, aquando da realização do negócio, que a sua percentagem no imóvel seria adquirida por uma sociedade denominada Oardale, tendo nessa mesma data sido informado o arguido que o grupo adquiriria através de uma sociedade denominada Kinasol;
34) Na concretização de tal operação verificou-se um lapso nas percentagens adquiridas por cada uma das ditas sociedades, uma vez que o grupo SLN/BPN havia atribuído à pessoa colectiva que representava os interesses de RO… 65% das acções da sociedade proprietária do imóvel, e não 35%, como havia sido acordado;
35) Posteriormente foi corrigido esse engano, tendo o arguido RO… sido alheio às operações materiais tendentes à recomposição das percentagens anteriormente acordadas;
36) O arguido RO… não subscreveu qualquer documento interno da Oardale, empresa que, por determinação do grupo SLN/BPN “representava os seus interesses” nesse negócio;
37) O arguido RO… desconhecia a proveniência das acções da SLN, SGPS, S.A., que o próprio BPN carregou na Validus, S.A.;
38) Posteriormente, por várias vezes, o arguido RO… informou o arguido OC… de que desejava vender as acções para obter liquidez para novos negócios;
39) O arguido OC… referiu ao arguido RO… que a venda das acções estava sujeita a um “direito de preferência” do “grupo”;
40) O arguido RO… procedeu à venda das acções a quem o grupo BPN indicou que devia ser feita a venda;

b. Deu como não provados os seguintes factos (da pronúncia e da contestação do arguido RO…):
Da pronúncia:
183) Esse procedimento inseria-se numa estratégia concebida pelos arguidos OC…, LC… e FS…, que visava utilizar a VALIDUS numa operação de transferência de acções da SLN SGPS, visando aumentar o nível de controlo da mesma pela SLN VALOR;
184) Em Outubro de 2000, os arguidos JO…, LC…, FS…, IC…, LM… e LAl… elaboraram um novo estratagema para a realização de operações financeiras simuladas de forma a transferir para a SLN VALOR, com a aparência de serem adquiridas a terceiros, mais um conjunto de acções da SLN SGPS, que se encontrava detida por entidades em offshore do próprio grupo;
185) Tal esquema passava por utilizar a VALIDUS como veículo para a aquisição de acções da SLN SGPS, que depois seriam revendidas à SLN VALOR;
186) Para tal, era necessário que a VALIDUS fosse detida por terceira pessoa da confiança do grupo;
187) A VALIDUS seria financiada para a realização de tal operação, ao mesmo tempo que seria garantido a esse terceiro a obtenção de um ganho, que os arguidos aceitavam pagar para alcançar o objectivo da transferência de acções para a SLN VALOR;
188) Para execução desse plano, os arguidos JO…, LC…, FS…, IC…, LM… e LAl…, obtiveram a adesão ao mesmo do arguido RO…, a quem ofereceram a obtenção final de um ganho e garantiram a existência de um financiamento para levar a cabo a aquisição da VALIDUS;
189) O arguido RO… veio porém, a exigir que, neste negócio, lhe viesse a ser conferida, para a sua esfera pessoal, uma vantagem acrescida, uma vez que, na mesma época, o grupo BPN/SLN estava interessado na aquisição de imóveis que eram detidos pelas suas empresas ou que estavam na sua esfera de intermediação;
190) Do facto 611° não se provou: “LC…, FS…”, “30” e “determinaram”;
191) Do facto 612° não se provou: “aquisição”; “vendedora”;
192) Do facto 613° não se provou: “30”;
193) Do facto 614° não se provou: “transacção”, “entidade vendedora”, “pela venda” e “o comprador”;
194) Do facto 616° não se provou: “uma vez que o plano dos arguidos JO…, LC…, FS…, IC…, LM… e LAl… passava pela utilização da sociedade VALIDUS como veículo para a transmissão daquelas acções para a SLN VALOR”;
195) Do facto 617° não se provou: “vendida ao”;
196) Do facto 618° não se provou: “Venice”;
197) Para tal, tiveram que forjar documentos e alterar a sequência lógica dos actos, aceitando lesar as sociedades do Grupo SLN tendo em vista alcançar o propósito de reforço do controlo accionista, ou seja, colocar as acções da SLN SGPS na titularidade da SLN VALOR;
198) Do facto 624° não se provou: “Venice”;
199) Do facto 625° não se provou: “Venice”;
200) Esta era a entidade VALIDUS que os arguidos JO…, LC…, FS…, IC…, LM… e LAl… haviam planeado vender ao arguido RO… e onde deveriam ser colocados suprimentos suficientes para garantir a aquisição e o pagamento das acções da SLN SGPS já colocadas na conta do RO…;
201) Deveria ainda possibilitar ao arguido RO… a obtenção dos ganhos pessoais prometidos, como contrapartida da sua colaboração na transmissão de acções para a SLN VALOR;
202) Porém, o arguido RO…, para além de todas as prometidas contrapartidas, não pretendia, ainda assim, fazer qualquer esforço financeiro pela aquisição da nova sociedade VALIDUS, pelo que, propôs a realização de outro negócio contemporâneo e em complemento daquele;
203) Do facto 635° não se provou: “para lograrem obter a participação do arguido RO… que exigia, conforme acima referido, a concretização de negócios imobiliários” e “FS…, IC…”;
204) Do facto 636° não se provou: “FS… e IC…” e “conceberam então um plano que passava por aumentar e utilizar”;
205) Conseguiam com esta operação e através daquelas empresas proporcionar financiamento ao arguido RO… para a aquisição da VALIDUS;
206) Do facto 638° não se provou: “e do Banco Insular”;
207) Do facto 639° não se provou: “IC… e FS…”;
208) A sociedade OARDALE HOLDINGS CORP tinha como beneficiário final o arguido RO…;
209) Do facto 642° não se provou: “em execução do plano” e “15”;
210) Do facto 645° não se provou: “fosse remunerada”;
211) Do facto 646° não se provou: “IC… e FS…”;
212) Do facto 647° não se provou: “IC… e FS…”;
213) Do facto 650° não se provou: “FS… e RO… trataram de fazer rentabilizar a aquisição da ASTROIMÓVEL através da venda da mesma a uma terceira entidade”;
214) Do facto 651° não se provou: “IC… e FS… e o arguido RO…”;
215) Do facto 657° não se provou: “15”;
216) Na sequência da condição imposta pelo arguido RO…, acima narrada, no sentido de não realizar qualquer entrada de capital da sua esfera para a aquisição da VALIDUS, os arguidos OC…, LC…, FS…, IC…, LM… e LAl… elaboraram um novo plano para garantirem financiamento para tal operação;
217) Para tal, decidiram utilizar os financiamentos já projectados e permitidos sobre as contas do BPN CAYMAN em nome da KINASOL e da OARDALE, conforme negócio supra exposto, para também financiarem a aquisição da nova VALIDUS, pelo RO…;
218) Logravam, também, conforme já referido, dar cobertura à estratégia de utilização da mesma VALIDUS para a transferência de acções da SLN SGPS;
219) Acordaram assim, todos os arguidos num plano de utilizar os financiamentos concedidos no âmbito do BPN Cayman às entidades offshore KINASOL e OARDALE para financiar a aquisição da VALIDUS pelo RO…, já sem a perspectiva de virem a pagar os financiamentos concedidos às referidas entidades em offshore;
220) Do facto 669° não se provou: “um financiamento da”;
221) Do facto 670° não se provou: “com esses financiamentos”;
222) Os arguidos OC…, LC…, FS…, IC…, LM… e LAl… fizeram com que a aquisição pela GROUNDSEL PROPERTIES LIMITED da VALIDUS à “SLN Investimentos”, fosse efectuada de forma integral com recurso a uma offshore que pertence à SLN SGPS S.A. – no caso a KINASOL ASSETS LTD – e a uma outra offshore que era utilizada em benefício de RO… – no caso a OARDALE HOLDINGS CORP;
223) Do facto 674° não se provou: “por direitos de crédito sobre a mesma sociedade no montante de 705.382.255$00”;
224) Do facto 675° não se provou: “30”;
225) Do facto 678° não se provou: “30” e “FS… e RO…”;
226) Do facto 680° não se provou: “e de créditos”;
227) Do facto 682° não se provou: “30”;
228) Para poder ocultar o seu envolvimento nesse contrato forjado entre a INVESCO e a Nova Validus e bem assim nos casos em que intervinha como representante da GROUNDSEL, o arguido RO… fazia apor nos mesmos documentos uma assinatura diversa daquela que normalmente utilizava;
229) Tal prática foi mantida pelo arguido RO… quer no documento em que representou a GROUNDSEL como adquirente das acções da VALIDUS, folhas 7983, quer mesmo quando, já em 2002, fez a GROUNDSEL vender a si próprio, em nome individual, as acções da mesma VALIDUS, documento no qual, visando ocultar que estava a fazer um negócio consigo próprio, escreveu duas assinaturas distintas, a par de uma outra, folhas 7988;
230) Do facto 688° não se provou: “e RO…”, “pelo preço de 738.614.625$00, suportado do modo já acima narrado” e “705.382.255$00 correspondente aos suprimentos deixados na VALIDUS pela SLN INVESTIMENTOS e cujo direito de crédito sobre a sociedade foi transmitido à GROUNDSEL”;
231) Assim, mesmo atendendo aos valores à data de Dezembro de 2000, o ganho do arguido RO… com a aquisição da VALIDUS foi de 683.149.885$00 (diferença entre o preço de compra e o valor dos activos da VALIDUS mais os suprimentos sobre a mesma), ao qual devem ser acrescidos os montantes dos financiamentos determinados pelos restantes arguidos através da KINASOL, por débito de contas junto do BPN Cayman e depois junto do Banco Insular e que nunca foram liquidados;
232) Do facto 690° não se provou: “RO…” e “BPN”;
233) Do facto 691° não se provou: “2.338.614.615$00” e “738.614.615$00”;
234) Do facto 692° não se provou: “na sua ânsia de aumentar o controlo accionista” e “2.338.614.615$00”;
235) No que se refere ao BPN, tal prejuízo gerado pelos arguidos repercute-se actualmente pelo facto de os financiamentos que fizeram conceder à entidade KINASOL ASSETS LTD e que nunca pretenderam liquidar, conforme narrado supra, terem gerado créditos sobre aquela entidade, que foram transferidos para o BPN, já após a nacionalização, no montante actual de 14.244.233,33€;
236) Acresce que, os ganhos do arguido RO…, decorrentes da referida encenação contratual, foram ainda potenciados com a realização do valor real dos activos colocados na nova sociedade VALIDUS e com a execução da parte final do plano inicial dos arguidos, que passava pela venda das acções da SLN SGPS à SLN VALOR;
237) Ao aderir ao plano estabelecido pelos arguidos JO…, LC…, FS…, IC…, LM… e LAl…, o arguido RO… recebeu desde logo a promessa de que as 1.250.000 acções da SLN SGPS, que foram carregadas na sua conta de valores mobiliários e depois transferidas para a VALIDUS, seriam recompradas pela SLN VALOR, podendo guardar para si a totalidade do produto da venda, que integraria assim, o seu ganho pessoal, uma vez que não havia feito qualquer esforço financeiro para a aquisição dessas mesmas acções;
238) Do facto 696° não se provou: “Dando execução a essa promessa de ganho adicional”;
239) Movimento que o arguido RO… sabia que viria a ocorrer e que, conforme previamente combinado com os restantes arguidos, já havia mobilizado a descoberto, em seu proveito pessoal;
240) Do facto 705° não se provou: “De forma a apropriar-se desse valor”;
241) Do facto 710° não se provou: “mais” e “mas que ali não foram repostos”;
242) Do facto 711° não se provou: “restantes arguidos” e “correspondente a valores dos quais se apropriou”;
243) Do facto 715° não se provou: “€ 300.000,00”; e “pese embora estivesse em causa a venda de um activo que pertencia à sociedade VALIDUS”;
244) Do facto 716° não se provou: “1.118.153.380$00”, “705.382.255$00 – correspondentes aos suprimentos colocados na VALIDUS e de que o arguido se fez pagar para seu próprio proveito” e “300.000.000$00 – valor da venda do imóvel da Validus que o arguido fez transferir para a sua conta pessoal”;
245) A tal valor de ganho efectivo haverá que atender aos montantes financiados, por determinação dos arguidos, entre a KINASOL e a GROUNDSEL, no total de 570.000.000$00, que os arguidos nunca fizeram pagar;
246) Com todas as operações acima descritas os arguidos OC…, LC… e FS…, com a colaboração dos arguidos LM…, LAl… e IC…, conseguiram atingir os seus propósitos de passarem as acções da SLN SGPS para a SLN VALOR, como se as mesmas tivessem sido vendidas por entidades terceiras ao grupo;
247) Lograram, ainda, cimentar o controlo accionista por eles pretendido;
(…)
309) O arguido RO… actuou com o propósito de, conjugando os seus esforços com os dos arguidos OC…, LC…, LM…, LAl… e IC…, fazer gerar cenários de negócios sem correspondência com a realidade de forma a sacar fundos de entidades terceiras, em seu próprio proveito;
310) O arguido RO… agiu ainda com o propósito de forjar documentos e assinaturas de forma a gerar falsas convicções em terceiros e criar justificações para os seus actos e actos de que foi beneficiário;
(…)
Da contestação:
1) Do facto 95º não se provou: “21/11/2000”;
2) Do facto 97º não se provou: “2001”;
3) Do facto 114º não se provou: “6 de Dezembro de 2000”;
4) Do facto 129º não se provou: “Sr. L…”;
5) A formalização do negócio de compra e venda de acções da empresa titular do terreno na Rua Castilho foi feita na presença de todos os interessados, tendo sido apresentadas nesse acto procurações a favor dos arguidos LC… e RO… de cada uma das empresas adquirentes das participações sociais da Astroimóvel, S.A.;
6) O terreno da Rua Castilho valia entre 20 a 22 milhões de euros;

c. Fundamentou a sua convicção nos seguintes termos:
Inicia-se, agora, a análise dos factos 599º a 634º da pronúncia (“preparação da venda da Validus pela SLN Investimento” e “utilização da Validus para aquisição de acções SLN”) nos quais se aborda, além do mais, a participação do arguido RO….
Ao contrário do que temos vindo a fazer, como ponto prévio, abordar-se-ão as versões opostas da pronúncia e do arguido RO… sobre o tema e, com vista à melhor compreensão dos factos, proceder-se-á à análise conjunta dos factos atinentes da pronúncia e da contestação deste arguido.
Importa, por isso e antes de mais, enunciar os factos dessa contestação (fls. 16480 a 17059) que não foram objecto da factualidade provada ou não provada pelos motivos indicados de seguida:
- por abordarem questões de direito de ordem processual já decididas no processo (1º, 2º, 19º a 65º);
- por fazer um resumo dos factos da pronúncia (3º);
- por fazer um resumo dos crimes que são imputados ao arguido (10º);
- por se limitarem a negar, em bloco, o “estratagema” que é imputado ao arguido na pronúncia (4º e 5º, 191º, 203º);
- por abordarem questões de direito de ordem substantiva que não serão objecto de apreciação nesta sede (6º e 9º, 11º a 18º, 149º, 184º, 197º, última parte);
- por serem irrelevantes e/ou inócuos em termos de materialidade (66º, 105º, 117º);
- por serem manifestamente conclusivos e/ou valorativos  e/ou conterem juízos hipotéticos (89º, pontos 2º e 3º, 90º a 93º, 96º, 104º, parte – “avançado estado de degradação”, 156º, 184º, 188º, 192º, 197º);
- por se limitarem a negar a prática de factos que lhe são imputados na pronúncia (93º, 118º, 121º, 122º, 152º, 163º, 193º, 199º, 202º);
- por se limitar a invocar o simples desconhecimento de factos que lhe são imputados na pronúncia (120º);
- por se apresentarem como explicativos e/ou subjectivos e/ou opinativos (112º, 124º, 153º, 158º, 161º, 2ª parte, 141º a 143º, 163º, 168º, 174º, 175º, 186º a 188º, 192º, 195º, 200º, 201º);
- por ser explicativo e remeter para “prova cabal e bastante no momento oportuno” (131º);
- por fazerem referência ou citarem depoimentos de testemunhas prestados em sede de inquérito/instrução (133º);
- por reproduzirem ou citarem declarações do arguido prestadas em sede de inquérito (150º);
- por se limitarem à análise de elementos probatórios constantes do processo (144º e 145º, 158º - além do mais, quanto a este, o saber se o arguido assinou ou não o documento que indica será objecto de análise em sede de motivação – 160º, 178º);
- por tecerem juízos de valor sobre a pronúncia (146º, 148º, 162º, 1ª parte, 163º, 185º, 1ª parte, 186º);
- por serem repetidos (147º, 151º, 154º, 162º, 2ª parte, 177º, 189º, 190º, 193º, 195º, 197º), sendo certo que o Tribunal se pronúncia apenas sobre os factos alegados em primeiro lugar;
- por se limitarem à citação parcial de factos da pronúncia (155º);
- por se limitarem a colocar interrogações e/ou exclamações (161º, 1ª parte, 176º, 183º, 186º, 194º, 196º);
- por se limitarem à análise de factos da pronúncia (164º a 166º, 190º, 198º);
Nos factos 67º a 88º o arguido caracteriza e desenvolve um negócio imobiliário que fez com a intervenção do BPN, S.A., designadamente o “Palacete da Lapa”, com a finalidade de expor o seu “modus operandi” naquele tipo de negócios.
Esse negócio do “Palacete da Lapa” não é abordado na pronúncia em nenhum facto.
Por isso a factualidade em questão não tem qualquer relevância para efeitos de se aferir da eventual responsabilidade criminal do arguido e eventual escolha e determinação da medida concreta da pena que lhe possa vir a ser aplicada.
Sendo que o Tribunal só tem de se pronunciar sobre os factos/negócios descritos na pronúncia e sobre os factos que com eles se relacionem e se mostrem descritos nas contestações e não sobre quaisquer outros que não façam parte do objecto do processo, como é o caso do negócio do “Palacete da Lapa”.
Por outro lado, os factos 107º a 112º a contestação são de índole subjectiva e explicativa e abordam questões motivacionais para justificar o negócio relativo ao imóvel sito na R. D. João V, em Lisboa.
O que interessa para a descoberta da verdade material é essencialmente o que foi acordado entre os arguidos OC… e RO… e os factos objectivos ocorridos que levaram a que esse acordo se concretizasse.
Assim sendo, por não se apresentar como relevante, a indicada factualidade também não foi objecto da factualidade provada ou não provada.
*
Como questão prévia importa referir que o arguido RO… prestou declarações na audiência de julgamento.
Nessa sede respondeu às questões que o Tribunal Colectivo entendeu por conveniente colocar-lhe.
Todavia, no exercício de um direito que lhe assiste, recusou-se a responder a quaisquer questões que pretendiam colocar-lhe o Digno Magistrado do M.P., os ilustres mandatários dos assistentes e dos co-arguidos.
Dispõe o art. 345º do C.P.P.:
“1 – (…). O arguido pode, espontaneamente ou a recomendação do defensor, recusar a resposta a algumas ou a todas as perguntas, sem que isso o possa desfavorecer.
2 – O Ministério Público, o advogado do assistente e o defensor podem solicitar ao presidente que formule ao arguido perguntas, nos termos do número anterior.
(…).
4 – Não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas nos termos dos n.ºs 1 e 2”. (bold nosso)
Vale o exposto por dizer que as declarações prestadas pelo arguido RO… em prejuízo dos co-arguidos não poderão ser valoradas pelo Tribunal.
Em suma, no tocante às declarações do arguido RO…, o Tribunal só valorará as que lhe são favoráveis ou desfavoráveis e/ou as que possam ser favoráveis em relação aos co-arguidos.
*
Abordemos, agora, os factos:
Estão em causa duas versões distintas.
A da pronúncia que, sumariamente, pode relatar-se do seguinte modo:
Com a finalidade de aumentar o controlo accionista terá sido concebida uma estratégia que passava por utilizar a Validus numa operação de transferência de acções da SLN SGPS para a SLN Valor (601º).
Estratégia que também passava por proporcionar ganhos ao arguido RO… (602º), pessoa de confiança do grupo, que se disponibilizaria a deter a Validus (605º).
A este, aduz a pronúncia, seria garantida a obtenção de um ganho que os arguidos aceitavam pagar para alcançar o objectivo da transferência de acções da SLN SGPS para a SLN Valor através da Validus (608º).
Porém, o arguido RO… viria a exigir que neste negócio lhe fosse conferida, para a sua esfera pessoal, uma vantagem acrescida, a alcançar através da aquisição pelo grupo SLN/BPN de imóveis detidos pelas suas empresas ou que estavam na sua esfera de intermediação (609º).
Essa vantagem acrescida viria a concretizar-se pela venda ao fundo Imonegócios de um imóvel na R. D. João V, em Lisboa, pelo preço de 350 mil contos, e pela venda da sociedade Astroimóvel, detentora de um imóvel na Rua Castilho, na mesma cidade, às sociedades offshore Oardale e Kinasol que, por sua vez, a venderiam ao fundo Imoglobal, com participação do arguido (610º).
De acordo com a estratégia delineada, os arguidos determinaram a aquisição pelo arguido RO… de 1.250.000 acções da SLN SGPS, S.A. (611º) e planearam vender-lhe a “Nova Validus” com suprimentos suficientes para garantir a aquisição e o pagamento das acções da SLN SGPS já colocadas na conta do arguido RO… (632º).
Com a operação de financiamento das sociedades offshore Oardale e Kinasol os arguidos proporcionaram a aquisição das acções da Astroimóvel e também o financiamento do arguido RO… para a aquisição da Validus (636º e 637º).
O acordo então estabelecido entre o arguido RO… e os arguidos OC… e LC… previa que a oportunidade de negócio trazida pelo primeiro fosse remunerada com a detenção de uma participação inicial de 35% sobre a sociedade Astroimóvel, sem que ao mesmo arguido RO… fosse exigido qualquer esforço financeiro para a aquisição da mesma sociedade (645º).
Após ter sido reposta a proporção acordada na participação do grupo SLN/BPN e do arguido RO… no capital social da Astroimóvel, os arguidos rentabilizaram a aquisição desta sociedade através da sua venda ao fundo Imoglobal (650º e 651º).
A parte dos pagamentos destinada ao arguido RO… seria convertida em unidades de participação no referido fundo (652º).
Na sequência da condição imposta pelo arguido RO… no sentido de não realizar qualquer entrada de capital da sua esfera para a aquisição da Validus, os arguidos elaboraram um novo plano para garantir um financiamento para tal operação (658º).
Para o efeito, utilizaram os financiamentos em nome da Kinasol e da Oardale para financiarem a aquisição da Nova Validus pelo arguido RO…, logrando, deste modo, dar cobertura à estratégia de utilização da mesma Validus para a transferência das acções da SLN SGPS (659º e 660º).
Assim, a 29.12.2000, a SLN Investimentos procedeu à venda das acções da Nova Validus, seus activos e suprimentos, à entidade Groundsel, detida pelo arguido RO…, pelo preço total de 738.614.615$00 (662º e 663º).
Os arguidos fizeram com que o pagamento desta aquisição fosse feito com recurso a duas entidades offshore, a Kinasol (grupo SLN/BPN) e a Oardale (RO…) – 671º.
Lograram ainda que o arguido RO…, através da Groundsel, tivesse adquirido todas as acções da Nova Validus sem que tivesse de entregar qualquer quantia monetária para tanto (672º).
Na mesma data (29.12.2000), em execução da estratégia de aumento dos suprimentos da Validus, determinaram ainda os arguidos a realização de uma transferência de 463.614.625$00 para a conta bancária aberta em nome da Nova Validus (673º).
Assim, os arguidos colocaram na esfera do arguido RO… um património constituído por (i) as acções da Validus e o imóvel que tinha como activo, (ii) os direitos de crédito sobre a mesma sociedade no montante de 705.382.255$00 e (iii) um conjunto de 1.250.000 acções da SLN SGPS (674º).
Como resultado final de todo este cenário contratual os arguidos colocaram na pessoa do arguido RO…, pelo preço de 738.614.625$00, um património da sociedade Validus composto pelas seguintes parcelas:
- 252.767.630$00 - correspondente ao valor do imóvel detido pela Nova Validus;
- 705.382.255$00 - correspondente aos suprimentos;
- 463.614.625$00 - correspondente ao valor de 1.250.000 acções da SLN SGPZ; (688º)
Assim, o ganho do arguido RO… com a aquisição da Validus foi de 683.149.885$00, acrescidos dos montantes dos financiamentos determinados através da Kinasol (689º);
Ao aderir ao plano estabelecido pelos arguidos, o arguido RO… recebeu logo a promessa de que as 1.250.000 acções da SLN SGPS, que foram carregadas na sua conta de valores mobiliários e depois transferidas para a Validus, seriam recompradas pela SLN Valor, podendo guardar para si a totalidade do produto da venda que integraria, assim, o seu ganho pessoal, uma vez que não havia feito esforço financeiro para a aquisição dessas mesmas acções (695º).
No dia 30.11.2001 em concretização dessa promessa foi concretizada a compra pela SLN Valor as 1.250.000 acções da SLN SGPS detidas pela Validus. (698º).
Em resumo, o ganho pessoal do arguido RO… com a aceitação da sua intervenção no negócio da Validus e transferência de acções da SLN SGPS para a SLN Valor acabou por atingir o valor total de 1.118.153.380$00, correspondente à soma de:
- 705.382.255$00 – correspondentes aos suprimentos colocados na Validus e de que o arguido se fez pagar para seu próprio proveito;
- 112.771.125$00 – mais-valias realizadas com a alienação das acções colocadas na Validus;
- 300.000.000$00 – valor da venda do imóvel da Validus que o arguido fez transferir para a sua conta pessoal; (716º)
A este ganho efectivo haverá ainda que atender ao montante financiado entre a Kinasol e a Groundsel, no total de 570.000.000$0 (717º);
E isto tudo, para que efeito?
Com todas estas operações, os arguidos conseguiram atingir os seus propósitos de passar as acções da SLN SGPS para a SLN Valor, como se as mesmas tivessem sido vendidas por entidades terceiras ao grupo, logrando, ainda, cimentar o controlo accionista por eles pretendido (718º e 719º).
Esta, a tese da pronúncia.
A versão do arguido RO…, por si explicada em sede de audiência de julgamento, é completamente distinta.
Porque as suas declarações, no fundo, seguiram de perto a defesa por si apresentada na contestação, resumir-se-ão os factos mais relevantes deste articulado.
O arguido encontrava-se a reconstruir uma antiga casa apalaçada na Rua D. João V, em Lisboa, casa na qual pretendia instalar a sede das suas empresas (94º).
Depois de o arguido OC… ver o imóvel e se mostrar interessado a nele instalar o Private Banking do BPN (98º), perguntou ao arguido RO… o preço pelo qual o venderia ao BPN, ao que o arguido RO… informou que não o venderia por menos de 950.000.000$00 (99º).
Posteriormente, o arguido OC… propôs ao arguido RO… o seguinte plano negocial para que o BPN adquirisse aquele imóvel:
1. O BPN adquiria esse imóvel pelo valor de 950.000.000$00, sendo o pagamento do preço feito nos seguintes moldes:
2. Parte do preço em cheque ou transferência bancária (350.000.000$00);
3. Outra parte através da entrega das acções de uma sociedade que o arguido OC… disse ter activos no valor de cerca de 600.000.000$00, a saber:
a) Um imóvel na Av. do Brasil, n.º 1, no Estoril; e
b) Acções da SLN – SGPS, S.A.; (101º)
Após visitar o imóvel o arguido RO… avaliou-o em 100.000.000$00 (104º).
Quanto às acções da SLN SGPS o arguido OC… informou o arguido RO… de que naquela sociedade seriam colocadas acções no valor de cerca de 500.000.000$00 (105º).
O arguido RO… aceitou os termos propostos deste negócio (108º a 111º)
O negócio da venda do Palacete da R. Dom João V, em Lisboa, veio a formalizar-se em 20.2.2001 (113º).
Em concretização do acordo, a sociedade “Altos Vôos”, dona do imóvel, recebeu em 6.12.2000 a quantia de 350.000.000$00 através de depósito feito pelo BPN na conta da empresa (114º).
A segunda tranche do pagamento, que perfazia a totalidade do remanescente do preço (600.000.000$00) concretizou-se a 29.12.2000, em dação em pagamento, de uma sociedade comercial cujos activos tinham este valor, designadamente a Validus, S.A. (114º e 115º).
A única intenção do arguido RO… foi a de obter 950 mil contos pelo prédio da R. Dom João V (123º).
Após o imóvel ter sido adquirido pelo BPN foi nele instalada uma agência desta instituição bancária, designadamente o Private Banking (129º e 130º).
O negócio da Astroimóvel nada teve a ver com este (132º).
Em 31.12.2001 as participações sociais detidas pelo arguido RO… ou pelas sociedades por si detidas foram alienadas pelo BPN ao fundo Imoglobal sem que o arguido desse negócio tivesse tido conhecimento prévio ou contemporâneo.
Quanto ao primeiro negócio, o volume necessário de acções para perfazer o montante de 500.000.000$00 era de 1.250.000 acções da SLN SGPS, S.A, à razão de € 2,00, as quais foram carregadas na sua conta pessoal a título de princípio de pagamento pela razão de que, nessa data (30.10.2000), ainda não lhe tinha sido entregue a Validus, S.A., com esse volume de acções e o imóvel (139º a 141º).
Por isso, aquando da entrega das participações sociais da sociedade Validus, S.A., a 29.12.2000, a operação de “carregamento” de 1.250.000 acções na sua conta pessoa foi “desfeita” com data-valor de 30.10.2000, tendo igual montante de acções sido “carregado” na conta entretanto aberta da sociedade Nova Validus, a qual era igualmente titular do imóvel do Estoril (142º e 143º).
No fundo e em síntese, o arguido RO… celebrou com o BPN um simples negócio comercial (148º).
Posto isto, dir-se-á:
Não obstante inúmeros factos objectivos da pronúncia, como se verá, correspondam à realidade, o que é facto é que, mesmo abstraindo da versão apresentada pelo arguido, a tese/versão da pronúncia não faz o mínimo sentido e apresenta-se como ilógica e irracional face a regras da experiência comum e também por comparação com as participações societárias da SLN SGPS, S.A. detidas por accionistas singulares ou por sociedades destes e que foram analisadas supra no âmbito do tema do “controlo accionista”.
Recorde-se, porque se mostra relevante, a síntese da tese da pronúncia:
O ganho pessoal do arguido RO… com a aceitação da sua intervenção no negócio da Validus e transferência de acções da SLN SGPS para a SLN Valor, acabou por atingir o valor total de 1.118.153.380$00, correspondente à soma de:
- 705.382.255$00 – correspondentes aos suprimentos colocados na Validus e de que o arguido se fez pagar para seu próprio proveito;
- 112.771.125$00 – mais-valias realizadas com a alienação das acções colocadas na Validus;
- 300.000.000$00 – valor da venda do imóvel da Validus que o arguido fez transferir para a sua conta pessoal; (716º)
A este ganho efectivo haverá ainda que atender ao montante financiado entre a Kinasol e a Groundsel, no total de 570.000.000$0 (717º);
Com todas estas operações, os arguidos conseguiram atingir os seus propósitos de passar as acções da SLN SGPS para a SLN Valor como se as mesmas tivessem sido vendidas por entidades terceiras ao grupo, logrando, ainda, cimentar o controlo accionista por eles pretendido (718º e 719º).
Apesar de o arguido RO… - o próprio não o nega nas declarações prestadas – ter obtido lucro com este negócio da Validus, o que é facto é que o grupo SLN/BPN, designadamente os arguidos identificados na pronúncia, para potenciar ou cimentar o controlo accionista da SLN SGPS, S.A. através da SLN Valor não precisava da intervenção do arguido RO… neste negócio.
Pela simples razão de que poderiam ter vendido as 1.250.000 acções da SLN SGPS, S.A. directamente à SLN Valor, em vez de as fazer transitar pela Validus, S.A..
O resultado final em termos de participação societária não seria diferente.
Ou seja, com ou sem a intervenção da Validus e do arguido RO…, a SLN Valor sempre ficaria titular daquela participação social da SLN SGPS, S.A..
Por outro lado, para obterem o mesmo desiderato (controlo accionista), como feito inúmeras vezes (v. análise efectuada no tema “controlo accionista”), os arguidos poderiam ter utilizado uma qualquer offshore do grupo SLN/BPN para transitarem as 1.250.000 acções da SLN SGPS, S.A. para a SLN Valor ou, não o pretendendo, sempre poderiam ter “parqueado” as mesmas acções numa qualquer offshore do grupo, numa sociedade nacional pertença do grupo ou nas mãos de um qualquer “fiduciário” que se prestasse a esse objectivo.
E isto, com uma vantagem inequívoca: não gastarem, porventura, um único cêntimo.
Ademais, nem a pronúncia explica, nem se percebe, a alusão a “como se as mesmas tivessem sido vendidas por entidades terceiras ao grupo”.
Vendidas as 1.250.000 acções da SLN SGPS, S.A. à SLN Valor por entidade terceira ao grupo, designadamente pela Nova Validus após esta estar na titularidade do arguido RO…, ou vendidas as mesmas acções por uma entidade/sociedade do grupo, o resultado final seria sempre o mesmo: a SLN Valor ficaria titular de uma participação social de 1.250.000 acções da SLN SGPS, S.A..
Ou seja, esta titularidade das acções, independentemente da intervenção de uma sociedade do grupo ou de uma entidade terceira ao grupo, só teria importância para efeitos do limite legal de detenção de acções próprias.
Acresce que, para atingirem o desiderato pretendido, além de não ser necessária a intervenção do arguido RO… e da Nova Validus, se apresenta manifestamente despropositada, irracional e ilógica a versão da pronúncia quando declara que aquele exigiu e lhe foram proporcionados elevados ganhos em ordem a que fosse alcançado o mesmo objectivo.
Aliás, o arguido sintetiza bem o irracional e ilógico desta tese quando no art. 200º da contestação refere que “não pode deixar de se sublinhar o «total absurdo» de se pretender que para transferir (encapotadamente) 1.250.000 acções de um universo de 350.000.000 de acções (art. 683º da pronúncia), i.e., o equivalente a 0,357% do capital social da SLN SGPS, S.A., se tivessem gasto 2 milhões de contos/10 milhões de euros.” (bold nosso)
E bem se pronuncia no art. 201º da contestação quando declara como a pronúncia “entende que RO… ainda exigia «mais contrapartidas» (art. 632º) pela sua colaboração nesta transferência de acções, nomeadamente a aquisição em parceria de um terreno na Rua Castilho em Lisboa (art. 635º), terá de concluir que para transferir 0,357% do capital social da SLN SGPS, S.A., se teriam gasto cerca de 4,5 milhões de contos/22 milhões de euros”. (bold nosso)
As mesmas considerações são renovadas pelo arguido RO…, com inteira pertinência, após deduzir quase toda a sua defesa ao negócio “Validus”, nos arts. 279º e 280º da contestação.
E isto tudo, adiantamos nós, para uma transferência de uma participação social que, à data, valia cerca de € 2.500.000,00 (1.250.000 acções x € 2,00)!
Além do mais, a versão do arguido RO… apresentada em sede em julgamento e que corresponde, na generalidade, à versão da sua contestação, apresentou-se séria, credível, objectiva e, acima de tudo, em sintonia lógica e racional com os elementos probatórios constantes dos autos, não suscitando ao Tribunal dúvidas quanto à veracidade da mesma.
Acresce que, em grande parte, a sua versão é favorável aos arguidos OC… e LC….
Por fim, é a única que, face às regras da experiência comum, da lógica e máximas da vida, se coaduna com os elementos probatórios constantes dos autos.
Em resumo:
Sem prejuízo dos desenvolvimentos ulteriores a nível da motivação, a intervenção do arguido RO… neste tema da Validus traduziu-se num negócio e numa parceria comercial de índole imobiliária com um grupo económico e uma instituição financeira, o grupo SLN/BPN, negócio que visou, obviamente, alcançar um lucro inerente de modo natural à sua actividade comercial, a de promotor imobiliário.
*
Feita esta introdução, analisadas as duas versões em “confronto” e concluído que a versão do arguido RO… se apresenta como séria, credível e em conformidade com os elementos probatórios constantes dos autos, é tempo de voltar à análise da factualidade, o que se fará em conjunto (factos da pronúncia e factos da contestação do arguido) com vista à adequada compreensão e apreensão desta matéria.
Os factos 599º e 600º da pronúncia (v. factos provados 574 e 575) são uma consequência lógica dos factos 587º a 598º do mesmo articulado (v. factos provados 562 a 573).
Com efeito, como visto, a Keresley não possuía qualquer crédito sobre a Validus.
Na medida em que foi outorgado o identificado acordo de cessão de créditos entre a SLN Investimentos e a Keresley, pelo qual aquela adquiria a esta um crédito que esta sociedade offshore não tinha sobre a Validus, naturalmente que se aumentava, ainda que ficticiamente, o crédito da SLN Investimentos.
No enquadramento acima apontado, é certo que a dada altura a Nova Validus ficou com uma carteira de títulos de 1.250.000 acções da SLN SGPS, S.A., acções que, como o arguido RO… declarou, foram posteriormente, em Outubro de 2001, vendidas à SLN Valor.
No entanto, nenhuma prova foi feita de que se “visava utilizar a Validus numa operação de transferência de acções da SLN SGPS, visando aumentar o nível de controlo da mesma pela SLN Valor” (art. 601º da pronúncia; v. facto não provado 183).
Ou seja, nenhuma prova foi produzida de que “ab initio” o arguido RO… havia acordado com os arguidos OC… e LC… que a “Nova Validus” iria titular aquelas acções transitoriamente a fim de, mais tarde, serem vendidas à SLN Valor de modo a que esta sociedade aumentasse o controlo accionista sobre a SLN SGPS, S.A..
Não se olvida que quando ocorreu esta última transferência, de facto, o aumento do controlo accionista foi uma consequência necessária, porém, nada obrigava o arguido RO… a proceder a essa venda.
Podia manter indefinidamente na titularidade da “Nova Validus” as acções da SLN SGPS, S.A., como inúmeros outros accionistas fizeram.
Acresce que o arguido LC… negou esta parte da estratégia.
O arguido FS… negou qualquer participação nestes factos.
E o arguido RO… pronunciando-se sobre esta matéria, em síntese, declarou:
Nunca fez qualquer acordo de revenda, ou seja, de vender as 1.250.000 acções da SLN SGPS à SLN Valor.
Quando as recebeu nunca lhe disseram que elas eram para recomprar pela SLN Valor.
Talvez seja o único accionista que nunca teve nenhum contrato de compra com revenda com uma percentagem definida de lucro, nunca teve nada disso.
Em suma, não houve este acordo, nem verbal, nem escrito.
Numa óptica um pouco diversa da que é apontada pela pronúncia e que ficará clara quando forem analisados os factos da contestação do arguido RO…, não deixou, de facto, de haver uma estratégia no sentido de proporcionar a este arguido ganhos/lucro, numa tripla vertente (art. 602º da pronúncia; v. facto provado 576).
Foi declarado e devidamente explicado pelo arguido RO… que houve interesse do BPN, S.A. em adquirir o imóvel que era pertença da sua sociedade Altos Voos, Lda., designadamente a “casa apalaçada” sita na R. D. João V, em Lisboa, para que nele fosse instalada a sede do Private Banking.
Esse imóvel viria a ser adquirido pelo grupo SLN/BPN por um preço muito superior àquele por que o arguido RO… tinha despendido para a sua aquisição, o que o arguido OC… (pessoa com quem o arguido RO… acordou o negócio) não podia desconhecer, face ao conhecimento que não podia deixar de ter do preço de aquisição e do preço de venda ao grupo e à circunstância de o arguido RO… exercer a actividade de promoção imobiliária, ou seja, com ela, visar o lucro inerente a essa actividade.
Por outro lado, como se verá infra, no negócio firmado entre os arguidos OC… e RO…, aquando da transferência da “Nova Validus” para este último arguido, foi atribuído ao imóvel sito na Avenida do Brasil, no Estoril – imóvel que constituía um activo da sociedade – o valor de 100.000.000$00, o que representava um valor inferior ao real.
Logo aí o arguido RO… ficou com um património pertença da sociedade “Nova Validus” que valia mais do que o preço negociado para a sua aquisição e com a possibilidade de, posteriormente, revendê-lo por um preço ainda superior, potenciando o seu lucro, o que efectivamente viria a ocorrer.
Por fim, temos a parceria comercial entre o arguido RO… e o grupo SLN/BPN no âmbito do negócio Astróimóvel, que será oportunamente abordado, sociedade que era titular de um terreno sito na Rua Castilho, em Lisboa.
A sociedade, após ter passado em conjunto e com percentagens distintas, pelas sociedades offshore Kinasol e Oardale, sensivelmente um ano depois da aquisição, viria a ser vendida, bem como o seu activo, ao fundo Imoglobal por um preço muito superior ao de aquisição, i.e., por um preço manifestamente inflacionado, gerando necessariamente lucros para o arguido RO… ainda que sob a “veste” da detenção de unidades de participação do fundo.
No âmbito do tema que temos vindo a analisar, passamos agora à análise dos arts. 603º a 634º da pronúncia (“Utilização da Validus para aquisição de acções da SLN SGPS”).
Em boa parte, estes factos repetem os factos já analisados constantes dos arts. 585º a 598º da pronúncia, relacionando-os agora com o alegado esquema de utilização da “Validus como veículo para a aquisição de acções da SLN SGPS, que depois seriam revendidas à SLN Valor”.
Ora, como decorre da análise dos factos 585º a 598º da pronúncia, se é certo que foram realizadas “operações financeiras simuladas”, não ficou demonstrada, antes pelo contrário, a relação causa/efeito que visava criar a “aparência” de as 1.250.000 acções da SLN SGPS “serem adquiridas a terceiros” pela SLN Valor (603º), bem como a elaboração de “um esquema” que “passava por utilizar a Validus como veículo para a aquisição de acções da SLN SGPS, que depois seriam revendidas à SLN Valor” (604º), nem a necessidade “que a Validus fosse detida por terceira pessoa da confiança do grupo” (605º), i.e., pelo arguido RO…, em ordem a ser alcançado tal propósito (v. factos não provados 184 a 186).
Remete-se para a motivação desenvolvida supra pela qual se explicou o “non sense” desta estratégia.
No que concerne ao facto 606º da pronúncia (v. facto não provado 187), sem prejuízo do que será desenvolvido infra, cabe dizer que a Validus não foi financiada para a aquisição de 1.250.000 acções da SLN SGPS, S.A.. Diferentemente, a “Nova Validus” foi transferida para a titularidade do arguido RO… com os respectivos activos (acções e o imóvel do Estoril) como meio de pagamento parcial do preço do “Palacete” da Rua D. João V, cuja aquisição pelo grupo SLN/BPN havia sido negociada entre os arguidos OC… e RO….
A 2ª parte deste facto renova a relação causa/efeito entre a “obtenção de um ganho” para um terceiro, ou seja, para o arguido RO…, por contrapartida da sua disponibilidade para permitir que a “Nova Validus” servisse como veículo transitório para se atingir o objectivo da transferência daquele número de acções da SLN SGPS, S.A. para a SLN Valor.
Remete-se, igualmente, nesta parte, para a motivação desenvolvida supra pela qual se explicou a falta de demonstração desta relação.
Quanto ao “ganho”, diga-se que a pronúncia não se define.
Com efeito tanto se refere a “proporcionar ganhos a um terceiro” (602º), como a garantir “a esse terceiro a obtenção de um ganho” (606º) ou a oferecer “a obtenção final de um ganho” (608º)!
Independentemente disso, não obstante tenha sido proporcionado um ganho ao arguido RO… no âmbito da relação negocial estabelecida, esse ganho não foi proporcionado por causa de uma qualquer disponibilidade da sua parte de permitir que a “Nova Validus” servisse como veículo transitório para se atingir o identificado objectivo.
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Feita que está esta análise factual dos arts. 599º a 606º da pronúncia (“Preparação da venda da Validus pela SLN Investimento”), avancemos para a rápida apreciação da residual factualidade da contestação (fls. 17854 a 17906) da arguida IC… (factos 264º a 266º).
No art. 264º da contestação a arguida limita-se a invocar o desconhecimento daquela factualidade da pronúncia, facto que, por isso, não foi conduzido à factualidade provada ou não provada.
Considerando que a arguida outorgou a escritura pública de cisão na qualidade de administradora e em representação da sociedade Validus – Imobiliária e Investimentos, S.A. (v. apenso temático S, vol. 1, fls. 135 a 145, págs. 136 a 146 pdf.) é inquestionável que ela tinha conhecimento do que alega no art. 265º da contestação (v. facto provado 80 da contestação).
No entanto, como já foi explicado supra, o seu “conhecimento” não se limitou ao que invoca no art. 265º da contestação, cabendo ainda referir que na data em que ocorreu a divisão/cisão a titular da participação social na Validus, S.A. era a SLN Investimentos, S.A. e não a SLN SGPS, S.A. (v. facto não provado 64).
Não foi produzida nenhuma prova cabal que evidenciasse que o processo de cisão teve início em Agosto de 2000 (v. art. 266º a contestação; v. facto não provado 65 da contestação).
Resulta do teor da identificada escritura pública que a cisão concretizou-se em Dezembro de 2000 (v. art. 266º da contestação; v. facto provado 81 da contestação).
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Voltando à factualidade da pronúncia:
No âmbito do já mencionado acordo entre os arguidos OC… e RO…, que passava pela transmissão de uma sociedade para a titularidade deste último com um activo correspondente ao valor de 600.000.000$00, foi posteriormente transmitido como integrante desse activo, além de 1.250.000 acções da SLN SGPS, S.A., o identificado imóvel sito na Avenida do Brasil, no Estoril.
Porém, a Validus, S.A., antes da cisão, além desse imóvel tinha ainda no seu activo o prédio misto Quinta da Torre de Santo António.
Por isso, foi necessário proceder à cisão/divisão do património, passando o imóvel sito na Avenida do Brasil, no Estoril, a integrar o activo da “Nova Validus”. (art. 607º da pronúncia; v. provado 577).
Em parte, este facto foi confirmado pelo arguido LC…, na medida em que admitiu que o único património da Validus, S.A. que interessava ao grupo era a Quinta da Torre de Santo António, em Torres Vedras, e que a cisão da Validus visou separar os dois activos (moradia do Estoril e a Quinta da Torre de Santo António).
Este facto (607º) repete, em parte, o início do art. 585º da pronúncia no que concerne à decisão de divisão do património da Validus, S.A..
Por isso remete-se para a fundamentação de índole subjectiva desenvolvida supra que permitiu concluir que essa decisão foi formulada pelos arguidos OC…, LC… e IC… (v. factos provados 560 e 577).
O plano a que alude o art. 608º da pronúncia é o descrito nos arts. 603º a 606º do mesmo articulado, i.e., “utilizar a Validus como veículo para a aquisição de acções da SLN SGPS, que depois seriam revendidas à SLN Valor” (604º) “com a aparência de serem adquiridas a terceiros”, ou seja, após cisão, à “Nova Validus” titulada pelo arguido RO….
Este plano foi julgado não provado (v. factos não provados 184 a 187).
Tratando o facto ora em análise (608º) de fazer nova referência ao mesmo plano e de estabelecer a relação causa/efeito entre a divisão do património da Validus, o objectivo de utilização desta sociedade como veículo de transmissão de acções da SLN SGPS e a “oferta” de um ganho final ao arguido RO… pela adesão a esse plano, pelos motivos já expostos, só pode ser julgado não provado (v. facto não provado 188).
Cabe tão só referir que, além do mais, os arguidos LC… e RO… negaram a existência de qualquer plano.
O facto 609º da pronúncia, por todas as razões já expostas, para as quais se remete, necessariamente que tem que ser julgado na íntegra não provado, uma vez que, além de ter sido negado pelos arguidos LC… e RO…, não tem qualquer suporte na prova produzida em audiência de julgamento, quer testemunhal, quer documental (v. facto não provado 189).
No que se refere ao facto 610º da pronúncia os arguidos LC… e RO… confirmaram a concretização de ambos os negócios.
Quanto ao primeiro (imóvel sito na R. D. João V, em Lisboa, onde posteriormente foi instalado o Private Banking) é de ter ainda em consideração a seguinte documentação:
- Processo, vol. 42, fls. 16198 a 16201, págs. 288 a 291 pdf – 09.05.2000 – cópia da escritura pública de cessão de quotas pela qual RGa… e mulher, como cedente, cedem ao arguido RO… e mulher, MCi…, como cessionários, as quotas de que eram titulares na sociedade “Altos Voos Sociedade Imobiliária, Ld.ª”;
- Processo, vol. 19, fls. 7722 a 7725, págs. 171 a 174 pdf – 20.02.2001 - escritura de compra e venda entre a sociedade Altos Voos Sociedade Imobiliária, Ld.ª, representada pelo arguido RO…, como vendedora, e o Fundo de Investimento Imobiliário Aberto Imonegócios, como comprador, gerido pelo BPN - Imofundos, Sociedade Gestora de Fundos de Investimentos Imobiliários, representado por AC…, do prédio sito na Rua D. João V, em Lisboa, pelo preço de 350.000.000$00;
- Processo, vol. 19, fls. 7797, pág. 246 pdf – 20.02.2001 - cheque bancário emitido pelo BPN Imonegócios a favor da sociedade “Altos Voos, Lda.” de 350.000.000$00 para pagamento do preço do identificado prédio, com endosso do arguido RO… no verso;
A propósito desta aquisição, com importância e sinteticamente, a testemunha AC… (presidente do Conselho de Administração do BPN Imofundos de 1999 a 2009), outorgante na escritura pública em representação deste Fundo, declarou:
RO… tinha um conjunto de relações com o grupo e era uma pessoa que normalmente trazia ao conhecimento da administração do BPN (OC…) oportunidades de negócio.
A dada altura, alguém da administração disse que estavam à procura de instalações para sedear a direcção do Private Banking (instalações condignas) e apareceu esta oportunidade.
 Uma vez que, à data, o Fundo só fazia investimentos em activos que estivessem arrendados ou que fossem arrendados, acordaram com a administração do banco que só podiam investir neste imóvel se ele fosse arrendado ao BPN com uma taxa de rentabilidade de 7,5% ao ano do capital investido.
Na sequência disso o imóvel foi adquirido pelo Fundo.
O mobiliário foi excluído do preço, mas os acabamentos foram projectados no preço acordado.
O preço do imóvel foi indicado por OC….
Este bem também foi avaliado em ordem a ser obtido pelo Fundo.
De facto, o imóvel foi avaliado previamente à aquisição:
- Processo, vol. 167, fls. 50773 a fls. 50792, págs. 60 a 79 pdf – 19.02.2001 – relatório de avaliação do prédio sito na Rua D. João V n.ºs 30 a 30B realizado pela Imorating – Consultores Imobiliários, Ld.ª, que fixou o valor em 350.000.000$00 (€ 1.745.792,00) reportado a 12.02.2001;
- Processo, vol. 167, fls. 50793 a 50809, págs. 80 a 96 pdf – 12.02.2001 - Relatório de avaliação do mesmo imóvel realizado pela Engineering – Serviços Técnicos, Ld.ª que fixou o valor em 367.000.000$00 (€ 1.830.588,00);
Atente-se, agora, na parte correspondente e relevante da contestação (fls. 16098 a 16236) do arguido RO….
Já referimos que o Tribunal considerou as suas declarações respeitantes a este negócio como sérias e credíveis.
Com base nessas declarações, porque confirmativas, é de considerar provado o alegado pelo arguido no art. 94º da contestação (v. facto provado 2).
Acresce que, a realização de obras nesse imóvel foram confirmadas pela testemunha VS… (empresário de construção civil e hotelaria e que se deslocou ao imóvel).
Mais confirmou que o arguido RO… visava lá instalar a sede das suas empresas, sendo certo que tomou conhecimento, porque lá se deslocou centenas de vezes já depois de ter sido adquirido pelo BPN, que naquele espaço foi instalada a sede do Private Banking do BPN e uma agência desta instituição financeira.
Por sua vez, a prova do facto 95º (facto provado 3 da contestação) resulta do teor da identificada escritura de cessão de quotas, das declarações da identificada testemunha e das declarações do arguido RO…, conjugadas com o teor do balancete geral do último mês do ano de 2001 (“acumulado até fim”) da sociedade Altos Voos de fls. 16203 do vol. 42, pág. 293 pdf, do processo, de onde constam os valores a débito de € 1.706.633,51 (275.000.000$00) e € 315.432,41 (63.238.438$00), respectivamente, pela aquisição da sociedade Altos Voos do identificado imóvel localizado na R. D. João V em Lisboa e pelas obras realizadas nesse imóvel.
Dir-se-á somente que da documentação identificada no facto 95º da contestação não resulta que o imóvel foi adquirido para a sociedade a 21.11.2000 (v. facto não provado 1 da contestação).
A prova dos factos 95º e 97º a 105º (v. factos provados 4 a 15 da contestação), que desvirtuam e colocam inteiramente em causa o já por si ilógico e irracional plano descrito na pronúncia, resultou do teor das declarações do arguido RO… que se mostraram sérias, credíveis, objectivas, sem contradições entre si e em conformidade lógica e racional com os elementos probatórios documentais constantes dos autos que serão oportunamente referidos.
Por relevantes, mostra-se pertinente fazer um resumo dessas declarações:
A empresa Validus não lhe foi vendida. Foi parte do pagamento de um negócio que fez com o grupo BPN/SLN da venda de um activo que tinha.
Não teve conhecimento de qualquer esquema. Se houve algum esquema não participou, não aderiu nem teve conhecimento e se lhe fosse perguntado não aderia com toda a certeza.
Tinha ido ver com OC… um terreno na Lapa, ao lado do Hotel da Lapa, que pertencia à cadeia Oriente Express e estava para venda.
Foram visitar o terreno porque ele era para ser comprado por uma das suas sociedades.
No regresso, indicou ao Dr.º OC… onde iam ser as sedes das suas sociedades (Rua D. João V, na esquina com a Silva Carvalho).
Ele pediu para parar para ver o imóvel.
Pararam e entraram.
Ele viu que já estava praticamente pronto (já tinha mobiliário, cortinas) e quando acabou a visita disse que aquelas instalações seriam boas para instalar o Private Banking do BPN e perguntou se não estava interessado em vender, ao que respondeu que não estava muito interessado, mas que tudo dependia do preço.
Ele perguntou qual era o preço e respondeu-lhe que eram 950 mil contos.
Perguntou ainda porque pedia tanto dinheiro por aquilo e respondeu que era o valor de mercado da zona e que era o valor que entendia correcto para aquele imóvel.
Adquiriu o imóvel em 99 ou 2000 por 275 mil contos à família SCa… e gastou cerca de 70 mil contos em obras de remodelação e decoração.
Foi adquirido por um valor abaixo do mercado porque eram 7 herdeiros e para quem é promotor imobiliário ainda bem que nem todas as pessoas sabem o valor do que têm.
Quando propôs o preço de 950 mil contos OC… disse que ia pensar e perguntou qual era o valor mínimo pelo qual podia fazer a escritura do imóvel, tendo respondido 350 mil contos.
Passado uma semana, 10 dias, OC… fez-lhe uma proposta de aquisição do imóvel para o grupo SLN/BPN que consistia:
OC… aceitou o preço de 950 mil contos.
A escritura de aquisição do imóvel para o grupo SLN/BPN seria feita por 350 mil contos.
A diferença seria paga através de um imóvel que iria avaliar no Estoril na Avenida do Brasil, n.º 1, e o remanescente com acções da SLN SGPS, adquiridas por intermédio de uma sociedade de que ele iria indicar o nome e entregar-lhe (na altura não foi definido o modus operandi da entrega da sociedade).
Foi à moradia no Estoril, avaliou-a em 100 mil contos (estava em avançado estado de degradação, não tinha vidros nem portas) e comunicou essa avaliação a OC…. Ele aceitou esse preço porque no dia seguinte para completar o resto do preço lhe disse que entregaria 1.250 mil acções a 1.8 euros da SLN SGPS (isto dava cerca de 468 mil contos).
Como faltavam ainda cerca de 30 mil contos para perfazer o montante da diferença em relação ao preço combinado de 950 mil contos ele propôs que ficasse incluído no preço o valor do capital social que devia pagar para adquirir as acções da empresa que ainda não lhe tinha sido indicada.
Entre o momento em que se fechou no negócio e o momento em que ele se concretizou, OC… pediu para se fazerem algumas modificações na moradia da Rua D. João V, de forma que a que ela pudesse comportar além do Private Banking uma agência bancária do BPN, agência que, aliás, lá se encontra.
As obras vieram a ser feitas. Só a parte de betão, de reforço e de estanquicidade da agência, devem ter custado 3 ou 4 mil contos.
A parte da agência bancária propriamente dita foi feita pelo BPN.
Quando chegou a altura de saber qual era a empresa, obviamente que entrou o seu advogado, para saber se a empresa estava limpa, se não tinha dívidas, se estava tudo bem com ela.
A empresa que lhe foi indicada posteriormente como vindo carregada de acções da SLN era a Validus.
Quando lhe foi indicada a Validus ela vinha com:
Activos:
1) Imóvel da Avenida do Brasil, n.º 1;
2) 1.250 mil acções da SLN SGPS;
Suprimentos:
Dinheiro que os sócios antigos da Validus tinham despendido para comprar as acções (capital social da Validus), mais o valor que teriam despendido para comprar a moradia da Av. do Brasil n.º 1.
O valor dos suprimentos eram 738 mil contos.
Os 350 mil contos a que alude a escritura de compra e venda do imóvel foram pagos na data da escritura.
As declarações do arguido foram fluídas, escorreitas, sem quaisquer hesitações, pormenorizadas, com coerência lógica entre si, não suscitando ao Tribunal quaisquer dúvidas quanto à sua veracidade.
Há outros elementos que credibilizam a versão do arguido RO…, embora ele não se tenha referido aos mesmos.
Compreende-se o valor declarado na escritura (350 mil contos).
Considerando que o arguido tinha gasto cerca de 345 mil contos no imóvel (275 mil pela sua aquisição + cerca de 70 mil em obras) não tinha sentido declarar na escritura pública um valor inferior, abaixo do preço do custo global do imóvel.
Por isso, certamente, quando lhe foi perguntado pelo arguido OC… qual o preço mínimo que estaria disposto a consignar na escritura, o arguido RO… tenha respondido o montante de 350 mil contos.
É certo que se poderá argumentar que não faz sentido que um imóvel adquirido por 275 mil contos, passado cerca de 1 ano, tenha sido vendido ao grupo SLN/BPN pelo preço de 950 mil contos.
No entanto, dir-se-á:
Os negócios imobiliários, por vezes, não obedecem a critérios de estrita racionalidade e objectividade.
Muitas vezes o preço encontra-se também por critérios subjectivos, em função do uso ou da aptidão que o imóvel possa ter para o comprador.
E, neste campo, o uso ou aptidão do imóvel era relevante: instalação do Private Banking do BPN (agência que normalmente tem os clientes com maior capacidade económica) e ainda de uma outra agência do mesmo banco numa zona nobre de Lisboa (central, comercial e próxima das Amoreiras), numa “casa apalaçada” ou “Palacete”, a que há a acrescentar a capacidade económica do comprador, designadamente uma instituição bancária, o BPN, S.A., para adquirir o imóvel.
Por outro lado, o Tribunal não tem quaisquer dúvidas que o imóvel tinha um valor superior ao escriturado (350 mil contos).
Desde logo porque se o valor escriturado fosse o real o arguido RO… não tinha obtido nenhuma mais-valia com este negócio, o que não faz sentido na medida em que ele trabalhava na promoção imobiliária, actividade que visava o lucro.
Com efeito na aquisição e nas obras havia gasto cerca de 345 mil contos o que corresponde praticamente ao preço escriturado.
Por sua vez, resulta dos mencionados relatórios de avaliação do imóvel da Imorating e da Engineering que o mesmo tem 3 pisos, área de logradouro de 117 m2, 2 lugares de estacionamento e 924 m2 de área bruta de construção do escritório.
O aspecto e envergadura do imóvel são evidenciados pelas fotografias constantes de fls. 50783 a 50785 e 50793 do vol. 19 dos autos principais.
A zona corresponde à de “transição entre Campo de Ourique e as Amoreiras, apresenta uma ocupação predominantemente habitacional, mas que se encontra fortemente influenciada pela localização próxima de vários empreendimentos de relevante envergadura, como sejam o Amoreiras Place, o Centro Comercial das Amoreiras e suas torres de escritórios e o futuro Sipian Amoreiras, registando-se ainda alguma implantação de áreas comerciais ocupando geralmente o R/chão dos edifícios existentes”.
Com esta localização e com aquela área dificilmente se configura que o imóvel onde viria a ser instalado o Private Banking, mesmo nos anos de 2000/2001, tivesse o valor de 350 mil contos, preço pelo qual viria a ser adquirido pelo Fundo Imonegócios do BPN.
Aliás, disso dá-nos conta a identificada testemunha VMa… quando nas suas declarações referiu, eventualmente exagerando, que por volta do ano de 2000 aquele imóvel valia 1 milhão de contos, depois de recuperado era impossível valer só 350 mil contos
No mesmo sentido foram as declarações da testemunha JMl… (licenciado em finanças e que nos últimos 30 anos sempre exerceu actividade profissional no ramo imobiliário, conhecendo bem o negócio imobiliário na cidade de Lisboa) quando mencionou que os 275 mil contos pelo qual o imóvel foi adquirido, não poderia deixar de considerar-se um bom negócio (686 euros m2) e que vender o imóvel num espaço de 1 ano por 2.300 euros o m2 era um preço normal.
Note-se igualmente que, na verdade, como declarou o arguido RO… o imóvel foi adquirido pela sociedade Altos Voos não a 7, mas antes a 6 herdeiros da família “SCa…”, o que resulta da cópia do registo predial do imóvel de fls. 50810 a 50813, págs. 97 a 100 pdf, do vol. 167 do processo.
Por fim, não se olvide que, não obstante a testemunha AC… (presidente do Conselho de Administração do BPN Imofundos) ter declarado que o imóvel foi avaliado em ordem a ser obtido pelo Fundo, não disse que foram as avaliações que determinaram o preço de aquisição do imóvel, mas antes que “o preço do imóvel foi indicado por OC…”, sendo certo que o mesmo, naquela qualidade, tinha total autonomia e competência para decidir o valor pelo qual o mesmo devia ser adquirido pelo Fundo, não necessitando, para o efeito, de quaisquer indicações do arguido OC….
O que se acaba de referir vem sustentar ou reforçar a versão dos factos apresentada pelo arguido RO….
Mas também reforça e motiva o que antes se havia afirmado a propósito do art. 602º da pronúncia (v. facto provado 576).
Com efeito, ninguém duvidará que esta operação de aquisição e venda do imóvel da R. D. João V proporcionou lucros consideráveis ao arguido RO….
Tal como proporcionou lucro (v. art. 602º da pronúncia; v. facto provado 576) ao arguido o imóvel da Avenida do Brasil, no Estoril, o qual incluía o activo da “Nova Validus” quanto esta lhe foi transmitida.
De facto, este imóvel, quando ocorreu a cisão da Validus, S.A. (v. apenso temático S, vol. 1, fls. 135 a 145, págs. 136 a 146 pdf – 28.12.2000 - Escritura de cisão da Validus, S.A., em duas sociedades, designadamente a “Quinta da Torre de Santo António, S.A.” e a “Validus – Imobiliária e Investimentos, S.A.”, doravante a “Nova Validus”) foi avaliado ao custo histórico/contabilístico de 257.767.630$00, um valor muito superior àquele que havia sido acordado (100.000.000$00) entre os arguidos OC… e RO….
Não seriam, certamente, umas “portas e janelas partidas”, como declarou este último arguido, que levariam a tal desvalorização do imóvel.
Acresce que não parecem subsistir quaisquer dúvidas que o mesmo imóvel tinha um valor superior àquele custo histórico/contabilístico.
Com efeito, como resulta da escritura pública mencionada (v. fls. 140, pág. 141 pdf do apenso temático S) tratava-se de um imóvel constituído por “moradia de quatro pisos, sete arrecadações e uma garagem com a área coberta de quatrocentos e quarenta e seis metros quadrados e logradouro com a área de mil e quinhentos e cinquenta e três metros quadrados”, localizado na “freguesia e Concelho de Cascais”.
Refira-se que a data a que o arguido RO… alude no art. 97º da contestação (v. facto não provado 2) está errada.
Tendo a escritura pública do identificado imóvel da R. D. João V, em Lisboa, sido outorgada a 20.02.2001, não pode ter sido acordado, entre os arguidos OC… e RO…, o negócio a ele respeitante no segundo semestre do ano de 2001, mas antes no mesmo semestre do ano de 2000, data que foi confirmada pelo último arguido nas declarações por si prestadas.
Por fim, considerando o exposto, é de concluir que todo este negócio da transmissão da “Nova Validus” para o arguido RO… com as 1.250.000 acções da SLN SGPS e o imóvel da Av. do Brasil, em Cascais, foi acordado com o arguido OC…, não havendo quaisquer evidências probatórias da participação/decisão de quaisquer outros arguidos no mesmo (v. art. 610º da pronúncia, 1ª parte; v. facto provado 578).
Prosseguindo com a matéria da contestação, face aos elementos probatórios já elencados, resultam igualmente provados os factos 113º a 116º e 123º a 130º (factos provados 13 a 24), excluindo a 1ª data referida pelo arguido no facto 114º (a 1ª tranche do pagamento foi feita através do identificado cheque no valor de 350 mil contos emitido em 20.02.2001 o que foi confirmado pelo próprio arguido em julgamento) e a pessoa identificada no facto 129, uma vez que ninguém, nem o próprio arguido, logrou identifica-la no Julgamento (v. factos não provados 3 e 4 da contestação).
Quanto à 2ª parte do art. 610º da pronúncia (“venda da sociedade Astroimóvel”) – v. facto provado 579 - remete-se para a motivação desenvolvida infra aquando da análise dos termos concretos deste negócio (arts. 635º a 657º).
Prosseguindo com os arts. 611º e segs. da pronúncia dir-se-á que naquele contexto (o já mencionado acordo entre os arguidos OC… e RO…) em 31.10.2000, no âmbito de uma oferta particular de venda de acções próprias da SLN, SGPS, foram transferidas da Emka, então offshore do universo da SLN, 1.250.000 acções, pelo valor unitário de € 1,85, para a conta de títulos do arguido RO….
A conta da entidade transmissora das acções, a Emka, no BPN, SA foi creditada com a quantia de € 2.312.500,00, correspondente a 463.614.625$00, quantia que está englobada no crédito de 1.257.517.952$00 que corresponde ao valor total das vendas de acções da Emka ao preço de € 1,85, cada uma.
Na óptica da Emka, de facto, a conta tinha que ser necessariamente creditada por esse valor, para efeitos bancários e contabilísticos, uma vez que a operação não deixava de configurar uma transferência onerosa de acções.
No entanto, na óptica do acordado entre os arguidos RO… e OC… isto não significava mais que uma transferência de acções para a esfera pessoal do arguido RO….
Tanto que assim é que este arguido não fez qualquer pagamento, ficando aquele valor numa denominada conta contabilista de regularização, sujeita a regularização dentro do mesmo exercício, como a testemunha Ajo… esclareceu, bem como o arguido RO… invocou relativamente à ausência de qualquer pagamento (arts. 611º a 615º da pronúncia; v. factos provados 580 a 584 e factos não provados 190 e 191).
Neste âmbito não há qualquer evidência probatória testemunhal ou documental da participação dos arguidos LC… e FS….
Acresce que estes dois últimos arguidos negaram qualquer decisão e/ou participação, o que foi igualmente confirmado pelo arguido RO…, na medida em que declarou que tudo foi combinado com o arguido OC… (v. art. 611º da pronúncia; v. facto não provado 190).
A nível de suporte documental da parte objectiva dos factos 611º a 615º da pronúncia é de ter em consideração os seguintes documentos probatórios:
- Apenso de busca 7, doc. 05.34, pág. 503 ou apenso AE, anexo 1, pág. 36 - 31.10.2000, 29.12.2000 e 30.11.2001 – Extracto do CAF do arguido RO… com o primitivo carregamento de 1.250.000 acções, sendo certo que não se vislumbra a razão pela qual este documento tem escrito no canto superior esquerdo “BPN – Confidencial” (trata-se de uma simples transmissão/passagem de acções como tantas outras), a não ser no contexto do referido acordo alcançado entre os arguidos RO… e OC…;
- Processo, vol. 19, fls. 7799, pág. 248 pdf – 31.10.2000 - carregamento da aquisição de 1.250.000 acções da SLN, SGPS a favor de do arguido RO…;
- Processo, vol. 107.1, fls. 34.832 e 34833, págs. 163 e 164 pdf ou CD, vol. 107.1, fls. 34862 – extracto da conta da Emka no BPN, SA, com o crédito de 1.257.517.952$00 que corresponde ao valor recebido pelas vendas globais de acções da SLN, SGPS na oferta particular de venda de acções de 31.10.2000 (a conjugar com o documento que se segue);
- Apenso de busca 21, doc. 9, pág. 98 ou apenso temático AE, anexo 1, pág. 35 – quadro geral de compras e vendas no âmbito da oferta particular de venda acções de 31.10.2000, com accionistas oferentes e accionistas adquirentes, que inclui as quantidades e preços das vendas da Emka, sublinhando-se, novamente, que no que respeita às acções colocadas na carteira de títulos do arguido RO… não se tratou de uma venda de acções mas antes do cumprimento do acordo estabelecido entre ele e o arguido OC…;
Perguntar-se-á, porque foram colocadas as 1.250.000 acções da SLN SGPS, S.A. na conta pessoal do arguido RO… antes de ser transferida a “Nova Validus” para a sua titularidade e antes da venda do imóvel da R. D. João V, em Lisboa?
O arguido RO… explicou a factualidade que temos vindo a analisar de modo lógico e coerente.
Resumidamente:
As 1.250.000 acções são as que entraram no negócio descrito mas que em Outubro de 2000 foram carregadas na sua conta pessoal como sinal do negócio que tinha ficado apalavrado.
Ou seja, essa transferência de acções para a sua conta era um sinal de que o grupo efectivamente queria fazer esse negócio e entrar nesta parceria.
Exigiu ao grupo um sinal qualquer de que o negócio acordado se ia fazer e eles puseram estas acções na sua conta.
Queria o sinal porque estava a abdicar daquelas instalações para a sede das suas empresas e, por outro lado, pediram-lhe para fazer obras para a instalação de uma agência bancária, portanto tinha que ter a garantia de que o negócio ia ser feito.
Nunca ouviu falar da Emka, no fundo, só queria um sinal e de facto as acções foram carregadas na sua conta pessoal.
Viu o seu extracto e viu as acções carregadas na sua conta, foi perguntar a RPe… (gerente de conta) se isto dizia respeito ao negócio do imóvel da R. D. João V, ao que ele o informou que elas eram para sair da sua conta e ir para a empresa que iria receber (a Validus).
Confrontado com a circunstância de nada ter ficado “escrito” relativamente ao negócio em questão, respondeu de modo coerente e plausível:
Nada disto ficou por escrito porque acreditava em OC…, que era Presidente do banco, tinha sido Secretário de Estado das Finanças e tinha sido Vice-Governador do banco de Portugal. Até à data não tinha tido problemas com nada que tivesse combinado com OC….
O Banco, por sua vez, sabia que nunca ia voltar com a palavra atrás, aliás, o seu advogado tinha uma procuração para actuar em nome das empresas e no fundo cumprir aquilo que tinha sido acordado.
Esta é a explicação que consta também da contestação do arguido (v. factos 141º a 143º), factos objectivos que, como se verá adiante, ocorreram.
Ou seja, as acções foram carregadas na sua conta pessoal a 31.10.2000 a título de “princípio de pagamento” pelo negócio do imóvel da R. D. João V e, quando lhe foi entregue a “Nova Validus” (29.12.2000), aquela operação de carregamento das acções na sua conta pessoal foi “desfeita” e as acções foram carregadas na conta entretanto aberta desta sociedade que também era a titular daquele imóvel.
Por isso e com base no que já foi explicitado, resultam provados os factos 139º e 140º da contestação do arguido (v. factos provados 25 e 26).
Voltando aos factos da pronúncia, ver-se-á adiante que a operação a que aludem os arts. 612º a 615º “seria apenas transitória” (v. art. 616º da pronúncia; v. facto provado 585), o que foi confirmado pelo arguido RO….
E seria “transitória” porque, como referiu e de facto ocorreu, quando se concretizasse o negócio da Validus as acções transitariam para esta sociedade, como efectivamente veio a acontecer no dia 29 ou 30 de Dezembro de 2000, com data-valor de 30 de Outubro de 2000.
Só que a transitoriedade não tem o alcance que lhe é dado pela pronúncia (facto 616º; v. facto não provado 194), pois “não passava pela utilização da sociedade Validus como veículo para a transmissão das acções para a SLN Valor”.
Nesta parte, remete-se para a motivação desenvolvida supra que explicita os motivos porque não se considerou provada esta relação causa/efeito que a pronúncia repetidamente afirma.
A operação bancária (transferência) a que se refere o facto 617º da pronúncia (v. facto provado 586) viria a concretizar-se – e isso será visto infra -, o que foi confirmado pelos arguidos LC… e RO…, embora este último tenha referido que se tratou de um movimento meramente contabilístico, na medida em que o que se visava transferir para a Nova Validus eram as 1.250.000 acções da SLN SGPS, versão que corresponde à realidade e resulta da motivação já exposta.
Porém, refira-se que apesar de a “Nova Validus” ter sido transferida para o arguido RO…, não ocorreu uma venda verdadeira desta sociedade ao mesmo.
Já se explicou que a aquisição da participação social desta sociedade fazia parte do acordo estabelecido entre os arguidos OC… e RO….
Nesse acordo foi combinado que esta sociedade lhe seria “entregue” com os dois activos que a compunham, o imóvel sito em Cascais e as 1.250.000 acções da SLN SGPS (v. facto não provado 195).
Os factos 618º a 631º da pronúncia são uma repetição, embora mais desenvolvida, dos arts. 585º a 607º do mesmo articulado.
Essa matéria, que contende com todas as operações e contratos elaborados e que visavam a cisão da Validus, S.A. e divisão do seu património, já foi abordada supra, tendo-se elencado os pertinentes elementos probatórios e feito a correspondente análise crítica.
Por isso, neste segmento, remete-se para essa motivação e elementos probatórios oportunamente elencados (v. tb. factos provados e factos não provados 587 a 599 e factos não provados 196 a 202).
Em complemento, sinteticamente, dir-se-á:
Ocorreram uma série de actos contratuais nos dias 28 e 29 de Dezembro de 2000.
É certo que cada um dos arguidos identificados no facto 619º não participou em todos os contratos então realizados.
Porém, nessa sequência de actos contratuais, todos os arguidos tiveram algum tipo de intervenção, o que resulta do teor dos contratos.
A questão que se coloca é se todos eles visavam “alcançar o objectivo de transferirem a sociedade Validus para o RO…” (2ª parte do facto 619º).
Note-se que nos factos 560 e 577 provados (factos 585º e 607º) o que estava em causa era única e exclusivamente a divisão do património da Validus.
No facto ora em análise, a pronúncia vai além da simples divisão do património, descrevendo o objectivo subjacente a essa divisão.
Ora, face a tudo o que já se deixou exposto, não há quaisquer dúvidas que esse objectivo era visado pelo arguido OC… e comungado pelo arguido LC….
Na verdade, este último explicou:
A organização e realização dos actos contratuais que se seguiram até 29.12. foram todos da sua exclusiva responsabilidade.
OC… sabia o que se ia fazer, ou seja, sabia o resultado final e estava de acordo com esse resultado final.
Estando neste excerto o arguido LC… a referir-se ao planeamento e subsequente execução dos actos materiais.
Tendo planeado e determinado a execução dos actos materiais, atenta a sua qualidade de administrador da SLN SGPS e a proximidade do planeamento que manteve com o arguido OC…, não obstante o ter negado, face às regras da experiência comum e da lógica, é de concluir que o arguido LC… não podia deixar de saber que se visava transferir parte da sociedade Validus, a posterior Nova Validus, para a esfera do arguido RO….
Relativamente aos arguidos LAl… e LM…, considerando que os mesmos outorgaram no contrato a que se refere o art. 663º da pronúncia, pelo qual a SLN Investimentos procedeu à venda das acções da “Nova Validus” à entidade Groundsel, sociedade do arguido RO…, não se pode deixar de concluir que aqueles arguidos tinham total conhecimento da finalidade subjacente à serie de contratos outorgados, a eles não se opondo, logo, aderindo à pretensão de se “alcançar o objectivo de” transferir “a sociedade Validus para o RO…”.
E, tendo sido o arguido LC… a determinar a série de actos contratuais, isso só reforça, obviamente, o seu conhecimento e plena participação nesta matéria.
Por sua vez, a arguida IC… trabalhava com os arguidos LC…, LM… e LAl… na Planfin, tratando mais das questões jurídicas e fiscais dos contratos que eram submetidos à apreciação desta sociedade.
Interveio como única outorgante na escritura pública de cisão e divisão do património da Validus.
Por conseguinte, face às mesmas regras da experiência comum, da lógica e máximas da vida, não se pode deixar de concluir que tinha pleno conhecimento daquele desiderato e que aderiu ao mesmo.
No tocante ao arguido FS…, a que se refere o mesmo facto da pronúncia, além da circunstância de o mesmo ter negado a participação e conhecimento do objectivo pretendido, verifica-se que não há elementos probatórios documentais ou testemunhais dos quais se possa extrair, com a devida certeza, que visava aquele desiderato ou a ele aderiu, nem as referidas regras permitem obter essa conclusão, até porque nos tempo em que os actos ocorreram o arguido não era administrador da SLN SGPS, S.A. e não exercia quaisquer funções na Planfin.
O art. 620º da pronúncia enuncia, novamente, o “propósito de reforço do controlo accionista, ou seja, colocar as acções da SLN SGPS na titularidade da SLN”, propósito que não foi demonstrado como já foi devidamente justificado.
Por outro lado estabelece ainda o facto uma relação causa/efeito entre o “forjar documentos” e alteração da “sequência lógica dos actos” e aquele propósito, o que, também, como foi explicado, não ficou demonstrado (v. facto não provado 197).
Retenha-se que o facto provado 594, a nível subjectivo, não é contraditório com o facto provado 560.
Embora este seja mais restritivo do que aquele a nível subjectivo, tal não significa que os arguidos LM… e LAl… não tivessem participado/aderido à decisão de divisão do património da Validus, S.A..
A restrição do facto 560 provado advém única e exclusivamente da circunstância de o facto 578º da pronúncia para o qual, no fundo, remete o facto 585º, fazer alusão aos arguidos OC…, LC…, FS… e IC… e já não aos arguidos LM… e LAl….
Os factos 632º a 634º da pronúncia resultam não provados pelas razões que já foram desenvolvidas supra e que agora se sintetizam:
A “Nova Validus” não foi vendida ao arguido RO…. Foi colocada na titularidade deste arguido na sequência do acordo que estabeleceu com o arguido OC… quanto à venda do imóvel da R. D. João V.
Não ficou provada a estratégia descrita na pronúncia da utilização da “Nova Validus” como veículo de transmissão das acções da SLN SGPS para a SLN Valor. Logo, preclude a relação que a pronúncia estabelece entre “ganhos pessoais prometidos” ao arguido RO… como “contrapartida da sua colaboração na transmissão de acções para a SLN Valor”.
O arguido não tinha que fazer qualquer “esforço financeiro” em ordem a ficar titular da “Nova Validus”. A transmissão da titularidade fez parte do já referido acordo estabelecido com o arguido OC….
Teremos oportunidade de demonstrar que embora possa ser contemporâneo, o negócio da Astroimóvel nada tem a ver com o negócio da Validus, S.A. e da “Nova Validus”.
*
Finalizou-se a análise crítica dos factos 599º a 634º da pronúncia, importa, por isso, uma rápida apreciação da factualidade da contestação (fls. 17854 a 17906) da arguida IC….
Rápida, porque é restrita e na medida em que se limita a negar, em bloco, aqueles factos da pronúncia (v. arts. 267º e 268º da contestação).
Por isso, não foram vertidos nos factos provados ou não provados.
Os restantes 3 factos (264º a 266º) já foram objecto de análise supra.
Existem outros factos da contestação do arguido RO… que estão relacionados com a identificada factualidade da pronúncia.
Serão posteriormente analisados, porque só serão cabalmente compreendidos após a abordagem de outros factos da pronúncia.
*
Entra-se, por conseguinte, na matéria da pronúncia intitulada “negócio da aquisição da Astroimóvel” (arts. 635º a 657º).
Entre o grupo BPN/SLN e o arguido RO… foi estabelecida uma parceria que visava adquirir a sociedade Astroimóvel a qual tinha um terreno na Rua Castilho, em Lisboa.
O art. 635º da pronúncia dá-nos conta que para “lograrem obter a participação do arguido RO…”, que exigia a “concretização de negócios imobiliários”, foi acordada a aquisição, em parceria, da sociedade Astroimóvel.
Quando se alude à “participação do arguido RO…” quer-se significar a participação deste arguido no plano/estratagema descrito que passava pela utilização da sociedade “Nova Validus” como veículo transitório de passagem de 1.250.000 acções da SLN SGPS, S.A. para a titularidade da SLN Valor.
Ora isso, como já analisado, não resultou provado. Por outro lado, não há quaisquer elementos probatórios que permitam concluir que o arguido RO… exigiu “a concretização de negócios imobiliários” para participar naquele plano, aliás, inexistente (v. facto não provado 203).
Acresce que a parceria entre o grupo SLN/BPN e o arguido RO… no negócio da sociedade Astroimóvel que se viria a concretizar não estava dependente deste arguido nem de qualquer outro responsável do grupo.
A sociedade Astroimóvel pertencia a terceiros, designadamente a AMs… e seus familiares.
Se os mesmos não se disponibilizassem a vender a sociedade Astroimóvel não teria havido qualquer parceira neste negócio entre o grupo SLN/BPN e o arguido RO….
Outra questão que se prende com o negócio da Astroimóvel tem a ver com a identificação dos arguidos que decidiram estabelecer a parceria com o arguido RO….
O arguido RO… declarou que as negociações decorreram com os arguidos OC… e LC….
O arguido LC… manifestou-se no sentido de que as decisões estratégicas foram tomadas pelo arguido OC…, enquanto a execução dos actos materiais para a concretização do negócio foram da sua responsabilidade, esclarecendo ainda que ocorreram conversações entre os três, i.e., entre si, o arguido OC… e o arguido RO….
Negou qualquer envolvimento da arguida IC… a nível de decisão, sem prejuízo de lhe poder ter dado alguma ordem/instrução face à sua qualidade de procuradora de sociedades que depois foram intervenientes no negócio.
Quanto ao arguido FS… pareceu negar o seu envolvimento ao afirmar que ele, à data, não fazia parte do Conselho de Administração da SLN SGPS, S.A..
A arguida IC… declarou que a única intervenção que teve neste negócio foi o de, na sequência de um pedido do arguido OC…, ter feito um pedido de cheques bancários em nome de determinadas pessoas por, juntamente com IF…, ser procuradora da Oardale e Kinasol e estas irem adquirir a Astroimóvel.
Cheques que preencheu à frente de OC… com a IF…, o qual autorizou a emissão dos cheques bancários. A partir daí não tendo mais alguma participação.
Por fim, o arguido FS… negou qualquer tipo de participação no negócio da Astroimóvel e esclareceu que só aquando das conversações que foram levadas a cabo em ordem a serem finalizadas as parcerias do arguido RO… com o grupo SLN/BPN é que percebeu que estes negócios (Validus e Astroimóvel) foram decididos pelos arguidos OC… e LC….
Das declarações dos arguidos LC…, RO… e IC… e dos demais elementos probatórios que serão mencionados resulta claro e inequívoco que o negócio “Astroimóvel” foi acordado, em conjunto, pelos arguidos OC…, LC… e RO… (v. facto provado 600).
Quanto aos demais (FS… e IC…), tendo por base os elementos probatórios que serão enunciados, é de concluir que houve participação pontual de ambos em actos concretos.
Mas dos mesmos elementos probatórios não se mostra viável concluir que a decisão do negócio tenha também partido deles em conjunto com aqueles outros três arguidos, nem sequer que eles tenham aderido de algum modo à decisão negocial oportunamente tomada e posteriormente concretizada (v. facto não provado 203).
Acresce que, à data do negócio, o arguido FS… não era administrador da SLN SGPS, S.A., mas tão só o chefe de gabinete do arguido OC….
Por sua vez, apesar de a Planfin, onde a arguida IC… exercia funções, prestar serviços para o grupo SLN/BPN, tanto não implica necessariamente a participação ou adesão desta arguida em/a todos os negócios descritos na pronúncia, ainda que a mesma possa ter tido intervenções pontuais na qualidade de procuradora de sociedades offshore intervenientes no negócio.
Analisemos, então, o negócio da Astroimóvel:
Por contrato datado de 13.12.2000, a sociedade offshore Kinasol Assets Ltd., cujo beneficiário era a SLN, SGPS, representada por IF…, adquiriu 36% (36.000 acções) do capital social da Astroimóvel – Sociedade Imobiliária, S.A., e suprimentos no montante de 24.316.200$00, a familiares de ASt…, pelo preço global de 1.000.000.000$00:
- Apenso temático T, fls. 39 a 56, págs. 40 a 57 pdf – 13.12.2000 - contrato de compra e venda entre familiares de ASt…, como vendedores, e a Kinasol, como compradora, representada por IF…, de 36.000 acções (36%) da Astroimóvel e transmissão de 24.316.200$00 em suprimentos;
- Apenso de busca 31, pasta 1, págs. 110 a 113 (pág. 111) ou apenso temático AH, anexo 1, págs. 17 a 19 – 09.05.2001 – listagem elaborada por TA… das sociedades/contas instrumentais do grupo SLN/BPN que inclui a Kinasol, com indicação da Marazion como sua actual accionista e com a referência de que é detentora de 65% da Astroimóvel;
- Processo, vol. 134, fls. 42246 e 42247, pág. 184 e 185 pdf – 08.12.2000 – tradução dos certificados de acções da Kinasol (acções ao portador);
Deste documento constam ainda as seguintes referências: “Em falta: elementos de abertura de conta” e “sociedade constituída pela Planfin, débitos executados directamente pelo BO, não formalizados”, i.e., pelo “beneficial owner” (último beneficiário da sociedade).
O arguido LC… confirmou em Julgamento que a sociedade offshore Kinasol pertencia ao grupo SLN/BPN.
A liquidação do montante de 1.000.000.000$00, correspondente a 975.683.800$00 e 24.316.200$00, respectivamente, do preço das 36.000 acções e dos suprimentos adquiridos, foi feita em 15.12.2000, mediante dois cheques no valor de 500.000.000$00, cada um, sacados a descoberto sobre a conta da Kinasol no BPN Cayman.
Esta conta foi aberta em 14.12.2000 e os dois cheques bancários foram solicitados por IF… e pela arguida IC…, com “visto” do arguido OC…:
- Apenso bancário 65 – conta n.º … titulada pela Kinasol, no BPN, Cayman, fls. 3 – 15.12.2000 – movimentos a débito de dois cheques de 500.000.000$00, cada, sacados a descoberto;
- CD, vol. 13 - extracto informático da mesma conta da Kinasol – (sublinhado amarelo nosso):


- Apenso temático T, pág. 72 ou apenso bancário 65, fls. 9 – 15.12.2000 -instruções de IF… e da arguida IM…, com “visto” e rubrica do arguido OC…, para a emissão de dois cheques bancários de 500.000.000$00, cada um;
- Apenso temático T, págs. 73 e 74 ou apenso bancário 65, fls. 9 verso – cópias dos identificados cheques, subscritos pelo arguido OC… e por RPa…, e emitidos à ordem, respectivamente, de PJo… e AMs…;
Na mesma data, 13.12.2000, a Oardale Holdings Corp., cujo beneficiário era o arguido RO…, representada por AI…, adquiriu os restantes 64% (64.000 acções) da sociedade Astroimóvel e suprimentos no montante de 15.940.559$00, a ASt… e “A. Santo, Empreendimentos Industriais e Turísticos, SA”, pelo preço global de 1.295.000.000$00:
- Apenso temático T, págs. 5 a 24 – 13.12.2000 - contrato de compra e venda entre ASt… e A. Santo, S.A., como vendedores, e a Oardale Holdings, como compradora, de 64.000 acções da Astroimóvel e de suprimentos no valor de 15.940.599$00;
Questão que se poderia colocar é a de quem seria o último beneficiário desta sociedade, uma vez que a declaração de trust constante dos autos (v. tradução, vol. 134, fls. 42271, pág. 234 pdf) não tem qualquer referência ao arguido RO… e é de 05.05.2002, ou seja, muito posterior aos factos aqui em análise.
O arguido LC… confirmou que o último beneficiário desta offshore era o arguido RO….
Por sua vez, este último, declarou que quem terá tratado de todo o processo da constituição da sociedade foi a Planfin.
Mais explicou que nunca teve qualquer documento na sua posse indicativo de que era o beneficiário da Oardale, nem nunca o exigiu, porque sempre actuou com base na confiança estabelecida com o arguido OC… na parceria do negócio da sociedade Astroimóvel.
Concluiu declarando que desconhecia quem era o último beneficiário da Oardale, embora sempre tenha estado convencido que era ele próprio o último beneficiário da sociedade, até porque esteve presente na escritura como dono da Oardale.
Da já mencionada lista de sociedades instrumentais de TA… (Private Banking) – v. apenso de busca 31, pasta 1, págs. 110 a 113 (112) ou apenso temático AH, anexo 1 -, datada de 09.05.2001, consta a Oardale com a indicação da Multiárea (50%) e do arguido RO… (50%) como seus accionistas e a nota de que detém 35% da Astroimóvel.
Desconhece-se se esta sociedade offshore, à data dos factos, tinha títulos ao portador ou se eram títulos nominativos.
Caso os títulos fossem ao portador, não foi produzida nenhuma prova de que estivessem na posse do arguido RO….
Sendo títulos nominativos, não consta igualmente qualquer prova dos autos que o último beneficiário fosse o arguido RO….
Mesmo a mencionada listagem não indica este arguido como sendo o titular da maioria do capital social da Oardale.
A única instrução bancária constante dos autos relativa a movimentos da conta da Oardale onde consta o nome do arguido RO… suscita manifestas dúvidas se o arguido a subscreveu ou não.
Nos autos não há nenhuma outra instrução bancária relativa à Oardale subscrita pelo arguido RO….
Não consta dos autos nenhum documento que permita concluir que a ulterior transferência da participação social da Astroimóvel para o Fundo Imoglobal tenha tido a intervenção do arguido RO….
O Tribunal não tem quaisquer dúvidas que se concretizou a parceria estabelecida entre o arguido RO… e o grupo SLN/BPN para a aquisição da sociedade Astroimóvel.
Também não tem dúvidas, quanto ao arguido, que ela foi levada a cabo através da sociedade offshore Oardale que viria a ficar com uma participação social de 35% da Astroimóvel.
Porém, face aos elementos probatórios constantes dos autos, melhor dizendo, face à sua ausência, tem sérias dúvidas que, à data dos factos, o último beneficiário da Oardale fosse, de facto, o arguido RO….
O que é certo é que, no tocante ao negócio da Astroimóvel e à parceria estabelecida, o Tribunal está convicto de eles tiveram por base um “acordo de cavalheiros” entre os arguidos OC…, LC… e RO…, mantendo o grupo SLN/BPN e aqueles dois primeiros arguidos um domínio total na concretização do negócio/parceria, embora de acordo com aquilo que havia sido negociado.
Donde resulta que o facto 641º da pronúncia se considere não provado.
Vejamos a liquidação financeira do preço na parte que respeitava à Oardale, que se concretizou em dois momentos:
(i) Em 15.12.2000 - dois cheques, um de 20.234.375$00 e outro de 479.765.625$00, sacados a descoberto sobre a conta da Oardale no BPN Cayman, pedidos por IF… e por arguida IM…, com “visto” do arguido OC…:
     - Apenso bancário 64 – Conta n.º … titulada pela Oardale, no BPN, Cayman, fls. 4 – 15.12.2000 – movimentos por débito de dois cheques, um de 20.234.375$00 e outro de 479.765.625$00;
- Apenso bancário 64, fls. 17 verso – cópias dos cheques bancários subscritos pelo arguido OC… e RPa…;
- Apenso bancário 64, fls. 17 - instruções de IF… e de IM… com “visto” e rubrica do arguido OC… para a emissão dos identificados cheques;
- CD, vol. 13 (extracto informático da mesma conta da Oardale) – sublinhado amarelo nosso:


(ii) Em 20.03.2001 - cheque de 795.000.000$00 sacado a descoberto sobre a mesma conta, com garantia bancária “on first demand” (à primeira solicitação) prestada pelo BPN, SA.:
- Apenso bancário 64 – conta titulada pela Oardale no BPN Cayman, fls. 10 – 20.03.2001 – fax com instruções do arguido OC… para emissão de cheque bancário no montante de 795.000.000$00 a favor de ASs…;
- Apenso de busca 7, doc. 2.25, pág. 150 ou apenso bancário 64, fls. 10 – pedido de cheque bancário sobre conta da Oardale no BPN Cayman, no montante de 795.000.000$00 assinado pelo arguido OC… e que levanta sérias dúvidas sobre se foi assinado pelo arguido RO…;
Com efeito, até então, os cheques bancários emitidos sobre a conta da Oardale não tiveram a intervenção do arguido RO…, que não confirmou em Julgamento o pedido de emissão de qualquer cheque bancário sobre a conta da Oardale, sendo que se notam diferenças consideráveis entre a assinatura constante deste documento e as constantes da escritura de compra e venda e do cheque bancário constantes de fls. 7722 a 7725 e 7797 do vol. 19 dos autos principais, estas últimas confirmadas como de sua autoria pelo arguido RO….
A propósito daquele cheque no valor de 795.000.000$00 recorda-se, sinteticamente, as declarações do arguido RO…:
Embora parecida, esta assinatura não é minha, encontra-se falsificada, sendo que a minha assinatura na parte em que diz “R…” tem sempre dois pontos em cima.
Se não tinha procuração da Oardale não podia assinar um pedido de cheque.
Nunca tinha visto esta ordem. Foi hoje, dia 29.4.2016, a primeira vez que a viu.
Nunca assinou nada em nome da Oardale.
- Apenso bancário 64, fls. 9 – 19.03.2001 – instrução, via mail, do arguido LM… para a emissão de cheque de 795.000.000$00, da qual consta ainda “entretanto, só amanhã é que vou conseguir recolher a assinatura do Dr. OC… em relação ao pedido de emissão de cheque, dado que a Sociedade não tem saldo disponível”. (bold nosso)
- Apenso bancário 64 – extracto da conta titulada pela Oardale no BPN Cayman, fls. 4 – 20.03.2001 – débito de cheque de 795.000.000$00;
- CD, vol. 13 (extracto informático da mesma conta da Oardale) – sublinhado amarelo nosso:



- Apenso temático T, fls. 24 e 25, págs. 25 e 26 pdf – 14.12.2000 – garantia bancária “on first demand” (à primeira solicitação) prestada pelo BPN, S.A., e subscrita por VMn… em representação desta instituição bancária, emitida a favor de ASS… e A. Santo, S.A., no montante de 795.000.000$00, garantia que foi pedida pela Oardale e que podia ser exercida a partir de 20.03.2001;
Dos autos consta ainda um fax remetido, a 29.01.2001, pelo Private Banking do Porto para o BPN, S.A. a solicitar “despacho do Sr.º Presidente”, i.e., do arguido OC…, para o descoberto de várias sociedades offshore, entre as quais se incluem a Kinasol e a Oardale, fax este que, por sua vez, contém despacho manuscrito na mesma data do arguido FS… com o seguinte teor: “Sr.º Dr.º LM… agradeço verificação dos saldos e do n.º de dias a descoberto” (v. vol. 110 dos autos principais, fls. 35837, pág. 254 pdf).
Da presente análise documental resulta a prova dos factos 636º a 644º da pronúncia (v. factos provados 601 a 608 e factos não provados 204 a 210), com as seguintes precisões/aditamentos:
A nível subjectivo a decisão/participação e desenvolvimento dos actos materiais deste negócio é da responsabilidade dos arguidos OC… e LC… na sequência do que havia sido acordado com o arguido RO….
Existem participações pontuais em actos materiais/instruções/comunicações dos arguidos IC… e FS….
Tal, no entanto, não é suficiente para concluir que eles decidiram os termos de negócio da Astroimóvel ou que aderiram ao mesmo, não sendo sequer possível concluir que eles tinham conhecimento de todos os contornos desse negócio.
Não se vislumbra suporte probatório documental para concluir, como o faz a pronúncia no art. 636º, que os arguidos “conceberam então um plano que passava por aumentar e utilizar os financiamentos concedidos a duas sociedades offshore, a Oardale e Kinasol”.
Se é certo que foram concedidos financiamentos a estas sociedades sob a forma de descobertos à ordem, estes ocorreram logo após a abertura das respectivas contas no BPN Cayman a 14.12.2000.
Antes não houve financiamentos concedidos a estas sociedades, logo, não ocorreu qualquer “aumento de financiamentos concedidos”.
Repete-se o que já por várias vezes se explicou para concluir pela falta de prova do constante no art. 637º da pronúncia: não houve qualquer financiamento à Validus, S.A./Nova Validus, mas tão só a entrega desta sociedade ao arguido RO… com os respectivos activos em conformidade com o acordo firmado entre si e o arguido OC… no âmbito do negócio do imóvel da R. D. João V.
O arguido RO… reconheceu a 1ª parte do art. 638º da pronúncia.
Quanto à 2ª parte relativa ao financiamento, resumidamente, esclareceu:
Sempre que fez parcerias imobiliárias com o grupo SLN/BPN os financiamentos formais não existiram.
As condições do financiamento eram discutidas pessoalmente com OC…. OC… não exigia nem pedia a formalização dos financiamentos nas parcerias.
O que é certo é que o dinheiro aparecia na altura devida nas contas das empresas que estavam a comprar, neste caso na Oardale, ou seja, apareciam na altura das escrituras os cheques para pagamento às entidades respectivas.
As taxas de juro eram discutidas; os prazos não.
Sempre esteve convencido que o empréstimo à Oardale tinha sido feito numa conta nacional do BPN, S.A..
O arguido LC… também confirmou que o arguido RO… pediu um empréstimo ao BPN para entrar na parceria de aquisição da sociedade Astroimóvel.
Já foi referido que não se vêm documentos que liguem o arguido RO… ao financiamento, através de descobertos à sociedade Oardale na conta desta no BPN Cayman.
Mas há um dado inequívoco: ele sabia que não estava a entrar com fundos próprios nesta parceria e que o financiamento seria concedido pelo BPN.
E é só isso a que alude o facto em questão: “contando, para tal, com a montagem de um financiamento através do BPN Cayman”, ou seja, uma instituição bancária do grupo BPN/SLN.
Por outro lado, refira-se que, à data em que os factos descritos ocorreram, não houve qualquer financiamento do Banco Insular.
Noutro âmbito, acrescente-se que o arguido LC… confessou os factos 639, 640º e 642º a 645º, esclarecendo quanto a este último:
Foi acordado que RO… ficasse com 35% da Astroimóvel, mas como parceiro e promotor imobiliário e nunca como oportunidade de remuneração.
À época, toda a banca financiava a 100% a aquisição de terrenos, bem como a construção posterior, ou seja, financiava a 100% os projectos imobiliários. Os promotores em princípio não recorriam a capitais próprios.
E, na verdade, nem se percebe o que a pronúncia pretende significar quando declara no art. 645º que se previa “que a oportunidade de negócio trazida pelo primeiro”, i.e., pelo arguido RO… “fosse remunerada com a detenção de uma participação inicial de 35% sobre a sociedade Astroimóvel”.
Salvo melhor opinião, confunde-se “remuneração” com “participação”.
Remuneração corresponde a um rendimento qualquer.
A participação, só por si, não traduzia qualquer lucro/remuneração.
Correspondia tão só a uma parceria que foi feita com o grupo SLN/BPN no negócio da Astroimóvel.
Por outro lado, no tocante à 2ª parte do facto em questão, é verdade que não foi exigido ao arguido RO… qualquer esforço financeiro para a aquisição de 35% da sociedade Astroimóvel, o que foi confirmado pelo mesmo.
Que também esclareceu:
Havia esforço da sua parte porque estavam previstos juros.
Quanto aos juros ficou combinado que eram postecipados, ou seja, seriam pagos quando se concretizasse a venda ou se finalizasse o projecto.
Neste negócio da Oardele não deu garantias reais, mas deu aval pessoal (livrança pessoal em branco assinada por si e sua mulher). Portanto, o negócio tinha riscos para si.
Vale o exposto por dizer que não houve esforço financeiro inicial a nível de capital, modo de procedimento que até era habitual em créditos imobiliários ou parcerias imobiliárias.
Mas isso não significa que não houvesse qualquer esforço financeiro, uma vez que estavam previstos juros vincendos sobre o capital mutuado.
Nem significa, obviamente, que a participação de 35% no capital social da Astroimóvel tivesse sido oferecida ao arguido RO….
Tratando-se de um empréstimo, o capital teria sempre de ser pago posteriormente, bem como os juros entretanto vencidos.
No que concerne aos arts. 642º e 643º da pronúncia cabe precisar que os contratos foram outorgados a 13.12.2000 e não a 15.12.2000.
Prosseguindo e entrando na análise dos arts. 646º a 649º da pronúncia, refira-se que ocorreu uma divergência na composição das participações iniciais da Kinasol e da Oardade na sociedade Astroimóvel, uma vez que estava previsto que fosse, respectivamente, de 65% e 35% e não de 36% e 64% como efectivamente veio a ocorrer na sequência da outorga dos contratos supra identificados.
Por isso, foi necessário corrigir as participações sociais de ambas as sociedades, o que deu causa a novos movimentos bancários.
O arguido LC… confessou os factos 646º a 649º da pronúncia, pretendendo tão só corrigir o constante do art. 649º, na medida em que referiu que o custo de aquisição está incorrecto porque inclui os juros e os juros não são custo de aquisição, são posteriores à aquisição.
É uma questão de semântica
O facto não deixa de estar correcto.
Custos de aquisição de um bem, no seu todo, correspondem ao custo inicial e aos juros que entretanto se vençam, bem como quaisquer outras despesas em que se possa incorrer por causa da aquisição do bem.
O arguido RO… também confirmou que foi necessário proceder à recomposição das participações sociais porque as iniciais estavam incorrectas.
Daí que, corrigindo-se as aquisições feitas, em 19.12.2000, a Oardale tenha vendido à Kinasol 29% do capital social da Astroimóvel.
O pagamento foi feito por novos saques a descoberto sobre a conta da Kinasol, no BPN Cayman, de € 2.900.132,32 e € 258.859,06 (juros) determinados pelos arguidos OC… e LC….
A liquidação financeira desta operação só ocorreu em 31.12.2001, tendo sido pagos juros pela dilação do pagamento.
Deste modo, a Kinasol passou a deter 65% do capital social da Astroimóvel a um custo de aquisição de € 8.146.970,80, e a Oardale 35% a um custo de aquisição de € 3.300.441,39.
Ora, a prova destes factos (646º a 649º da pronúncia; v. factos provados 609 a 612 e factos não provados 211 e 212) resulta da confissão do arguido LC…, da confissão do arguido RO… na parte em que tinha conhecimento dos factos, e da documentação que será indicada de seguida.
Antes, porém, diga-se que em relação a esta factualidade não há suporte probatório que permita concluir pela decisão/participação dos arguidos FS… e IC….
Com efeito, estes dois arguidos negaram qualquer participação/decisão na matéria da recomposição.
O arguido LC… não os envolveu, tendo, sim, afastado a participação deles.
Não se olvida que o arguido RO… esclareceu:
O erro foi detectado pelo seu advogado e por IC… ou IF… e a partir daí foi feita uma nova recomposição das acções para a Oardale ficar com 35% e a Kinasol 65%. Sabia, por isso, que ia ser feita a recomposição das participações sociais.
Quem lhe falou sobre isto foi o Eng. FS…, pensa que foi presencialmente, dizendo-lhe que ia ser recomposto o capital porque estava mal distribuído.
Não é suficiente, em nosso entender, para se concluir pela decisão/adesão/participação dos arguidos FS… e IC… na recomposição das participações sociais.
Porém, ainda que fosse, as declarações do arguido RO… teriam de considerar-se desfavoráveis àqueles dois arguidos.
Considerando que o arguido RO… se recusou a responder a quaisquer perguntas que os ilustres mandatários desses e dos restantes arguidos lhe pretendiam colocar, daí resulta que estas declarações do arguido RO… não possam ser valoradas em desfavor dos arguidos FS… e IC… (art. 345º, n.ºs 1 e 4 do C.P.P.).
Quanto à documentação, é relevante a seguinte:
- Apenso 33 – 11\Doc 22\Grupo Económico RO…\3.Operação Astroimóvel\Astroimóvel - Sociedade Imobiliária ou apenso temático AH, anexo 2, pág. 22 – Descrição de toda a operação ASTROIMÓVEL com referência à recomposição de posições entre o arguido RO… e o Grupo SLN quanto às percentagens de detenção de acções da Astroimóvel;
- Apenso bancário 65 – conta titulada pela Kinasol, no BPN Cayman, fls. 3 – 31.12.2001 – movimentos a débito e a descoberto de € 2.900.132,32 e de € 258.859,06 (juros);
- Apenso bancário 64 - conta titulada pela Oardale no BPN Cayman, fls. 4 – 31.12.2001 – movimentos a crédito de € 2.900.132,32 e de € 258.859,06 (juros);
- CD, vol. 13 - extractos de conta informáticos de ambas as sociedades – pesquisa pelo n.º da operação – (sublinhado amarelo nosso):

(Imagem removida)

Entramos, por fim, na análise da factualidade dos arts. 650º a 657º da pronúncia que contendem com a venda da Astroimóvel ao Fundo Imoglobal.
Vejamos, em primeiro lugar, de modo resumido, as declarações dos arguidos a respeito destes factos.
O arguido FS… declarou que não teve qualquer participação nem conhecimento destes negócios.
A arguida IC… também negou qualquer participação.
O arguido LC… declarou:
O Imofundos decidiu criar o Fundo Imoglobal, tendo isso correspondido a uma decisão estratégica do banco.
Foi alheio a essa vontade, bem como a IC….
A sociedade gestora de fundos tinha todo o interesse em constituir os fundos e gerir os activos imobiliários.
Depois de constituído o Fundo, entre outros activos que não pertenciam a RO…, foi decidido vender ao Fundo a Astroimóvel, Morgadinho e Monte da Quinta.
A decisão da venda da Astroimóvel ao Fundo foi de OC…, com a sua concordância e concordância dos gestores do Fundo.
Quem não concordou foi RO….
Ele não teve participação nenhuma na venda ao fundo.
Foi reposta a proporção, em termos correctos (65%).
O Fundo não era financiado pelo BPN, não se destinava a adquirir os imóveis apresentados por RO…, nem havia valores de conveniência. Houve uma parte dos pagamentos destinados a RO… convertidos em unidades de participação no Fundo, ou seja, ele recebeu unidades de participação do Fundo Imoglobal (652º).
O arguido RO… pelas vendas que fez das participações em nome dele recebe dinheiro e pagou ao BPN Cayman a dívida que tinha.
Por sua vez, pelas mais-valias que tinham sido obtidas pela venda essencialmente do Monte da Quinta ao fundo Imoglobal, RO… recebeu a sua parte das mais-valias em unidades de participação do Fundo.
Os factos 653º e 654º estão correctos.
Quanto aos factos 655º a 657º as mais-valias, sem juros, está correcta. Com juros, a mais-valia foi inferior, não sabe ao certo, mas tinha-se que calcular 1 ano inteiro de juros sobre o valor de aquisição.
Não houve prejuízo para o fundo Imoglobal.
A carteira de investimentos do Fundo valorizou-se e o activo Astroimóvel não se desvalorizou.
Quando a Astroimóvel foi adquirida no terreno estava um parque de estacionamento. O proprietário anterior não tinha feito nenhum projecto para este activo.
Sem projecto, o activo vale o que as pessoas estão dispostas a pagar. Ele, ASt…, vendeu um terreno com um parque de estacionamento.
Não se pode desligar esta operação da Astroimóvel do terreno dos Morgadinhos, adquirido por 17 milhões e vendido ao Fundo por 27 milhões.
O Fundo vende o terreno dos Morgadinhos a um senhor irlandês por um preço superior a 50 milhões. Este senhor vendeu ainda a um Fundo do BCP por 70 milhões.
Deviam ser analisadas todas as operações da parceria com RO… em conjunto.
A metodologia de avaliação foi igual para os 3 terrenos.
A metodologia de avaliação para os 3 terrenos foi correcta e o valor estava correcto.
Quanto à valorização de 11 milhões para 19 milhões de euros da Astroimóvel referiu que quanto mais se rentabilizam os activos aquando da sua entrada no fundo, mais ficam prejudicados os detentores das unidades de participação.
Quem fazia a maior parte das avaliações para o grupo era o Eng. M….
A questão que se colocava era se o terreno, à data, valia ou não o preço 900 contos por m2.
Ele chegou à conclusão que valia mais.
Quando o terreno foi para o Fundo, o projecto era para escritórios. Depois a sociedade gestora de Fundos é que pediu a alteração do projecto para a construção de um hotel.
Quanto às declarações do arguido RO… impõe-se um esclarecimento prévio.
Parte das suas declarações, designadamente a que se refere ao valor pelo qual a sociedade Astroimóvel foi vendida ao Fundo Imoglobal, são manifestamente desfavoráveis ou prejudiciais aos arguidos LC… e OC….
Os ilustres mandatários destes arguidos não tiveram oportunidade de exercer o contraditório relativamente a essas declarações desfavoráveis aos seus constituintes, em virtude de o arguido RO…, no exercício de um direito que lhe assiste, se ter recusado a responder a quaisquer questões de outros intervenientes processuais além do Tribunal Colectivo.
Assim sendo, essas declarações desfavoráveis ou prejudiciais àqueles arguidos não poderão ser valoradas pelo Tribunal (art. 345º, n.ºs 1 e 4 do C.P.P.).
Quanto ao mais, declarou o arguido RO…:
A única vez que falou a sério com LC… foi em finais de Janeiro de 2002 quando regressou a Portugal, tendo ido acompanhado do seu advogado (FSe…) porque se deparou com o facto de todos os negócios que tinha em parceria com o grupo terem sido vendidos ao Fundo Imoglobal à sua revelia.
Nas parcerias com o grupo era ele próprio, RO…, o Presidente do Conselho de Administração das sociedades e estas obrigavam-se com a assinatura só do Presidente ou de dois administradores, que eram, em todos os casos, LC… e o Eng. M… (Monte da Quinta, Responsabilimo, Nafud, Gondal, Quinta dos Morgadinhos).
Todas as vendas aos fundos foram assinadas pelo Dr.º LC… e pelo Eng. M…., não tiveram a sua assinatura, nem acordou quaisquer condições nessas vendas.
As vendas ocorreram a 29 ou 30 de Dezembro de 2001.
Quando regressou do estrangeiro foi convocado para uma reunião por LC… que lhe transmitiu que tinham sido feitas algumas movimentações para dentro de um fundo que lhe queria explicar.
Regressou a 7 de Janeiro de 2002 a Portugal, o telefonema terá sido por volta do dia 10 ou 11, e a reunião, após agendamento, ocorreu, segundo pensa no dia 17 de Janeiro de 2002 ou por volta dessa data.
Esta reunião foi a 1ª reunião formal que teve com LC….
Neste caso levou o advogado à reunião porque lhe foi comunicado que tinha havido movimentações para os fundos, era já algo concretizado e queria saber o que podia fazer.
A reunião correu mal porque não esteve de acordo que se fizesse o fundo, porque recebeu unidades de participação em vez de dinheiro e porque LC… começou por dizer que tinha sido criado o fundo Imoglobal para englobar só o que estava em parceria com o grupo BPN/SLN sendo certo que, na própria reunião, constatou que lá estavam outros bens como a Sociedade Agrícola Vale Flor com que não tinha nada a ver, além de muitos outros activos em relação aos quais não tinha qualquer parceria com o grupo.
Feitas as contas resultou que ficou com uma participação no fundo na ordem dos 12% a 13% o que levou à quebra das percentagens da parceria de 35%/65%.
Para receber unidades de participação tinha que ser consultado. Comprou terrenos ou imóveis por x para vender por y (lucro), lucro esse que seria dividido numa percentagem de 35%/65% e não foi nada disso que aconteceu, pelo contrário, o que recebeu foram unidades de participação.
Sentiu-se prejudicado porque era preciso que houvesse pessoas que comprassem unidades de participação do Fundo.
Não tinha nenhuma garantia da venda das suas unidades de participação.
No âmbito da reunião, depois de estar tudo feito, era impossível voltar atrás. A única coisa que tentou foi vender as unidades de participação ao grupo (disseram que não tinham dinheiro), pediu para arranjarem um comprador (disseram que não havia).
Só vendeu as unidades de participação em 2003 e o remanescente quando acabaram as suas parcerias com o grupo BPN/SLN.
Não era fácil, apesar de tudo, nessa altura, ter cortado relações com o grupo porque, para todos os efeitos, tinha 15 milhões de acções para vender (tinha que dar direito de preferência) e não era fácil vender as unidades de participação.
No verdade, ficou “encostado à parede”.
Porque tem importância no assunto em referência, importa salientar, resumidamente, as declarações prestadas pela testemunha AC… (Presidente do Conselho de Administração do BPN Imofundos entre 1999 e 2009):
O Fundo Imoglobal era um fundo imobiliário fechado, gerido pelo BPN Imofundos.
Este fundo nasceu na sequência de uma instrução da administração do Banco (OC… e LC…) no sentido de incorporar um conjunto de activos imobiliários com uma denominação comum, designadamente para edificação turística.
O Fundo Imoglobal adquiriu acções da sociedade Astroimóvel.
O lançamento do fundo foi rápido.
Foi a administração (LC… e OC…) que determinou a constituição do fundo.
O próprio grupo BPN/SLN era o detentor das unidades de participação, ou seja, o investidor.
Neste caso particular há uma preocupação da sociedade gestora em fazer a gestão do fundo em função dos critérios orientadores da cúpula do BPN/SLN, até porque eram eles os detentores das unidades de participação.
Em concreto, a criação do Fundo Imoglobal foi determinada pelo OC… e LC….
Foram também eles que determinaram a aquisição de determinados activos de empresas do grupo para o Fundo.
Quanto à aquisição para o Fundo das acções da Astroimóvel não houve negociação.
Simplesmente foi-lhes apresentado o contrato para adquirirem as acções.
Foi tudo determinado por OC… e depois tudo preparado sob a influência de LC… (valores dos activos, transferências financeiras, etc.).
Das declarações da testemunha AC… resulta inequivocamente que a constituição do Fundo Imoglobal foi determinada pelos arguidos LC… e OC….
Da conjugação das declarações da mesma testemunha e do arguido LC… é de concluir que foi este arguido, em conjunto com o arguido OC…, que determinaram quais os activos do grupo BPN/SLN que deviam ser vendidos ao Fundo Imoglobal, neles se incluindo a sociedade Astroimóvel e outros activos do grupo em relação aos quais existia uma parceria com o arguido RO….
Por outro lado, da conjugação das declarações dos arguidos LC… e RO… resulta que este último não teve qualquer participação na venda ao Fundo Imoglobal dos activos que tinha em parceria com o grupo SLN/BPN, incluindo a Astroimóvel.
Por sua vez, não há qualquer elemento probatório por declarações de arguidos ou testemunhas, nem em suporte documental, que permita concluir que os arguidos FS… e IC… tiveram algum tipo de intervenção na constituição do Fundo Imoglobal ou na decisão de venda ao mesmo Fundo de activos do grupo SLN/BPN em que se incluiu a Astroimóvel.
Em resumo, do teor das declarações mencionadas resulta que os arguidos LC… e OC… promoveram/determinaram a criação do Fundo de Investimentos Imobiliário Imoglobal.
A constituição deste Fundo viria a ser autorizada pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM):
- Processo, vol. 123, fls. 39023 a 39038, págs. 37 a 52 pdf – 26.10.2001 – Pedido de autorização da Imofundos, subscrito pelo Presidente do C.A. AC…, à CMVM, para constituição de um Fundo Imobiliário fechado designado BPN Imoglobal, com dois anexos, designadamente o projecto de regulamento de gestão e o “projecto de prospecto”;
- Processo, vol. 123, fls. 39039 e 39040, pág. 53 e 54 pdf – 19.12.2001 – autorização da CMVM de constituição do Fundo de Investimento Imobiliário Fechado BPN Imoglobal;
Resulta ainda das declarações referenciadas que o Fundo Imobiliário BPN Imoglobal destinou-se, entre outros, à aquisição de imóveis cujos negócios foram apresentados pelo arguido RO… e nos quais tinha parceria com o grupo BPN/SLN.
Parte dos pagamentos destinados ao arguido foi convertida em unidades de participação do referido Fundo.
Ora, recomposta a proporção da detenção do capital social da Astroimóvel nos termos indicados, em 31.12.2001 (12 dias depois da constituição do Fundo), a Kinasol vendeu 65.000 acções (65% do capital social) daquela sociedade ao Fundo BPN Imoglobal por € 12.350.000,00, sendo a conta por si titulada no BPN Cayman creditada em igual montante.
- Processo, vol. 19, fls. 7559, págs. 5 e 6 – 31.12.2001 - contrato de compra e venda entre a Kinasol, como vendedora, representada por fiduciários, e o Fundo Imoglobal, como comprador, representado por AC… e pelo arguido RC…, de 65.000 acções da Astroimóvel;
- Apenso bancário 65 - conta titulada pela Kinasol no BPN Cayman, fls. 3 – 31.12.2001 c/ data-valor 28.12.2001 - movimento a crédito de € 12.350.000,00 com o descritivo “OperaçPTASTROI000A TIT”;
- CD, vol. 13 - extracto informático da mesma conta – (sublinhado amarelo nosso):



- Apenso temático T, fls. 74, pág. 75 pdf – 30.12.2001 - instrução de RP… que invoca “instruções em nosso poder” para pagamento do preço pelo Fundo Imoglobal à Kinasol;
- Por sua vez, na mesma data, a Oardale vendeu 35.000 acções da Astroimóvel ao mesmo Fundo Imoglobal por € 6.650.000,00, sendo a conta por si titulada no BPN Cayman, creditada nesse montante:
- Processo vol. 16, fls. 6300 e 6301, págs. 49 e 50 pdf – 31.12.2001 - contrato de compra e venda entre a Oardale, como vendedora, representada por fiduciários, e o Fundo Imoglobal, como comprador, representado pelo arguido RC… e AC…, de 35.000 acções da Astroimóvel;
- Apenso bancário 64 – conta titulada pela Oardale no BPN Cayman, fls. 4 – 31.12.2001 c/ data-valor de 28.12.2001 - movimento a crédito de € 6.650.000,00 com o descritivo “OperaçaPTASTROI000A TIT2”;
- CD, vol. 13 - extracto informático da mesma conta – sublinhado amarelo nosso:



- Apenso temático T, fls. 75, pág. 76 pdf – 30.12.2001 - instrução de RP… que invoca “instruções em nosso poder” para pagamento do preço pelo Fundo Imoglobal à Oardale;
Ou seja, o BPN Imofundos, entidade gestora do BPN Fundo de Investimento Imobiliário Imoglobal, pagou, em 31.12.2001, € 19.000.000,00 pela totalidade do capital social da Astroimóvel quando, cerca de um ano antes, em 13.12.2000, aquela participação havia sido adquirida por 2.295.000.000$00, o equivalente a € 11.447.412,00.
Realizou-se, assim, uma mais-valia de € 7.552.588,00 a benefício da Kinasol, do grupo SLN/BPN, e da Oardale, sociedade offshore usada para a parceria, pelo arguido RO…, com aquele grupo no negócio da Astroimóvel.
Vale o exposto por dizer que resultam provados os factos 650º a 657º da pronúncia (v. factos provados 613 a 620), cabendo somente salientar o seguinte.
O prejuízo em que o Fundo Imoglobal incorreu com esta operação será analisado infra.
Em face das considerações tecidas supra e dos meios de prova indicados, não ficou demonstrada a decisão/participação dos arguidos FS… e RO… na venda da Astroimóvel ao Fundo Imoglobal (art. 650º da pronúncia; v. facto não provado 213).
Pelas mesmas razões também não ficou demonstrado que os arguidos FS…, IC… e RO… tivessem decidido ou participado na decisão de constituição do Fundo Imobiliário Imoglobal (art. 651º da pronúncia; v. facto não provado 214).
O único eventual “valor de conveniência” que está em discussão nos autos é o da aquisição da Astroimóvel pelo Fundo Imoglobal, aliás, como consta do art. 613º da pronúncia, e não quaisquer outros (art. 652º da pronúncia).
Não ficou também demonstrado que os arguidos RO…, FS… e IC… tivessem, de algum modo, por si ou em conjunto com os arguidos OC… e LC…, definido o valor pelo qual a Astroimóvel seria adquirida pelo Fundo Imoglobal (art. 652º da pronúncia).
Quanto à prova da primeira parte do art. 652º a pronúncia (“tal fundo Imoglobal seria financiado pelo próprio BPN”) remete-se para a motivação já desenvolvida aquando da análise da sociedade offshore Jared e sua relação com as contas investimento, bem como para as declarações então analisadas das testemunhas Ajo… e DNi… que se pronunciaram sobre essa questão.
A parte final do art. 657º a pronúncia (“onde o activo se encontra actualmente inscrito, sem valorização”) é, por um lado, manifestamente conclusivo e, por outro, inócuo em termos de eventual responsabilidade criminal dos arguidos, circunstancialismo de que já se deu nota no despacho de fls. 31812 a 31815.
A questão que importa agora aferir é se a Astroimóvel foi vendida ao Fundo Imoglobal de modo a “fazer rentabilizar” a sua “aquisição” (art. 650º da pronúncia), ou seja, por um “valor de conveniência” (652º da pronúncia) que teve por consequência um “prejuízo” para aquele Fundo (art. 657º da pronúncia).
Entre a data da aquisição (13.12.2000) e da venda (31.12.2000) não se verificou que o activo da Astroimóvel, o terreno da Rua Castilho, tivesse beneficiado de qualquer valor acrescentado.
Aliás, em 28.12.2008, dois relatórios avaliam os prédios em € 11.795.840,00 e € 12.504.100,00, numa altura em que já se encontrava aprovado para construção no terreno o projecto de uma unidade hoteleira, circunstancialismo que não se verificava à data da aquisição ou da venda.
Ou seja, em data posterior (2008), quando se encontrava aprovado um projecto que necessariamente valorizava o terreno e que tinha o condão de proporcionar uma boa rentabilidade, a sociedade foi avaliada praticamente pelo mesmo valor pelo qual foi adquirida pelo grupo SLN/BPN em parceria com o arguido RO…, no ano de 2000:
- Apenso informático 33: 11\Doc. 22\Grupo Económico RO…\3. Operação Astroimóvel\WORX - Dez.08 - Hotel Castilho.PDF – 02.12.2008 - Avaliação da Worx (€ 12.504.100,00);
- Apenso informático 33: 11\Doc. 22\Grupo Económico RO…\3. Operação Astroimóvel\PI - Dez.08 - Hotel Castilho.pdf– 02.12.2008 - Avaliação da Colliers P&I em (€ 11.795.840,00) - terreno;
Ora, na iminência da venda da sociedade Astroimóvel ao Fundo Imoglobal, o BPN Imofundos, sociedade gestora daquele Fundo, solicitou à Colliers P&I a avaliação dos terrenos (antes, em Novembro de 2001, o mesmo pedido fora feito pela SLN Imobiliária, SGPS, S.A.), tendo esta sociedade acreditada junto da CMVM, com recurso ao método de rentabilidade associado a uma análise discounted cash-flows, fixado à data de 20.12.2001, o valor de mercado dos terrenos em € 13.463.311,00, sendo certo que esta avaliação foi feita para “efeitos de tomada de decisões de índole patrimonial”:
- Apenso de busca 7, doc. 24.00, págs. 366 a 379 – 07.11.2001 – Relatório de avaliação da Colliers P&I realizada “por instruções da SLN, Imobiliária, SGPS para efeitos de tomada de posição de índole patrimonial” que atribuiu o valor de € 13.463.311,00, correspondente a 2.699.151.000$00, aos terrenos da Rua Castilho;
- Processo, vol. 123, fls. 39077 a 39086, págs. 91 a 100 pdf - 20.12.2001 - Relatório de avaliação da Colliers P&I realizada “por instruções do BPN – Imofundos, Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S.A., para efeitos de tomada de posição de índole patrimonial” que atribuiu o valor de € 13.463.311,00, correspondente a 2.699.151.000$00, aos terrenos da Rua Castilho;
Note-se que a testemunha AC…, à data Presidente do Conselho de Administração do BPN Imofundos, entidade que solicitou a avaliação, confrontado com esta avaliação em sede de julgamento declarou que a desconhecia!
- Apenso de busca 7, doc. 25.01, págs. 1 a 4, 7, 29 a 31 (30) – 31.01.2003 - relatório de progresso da Área Imobiliária com relatório de execução física, financeira e comercial referido a 31.12.2002, com ficha do ponto de situação de cada projecto, sendo que a ficha 3, relativa à Astroimóvel, no seu ponto “4 Investimentos” tem inscrito o valor de € 11.442.000,00 para o “terreno, registo e sisa”.
Considere-se que nessa data (31.01.2003), decorrido que estava mais de um ano desde a venda da Astroimóvel ao Fundo Imoglobal, ainda não havia qualquer projecto de construção para o terreno da Rua Castilho aprovado pela Câmara Municipal de Lisboa.
De facto, desse relatório consta (fls. 31) que “aguarda apreciação da Câmara Municipal de Lisboa (projecto de escritórios)”, referindo-se ainda (fls. 31) que “foi solicitado ao gabinete de arquitectura Capinha Lopes & Associados a alteração para um projecto de Hotel, cujo «estudo prévio» será concluído em Fevereiro de 2003”.
Ou seja, como se afirmou supra, entre a data da aquisição (13.12.2000) e a da venda ao Fundo (31.12.2000) não tinha ocorrido nenhum facto que pudesse ter acrescentado valor ao terreno e que justificasse que naquele espaço de tempo a sociedade fosse vendida ao Fundo com uma mais-valia na ordem dos € 7.500.000,00.
- Apenso informático 33: 30\Mail\284\PASTASPESSOAIS\C…\CMA\11 C…2005.pst\A receber\Astroimóvel\FW- Astroimóvel - Avaliação do lote de terreno da Rua Castilho - NECESSITO DA SUA DECISÃO.msg – 23.06.2005 – Troca de e-mails, com intervenção e conhecimento deles dos arguidos LC… e IC…, sobre uma avaliação fiscal em que, a dado passo, se refere a avaliação da Colliers P&I efectuada em 20.12.2001 que atribuiu o valor de € 13.463.311,00;
A dupla avaliação da Colliers P&I (€ 13.463.311,00) ao terreno, obviamente que não sustentava o preço de aquisição de € 19.000.000,00 pelo então constituído Fundo Imoglobal.
Por isso, foi realizada uma avaliação, digamos, “ad hoc” das acções da Astroimóvel mediante um balanço e demonstração de resultados pró-forma, reportados a 31.12.2001, da responsabilidade da administração desta sociedade e validada pelo seu fiscal único, J. Monteiro & Associados, revisor oficial da SLN e de várias empresas da órbita da SLN, validação executada pela testemunha MEm…, sócia desta empresa de revisores oficiais de contas, nos termos da qual foi atribuído à Astroimóvel o valor de € 22.800.000,00.
Porém, esta reavaliação não foi, depois, projectada na contabilidade da Astroimóvel.
Veja-se, por outro lado, aliás como decorre do balanço e demonstração de resultados pró-forma, que “as demonstrações financeiras pró-forma apresentadas são da responsabilidade do Conselho de Administração” da Astroimóvel e que o revisor oficial de contas limita-se a “verificar a informação financeira constante das demonstrações financeiras pró-forma, com o objectivo de expressar um parecer profissional e independente sobre essa informação, baseado no nosso trabalho”.
Refira-se que a testemunha explicou que para a elaboração “do parecer analisou e teve na sua mão a avaliação da Colliers com o critério da rentabilidade associada ao cash-flow”.
A avaliação da Colliers (v. vol. 123 dos autos principais, pág. 100) concluiu que o total das receitas era de 7.087.863 biliões de escudos, cerca de 35 milhões de euros.
Porém, em sentido contrário, do balanço pró-forma (v. vol. 123 dos autos principais, pág. 141) consta que os proveitos financeiros totais seriam de € 50.884.118,60, ou seja, uma diferença na ordem dos 15 milhões de euros.
Confrontada com esta diferença, a testemunha referiu que não a consegue explicar, até porque não tem acesso aos elementos que teve na altura, mas esta diferença certamente estava explicada.
Logo de seguida, explicou a diferença de valor com base nalguma adenda documental que lhe tenha sido apresentada que justificasse um aumento de volumetria do empreendimento, logo um valor mais elevado das receitas.
Referiu, por fim, que onde consta “nota 5 pró-forma” tem que haver um documento anexo que explique essa diferença.
É de considerar que à data em que foi elaborada esta demonstração financeira pró-forma ainda não havia qualquer projecto aprovado para o activo da Astroimóvel, designadamente o terreno na Rua Castilho, em Lisboa.
Entre a 2ª avaliação da Colliers P&I (20.12.2001) e a elaboração desta demonstração financeira por referência à data de 31.12.2001 distam apenas 11 dias.
Nada justificava a alteração da volumetria do edifício, até porque nada tinha sido aprovado a esse respeito pela Câmara Municipal de Lisboa.
A única explicação plausível que se encontra para a alteração da volumetria é a de justificar um valor superior da sociedade Astroimóvel e, deste modo, também suportar a aquisição da sociedade pelo Fundo Imoglobal pelo valor de € 19.000.000,00.
A nível das demonstrações financeiras da sociedade Astroimóvel cabe salientar a seguinte documentação:
- Processo, vol. 123, fls. 39122 a 39127, págs. 136 a 141 pdf – 08.01.2002 – o identificado relatório sobre demonstrações financeiras pró-forma da Astroimóvel do fiscal único J. Monteiro & Associados com referência à data de 31.12.2001 que avalia o total dos capitais próprios em € 22.800.000,00;
- Processo, vol. 123, fls. 39090 a 39921, págs. 104 a 135 – 10.01.2002 – Relatório e Contas de 2001 da Astroimóvel sem que tenha sido feita qualquer reavaliação do “imobilizado”;
- Processo, vol. 123, fls. 39128 a 39157, págs. 142 a 172 pdf – 03.01.2003 e 18.01.2003 - Relatório e Contas de 2002 da Astroimóvel sem que tenha sido feita qualquer reavaliação do “imobilizado”;
Em resumo, no que toca ao depoimento da testemunha MEm… prestado ao longo de várias sessões de Julgamento, confrontada com a discrepância de valores das duas avaliações, a da Colliers e a da administração da Astroimóvel, resultantes sobretudo das muito significativas diferenças de valores projectados das vendas do edifício de escritórios a construir nos terrenos, não foi capaz de explicar essas diferenças que teriam sido justificadas numa invocada, mas inexistente, adenda à validação que, de resto, a validação não refere.
Acresce que as declarações da testemunha não se apresentaram credíveis ao Tribunal.
E isto porque, na data em foram elaboradas as demonstrações financeiras pró-forma, MEm… tinha uma ligação profissional à Planfin.
Neste âmbito, a testemunha declarou, em resumo:
Em 2000 começou a trabalhar na Planfin e por isso conhecia os arguidos.
A Planfin precisava de pessoas para exercer funções na contabilidade.
A sua irmã era amiga de IC….
Foi chamada para uma entrevista com LC…. Ele aceitou-a e foi trabalhar para a Planfin em Março de 2000.
Conheceu-os a todos na Planfin, porque lá trabalhavam, menos OC… que era presidente do grupo SLN e o Eng. FS… que trabalhava no 8º andar da administração e não na Planfin.
Em 2000 passou a fazer a contabilidade de empresas a quem a Planfin prestava serviços.
Em 2001 passou para a Planfin Contas onde esteve até Outubro/Novembro de 2008.
Por outro lado, integrou a J. Monteiro & Associados, sociedade revisora oficial de contas, que revia a maioria das contas do universo das empresas da SLN, contas estas que eram feitas pela “Planfin Contas”, na qual a testemunha detinha participação social directa e, indirectamente, através de uma sociedade offshore.
Com efeito, conforme documentação junta aos autos, MEm…, assim como JCM…, foi sócia fundadora da Planfin Contas, S.A., constituída em 12.12.2000, participação que, vinte e um dias depois, em 03.01.2001, vendeu à Wezi Holdings LLC, offshore que ela própria detinha em conjunto com a testemunha MPa….
E, em 19.06.2007, quando estava próxima a saída do arguido LC…, a Wezi vendeu aquela participação à Valle Flor, SGPS, S.A.:
- Apenso informático 33 – 30\287\C\CFGA\POSTOS DE TRABALHO\IC…\D\IC…_Ficheiros vários\IMC\SLN-Direcções de Serviços\ACTOS E CONTRATOS­GRUPO SLN\Docs. Actos e Contratos Scaner\2000 _12_12_ Constituição da Sociedade _ Planfin Contas.pdf ou Braga 5, págs. 1 a 19 – 12.12.2000 – Escritura de constituição da Planfin Contas, S.A. que no acto ficou com os seguintes sócios: (i) Planfin, a (ii) Emsec, (iii) arguido LM…, (iv) arguido LAl…, (v) JCM… e (vi) a testemunha MEm…) e com o Conselho de Administração composto por 3 membros, designadamente o arguido LM… (Presidente) e os arguidos IM… e LAl… (vogais);
- Apenso 33 - 30\287\C\CFGA\server 3\C\GESTÃO\Grupo SLN\Arquivo Geral\ACTOS E CONTRATOS_GRUPO SLN\Docs. Actos e Contratos Scaner\2001_01_03_CCVenda de Acções_MEm…_Wezi Holdings LLC_Planfin Contas,SA.pdf – 03.01.2001 - contrato de compra e venda de 7.500 acções da Planfin Contas, S.A., entre MEm…, como vendedora, e offshore Wezi, como compradora. Esta uma sociedade não residente que tinha como últimos beneficiários MEm… e MPa….
Ou seja, a testemunha MEm…, através de uma offshore de que era a última beneficiária, era sócia da Planfin Contas, S.A., entidade que prestava serviços de contabilidade para o grupo BPN/SLN.
Concomitantemente integrava a J. Monteiro & Associados, sociedade revisora oficial de contas, que era quem revia a maioria das contas do universo das empresas da SLN, contas estas que eram feitas pela sociedade “Planfin Contas”.
Daqui advém, inequivocamente, um “conflito de interesses” que coloca irremediavelmente em causa a credibilidade da testemunha MEm….
Relevam ainda outros documentos para sustentar o que acabou de se afirmar:
- Apenso 33 - 30\287\C\CFGA\server 3\C\GESTÃO\Grupo SLN\Arquivo Geral\ACTOS E CONTRATOS_GRUPO SLN\Docs. Actos e Contratos Scaner\2001_01_03_CCVenda de Acções_MEm…_Wezi Holdings LLC_Planfin Contas,SA.pdf – 03.01.2001 - contrato de compra e venda de 7.500 acções da Planfin Contas, S.A., entre JMu…, como vendedor, e a offshore Lyceum, como compradora, que tinha por últimos beneficiários JMu… e mulher;
- Apenso 33 – 30\285\D1\C\Documentas and Settings\ANAV\Os meus documentos\Porto\Base de dados Planfin (version 1).xls – Base de dados Planfin, linhas 144 e 145 – listagem de sociedades offshore (propriedades informáticas: Autor “OM…” que era uma colaboradora a Planfin; última impressão “22-01-2004”) que indica:
- Wezi Holdings LLC, tendo por directores/accionistas beneficiários MEm… (50%) e MPa… (50%);
- Lyceum Holdings, LLC, tendo por directores/accionistas beneficiários JMu… (50%) e MLF… (50%);
- Apenso 33 – 11\CD Dados 2\Grupo\2008\Outras análises\O-10-2008\ SAVFS\ VFSGPS\VFSGPS – Inf. Obtida 20-10-2008\4.8.2007-05-19- CC Venda de Acções – Wezi – Valle Flor – P. Contas. Pdf – 19.05.2007 – contrato de compra e venda de acções da Planfin Contas, S.A., entre a Wezi, como vendedora, e a Valle Flor, SGPS, S.A., como compradora;
- Apenso 33 – 11\CD Dados 2\Grupo\2008\Outras análises\O-10-2008\ SAVFS\ VFSGPS\VFSGPS – Inf. Obtida 20-10-2008\4.8.2007-05-19- CC Venda de Acções – Lyceum – Valle Flor – P. Contas. Pdf – 19.05.2007 – contrato de compra e venda de acções da Planfin Contas entre a Lyceum, como vendedora, e a Valle Flor, SGPS, S.A., como compradora;
Acresce que o recurso às designadas “contas pró-forma” para avaliar activos em vez do recurso a avaliações de entidades independentes, foi um expediente padronizado na aquisição de activos do Fundo Imoglobal:
- Processo, vol. 123, fls. 39070, pág. 84 – nota 3 ao relatório e contas do BPN Imoglobal – Fundo de Investimento Imobiliário, a 31.12.2001, que evidencia um padrão comum no que toca à avaliação por contas pró-forma dos bens/activos adquiridos pelo Fundo, designadamente, o Monte da Quinta, S.A., a Astroimóvel, S.A. e o Palácio das Águias, S.A..
Independentemente disso, não se compreende o recurso às demonstrações financeiras pró-forma a não ser numa lógica de sobrevalorização dos activos que se pretendiam vender.
É certo que o Monte da Quinta, S.A. e o Palácio das Águias, S.A. não são negócios abordados nos presentes autos, não interessando, assim, fazer comparações entre eventuais avaliações independentes e as demonstrações financeiras pró-forma.
Mas o que é indesmentível é que as demonstrações financeiras pró-forma acarretam uma dose muito maior de subjectividade e incerteza, uma vez que elas são da responsabilidade dos Conselhos de Administração das sociedades, limitando-se os revisores oficiais de contas a verificar a informação financeira com o “objectivo de expressar um parecer profissional e independente sobre essa informação”.
Não se compreende, também, porque a Astroimóvel não foi vendida ao Fundo pelo valor proposto pela avaliação da Colliers P&I.
Não havia nenhum óbice a isso. Se o bem estivesse subvalorizado, quem beneficiaria seriam os detentores das unidades de participação do Fundo, nada impedindo que posteriormente o bem fosse avaliado por um valor superior.
É claro que, neste caso, o prejuízo ou um lucro menor recairia sobre os vendedores.
Não se olvida que o arguido LC… declarou que quanto mais se rentabilizam os activos aquando da sua entrada no fundo, mais ficam prejudicados os detentores das unidades de participação.
Esqueceu-se de referir que esta equação tem o seu lado contrário, i.e., quanto mais se rentabilizam os activos aquando da sua entrada no fundo, mais ficam beneficiados os vendedores, maior é o lucro destes e melhor é o resultado do grupo SLN/BPN para apresentar aos accionistas.
Note-se que estamos, mais uma vez, perante operações de “final do ano” que visaram, também, aumentar os resultados do grupo, que se pretendia apresentar como tendo tido um crescimento constante e uma performance acima da média.
Aliás, recorda-se, aqui, o documento em Excel denominado “Op.fin.31_12_2001.xls” que previa a realização entre 18.12.2001 e 31.12.2001 de 108 contratos/operações financeiras com a intervenção de entidades do grupo SLN/BPN, bem como as assinaturas necessárias para a outorga de cada um dos contratos:
- Apenso 33: 30\Apagados\288\WK1\Ficheiros eliminados\C\L…\1. Grupo SLN\SLN\Operações Financeiras\Op.fin. 31_12_2001.xls;
O mesmo procedimento foi adoptado para os meses de Dezembro de 2000 e Dezembro de 2002, respectivamente, com 80 e 36 contratos/operações financeiras:
- Apenso 33: 30\Apagados\288\WK1\Ficheiros eliminados\C\L…\1. Grupo SLN\SLN\Operações Financeiras\Op. fin. 31_12_ 2000.xls;
- Apenso 33: 30\Apagados\288\WK1\Ficheiros eliminados\C\L…\1. Grupo SLN\SLN\Operações Financeiras\Op.fin. 31_12_2002.xls
Vale o exposto por dizer que a opção foi clara: beneficiar os vendedores e o grupo em detrimento do fundo Imoglobal e dos detentores de unidades de participação.
Estes, nem sequer eram motivo de preocupação. É que, como já foi evidenciado, as rentabilidades prometidas nas contas investimento que investiam nos Fundos do grupo seriam sempre asseguradas pela offshore Jared, caso a valorização dos Fundos não acompanhasse aquelas rentabilidades.
E a conclusão obtida de que houve uma intenção clara de beneficiar os vendedores e o grupo em detrimento do Fundo Imoglobal e dos detentores das unidades de participação resulta ainda do teor do seguinte documento:
- Apenso de busca 7, doc. 01.09, págs. 19 a 24 – Documento intitulado “Contas com RO” (RO…) que o arguido LC… assumiu ser de sua autoria, o qual refere o negócio Astroimóvel e outros (Monte da Quinta, Nafud/Aquamar e Morgadinhos) que obedecem ao mesmo padrão de obtenção de mais-valias aquando da venda dos activos em questão ao Fundo Imoglobal;
Pode concluir-se, pois, que, na venda da Astroimóvel ao Fundo Imoglobal, a Oardale, sociedade não residente usada pelo arguido RO… na parceria com o grupo SLN/BPN, alcançou um ganho de € 3.349.558,61, tendo em linha de conta os encargos do descoberto bancário, sem que tivesse investido quaisquer capitais próprios.
Porém, importa referir que o produto integral da venda realizada pela Oardale ao Fundo Imoglobal de 35% da Astroimóvel foi destinado ao pagamento do empréstimo (descoberto bancário) de que a Oardale havia beneficiado no âmbito da parceria estabelecida, bem como para “cobrir” outras responsabilidades da sua conta no BPN Cayman, ficando esta conta praticamente saldada:
- CD, vol. 13 - conta da Oardale BPN Cayman – (sublinhado amarelo nosso):


A propósito faz notar-se que a afectação dos terrenos da Astroimóvel, sitos na Rua Castilho, em Lisboa, à construção de um hotel, não constitui factor de valorização que pudesse influenciar o preço de venda ao Fundo porque, ao tempo, apenas estava prevista a construção de um edifício de escritórios que foi objecto de dois pedidos de licenciamento em 2001 e 2002.
Com efeito, só em 03.03.2003, foi apresentado um pedido de apreciação prévia para construção de um hotel, cujo projecto posteriormente apresentado ainda não estava aprovado em 23.09.2004.
Por outro lado, mesmo o projecto para a construção de um edifício de escritório que foi objecto de dois pedidos de licenciamento em 2001 e 2002 nunca foi aprovado:
- Apenso 33: 11\Doc. 22\Grupo Económico RO…\3. Operação Astroimóvel\WORX - Dez.08 - Hotel Castilho.PDF, pág. 41 pdf ou autos principais, vol. 65, fls. 22661 a 22665, págs. 27 a 31 pdf - expediente da Câmara Municipal de Lisboa que diz respeito ao Proc. n.º …/EDI/… da Astroimóvel e que tem por assunto “análise de antecedentes” e o local “Rua Castilho, nºs 64 a 66 e nºs 68 a 70”) do qual consta:
“1. Como antecedentes referem-se os seguintes processos:
1.1. O processo nº …/OB/… – referente a um edifício de escritórios, indeferido em 22.04.2002;
1.2. O processo n.º …/OB/… – referente a um edifício de escritórios, que não chegou a ter seguimento, tendo sido arquivado antes de ser concluído;
1.3. O processo nº …/ED/… – referente ao pedido de informação prévia, para instalação de um hotel de 5* estrelas, aceite”; (bold nosso)
- Apenso de busca 3, doc.02.XXXVI, págs. 717 a 720 (719) – 23.09.2004 – Acta de “Reunião da SLN Área da Hotelaria e Turismo” que, sob a epígrafe de “Astroimóvel – Rua Castilho”, refere que “ainda não se encontra aprovado o projecto pela Câmara Municipal de Lisboa”;
Tendo presente esta documentação é inequívoco que entre a data da aquisição da Astroimóvel (13.12.2000) pelas sociedades offshore Kinasol e Oardale e a data da venda da sociedade ao Fundo Imoglobal (31.12.2001) não ocorreu qualquer facto, circunstância ou condicionalismo que justificasse a valorização do terreno no montante de € 7.552.588,26.
Resumindo e concluindo:
Resulta, pois, que, entre 13.12.2000, data em que a Kinasol e a Oardale adquiriram a Astroimóvel por € 11.447.412,19, e 31.12.2001, data em que estas duas offshore venderam a sociedade ao Fundo Imoglobal por € 19.000.000,00, a Astroimóvel, cujo activo era constituído pelos terrenos na Rua Castilho, em Lisboa, foi artificialmente valorizada em € 7.552.588,26 em manifesto prejuízo do Fundo Imoglobal.
*
Feita a análise crítica do “negócio da aquisição da Astroimóvel” (factos 635º a 657º a pronúncia) importa, agora, fazer a mesma análise da factualidade conexa das contestações dos arguidos.
Inicia-se com a contestação (fls. 17854 a 17906) da arguida IC… (arts. 269º a 277º).
No art. 269º a arguida nega a generalidade dos factos da pronúncia.
O facto 270º, quanto à Kinasol, já consta dos factos provados da pronúncia (v. facto provado 604 da pronúncia).
Por isso, aquele facto e o parcial deste não foram vertidos na factualidade provada ou não provada da contestação da arguida.
Quanto à Oardale, já acima demos conta da falta de elementos probatórios que permitam concluir que o seu último beneficiário era o arguido RO….
A abordagem da arguida é diversa, i.e., o que afirma é que “à data da respectiva constituição, a sociedade Oardale tinha como sócio/beneficiário o Grupo SLN/BPN”.
Não obstante se desconhecer se as acções da sociedade eram ao “portador” ou nominativas, é certo que a conta bancária da sociedade foi aberta pelo grupo, as instruções bancárias sobre a conta foram do grupo e a sociedade serviu os interesses e objectivos do grupo, em parceria com o arguido RO….
Assim sendo, face às regras da experiência comum, da lógica e máximas da vida é de concluir que, pelo menos na data da sua constituição, o último beneficiário da Oardale era o grupo SLN/BPN (v. facto provado 82 da contestação).
Da análise crítica desenvolvida supra resulta a prova dos factos 271 a 273 da contestação (v. factos provados 83 a 85 da contestação), excluindo, quanto ao facto 271º, a expressão “unicamente” (v. facto não provado 66 da contestação), e isto face à ausência de prova de que a actuação da arguida, relativamente às sociedades Kinasol e Oardale, se tenha restringido ao que afirma nesse facto.
O mesmo raciocínio é válido no tocante ao invocado no facto 277º (v. facto não provado 70 da contestação).
Remete-se para o exposto supra no tocante à alegada transmissão da sociedade offshore para o arguido RO… (art. 274º da contestação; v. facto não provado 67).
Não se viu nos autos, nem a arguida na contestação indicou prova documental do invocado nos arts. 275º e 276º da contestação (v. factos não provados 68 e 69).
*
Prossegue-se com a contestação (fls. 16098 a 16236) do arguido RO… (arts. 134º a 137º e 215º a 278º).
Destes, não foram seleccionados para a factualidade provada ou não provada da contestação os seguintes factos, pelas razões indicadas infra:
- por serem manifestamente opinativos/explicativos (215º, 276º);
- por simplesmente negarem a prática de factos imputados ao arguido na pronúncia (215º, 219º);
- por se limitarem a tecer juízos de valor sobre a pronúncia ou sobre factos da pronúncia (216º, 273º);
- por serem manifestamente inócuos/irrelevantes (217º, 246º, 270º);
- por se limitarem a invocar um simples desconhecimento de factos da pronúncia (218º);
- por invocarem rumores/hipóteses (225º, 262º);
- por serem manifestamente conclusivos/valorativos (240º, 251º, 252º - quais terrenos?; 261º, 263º, 264º, 266º, 268º e 269º, 277º, 278º);
- por serem repetidos (243º, 267º);
- por se limitarem a fazer um resumo de factos da pronúncia (270º);
- por simplesmente fazerem uma análise crítica da prova e/ou da pronúncia (271º, 272º, 274º, 276º);
- por configurarem simples interrogações (275º);
No que concerne aos demais factos:
Relativamente aos factos 134º a 136º da contestação, remete-se para as declarações dos arguidos LC… e RO… já analisadas que, conjugadas com o teor do doc. n.º 16 junto com aquele articulado, permitem concluir pela demonstração dessa factualidade (v. factos provados 27 a 29 da contestação).
O facto 137º da contestação não é essencial, relacionando-se com a credibilidade do que antes havia sido afirmado.
Dos factos provados da pronúncia já se mostra suficientemente descrita a parceria imobiliária estabelecida entre o arguido RO… e o grupo SLN/BPN quanto ao negócio da Astroimóvel (35% para o arguido e 65% para o grupo), bem como as negociações estabelecidas entre o arguido e ASS…, anterior titular da sociedade, tendentes à aquisição desta sociedade (v. factos provados 600 a 609 da pronúncia).
São estes os factos essenciais e relevantes.
Nos arts. 220º a 236º da contestação o arguido RO… concretiza e circunstancia todos os contactos havidos, por um lado, entre si e o arguido OC… e, por outro, entre si e ASS…, que conduziram ao sucesso do pretendido, i.e., à aquisição da sociedade Astroimóvel em parceria com o grupo SLN/BPN.
Esta factualidade não acrescenta nada de essencial ou relevante àquela que já consta dos factos provados da pronúncia.
Por isso, não obstante se referir ao objecto do processo, entende-se não se justificar seleccioná-la para ser vertida na factualidade provada ou não provada da contestação.
Os factos 237º a 250º já dizem respeito à concretização/operacionalização da operação Astroimóvel.
Embora alguns factos se sobreponham aos factos provados da pronúncia, para total compreensão desta matéria, tem interesse a selecção dessa factualidade, excluindo um ou outro facto de natureza subjectiva ou conclusiva.
Relativamente à demonstração desses factos remete-se para os elementos probatórios elencados supra e para a análise crítica então realizada, salientando-se, além do mais, as declarações do arguido RO… que se apresentaram como sérias e credíveis e em consonância com aqueles elementos probatórios, logrando, por isso, o convencimento do Tribunal (v. factos provados 30 a 36).
Quatro notas/precisões:
O art. 248º da contestação parte do pressuposto que as sociedades offshore Kinasol e Oardale “não haviam sido constituídas especificamente” para a operação/negócio da Astroimóvel.
Porém, como vimos, face às datas de abertura das contas bancárias destas sociedades no BPN Cayman, e perante os primeiros movimentos bancários realizados nessas contas, é de concluir, pelo contrário, que as sociedades foram constituídas para esta operação, embora, posteriormente, possam ter sido intervenientes noutras operações.
Partindo o facto em questão da contestação de um pressuposto errado, fica prejudicada a sua inclusão na factualidade provada ou não provada.
Não se vislumbrou prova cabal do alegado no art. 249º da contestação, até porque os contratos foram subscritos pelos directores fiduciários em representação da Kinasol e da Oardale (v. vol. 16 do processo, fls. 6300 a 6303, págs. 49 a 52 pdf), nem se vislumbrou, nos autos, as “procurações” a que alude o arguido (v. facto não provado 5 da contestação).
Não se demonstrando a existência das “procurações” fica prejudicado o alegado no facto 250º da contestação.
Os factos 253º a 260º da contestação do arguido dizem respeito, em parte, ao negócio “Euroamer”, não abordado na pronúncia, e, noutra parte, às diligências realizadas pelo arguido em ordem à valorização do terreno da Rua Castilho (aprovação pela C.M.L. de um projecto de construção de um hotel).
Já vimos que este projecto foi aprovado no ano de 2004.
O objecto da pronúncia cinge-se ao período compreendido entre 13.12.2000 a 31.12.2001 (art. 657º).
Por isso, como já se teve oportunidade de referir no despacho de fls. 31812 e segs. do vol. 96 do processo, o que importa saber são os acontecimentos daquele período que terão levado ou justificado a valorização do terreno/sociedade Astroimóvel em mais de 7 milhões de euros.
Consequentemente, face ao objecto da pronúncia, a matéria dos arts. 253º a 260º da contestação não tem interesse para a descoberta da verdade material, cabendo só salientar, novamente, que naquele período não se verificou qualquer circunstância, nem ocorreu qualquer acontecimento, que tivesse justificado a valorização do terreno/sociedade naquele montante.
Com efeito, a Câmara Municipal de Lisboa, nesse período, não aprovou a construção de edifício de escritórios para o terreno e a aprovação da construção de um hotel só se verificou no ano de 2004.
Tendo-se concluído que a sociedade Astroimóvel aquando da sua venda ao Fundo Imoglobal não valia 19 milhões de euros, por maioria ou identidade de razão também não podia valer entre 20 a 22 milhões de euros (art. 265º da contestação; v. facto não provado 6 da contestação).
*
Voltando à pronúncia e também à “Nova Validus”, abordar-se-ão de seguida os factos 658º a 672º relativos à “aquisição da Nova Validus pela Groundsel”.
A questão central que se coloca relativamente a esta matéria é se a Groundsel, sociedade offshore do arguido RO…, foi ou não financiada para a aquisição da “Nova Validus” que resultou da cisão e divisão do património da Validus, S.A..
Vejamos, antes de mais, o contrato:
Em 29.12.2000, a SLN, Investimentos, representada pelos arguidos LM… e LAl…, vendeu a totalidade do capital social da Nova Validus à Groundsel, representada pelo seu último beneficiário, o arguido RO….
Esta sociedade offshore havia sido adquirida, a 07.09.2000, pelo arguido RO… ao arguido JAu….
O preço global ajustado foi de 738.614.625$00 que correspondia:
Em 33.232.370$00 às acções representativas do capital social da Nova Validus.
Na parte restante de 705.382.255$00 a suprimentos, sendo que estes se decompunham em duas parcelas: uma de 241.767.630$00, conforme projecto de cisão atrás referido, e outra de 463.614.625$00, valor que é igual ao preço de aquisição de 1.250.000 acções da SLN.
Nos termos deste contrato, que o arguido RO… assumiu que assinou, aquele preço, na parte de 570.000.000$00, foi declarado como já pago, devendo o remanescente, 168.614.625$00, ser pago no prazo de 60 dias.
Documentação relevante:
- Apenso temático S, vol. 1, fls. 136 a 145 (140), págs. 137 a 146 pdf – 28.12.2000 - Escritura da cisão da Validus, representada pela arguida IM…, que descreve o activo imobilizado corpóreo, integrado pelo prédio urbano constituído por moradia de quatro pisos, sete arrecadações e uma garagem, com a área coberta de 446,25 m2 e logradouro com a área de 1.553,75 m2, sito na Av. do Brasil, em Cascais, com o valor contabilístico de 252.767.630$00 como consta do projecto de cisão;
 - Apenso S, vol. 1, fls. 161 a 175 (173) – Setembro de 2000 - Projecto de cisão da Validus para a Nova Validus, com o passivo de 241.767.630$00;
- Processo, vol. 19, fls. 7709 a 7715, pág. 157 a 163 – certidão permanente do registo comercial da “Nova Validus” (Validus – Imobiliária e Investimentos, S.A.);
- Apenso temático S, vol. 1, fls. 186 a 188, págs. 187 a 189 ou processo vol. 19, págs. 137 a 139 – 29.12.2000 - contrato de compra e venda entre a SLN Investimentos, como vendedora, representada pelos arguidos LM… e LAl…, e a Groundsel, representada pelo arguido RO…, da totalidade das acções da Nova Validus pelo preço de 33.232.370$00 e transmissão de suprimentos no montante de 705.382.255$00.
Tenha-se presente que quando foi feita esta transmissão o activo da Nova Validus era composto (v. teor do contrato) pelos seguintes bens:
- 11.000 acções ao portador no valor de 33.232.270$00;
- o prédio urbano sito em Cascais, na Avenida do Brasil; e
- 1.250.000 acções da SLN, SGPS, S.A.;
Ou seja, quando a Nova Validus foi transmitida à Groundsel, sociedade offshore do arguido RO…, veio “carregada” com os bens resultantes do acordo estabelecido entre este arguido e o arguido OC… no âmbito da aquisição do imóvel sito na R. D. João V para o grupo SLN/BPN (matéria analisada supra).
Os fluxos financeiros alegadamente respeitantes à aquisição da Nova Validus pela Groundsel:
1. 570.000.000$00:
Apenso bancário 65, fls. 3 – conta titulada pela Kinasol no BPN Cayman – 29.12.2000 – movimento a débito de 570.000.000$00 a descoberto;
1.1. Apenso bancário 136, fls. 50 – Conta titulada pela Groundsel no BPN Cayman – 29.12.2000 - movimento a crédito de 570.000.000$00;
- CD, vol. 13 (primeiros dois movimentos – sublinhado amarelo nosso):

(Imagem removida)

1.2. Apenso bancário 136, fls. 50 – conta titulada pela Groundsel no BPN Cayman – 29.12.2000 – movimento a débito de 570.000.000$00;
- CD, vol. 13 (movimentos dois e três – sublinhado amarelo nosso):



1.3. Apenso bancário 132, fls. 28 – conta titulada pela SLN Investimentos no BPN, SA – 29.12.2000 – Movimento a crédito de 570.000.000$00 com descritivo “transferência”;
2. 168.614.625$00:
A 2ª prestação do preço da compra da Nova Validus pela Groundsel à SLN Investimentos, no montante de 168.614.625$00, só foi paga um ano depois, em 31.12.2001, e não no prazo de 60 dias contratualmente ajustado, com base no crédito da correspondente quantia na conta da Groundsel, no BPN Cayman, proveniente da conta da Oardele, no BPN Cayman, quando esta Oardale vendeu 36% da Astroimóvel ao Fundo Imobiliário Imoglobal e realizou as mais-valias que atrás se contabilizaram:
2.1. Apenso bancário 64, fls. 4 – conta titulada pela Oardale no BPN Cayman – 31.12.2001 – movimento a débito de € 841.046,20, correspondente a 168.614.625$00;
2.2. Apenso bancário 136, fls. 50 – conta titulada pela Groundsel no BPN Cayman – 31.12.2001 – Movimentos a crédito de € 841.046,20, correspondente a 168.614.625$00;
2.3. Apenso bancário 136, fls. 50 - conta titulada pela Groundsel no BPN Cayman – 31.12.2001 – Movimentos a débito de € 841.046,20, correspondente a 168.614.625$00;
- CD, vol. 13 (os três movimentos ora mencionados – sublinhado amarelo nosso):

(Imagem removida)

2.4. Apenso bancário 132, pág. 53 – 31.12.2001 - conta titulada pela SLN, Investimentos, no BPN, SA – movimento a crédito de € 841.046,20, correspondente a 168.614.625$00;
Como sobredito, a questão central que se coloca relativamente a esta matéria é a de saber se a Groundsel, sociedade offshore do arguido RO…, foi ou não financiada para a aquisição da “Nova Validus” que resultou da cisão e divisão do património da Validus, S.A., designadamente no montante de 570.000.000$00.
A testemunha EMo… (inspectora tributária que fez parte da equipa de investigação nos presentes autos), a única que se pronunciou sobre esta matéria, sustentou em julgamento que ocorreu um financiamento.
Já o havia feito no relatório junto aos autos (v. apenso temático AE, fls. 29, pág. 30 pdf), onde consta:
O “primeiro pagamento, de 570.000.000$00, foi efectuado a 29-12-2000, tendo os fundos necessários para esta operação sido creditados na conta da Groundsel por débito na conta da Kinasol, ou seja, a operação foi financiada pela Kinasol, sendo esta última uma offshore cujo beneficiário é a SLN, SGPS”. (bold nosso)
Porém, uma outra testemunha que também fez parte da investigação nos presentes autos, designadamente ROt… (inspectora tributária), num relatório da DSIFAE elaborado no âmbito do processo n.º …/…TELSB avançou uma explicação potencialmente diversa.
Este relatório foi junto pelo arguido RO…, encontrando-se a respectiva certidão no vol. 174, fls. 52435 a 52461, págs. 219 a 242 dos presentes autos.
Dele (relatório) consta (sublinhado amarelo nosso):
“Em 28.12.2000, foram celebrados os seguintes três contratos de compra e venda de acções da Soc. Palácio das Águias (anexo 3 – Documento 1.9. da Busca 13):

     (…).
Salienta-se que o preço das acções vendidas neste dia, 28.12.2000, foi ao valor nominal, à excepção das 2.500 acções que a Groundsel vendeu à Kinasol, ou seja, a Groundsel obteve uma mais-valia de EUR 2.840.648,01, isenta de impostos, uma vez tratar-se de uma sociedade offshore.
(…).
O pagamento do preço das 2.500 acções, no valor de PTE 570.000.000, foi efectuado pela Kinasol através de transferência bancária, com data-valor de 29.12.2000 a descoberto da sua conta n.º … (Apenso Bancário XXVIII) para a conta n.º … titulada pela Groundsel (Apenso Bancário XLIX), ambas junto do BPN Cayman.
Refira-se que na mesma data-valor, 29.12.2000, esta importância foi transferida pela Groundsel para a SLN Investimento para pagamento de parte do preço da aquisição da sociedade VALIDUS - Imobiliária e Investimentos, SA., conforme matéria já abordada no Inquérito NUIPC …/…TDLSB”. (inquérito que corresponde a estes autos).
“De salientar que esta operação apresenta contornos potencialmente suspeitos relativamente à sua veracidade e genuinidade uma vez que a Kinasol nunca registou a aquisição destas acções na sua contabilidade, tendo considerado a importância paga de PTE 570.000.000 como custo do exercício (donativos?!) com os seguintes descritivos: "Pagamento Extra (Cascais -R.0.) - PTE 270. 000.000 e Pagamento Extra (R. D. João V- R. 0.) - PTE 300. 000. 000". Ainda nas notas aos Resultados consta que os referidos pagamentos "estão titulados por um contrato de compra de 5% do capital da sociedade "Palácio das Águias'"' (Anexo 3-A - Apenso de Busca 25).
(…).
Em 21.05.2001, foi celebrado um contrato de compra e venda de 2.500 acções da Soc. Palácio das Águias (Anexo 5 - a folhas 5177 -11º volume) entre a sociedade offshore Kinasol Assets Limited, como entidade vendedora, e a sociedade Peake lnvestments LLC, na qualidade de compradora, pelo preço de PTE 570.000.000 (EUR 2.843.148,01).
Da análise às contas da PEAKE e KINASOL (Apensos Bancários Lll e XXVIII, respectivamente), constatou-se que não se realizaram quaisquer pagamentos relativos a esta transacção.”
Que dizer?
A mesma equipa de investigação, em dois processos distintos, formula hipóteses contraditórias entre si relativamente aos mesmos factos.
Nos presentes autos, no identificado relatório, bem como através das declarações da testemunha EMo…, sustentou-se que parte do preço (570.000.000$00) da venda realizada pela SLN Investimentos à Groundsel da totalidade das acções da Nova Validus, foi pago com fundos disponibilizados pela sociedade Kinasol.
No proc. n.º …/…TELSB, no identificado relatório, embora com carácter “suspeito” relativamente à sua “veracidade e genuinidade”, admitiu-se:
(i) Em 28.12.2000 a Groundsel vendeu à Kinasol 2.500 acções do Palácio das Águias pelo preço de 570.000.000$00;
(ii) A Kinasol pagou esta aquisição a 29.12.2000, mediante uma transferência a débito e descoberto da sua conta no BPN Cayman para a conta da Groundsel no BPN Cayman;
(iii) Creditados os 570.000.000$00 na conta da Groundsel esta sociedade, no mesmo dia, transferiu igual montante para a conta da SLN Investimentos para pagamento de parte do preço da Nova Validus que havia sido adquirida pela Groundsel à SLN Investimentos;
Ou seja, num lado (nosso processo), advoga-se a ausência de qualquer contrato subjacente, logo, um empréstimo ou “saque” de fundos para pagamento do preço de uma aquisição.
Do outro (proc. …/…TELSB) admite-se a existência de um contrato subjacente que suporta a transferência inicial de 570.000.000$00 da Kinasol para a Groundsel.
As declarações dos arguidos a propósito desta matéria:
O arguido LC… declarou que “a Kinasol não ofereceu 570 mil contos, pelo contrário, comprou um activo pelo mesmo valor (Palácio das Águias)”, ou seja, defendeu versão igual à do relatório da DSIFAE constante do identificado processo.
O arguido RO… no âmbito de um direito que lhe assiste, declarou que não pretendia pronunciar-se sobre a matéria dos arts. 664º a 671º da pronúncia “porque é matéria pela qual está a ser julgado no processo 121 em que há uma versão completamente diferente”.
A convicção do Tribunal face aos elementos probatórios constantes dos autos:
Já tivemos oportunidade de concluir que a Nova Validus foi transmitida/entregue ao arguido RO…, com o respectivo activo (1.250.000 acções da SLN SGPS, S.A. e o imóvel da Avenida do Brasil, no Estoril), na sequência do acordo estabelecido com o arguido OC… no âmbito da aquisição para o grupo SLN/BPN do imóvel da R. D. João V, em Lisboa, prédio que foi vendido pelo arguido RO… ao grupo pelo preço de 950.000.000$00, embora na respectiva escritura pública de compra e venda esteja declarado o preço de 350.000.000$00.
Ou seja, a Nova Validus seria entregue ao arguido RO… sem que este tivesse que despender quaisquer quantias próprias para esse efeito.
Logo, o contrato de compra e venda entre a Groundsel e a SLN Investimentos da totalidade do capital social da Nova Validus visou apenas titular formalmente o acordo obtido entre os arguidos OC… e RO…, i.e., colocar na titularidade deste último, designadamente na sociedade offshore Groundsel da qual era o último beneficiário, a totalidade do capital social da Nova Validus e respectivo activo (prédio da Av. do Brasil, em Cascais e as 1.250.000 acções da SLN SGPS).
O acordo alcançado entre os arguidos OC… e RO… de certo modo pode considerar-se sigiloso ou confidencial.
Para todos os efeitos, havia um preço declarado numa escritura pública que não correspondia ao preço real acordado.
Por isso, era necessário titular de algum modo o negócio que havia sido acordado verbalmente, em moldes distintos.
A segurança jurídica assim o impunha, por um lado, e, por outro, só deste modo é que o RO… ficaria titular da sociedade Nova Validus e dos seus activos (os identificados).
Este desiderato foi alcançado com o referido contrato de compra e venda entre a Groundsel e a SLN Investimentos da totalidade do capital social da Nova Validus.
Porém, com vista a fazer corresponder a titularidade formal da Nova Validus ao acordo estabelecido entre os arguidos OC… e RO… e dar a aparência de que se tratava efectivamente de uma compra e venda da totalidade do capital social da Nova Validus, impunha-se a realização dos pertinentes movimentos financeiros/bancários.
Movimentos financeiros/bancários que se traduzem naqueles que foram elencados supra.
As regras da experiência comum, da lógica e máximas da vida permitem, sem dúvida alguma, com base nos elementos probatórios até ao momento enunciados, concluir no sentido ora apontado.
No entanto, ainda se dirá
mplementará:
Note-se que os 570.000.000$00 mantiveram-se sempre na órbita do grupo SLN/BPN.
Saíram da conta da sociedade offshore Kinasol e aportaram à SLN Investimentos, ambas pertencentes ao grupo SLN/BPN.
Não houve, nesta parte, qualquer dispêndio da Groundsel, nem podia haver, face ao acordado entre os arguidos OC… e RO….
No entanto, mesmo os 570.000.000$00 que saíram da conta da Kinasol, no BPN Cayman, tinham que ter um justificativo formal.
Justificativo que foi alcançado por meio da outorga do contrato entre a Kinasol e a Groundsel pelo qual esta sociedade vendeu e aquela comprou 2.500 acções do Palácio das Águias pelo preço de 570.000.000$00.
O preço da compra e venda das 2.500 acções do Palácio das Águias foi ficcionado e visava apenas dar cobertura formal à saída dos 570.000.000$00 da conta da Kinasol para a conta da Groundsel.
Foi ficcionado porque:
Não se compreenderia que 2.500 acções do Palácio das Águias fossem vendidas pelo preço de € 2.843.148,01 (570.000.000$00) e, no mesmo dia, 31.875 e 16.900 acções fossem, respectivamente, vendidas pelo valor nominal, ou seja, € 31.875,00 e € 16.900,00 (v. quadro supra).
No “esquema” das operações atinentes à aquisição da Validus e posterior cisão e venda da Nova Validus pela SLN Investimentos à Groundsel (processo, vol. 95, fls. 31653 a 31666, págs. 197 a 210 pdf (204), manuscrito pelo arguido LC…, já se previa esta operação meramente formal.
Com efeito, além do mais, consta dele:
“5) Venda das acções e suprimentos da Validus à Groundsel por 738.614.625$00.
Recebe 570.000, Groundsel fica a dever 168.614.625$00.
Kinasol vai comprar acções da empresa X a RO por 570.000 contos.”
Isto é, como se verificou, a SLN Investimentos recebeu 570.000.000$00 e a Groundsel ficou a dever à SLN Investimentos 168.614.625$00.
Por outro lado, a Kinasol comprou 2.500 acções do Palácio das Águias (“empresa X”) ao arguido RO…, designadamente à Groundsel, pelo preço de 570.000.000$00.
Relevante, afigura-nos ainda o seguinte documento:
- Apenso 33:1-Anexo A\TRAT\6\Pen-ScanDisk-Cruzer-Mini-2GB\DOCS\C\2. Grupo Offshore\30_OFFSHORE\00.1_Consolidado\Consolidado\31-12-2000\07_Contas investimentos_31-12-2000.xls (nas propriedades informáticas este documento tem como autor “LC…”, i.e., o arguido LC…, e como última gravação “LG…”, ou seja, o arguido LG…):
Na folha “D.Resultados” (Demonstração de resultados), linhas 68 e 69, coluna da “Kinasol” constam dois valores, designadamente “270.000” e “300.000”, cuja soma perfaz 570.000.
Por sua vez, na linha 74, mesma coluna, consta o valor de “-584.332.576”, com uma nota, a vermelho (para abri-la é necessário passar o “cursor” por cima da nota) com o seguinte descritivo: “LC…: 570.000.000 pgto RO contrato «Palácio das Águias”, o que significa uma nota do arguido LC…, ou por si indicada, com o significado 570.000.000 pagamento RO… contrato Palácio das Águias.
Por sua vez, na folha “Notas”, além do mais, constam duas com os n.ºs 18 e 19 do seguinte teor:
- referente ao valor de 270.000 (“Pagamento Extra (Cascais - R.O.)” da nota 18 consta: “Pagamento da participação na Mais Valia do terreno de Cascais a RO”;
- referente ao valor de 300.000 (“Pagamento Extra (R. D. João V - R.O.)” da nota 19 consta: “Pagamento extra a RO da moradia da R. D. João V. Este pagamento e o anterior estão titulados por um contrato de 5% do capital da sociedade “Palácio das Águias” que será revendido no futuro com prejuízo. No balanço consolidado esta participação tem valor zero”.
Ou seja, do teor deste documento resulta, inequivocamente, face ao valor que é atribuído a esta participação, que a venda das 2.500 acções do Palácio das Águias pela Groundsel à Kinasol, pelo montante de 570.000.000, foi ficcionada/simulada e visou unicamente titular a transferência deste valor da Kinasol para a Groundsel e, por fim, desta sociedade, para a SLN Investimentos.
O documento que se tem vindo a analisar tem igualmente relevo noutra perspectiva.
Revela, de facto, um pagamento “extra” ao arguido RO… no montante de 570.000.000$00, ou seja, um pagamento não declarado/titulado.
A tese da pronúncia assenta, por um lado, no pressuposto de que este pagamento extra resultou da disponibilidade do arguido RO… em permitir que a Nova Validus servisse como veículo transitório de transferência das acções de 1.250.000 acções da SLN SGPS para a SLN Valor, em ordem a aumentar o controlo accionista do grupo SLN/BPN e, por outro, no interesse do grupo na aquisição de imóveis que eram detidos, ou que estavam na esfera de intermediação, pelo arguido RO… (imóvel da R. D. João V, em Lisboa, e terreno da Rua Castilho, em Lisboa, pertença da sociedade Astroimóvel).
A defesa do arguido RO… assenta em pressupostos diversos.
Na verdade, sempre sustentou que ocorreu um pagamento extra por comparação com o declarado/escriturado.
E esse pagamento diz respeito, na óptica da defesa, ao prédio da R. D. João V, adquirido pelo grupo SLN/BPN pelo valor de 950.000.000$00, mas escriturado pelo montante de 350.000.000$00.
Já vimos que a tese da pronúncia se apresenta como ilógica e irracional.
Ademais, o documento ora indicado suporta, por inteiro, o que o arguido RO… sempre defendeu nas declarações prestadas em sede de Julgamento.
Isto é:
Pela venda daquele imóvel recebeu a quantia de 350.000.000$00 (valor declarado na escritura) por meio de cheque.
Faltava o pagamento de 600.000.000$00 (950.000.000$00 – 350.000.000 = 600.000.000$00).
A parte restante do preço seria paga pela transmissão de uma sociedade, com um activo de 600.000.000$00 (capital social, imóvel da Avenida do Brasil, em Cascais, e 1.250.000 acções da SLN SGPS).
Os valores parcelares destes activos são:
- 33.232.370$00 (totalidade das acções da Nova Validus);
- 463.614.625$00 (1.250.000 acções da SLN SGPS, S.A.); e
- 100.000.000$00 (valor do imóvel da Avenida do Brasil, em Cascais, o qual foi acordado entre os arguidos OC… e RO…).
A soma destas parcelas perfaz o montante global de 596.846.995$00, i.e, praticamente o montante de 600.000.000$00 que o arguido RO… sempre referiu que não foi declarado/escriturado pela venda ao grupo do imóvel da R. D. João V, em Lisboa, que, posteriormente, viria a ser as instalações do Private Banking do BPN e de uma agência desta instituição bancária.
A aritmética também pode ser vista sob um outro prisma, obtendo-se resultados iguais:
O pagamento extra foi de 570.000.000$00.
Para perfazer o preço acordado (950.000.000$00) pela venda do imóvel da R. D. João V ao grupo SLN/BPN faltava o pagamento da quantia de 380.000.000$00 (950 – 570 = 380).
O arguido RO… recebeu a quantia de 350.000.000$00 por meio de cheque aquando da outorga da escritura pública de compra e venda do imóvel.
Deste modo, para perfazer o montante acordado (950.000.000$00), faltaria o pagamento da quantia de 30.000.000$00 (380 – 350 = 30).
O arguido nada pagou pela transferência das acções representativas do capital social da Nova Validus e sempre defendeu que isso ocorreu de modo a completar-se o preço real da venda do imóvel da R. D. João V..
Ora, as acções representativas do capital social da Nova Validus tinham o valor de 33.232.370$00, ou seja, um valor muito próximo daqueles 30.000.000$00.
Daqui resulta que a defesa que o arguido apresentou em sede de Julgamento encontra-se em total conformidade com os documentos constantes dos autos e que têm vindo a ser indicados e analisados.
Por isso se afirmou supra que as suas declarações se apresentaram sérias e credíveis logrando convencer o Tribunal quanto à sua veracidade.
Da motivação dos arts. 658º a 672º da pronúncia, conjugada com a motivação dos arts. 599º a 657º do mesmo articulado, é de concluir, pois, que não foi concedido ao arguido RO… qualquer financiamento para ficar titular da sociedade Nova Validus e do seu activo (arts. 658º a 661º da pronúncia; v. não provados 216 a 219).
O capital social desta sociedade, bem como seu activo, foi simplesmente transferido para a titularidade do arguido RO…, i.e., para a Groundsel, sociedade de que era o último beneficiário, em cumprimento do que havia sido acordado entre si e o arguido OC… no âmbito da compra e venda do imóvel da R. D. João V, em Lisboa.
Os factos 662º a 670º da pronúncia reflectem simplesmente os actos formais (contrato) e movimentos financeiros/bancários/contabilísticos em ordem a operar-se a correspondência com o que havia sido acordado entre os arguidos OC… e RO…, com conhecimento e a participação do arguido LC… (v. factos provados 621 a 630 e factos não provados 220 a 222).
Esses actos inserem-se na “série de actos contratuais” a que alude o art. 619º da pronúncia (v. facto provado 588).
Consequentemente, a nível da participação subjectiva (arguidos que praticaram os actos materiais em ordem à transmissão da Nova Validus para a titularidade do arguido RO… através da Groundsel da qual era o último beneficiário) remete-se para a motivação desenvolvida supra a este propósito.
*
Passemos, agora, à matéria das contestações dos arguidos que está relacionada com os arts. 658º a 672º da pronúncia.
Os factos da contestação (fls. 17854 a 17906) da arguida IC… são constantes dos arts. 278º a 282º.
No art. 278º a arguida simplesmente nega o teor dos arts. 658º e 663º da pronúncia.
No art. 279º invoca tão só o desconhecimento dos factos 659º a 662º e 664º a 672º da pronúncia.
O art. 281º resume-se a um “estado de espírito” (“não recorda ter exercido”).
O afirmado no art. 282º é meramente hipotético (“a ter praticado, em nome da Kinasol”).
Por isso, estes factos não foram traduzidos na factualidade provada ou não provada.
No restante (art. 280º da contestação):
O último beneficiário da Groundsel era o arguido RO….
Não se vislumbrou nenhum contrato em que a arguida tivesse representado esta sociedade.
Consequentemente conclui-se que a arguida não praticou quaisquer actos em representação da sociedade Groundsel (v. facto provado 86 da contestação).
Tal não significa, obviamente, que a arguida não tivesse aderido e participado no desiderato pretendido de transmissão das acções da Nova Validus para o arguido RO… (v. facto provado 621 da pronúncia).
*
Os factos da contestação (fls. 16098 a 16236) do arguido RO… também relacionados com aquela matéria da pronúncia são os que constam dos arts. 181º a 190º.
Já se justificou porque os factos 183º a 191º não foram levados aos factos provados ou não provados.
O mesmo se verifica quanto aos factos 181º e 182º.
No primeiro, o arguido formula um juízo de valor sobre a pronúncia.
No segundo, limita-se a fazer um resumo de um facto da pronúncia e formular um novo juízo de valor quanto à “desconsideração” que o M.P. terá tido pela versão por si apresentada ao longo do processo.
*
Ainda no âmbito deste tema abrangente da Validus seguem-se os arts. 673º a 687º da pronúncia sob a epígrafe “financiamento da Validus para proceder à liquidação financeira das acções da SLN SGPS”.
É, em termos estruturais, em tudo semelhante ao tema acabado de analisar.
O que agora está em causa são as 1.250.000 acções da SLN SGPS, S.A., activo que, em 29.12.2000, foi transmitido pela SLN Investimentos à Groundsel (v. contrato supra identificado constante do apenso temático S, vol. 1, fls. 186 a 188, págs. 187 a 189 pdf ou processo, vol. 19, fls. 7689 a 7691, págs. 137 a 139 pdf).
Para uma correcta análise crítica dessa factualidade recorde-se o pressuposto base que já resultou provado a nível da matéria da contestação do arguido RO… (v. factos provados 8 a 15):
O arguido OC… acordou com o arguido RO… na aquisição para o grupo o imóvel da R. D. João V, nos seguintes termos:
O BPN adquiria esse imóvel pelo valor de Esc. 950.000.000$00, sendo o pagamento feito nos seguintes moldes:
(i) Parte do preço em cheque ou transferência bancária (mais precisamente o montante de Esc. 350.000.000$00); e
(ii) Parte através da entrega das acções de uma sociedade, que o arguido OC… disse ter activos no valor de cerca de Esc. 600.000.000$00, a saber:
a) Um imóvel na Av. do Brasil, n.º 1, no Estoril; e
b) Acções da SLN – SGPS, SA;
O negócio de venda do Palacete da Rua D. João V, em Lisboa, veio a formalizar-se em 20/02/2001 nesses moldes.
De facto, o preço foi pago nos termos seguintes:
- (i) Esc. 600.000.000$00 através da entrega, em 29 de Dezembro de 2000, de uma sociedade comercial (a Nova Validus) cujos activos tinham o dito valor, conforme acordado entre os arguidos OC… e RO…, designadamente:
a) Imóvel sito na Av. do Brasil, Rua Particular, Lote Um, no Estoril, pelo valor de Esc. 100.000.000$00 (cerca de € 500.000,00);
b) Acções da SLN SGPS, SA em montante necessário para perfazer Esc. 500.000.000$00;
- (ii) Esc. 350.000.000$00 em 20/02/2001, através de cheque nesse montante emitido pelo BPN Imonegócios a favor da sociedade Altos Voos, Ld.ª;
Tenha-se também presente (v. factos provados 25 e 26 da contestação do arguido):
O volume necessário de acções para perfazer aquele valor de Esc. 500.000.000$00 era de 1.250.000 acções da SLN – SGPS, SA à razão de € 2,00 (grosso modo € 2.500.000,00).
Quando o negócio foi “fechado” entre os arguidos OC… e RO… – por volta de Outubro do ano de 2000 – foram carregadas na sua conta pessoal 1.250.000 acções da SLN SGPS, S.A., mais precisamente a 31.10.2000 (v. factos provados 580 e 581 da pronúncia).
Estas 1.250.000 acções da SLN SGPS, S.A., colocadas na conta pessoal de títulos do arguido RO…, não representavam nada mais do que o cumprimento do acordado.
Considerando que ainda não tinha ocorrido a cisão e divisão de património da Validus, nem tinha sido constituída a Nova Validus resultante dessa cisão, não se mostrava viável, à data, colocar as acções na titularidade desta sociedade.
Por isso, elas foram carregadas na conta pessoal do arguido, como vimos, para “sinalizar” o negócio e dar garantias de que ele se ia concretizar.
Vejamos, agora, os movimentos financeiros/bancários relativos às 1.250.000 acções da SLN SGPS, S.A..
Em termos formais, como já tivemos oportunidade de referir e indicar os elementos probatórios pertinentes, para os quais se remete, em 31.10.2000, o arguido RO…, no âmbito duma oferta de venda particular de acções próprias da SLN SGPS, S.A., adquiriu à Emka, então offshore do grupo SLN/BPN, 1.250.000 acções, pelo valor unitário de € 1,85, tendo a sua conta de títulos sido carregada com aquelas acções na mesma data.
A conta da sociedade vendedora Emka, no BPN, S.A., foi creditada pelo montante de € 2.312.500,00 (correspondente a 463.614.625$00), quantia que está englobada no crédito de 1.257.517.952$00 que corresponde ao valor total das vendas das acções da Emka ao preço de € 1,85, cada uma.
Nessa altura, o arguido RO… não fez qualquer pagamento (nem tinha que fazer em virtude de as acções fazerem parte do “pacote” do negócio do imóvel da R. D. João V), ficando aquele valor numa denominada conta contabilística de regularização sujeita a regularização dentro do mesmo exercício:
- Apenso de busca 7, doc. 05.34, pág. 503 ou apenso temático AE, anexo 1, pág. 36 - 31.10.2000, 29.12.2000 e 30.11.2001 – extracto do CAF de RO… com o primitivo carregamento de 1.250.000 acções, depois, com a venda dessas acções à Validus e, finalmente, com a venda das mesmas acções à SLN Valor;
- Processo, vol. 19, fls. 7799, pág. 248 pdf – 31.10.2000 - carregamento da aquisição de 1.250.000 acções da SLN, SGPS a favor do arguido RO…;
- Apenso de busca 7, doc. 05.34, pág. 485 – Tracing da transferência de 1.250.000 acções da SLN, SGPS, para a SLN Valor;
- Processo, vol. 107.1, fls. 34.831 a 34833, págs. 163 a 165 pdf ou CD, vol. 107.1, fls. 34862 – Extracto da conta da Emka, no BPN, S.A., com crédito de 1.257.517.952$00, que corresponde ao valor recebido pelas vendas globais de acções da SLN, SGPS na oferta particular de venda de acções de 31.10.2000 (a conjugar com o documento que se segue);
- Apenso de busca 21, doc. 9, pág. 98 ou apenso temático AE, anexo 1, pág. 35 – quadro geral de compras e vendas no âmbito da oferta particular de venda de 31.10.2000, com accionistas oferentes e accionistas adquirentes, que inclui as quantidades e preços das vendas da Emka;
Em 29.12.2000, como vimos, foi outorgado o contrato formal de compra e venda das acções da Nova Validus, entre a SLN Investimentos e a Groundsel (v. contrato identificado supra).
Nesse contrato faz-se referência que os activos, além do (i) imóvel de Cascais, eram constituídos por (ii) direitos de crédito sobre a Nova Validus no montante de 705.382.255$00 (241.767.630$00 de suprimentos que lhe couberam na cisão e 463.614.625$00 de novos suprimentos destinados a comprar as 1.250.000 acções da SLN, SGPS, S.A.) e um (iii) conjunto de 1.250.000 acções da SLN SGPS, S.A..
Por isso, na mesma data (29.12.2000), e após ter sido aberta a conta bancária da Nova Validus (também após ter ocorrido o processo de cisão e divisão do património da Validus), a conta bancária n.º … titulada pela Nova Validus, no BPN, S.A., foi creditada pelo montante de 463.614.625$00:
- Apenso bancário 135, fls. 19 (conta titulada pela Nova Validus, no BPN, S.A.) – 29.12.2000 – o identificado movimento a crédito que corresponde ao primeiro movimento da conta;
Este crédito teve como origem uma transferência a débito, na mesma data e de igual montante, da conta n.º … titulada pela SLN Investimentos, SGPS, S.A:
- Apenso bancário 132, fls. 38 (conta titulada pela SLN Investimentos, no BPN, S.A.) – 29.12.2000 – movimento a débito de 463.614.625$00;
Creditada que estava, então, a conta da Nova Validus com este montante, com data-movimento de 29.12.2000, mas data-valor de 31.10.2000, a mesma conta foi debitada pelo montante de 463.614.625$00:
- Apenso bancário 135, fls. 19 (conta titulada pela Nova Validus, no BPN, S.A.) – data-valor 29.12.2000 – movimento a débito que corresponde ao segundo movimento da conta;
Esta quantia que foi debitada da conta da Nova Validus foi transferida para a conta n.º 118405 titulada pelo arguido RO…, no BPN, S.A..
Nesta conta, foram então lançados dois movimentos no montante de 463.614.625$00, com data-movimento de 29.12.2000 e data-valor de 31.10.2000, um a crédito e outro a débito, este último correspondente à aquisição de 1.250.000 acções da SLN, SGPS, S.A.:
- Apenso bancário n.º 131-B - conta titulada pelo arguido RO… no BPN, S.A. – (sublinhado amarelo nosso):


Em termos de recursos pessoais despendidos pelo arguido RO… a operação foi neutra.
Na verdade, a transferência da SLN Investimentos para a Nova Validus a título de prestação de suprimentos permitiu, por um lado, que esta sociedade tivesse pago 1.250.000 acções da SLN SGPS, S.A., que, em 31.10.2000, haviam sido colocadas na conta pessoal do arguido RO…, através de uma transacção com a sociedade offshore Emka e, por outro, que essas acções tivessem sido colocadas na titularidade da Nova Validus.
Aliás, neste sentido pronunciou-se o arguido LC… quando, em resumo, referiu:
A SLN Investimentos fez esta transferência para a Validus.
 Antes de vender a Validus a RO…, a Validus comprou as acções da SLN e a SLN Investimentos fez um suprimento nesse montante à nova Validus.
A SLN fez este suprimento à nova Validus para esta integrar no seu activo as acções da SLN que eram de RO….
Correcta e no mesmo sentido, também se apresentou a explicação do arguido RO….
Referindo-se à transferência de 463.614.625$00, declarou, em síntese:
Este montante é o valor da compra das acções (1.250.000 acções a € 1,80).
O grupo SLN teve que carregar a Validus com este valor para depois a Validus poder fazer a aquisição de 1.250.000 acções, porque se assim não fosse elas seriam adquiridas a custo zero.
Não se olvide que no âmbito do negócio de aquisição para o grupo SLN/BPN do imóvel sito na R. D. João V, acordado entre os arguidos OC… e RO…, foi convencionado, além do mais, que o preço seria pago, em parte, com a transmissão de uma sociedade para este último com um activo do qual faria parte as 1.250.000 acções da SLN SGPS, S.A..
Consequentemente, quando a Nova Validus foi transmitida para o arguido RO…., i.e., para a Groundsel, sociedade offshore da qual era o último beneficiário, impunha-se, em cumprimento do acordo estabelecido, que a Nova Validus já viesse “carregada” com as 1.250.000 acções da SLN SGPS, S.A..
Por isso, a SLN Investimentos fez suprimentos na Nova Validus em ordem a que esta sociedade adquirisse as acções, as quais já anteriormente, a 31.10.2000, haviam sido colocadas na conta pessoal do arguido RO… como “garantia” da realização futura do negócio ou, noutra perspectiva, como “princípio de pagamento” do preço acordado.
Para aquele desiderato foram realizados, como se viu, os pertinentes movimentos bancários.
Esses movimentos foram bem explicados pelo arguido RO… em sede de contestação (art. 170º), explicação com a qual, em grande parte, estamos de acordo:
“ 1) Credita acções da SLN – SGPS, S.A. numa conta pessoal de RO…, porque a Validus, SA, que seria para lhe transmitir como pagamento parcial do preço do edifício que lhes vendera, ainda não tinha conta;
2)Após a cisão, quando a nova Validus, SA (a que serviria para pagamento parcial do preço) nasce, e passa a ter conta bancária, lança a mesma operação nessa nova conta da nova Validus, SA, retroagindo, porém, a dita operação a 31/10/2000;
3) Para “desfazer” o crédito de acções temporariamente feito na conta de RO…, o BPN lança as ditas acções na conta da Validus, SA, retirando-as da conta de RO…;
4) Paralelamente, lança a crédito na conta de RO… o montante de Esc. 463.614.625$00, logo o debitando (ambas as operações com data valor de 31/10/2000 e data efectiva de 29/12/2000)”.
Refere ainda o arguido que esta quantia debitada da sua conta é creditada “à Validus, SA, de molde a habilitar esta com a importância necessária para a aquisição das acções”.
Não foi assim.
Esse crédito de Esc. 463.614.625$00 na conta da Nova Validus resulta de uma transferência a débito da conta da SLN Investimentos e não da conta pessoal do arguido RO….
Porém, já se concorda com o que menciona logo de seguida:
“5) Nessa mesma data, 29/12/2000, é que o BPN realiza, na conta da Validus, SA, o depósito de acções da SLN – SGPS, SA que lá tinham que estar para constituir o pagamento parcial do preço do Palacete que lhe havia sido vendido pelo Sr. RO….”
A entrada a 31.10.2000 de 1.250.000 acções da SLN, SGPS, S.A. na conta de títulos do arguido RO… e a sua saída a 29.12.2000 resulta, igualmente, do CAF:
- Apenso informático 33: 1-Anexo A\TRAT\3\TOZE#2\DOCS\TOZE#2\Administração\SLN Sociedade Lusa Negocios - Controlo Accionista\Controlo de Transacções Acções Grupo SLN\MAPDV79-8079.zip\ZIP Volume\MAPDV79.xls (sublinhado amarelo nosso):

(Imagem removida)

Do mesmo ficheiro resulta, também, a entrada, a 29.12.2000, de 1.250.000 acções da SLN SGPS, S.A., na conta de títulos da Nova Validus (sublinhado amarelo nosso):

Da presente análise crítica, das declarações dos arguidos e dos documentos indicados é, pois, de concluir pela seguinte factualidade provada e não provada da matéria da pronúncia:
Foi feita a transferência a que alude o art. 673º da pronúncia (v. facto provado 631).
O arguido LAl… confessou que assinou o pedido de transferência a pedido do arguido LC…, mais referindo que em todo o negócio da Validus foi o mesmo arguido que lhe deu as instruções, designadamente para a outorga dos contratos em que foi interveniente a SLN Investimentos.
Acresce que o arguido LM… era, à data, o Presidente do Conselho de Administração da SLN Investimentos e outorgou o já identificado contrato de compra e venda entre aquela sociedade e a Groundsel atinente à transferência do capital social da Nova Validus.
Portanto, não pode ter deixado de conhecer e aderido à “execução da estratégia de aumento dos suprimentos à Validus”, bem como à “transferência” a que alude o facto em questão
No mais, dir-se-á que esta transferência corresponde à execução material dos negócios (“série de actos contratuais”) que vinham sendo definidos pelos arguidos e a que já nos reportamos em termos subjectivos.
O património que foi colocado na esfera do arguido RO… (art. 674º da pronúncia; v. facto provado 632 e facto não provado 223), i.e., na sociedade Groundsel da qual era o último beneficiário, sociedade que adquiriu a Nova Validus, em cumprimento do que havia sido acordado com o arguido OC…, foi:
- o capital social da Nova Validus;
- o imóvel da Av. do Brasil, em Cascais; e
- as 1.250.000 acções da SLN SGPS, S.A.,
Quanto aos “direitos de crédito sobre a mesma sociedade no montante de 705.382.255$00”, ou seja, os suprimentos, a pronúncia soma parcelas que em termos contabilísticos não podem ser somados entre si.
Soma activo e passivo como se tudo fosse activo.
No fundo, os 705.382.255$00 correspondia a um passivo da Nova Validus à SLN Investimentos (241.767.630$00 de suprimentos que lhe couberam após cisão e 463.614.625$00 de novos suprimentos destinados à compra de 1.250.000 acções da SLN SGPS, S.A.) que, aquando da compra da Nova Validus pela Groundsel, passou a ser uma dívida da Nova Validus à Groundsel. 
Tal equivale a dizer que os suprimentos não são “dinheiro”, é antes a soma do dinheiro entregue pelos anteriores sócios para a compra daquelas acções, mais o valor que os anteriores sócios despenderam para comprar a moradia da Av. do Brasil, em Cascais, e que corresponde ao seu valor contabilístico.
O consignado nos arts. 675º e 676º da pronúncia (v. factos provados 633 e 634 e facto não provado 224) corresponde ao que já foi descrito supra com base nos elementos probatórios indicados, tendo ainda sido objecto de confissão dos arguidos LC… e RO….
Precisa-se que a colocação da data-valor de 31.10.2000 visou apenas retroagir o negócio à data em que as acções foram colocadas na conta de títulos do arguido RO….   Os factos 677º a 687º da pronúncia em termos de análise crítica ainda não foram abordados, o que se fará de ora em diante.
Foi outorgado um contrato de compra e venda de acções entre a Invesco Worldwide LTD, representada pelos directores fiduciários, e a Nova Validus, com assinatura do arguido RO…, como ele reconheceu, datado de 29.12.2000, através do qual foram vendidas as 1.250.000 acções da SLN SGPS pelo preço de 463.614.625$00:
- Processo, vol. 19, fls. 7737, pág. 186 pdf – 29.12.2000 – contra de compra e venda entre a Invesco, como vendedora, e a Validus – Imobiliária e Investimentos, S.A. (“Nova Validus”), como compradora, das referidas acções;
A propósito deste contrato, o arguido LC… quando prestou declarações, simplesmente declarou que não se lembrava, nesse momento, dos eventuais contornos do negócio.
O arguido FS… limitou-se a afirmar que não teve qualquer intervenção nem conhecimento dos factos narrados nos arts. 677º a 687º da pronúncia.
Posteriormente serão analisadas as declarações do arguido RO… a respeito deste contrato.
Importa desde já afirmar que o Tribunal não tem quaisquer dúvidas que o teor deste contrato é falso.
A Invesco nunca vendeu as 1.250.000 acções da SLN SGPS, S.A., à “Nova Validus”.
Nenhum movimento bancário suporta esta venda.
Os CAF da Invesco e da “Nova Validus” não têm qualquer referência a esta venda de acções.
Por outro lado, como vimos supra, as 1.250.000 acções da SLN SGPS, S.A. foram transmitidas pela Emka ao arguido RO… em 31.10.2000.
E, por fim, as mesmas acções foram transferidas a 29.12.2000 da conta de títulos do arguido RO… para a conta de títulos da “Nova Validus” (v. prints supra do CAF correspondentes).
Vejamos, em resumo, o que o arguido RO… declarou a respeito deste contrato:
Assinou um contrato relativo à compra das acções, uma vez que elas tinham que ser compradas e tinha que ser a Validus a comprá-las;
Não forjou nada.
Havia 463 mil contos na sociedade e o que eles tinham acordado era ele ficar com 1.250.000 acções da SLN SGPS e não este montante, e então foi necessário comprar as acções a uma entidade.
Neste caso, apresentaram-lhe a Invesco como sendo a entidade vendedora das acções.
O contrato já vinha feito e foi o Eng. S… que o deu para assinar (S… disse-lhe que o contrato vinha da Planfin). Não falou com mais ninguém sobre isto. No fundo era a concretização do negócio que foi acordado em Outubro de 2000.
Não foi ele que escolheu a Invesco. Apareceu o contrato para assinar apresentado por FS…, leu-o, estava lá 1 milhão e 250 mil acções e quem aparecia a comprar era a Validus.
Estava correcto e, por isso, assinou-o.
Depois retiraram o montante de 463 mil contos da conta da Validus, aliás, sem qualquer assinatura sua ou autorização para ser retirado do dinheiro. Mas não põe em causa que o dinheiro devia ser retirado, só põe em causa o formalismo porque não deu qualquer autorização para o efeito.
Quando FS… lhe deu o contrato para ler e assinar, o contrato já vinha assinado pelos fiduciários.
Confirma que assinou o documento. Nega que não correspondesse à realidade, porque estava a comprar um 1.250.000 por 463 milhões de escudos à Invesco, e o dinheiro não tinha sido por si metido porque não fazia parte do negócio acordado.
A primeira conclusão que se pode retirar das declarações do arguido RO… é que o mesmo envolve directamente o arguido FS… como participante nestes factos.
Porém, estas declarações do arguido RO… são manifestamente desfavoráveis ao arguido FS….
Considerando que o arguido RO… recusou-se a responder a quaisquer perguntas que a ilustre mandatária desse e dos restantes arguidos lhe pretendiam colocar, daí resulta que estas declarações do arguido RO… não podem ser valoradas em desfavor do arguido FS… (art. 345º, n.ºs 1 e 4 do C.P.P.).
A este propósito, diga-se, que o arguido FS… negou a sua participação.
Não se vislumbrou qualquer outra prova testemunhal, documental ou por declarações de outros arguidos, da qual resulte o seu conhecimento/adesão ou participação nestes factos.
Consequentemente, a materialidade em referência deve julgar-se não provada em relação ao arguido FS….
No mais:
Ao contrário do que o arguido RO… refere, as acções não tinham que ser compradas pela Nova Validus.
O negócio verdadeiro, como o arguido bem sabia e sempre sustentou, foi completamente diverso.
Com efeito, as 1.250.000 acções da SLN SGPS, S.A. foram transmitidas ao arguido RO… como um activo da Nova Validus, bem como o imóvel da Av. do Brasil, no Estoril, na sequência do que havia acordado com o arguido OC… no âmbito do negócio do imóvel da R. D. João V, em Lisboa, que viria a ser adquirido pelo grupo SLN/BPN.
Deste modo, o arguido não podia deixar de saber que a compra e venda de títulos outorgada entre a Invesco e a Nova Validus não correspondia a qualquer transacção efectiva de títulos, i.e., não era verdadeira.
Não se dúvida que se visava “a concretização do negócio que foi acordado em Outubro de 2000”, designadamente a transmissão de uma sociedade para a esfera patrimonial do arguido RO…, sociedade que devia vir “carregada” com as 1.250.000 acções da SLN SGPS, S.A..
Porém, a transmissão titulada por este contrato entre a Invesco e a Nova Validus não correspondia àquilo que anteriormente havia sido acordado.
Simplesmente serviu de meio/manobra para, de algum modo, titular aquilo que foi acordado em moldes manifestamente diversos.
“Mutatis mutandis” valem aqui, com poucas diferenças, aquilo que já se havia afirmado relativamente ao contrato de compra e venda outorgado entre a Groundsel e a SLN Investimentos:
O acordo alcançado entre os arguidos OC… e RO… quanto ao negócio do imóvel da R. D. João V, de certo modo, pode considerar-se sigiloso ou confidencial.
Para todos os efeitos, havia um conjunto de activos que se acordou que seriam transmitidos para a titularidade do arguido RO….
Por isso, era necessário titular de algum modo o negócio que havia sido acordado verbalmente, em moldes distintos.
A segurança jurídica assim o impunha, por um lado e, por outro, só deste modo é que o RO… ficaria titular, em termos formais, de 1.250.000 acções da SLN SGPS, S.A..
Este desiderato foi alcançado com o referido contrato de compra e venda entre a Invesco e a Nova Validus, pelo qual se visava transferir a titularidade daquelas acções para esta sociedade mas que, materialmente, não tinha qualquer correspondência com a realidade.
É certo que a decisão de “forjar” o contrato não foi do arguido RO….
A sua redacção, ou seja, o seu teor, também não foi da sua autoria.
Mas isso não significa que o arguido não soubesse que o mesmo não correspondia à realidade, pois, efectivamente, tinha conhecimento da sua falsidade.
Questão diferente passará por aferir se não obstante a outorga deste contrato que o arguido RO… sabia não corresponder à verdade, o mesmo arguido teve intenção de “obter um enriquecimento ilegítimo” (art. 1013º da pronúncia).
Desde já, adianta-se que não.
Quanto à transferência daquelas acções para a sua esfera patrimonial não se verificou qualquer benefício, muito menos ilegítimo. Pelo contrário, o que ocorreu foi um simples cumprimento de um acordo que tinha sido estabelecido entre os arguidos OC… e RO… relativo ao negócio do imóvel da R. D. João V, em Lisboa.
Face a todos os elementos probatórios enunciados não subsistem quaisquer dúvidas da decisão e participação dos arguidos OC… e LC….
Do exposto resulta a prova dos factos 677º a 685º da pronúncia (v. factos provados 635 a 643) com algumas precisões que serão indicadas.
Relativamente ao facto 678º da pronúncia não há elementos probatórios que sustentem que os arguidos FS… e RO… decidiram “forjar” o contrato outorgado entre Invesco e a Nova Validus (facto não provado 225).
O identificado contrato não faz qualquer referência à venda de “créditos” (art. 680º da pronúncia; v. facto não provado 226).
Por fim, cabe analisar criticamente os factos 686º e 687º da pronúncia.
À falta de melhor expressão, dir-se-á que o que neles se afirma é completamente surrealista.
Afirma-se que “para poder ocultar o seu envolvimento nesse contrato forjado” e “bem assim nos casos em que intervinha como representante da Groundsel o arguido RO… fazia apor nos mesmos documentos uma assinatura diversa daquela que normalmente utilizava”.
Procedimento que, afirma a pronúncia, foi também seguido nas assinaturas apostas dos contratos de fls. 7983 e 7988.
A rápida observação destes dois últimos contratos, e também do “forjado” entre a Invesco e a Nova Validus, permite verificar que o arguido RO…, em todos eles, assinou os contratos com o seu nome completo (“RM…”).
Ora, se visava ocultar o seu envolvimento nesses contratos, como o afirma a pronúncia, não deixa de ser, no mínimo, estranho, o procedimento seguido.
Estes dois factos, obviamente, só podem ser julgados não provados (v. factos não provados 228 e 229), face à sua completa falta de sentido, ausência de lógica e manifesta irracionalidade.
*
Cumpre agora fazer a análise dos factos da contestação (fls. 16098 a 16236) do arguido RO… referentes à matéria dos arts. 673º a 687º da pronúncia.
Reportam-se a esta factualidade os factos 167º, 169º, 170º, 172º e 173º da contestação.
Quanto aos restantes factos alusivos à mesma factualidade já se justificou supra porque não foram vertidos nos factos provados ou não provados.
Os factos 167º, 169º e 170º da contestação reconduzem-se a uma análise dos extractos e movimentos bancários das contas do arguido RO… e da Nova Validus tendente a demonstrar que o arguido não deu as instruções subjacentes e que não provocou quaisquer prejuízos.
Ou seja, são de teor explicativo e, por isso, não foram levados aos factos provados ou não provados.
A única transferência que está em causa na pronúncia é a que está referida nos arts. 675º e 676º (v. factos provados 631 e 632 da pronúncia).
Da pronúncia e dos factos provados não resulta qualquer participação do arguido a nível de instruções para que fosse realizada.
Assim sendo, fica manifestamente prejudicado o alegado pelo arguido nos arts. 172º e 173º da contestação.
*
Voltando à pronúncia.
Nos arts. 688º a 694º a mesma enuncia os “ganhas imediatos” obtidos pelo arguido “RO…” e os “prejuízos da SLN e do BPN” na sequência dos actos contratuais e movimentos financeiros/bancários até então descritos no mesmo articulado.
Em suma, pelo modo que já foi analisado supra, os arguidos OC…, LC…, FS…, IM…, LM… e LAl…, intervenientes nesta série de actos contratuais (alguns em parte deles, outros na sua totalidade), lograram que o arguido RO… ficasse titular/dono da Nova Validus e do respectivo activo, composto pelo seu capital social, pelo imóvel sito na Av. do Brasil, no Estoril, e pelo lote de 1.250.000 acções da SLN SGPS, S.A. (art. 688º da pronúncia; v. facto provado 644).
Este foi, de facto, o único património colocado na titularidade do arguido RO…, a título de pagamento parcial do preço da venda do imóvel sito na R. D. João V, em Lisboa, ao grupo SLN/BPN.
É um “cenário contratual forjado” pelos motivos já elencados e também porque o que esteve na base da transmissão daquela titularidade (sociedade “Nova Validus” e respectivo activo) foi um negócio distinto, designadamente a transmissão para o grupo SLN/BPN do imóvel sito na R. D. João V, em Lisboa.
Aquele cenário também é imputável ao arguido FS… na medida em que, embora em parte menor, também para ele contribuiu (v. factos provados 545, 561, 588 e 589).
O valor de 738.614.625$00 (570.000.000$00 + 168.614.625$00) a que alude o art. 688º da pronúncia corresponde a operações contabilísticas/financeiras e bancárias, realizadas no âmbito daquele “cenário”, com vista à formalização da transmissão da Nova Validus e seu activo para a titularidade do arguido RO… (v. facto não provado 230).
Quanto ao valor de 705.382.255$00 a título de suprimentos, remete-se para a motivação desenvolvida supra, pela qual se concluiu que esta “parcela” não corresponde a qualquer ganho/benefício do arguido RO…, mostrando-se errado, em termos contabilísticos, somar um passivo a dois activos e, deste modo, concluir que tudo é activo, incluindo o passivo (art. 688º da pronúncia; v. facto não provado 230).
Pelas mesmas razões, o facto 689º da pronúncia resulta, na íntegra, não provado (v. facto não provado 231).
Quanto à primeira parte do facto, o valor de 683.149.885$00 não corresponde a qualquer liberalidade ou bónus, pelo contrário, diz respeito ao pagamento parcial do preço do negócio do imóvel da R. D. João V, vendido pelo arguido RO… ao grupo SLN/BPN.
Na 2ª parte do facto afirma-se que àquele valor “devem ser acrescidos os montantes dos financiamentos determinados pelos restantes arguidos através da Kinasol, por débitos de contas junto do BPN Cayman e depois junto do Banco Insular e que nunca foram liquidados”.
A pronúncia, relativamente à Kinasol, indica os seguintes movimentos financeiros:
1) Compra de 36.000 acções da Astroimóvel pelo preço de 1.000.000.000$00 (€ 4.987.978,97) – art. 642º -, a descoberto da conta n.º … (arts. 642º e 644º da pronúncia; factos provados 605 e 607);
2) Aquisição da nova sociedade Validus pelo preço de 738.614.615$00, dos quais 570.000.000$00 (€ 2.843.148,01) foram debitados, a descoberto, da mesma conta (arts. 663º a 667º da pronúncia; factos provados 622 a 625);
3) Compra, pela Kinasol à Oardale do equivalente a 29% do capital da sociedade Astroimóvel, a descoberto da mesma conta, nos montantes de € 2.900.132,32 e de € 258.859,06 (este a título de juros) – arts. 646º e 647º da pronúncia (factos provados 609 e 610);
Ou seja, nestes negócios da Astroimóvel e da Validus foram debitados a descoberto da conta da Kinasol um montante total de € 10.990.118,36.
Imediatamente após os movimentos enunciados no ponto 3º), a conta da Kinasol é creditada, com data-valor de 28.12.2001, com o montante de € 12.350.000,00 (descritivo operaçaPTASTROI000ATIT), movimento que corresponde ao enunciado no art. 653º da pronúncia (facto provado 616).
Daqui resulta:
a) A sociedade Kinasol vendeu 65.000 acções (65%) da Astroimóvel ao Fundo BPN Imoglobal por € 12.350.000,00;
b) Na sequência desta venda, o montante de € 12.350.000,00 foi transferido para a conta da Kinasol no BPN Cayman;
c) Esse valor foi suficiente para cobrir o montante de € 10.990.118,36 que anteriormente havia sido retirado a descoberto da conta nas operações identificadas supra nos pontos 1º a 3º, incluindo juros entretanto vencidos;
d) A conta não ficou com saldo positivo porque, a 29.12.2000, ocorreu um movimento a débito e a descoberto no montante de 1.580.000.000$00 (€ 7.881.006,77), montante sobre o qual também se venceram juros até 31.12.2001, desconhecendo-se completamente a que diz respeito esse movimento, porque simplesmente não foi objecto de investigação nos presentes autos;
Face ao exposto, resta concluir que não foi produzida qualquer prova do enunciado na 2ª parte do art. 689º da pronúncia.
Da motivação desenvolvida e elementos probatórios elencados não resulta que o arguido RO… tivesse provocado qualquer prejuízo para as entidades mencionadas no art. 690º da pronúncia (v. facto não provado 232).
Limitou-se a efectuar um negócio imobiliário em parceria com o grupo SLN/BPN (venda do imóvel da R. D. João V, em Lisboa, e recebimento do respectivo preço que inclui, em parte, a entrega da sociedade Nova Validus com o activo já indicado).
Um negócio, na verdade, pouco convencional, mas não deixa de ser um negócio imobiliário.
Porém, da mesma motivação e elementos probatórios indicados, resulta que a “encenação contratual” provocou prejuízos à SLN Imobiliária, mas já não ao BPN (v. facto provado 645 e facto não provado 232).
Quanto à SLN Imobiliária esse prejuízo é o correspondente à diferença entre o valor da venda da “Velha Validus” (1.084.000.000$00) e o valor da venda e transmissão das duas sociedades cindidas, i.e. da venda da Quinta da Torre de Santo António, Sociedade Imobiliária ao BPN Vida (1.600.000.000$00) e da transmissão para a titularidade da Groundsel (sociedade de que o arguido RO… era o último beneficiário) da Nova Validus e seu activo (11.000.000$00 – valor do capital social; 252.767.630$00 – valor do imóvel, sito na Av. do Brasil, no Estoril; e 463.614.625$00 – valor de 1.250.000 acções da SLN SGPS, S.A., o que perfaz o montante global de 727.382.255$00) – art. 691º da pronúncia (factos provado 646 e 647 e factos não provado 233 e 234).
A pronúncia conclui este tema iniciado no art. 565º invocando novamente o objectivo “aumentar o controlo accionista” (art. 692º).
A este respeito, já nos pronunciamos supra remetendo-se, por isso, para a respectiva fundamentação donde se concluiu que o negócio da Validus não teve esse objectivo (v. facto não provado 234).
A 2ª parte do facto 692º (v. facto provado 647) é um resumo da valorização a que alude o facto 691º (facto provado 646).
Não se verificou o prejuízo da Kinasol e do BPN a que se refere o facto 693º da pronúncia (v. facto não provado 235).
Remete-se igualmente para o exposto supra na parte em que se concluiu que os movimentos a débito e a descoberto da conta da Kinasol, no BPN Cayman, foram integralmente “cobertos” aquando da venda, por esta sociedade, de 65% da Astroimóvel ao Fundo BPN Imoglobal.
Refira-se, a propósito, que no sentido em que concluiu o Tribunal, já se havia pronunciado o arguido LC… quando, em resumo, afirmou:
A Kinasol tinha investimentos na zona de Coimbra.
A Kinasol comprou a Astroimóvel por 7 milhões e vendeu-a por mais de 12 milhões ao Fundo.
A totalidade do produto da venda, incluindo mais-valias, destinou-se a amortizar financiamentos junto do BPN.
Se a Kinasol ainda tem financiamento bancário e não o pagou, tal deve-se à operação Interopus e outras operações imobiliárias que não terão ainda sido integralmente pagas.
Diga-se que a operação Interopus é aquela a que supra se aludiu como não tendo sido objecto de qualquer tipo de investigação nos presentes autos, não havendo qualquer referência à mesma no despacho de pronúncia.
O art. 694º da pronúncia volta a mencionar “os ganhos do arguido RO…, decorrentes da referida encenação contratual”, agora “potenciados com a realização do valor real dos activos colocados na nova sociedade Validus”.
O arguido RO…, de facto, teve ganhos, mas estes não resultaram, para ele, de qualquer encenação contratual que tenha decidido ou em que tenha participado, outrossim, esses ganhos são o resultado do já identificado e esclarecido negócio imobiliário do prédio sito na R. D. João V, em Lisboa.
Este facto, na sua parte final, alude novamente ao “plano inicial dos arguidos, que passava pela venda das acções da SLN SGPS à SLN Valor”.
Já se justificou a inexistência deste plano.
Remete-se, por isso, para a atinente motivação.
Em resumo, o facto 694º da pronúncia julga-se integralmente não provado (v. facto não provado 236).
*
A pronúncia prossegue com um novo sub-tema com o título “ganhos posteriores do arguido RO… com a operação Validus” (arts. 695º a 719º).
Na sequência do já descrito negócio imobiliário do prédio da R. D. João V, em Lisboa, o arguido RO…, através da sociedade offshore de que era o último beneficiário, a Groundsel, ficou titular da Nova Validus e do seu activo composto por:
- o imóvel sito na Av. do Brasil, no Estoril, Cascais; e
- 1.250.000 acções da SLN SGPS, S.A.;
Estes dois bens foram posteriormente vendidos pelo arguido RO…, com mais-valias, o que o próprio confessou em sede de Julgamento.
No entanto, importa referir que a pronúncia inicia este sub-tema fazendo referência (art. 695º) a uma promessa dos restantes arguidos, nele identificados, ao arguido RO…, de que as 1.250.000 acções da SLN SGPS “carregadas na sua conta de valores mobiliários e depois transferidas para a Validus, seriam recompradas pela SLN Valor, podendo guardar para si a totalidade do produto da venda”.
Ou seja, a pronúncia repete em moldes diferentes, aquilo que anteriormente tinha afirmado.
Renova-se, neste campo, o que já se mencionou no início do tema “Validus”.
Se é certo que foi feita a venda das acções à SLN Valor, com mais-valias, não há qualquer elemento probatório que permita concluir que foi feita essa “promessa” de compra ao arguido RO….
Trata-se de um simples negócio de compra e venda de acções, acordado entre os arguidos OC… e RO…, e realizado cerca de 11 meses depois de elas terem entrado na esfera da titularidade deste último arguido.
Já se referiu que a versão dos factos explicada pelo arguido RO… em sede de Julgamento apresentou-se como séria e credível, logrando convencer o Tribunal.
A este propósito, em síntese, o arguido declarou:
Nunca fez qualquer acordo de revenda, ou seja, de vender as acções 1.250.000 acções da SLN SGPS à SLN Valor.
Quando as recebeu nunca lhe disseram que elas eram para recomprar pela SLN.
Talvez seja o único accionista que nunca teve nenhum contrato com obrigação de recompra com uma percentagem de lucro previamente definida.
Em suma, não houve este acordo, nem verbal, nem escrito.
Ao contrário do que aconteceu com outros accionistas titulares de acções da SLN SGPS, S.A., e que tinham estabelecido acordos de recompra das acções por entidades do grupo SLN/BPN, acordos esses que previam, desde o início, uma percentagem de lucro anual, quanto ao arguido RO… não se detectou qualquer contrato com esse teor, nem alguma testemunha ou arguido fizeram alusão a um acordo dessa tipologia.
Acresce que, ainda que o arguido RO… tivesse a pretensão de vender as acções a um terceiro qualquer, a SLN Valor poderia sempre impedi-lo, na medida em que gozava do direito de preferência na transmissão das acções da SLN SGPS, S.A..
Ou seja, para a SLN Valor ficar titular das acções, tal não estava dependente da vontade do arguido RO….
A este, bastava querer vender as acções a um terceiro.
Àquela sociedade, por sua vez, bastava exercer o direito de preferência.
Por conseguinte, o facto 695º e o início do facto 696º da pronúncia resultam, necessariamente, como não provados (v. factos não provados 237 e 238).
A prova da parte restante do facto 696º e dos factos 697º a 699º da pronúncia resulta da confissão do arguido RO… conjugada com os seguintes elementos probatórios:
- Apenso de busca 21, doc. 19, pág. 256 ou apenso temático AE, anexo 4, pág. 45 ou processo, vol. 19, pág. 436 – 23.11.2001 – comunicação da Validus (“Nova Validus”), subscrita pelo arguido RO…, dirigida ao BPN e ao arguido OC…, para venda de acções SLN ao preço acordado de € 2,30, com despacho do arguido OC… datado de 30.11.2001 do seguinte teor: “A SLN VALOR adquire”;

Do extracto do CAF resulta que as 1.250.000 acções da SLN SGPS, S.A. saíram da conta de títulos da Nova Validus no dia 30.11.2001, tendo sido vendidas ao preço unitário de € 2,30.
Por sua vez, as mesmas acções, em igual data, deram entrada na conta de títulos da SLN Valor - v. documento indicado; extracto do CAF respeitante à SLN Valor – (sublinhado amarelo nosso):

- Apenso bancário135, fls. 99 – conta n.º … titulada pela Validus, no BPN, SA – 30.11.2001 – movimento a crédito de 576.385.750$00 com o descritivo “Venda PTSLN …”;
Importa referir que não se vê que o arguido RO… tenha sido beneficiado quanto ao preço unitário (€ 2,30) pelo qual vendeu as 1.250.000 acções da SLN SGPS, S.A. à SLN Valor.
Com efeito, do extracto do CAF resulta que no período compreendido entre 08.11.2001 e 18.12.2001 as acções da SLN SGPS, S.A. foram transaccionadas por esse valor entre diversos outros intervenientes (sublinhado amarelo nosso):

(Imagem removida)

Nos arts. 700º a 702º da pronúncia afirma-se que o arguido RO… sabia, muito antes, que essa venda iria ocorrer, em virtude de ter mobilizado a descoberto e em seu proveito pessoal a quantia de 580.000.000$00 (valor muito próximo dos 576.385.750$00). Designadamente a 21.5.2001 a quantia de 175.000.000$00, sacada por meio de cheque a favor de JEl… e, a 16.11.2001, um novo cheque no valor de 405.000.000 sacado a descoberto, ambos sobre a conta da Nova Validus.
Mais se declara no art. 700º da pronúncia que a retirada de fundos a descoberto havia sido combinada com os “restantes arguidos”, i.e. os arguidos OC…, LC…, FS…, IC…, LM… e LAl… (v. art. 695º).
Dir-se-á, desde já, que não se compreende a insistência da pronúncia em incluir sempre todos estes arguidos em praticamente todos os actos.
Neste caso, é completamente ilógico e destituído de fundamento fazer depender movimentos a descoberto de uma conta bancária de um acordo entre 7 pessoas (arguido RO… e os identificados arguidos), mais a mais quando só uma delas, o arguido OC…, exercia funções no BPN, S.A..
Independentemente disso, o arguido RO… apresentou uma versão distinta desta factualidade, a saber e resumidamente:
Movimentou a débito a conta da Validus porque tinha dado de garantia ao banco 1.250.000 mil acções da SLN que estavam na Validus.
Deu essa garantia para ter uma conta corrente caucionada de 450 mil contos e, porque o valor era inferior ao montante da compra das acções. Levantou o dinheiro por motivos pessoais.
Ou seja, tinha autorização para movimentar a conta corrente caucionada até ao montante de 450 mil contos.
Levantou a débito em 21 de Maio de 2001 a quantia de 175.000.000$00 sendo que, nessa data, nem sabia se ia vender as acções nem por que valor.
Esse levantamento foi feito no âmbito da conta corrente caucionada que tinha.
Também é verdade que a 16 de Novembro de 2001 levantou a descoberto a quantia de 405.000.000$00, mas, nesta altura, já andava a negociar com OC… a venda de 1.250.000 mil acções por um preço entre € 2,30 e € 2,45.
OC… já lhe tinha dito que ia comprar as acções e não tinha razões para duvidar.
Neste caso ultrapassou o valor da conta corrente caucionada de 450 mil contos porque já tinha um acordo estabelecido com o OC….
Ou seja, já tinha os € 2,30 garantidos o que dava 576.585 contos.
A conta da Validus estava a descoberto com o valor de 580 mil contos, mas tinha dinheiro mais que suficiente na sua conta pessoal e de outras empresas para repor este montante de 4 mil contos de diferença.
Quando passou o cheque dos 405 mil contos pediu autorização a RPe… (seu gestor de conta), que terá obtido autorização expressa de OC…, porque se não houvesse esta autorização, a conta corrente caucionada estava a ser ultrapassada já que o limite era de € 450 mil contos.
Não sabe como ocorreu a autorização pedida por RPe… a OC…, se foi escrita ou verbal, sabe apenas que foi autorizado a ultrapassar o limite porque o cheque foi pago.
Antes de mais, uma pequena correcção face ao que o arguido declarou.
Após a emissão do cheque de 405 mil contos a conta da Validus ficou com um descoberto de - 567.754.719$00 (valor inferior ao produto da venda posterior de 1.250.000 mil acções da SLN SGPS, S.A., feita pela Validus à SLN Valor).
O produto desta venda foi de 576.385.750$00.
Independentemente da versão apresentada pelo arguido RO…, o que é um facto inequívoco é que não foi produzida qualquer prova de que a 21 de Maio de 2001, data em que foi sacado a descoberto o cheque no montante de 175.000.000$00 da conta da Validus, o arguido já tivesse combinado com os arguidos OC…, LC…, IC…, FS…, LAl… e LM… a venda das acções 1.250.000 acções da SLN SGPS, S.A., venda essa que somente viria a ocorrer a 30.11.2001, ou seja, cerca de 6 meses depois (art. 700º da pronúncia; v. facto não provado 239).
Após o débito do cheque de 405.000.000$00 no dia 16.11.2001 a conta titulada pela Nova Validus, no BPN, S.A., ficou com um saldo negativo de 567.754719$00.
Logo após, no dia 30.11.2001, foi debitado um outro cheque na conta no valor de 445.808$00 ficando, então, a conta com um saldo negativo de 568.200.527$00.
E, nesse mesmo dia, foi creditado na conta o montante de 576.385.750$00, resultante da venda de 1.250.000 acções da SLN SGPS, S.A. à SLN Valor, data em que a conta da Nova Validus ficou com um saldo positivo de 8.185.223$00.
Considerando a similitude entre o saldo negativo da conta quando foi debitado o cheque de 405.000.000$00 e o valor que foi depositado, 15 dias depois, na sequência da venda daquelas acções, conclui-se que as declarações do arguido RO… apresentam-se como credíveis e verosímeis quando referiu que no momento em que foi debitado aquele cheque (16.11.2001) já tinha negociado com o arguido OC… a venda das acções ao preço unitário de € 2,30.
Ou seja, nessa altura, já sabia que iria ser feito um crédito na conta de 576.385.750$00 e, por isso, emitiu e debitou da conta o cheque de 405.000.000$00.
Porém, a narrativa da pronúncia é distinta relativamente ao momento do conhecimento de que ia ser feita a venda das acções.
Reporta-o a 21 de Maio de 2001.
Ora, disso, como se referiu, não foi produzida prova.
Até porque, entre 21.5.2001 e 9.11.2001, ou seja, até cerca de 20 dias antes da venda das acções, o máximo de saldo negativo que a conta atingiu foi de 162.754.719$00.
Se o arguido, como afirma a pronúncia, desde 21.5.2001 sabia que ia ser feita a venda das acções da SLN SGPS, S.A. por aquele valor, desde então, ou durante todo aquele período, sempre poderia ter usado a conta da Nova Validus a descoberto até um valor próximo dos 576.385.750$00.
Porém, isso não ocorreu, ficou-se pelo máximo de 162.754.719$00.
A nível probatório, o suporte documental do que vem sendo afirmado no tocante a movimentos bancários/descobertos/saldos de conta é constituído pelo:
- Apenso bancário n.º 135, fls. 98 e 99 – conta n.º … titulada pela Validus no BPN, S.A.;
Por sua vez, a prova dos factos 701º a 704º (v. factos provados da pronúncia) (débito dos identificados cheques, crédito do valor de 405.000.000$00 na conta particular do arguido, no BES, e destino do valor do cheque de 175.000.000$00) resulta, além do referido extracto, da confissão do arguido RO… e ainda dos seguintes documentos:
Quanto ao cheque no montante de 175.000.000$00:
- Processo, vol.19, fls. 7811 e 7812, págs. 262 e 263 pdf – 10.05.2001 – Fax da Validus, S.A., manuscrito e assinado pelo arguido RO…, dirigido a JSa…, com proposta de aquisição do prédio sito na Av. Torre de Belém, n.ºs 25 e 25 A, pelo preço de 350.000.000$00 e modo de pagamento (175.000.000$00 + 175.000.000$00);
- Processo, vol. 19, fls. 7813 a 7817, págs. 264 a 268 pdf - 17.05.2001 – contrato-promessa de compra e venda entre JVg…, como promitente vendedora, e Validus – Imobiliária e Investimentos, S.A., como promitente compradora, representada pelo arguido RO…, com reconhecimento presencial de ambas as assinaturas perante notário;
- Apenso bancário 135, fls. 119 – 17.05.2001 – cópia do cheque da Validus, S.A., no montante de 175.000.000$00, emitido pelo arguido RO… a favor de JVg…;
- Processo, vol. 19, fls. 7825, pág. 275 pdf – cópia do talão comprovativo do depósito do cheque de 175.000.000$00;
- Apenso bancário 135, fls. 98 – conta titulada pela Validus, no BPN, S.A. -21.05.2001 – movimento a débito de 175.000.000$00 por saque do cheque n.º 5687307, após o que a conta ficou com um descoberto de 160.565.283$00;
Relativamente ao cheque no montante de 405.000.000$00 (depositado a crédito na sua conta pessoal no BES):
- Apenso bancário 135, fls. 99 (conta titulada pela Validus, no BPN, S.A.) – 16.11.2001 - movimento a débito de 405.000.000$00 por saque do cheque n.º …, na sequência do qual a conta ficou com um descoberto de 567.754.719$00;
     - Apenso bancário 131 A, fls. 149, pág. 151 pdf – conta titulada pelo arguido RO… no BIC/BES -16.11.2001 – movimento a crédito de 405.000.000$00;
A pronúncia, no seu art. 705º afirma, então, que com o objectivo de “apropriar-se desse valor”, i.e., dos 175.000.000$00, “o arguido RO… acordou com um seu conhecido, o Sr. VS…, a venda do mesmo imóvel, sendo então uma empresa deste último, no caso a Gabimóvel, a celebrar a escritura definitiva de aquisição do imóvel à JVt…”.
Mais descreve a pronúncia que em ordem a lograr ficar com aquele montante deveria “depois, o VS… devolver o montante adiantado para a aquisição do imóvel, mas já então para benefício da conta pessoal do RO…”.
O arguido negou que se tenha apropriado daquela quantia.
E, de facto, tal não ocorreu.
Isso já se explicará infra.
No tocante a este facto, o arguido apresentou uma versão ligeiramente diferente do que dele conta.
Em síntese:
O que fez foi uma cedência da posição contratual, ou seja, desinteressou-se da compra da moradia porque achou que tinha comprado um bocado caro demais e, então, apareceu VS… (BiBi do Benfica) que lhe perguntou se lhe cedia a moradia pelo mesmo preço, porque lá queria fazer o seu escritório, o que aceitou, sendo que ainda hoje ele tem lá o escritório dele.
Desde o princípio do negócio com a Gabimóvel o que ocorreu foi uma cedência da posição contratual.
Não se estava a apropriar de qualquer valor, porque estava a receber aquilo que já tinha pago pela moradia (175 mil contos).
Indicou a JVt… que não seria a Validus a outorgar o contrato, mas antes a Gabimóvel de VS….
No dia da escritura ela não aceitou um cheque de VS… porque ele não lhe merecia confiança e porque o cheque não era visado.
 Então teve, ele próprio, de entrar com a totalidade do preço da moradia e, por isso, mais tarde, recebeu a diferença de 350 mil contos, dinheiro com o qual já tinha entrado.
A explicação do arguido está em consonância com os elementos probatórios constantes dos autos porque, como se demonstrará:
1) A escritura definitiva de compra e venda do imóvel veio a ser celebrada entre a JVt… e a sociedade Gabimóvel;
2) A Gabimóvel posteriormente emitiu um cheque a favor do arguido no montante de 160.000.000$00 e realizou uma transferência para a conta titulada pelo arguido, no BES, no montante de 190.000.000$00, o que perfaz o montante global de 350.000.000$00, valor este que foi o mesmo pelo qual o arguido RO… havia prometido comprar o imóvel a JVt… (v. fax e contrato promessa mencionados supra).
No entanto, esclareça-se que a ter havido “apropriação” daquele montante, esta teria ocorrido anteriormente, ou seja, na data em que o mesmo foi sacado da conta da Validus (21.5.2001).
E isso ocorreria independentemente de o arguido ter comprado a moradia na Av. Torre de Belém ou simplesmente, como ocorreu, ter cedido a posição contratual a um terceiro e, concomitantemente, ter ficado com o montante de 175.000.000$00 na conta por si titulada, no BES.
É que, se não tivesse ocorrido aquela cedência, o cheque teria servido para pagar parte do preço do imóvel.
Logo, mesmo assim teria ocorrido uma “apropriação”.
Com a diferença de, em vez de o arguido ficar com o dinheiro, ficaria com o imóvel pago, em parte, com o valor do cheque.
Por isso, carece de qualquer sentido a relação estabelecida na pronúncia nos arts. 705º a 710º entre a compra e venda do imóvel por JVt… à Gabimóvel e o posterior depósito e transferência das quantias na conta e para a conta titulada pelo arguido RO…, no BES.
Voltamos a frisar:
A ter havido “apropriação” do montante de 175.000.000$00, esta teria ocorrido anteriormente, ou seja, na data em que o mesmo foi sacado da conta da Validus (21.5.2001).
Já lá iremos…
Pelo que fica dito, e por aquilo que se justificará, não ficou provada a 1ª parte do art. 705º da pronúncia (“de forma a apropriar-se desse valor”) – v. facto não provado 240.
A prova da 2ª parte do art. 705º e dos arts. 706º a 709º da pronúncia (v. factos provados 656 a 660) resulta da confissão do arguido RO… conjugada com o teor dos seguintes elementos probatórios:
- Processo, vol. 19, fls. 7819 a 7825, págs. 270 a 274 pdf – 07.08.2001 – cópia da escritura pública de compra e venda do imóvel pelo valor de 350.000.000$00, outorgada entre JVt…, como vendedora, e a Gabimóvel, como compradora, representada por VS…;
- Apenso bancário 131 A, fls. 137, pág. 139 pdf – conta titulada pelo arguido RO… no BIC/BES – 08.08.2001 - movimento a crédito de 160.000.000$00 por depósito de valores;
- Apenso bancário 131 A, fls. 137, pág. 139 pdf – mesma conta - 08.08.2001 – movimento a crédito de 190.000.000$00 por transferência;
- Apenso bancário 131 A, fls. 137, pág. 139 pdf – mesma conta - 09.08.2001 - movimento a débito de 175.000.000$00 por saque do cheque n.º 82212060;
Nos arts. 710º e 711º conclui-se, na sequência do anteriormente descrito, que o arguido apropriou-se da quantia global de 568.200.527$00 correspondente aos débitos a descoberto da conta da Nova Validus dos dois cheques identificados e ainda de outros débitos que ocorreram na mesma conta.
Todavia, no art. 712º, a mesma pronúncia refere que esse montante “foi posteriormente integralmente resposto, pelo crédito do produto da venda das referidas 1.250.000 acções da SLN SGPS à SLN Valor, venda pelo preço total de 576.385.750$00 e consequente transferência a crédito da Validus do mesmo valor”.
Os factos objectivos em questão resultam provados face aos elementos probatórios enunciados (v. extracto de conta titulada pela Validus identificado supra) e confissão do arguido RO…, excluindo quanto à apropriação da quantia.
A questão que se coloca consiste, pois, em saber se o arguido se apropriou ou não do montante de 576.385.750$00.
Antes de mais, refira-se, o facto 710º da pronúncia está em flagrante contradição com o teor do facto 712º.
Por um lado (art. 710º) afirma-se que o montante de 175.000.000$00 não foi reposto na conta da Validus e, por outro (art. 712º), diz-se que o montante de 568.200.527$00 foi integralmente reposto, sendo certo que este montante total inclui aquele menor.
Dir-se-á, também, que dificilmente se pode configurar uma “apropriação” quando a própria pronúncia afirma que o montante retirado a descoberto da conta da Nova Validus foi integralmente reposto.
Independentemente disso, quanto à alegada “apropriação”, o arguido RO… negou-a, sustentando que tinha direito a levantar as quantias por conta dos suprimentos, i.e, se bem percebemos a sua explicação, por conta da dívida que a Nova Validus tinha à Groundsel, sociedade offshore de que era o último beneficiário e que era a titular da totalidade do capital social da Nova Validus.
Vejamos:
A Groundsel, sociedade offshore de que o arguido era o último beneficiário, era a titular da totalidade do capital social da Nova Validus, e tinha um crédito sobre esta sociedade no valor de 705.382.255$00 correspondente aos suprimentos colocados na Validus.
A Nova Validus também era uma sociedade do arguido RO…, uma vez que lhe foi transmitida (negócio do imóvel da R. D. João V, em Lisboa).
Também pertenciam ao arguido RO… as 1.250.000 acções da SLN SGPS, S.A., que constituíam um activo da Nova Validus.
Essas acções também lhe foram transmitidas no âmbito do negócio do imóvel da R. D. João V, em Lisboa.
O arguido dispôs de quantias a descoberto da conta da Nova Validus, o qual repôs integralmente com a venda das acções.
Logo, não se verificou a apropriação de qualquer quantia.
No entanto, ainda que assim não se entendesse, o cerne da questão para se concluir que não ocorreu nenhuma apropriação reside, mais uma vez, no negócio do imóvel da R. D. João V, vendido pelo arguido RO… ao grupo SLN/BPN.
Recorde-se que o arguido foi pago do preço (950.000.000$00) da venda do imóvel pelo modo seguinte:
- 350.000.000$00 em dinheiro (cheque);
- transferência para a sua titularidade de uma sociedade, a Nova Validus, com o seguinte activo:
- o imóvel sito na Av. da Brasil, em Cascais; e
- 1.250.000 acções da SLN SGPS, S.A.;
Este activo, embora incluído na Nova Validus, pertencia ao arguido RO….
A “Nova Validus” foi, apenas, a “veste” ou “invólucro” que permitiu a transmissão daquele activo para o arguido RO….
A partir do momento em que é um activo seu, faz dele o que bem entender.
Ou seja, pode ficar com ele em carteira ou vendê-lo.
Se o arguido tivesse vendido as acções da SLN SGPS, S.A., (activo de que era titular), depositasse o produto da venda na conta da “Nova Validus” e dispusesse do dinheiro como bem entendesse, não teria ocorrido nenhuma apropriação.
O contrário também leva à mesma conclusão.
De facto, o arguido dispôs da quantia de 568.200.527$00 a descoberto (autorizado) da conta da Nova Validus.
Porém, posteriormente vendeu um bem de que era titular, designadamente as 1.250.000 acções da SLN SGPS, S.A..
O produto da venda foi depositado na conta da Nova Validus, tendo sido suficiente para “cobrir” integralmente aquele descoberto, ficando a conta com um saldo positivo de 8.185.223$00.
Vistas as coisas com este enquadramento, o qual não pode deixar de se considerar o correcto, só pode concluir-se que não ocorreu uma apropriação daquela quantia pelo arguido RO….
Em suma, estão provados os factos 710º a 712º da pronúncia, excluindo a “não reposição” e a “apropriação” (v. factos provados 661 a 663 e factos não provados 241 e 242).
Por fim, refira-se tão só que os arguidos LC…, FS…, IC…, LAl… e LM… não tinham quaisquer poderes para autorizar descobertos na conta da Nova Validus, em virtude de não exercerem funções no BPN, S.A..
Só o arguido OC…, Presidente do Conselho de Administração do BPN, S.A., tinha poderes para o autorizar (art. 711º da pronúncia; v. facto provado 662 e facto não provado 242).
Relativamente aos factos 713º a 715º da pronúncia (v. factos provados 664 a 666 e facto não provado 243):
O imóvel da Avenida do Brasil, em Cascais, foi vendido, em 22.03.2001, pela “Nova Validus” à Inicimob – Iniciativas Imobiliárias, Ld.ª, pelo preço de 325.000.000$00.
A compra foi financiada pelo BPN, S.A., com garantia hipotecária.
Por sua vez, aquele valor foi depositado na conta da Nova Validus e, de seguida, o arguido RO…, através de cheque, sacou a quantia de 300.000.000$00, creditado-a na sua conta pessoal no BPN, S.A..
A prova destes factos tem por base a confissão do arguido RO…, conjugada com o teor dos seguintes elementos probatórios:
- Apenso temático S, vol. 1, fls. 195 a 206, págs. 196 a 207 pdf – 22.03.2001 – escritura de compra e venda entre a “Nova Validus”, representada pelo arguido RO…, e a Inicimob, Ld.ª, representada por FCu… e SCc…, do imóvel sito na Avenida do Brasil, em Cascais, pelo preço de 325.000.000$00, com mútuo do BPN, S.A., garantido por hipoteca;
- Apenso temático S, vol. 2, fls. 58 a 77 – certidão da conservatória do registo predial do imóvel identificado;
- Apenso bancário135, fls. 95 – conta titulada pela “Nova Validus”, no BPN, SA – 23.03.2001 com data-valor de 26.03.2001 – movimento a crédito de 325.000.000$00;
- Apenso bancário 135, fls. 95 – mesma conta da “Nova Validus” – 27.03.2001 – movimento a débito de 300.000.000$00 (cheque n.º 5687309);
- Apenso bancário 131 B, fls. 34, pág. 36 pdf – conta titulada pelo arguido RO…, no BPN, S.A. – 27.03.2001 com data-valor de 28.03.2001 - movimento a crédito de 300.000.000$00;
Porque tem importância para aferir da sua credibilidade, salienta-se que no tocante à venda deste imóvel o arguido RO…, em síntese, declarou:
Vendeu, de facto, o imóvel por 325 mil contos.
A diferença entre os 100 mil contos pelo qual o tinha avaliado no âmbito do negócio da Validus e os 325 mil contos justifica-se porque aprovou para o terreno um projecto para 5 apartamentos, cada um com cerca de 300 e tal metros quadrados e com piscina privativa.
Quando vendeu o imóvel o projecto de arquitectura já estava aprovado, faltava só aprovar as especialidades.
A moradia ainda não estava demolida, mas estava prevista a destruição, o que veio efectivamente a acontecer, tendo sido lá construídos 5 apartamentos que foram todos vendidos ainda antes da construção.
Ora, a análise da referida certidão do registo predial permite aferir que, de facto, no imóvel em questão (fls. 62) foi constituída a propriedade horizontal de 5 apartamentos destinados a habitação, dois deles com valores patrimoniais de € 645.000,00 e € 408.000,00 e os restantes com valores venais de € 200.000,00 a € 500.000,00.
Em termos formais, é verdade o que consta da parte final do art. 715º da pronúncia, onde se escreve que o imóvel era “um activo que pertencia à sociedade Validus”, ou seja, formalmente, era por ela titulado.
No entanto, o que interessa é a verdade material.
E a verdade é que, à semelhança das acções, embora incluído na Nova Validus o imóvel pertencia ao arguido RO….
Repete-se: a “Nova Validus” foi, apenas, a “veste” ou “invólucro” que permitiu a transmissão daquele activo para o arguido RO… no âmbito do negócio do imóvel da R. D. João V (v. facto não provado 243).
Com a venda das acções o arguido RO… obteve uma mais-valia de 112.771.125$00, correspondente à diferença do valor pelo qual as vendeu à SLN Valor (576.385.750$00) e o valor pelo qual, anteriormente, tinham sido colocadas na sua conta de títulos e depois transferidas para a conta de títulos da Nova Validus (576.385.750$00).
Por sua vez, na venda do imóvel, o arguido obteve uma mais-valia de 225.000.000$00, correspondente à diferença de valor pelo qual o negociou no âmbito do negócio da R. D. João V (100.000.000$00) e o valor pelo qual foi vendido à sociedade Inicimob (325.000.000$00)
Das mais-valias enunciadas no art. 716º da pronúncia são só estas as que resultaram provadas da intervenção do arguido (v. facto provado 667 e facto não provado 244).
O total das mais-valias é, pois, de 337.771.125$00.
Os suprimentos colocados na Validus não correspondem a quaisquer mais-valias.
Nesta parte, remete-se para a motivação desenvolvida supra, onde se explicou porque estava errado considerar os suprimentos como um activo (v. facto não provado 244).
O facto 716º refere que estas mais-valias resultaram da “aceitação da sua intervenção no negócio da Validus e transferência de acções da SLN SGPS para a SLN Valor”.
De facto, em termos objectivos, por um lado, as acções acabaram por ser vendidas à SLN Valor e, por outro, o arguido RO… acabou por ter alguma participação no negócio da Validus, na medida em que aceitou que esta sociedade lhe fosse transmitida com o identificado activo na sequência do negócio do imóvel da R. D. João V.
No entanto, frisa-se, para que não se aponte uma contradição nos factos provados, isso não ocorreu no âmbito de uma estratégia concebida pelos restantes arguidos.
A propósito disto, atente-se especificamente no que supra se motivou a propósito dos arts. 601º, 602º, 633º e 634º da pronúncia.
A primeira parte do art. 717º da pronúncia (até “pagar”) não está demonstrada (v. facto não provado 245).
Remete-se para a fundamentação apresentada supra onde se concluiu que os 570.000.000$00 foram pagos.
A 2ª parte do art. 717º da pronúncia é manifestamente conclusivo/valorativo e, em parte, ininteligível (“lesão dos interesses”).
Em todo este negócio da Validus é a primeira vez que a pronúncia se refere a “interesses” da SLN Imobiliária e da SLN Investimentos.
Se foi provocada alguma “lesão” a estas sociedades, ela será de índole patrimonial e resultará, ou não, dos factos objectivos provados.
Neste tema, a pronúncia termina como o iniciou, fazendo alusão ao plano/estratégia dos arguidos de “atingir os seus propósitos de passarem as acções da SLN SGPS para a SLN Valor, como se as mesmas tivessem sido vendidas por entidades terceiras ao grupo”.
Já justificamos, mais que uma vez, porque não ficaram demonstrados estes propósitos ou este plano/estratégia.
Remete-se, pois, para a fundamentação oportunamente apresentada (facto não provado 246).
É certo que com a transferência de 1.250.000 acções da SLN SGPS para a SLN Valor aumentou o controlo accionista do grupo.
Porém, e isso já se justificou abundantemente, esse resultado não foi um fim planeado ou orquestrado pelos arguidos, ou seja, por eles pretendido (facto não provado 247).
Foi, tão só, uma consequência natural de uma compra e venda de acções, como tantas outras que ocorreram ao longo dos anos.
Vale aqui, também, a motivação que oportunamente se desenvolveu a este respeito.
*
Esgotada que está a análise crítica do tema Validus/Astroimóvel, cumpre analisar a matéria das contestações dos arguidos (…)
Prosseguimos com a contestação (fls. 17756 a 17784) do arguido LAl….
Desta, o único cuja análise está em falta é o facto 40º.
Nele se afirma que “o negócio da Validus não gerou qualquer prejuízo nas contas das sociedades do grupo SLN, nem tão pouco, na SLN Investimentos, S.A.”.
Demonstrou-se o contrário do que o arguido afirma (v. factos provados 567 a 573, 645 e 647 da pronúncia) com base nos elementos probatórios que oportunamente foram indicados e analisados.
Assim sendo, este facto alegado pelo arguido resulta não provado (v. facto não provado 12 da contestação).
(…)
Terminamos com a contestação (fls. 16098 a 16236) do arguido RO….
Os factos que aludem àquela matéria da pronúncia dividem-se em dois pontos que se ligam entre si e distribuem-se pelos arts. 159º, 204º a 214º (tema das acções: as 1.250.000 da SLN SGPS, S.A., “carregadas” na Nova Validus e a sua posterior venda à SLN Valor) e 279º a 298º (as mais-valias).
Não foram conduzidos à factualidade provada ou não provada da contestação os seguintes factos pelas razões indicadas infra:
- por ser manifestamente subjectivo (204º);
- por ser repetido (205º);
- por serem manifestamente conclusivos/valorativos (210º - “perfeitamente admissível”, 213º - “perfeitamente linear, legal e compreensível”);
- por se apresentarem como explicativos (211º, 295º);
- por conter matéria de direito que será apreciada noutra sede (213º);
- por encerrar juízo hipotético (214º - “e se o tivesse feito”);
- por se limitarem a fazer um resumo de parte dos factos da pronúncia (279º e 293º);
- por conterem juízos de valor sobre a pronúncia e/ou actuação do M.P. (279º, 280º a 287º, 292º e 294º);
- por serem opinativos (280º e 296º);
- por conterem “interrogações” (284º, 286º, 288º a 291º, 297º e 298º);
- por ser inócuo/irrelevante (296º);
Excluídos estes factos, restam só os relativos ao primeiro tema acima enunciado como pendente de análise.
Vejamos então:
Com base na motivação apresentada e elementos probatórios elencados conclui-se, de facto, que quando aquelas acções foram “carregadas” na Nova Validus o arguido RO… desconhecia a sua proveniência, ou seja, quem lhe estava a transmitir as acções (art. 159º da contestação; v. facto provado 37 da contestação).
Aliás, era-lhe indiferente quem estava a transmitir as acções.
O acordo do negócio do imóvel da R. D. João V. passava, além do mais, por receber uma sociedade que viesse “carregada” com aquele número de acções.
Se à data da contestação ainda desconhecia ou não essa proveniência é irrelevante.
O que releva é o conhecimento contemporâneo dos factos.
Os factos 208º e 209º da contestação correspondem ao que já consta provado em sede da matéria da pronúncia (v. facto provado 648 da pronúncia).
Por isso, fica prejudicada a inclusão destes factos nos factos provados ou não provados da contestação.
Relativamente aos factos sobrantes (206º, 207º e 212º; v. factos provados 38 a 40 da contestação), a prova deles resulta dos elementos probatórios já indicados, para os quais se remete, conjugados com as declarações prestadas pelo arguido RO… em julgamento, as quais, como sobredito, apresentaram-se sérias e credíveis.
Estes factos (206º, 207º e 212º da contestação), com o enquadramento que supra foi indicado, não pode considerar-se desfavorável ou prejudicial à defesa do arguido OC….
Trata-se, afinal, de uma simples compra e venda de 1.250.000 acções da SLN SGPS, S.A., entre a Nova Validus e a SLN Valor.
Assim sendo, não obstante o arguido RO… se ter recusado a responder às perguntas dos restantes sujeitos processuais, nada obsta a que sejam valoradas as suas declarações sobre aqueles factos.
Por fim, no que se refere à contestação do arguido RO…, importa referir:
No art. 299º aborda uma questão jurídica de ordem processual.
No art. 300º limita-se a negar a prática dos crimes que lhe são imputados e a pugnar pela sua absolvição.
Pelo seu teor estas preposições não foram levadas à factualidade provada ou não provada da contestação.
3. O MºPº entende que, no caso, o tribunal “a quo” errou, desde logo porque entendeu como credível a explicação avançada pelo arguido RO… para a sucessão de actos em que interveio, atribuindo-os a um mero negócio imobiliário, quando não era essa a génese dos mesmos, mas antes o que constava na pronúncia – encobrimento de controlo encapotado do Grupo SLN/BPN que, no caso, contou com a colaboração activa do ora recorrido.
Pede assim que o mesmo seja condenado pela prática de um crime de burla qualificada, nos termos dos art.ºs 217.º e 218, n.º 1 e 2, a), do Código Penal, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão.

4. Por seu turno, o arguido RO… pede que o recurso interposto seja rejeitado, pois entende que:
As conclusões apresentadas pelo recorrente se mostram demasiado extensas e são cópia da motivação;
Não se identifica um único e concreto ponto da matéria de facto como objecto da impugnação, mostrando-se incumprido o ónus de impugnação consignado no artº 412 nº 3 do C.P.Penal;
A decisão não padece de nenhum dos vícios previstos no artº 410 do C.P.Penal, sendo que o recurso se funda apenas na mera divergência conviccional entre o recorrente e o tribunal “a quo”;
A concentração de toda a indicação de prova num único ponto das conclusões impossibilita o exercício do contraditório;
Não se mostra fundamentada a razão que determina a discordância do recorrente quanto ao decidido;
A decisão proferida mostra-se correctamente fundamentada.
Termina pedindo a rejeição do recurso ou, subsidiariamente, que o mesmo seja considerado como improcedente.
5. Da rejeição do recurso pedida pelo recorrido.
O recorrido pede a rejeição do recurso interposto, pelas razões que aduz na sua resposta e que acabam de se resumir.
Sinteticamente (porque claramente não lhe assiste razão) dir-se-á:

i. A extensão das conclusões do recurso e a sua parcial reprodução do que se mostra referido em sede de motivação são algo que decorre, por um lado, da própria volumetria e complexidade destes autos (bem como da imputação fáctica constante na pronúncia em relação a este arguido: pontos 599 a 719) e, por outro, da circunstância de, como refere a lei, as conclusões extraírem, da motivação, um resumo das razões do recurso.
Confrontando o recurso interposto pelo MºPº e os restantes a apreciar neste acórdão (bem assim como as correspondentes respostas), não se vislumbra que essa extensão seja excessiva ou que impeça, seja de que modo for, o exercício do contraditório (em bom rigor a resposta apresentada pelo recorrido excede até, em extensão, o número de folhas das conclusões do recurso, visto que a primeira tem um pouco mais de 200 folhas e a segunda cerca de 120 folhas…).
Para além do mais, o recorrido apenas se queixa da extensão, mas não da incompreensibilidade. Ora algo que é extenso é, de facto, mais moroso e penoso de analisar, mas em nada impede o exercício do direito de defesa por parte do recorrido.

ii. No que concerne à impugnação da matéria de facto – pontos concretizados e pretensão reapreciatória – temos franca dificuldade em entender tal alegação, em sede de resposta, senão como um mero lapso de escrita.
Na verdade, depois de nos primeiros pontos das conclusões, o recorrente MºPº explicar a convicção do tribunal “a quo” e as razões pelas quais da mesma discorda, a partir da conclusão 231) enumera e especifica, um a um, quais os pontos de facto que pretende ver reapreciados e em que sentido, designadamente:

A. Pretende que seja alterada a decisão fáctica relativa aos pontos seguintes da pronúncia:
Artºs 601, 603 (factos não provados 183 e 184)
Artºs 604, 605, 606, 608 da pronúncia (factos não provados 185 a 188 do acórdão);
Artºs 609 da pronúncia (facto não provado 189 do acórdão)
Artºs 611, 612 e 614 da pronúncia (factos provados 580, 581 e 583 e factos não provados 190, 191 e 192 do acórdão – alteração de redacção);
Artº 616 da pronúncia (facto provado 585 e não provado 194 – alteração da redacção);
Artº 617 da pronúncia (facto provado 586 e facto não provado 195 – alteração de redacção);
Artº 620 da pronúncia (facto não provado197 do acórdão);
Artºs 632, 633 e 634 da pronúncia (factos não provados 200, 201 e 202)
Artºs 635, 636 e 637 da pronúncia (factos não provados 203, 204 e 205 do acórdão);
Artºs 650 e 651 da pronúncia (factos não provados 213 e 214)
Artº 652 da pronúncia (facto provado 615 do acórdão) – alteração de redacção
 Artºs 658, 659, 660, 661 e 671 da pronúncia (factos não provados 216, 217, 218, 219 e 222 do acórdão);
Artºs 669 e 670 da pronúncia (factos parcialmente não provados 220 e 221 do acórdão);
Artº 678 da pronúncia (parcialmente provado 636 e parcialmente não provado 225 do acórdão)
Artºs 688, 689, 690, 693 e 694 da pronúncia (factos parcialmente não provados 230, 231, 232, 235 e 236 do acórdão)
Artºs 695, 696, 700, 705, 711, 715, 716, 717, 718 e 719 da pronúncia (factos parcialmente não provados 237, 238, 239, 240, 242, 243, 244, 245, 246 e 247 do acórdão);
Artºs 1012 e 1013 da pronúncia – (factos não provados 309 e 310 do acórdão).

B. Entende que devem ser dados como não provados, da contestação do arguido RO…, os seguintes pontos:
Artºs 94, 95, 97 e 98 da contestação (provados 2, 3, 4 e 5 do acórdão);
Artºs 99 a 105, 113, 114, 115, 116, 119, 123, 125, 126, 127 da contestação (provados 6 a 21, 25 e 26 do acórdão);
Artºs 134, 135 e 136 da contestação (provados 27, 28 e 29 do acórdão);
Artºs 159, 206, 207 e 212 da contestação (provados 37, 38, 39 e 40 do acórdão);

iii. Face ao exposto (retirado das conclusões de recurso, que extraíram o que consta a este respeito na motivação), resulta patente não assistir qualquer razão ao recorrido no que invoca.
De igual modo, mostram-se igualmente cumpridos os demais requisitos previstos no artº 412 nºs 3 e 4 do C.P.Penal

iv. Finalmente, a enumeração da prova, em sede do recurso interposto pelo MºPº, não é feita num único ponto (como alega o recorrido), mas antes num título, sendo que cada um dos elementos probatórios se mostra devidamente identificado em alíneas próprias – i. a clxxxiv. – com indicação autónoma e clara da sua localização em termos de processado, bem como da matéria de facto relativamente à qual o recorrente entende que se mostram relevantes.
Ultrapassa-nos, de facto, em que é que tal formulação – por explícita, clara e organizada – é impeditiva do exercício do direito ao contraditório.

v. Em síntese, cabe concluir que no seu recurso, o recorrente claramente demonstra pretender que este tribunal proceda a uma reapreciação probatória dos pontos de facto que especifica, pelas razões que igualmente aduz, através das quais pretende demonstrar a existência de erro de julgamento, que impõe as alterações que propugna.
Tal fundamento de discórdia é legalmente admissível (artº 412 nºs3 e 4 do C.P.Penal) e mostram-se preenchidos os pressupostos de que depende tal peticionada reapreciação probatória.

vi. De resto, o próprio recorrido demonstra ter bem entendido tal pretensão, bem como os alicerces que a fundam, pois na sua resposta centra-se no rebatimento de tal argumentação (vide ponto II. DA AUSÊNCIA DE QUALQUER ERRO DE JULGAMENTO, que se estende por cerca de 150 folhas de exposição) essencialmente através da inserção dos excertos da fundamentação realizada pelo tribunal “a quo”, a propósito de cada uma da factualidade em discussão.
Não há assim, qualquer fundamento para a peticionada rejeição do recurso, por não se verificar nenhuma das circunstâncias previstas no artº 420 nº1 do C.P.Penal.

I. Apreciando.
1. Antes de mais, caberá constatar que, no que se reporta a uma série de factos que relatam a sucessão de acontecimentos nos quais o arguido RO… teve intervenção, os mesmos mostram-se definitivamente adquiridos nos autos – isto é, provados – uma vez que as impugnações realizadas pelos arguidos nos seus recursos não obtiveram provimento e dado ainda que, no âmbito deste recurso (interposto pelo MºPº) não foram alvo de impugnação, nem a seu respeito se vislumbra padecerem de qualquer um dos vícios previstos no artº 410 nº2 do C.P.Penal.
Assim, e à medida que formos abordando as questões aqui propostas, far-lhes-emos referência.

2. Na verdade, ninguém questiona que, no dia 31 de Outubro de 2000 entraram na conta pessoal do arguido RO… 1.250 acções da SLN SGPS, que este arguido não despendeu qualquer quantia com a sua aquisição, que tais acções foram depois passadas para a titularidade de uma outra empresa da qual este arguido era beneficiário efectivo (a “nova” Validus) e vendidas no dia 30 de Novembro de 2001 (um ano e um mês depois) à SLN Valor, pelo montante de 576.385.750$00 e que o arguido RO… passou o quantitativo de 568.200.527$00 da conta da “nova” Validus para a sua conta pessoal (factos provados 580 a 583; 648 a 651, 662 e 663).

3. De igual modo, definitivamente assente se mostra que, no dia 22 de Março de 2001, foi vendido - pelo preço de 325 mil contos - um imóvel detido pela mesma sociedade offshore “nova” Validus (prédio urbano sito na Avenida do Brasil, Rua Particular, lote um, Cascais), sociedade esta da qual o arguido RO… era beneficiário efectivo (UBO), sendo que o arguido RO… procedeu ao depósito na sua conta pessoal do montante de 300 mil contos, parte do preço correspondente a essa venda (factos provados 664 a 666).

II. Este intróito mostra-se necessário porque, pese embora o tribunal “a quo” tenha dado como assente o recebimento destas quantias, a estes títulos, por parte do arguido RO…, entendeu que as mesmas lhe eram devidas, por representarem a parte do preço em falta (neste se incluindo não só o valor das mais-valias decorrentes da venda à SLN Valor dessas acções, mas também o restante preço pelas mesmas por esta pago, como o próprio arguido admitiu em audiência e o tribunal “a quo” refere na fundamentação da sua convicção) no que concerne a um negócio de natureza exclusivamente imobiliária que havia celebrado com o fundo IMONEGÓCIOS, gerido pela IMOFUNDOS (pertencente ao Grupo BPN/SLN), nomeadamente o relativo à venda do imóvel onde veio a ser instalada a sede do Private Bank do BPN - imóvel sito na Rua Dom João V, em Lisboa; ou seja, ficou com esses montantes, porque estes lhe eram devidos, a título de resto de pagamento do preço desse imóvel.

1. Efectivamente, considerou o tribunal “a quo” que o preço acordado para a venda desse imóvel foi de 950 mil contos, sendo que o seu pagamento seria realizado nos seguintes termos:
Recorde-se que o arguido foi pago do preço (950.000.000$00) da venda do imóvel pelo modo seguinte:
1 - 350.000.000$00 em dinheiro (cheque);
2 - Transferência para a sua titularidade de uma sociedade, a Nova Validus, com o seguinte activo:
A - o imóvel sito na Av. da Brasil, em Cascais; e
B - 1.250.000 acções da SLN SGPS, S.A.;
 
2. Ora, é essa a primeira questão que o recorrente MºPº suscita, uma vez que entende que o preço de venda desse imóvel se reconduziu ao valor de 350.000.000$00, que foram pagos integralmente, no dia da venda do imóvel, ocorrida no dia 20 de Fevereiro de 2001.

3. Procedeu-se à revisão da prova, atendendo-se aos elementos probatórios consignados na fundamentação da convicção do tribunal “a quo”, bem como àqueles que o recorrente enuncia. Teve-se ainda em atenção os parâmetros já supra enunciados em F., no que respeita aos critérios a que se mostra sujeito tal tipo de reapreciação, relativamente a todos os recursos apresentados nestes autos, independentemente da qualidade dos recorrentes (arguidos ou MºPº).

III. Apreciemos então a primeira questão:
Qual foi o preço de venda, pela sociedade Altos Voos ao fundo Imonegócios, do imóvel da Rua D. João V. em Lisboa, como foi feito o pagamento desse preço e quem o devia receber?

A.
a. As quotas da sociedade “Altos Voos” pertenciam ao arguido RO… e à sua mulher, Man… (vide vol. 42, fls. 16.198 a 16.202), desde o dia 9 de Maio de 2000, data em que as adquiriram.

b. O imóvel sito na Rua Dom João V, n.°s 30, 30-A e 30-B, tornejando para a R. Silva Carvalho n.° 164, em Lisboa foi adquirido pela sociedade Altos Voos, Lda., pelo preço de 275.000.000$00, em 19 de Dezembro de 2000 (vide vol. 167, fls. 50.810 a 50.813 e facto provado 3), da contestação do arguido RO…).

c. Por acta lavrada com data de 10 de Janeiro de 2001, o conselho de administração da Imofundos deliberou a aquisição desse imóvel pela Imonegócios (vol. 167, fls. 50.819).

d. Esse prédio da Rua D. João V, em Lisboa, foi então vendido pela sociedade “Altos Voos” à Imonegócios - Fundo de Investimento Imobiliário Aberto BPN (fundo gerido pela IMOFUNDOS, pertencente ao Grupo BPN/SLN), em 20 de Fevereiro de 2001, sendo que o preço de venda, constante na escritura, foi de 350.000.000$00 (Vide vol. 42, fls. 16205 a 16208).

B. Afirma o tribunal “a quo” que, pese embora conste na escritura o preço de venda de 350.000.000$00, esse imóvel foi efectivamente vendido pelo preço de 950.000.000$00, mais adiantando que, entre a sua aquisição pela sociedade Altos Voos e a sua venda ao fundo Imonegócios, o arguido RO… (ou a empresa de que era sócio, não se esclarecendo qual dessas entidades), realizou obras nesse imóvel, no montante de 63.238.520$00.
Funda a sua convicção a este respeito, invocando as declarações prestadas em audiência pelo arguido RO… a esse propósito, que entendeu serem credíveis e mostrarem-se corroboradas pelo depoimento prestado pelas testemunhas VMa…, AC… e JMl ….

C. Assim sendo, analisemos então os elementos probatórios que o tribunal “a quo” entendeu como credíveis e nos quais fundou a prova quanto ao preço de venda do imóvel da Rua D. João V, em Lisboa, que fixou em 950.000.000$00, afastando o valor que se mostra consignado na escritura de compra e venda; ou seja, analisemos os documentos, bem como as declarações prestadas pelo arguido RO… e os depoimentos das testemunhas que o tribunal “a quo” refere como corroboratórias do por si dado como provado.

1. Relembremos que o prédio da Rua D. João V em Lisboa foi adquirido pela sociedade de que o arguido RO… era um dos sócios (as quotas da sociedade “Altos Voos” pertenciam ao arguido RO… e à sua mulher, MAn…), em 19 de Dezembro de 2000, pelo preço de 275.000.000$00.
Esse mesmo imóvel foi vendido à Imonegócios, em 20 de Fevereiro de 2001 – isto é, dois meses depois da sua prévia aquisição para a esfera do dito arguido.

2. Em dois meses – dois meses, repete-se – é credível que um imóvel se valorize mais do que 200%, ou seja, em dois meses passe a ter um valor acrescido de mais 675.000.000$00?

3. Justificou o arguido essa valorização com base em dois vectores – por um lado, comprou barato, porque eram muitos herdeiros e, por outro, fez obras de vulto, gastando mais de 60 mil contos na valorização do imóvel.

i. Salvo o devido respeito, a primeira justificação não tem pés nem cabeça, no que concerne a tentar explicar uma diferença de valor de mais de 600.000.000$00.
Na verdade, não se vê como é que o facto de serem vários herdeiros (no caso, seis) pode de alguma forma, em termos de senso comum, explicar que resolvam todos, em conjunto, praticamente doar um imóvel (um palacete, como o próprio arguido o qualifica), que se situa numa zona nobre de Lisboa, nas Amoreiras. E, na verdade, o próprio arguido também não esclarece como esse verdadeiro milagre ocorreu – limita-se a afirmar a sua verificação.

ii. No que se refere à segunda justificação, o seu montante mostra-se igualmente irrazoável e por demonstrar.
Desde logo, sendo o arguido RO… um experiente promotor imobiliário, sabe que o dinheiro que investe em obras num imóvel que pretende revender nunca poderá ser de tal ordem que venha a comprometer o expectável lucro na sua revenda – isto é, o valor das obras a realizar num imóvel destinado a revenda deve atender a qual o seu valor realístico, nessa sede, pelo que o investimento a realizar deve ser adequado ao mesmo (se se investir num imóvel para revenda mais do que o valor pelo qual provavelmente virá a ser revendido, face aos preços de mercado, perde-se dinheiro).

4. Mas, para além desta mera constatação de senso comum, a verdade é que não se mostra demonstrada a realização de obras que tenham implicado o dispêndio da quantia a que alude e, consequentemente, ajudem a explicar ou a justificar o brutal aumento de valor do imóvel, no prazo de cerca de 60 dias.

i. De facto, mais de 60.000.000$00 em obras, há cerca de 18 anos atrás (e ainda presentemente – cerca de 300 mil euros) demonstram que os trabalhos realizados num imóvel tiveram de ser de grande envergadura, o que implica também que necessitavam de licença camarária para a sua realização.
Ora, como já acima se referiu, o imóvel apenas esteve na esfera do património do arguido RO… durante cerca de 2 (dois) meses (entre finais de Dezembro de 2000 e finais de Fevereiro de 2001).
Assim, neste curtíssimo espaço temporal, não se vê como lhe teria sido possível obter licença camarária a para realização de trabalhos tão dispendiosos (e, forçosamente, com algum grau de morosidade) e proceder à realização dos mesmos.
E a verdade é que não existe nos autos qualquer documento que ateste tal pedido de licenciamento.

ii. Mas ainda que se considerasse que o arguido teria prescindido dessa exigência legal e avançado na mesma com as obras, a verdade é que, de igual modo, não há uma única factura junta aos autos que demonstre a realização de trabalhos de qualquer vulto, nem se vê como, em tão exíguo espaço temporal, os mesmos se poderiam ter realizado, especialmente se atendermos ao facto de, quando o imóvel foi adquirido, estarmos em cima do Natal e do Ano Novo e de, em 12 de Fevereiro de 2001, quando foram realizadas as avaliações dos imóveis (a que infra nos referiremos), não só nas mesmas não haver qualquer referência a obras em curso, como das fotografias então tomadas e juntas aos relatórios, se constatar a inexistência de quaisquer andaimes ou materiais que demonstrem que há trabalhos a decorrer no local (algumas salas têm cortinados pendurados, há mobiliário e candeeiros postos).

iii. O tribunal “a quo” faz referência aos balancetes gerais constantes do Vol.42, fls. 16.203 e 16.204, entendendo que as obras que aí se mostram consignadas – assim como o seu valor – demonstram o investimento a que o arguido RO… fez referência e credibilizam o por si dito a este título.
Esses balancetes (aparentemente relativos aos anos de 2000 e 2001) foram juntos pelo arguido RO… com a sua contestação.

iv. Como se constata pela consulta dessas cópias, os balancetes gerais referem-se ao apuramento do resultado líquido final de cada um desses anos, o que se retira da indicação como data de contabilidade de mês 15 – 31.15.2000 e 31.15.2001.

v. Sucede, todavia, que estes balancetes gerais são documentos de elaboração voluntária, para mera consulta interna, sendo que a referência a obras é genérica, sem qualquer discriminação sequer do mês a que se reportam ou das várias componentes que permitem compreender a que obras concretas essas entradas se referem (onde foram realizadas, quando, por quem, qual a parte que se refere a materiais e a parte relativa a mão de obra, foi por empreitada directa ou por sub-empreitada, etc.)

vi. Assim, não se mostrando tais balancetes gerais suportados por qualquer tipo de documentação (nem sequer se mostra junta uma única factura emitida por terceiros - isto é, por prestadores alheios à sociedade Altos Voos) ou de prova testemunhal directa (alguém que tivesse tido intervenção nas obras realizadas, porque se o foram, alguém as teve de executar) que demonstrasse a existência de trabalhos ou, pelo menos, a aquisição de materiais necessários à sua execução e o local e data em que os mesmos se processaram, tais balancetes não são susceptíveis de, apenas por si, demonstrarem a existência dessas obras, nem o seu valor.

vii. Para além do mais, se confrontarmos os montantes relativos ao ano de 2000 e ao ano de 2001, constata-se que o quantitativo em euros relativo ao ano de 2001 nem sequer corresponde à conversão do valor consignado no ano de 2000 em escudos, nada havendo em tais balancetes que explique essa discrepância. De igual modo, tratando-se de um balancete final, estranha-se que a referência a obras se mantenha no documento relativo ao ano de 2001, já que a intervenção da sociedade Altos Voos, no que se refere à venda do imóvel, terminou em Fevereiro desse ano.

viii. Acresce que a verosimilhança de tais valores se referirem a obras realizadas no imóvel da Rua D. João V. se mostra igual e francamente abalada se atentarmos a que o valor de obras aparentemente imputável ao mesmo, no balancete geral do ano de 2000 (ou seja, que se reportaria a obras realizadas nesse ano civil), seria de 62.875.635$00, o que determinaria que, no espaço de 11 dias (entre 20 de Dezembro, data da aquisição e 31 de Dezembro, final do ano) se teriam despendido mais de 60.000.000$00, concretamente em sete dias úteis, já contando com o dia da escritura (uma vez que os dias 23 e 24 e 30 e 31são sábado e domingo e dia 25 foi feriado).

ix. No que se refere às obras, e para finalizar, dir-se-á ainda o seguinte:
O arguido não procedeu a qualquer enunciação de quais foram os concretos trabalhos que foram realizados; isto é, não descriminou sequer minimamente, quer em sede de contestação, quer em audiência (para além de uma breve alusão a “muito cimento” – para quê e em que local concreto, ignora-se), que obras concretamente foram realizadas no imóvel.
Não existe nenhum orçamento, nenhum plano de obras, nenhuma lista descritiva de trabalhos nem de materiais a aplicar, nenhum livro de obras, não existe uma única factura ou recibo, nenhum depoimento de alguém que na execução das mesmas tivesse estado directamente envolvido, que permita poder assegurar-se, com um grau mínimo de certeza, que foram realizadas obras no imóvel entre finais de Dezembro de 2000 e finais de Fevereiro de 2001 nem, obviamente, qual a sua natureza ou o valor despendido por virtude das mesmas.

x. Mesmo se atentarmos no teor do depoimento prestado por VS… a igual conclusão chegamos já que, a este propósito, referiu apenas ter ido uma vez ao imóvel antes de este ter passado a servir como sede do Private Bank do BPN (quando já ali estava instalado o Banco, foi lá muitas vezes) e referiu ter visto obras. Que obras eram, não referiu, nem fez das mesmas qualquer descrição e, de igual modo não esclareceu qual o momento temporal exacto dessa visita.

xi. Nenhuma das outras testemunhas ouvidas tinha qualquer conhecimento quer da realização de obras, quer da sua natureza, quer do seu valor.

xii. E, embora o relatório de avaliação da Engineering (que infra, mais detalhadamente, trataremos) refira “que se trata de um edifício remodelado com qualidade, requinte e conforto”, a verdade é que se ignora quando é que tal remodelação foi efectivamente realizada, por quem, com que extensão, em que montantes e quem é que a pagou (até porque se desconhece qual era o estado do imóvel à data da sua aquisição pela sociedade Altos Voos).

xiii. Assim, embora se admita como possível que algumas obras possam ter sido realizadas no imóvel pela Altos Voos (pelo menos a nível de limpeza e pinturas), a verdade é que se desconhece quando, por quem e por quanto, porque inexiste prova que permita comprovar a sua efectiva realização, sendo que tal prova seria muito simples de ser produzida pelo arguido RO….
Na verdade, e uma vez que foi o arguido RO… quem suscitou a questão das obras, alegando que ocorreram e que tiveram aquele valor, nada mais simples para si do que, juntamente com os balancetes (ou em substituição destes), no momento da apresentação da sua contestação (ou até ao final do julgamento, se necessário), proceder à junção de documentos (facturas, orçamentos, descritivos de obras) que demonstrassem que este arguido tinha efectivamente realizado e suportado o custo de tais obras (por si mesmo ou por intermédio da sociedade Altos Voos) ou procedesse ao arrolamento de testemunhas que nas mesmas tivessem tido intervenção.
 
5. Temos pois que, nesta parte da versão apresentada pelo arguido RO…, mal andou o tribunal “a quo” ao entender que se mostrava demonstrada a realização de obras, pelo valor que deu como assente, pois as declarações que aquele prestou não se mostram suportadas por prova que as confirme. E, decorrentemente, ao entender como irrealista que, face ao investimento total que fez no imóvel (preço de aquisição+valor de obras} 275.000.000$00+63.238.520$00=338.238.520$00) o seu lucro na revenda fosse “apenas” na ordem dos 12.000.000$00 (o que, apesar de tudo, sempre corresponderia a um lucro alcançado em apenas dois meses, em assinalável percentagem), considerando que este era mais um elemento credibilizador do preço de aquisição pelo arguido declarado – 950.000.000$00.
Temos pois de concluir que a convicção alcançada pelo tribunal “a quo” nesta parte - relativa à valorização do imóvel da Rua D. João V., em Lisboa, por virtude das obras no mesmo realizadas - se mostra desprovida de sustentação, face aos comandos consignados no artº 127 do C.P.Penal.

6. E se se mostra por demonstrar qualquer uma das justificações que o arguido RO… apresentou para fundamentar as razões pelas quais o imóvel, em dois meses, se valorizou em mais 675.000.000$00, resta-nos apreciar se existem outros elementos probatórios que nos permitam afirmar que, independentemente desse acréscimo de valor decorrente de obras, o imóvel da rua D. João V, em Lisboa, de facto, valia o que afirma.

7. Para além do que já se deixou vertido, dir-se-á que os depoimentos que o tribunal “a quo” invoca como corroboratórios do preço de venda do imóvel que dá como assente (950 mil contos) e que afirma corresponderem ao seu efectivo valor de mercado, na realidade não o são.

i. Desde logo, nenhum dos inquiridos manteve qualquer negociação com o arguido RO… e, para além da testemunha AC…, à data presidente da Imofundos (que geria a Imonegócios) e que, nessa qualidade, subscreveu a escritura de compra e venda do imóvel – que ainda assim referiu que o negócio lhe foi apresentado como definitivamente assente pelo arguido JO… e que o preço de aquisição seria de 350.000.000$00 – nenhum dos dois restantes inquiridos (VS… e JMl…) teve qualquer intervenção ou conhecimento directo do negócio.

ii. Assim, VS… (investidor imobiliário) limitou-se a repetir à exaustão que o imóvel quando já era a sede do Private Bank era muito luxuoso, “estava impecável”, cheio de obras de arte valiosas e, quando lhe foi pedido que indicasse valores, referiu que o edifício devia valer então um milhão e o recheio 300 mil (contos).
Mas admitiu não saber nada quanto ao preço de venda.
E note-se que o requinte e a qualidade da construção foram assinalados pela própria Engineering e atendidos na avaliação que fez (e que se situa 640.000.000$00 abaixo da alcançada por esta testemunha, como infra se referirá, sendo certo que o valor do recheio é irrelevante porque, como o próprio arguido assume, não houve venda do mesmo).
Para além do mais, os valores que a testemunha apresentou fundaram-se numa estimativa de ter o imóvel 2.000 m2 de construção quando, de facto, não chega aos 1.000 m2 de construção, como resulta inequívoco e não contraditado, dos relatórios de avaliação a que infra faremos mais pormenorizada referência e como até o próprio tribunal “a quo” afirma.

iii. Mutatis mutandis a história repete-se no que se refere à errónea indicação dos metros quadrados do imóvel, quando a testemunha JMl… prestou depoimento.
Curiosamente, a páginas tantas e depois de várias tentativas de determinação do valor por m2 (a testemunha esclareceu que nunca fez avaliação, dedicando-se à análise de projectos de investimento), é-lhe perguntado se achava que o valor de cerca de € 2.000,00 (cerca de 400 contos) por m2 seria adequado à data e ao local, ao que a mesma respondeu que era um número possível, embora o achasse caro, caso fosse ele o adquirente.
Ora, fazendo as contas à área construída (que é a que aqui importa, uma vez que se tratou da venda de um prédio urbano e não de um terreno para construção) que não é constituída por logradouros e arrumos (pois esses têm um valor diverso em termos de metro quadrado) e que ronda os 900 m2 (como resulta das medições realizadas em ambos os relatórios de avaliação a que infra mais detalhadamente faremos referência), o valor do imóvel rondaria em escudos o que consta na escritura, a aplicar-se tal avaliação.
E, no entender desta testemunha, seria caro.

iv. Do que se deixa dito decorre, claramente, que o preço avançado pelo arguido RO… não se mostra sustentado por estes dois depoimentos, ao inverso do que o tribunal “a quo” afirma.

8. Mas, para que não restem dúvidas, temos que a própria versão do arguido RO… - quanto ao valor de mercado do imóvel da Rua D. João V, em Lisboa, à data da venda à Imonegócios - se mostra incapaz de igualmente sustentar esse valor, por apresentar incongruências e contradições de tal modo assinaláveis, que irremediavelmente comprometem a sua credibilidade.

i. Como atrás já se referiu mas agora se retoma, porque facilita o acompanhamento do raciocínio, a versão do arguido era (como o acórdão não se cansa de repetir):
Recorde-se que o arguido foi pago do preço (950.000.000$00) da venda do imóvel pelo modo seguinte:
- 350.000.000$00 em dinheiro (cheque);
- transferência para a sua titularidade de uma sociedade, a Nova Validus, com o seguinte activo:
- o imóvel sito na Av. da Brasil, em Cascais; e
- 1.250.000 acções da SLN SGPS, S.A.;
 
ii. Assim, para além do cheque no valor de 350.000.000$00 – que entrou na conta da sociedade Altos Voos - o arguido RO… (e não a sociedade vendedora), por si ou por intermédio de uma outra sociedade de que era beneficiário efectivo (a “nova” Validus) recebeu os restantes 600.000.000$00, sob a forma de 1.250 acções da SLN/SGPS (que teriam um valor próximo de 500.000.000$00) e um imóvel sito em Cascais (que, à data em que ocorreu a transmissão desse património para a sociedade nova Validus, o arguido avaliou em 100.000.000$00, avaliação que o arguido OC… aceitou, na sua versão).

iii. Desde logo, não deixa de causar estranheza que, pertencendo o imóvel da Rua D. João V, em Lisboa, a uma sociedade – a Altos Voos - o tribunal “a quo” aceite pacificamente e como algo de natural e legal que o resto do pagamento pela sua venda seja património pessoal do arguido e não da sociedade (quando, para além do mais, o arguido RO… nem sequer era o único sócio da mesma).
Ora, o património pessoal de alguém e o património de uma sociedade não se confundem e não são intermutáveis, não sendo legítimo (nem legalmente admissível) entender-se que algo que pertence a uma pessoa colectiva pode passar, sem qualquer justificação ou, pelo menos, cumprimento de obrigações fiscais, para o património de uma pessoa singular.
 
iv. Causa igualmente estranheza – para dizer o mínimo – que o pagamento de parte do preço de um imóvel (designadamente as mencionadas 1.250 acções) seja entregue a alguém, quando nem este, nem a sociedade que gere, são ainda sequer seus proprietários.
De facto, as 1.250 acções da SLN SGPS entraram na conta do arguido RO… no dia 31 de Outubro de 2000, isto é, um mês e vinte dias antes de a sociedade Altos Voos ter sequer adquirido o imóvel da Rua D. João V.

v. E maior estranheza se evidencia quando a explicação para tal “pagamento antecipado” de algo que não se tem e que não se sabe ainda, com certeza jurídica, que se virá a obter, surge justificado pelo arguido pela necessidade que teve de obter uma garantia, por parte do potencial futuro comprador, de que o negócio iria para diante.
Especialmente se atendermos a que, segundo declarações do mesmo arguido, os negócios que fez com o Grupo SLN/BPN foram sempre caracterizados por grande informalidade, dada a grande relação de confiança que então mantinha com o arguido JO….

vi. De tal modo informal era essa relação que, como se mostra exarado na fundamentação realizada pelo tribunal “a quo”, o arguido RO… afirmou em julgamento que:
- Sempre que fez parcerias imobiliárias com o grupo SLN/BPN os financiamentos formais não existiram.
As condições do financiamento eram discutidas pessoalmente com OC…. OC… não exigia nem pedia a formalização dos financiamentos nas parcerias.
O que é certo é que o dinheiro aparecia na altura devida nas contas das empresas que estavam a comprar, neste caso na Oardale, ou seja, apareciam na altura das escrituras os cheques para pagamento às entidades respectivas.
- Nunca teve qualquer documento na sua posse indicativo de que era o beneficiário da Oardale, nem nunca o exigiu, porque sempre actuou com base na confiança estabelecida com o arguido OC… na parceria do negócio da sociedade Astroimóvel.

vii. Ora, atendendo à descrição por si feita do relacionamento que manteve com este Grupo, a explicação que dá para a entrada de 1.250 acções da SLN/SGPS na sua conta pessoal, nas circunstâncias acima descritas, mostra-se absurda e incredível, por se mostrar contraditada pelo relato que o próprio arguido RO… faz da natureza informal e de confiança que mantinha com o Grupo.
Se não precisava de formalizar contratos de mútuo, nem de dar garantias reais e o dinheiro aparecia sempre quando era preciso, não se vê porque é que naquele específico negócio de compra e venda havia de exigir garantias prévias e, mais relevantemente, a que propósito é que o arguido JO… lhas havia de dar, especialmente quando, à data em que tal “garantia” foi “prestada”, o prédio ainda nem sequer pertencia ao arguido RO… nem à sua empresa…

viii. E mais esdrúxula se mostra essa versão de pagamento antecipado do preço através do recebimento de acções, quando se pondera o seguinte:
Servindo estas acções como parte do pagamento do imóvel da Rua D. João V, em Lisboa, seria natural que o arguido RO…, assim que a escritura se realizou (já que entendia que esse dinheiro lhe pertencia) procedesse à venda das mesmas, recebendo então os 500 mil contos que estas lhe deveriam render ou, em alternativa, que as mantivesse onde estavam e onde, no seu entendimento, pertenciam – a sua conta pessoal.

ix. Mas, curiosamente, não foi isso o que se passou.
Na verdade, o que aconteceu foi que, através de um sucessivo número de operações, essas 1.250 acções saíram da sua conta e acabaram por ir parar à conta de uma nova sociedade, da qual o arguido RO… era beneficiário efectivo (a “nova” Validus), vindo a ser vendidas cerca de um ano depois.

x. Para quê, então, toda a sucessão de movimentações financeiras que levaram à mudança de titularidade dessas acções se, em 31 de Outubro de 2000 elas já estavam onde deviam estar - na conta pessoal do arguido RO…?
E que força de garantia tinham as mesmas se a sua entrada e saída da conta pessoal do arguido RO… era realizada sem a sua intervenção?

xi. Assim, essas mesmas movimentações e a mudança de titularidade das ditas acções, são demonstrativas de que a entrega daquelas não serviu qualquer propósito relacionado com o pagamento do preço do imóvel da Rua D. João V, em Lisboa, mostrando-se assim incredível a versão que o arguido defendeu em audiência.

xii. Sob um ponto de vista meramente aritmético, mostra-se igualmente sem sustentação que tais 1.250 acções da SLN SGPS servissem como parte do pagamento do preço do imóvel da Rua D. João V, em Lisboa, atendendo ao montante que o arguido referiu ter sido acordado - 950.000.000$00.
Senão vejamos:
 
xiii. As acções, quando foram vendidas, foram-no pelo montante de 576.385.750$00, sendo o valor de aquisição inicial - não despendido pelo arguido - de 463.614.625$00.
Na venda à SLN Valor, a esse montante (463.614.625$00) acresceu o valor de 112.771.125$00, correspondente às mais-valias alcançadas com a venda, resultantes da diferença de cotação das acções (inicial: € 1,85; na venda: € 2,30).

xiv. Somando esse valor total com o que obteve e fez entrar na sua conta pessoal, depois de ter procedido à venda do imóvel de Cascais (300.000.000$00), teremos de concluir que, mesmo na versão apresentada pelo arguido RO…, o preço do imóvel da Rua D. João V não seria de 950.000.000$00, mas antes de 1.226.385.750$00 (350.000.000$00 recebidos na escritura pela Altos Voos + 576.385.750$00 correspondente ao valor de venda das acções + 300.000.000$00 correspondentes ao preço recebido pela venda do imóvel de Cascais), ou seja, o preço de venda situar-se-ia em cerca de 300.000.000$00 (276.385.750$00) acima do por si indicado.

 xv. E, numa outra perspectiva, a igual resultado se chegaria (desconformidade entre o recebido e o propalado preço de venda de 950.000.000$00), se se atendesse apenas à soma das parcelas que o próprio tribunal “a quo” considerou como assente que o arguido RO… fez suas, designadamente, se se proceder à soma dos valores das mais-valias da venda das acções, no montante de 112.771.125$00 + 300.000.000$00 que também fez entrar na sua conta pessoal, depois de ter procedido à venda do imóvel de Cascais + 350.000.000$00, valor recebido pela Altos Voos, na celebração da escritura, o que atinge o total de 762.771.125$00; ou seja, o “preço” seria, nesta hipótese, cerca de 200.000.000$00 (187.228.875$00) inferior ao por si declarado.

9. Do que se deixa dito, há que constatar que a versão do arguido RO…, no que se refere ao valor de mercado e de revenda do imóvel da Rua D. João V, em Lisboa, se mostra em si mesma contraditória e por corroborar pelos elementos probatórios que o tribunal “a quo” avança, isto é, não se mostra minimamente suportada pela prova produzida, analisada à luz das regras de experiência comuns.

10. Mas eram apenas estes os elementos probatórios de que o tribunal “a quo” dispunha?
A resposta é simples – não, não eram.

i. Na verdade, tratando-se a entidade adquirente do imóvel da Rua D. João V, em Lisboa, de um fundo imobiliário, não impunha já então a lei que, previamente à aquisição, esse bem tivesse de ser avaliado por avaliadores independentes, credenciados pela CMVM, de modo a poder ser alcançado o seu real valor de mercado?
A resposta é simples – impunha e ainda hoje impõe, como se constata pela mera leitura dos seguintes diplomas:
À data: Decreto-Lei n.º 294/95, de 17 de Novembro[5] e Regulamento CMVM nº 97/11;[6]
Presentemente: Decreto-Lei nº 13/2005, de 7 de Janeiro[7] e Lei n.º 153/2015, de 14 de Setembro[8].

ii. O incumprimento de qualquer uma destas exigências legais era e é susceptível de constituir contra-ordenação, punível quer com coima, quer com sanções acessórias, quer ainda com apreensão e perda de vantagens obtidas, como se mostra previsto no Dec. Lei nº 486/99, de 13 de Novembro (código dos valores mobiliários).

iii. E bem se entende que assim seja, porque dada a natureza e o fim destes fundos, a exigência de valorização correcta dos bens imóveis que o integram mostra-se essencial, desde logo para o investidor, que terá de ter razões para confiar nos valores dos bens que integram o património do mesmo, para que possa decidir o seu investimento. 
Pretende-se, assim, com este mecanismo – avaliação de imóveis o mais próximo e fiel possível ao seu efectivo preço de mercado – evitar a sub ou a sobre avaliação que, consoante as circunstâncias, poderia interessar contabilisticamente a quem dirige tais fundos.
Daí que o supervisor queira ter alguma garantia da veracidade dos valores que lhe são apresentados e daí, consequentemente, a exigência legal de impossibilidade de aquisição para qualquer fundo de um bem imóvel, sem prévia sujeição a avaliação independente e credenciada, bem como a obrigatoriedade de a aquisição do mesmo, em termos de preço, não poder superar a mais elevada das avaliações realizadas.

iv. Assim, retornando à questão, não restam dúvidas que o imóvel da Rua D. João V., antes de ser adquirido pelo fundo Imonegócios, teve de ser avaliado.

v. E, efectivamente, a Imonegócios (via Imofundos) cumpriu a determinação legal e pediu dois relatórios de avaliação a duas entidades avaliadoras, credenciadas junto da CMVM, designadamente à Imorating e à Engineering (vide Vol. 167, fls. 50.771 a 50.799).

11. Assim sendo, analisemos então o teor de tais relatórios, tendo em atenção as regras de avaliação que os informam e aos quais os respectivos avaliadores estão sujeitos.

i. No relatório da Imorating consta, no que ora nos importa:



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iii. O que decorre da confrontação dos dois relatórios resume-se facilmente:
Em 12 de Fevereiro de 2001, isto é, oito dias antes da data em que foi celebrada a escritura de venda do imóvel da Rua D. João V, em Lisboa, o seu valor de mercado rondava os 350/360 mil contos.
No primeiro relatório atendeu-se, para fins de avaliação, ao critério de comparação de mercado e, no segundo, ao valor capitalizado das rendas previstas, tendo sido considerada uma taxa de remuneração de 8%.

iv. Assim, conclui-se que, em termos de avaliação independente, feita por técnicos especialistas na matéria, que visitaram o local, que o mediram e fotografaram - técnicos estes que, perante a autoridade de supervisão (no caso, a CMVM) garantem a correspondência dos valores que alcançam ao real valor do imóvel, em termos de mercado - o valor do mesmo correspondia, à data, ao preço que consta na escritura.

12. Aqui chegados, resta-nos então perceber porque razão o tribunal “a quo” afastou tais avaliações e as entendeu como não credíveis.
E a resposta é – porque acreditou no que o arguido (na sua tese, corroborado pelos depoimentos das testemunhas a que alude) referiu a esse propósito.
Na verdade, pese embora o acórdão faça referência a tais relatórios, dos mesmos limita-se a retirar os elementos físicos do imóvel, designadamente as suas áreas e distribuição por pisos. E, de seguida, ignora o seu teor e refere a credibilidade da versão apresentada pelo arguido, face – na sua perspectiva – à inverosimilhança da versão exposta na pronúncia, nada referindo no que concerne à apreciação intrínseca da validade e verosimilhança probatória desses relatórios de avaliação.

13. Sucede, todavia, que não estamos aqui perante um caso de credibilidade ou incredibilidade de versões explicativas gerais para toda uma conduta – estamos perante uma questão simples e concreta: qual era o valor daquele imóvel.
Assim, a existirem elementos probatórios objectivos e dirigidos directamente à resposta dessa questão, não há que ponderar versões – há que apreciar prova.

i. É verdade que essa prova será livremente ponderada, nos termos consignados no artº 127 do C.P.Penal mas, não obstante, tem de ser analisada e, refutando-se o seu valor probatório, há que explicar as razões para tal.
Não pode é ser ignorada, não atendida, afastada, sem que se expliquem as razões que o determinaram.

ii. E o que sucede é que essa prova – a que resulta de tais avaliações – embora seja feita menção à sua existência, não foi confrontada com a dita versão apresentada pelo arguido e deveria tê-lo sido.
Na verdade, atendendo a tudo o que antes se deixou já referido, ou bem que existiam elementos probatórios que permitissem concluir que as avaliações não mereciam qualquer crédito – e aí competia ao tribunal “a quo” explicar quais os erros constantes nessas avaliações que o faziam das mesmas desacreditar, concretizando tais enganos – o que determinaria a falta de relevo probatório das mesmas ou, inexistindo tais desacertos, mandam as regras que se atenda ao que aí se mostra vertido e se proceda à sua confrontação com o restante acervo probatório.

iii. E assim é independentemente de estarmos perante prova testemunhal, documental ou outra.
Mas mais ainda, neste caso concreto em que, embora não estejamos perante prova pericial no sentido técnico que o C.P.Penal prevê (logo não estando sujeita à disciplina do artº 163 desse diploma legal, não sendo prova vinculada), estamos perante elementos probatórios de relevante credibilidade, dada a natureza, as exigências e as especificidades que norteiam tal tipo de avaliações.

iv. Porquê?
a. Porque são duas avaliações executadas por entidades independentes entre si;
b. Realizadas por técnicos que são especialistas, precisamente, na avaliação de imóveis (o que significa terem profundo conhecimento do mercado e dos seus condicionalismos, incluindo os temporais);
c. Estes técnicos mostram-se especialmente credíveis (por alguma razão, no artigo 3º do Regulamento nº 97/11 a que supra já fizemos referência se diz que a avaliação de um imóvel deve ser efectuada com o fim de fornecer à entidade gestora uma informação objectiva e rigorosa, de acordo com o melhor preço que poderia ser obtido, caso o mesmo imóvel fosse vendido em condições normais de mercado, no momento da avaliação – sublinhados nossos), face à sua credenciação perante uma entidade fiscalizadora, também ela independente (no caso, a CMVM).
d. Estes técnicos não estão envolvidos no negócio que se celebrará, cabendo-lhes apenas avaliar um dos seus itens (valor do imóvel).

v. Estamos, assim perante dois elementos probatórios que se mostram, à partida, altamente credíveis, porque independentes e especializados.
E estes elementos probatórios (estas avaliações) apuram o valor real, em termos de mercado, do prédio da Rua D. João V, em Lisboa, na mesma ordem de valores do preço que consta na escritura da sua venda.

14. Expostas as incongruências, inverosimilhanças e ausência de sustentação por outros elementos probatórios, da versão que o arguido RO… apresentou em julgamento, no que concerne ao valor de venda do imóvel da Rua D. João V, em Lisboa, resta-nos concluir que os únicos elementos probatórios, relativos ao mesmo, que se mostram credíveis, porque fundamentados, são os que resultam da apreciação conjunta dos valores declarados em sede de escrituras, do montante do cheque entregue para pagamento à Altos Voos e dos relatórios de avaliação, realizados pelos avaliadores independentes e credenciados já acima referidos.

i. Na verdade, não estamos perante um contrato entre sociedades comerciais e/ou particulares, em que há plena liberdade contratual, mas antes perante um contrato de compra e venda de um bem imóvel, em que o adquirente é um fundo imobiliário.

ii. Neste tipo de negócios há uma série de regras que a lei impõe às partes e estas não podem afastar – entre as quais a avaliação do bem pelo seu valor real de mercado, realizado por entidades independentes e técnicos que se dedicam profissionalmente à actividade de avaliação imobiliária, sendo que o preço de aquisição não pode ultrapassar o valor máximo definido em tais avaliações - bem como uma entidade supervisora independente, que vela pelo seu cumprimento (a CMVM), que pode impor sanções caso o negócio não cumpra esses requisitos legais.

iii. Temos, igualmente, um negócio de compra e venda que foi realizado escassos dois meses após a aquisição do imóvel a 6 herdeiros, sendo que ninguém contesta que o preço pelo qual a sociedade Altos Voos então o comprou foi de 275.000.000$00.

iv. Não se mostra demonstrado que, durante o período temporal em que esse imóvel da Rua D. João V, em Lisboa, esteve na esfera do arguido RO… (cerca de 2 meses), tenha beneficiado de obras em valor igual ou superior a 60.000.000$00.

v. Nos relatórios de avaliação, o valor real do imóvel rondaria os 350 mil contos.

vi. É esse o valor que consta na escritura e que está de acordo com o cheque que, nesse mesmo dia, foi depositado na conta da Altos Voos.

vii. Assim, atendendo ao que se deixa dito, constata-se que não só os relatórios de avaliação se não mostram infirmados por quaisquer outros elementos probatórios credíveis, como se mostram confirmados com os actos efectivamente praticados (escritura e cheque de pagamento), sendo certo que o valor que aí se consigna permite concluir que, com tal venda, a sociedade Altos Voos alcançou, de facto, um lucro apreciável com a revenda, como aliás seria expectável, sendo o seu gerente – o arguido RO… – um experiente empresário do ramo do imobiliário.

Conclusão do ponto III. (Qual foi o preço de venda do imóvel da Rua D. João V. em Lisboa, pela sociedade Altos Voos ao fundo Imonegócios, como foi feito o pagamento desse preço e quem o devia receber):
Face ao exposto, conclui-se que a reapreciação da prova determina, por obediência aos imperativos consignados no artº 412 nºs 3 e 4 do C.P.Penal e já supra assinalados, que se tenha de entender que a convicção alcançada pelo tribunal “a quo”, quanto a esta matéria, se mostra totalmente desamparada face aos elementos probatórios produzidos e onde afirma fundar a sua convicção, pelo que se impõe a rectificação de tal erro (a final far-se-á a enunciação, concretizando-se em termos de pontos de matéria de facto provada e não provada - face à pronúncia e ao acórdão - que terá de ser alterada).
Assim, respondendo à questão proposta:
O preço de venda do imóvel da Rua D. João V., em Lisboa, pela Altos Voos à Imonegócios, foi de 350.000.000$00.
Tratou-se de um negócio imobiliário celebrado entre aquele empresa e este fundo, com pagamento do preço integralmente saldado no acto da escritura.
Não se mostra provado que nesse imóvel tenha sido despendida a quantia de mais de 60.000.000$00 em obras, pela sociedade Altos Voos.
O preço dessa venda pertence à sociedade Altos Voos e foi por esta recebido.

IV. Apreciemos então a próxima questão:
Uma vez que o arguido RO… não tinha a receber qualquer quantia, a título de pagamento de preço do imóvel da Rua D. João V., em Lisboa, tinha direito a fazer seus quantitativos monetários a outro título?

1. As sucessivas movimentações financeiras, bem como os respectivos circuitos de financiamento, que levaram à celebração de uma série de actos que, por sua vez, determinaram entrada de valores em sociedades dos quais, subsequentemente, foram retirados, passando para o património pessoal do arguido RO…, financiamentos estes integralmente suportados por entidades e sociedades pertencentes ao Grupo SLN/BPN, mostram-se descritas e assentes, na sua essencialidade, em sede de matéria fáctica dada como provada pelo tribunal “a quo” (valor de 568.200.527$00 proveniente da conta da nova Validus; quantitativo de 300.000.000$00, referente a parte do preço da venda do imóvel de Cascais, pertencente à nova Validus; 35% das acções da sociedade Astroimóvel e subsequente percentagem de 35% resultante do produto da sua venda – factos provados 662), 666), 600), 601), 613), 615), 618) a 620)).
São factos objectivos, em si mesmo não impugnados e que, na sua essência, não padecem de qualquer um dos vícios previstos no artº 410 nº 2 do C.P.Penal.
Na verdade, o que o recorrente MºPº questiona e, isso sim, se mostra aqui em discussão, é que o arguido não recebeu tal património do modo como o tribunal “a quo” entendeu – como o resto do pagamento do preço de um negócio imobiliário, numa parte e, na restante, no âmbito de uma outra parceria negocial - mas antes que se apoderou ilegitimamente do mesmo, por virtude de uma encenação em que colaborou, que tinha por fim ludibriar os accionistas do Grupo SLN/BPN, causando-lhes prejuízo e alcançando para si um benefício a que não tinha direito.

2. Assim, temos sinteticamente o seguinte, atendendo apenas ao que o tribunal “a quo” deu como assente:

A. No dia 31 de Outubro de 2000, 1.250 acções da SLN SGPS foram depositadas directamente na conta do arguido RO…, resultado da putativa venda pela Emka, ao preço de €1,85 cada (no montante total de 463.614.625$00/€ 2.312.500,00), sendo beneficiário efectivo dessa entidade Emka o Grupo SLN/BPN (facto provado 231). A Emka foi creditada nesse valor, mas não foi o arguido quem pagou aquelas acções.
Estas acções foram posteriormente retiradas da conta do arguido RO… e vendidas à Invesco (a partir de 29 de Setembro de 2000 a conta da Invesco passou a estar titulada pela Venice). (factos provados 559, 580 a 586).

B. A sociedade Validus pertencia à SLN Imobiliária.
Em 28 de Dezembro de 2000, foi vendida à SLN Investimentos, que pagou o preço respectivo (embora a sociedade Validus tivesse estado anteriormente “parqueada” na Invesco, sendo que a rectificação desse parqueamento de 90% das acções da Validus na Invesco foi feito no dia seguinte à venda da Validus à SLN Investimentos).
Por virtude da cisão realizada em 28 de Dezembro de 2000, a sociedade Validus foi dividida (pela SLN Investimentos) em duas sociedades:
a. A Quinta da Torre Stº António - sociedade resultante da fusão – ficou com o património constituído pelo imóvel de Torres Vedras (As operações relacionadas com esta sociedade nada têm a ver com o que aqui se discute em relação ao arguido RO…).
b. A nova Validus – cujo património passou a ser constituído pelo imóvel sito na Avenida do Brasil, Rua Particular, Lote um, em Cascais.
Na cisão, foram ainda creditados na nova Validus suprimentos (factos provados 594 a 599, 631).

C. No dia 29 de Dezembro de 2000:
a. A nova Validus é vendida à Groundsel, pelo preço de € 738.614.615,00, sendo que o financiamento veio da Kinasol (em 29.12.2000) e da Oardale (em 31.12.01), por recurso a descoberto nas suas contas no BPN Cayman.
b. A Invesco vende as 1.250 acções da SLN SGPS à nova Validus, sendo o arguido RO… quem assina o contrato de compra das acções pela nova Validus, em representação desta.
c. O património da nova Validus passa assim a ser também constituído (para além do imóvel de Cascais), por 463.614.625$00, correspondente ao valor de 1.250 acções da SLN SGPS, à cotação de € 1,85 (facto provado 644).
d. A Groundsel era uma sociedade pertencente ao arguido RO…, sendo ele o seu beneficiário. A Groundsel adquire todas as acções da nova Validus, sem qualquer investimento de dinheiro quer da sociedade, quer do arguido RO…, sendo que todos os encargos foram suportados pelo Grupo SLN/BPN (factos provados 621 a 644).

D. Nova Validus:
a. No dia 22 de Março de 2001, a nova Validus vendeu o prédio sito na Avenida do Brasil, Rua Particular, lote Um, em Cascais, à Inicimob, pelo preço de 325.000.000$00, tendo o arguido RO… representado a nova Validus nessa escritura.
b. O arguido RO… sacou para a sua conta pessoal o montante de 300.000.000$00 provenientes dessa venda, ficando 25.000.000$00 na conta da nova Validus. (factos provados 664 a 666).
c. Entre 21 de Maio de 2001e finais de Novembro do mesmo ano, o arguido RO… sacou da conta da nova Validus o quantitativo total de 568.200.527$00 (652 a 662), montante este com que ficou.
d. Em 23 de Novembro de 2001, o arguido RO… pede ao arguido JO… a venda de acções da nova Validus, em representação desta sociedade, por € 2,30 cada, sem sequer indicar o quantitativo das mesmas que foi, não obstante, de 1.250 acções (factos provados 648).
e. No dia 30 de Novembro de 2001, as acções são vendidas pela nova Validus à SLN Valor, por 576.385.750$00. (factos provados 648 a 651
 f. Após tal venda, o preço pago pela SLN Valor pela aquisição de tais acções à nova Validus (576.385.750$00) entra na conta desta última sociedade, cobrindo o descoberto referido em c.. (facto provado 663).
g. O arguido RO…, em sede pessoal, com a aceitação da sua intervenção no negócio da nova Validus e transferência das acções da SLN SGPS para a SLN Valor, ficou para si com o montante de 568.200.527$00 (descoberto que utilizou em seu benefício pessoal, por saque da conta da nova Validus), bem como o valor de 300.000.000$00, que é o que resulta da matéria de facto dada como assente pelo tribunal “a quo”.
h. Não obstante, o tribunal “a quo” entendeu que o seu ganho pessoal nesse negócio alcançou o valor total de 337.771.125$00:
- 112.771.125$00 – mais-valias realizadas com a alienação das acções colocadas na VALIDUS;
- 225.000.000$00 – mais-valias realizadas com a venda do imóvel. (facto provado 667).
 
E. Astroimóvel:
a. Em 13 de Dezembro de 2000, dá-se a aquisição da sociedade Astroimóvel a ASS… e outros, sendo que o património dessa sociedade era um imóvel sito na Rua Castilho, em Lisboa.
O arguido RO… foi quem negociou tal aquisição, ficando acordado que a mesma seria feita em parceria, cabendo 35% a este arguido.
b. A aquisição foi feita através das sociedades Kinasol e Oardale, ambas pertencentes ao universo SLN/BPN, sendo que a parte adquirida pela Oardale correspondia à percentagem do negócio que cabia ao arguido RO….
c. O arguido RO… não despendeu qualquer quantia sua para adquirir parte desta sociedade Astroimóvel, pois o dinheiro veio do BPN Cayman, via Oardale. 
d. Após correcção da inicial divisão de acções (que estava incorrecta, face ao acordado), ficou 35% para a Oardale e 65% para a Kinasol.
e. A Kinasol e a Oardale venderam a Astroimóvel em 31 de Dezembro de 2001 – cerca de um ano depois de a terem adquirido – ao Fundo Imoglobal, que era gerido pelo Imofundos (tudo Grupo SLN/BPN).
f. E venderam-na por mais € 7.552.588,00 do que a haviam comprado (aquisição por cerca de 11 milhões de euros um ano antes e venda por 19 milhões de euros um ano depois), valorização esta de mera conveniência.
g. A Oardale teve uma mais-valia de € 3. 349.558,61, tendo essa parte de pagamento sido convertida em unidades de participação no referido fundo, que ficaram para o arguido RO….
h. O prejuízo total para o Fundo Imoglobal foi de € 7.552.588,00 (factos provados 600 a 620).

F. Relativamente a todas as operações e contratos acabados de referir em que teve intervenção, o arguido RO… não fez qualquer esforço financeiro, tendo todos os financiamentos sido suportados pelo Grupo SLN/BPN, o que era do seu pleno conhecimento, dada a origem dos movimentos que possibilitaram tais financiamentos.
As operações acima referidas criaram prejuízo para o BPN, para a SLN Imobiliária e para o Fundo Imoglobal (factos 607, 608, 626 a 630, 645, 646, 647, 620).

3. Cumpre, então, clarear águas.

i. Em sede de acórdão, embora o tribunal “a quo” tenha entendido que, essencialmente, toda a factualidade acima sinteticamente acabada de narrar nos pontos A. a D. e F. (negócio da Validus, da nova Validus e transmissão das acções da SLN SGPS) se mostrava assente, estabeleceu que os montantes que o arguido RO… fez seus já o eram, por serem a parte do preço em falta, relativamente ao negócio de venda do prédio da Rua D. João V, para sede do Private Bank do BPN.

ii. Como supra já se explicou, tal não é o caso – isto é, o tribunal “a quo” errou ao assim entender.
De facto, a venda de tal imóvel pela sociedade Altos Voos (da qual o arguido RO… era um dos sócios, como resulta do documento constante no vol. 42, fls. 16.198 a 16.202 - o que impõe o aditamento dessa matéria ao facto provado 578) - foi um mero negócio imobiliário, concluído na data da escritura; isto é, o preço de venda foram 350.000.000$00, o preço foi pago e o dinheiro entrou onde devia, ou seja, na sociedade Altos Voos.
Nada ficou em dívida, a esse título, ao arguido RO… e, em bom rigor, nada poderia ter ficado, uma vez que, ainda que o preço de venda tivesse sido superior ao referido (e não foi) sempre esse valor pertenceria à sociedade Altos Voos e não ao arguido RO…, já que o imóvel vendido não era um bem patrimonial da sua esfera pessoal, antes pertencia ao património da dita sociedade.

iii. Assim, a fundamentação da convicção do tribunal “a quo”, em sede de acórdão, em toda a extensão em que justifica não ter dado por assente matéria factual constante na pronúncia, com base na aceitação da supra aludida tese (direito pessoal do arguido RO… a receber o resto do preço desse imóvel da Rua D. João V), soçobra e não se pode manter, por se mostrar patentemente errada, por não ser suportada pelos elementos probatórios em que o próprio tribunal “a quo” justificou ter fundado, precisamente, essa sua convicção (como acima se explicou).

iv. Temos pois que nesta parte factual (acima sintetizada nos pontos A a D e F), não restam dúvidas que se mostra amplamente demonstrado – como aliás o próprio tribunal “a quo” deu como assente no ponto 667 dos factos provados – que o arguido RO… teve um ganho final, em sede pessoal, por virtude de ter aceitado intervir no negócio da Validus e na transferência das acções da SLN SGPS para a SLN Valor, bem como que daí advieram prejuízos para o Grupo SLN/BPN.

4. Se assim é, e se esse ganho não tem qualquer justificação contratual legal que o sustente; se se mostra demonstrado que o arguido sabia qual a proveniência do dinheiro (do Grupo SLN/BPN – factos provados 621 a 630); se assinou documentos através dos quais se procuraram encobrir os movimentos financeiros efectivamente realizados e dar aparência legal a contratos que, efectivamente, não se realizaram ou não sucederam nos termos exarados, nem nas datas e pelas razões nos mesmos constantes (facto provado 643, no seguimento dos factos provados 631 a 642; factos provados 648 a 651, 665 a 667, embora este tenha de ser rectificado quanto ao valor relativo à venda do imóvel da Rua D. João V, em Lisboa), resta apenas concluir que, ao inverso do que o tribunal “a quo” entendeu, o arguido RO…, no que se reporta à transmissão da nova Validus, actuou com o propósito de conjugar os seus esforços com os demais arguidos, gerando cenários de negócios sem qualquer correspondência com a realidade, de forma a sacar fundos de entidades terceiras, em seu proveito, não se coibindo de assinar documentação forjada, gerando junto de terceiros falsas convicções e justificações, para os actos de que foi beneficiário e que geraram prejuízos.
O que se deixa dito determinará que, em sede de matéria de facto provada e não provada, tenham de ser retiradas as necessárias consequências, procedendo-se à sua modificação em conformidade.

5. No que concerne à questão de a transmissão da nova Validus ter por fim, também, o aumento do nível de controlo da SLN SGPS pela SLN Valor embora, efectivamente, como o próprio tribunal “a quo” reconhece, essa tenha sido uma das consequências da transmissão das acções realizada via nova Validus, a verdade é que tal propósito não pode nesta sede de reapreciação ser ponderada, por uma singela razão – o tribunal “a quo” deu como não provados os factos que à mesma se referiam, sendo certo que nestes a referência a tal propósito e estratégia não se resume apenas ao arguido RO….

i. Na verdade, a pronúncia entendia e defendia que essa estratégia envolvia outros arguidos (JO…, LC… e FS…).
Ora, não tendo sido interposto recurso pelo MºPº nessa parte e quanto a essa matéria, no que se refere àqueles arguidos, não pode agora este tribunal alterar, quanto a essa factualidade que os engloba, o que se mostra decidido.

ii. Daí que o que envolva congeminação entre este arguido e os restantes, na prossecução de algo que não se mostra já assente em relação aos outros ditos arguidos (aumento do nível de controlo da SLN SGPS pela SLN Valor), se tenha de manter intocado. E daí que se mantenham como não provados os pontos 183), 184), 185), 186), 187) e 189), 197), 203) a 205), 218), 246) e 247) da matéria de facto não provada consignada no acórdão.

iii. De igual modo se entendeu, no que concerne ao ponto não provado 235, que não só se reporta à actuação de outros arguidos, para além do arguido RO…, como ainda refere o prejuízo do BPN reportado a data muito posterior à da prática dos factos (a nacionalização ocorreu no final de 2008).

iv. Já quanto aos pontos 237 e 238 (factos 695 e 696 da pronúncia) que o tribunal “a quo” deu como não provados, essa limitação não se põe, pois a questão quer do plano para a cisão e posterior transmissão da nova Validus, quer o património que a constituía, quer a ausência de esforço financeiro, quer a combinação prévia quanto aos montantes e venda das acções da SLN SGPS, mostravam-se já dadas como provadas pelo tribunal “a quo”, no que concerne aos restantes arguidos que na mesma tiveram intervenção.
Assim, a questão factual aqui reporta-se apenas ao apuramento da actuação do arguido RO… nesse âmbito e às razões porque interveio na transmissão da dita nova Validus.
E foi a reapreciação supra realizada a este propósito que levou à prova da matéria fáctica vertida no facto 695º da pronúncia (e parte do facto 696º), consubstanciada no aditamento que se realizará com o facto 647-B) e ao facto 648), uma vez que o tribunal “a quo” tinha já dado como assente que os restantes arguidos aí mencionados tinham formulado e executado (com excepção do arguido FS…) o plano a que aí se faz referência. Infra melhor se explicitará as razões de tais aditamentos.

v. De igual modo, e no que se refere apenas ao arguido RO…, não se mostra demonstrado que o mesmo tivesse tido intervenção na decisão ou na concretização da cisão da Validus (sociedade original), existindo tão-somente prova em como esteve envolvido na transmissão de uma das sociedades da mesma resultantes – a nova Validus - e envolvido na estratégia da sua transferência, carregada de suprimentos, matéria que o tribunal “a quo” deu já como assente (facto provado 576).
Daí, igualmente, a manutenção como não provado do ponto 608 da pronúncia – vide facto não provado 188 do acórdão – uma vez que o mesmo surge, em termos lógicos, a propósito da decisão da cisão da sociedade Validus, não havendo prova de que o arguido RO… tenha nessa cisão tido influência (teve intervenção na transmissão da sociedade resultante de tal cisão, a nova Validus, mas não se demonstrou que a tivesse na cisão que precedeu a sua criação – da Validus, em nova Validus e Quinta da Torre de Santo António).

6. A factualidade proveniente dos pontos 658, 659 e 661 da pronúncia, que será consignada no facto 620-A), bem como a consequente alteração de redacção dos pontos não provados 216, 217 e 219, assim como o facto 576-A), 599-A), 599-B), 599-C, 628), 629) e 667-A) (pontos 606, 632 a 634, 669, 670 e 717 da pronúncia, respectivamente) resulta da apreciação probatória acima exposta, demonstrativa da verificação do nesses pontos factuais vertido, mostrando-se de acordo com o que já havia sido dado como assente pelo tribunal “a quo” - no que se refere ao modo como foi realizado o financiamento de tais aquisições, bem como a ausência de qualquer esforço financeiro por parte deste arguido ou exigência de que procedesse ao retorno do financiamento realizado - avaliando-se a actuação do arguido RO…, afastada que se mostra a tese por si avançada de estarmos perante operações justificativas do pagamento da parte restante do preço do imóvel da Rua D. João V, em Lisboa.
Retirar-se-á, todavia (isto é, não se dará como provada) toda a matéria que envolvia actuações e concertações correlacionadas com os restantes arguidos e que se reportavam à estratégia de utilização da nova Validus tendo em vista a transferência das acções para alcançar um aumento do nível de controlo da SLN SGPS pela SLN Valor, pelas razões já supra expostas.

7. Prossigamos agora com a apreciação da matéria relativa ao negócio da Astroimóvel (acima sintetizada nos pontos E. e F.).
No que se reporta ao facto 641) da pronúncia, mostra-se contraditório o mesmo ter sido dado como não provado (ponto 208 dos factos não provados no acórdão), uma vez que o tribunal “a quo” entendeu, no ponto de facto 613) dos factos que deu como provados que “35% ficava para o arguido RO…, através da Oardale” – vide igualmente ponto de facto 608 dos factos provados do acórdão.

i. Por seu turno, o próprio arguido admite, nas declarações que prestou, não que tivesse constituído a Oardale, mas que foi através da mesma que recebeu a sua parte no negócio da Astroimóvel (participações nesse fundo), como aliás o próprio tribunal “a quo” refere, em sede de motivação (Concluiu declarando que desconhecia quem era o último beneficiário da Oardale, embora sempre tenha estado convencido que era ele próprio o último beneficiário da sociedade, até porque esteve presente na escritura como dono da Oardale.) Adiantou ainda que, posteriormente, vendeu essas participações (do fundo Imoglobal), que lhe advieram da venda feita em 31.12.2001 da sociedade Astroimóvel.

ii. De igual modo referiu que a questão do erro inicial quanto à divisão de percentagens entre si e a Kinasol (quando a Kinasol e a Oardale compraram a Astroimóvel, a primeira ficou com 36% e a segunda com 64%, o que não correspondia ao que havia sido acordado e obrigou a uma posterior rectificação), foi algo em que o seu próprio advogado reparou e que acabou por levar à correcção posterior das percentagens para as que efectivamente tinham sido acordadas – 35% para si, via Oardale, e 65% para a Kinasol.

iii. Ora, do que se deixa exposto inexoravelmente decorre que o arguido RO…, no período temporal em que a Oardale foi usada para adquirir e vender as acções da Astroimóvel, foi o seu beneficiário efectivo, bem como que deu o seu pleno acordo ao modo como se processou a aquisição e a venda das acções da Astroimóvel. 
Note-se, aliás, a reforçar tal entendimento, que o segundo pagamento por conta do alegado preço de aquisição da nova Validus, que só viria a ocorrer no dia 31 de Dezembro de 2001, foi feito por recurso aos fundos disponibilizados à sociedade Oardale; isto é, a Groundsel – sociedade do arguido RO… e de que era beneficiário efectivo - é financiada pela Oardale, para pagar a segunda parte do preço de aquisição da nova Validus, no final do ano de 2001 (vide factos provado 627 e 628).
Essa operação só se mostra lógica e possível, precisamente porque, naquela data – 31.12.2001 – o arguido RO… ainda é o beneficiário efectivo da sociedade Oardale.

iv. Quanto à questão do financiamento da aquisição pela Oardale, afirma o tribunal “a quo” o seguinte:
Havia esforço da sua parte porque estavam previstos juros.
Quanto aos juros ficou combinado que eram postecipados, ou seja, seriam pagos quando se concretizasse a venda ou se finalizasse o projecto.
Neste negócio da Oardale não deu garantias reais, mas deu aval pessoal (livrança pessoal em branco assinada por si e sua mulher). Portanto, o negócio tinha riscos para si.
Vale o exposto por dizer que não houve esforço financeiro inicial a nível de capital, modo de procedimento que até era habitual em créditos imobiliários ou parcerias imobiliárias.
Mas isso não significa que não houvesse qualquer esforço financeiro, uma vez que estavam previstos juros vincendos sobre o capital mutuado.
Nem significa, obviamente, que a participação de 35% no capital social da Astroimóvel tivesse sido oferecida ao arguido RO….
Tratando-se de um empréstimo, o capital teria sempre de ser pago posteriormente, bem como os juros entretanto vencidos.
Salvo o devido respeito, não há um único elemento probatório nos autos que corrobore tal tese (desde logo, inexiste qualquer contrato de mútuo).
E a verdade é que a mesma é afastada pela mera análise da sucessão dos factos, pois não só o bem que era património da Astroimóvel não foi sujeito a qualquer projecto de urbanização por parte dos novos adquirentes da sociedade, não foi vendido a nenhum investidor imobiliário directamente interessado em proceder à sua urbanização (mas antes a um fundo imobiliário), como a verdade é que, após a sua venda, não se mostra demonstrado que o arguido tenha feito qualquer pagamento de juros ou despendido qualquer quantia, para repor o financiamento de que a Oardale gozou, por parte do BPN Cayman.
Resta apenas concluir que, como demonstram objectivamente os restantes factos provados, o arguido RO… não despendeu qualquer quantia sua no negócio da Astroimóvel, de acordo com o combinado, nem ninguém lhe exigiu que o fizesse.

v. Por seu turno, no que se refere:
- aos valores envolvidos na aquisição da sociedade Astroimóvel;
- ao modo como tal financiamento se realizou;
- ao valor que teria de facto aquela sociedade, atento o único bem imóvel que constituía o seu património;
- bem como o quantitativo pelo qual foi vendida, um ano depois, ao fundo Imoglobal, 
o que a mera objectividade dos factos demonstra é que de todas estas circunstâncias teve pleno conhecimento e às mesmas deu o seu acordo, colaborando na obtenção do objectivo final de transmissão daquele bem, por aquele valor; ou seja, que a operacionalização de toda a transacção (quer a aquisição inicial, quer a venda posterior) era do seu pleno conhecimento e que à mesma deu o seu acordo.
E o arguido, melhor que ninguém saberia qual o verdadeiro valor de tal sociedade (face ao património que a constituía), não só atento o seu modo de vida - ligado à realização de negócios de cariz imobiliário – mas especialmente porque a si lhe coube negociar com os sócios da Astroimóvel a venda inicial da mesma, tendo sido ele a apresentar o negócio que consistia na sua aquisição.
Assim sendo, era-lhe impossível desconhecer que, valendo tal sociedade cerca de 11 milhões de euros e por esse montante tendo sido adquirida, nada legitimava que, um ano depois, fosse vendida por 19 milhões de euros, ficando para si, via Oardale, uma percentagem de 35% do valor integral da venda.

vi. Assim, toda esta matéria terá de ser incluída nos factos provados, o que determina o aditamento do facto provado nº 604-A) e os aditamentos constantes nos factos provados 613 e 614, com as subsequentes alterações que daí decorrem, em sede de factos não provados.

vii. De igual modo, e no que se refere ao que consta nos factos provados da contestação nos pontos 30), 31), 32), 33), 34), 35) e, numa secção, no facto 36), estes mostram-se, por um lado, parcialmente tautológicos e, num segmento, contraditórios, face ao que se mostra já assente pelo tribunal “a quo” nos factos provados 605, 608, 609, 612 e 613, quer no que se refere à menção ao Grupo SLN/BPN - pois que a operacionalização da concreta aquisição da sociedade Astroimóvel não competiu àquele Grupo, mas sim aos arguidos mencionados nos factos provados 614 e 615 – quer no que se refere ao desconhecimento e não colaboração do arguido RO… na montagem e na execução de toda esta operação.
De facto, e para além de tudo o mais, é manifesto que sendo um negócio apresentado por este arguido ao arguido JO…, a si lhe cabia dar o seu assentimento quanto à participação que viria a ter em função da sua celebração, bem como ao modo como se processaria, nos termos aliás do acordo já dado como assente pelo tribunal “a quo” no facto provado 608.
Daí, igualmente, a forçosa alteração de redacção do ponto 615 dos factos dados como provados (652º em sede de pronúncia), retornando-se ao teor que constava na pronúncia (note-se, aliás, que a alteração de redacção realizada pelo tribunal “a quo” não se mostra, no acórdão então elaborado, consignada em sede de factos não provados).

viii. Finalmente, dentro ainda desta questão relativa à sociedade Astroimóvel, aproveita-se para se rectificar a data constante no ponto 657 dos factos provados, por se tratar de mero lapso de escrita, nos termos do artº 380 nº2 do C.P.Penal (aquisição das acções da Astroimóvel no dia 13.12.2000 e não 15.12.2000, como aí consta – vide factos provados 605 e 606 e facto não provado 215) Do facto 657º não se provou: “15”;).

8. No que se reporta à matéria relativa aos ganhos do arguido RO…, as alterações que terão de ser realizadas em sede de factos provados e não provados (e já em grande parte acima referidas), prendem-se com as modificações que o afastamento da tese de “recebimento do resto do preço do imóvel da Rua D. João V., em Lisboa” impõe.
Na verdade, afastada que se mostra tal justificação, mostrando-se já assente, sem impugnação, o modo como os financiamentos foram realizados e os valores que o arguido RO… recebeu, sem qualquer esforço financeiro próprio, ditam as regras de experiência comum que o mesmo aderiu ao plano estabelecido pelos outros arguidos, pelo que se procedeu aos aditamentos e alterações que daí resultam, em sede de matéria fáctica provada, como resulta do passará a constar nos factos provados 630), 644), 644-A), 647-A), 666), 667) e 667-A), com a correspondente necessidade de alteração da matéria de facto não provada que se mostre em desacordo com a que se considera assente.

9. No que se refere aos factos constantes nos pontos 636), 647-B), 651-A), 662) e 667), teve-se em atenção o que decorre:
a. Quer da própria admissão do arguido RO…, que confessou ter guardado para si o dinheiro proveniente da venda das acções da SLN SGPS à SLN Valor (embora justificasse tal apossamento como recebimento de parte do preço do imóvel da Rua D. João V, em Lisboa, justificação esta que, pelas razões já acima expostas, não se mostrou credível);
b. Quer da assinatura aposta pelo arguido no contrato de aquisição das acções em representação da nova Validus;
c. Quer da objectividade dos documentos que levaram a que o próprio tribunal “a quo” tivesse dado como assente que, após a aquisição da nova Validus pela Groundsel, o arguido mobilizou a descoberto, sobre tal conta, o quantitativo total de 568.200.527$00, montante este que fez entrar na sua conta;
d. A que acresce que o descoberto por esses levantamentos gerados veio a ser coberto não por reposição desses montantes pelo arguido RO…, mas pela entrada na conta da nova Validus do preço de venda das acções, pago pela SLN Valor (vide factos 652) a 661) e 663)).

i. Atendeu-se ainda a que, no facto 649) da matéria de facto provada do acórdão, o tribunal “a quo” deu como assente que a venda das acções da SLN Valor estava já previamente combinada, o que aliás também se demonstra pelo que foi dado como assente no facto 648) (ausência de indicação de quantidade de acções e referência a um acordo quanto ao valor da cotação).

ii. Assim, face à não credibilidade da justificação dada pelo arguido para o recebimento de tais quantias, bem como o manifesto acordo anterior relativo à transmissão das acções e o valor pelo qual iriam ser transaccionadas, a que acresce a objectividade factual de o arguido ter retirado da conta da nova Validus um valor praticamente idêntico ao que viria a resultar da dita venda das 1.250 acções da SLN SGPS à SLN Valor, pela nova Validus (facto que até admitiu ter realizado), mostra-se forçoso proceder às alterações e aditamentos à matéria de facto provada (e não provada) que constam e decorrem desses artigos.

10. Mostra-se igualmente necessário rectificar os valores de ganho pessoal do arguido RO…, constantes no ponto 667) dos factos provados do acórdão (alteração que se mostra legalmente admissível, uma vez que o valor total constante na pronúncia se mostra muito superior ao que da reapreciação probatória resulta) uma vez que:
a. o valor que fez seu não correspondeu apenas às mais-valias resultantes da venda das 1.250 acções (como o tribunal “a quo entendeu: - 112.771.125$00 – mais-valias realizadas com a alienação das acções colocadas na VALIDUS) mas a praticamente todo o montante a esse título entrado na conta da nova Validus, do qual se apoderou por saque a descoberto, no total de 568.200.527$00;
b. o valor que fez seu não se reporta a quaisquer mais-valias com a venda do imóvel de Cascais, mas sim ao montante de 300.000.000$00, que foi o quantitativo que fez seu e que corresponde à quase totalidade do preço da sua venda, que foi de 325.000.000$00 (ao inverso do que o tribunal “a quo” entendeu - 225.000.000$00 – mais-valias realizadas com a venda do imóvel,-  pois aceitou o valor de 100.000.000$00 como tendo sido o de avaliação para efeitos de pagamento do resto do preço do prédio da Rua D. João V, em Lisboa e daí que, tendo sido vendido por 325.000.000$00, haveria para o arguido RO… um acréscimo de 225 mil contos).

11. No que concerne às alterações de redacção constantes nos factos que 581), 583), 586) e 646) a que se procederá,  resultam as mesmas do soçobrar da tese do “recebimento do resto do preço”. 
 
12. Finalmente e no que se refere à imputação subjectiva.
a. O dolo, embora sendo matéria factual, parametriza-se como um facto psicológico, de cariz interno. Isto significa que a sua apreensão não acontece, por regra (e a excepção é, precisamente, o caso de confissão integral, em que o sujeito verbaliza essa sua interna vontade e intencionalidade), de forma directa, sensorial, não é algo que seja directamente apreensível mediante observação. Ao invés, a sua indagação decorre da avaliação crítica do comportamento humano em presença, de acordo com as regras da experiência, podendo ainda ser alcançado por recurso a presunções ligadas ao princípio da normalidade.

b. Na verdade, em muitas situações, a prova dos factos resulta de outros factos que não se comprovam em si próprios, mas de ilações, retiradas face ao facto e às circunstâncias concretas do seu cometimento – cfr., a este respeito, M. Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal, Vol. I, Lisboa/S. Paulo, Ed. Verbo, 1992, págs. 297 e 298.
Tais normas da experiência são, por conseguinte, definições ou juízos hipotéticos, de conteúdo genérico, independentes do caso concreto “sub judice”, assentes na experiência comum e, por isso, independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade (Cavaleiro Ferreira, Curso Proc. Penal, II, 30).

c. Por seu turno, e no que concerne à consciência da ilicitude, não só o artº 6º do C. Civil expressamente refere que a ignorância da lei não aproveita a ninguém como, em sede criminal, tal questão se mostra há muito pacífica.
Como refere o já provecto acórdão do STJ de 14 de Outubro de 1992, no processo nº 42.918, “a consciência da ilicitude fica implícita no próprio facto, desde que seja do conhecimento geral que ele é proibido e punível.”
Em sede doutrinária, Teresa Beleza escreve in “Direito Penal”, 2.° Vol.: Na problemática do erro sobre a ilicitude, “o que está em causa é saber-se se, numa situação concreta, a pessoa tinha a obrigação de suspeitar que aquele acto realmente fosse ilícito ou lícito e, em consequência disso, intentar verificar se assim era ou não” (...), concretamente, informar-se (...). E isto porque (...) “haverá que evitar o «amolecimento ósseo» do Direito Criminal”. Por isso, “o agente não tem de conhecer a norma violada, bastando-lhe uma consciência da ilicitude material que, normalmente, se presume. E quando o facto, para além de ser uma infracção do Direito, constitui também uma violação da ordem moral e ética, o erro é normalmente evitável, já que a valoração normativa pode surgir do próprio sentimento jurídico com um maior ou menor esforço da consciência” (mesma Autora, in “Problemática do erro sobre a ilicitude”, pág. 71, retirado do Acórdão do T.R. de Guimarães, processo nº1121/04-1, de 22-11-2004).
E de igual modo se poderiam citar, entre outros, Figueiredo Dias – vide Maia Gonçalves, C. Penal Português, 18ª edição, pág. 120.

d. Nos presentes autos, o arguido RO… prestou declarações, negando ter vontade ou consciência de colaborar com outros arguidos, no engano de terceiros, prejudicando-os, de modo a alcançar um benefício para si.
Do dito decorre que, para apuramento da materialidade fáctica a este respeito, afastada que se mostra a confissão, teremos de nos socorrer dos ensinamentos acima concisamente expostos e relativos quer ao modo de apuramento do dolo, quer da consciência da ilicitude.
Assim, e para além do que supra se deixou já exarado quanto a esta matéria (conhecimento, colaboração, encenação e propósito), aditar-se-á ainda o seguinte:

e. É uma mera constatação de facto afirmar-se que decorre da factualidade provada que o que o arguido RO… afirmou, no que respeita à questão da transmissão da nova Validus, não é verdade, pois bem sabia que não foi ele - nem por si, nem por intermédio de alguma sociedade sua - que injectou qualquer capital para a concretização da mesma.
Sabia igualmente de onde provinha o financiamento (do Grupo SLN/BPN), sabia que não havia qualquer contrapartida negocial da sua parte, em termos de obrigação sinalagmática contratual – isto é, que não havia nenhum negócio legítimo na base dessa transmissão – sabia que assinou documentação forjada, sabia que não tinha nenhum direito legal a fazer seu o produto da venda de acções que não havia adquirido, nem de quantitativos recebidos pela venda de um imóvel que não lhe pertencia, que não tinha pago e que não tinha comprado e sabia que essa sua actuação ia gerar um prejuízo para terceiros, tendo-o feito para obter para si um benefício ilegítimo.
O mesmo se diga, mutatis mutandis, quanto ao negócio de aquisição e venda da Astroimóvel. De facto e de igual modo, bem sabia de onde provinha o financiamento, bem sabia qual o valor daquela sociedade e que a venda da mesma foi realizada num cenário sem qualquer correspondência com a realidade (desde o modo de financiamento até ao valor pelo qual foi vendida ao fundo Imoglobal), tendo actuado com o intuito de alcançar para si proveitos económicos, à custa do prejuízo de outrem.

f. E, sabendo tudo isso e, não obstante, tendo praticado todos estes actos, não se vê como se mostra possível concluir de outro modo senão que quis fazê-lo, com plena consciência da ilicitude da sua actuação.
V. Conclusão da reapreciação pedida:

1. Do que se deixa dito resulta que, revista a prova, se impõe concluir que a factualidade dada como assente e como não assente pelo tribunal “a quo”, nos pontos acima mencionados, se mostra erradamente apreciada, por não se mostrar minimamente suportada pelos elementos de prova produzidos nos autos, analisados à luz das mais básicas regras de experiência comum, pelo que terá de ser corrigida.

2. Mais se consigna que, no que respeita aos pontos de facto constantes no acórdão, dados como provados e não provados, em relação aos quais a redacção foi integralmente mantida (ou apenas houve lugar a parciais aditamentos, que se mostram supra explicados), a fundamentação da convicção do tribunal mostra-se já vazada em sede de acórdão proferido pelo tribunal “a quo” e, não tendo sido alvo de impugnação, considera-se definitivamente sedimentada.
VI. Aqui chegados, resta então proceder às alterações factuais que resultaram desta reapreciação.

1. Para melhor e mais rápida compreensão da factualidade que resulta assente por virtude da análise que acabámos de expor, opta-se por consignar a negrito a matéria factual aditada ou alterada.

2. Entendeu-se igualmente dever consignar em sede de matéria de facto assente - uma vez que a sociedade originalmente denominada Validus foi objecto de cisão, o que determinou, a partir desse momento temporal, a existência de duas sociedades autónomas (a Quinta da Torre Santo António, relativamente à qual o arguido RO… não teve qualquer intervenção alvo de apreciação nestes autos e a renovada sociedade Validus) com composições patrimoniais diversas, bem como beneficiários efectivos também diferentes – que a sociedade na qual o arguido RO… teve intervenção é a que referimos como nova Validus.

A. com referência aos pontos 599 a 719, 1012 e 1013 da pronúncia, aditam-se e/ou alteram-se à matéria de facto dada como provada os seguintes factos, que passam a ter a seguinte redacção:

Preparação da venda da Validus pela SLN Investimento (arts. 599º a 602º da pronúncia):

(…)
576-A) Para além desse ganho, foi garantido ao arguido RO… a existência de um financiamento para levar a cabo a aquisição da nova Validus.

Utilização da Validus para aquisição de acções da SLN SGPS, S.A. (arts. 603º a 634º da pronúncia):

(…)
578) Os arguidos JO… e RO… acordaram na venda, através da empresa ALTOS VOOS, da qual o arguido RO… era um dos sócios, ao fundo IMONEGÓCIOS, gerido pela IMOFUNDOS, do imóvel sito na Rua D. João V, em Lisboa, para instalação do Private Bank do BPN, que veio a ser concretizada pelo preço de 350 mil contos, por escritura de 20 de Fevereiro de 2001;
(…)
581) A aquisição de 1.250.000 acções foi efectuada ao preço de 1,85 € cada, sendo a entidade vendedora a EMKA INTERNACIONAL, já acima referida, entidade pertencente ao universo do grupo SLN;
(…)
583) Nessa data, a transacção aludida não consubstanciou qualquer dispêndio da parte do arguido RO…, ou seja, apesar de a entidade vendedora Emka ter sido creditada pelo montante de 2.312.500,00 €, a que corresponde o contravalor de 463.614.625$00, o arguido RO… não realizou qualquer pagamento;
(…)
586) Assim, o montante de 463.614.625$00, preço das acções, seria transferido para a referida sociedade nova VALIDUS e esta então vendida ao arguido RO…;
 (…)
599-A) Esta era a entidade nova VALIDUS onde deveriam ser colocados suprimentos suficientes para garantir a aquisição e o pagamento das acções da SLN SGPS já colocadas na conta do arguido RO…;
599-B) Deveria ainda possibilitar ao arguido RO… a obtenção dos ganhos pessoais, como contrapartida da sua colaboração
599-C) Sem fazer qualquer esforço financeiro pela aquisição da nova sociedade VALIDUS.
(…)
604-A) A sociedade OARDALE HOLDINGS CORP pertencia ao Grupo SLN, tendo o arguido RO… sido o beneficiário efectivo desta sociedade, entre 13.12.2000 (data da aquisição das acções da Astroimóvel) e 31.12.2001 (data da venda das acções da Astroimóvel ao Fundo Imoglobal gerido pelo IMOFUNDOS, do BPN);
 (…)
613) Tendo sido resposta a proporção acordada, de 35% para o arguido RO…, através da OARDALE, e de 65% para a SLN SGPS, através da KINASOL, os arguidos OC…, LC… e RO… trataram de fazer rentabilizar a aquisição da ASTROIMÓVEL através da venda da mesma a uma terceira entidade;
614) Para o efeito, dando execução ao planeado entre os arguidos LC…, OC… e RO…, veio a ser criado o fundo de investimento imobiliário IMOGLOBAL, gerido pelo IMOFUNDOS, do BPN;
615) Tal fundo IMOGLOBAL seria financiado pelo próprio BPN e destinava-se a adquirir os imóveis apresentados para aquisição pelo arguido RO…, de acordo com valores de conveniência a definir pelos arguidos OC…, LC… e RO…, sendo a parte dos pagamentos destinada ao mesmo arguido RO… convertida em unidades de participação no referido fundo;
(…)
620) Assim, no intervalo de tempo decorrido entre 13-12-2000 e 31-12-2001, a sociedade ASTROIMÓVEL foi valorizada em € 7.552.588,00, em prejuízo do fundo IMOGLOBAL;

Financiamento da Groundsel para comprar a Validus (arts. 658º a 672º da pronúncia):

620-A) – O financiamento para aquisição da nova VALIDUS seria feito por recurso aos financiamentos já permitidos sobre as contas do BPN Cayman, em nome da Kinasol e da Oardale, não realizando o arguido RO… qualquer entrada de capital em tal negócio e já com a perspectiva de este não vir a pagar o financiamento feito à Oardale para aquisição daquela sociedade nova Validus.
(…)

Financiamento da Validus para proceder à liquidação financeira das acções da SLN SGPS (arts. 673º a 687º da pronúncia):

(…)
628) Tendo, no dia 31 de Dezembro de 2001, mais uma vez, os arguidos determinado um financiamento para a GROUNDSEL, desta feita por débito, da conta BPN Cayman, nº …, titulada pela OARDALE HOLDINGS CORP, conta onde foi debitado o montante de 168.614.625$00;
629) Com esses financiamentos, em execução do plano concebido pelos mesmos arguidos, estes determinaram a realização dos seguintes movimentos, de forma a pagar o alegado preço de aquisição da nova VALIDUS e seus activos pela GROUNDSEL:
- No dia 29 de Dezembro de 2000, a sociedade GROUNDSEL PROPERTIES LIMITED através da conta BPN Cayman nº … procede à transferência de 570.000.000$00 a favor da conta da SLN Investimentos, junto da conta do BPN com o nº …, o que configura a primeira parte do alegado pagamento do preço;
- No dia 31 de Dezembro de 2001, ou seja um ano mais tarde, a Groundsel Properties Limited transferiu também através de débito na sua conta em BPN Cayman nº … a favor da SLN Investimentos junto da conta do BPN nº …, o montante de 168.614.625$00 (mesma data da venda da Astroimóvel ao fundo IMOGLOOBAL);
(…)
630) Deste modo, os arguidos JO… e LC… fizeram com que a aquisição pela GROUNDSEL PROPERTIES LIMITED da nova VALIDUS à “SLN Investimentos” fosse efectuada de forma integral com recurso a uma offshore que pertencia à SLN SGPS S.A. – no caso a KINASOL ASSETS LTD – e a uma outra offshore que foi utilizada em benefício do arguido RO… – no caso a OARDALE HOLDINGS CORP, ficando os encargos a ser suportados pelo BPN.

(…)
636) De forma a ocultar a prévia colocação das referidas acções da SLN SGPS na conta do arguido RO…, ocorrida já a 31 de Outubro de 2000, os arguidos OC… e LC… resolveram forjar um contrato de venda do mesmo conjunto de acções, no qual surgisse como vendedora uma entidade terceira, propósito a que o arguido RO… aderiu.
(…)

Ganhos imediatos do arguido RO… e prejuízos da SLN e do BPN (arts. 688º a 694º da pronúncia):

644) Como resultado final de todo esse cenário contratual forjado, os arguidos OC…, LC…, IC…, FS…, LM…, LAl… e RO… colocaram na Groundsel, sociedade da qual o arguido RO… era beneficiário efectivo, pelo preço de 738.614.615$00, suportado do modo já acima narrado, o património colocado na sociedade nova VALIDUS que, já naquela data, final de Dezembro de 2000, era composto pelas seguintes parcelas:
- 252.767.630$00, correspondente ao valor do imóvel detido pela nova sociedade VALIDUS segundo o pacto de cisão da antiga sociedade VALIDUS;
- 463.614.625$00, correspondente ao valor de 1.250.000 acções da SLN SGPS, ao preço de 1,85€;
644-A) Acrescem ainda os montantes dos financiamentos determinados pelos restantes arguidos através da KINASOL, por débito de contas junto do BPN Cayman e que nunca foram liquidados.
(…)
646) No que se refere à SLN IMOBILIÁRIA, porque vendeu à SLN INVESTIMENTOS a antiga sociedade VALIDUS e créditos sobre a mesma pelo preço de 1.084.000.000$00, enquanto as novas sociedades, saídas da cisão, foram vendidas/transmitidas pelo valor total de 2.338.614.615$00, assim discriminado:
- a “Quinta da Torre de Santo António-Sociedade Imobiliária, SA” é vendida ao BPN Vida por PTE 1.600.000.000$00;
- a nova sociedade VALIDUS é vendida à GROUNDSEL por PTE 738.614.615$00;
(…)
647-A) Os ganhos do arguido RO…, decorrentes da referida encenação contratual, foram ainda potenciados com a realização do valor real dos activos colocados na nova sociedade VALIDUS e com a venda das acções da SLN SGPS à SLN VALOR;

Ganhos posteriores do arguido RO… com a operação Validus (arts. 695º a 719º da pronúncia):

647-B) Ao aderir ao plano estabelecido pelos arguidos JO…, LC…, IC…, LM… e LAl…, de transmissão da sociedade nova Validus, o arguido RO… recebeu desde logo a promessa de que as 1.250.000 acções da SLN SGPS, que foram carregadas na sua conta de valores mobiliários e depois transferidas para a nova VALIDUS, seriam recompradas pela SLN VALOR, podendo guardar para si próprio a totalidade do produto da venda, que integraria assim o seu ganho pessoal, uma vez que não havia feito qualquer esforço financeiro para a aquisição dessas mesmas acções;
648) Dando execução a essa promessa, o arguido RO… subscreveu e dirigiu ao arguido OC…, em 23 de Novembro de 2001, em nome da nova VALIDUS, um pedido de venda das referidas 1.250.000 acções da SLN SGPS, sem ter necessidade de referir qual a quantidade de acções, mas reportando-se a um acordo anterior para venda à cotação de 2,30 € cada;
(…)
651-A) Movimento que o arguido RO… sabia que viria a ocorrer e que conforme previamente combinado já havia mobilizado a descoberto, em seu proveito pessoal.
(…)
662) Em sede da conta da nova Validus junto do BPN, o arguido RO… gerou assim, com a autorização do arguido JO…, um descoberto total de 568.200.527$00, correspondente a valores dos quais se apropriou.
(…)
666) Ora, esses montantes pagos pela INICIMOB começaram por ser creditados na conta da nova VALIDUS, mas de imediato o arguido RO… fez sacar sobre a conta desta última o montante de 300.000.000$00 através de cheque emitido com data de 27-3-2001 e que foi depositado na conta pessoal do arguido RO…, conta BPN nº …, pese embora estivesse em causa a venda de um activo que pertencia à sociedade nova Validus;
667) Face ao exposto, o ganho final do arguido RO…, em sede pessoal, com a aceitação da sua intervenção no negócio da VALIDUS e transferência de acções da SLN SGPS para a SLN VALOR, acabou por atingir o valor total de 868.200.527$00, correspondente à soma de:
- 568.200.527$00 – valor relativo à parte que fez sua correspondente ao preço pago pela SLN Valor pelas acções da SLN SGPS, colocadas na nova VALIDUS, incluindo mais-valias;
- 300.000.000$00 – parte do preço de venda do imóvel de Cascais, que o arguido fez transferir para a sua conta pessoal;
667-A) Nunca foram exigidos ao arguido RO… os montantes financiados à Kinasol e à Groundsel.

Imputação subjectiva:
(…)
955-A) O arguido RO… actuou com o propósito de, conjugando os seus esforços com os dos arguidos OC…, LC…, LM…, LAl… e IC…, fazer gerar cenários de negócios sem correspondência com a realidade de forma a sacar fundos de entidades terceiras, em seu próprio proveito.
955-B) O arguido RO… assinou documentação forjada, de forma a gerar falsas convicções em terceiros e criar justificações para os seus actos e actos de que foi beneficiário.

b. com referência à contestação do arguido ro…, altera-se a matéria de facto dada como provada quanto aos seguintes pontos, que passam a ter a seguinte redacção:

3) O imóvel da Rua Dom João V, em Lisboa foi propriedade da Sociedade Altos Voos, Lda. (sociedade adquirida pelo arguido RO… e pela sua mulher, ao Sr. RGa… em 9 de Maio de 2000), que o havia adquirido por Esc. 275.000.000$00.
(…)
36) O arguido RO… não subscreveu qualquer documento interno da Oardale.
(…)

c. com referência aos pontos 599 a 719, 1012 e 1013 da pronúncia, excluem-se e/ou alteram-se à matéria de facto dada como não provada os seguintes factos:

Excluem-se da matéria de facto não provada os pontos 191), 195), 208), 220), 221), 233), 237), 309) e 310).
Por virtude das alterações realizadas à matéria de facto provada, os pontos que a seguir se enunciam da matéria de facto não provada, passam a ter o seguinte conteúdo:
- Ponto 187 – Não provado o que não consta em 576-A);
- Ponto 188) Do facto 608º: “Para execução desse plano” 
- Ponto 189) Do facto 609º não se provou o que não conste do facto provado 576-A.
- Ponto 193) Do facto 614º não se provou: “pela venda” e “o comprador”;
- Ponto 200) Do facto 632º não se provou: “que os arguidos JO…, LC…, FS…, IC…, LM… e LAl… haviam planeado vender ao arguido RO… e”
- Ponto 201) Do facto 633º não se provou: “na transmissão de acções para a SLN VALOR”;
- Ponto 202) Do facto 634º não se provou: “Porém, o arguido RO…, para além de todas as prometidas contrapartidas, não pretendia, ainda assim”; “pelo que, propôs a realização de outro negócio contemporâneo e em complemento daquele”;
- Ponto 213) Do facto 650º não se provou: “FS…”;
- Ponto 214) Do facto 651º não se provou: “IC… e FS…”;
- Pontos 216), 217) e 219) - Não provado o que não consta em 620-A);
- Ponto 222) Do facto 630º não se provou: “Os arguidos FS…, IC…, LM… e LAl…”
- Ponto 225) Do facto 678º: não se provou: “30” e “FS…”
- Ponto 230) Do facto 688º: não se provou o que não consta no facto provado 644;
- Ponto 231) Do facto 689º: não se provou de “Assim” a “sobre a mesma”;
- Ponto 232) Do facto 690º não se provou: “RO…” e “BPN”.
- Ponto 236) Do facto 694º não se provou: “execução da parte final do plano inicial dos arguidos, que passava pela”
- Ponto 238) Do facto 696º não se provou: “de ganho adicional”;
- Ponto 239) Do facto 700º não se provou: “restantes arguidos”.
- Ponto 242) Do facto 711º não se provou: “restantes arguidos”;
- Ponto 243) Do facto 715º não se provou: “€ 300.000,00”; 
- Ponto 244) Do facto 716º não se provou: “1.118.153.380$00”, “705.382.255$00 – correspondentes aos suprimentos colocados na VALIDUS e de que o arguido se fez pagar para seu próprio proveito”;
- Ponto 245) Do facto 717º - Não provado o que não consta em 667-A).

d. com referência aos factos dados como provados pelo tribunal “a quo”, no que concerne à contestação do arguido ro…, aditam-se e/ou alteram-se à matéria de facto dada como não provada os seguintes factos:

São aditados à matéria de facto não provada os pontos 2), 4), 5), 6), 7), 8), 9), 10), 11), 12), 13), 14), 15), 16), 17), 18), 23), 25), 26), 27), 28), 29), 30), 31), 32), 33), 34), 35), 37), 38), 39) e 40).
Por virtude da alteração da matéria de facto provada constante no ponto 3), adita-se o ponto 3-A) à matéria de facto não provada, com o seguinte conteúdo: Do facto 3 não se provou: “e no qual investira em construção Esc. 63.238.520$00”.
Por virtude da alteração da matéria de facto provada constante no ponto 36), adita-se o ponto 36-A) à matéria de facto não provada, com o seguinte conteúdo: Do facto 36 não se provou: “empresa que, por determinação do grupo SLN/BPN representava os seus interesses nesse negócio”.

vii. Assim, em síntese final, no que concerne aos pontos 599 a 719 e 1012 a 1013 da pronúncia (consignados nos factos provados do acórdão 574 a 667; e 309 e 310 dos factos não provados), bem como aos pontos da contestação do arguido, ficaram provados os seguintes factos:
 
Preparação da venda da Validus pela SLN Investimento (arts. 599º a 602º da pronúncia):

574) Tal estratagema tinha também como objectivo gerar e aumentar os suprimentos colocados na VALIDUS;
575) Com efeito, ao declararem adquirir um inexistente crédito de terceiro sobre a VALIDUS, os arguidos JO…, LC…, LM… e LAl… estavam a aumentar o crédito da sociedade que representavam, a SLN INVESTIMENTOS, sobre a mesma VALIDUS;
576) Essa estratégia passava também por proporcionar ganhos a um terceiro, o arguido RO…, a quem a VALIDUS seria transmitida carregada de suprimentos, e que tinha aceitado intervir em parte das operações;
576-A) Para além desse ganho, foi garantido ao arguido RO… a existência de um financiamento para levar a cabo a aquisição da nova Validus.

Utilização da Validus para aquisição de acções da SLN SGPS, S.A. (arts. 603º a 634º da pronúncia):

577) Como a VALIDUS detinha património de elevado valor, sendo um imóvel sito em Torres Novas do interesse do próprio grupo, que não interessava ser colocado em terceiros, os arguidos OC…, LC… e IC… decidiram que teria que ser dividido o património desta empresa, se necessário através de uma cisão, tal como efectivamente veio a ser levada a cabo;
578) Os arguidos JO… e RO… acordaram na venda, através da empresa ALTOS VOOS, da qual o arguido RO… era um dos sócios, ao fundo IMONEGÓCIOS, gerido pela IMOFUNDOS, do imóvel sito na Rua D. João V, em Lisboa, para instalação do Private Bank do BPN, que veio a ser concretizada pelo preço de 350 mil contos, por escritura de 20 de Fevereiro de 2001;
579) Os arguidos OC…, LC… e RO… acordaram na venda da sociedade ASTROIMÓVEL, detentora de um imóvel sito na Rua Castilho, em Lisboa, a duas sociedades offshore, a OARDALE e a KINASOL, ocorrida a 15-12-2000, entidades essas que, na data de 31-12-2001, venderam a mesma sociedade e o seu activo ao fundo IMOGLOBAL, gerido pelo IMOFUNDOS do BPN e que veio a ser participado pelo próprio arguido RO…;
580) De acordo com o planeado, o arguido JO…, no dia 31 de Outubro de 2000, colocou na esfera pessoal do arguido RO… 1.250.000 acções da SLN SGPS S.A.;
581) A aquisição de 1.250.000 acções foi efectuada ao preço de 1,85 € cada, sendo a entidade vendedora a EMKA INTERNACIONAL, já acima referida, entidade pertencente ao universo do grupo SLN;
582) Consequentemente, no dia 31.10.2000, a conta de títulos BPN nº …, titulada pelo arguido RO…, foi carregada com as aludidas 1.250.000 acções da SLN SGPS;
583) Nessa data, a transacção aludida não consubstanciou qualquer dispêndio da parte do arguido RO…, ou seja, apesar de a entidade vendedora Emka ter sido creditada pelo montante de 2.312.500,00 €, a que corresponde o contravalor de 463.614.625$00, o arguido RO… não realizou qualquer pagamento;
584) Tal valor ficou numa denominada conta contabilística de regularização, prática sujeita a regularização dentro do mesmo exercício.
585) Tal operação seria apenas transitória;
586) Assim, o montante de 463.614.625$00, preço das acções, seria transferido para a referida sociedade nova VALIDUS e esta então vendida ao arguido RO…;
587) Conforme já acima narrado, nessa data, último trimestre do ano 2000, a sociedade VALIDUS era detida pela SLN IMOBILIÁRIA, que por via da operação contabilística também referida supra, havia parqueado cerca de 90% das acções da VALIDUS na sociedade offshore INVESCO WORLDWIDE, LTD;
588) Os arguidos JO…, LC…, FS…, IC…, LM… e LAl… precipitaram então uma série de actos contratuais, praticados nos dias 28 e 29 de Dezembro de 2000, visando os arguidos JO…, LC…, IC…, LM… e LAl… alcançar o objectivo de transferirem a sociedade nova VALIDUS para o arguido RO…;
589) Os arguidos JO…, LC…, FS…, IC…, LM… e LAl…, começaram por, a 28 de Dezembro de 2000, fazer com que a então SLN Imobiliária SGPS, S.A (actualmente SOGIPART SGPS, S.A.) vendesse à SLN Investimentos SGPS S.A. as acções que detinha sobre a sociedade VALIDUS, com o NIF 503430587, pelo preço de 1.084.000.000$00, a que acresceu ainda o valor de 57.436.000$00 relativo a suprimentos que entretanto haviam sido gerados;
590) Nessa data, conforme os arguidos fizeram constar do contrato, os créditos por suprimentos de que a SLN Imobiliária era titular na VALIDUS atingiam o montante de 57.436.000$00, tendo sido esse o valor dos suprimentos sobre a VALIDUS cedidos pela SLN Imobiliária à SLN Investimentos;
591) Tal aquisição foi paga, no dia 29 de Dezembro de 2000, pela SLN Investimentos através de transferência da sua conta BPN nº …, das importâncias de 975.600.000$00 e de 108.400.000$00, no montante total de 1.084.000.000$00 para a conta nº …, da SLN IMOBILIÁRIA;
592) Não tiveram em conta porém, os arguidos, que 90% das acções da VALIDUS estavam na posse da INVESCO WORLDWIDE e assim, apenas com data do dia seguinte, 29 de Dezembro, vêm a regularizar a situação fazendo transferir da VENICE para a SLN IMOBILIÁRIA as referidas acções, conforme pagamento do montante de 975.600.000$00 realizado para a conta agora titulada pela VENICE nº …, nesse mesmo dia;
593) Assim, pese embora a SLN IMOBILIÁRIA tenha transmitido um activo que estava parqueado na esfera da INVESCO WORLDWIDE, LTD, isto é transmitiu o que não tinha, certo é que a SLN INVESTIMENTOS, onde se encontravam como administradores o LM… e o LAl…, veio a tornar-se a única accionista da sociedade VALIDUS;
594) No dia 28 de Dezembro de 2000, os arguidos JO…, LC…, IC…, LM… e LAl… elaboraram também um projecto de cisão do património da VALIDUS, através da sua colocação em duas distintas empresas, conforme já vinham a congeminar;
595) Tal actuação tinha como objectivo não incluírem no negócio com o arguido RO… o património detido pela VALIDUS que ainda interessava para o grupo, o imóvel sito em Torres Novas;
596) Através da referida cisão, a sociedade designada “VALIDUS – Imobiliária e Investimentos, SA”, com o NIF 503430587, passou a designar-se “Quinta da Torre Santo António – Sociedade Imobiliária, SA”, mantendo o mesmo NIF;
597) A Quinta da Torre Santo António, SA, ficou no seu activo com os imóveis sito em Torres Novas - prédios mistos denominados Quinta da Torre Santo António e Quinta do Marquês, sito na freguesia de Santiago, concelho de Torres Novas, descrito na conservatória do registo predial de Torres Novas, sob o nº 00848/300993 e inscrito na matriz predial a parte urbana sob o artigo 951 e a parte rústica sob o artigo 1 da Secção C, com o valor de 1.600.000.000$00;
598) Da cisão resultou ainda a constituição de uma nova sociedade que também designaram por “Validus - Imobiliária e Investimentos, SA”, agora com o NIF 505147459, com o capital social de 11 mil contos, dividido em outras tantas acções com o valor nominal de 1.000$00;
599) Esta empresa, ficou com o restante activo da antiga VALIDUS e que se traduzia num imóvel sito em Cascais, na Avenida do Brasil, Rua Particular, Lote Um, correspondente ao artigo matricial nº 7205, da freguesia e concelho de Cascais, com o valor contabilístico de 252.767.630$00;
599-A) Esta era a entidade nova VALIDUS onde deveriam ser colocados suprimentos suficientes para garantir a aquisição e o pagamento das acções da SLN SGPS já colocadas na conta do arguido RO…;
599-B) Deveria ainda possibilitar ao arguido RO… a obtenção dos ganhos pessoais, como contrapartida da sua colaboração
599-C) Sem fazer qualquer esforço financeiro pela aquisição da nova sociedade VALIDUS.

O negócio da aquisição da Astroimóvel (arts. 635º a 657º da pronúncia):

600) Os arguidos JO… e LC… concordaram adquirir, em parceria com o arguido RO…, a empresa ASTROIMÓVEL;
601) Para lhe proporcionarem a liquidez necessária, os arguidos JO… e LC… concederam financiamentos a duas sociedades offshore, a OARDALE e a KINASOL, para adquirir as acções da aludida ASTROIMÓVEL;
602) Com efeito, o arguido RO… havia negociado com ASS… a aquisição da sociedade ASTROIMÓVEL, contando, para tal, com a montagem de um financiamento através do BPN Cayman;
603) Para tal aquisição, os arguidos OC… e LC…, decidiram utilizar duas entidades veículo, em offshore, no caso as referidas KINASOL ASSETS LTD e OARDALE HOLDINGS CORP, ambas com registo nas Ilhas Virgens Britânicas;
604) A sociedade KINASOL ASSETS LTD pertencia ao Grupo SLN;
604 – A) A sociedade OARDALE HOLDINGS CORP pertencia ao Grupo SLN, tendo o arguido RO… sido o beneficiário efectivo desta sociedade, entre 13.12.2000 (data da aquisição das acções da Astroimóvel) e 31.12.2001 (data da venda das acções da Astroimóvel ao Fundo Imoglobal gerido pelo IMOFUNDOS, do BPN);
605) Em 13 de Dezembro de 2000, a KINASOL ASSETS LTD adquiriu 36.000 acções representando 36% da “Astroimovel – Sociedade Imobiliária” a familiares de ASS… pelo preço de 1.000.000.000$00;
606) Na mesma data, a sociedade OARDALE HOLDINGS CORP., adquiriu os restantes 64 % por 1.295.000.000$00 ao próprio ASS… e à empresa “A. Santo Empreendimentos Industriais e Turísticos, S.A”;
607) O pagamento de tais aquisições, foi realizado com débitos a descoberto sobre as contas da KINASOL junto do BPN Cayman, conta nº …, e da OARDALE também junto do BPN Cayman, conta nº …, os quais foram solicitados pela arguida IC…, com a ratificação do arguido OC…, uma vez que as referidas contas foram movimentadas a descoberto;
608) O acordo então estabelecido entre o arguido RO… e os arguidos OC… e LC…, previa que a oportunidade de negócio trazida pelo primeiro correspondesse à detenção de uma participação inicial de 35% sobre a sociedade ASTROIMÓVEL, sem que ao mesmo arguido RO… fosse exigido qualquer esforço financeiro inicial de capital para a aquisição da mesma sociedade;
609) Foi então necessário recompor as participações de cada uma das sociedades offshore no capital social da ASTROIMÓVEL, pelo que os arguidos RO…, LC… e OC… S… trataram de fazer a OARDALE vender à KINASOL o equivalente a 29% do capital social da ASTROIMÓVEL;
610) Tal operação gerou novos pagamentos, sobre a mesma conta da KINASOL, a favor da OARDALE, mesma conta supra indicada no BPN Cayman, nos montantes de 2.900.132,32 € e de 258.859,06 € (a titulo de juros), de novo determinados pelos arguidos LC… e OC…;
611) Tais pagamentos vieram apenas a ser realizados na data de 31-12-2001, correspondendo à data da venda das participações na ASTROIMÓVEL ao fundo IMOGLOBAL, como adiante se narrará;
612) Assim, a Kinasol passou a deter 65 % da Astroimóvel a um custo de aquisição de 8.146.970,80€ e a Oardale passou a deter 35 % a um custo de aquisição de 3.300.441,39€;
613) Tendo sido resposta a proporção acordada, de 35% para o arguido RO…, através da OARDALE, e de 65% para a SLN SGPS, através da KINASOL, os arguidos OC…, LC… e RO… trataram de fazer rentabilizar a aquisição da ASTROIMÓVEL através da venda da mesma a uma terceira entidade;
614) Para o efeito, dando execução ao planeado entre os arguidos LC…, OC… e RO…, veio a ser criado o fundo de investimento imobiliário IMOGLOBAL, gerido pelo IMOFUNDOS, do BPN;
615) Tal fundo IMOGLOBAL seria financiado pelo próprio BPN e destinava-se a adquirir os imóveis apresentados para aquisição pelo arguido RO…, de acordo com valores de conveniência a definir pelos arguidos OC…, LC… e RO…, sendo a parte dos pagamentos destinada ao mesmo arguido RO… convertida em unidades de participação no referido fundo;
616) Assim, em 31 de Dezembro de 2001, a sociedade “KINASOL Assets Ltd” vende 65.000 acções (65%) da ASTROIMOVEL ao fundo BPN IMOGLOBAL, por €12.350.000,00, tendo a sua conta junto do BPN Cayman sido creditada pelo referido montante;
617) No mesmo dia, a sociedade “OARDALE Holdings Corp” vendeu as 35.000 acções (35%) da ASTROIMOVEL ao fundo BPN IMOGLOBAL, por € 6.650.000,00, tendo a sua conta junto do BPN Cayman sido creditada pelo referido montante;
618) Os arguidos OC… e LC… fizeram com que o BPN Imofundos através do BPN Imoglobal viesse a pagar 19 milhões de euros pela totalidade do capital social da sociedade ASTROIMÓVEL, quando o mesmo havia, um ano antes, sido adquirido pelo preço de 2.295.000.000$00, correspondente a cerca de 11 milhões de euros;
619) Tal operação de compra e venda da ASTROIMÓVEL gerou assim os seguintes pagamentos e mais-valias:

(Imagem removida)

620) Assim, no intervalo de tempo decorrido entre 13-12-2000 e 31-12-2001, a sociedade ASTROIMÓVEL foi valorizada em € 7.552.588,00, em prejuízo do fundo IMOGLOBAL;

Financiamento da Groundsel para comprar a Validus (arts. 658º a 672º da pronúncia):

620-A) – O financiamento para aquisição da nova VALIDUS seria feito por recurso aos financiamentos já permitidos sobre as contas do BPN Cayman, em nome da Kinasol e da Oardale, não realizando o arguido RO… qualquer entrada de capital em tal negócio e já com a perspectiva de este não vir a pagar o financiamento feito à Oardale para aquisição daquela sociedade nova Validus.
621) Para efeito de transmissão das acções da nova VALIDUS ao arguido RO…, os arguidos OC…, LC…, IC…, LM… e LAl… resolveram utilizar uma sociedade veículo GROUNDSEL PROPERTIES LIMITED, com registo no Offshore de Gibraltar, detida por RO…;
622) Assim, em 29 de Dezembro de 2000, os mesmos arguidos fizeram a SLN INVESTIMENTOS, representada pelos arguidos LM… e LAl…, proceder à alegada venda das acções da “VALIDUS Sociedade Imobiliária” (nova Validus) e seus activos e suprimentos à entidade GROUNDSEL PROPERTIES LIMITED, pelo preço total de 738.614.615$00;
623) Nos termos da Cláusula Quarta do contrato então redigido pelos arguidos, tal preço seria pago em dois momentos;
624) Na data do contrato seria pago o montante de 570.000.000$00, enquanto o restante, no montante de 168.614.625$00 poderia ser pago em 60 dias;
625) No dia 29 de Dezembro de 2000, para o primeiro pagamento da alegada aquisição da nova sociedade VALIDUS, os mesmos arguidos determinaram uma transferência no valor de 570.000.000$00 para a conta nº … do BPN Cayman, titulada pela GROUNDSEL PROPERTIES LIMITED;
626) Tal montante teve origem na conta BPN Cayman nº …, titulada pela offshore KINASOL ASSETS LTD, onde foi consequentemente debitada aquela quantia;
627) O segundo pagamento por conta do alegado preço da aquisição da VALIDUS, incluindo seus activos e suprimentos, viria a ocorrer porém, apenas em final de 2001;
628) Tendo, no dia 31 de Dezembro de 2001, mais uma vez, os arguidos determinado um financiamento para a GROUNDSEL, desta feita por débito, da conta BPN Cayman, nº …, titulada pela OARDALE HOLDINGS CORP, conta onde foi debitado o montante de 168.614.625$00;
629) Com esses financiamentos, em execução do plano concebido pelos mesmos arguidos, estes determinaram a realização dos seguintes movimentos, de forma a pagar o alegado preço de aquisição da nova VALIDUS e seus activos pela GROUNDSEL:
- No dia 29 de Dezembro de 2000, a sociedade GROUNDSEL PROPERTIES LIMITED através da conta BPN Cayman nº … procede à transferência de 570.000.000$00 a favor da conta da SLN Investimentos, junto da conta do BPN com o nº …, o que configura a primeira parte do alegado pagamento do preço;
- No dia 31 de Dezembro de 2001, ou seja um ano mais tarde, a Groundsel Properties Limited transferiu também através de débito na sua conta em BPN Cayman nº … a favor da SLN Investimentos junto da conta do BPN nº …, o montante de 168.614.625$00 (mesma data da venda da Astroimóvel ao fundo IMOGLOOBAL);
630) Deste modo, os arguidos JO… e LC… fizeram com que a aquisição pela GROUNDSEL PROPERTIES LIMITED da nova VALIDUS à “SLN Investimentos” fosse efectuada de forma integral com recurso a uma offshore que pertencia à SLN SGPS S.A. – no caso a KINASOL ASSETS LTD – e a uma outra offshore que foi utilizada em benefício do arguido RO… – no caso a OARDALE HOLDINGS CORP, ficando os encargos a ser suportados pelo BPN.

Financiamento da Validus para proceder à liquidação financeira das acções da SLN SGPS (arts. 673º a 687º da pronúncia):

631) No dia 29.12.2000, no mesmo dia em que venderam as acções da VALIDUS, os arguidos LM… e LAl…, em execução da estratégia de aumento dos suprimentos à nova VALIDUS, definida com os arguidos OC…, LC… e IC…, determinaram a realização de uma transferência no montante de 463.614.625$00, para a conta bancária BPN nº …, aberta na mesma data, em nome da nova VALIDUS;
632) Assim, conforme fizeram constar no contrato de venda das acções da nova VALIDUS à GROUNDSEL, os arguidos colocaram na esfera do arguido RO… um património constituído, além das referidas acções da VALIDUS e do imóvel que tinha como activo, um conjunto de 1.250.000 acções da SLN SGPS;
633) Com efeito, através da transferência do montante de PTE 463.614.625$00 referida supra, os arguidos identificados no facto 631º) fizeram a SLN INVESTIMENTOS libertar os fundos necessários para que as 1.250.000 acções da SLN SGPS, já colocadas na esfera do RO… desde 31 de Outubro de 2000, fossem então efectivamente pagas e colocadas na titularidade da nova VALIDUS;
634) Acresce que os mesmos arguidos fizeram com que a transferência dos 463.614.625$00 da conta da SLN INVESTIMENTOS para a conta da VALIDUS (nova sociedade) fosse realizada com data-valor de 31-10-2000, data em que a referida conta ainda não tinha sido aberta, mas corresponde à data em que as acções foram carregadas na conta de valores mobiliários do arguido RO…;
635) Os arguidos JO… e LC… procuraram então ocultar quer a existência de uma prévia colocação de 1.250.000 acções da SLN SGPS na esfera do RO…, quer a coincidência entre a GROUNDSEL e a pessoa do mesmo RO… como seu beneficiário;
636) De forma a ocultar a prévia colocação das referidas acções da SLN SGPS na conta do arguido RO…, ocorrida já a 31 de Outubro de 2000, os arguidos OC… e LC… resolveram forjar um contrato de venda do mesmo conjunto de acções, no qual surgisse como vendedora uma entidade terceira, propósito a que o arguido RO… aderiu.
637) Para o efeito, de acordo com tal resolução, os arguidos JO… e LC… decidiram utilizar a entidade INVESCO WORLWIDE LTD, sociedade offshore, com registo em Gibraltar, que tinha como beneficiária final a própria SLN SGPS;
638) Assim, os arguidos JO… e LC… redigiram um contrato de compra e venda de acções entre a referida INVESCO e a nova VALIDUS, com o NIF 505 147 459, no qual fizeram afirmar que a primeira vendia à segunda um total de 1.250.000 acções da SLN SGPS pelo montante de 463.614.625$00, fazendo constar no mesmo contrato a data de 29 de Dezembro de 2000;
639) Esse valor de 463.614.625$00 correspondia precisamente ao montante feito transferir da SLN INVESTIMENTOS para a nova VALIDUS;
640) Também correspondia ao valor de venda de 1.250.000 acções da SLN SGPS à cotação de 1,85€ (2.312.500,00€ = 463.614.625$00) que já estavam creditadas na conta de valores mobiliários do arguido RO…, desde 31 de Outubro de 2000, mas cuja liquidação financeira não se havia ainda operado;
641) Ainda na redacção do referido contrato, os arguidos OC… e LC…, precipitados pela urgência em que actuavam, fizeram constar que o referido conjunto de 1.250.000 acções eram “representativas da totalidade do capital social da SLN SGPS”, o que efectivamente não correspondia à verdade, uma vez que a SLN tinha então o seu capital dividido em 350 milhões de acções;
642) Mesmo com essa redacção, os arguidos OC… e LC… obtiveram no referido documento as assinaturas dos directores fiduciários da INVESCO WORLWIDE, que eram designados pela FIDUCIARY DIRECTORS LIMITED, escritório de constituição e manutenção de sociedades offshore de Gibraltar;
643) O arguido RO… assinou o referido documento, como representante da VALIDUS, embora soubesse que o mesmo não correspondia à realidade;

Ganhos imediatos do arguido RO… e prejuízos da SLN e do BPN (arts. 688º a 694º da pronúncia):

644) Como resultado final de todo esse cenário contratual forjado, os arguidos OC…., LC…, IC…, FS…, LM…, LAl… e RO… colocaram na Groundsel, sociedade da qual o arguido RO… era beneficiário efectivo, pelo preço de 738.614.615$00, suportado do modo já acima narrado, o património colocado na sociedade nova VALIDUS que, já naquela data, final de Dezembro de 2000, era composto pelas seguintes parcelas:
- 252.767.630$00, correspondente ao valor do imóvel detido pela nova sociedade VALIDUS segundo o pacto de cisão da antiga sociedade VALIDUS;
- 463.614.625$00, correspondente ao valor de 1.250.000 acções da SLN SGPS, ao preço de 1,85€;
644-A) Acrescem ainda os montantes dos financiamentos determinados pelos restantes arguidos através da KINASOL, por débito de contas junto do BPN Cayman e que nunca foram liquidados.
645) Por outro lado, a mesma encenação contratual, montada pelos arguidos OC…, LC…, IC…, FS…, LM… e LAl…, gerou um prejuízo para a SLN IMOBILIÁRIA;
646) No que se refere à SLN IMOBILIÁRIA, porque vendeu à SLN INVESTIMENTOS a antiga sociedade VALIDUS e créditos sobre a mesma pelo preço de 1.084.000.000$00, enquanto as novas sociedades, saídas da cisão, foram vendidas/transmitidas pelo valor total de 2.338.614.615$00, assim discriminado:
- a “Quinta da Torre de Santo António-Sociedade Imobiliária, SA” é vendida ao BPN Vida por PTE 1.600.000.000$00;
- a nova sociedade VALIDUS é vendida à GROUNDSEL por PTE 738.614.615$00;
647) Os arguidos OC…, LC…, IC…, FS…, LM… e LAl…, entre os dias 28 de Dezembro de 2000 e 29 de Dezembro de 2000, valorizaram o património da VALIDUS, sociedade inicialmente existente, de 1.084.000.000$00 para 2.327.382.255$00, com prejuízo para a SLN Imobiliária;
647-A) Os ganhos do arguido RO…, decorrentes da referida encenação contratual, foram ainda potenciados com a realização do valor real dos activos colocados na nova sociedade VALIDUS e com a venda das acções da SLN SGPS à SLN VALOR;

Ganhos posteriores do arguido RO… com a operação Validus (arts. 695º a 719º da pronúncia):

647-B) Ao aderir ao plano estabelecido pelos arguidos JO…, LC…, IC…, LM… e LAl…, de transmissão da sociedade nova Validus, o arguido RO… recebeu desde logo a promessa de que as 1.250.000 acções da SLN SGPS, que foram carregadas na sua conta de valores mobiliários e depois transferidas para a nova VALIDUS, seriam recompradas pela SLN VALOR, podendo guardar para si próprio a totalidade do produto da venda, que integraria assim o seu ganho pessoal, uma vez que não havia feito qualquer esforço financeiro para a aquisição dessas mesmas acções;
648) Dando execução a essa promessa, o arguido RO… subscreveu e dirigiu ao arguido JO…, em 23 de Novembro de 2001, em nome da nova VALIDUS, um pedido de venda das referidas 1.250.000 acções da SLN SGPS, sem ter necessidade de referir qual a quantidade de acções, mas reportando-se a um acordo anterior para venda à cotação de 2,30€ cada;
649) Tal pedido veio a ser deferido, conforme o previamente combinado, pelo próprio arguido OC…, com data de 30 de Novembro de 2001, que autorizou o pedido apresentado pelo arguido RO…, determinando que a aquisição fosse feita pela SLN VALOR;
650) Assim, nesse dia 30 de Novembro de 2001, foi concretizada a compra pela SLN VALOR de 1.250.000 acções da SLN SGPS detidas pela nova VALIDUS;
651) Para o seu pagamento a conta da VALIDUS no BPN com o nº …, foi creditada com o montante de 576.385.750$00;
651-A) Movimento que o arguido RO… sabia que viria a ocorrer e que conforme previamente combinado já havia mobilizado a descoberto, em seu proveito pessoal.
652) A 21 de Maio de 2001, o arguido RO… mobilizou a descoberto sobre a aludida conta nº …, o montante de 175.000.000$00, através da emissão do cheque nº 5687307, sacado por aquele montante a favor de JEl…;
653) Do mesmo modo, no dia 16 de Novembro de 2001, o arguido RO… emitiu sobre a mesma conta da VALIDUS o cheque nº …, no montante de 405.000.000$00, cujo pagamento foi também autorizado a descoberto;
654) Tal movimento por cheque, no valor de 405.000.000$00, veio a beneficiar, por crédito de igual montante, a conta particular de RO… junto do BES, conta nº …, fazendo assim, o mesmo arguido, seu tal montante;
655) Já quanto ao referido cheque no valor de 175.000.000$00, o arguido RO… procedeu à sua emissão para princípio de pagamento de um imóvel, sito Av. Torre de Belém, nº 25 e 25 A em Lisboa, o qual foi prometido adquirir pelo arguido em nome da VALIDUS e prometido vender a esta última, pela já referida JEl…;
656) O arguido RO… acordou com um seu conhecido, o Sr. VS…, a venda do mesmo imóvel, sendo então uma empresa deste último, no caso a GABIMÓVEL, a celebrar a escritura definitiva de aquisição do imóvel à JVt…, devendo depois o VS… devolver o montante adiantado para a aquisição do imóvel, mas já então para benefício da conta pessoal do arguido RO…;
657) A escritura definitiva de venda do imóvel veio a ser celebrada a 7 de Agosto de 2001, entre a referida JEl… e a sociedade GABIMÓVEL, pelo preço de 350.000.000$00;
658) Por solicitação da vendedora, foi ainda o arguido RO… quem realizou a parte restante do pagamento do preço, nova prestação de 175.000.000$00, através da emissão de um cheque sobre a sua conta pessoal junto do então BIC, naquele valor;
659) Posteriormente, em execução do combinado, veio a GABIMÓVEL a devolver ao arguido RO… o montante total correspondente ao preço do imóvel, no montante de 350.000.000$00;
660) Com efeito, a GABIMÓVEL veio a emitir ao arguido RO… um cheque preenchido com o valor de 160.000.000$00 e posteriormente veio a realizar uma transferência para a conta do mesmo junto do BES, no montante de 190.000.000$00, somando assim, a totalidade dos 350.000.000$00 – valores recebidos na conta … do RO…, nas datas de 8 e 9 de Agosto de 2001;
661) O arguido RO… conseguiu arrecadar na sua esfera pessoal o montante de 175.000.000$00, que haviam sido pagos a débito sobre a conta da nova VALIDUS, entrando a totalidade nas contas bancárias pessoais do arguido;
662) Em sede da conta da nova Validus junto do BPN, o arguido RO… gerou assim, com a autorização do arguido JO…, um descoberto total de 568.200.527$00, correspondente a valores dos quais se apropriou.
663) Tal montante foi posteriormente integralmente reposto, pelo crédito do produto da venda das referidas 1.250.000 acções da SLN SGPS à SLN VALOR, pelo preço total de 576.385.750$00 e consequente transferência a crédito da nova VALIDUS do mesmo valor;
664) Acresce ainda que o imóvel detido pela nova VALIDUS, correspondente ao prédio urbano, sito na Avenida do Brasil, Rua Particular, lote um, em Cascais, veio também a ser vendido por um preço superior ao da avaliação do mesmo imóvel em sede do projecto de cisão;
665) Com efeito, o arguido RO…, como representante da nova VALIDUS, veio a vender o referido imóvel à sociedade INICIMOB – Iniciativas Imobiliárias, Lda, pelo preço de 325.000.000$00, que para tal foi financiada pelo BPN, conforme escritura de compra e venda e hipoteca de 22 de Março de 2001;
666) Ora, esses montantes pagos pela INICIMOB começaram por ser creditados na conta da nova VALIDUS, mas de imediato o arguido RO… fez sacar sobre a conta desta última o montante de 300.000.000$00 através de cheque emitido com data de 27-3-2001 e que foi depositado na conta pessoal do arguido RO…, conta BPN nº …, pese embora estivesse em causa a venda de um activo que pertencia à sociedade nova Validus;
667) Face ao exposto, o ganho final do arguido RO…, em sede pessoal, com a aceitação da sua intervenção no negócio da VALIDUS e transferência de acções da SLN SGPS para a SLN VALOR, acabou por atingir o valor total de 868.200.527$00, correspondente à soma de:
- 568.200.527$00 – valor relativo à parte que fez sua correspondente ao preço pago pela SLN Valor pelas acções da SLN SGPS, colocadas na nova VALIDUS, incluindo mais-valias;
- 300.000.000$00 – parte do preço de venda do imóvel de Cascais, que o arguido fez transferir para a sua conta pessoal;
667-A) Nunca foram exigidos ao arguido RO… os montantes financiados à Kinasol e à Groundsel.
(…)
Imputação subjectiva:
(…)
955-A) O arguido RO… actuou com o propósito de, conjugando os seus esforços com os dos arguidos OC…, LC…, LM…, LAl… e IC…, fazer gerar cenários de negócios sem correspondência com a realidade de forma a sacar fundos de entidades terceiras, em seu próprio proveito.
955-B) O arguido RO… assinou documentação forjada, de forma a gerar falsas convicções em terceiros e criar justificações para os seus actos e actos de que foi beneficiário.

Da contestação do Arguido RO… (factos provados):

1) O arguido RO… conheceu o arguido OC… no desenvolvimento da sua actividade comercial;
3) O imóvel da Rua Dom João V, em Lisboa foi propriedade da Sociedade Altos Voos, Lda. (sociedade adquirida pelo arguido RO… e pela sua mulher, ao Sr. RGa…, em 9 de Maio de 2000), que o havia adquirido por Esc. 275.000.000$00
19) Quanto à escolha de quem seria a entidade que compraria o imóvel da R. Dom João V, a mesma não dependeu de, nem sequer foi alguma vez discutida com o arguido RO…, seja pelo arguido OC…, seja por qualquer outro quadro do BPN;
20) Quem adquiriu foi quem o BPN entendeu que adquirisse;
21) O arguido RO… é alheio à escolha da Imonegócios como compradora do Palacete da Rua Dom João V em Lisboa;
22) Nesta sociedade Imonegócios, nunca teve qualquer intervenção, nunca tendo o respectivo presidente, AC…, discutido qualquer aspecto do negócio com o arguido RO…;        
36) O arguido RO… não subscreveu qualquer documento interno da Oardale.
§§§. Do enquadramento jurídico dos factos.

I. Ao arguido RO… é imputada a prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artºs. 217º, 218º, nº1 e nº 2 al. a) do C. Penal, relativamente ao conjunto da sua actuação descrita nos factos narrados na pronúncia nºs 599 a 719, 1011 e 1012.
O último acto por si praticado ocorre no dia 31 de Dezembro de 2001 (venda da Astroimóvel – vide facto provado 620), uma vez que (como infra melhor se explicará), a sua actuação será enquadrada juridicamente como correspondendo à prática de um único ilícito.

II. A primeira questão que se coloca é a de saber qual a lei aplicável, em sede de enquadramento jurídico da sua conduta, uma vez que a Lei nº 59/2007 procedeu a alterações legislativas no âmbito da redacção até então vigente, no que concerne aos artºs 217 e 218 do C.Penal.
Adianta-se desde já que, pelas razões que infra melhor se enunciarão, se entende que se mostra aplicável ao caso a lei presentemente vigente (já em vigor em 2008), pela singela razão de que, pese embora o último acto tenha pelo arguido sido praticado em 31.12.2001, o crime que cometeu tem a natureza de crime de execução continuada, enquadrável na categoria dos crimes permanentes, pelo que o cessar da consumação (artº 119 nº 2 do C.Penal) apenas veio a ocorrer em data muito posterior (em 4 de Agosto de 2008), por até esse momento se ter mantido, por vontade também deste arguido, a situação de antijuridicidade que os seus actos criaram.

III. Não obstante, dir-se-á que ainda que assim se não entendesse (isto é, que se considerasse que a consumação ocorreu com a prática do último acto e não com a cessação da situação de omissão de reposição que se lhe seguiu), se teria de concluir que as alterações introduzidas pela Lei n.º 59/2007, de 04/09 em nada relevam para o enquadramento jurídico a realizar, uma vez que as mesmas consubstanciam previsões de novos circunstancialismos, que não têm qualquer aplicação face à descrita actividade deste agente[9], já que se reconduzem apenas aos casos em que ocorre reparação ou restituição até ao termo do julgamento em 1ª instância ou aditam situações de especial vulnerabilidade, para efeitos de qualificação do ilícito.  
Assim, a discussão a propósito desta questão revelar-se-ia meramente académica, pois no que a esta conduta se refere, não se mostra aplicável o disposto no artº 2º nº4 do C.Penal.

III. Apreciando.

1. São elementos constitutivos do tipo de crime de burla:
a) a intenção de obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo;
b) o uso de erro ou engano sobre factos, astuciosamente provocados;
c) que determinem outrem à prática de actos que lhe causem, ou a terceiro, prejuízo patrimonial.

2. No que se refere ao conceito de enriquecimento ilegítimo, é entendimento pacífico que, para que se verifique, é essencial que este não corresponda, objectiva ou subjectivamente, a qualquer direito, sendo que pode ocorrer por diversas formas.[10]
No que concerne ao elemento uso de erro ou engano, astuciosamente provocado, o mesmo traduz-se na mentira, na encenação, que provoca no lesado uma falsa representação da realidade, sendo essa mentira utilizada intencionalmente pelo agente do crime como forma de provocar essa ilusão.
Finalmente, quanto à prática de actos que causem um prejuízo patrimonial, deve existir uma relação de causa-efeito entre a conduta enganosa ou astuciosa e a prática de actos que causem, ao enganado ou a um terceiro, um efectivo prejuízo patrimonial, sendo que a pessoa enganada (o burlado) pode não ser a mesma pessoa que sofre o prejuízo patrimonial, assim devendo ser considerada vítima, ou sujeito passivo, em tais casos, a pessoa que efectivamente suporta o prejuízo patrimonial.

i. E, no que concerne a esta relação de causa-efeito, o que importa não é propriamente o número de actos de execução que o agente pratica, mas tão-somente que seja possível concluir, perante todo o cenário falsamente criado, que todos esses actos se dirigiam a tal fim, ou seja, que foram praticados com a intenção de criar uma mise-en-scène enganosa.

ii. Efectivamente, nem todas as burlas são iguais, sendo que nalguns casos a encenação necessária para atingir o objectivo visado comporta, eventualmente, a prática de um único acto, enquanto noutros casos essa mesma encenação poderá ser mais sofisticada e determinar que, para que possa ser montada e produzir os seus efeitos, isso implique a prática de uma série de actos de execução, todos perspectivados no sentido da montagem e encobrimento (de encenação) dessa mentira, desse engano, de modo a que o agente consiga alcançar o fim a que se propôs, à custa de um empobrecimento de outrem.

iii. Note-se, aliás, que nem sequer é elemento constitutivo do tipo de crime de burla a efectiva obtenção, pelo agente, de um benefício para si – basta que seja esse o seu propósito e que haja, efectivamente, um empobrecimento de alguém.
Na verdade, a burla é um crime de dano que se consuma com a ocorrência de um prejuízo efectivo no património do sujeito passivo da infracção ou de terceiro; isto é, consuma-se quando a posição económica do lesado fica reduzida, diminuída, relativamente àquela em que se encontraria caso não tivesse sido enganado.

3. Estes elementos do tipo mostram-se consignados no artº 217 do C.Penal, sendo que o artº 218 do mesmo diploma legal prevê, no nº 2 al.a), que a moldura penal para este ilícito será de prisão de dois a oito anos, se o prejuízo patrimonial for de valor consideravelmente elevado.

i. Por seu turno, estipula o artº 202 alínea b) do C.Penal que valor consideravelmente elevado será aquele que exceder 200 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto.

ii. Entre 01-01-1998 e 31-12-2000, a UC estava fixada em € 69,83 (14.000$00). Assim, se o valor do prejuízo se situar acima de € 13.966,00 (2.800.000$00), estará preenchida a circunstância qualificativa agravante prevista em tal artigo.

iii. Entre 01-01-2001 e 31-12-2003, a UC estava fixada em € 79,81 (16.000$00). Assim, se o valor do prejuízo se situar acima de € 15.962,00 (3.200.000$00), estará preenchida a circunstância qualificativa agravante prevista em tal artigo.

4. Finalmente, necessário se mostra ainda que haja dolo (genérico) – isto é, conhecimento e vontade de actuar preenchendo todos os pressupostos do tipo objectivo – bem como dolo (específico) - traduzido na intenção do agente obter um acréscimo para o seu património ou de terceiro, sem que se torne necessária a verificação efectiva do enriquecimento, mas sabendo que determinará um empobrecimento alheio.
E, obviamente, que tenha o agente consciência da censurabilidade da sua conduta, que se traduz na cognoscibilidade de que, assim actuando, o está a fazer contra o direito.

IV. Posta esta introdução, analisemos então a factualidade apurada.

1. A mesma resume-se, essencialmente, a dois negócios:
a. Um relativo à aquisição da sociedade nova Validus, onde se inclui a questão da aquisição e venda de 1.250 acções da SLN SGPS - factos provados 574) a 599-C), 620-A) a 667-A), 955-A), 955-B), bem como os factos provados da contestação 1), 3), 19), 20), 21), 22) e 36);
b.  Outro relativo à aquisição e venda da sociedade Astroimóvel - factos provados 600) a 620), 955-A), 955-B), bem como os factos provados da contestação 1), 3), 19), 20), 21), 22) e 36).

2. Resumidamente, o que aí se narra é o seguinte, atenta a matéria de facto ora dada como assente:

A. No dia 31 de Outubro de 2000, 1.250 acções da SLN SGPS foram depositadas directamente na conta do arguido RO…, resultado da putativa venda pela Emka, ao preço de €1,85 cada (no montante total de 463.614.625$00/€ 2.312.500,00), sendo beneficiário efectivo dessa entidade Emka o Grupo SLN/BPN. A Emka foi creditada nesse valor, mas não foi o arguido quem pagou aquelas acções.
Estas acções foram posteriormente retiradas da conta do arguido RO… e vendidas à Invesco (a partir de 29 de Setembro de 2000 a conta da Invesco passou a estar titulada pela Venice).

B. A sociedade Validus pertencia à SLN Imobiliária.
Em 28 de Dezembro de 2000, foi vendida à SLN Investimentos, que  pagou o preço respectivo (embora a sociedade Validus tivesse estado anteriormente “parqueada” na Invesco, sendo que a rectificação desse parqueamento de 90% das acções da Validus na Invesco foi feito no dia seguinte à venda da Validus à SLN Investimentos).
Por virtude da cisão realizada em 28 de Dezembro de 2000, a sociedade Validus foi dividida (pela SLN Investimentos) em duas sociedades:
a. A Quinta da Torre Stº António - sociedade resultante da fusão – ficou com o património constituído pelo imóvel de Torres Vedras (As operações relacionadas com esta sociedade nada têm a ver com o que aqui se discute em relação ao arguido RO…).
b. A nova Validus – cujo património passou a ser constituído pelo imóvel sito na Avenida do Brasil, Rua Particular, Lote um, em Cascais.

C. No dia 29 de Dezembro de 2000:
a. A nova Validus é vendida à Groundsel, pelo preço de € 738.614.615,00, sendo que o financiamento veio da Kinasol (em 29.12.2000) e da Oardale (em 31.12.01), por recurso a descoberto nas suas contas no BPN Cayman.
b. A Invesco vende as 1.250 acções da SLN SGPS à nova Validus, sendo o arguido RO… quem assina o contrato de compra das acções pela nova Validus, em representação desta.
c. O património da nova Validus, passa assim a ser também constituído (para além do imóvel da Cascais), por 463.614.625$00, correspondente ao valor de 1.250 acções da SLN SGPS, à cotação de € 1,85 (facto provado 644).
d. A Groundsel era uma sociedade pertencente ao arguido RO…, sendo ele o seu beneficiário. A Groundsel adquire todas as acções da nova Validus, sem qualquer investimento de dinheiro quer da sociedade, quer do arguido RO…, sendo que todos os encargos foram suportados pelo Grupo SLN/BPN.

D. Nova Validus:
a. No dia 22 de Março de 2001, a nova Validus vendeu o prédio sito na Avenida do Brasil, Rua Particular, lote Um, em Cascais, à Inicimob, pelo preço de 325.000.000$00, tendo o arguido RO… representado a nova Validus nessa escritura.
b. O arguido RO… sacou para a sua conta pessoal o montante de 300.000.000$00 provenientes dessa venda, ficando 25.000.000$00 na conta da nova Validus. (factos provados 664 a 666).
c. Entre 21 de Maio de 2001 e finais de Novembro do mesmo ano, o arguido RO… saca da conta da nova Validus o quantitativo total de 568.200.527$00 (652 a 662), montante este de que se apoderou.
d. Em 23 de Novembro de 2001, o arguido RO… pede ao arguido JO… a venda de acções da nova Validus, em representação desta sociedade, por € 2,30 cada (sem sequer indicar o quantitativo das mesmas que foi, não obstante, de 1.250 acções).
e. No dia 30 de Novembro de 2001, as acções são vendidas pela nova Validus à SLN Valor, por 576.385.750$00.
 f. Após tal venda, o preço pago pela SLN Valor pela aquisição de tais acções à nova Validus (576.385.750$00) entra na conta desta última sociedade, cobrindo o descoberto referido em c..
g. O ganho final do arguido RO…, em sede pessoal, com a aceitação da sua intervenção no negócio da nova Validus e transferência das acções da SLN SGPS para a SLN Valor, abrangeu, pelo menos, o recebimento das seguintes quantias:
- 568.200.527$00 – montante que fez seu retirado da parte do preço pago pela SLN Valor, para pagamento de 1.250 acções da SLN SGPS;
- 300.000.000$00 – parte do preço da venda do imóvel de Cascais, pertencente à nova Validus.

E. Astroimóvel:
Em 13 de Dezembro de 2000, dá-se a aquisição da sociedade Astroimóvel a ASS… e outros, sendo que o património dessa sociedade era um imóvel sito na Rua Castilho, em Lisboa.
O arguido RO… foi quem negociou tal aquisição, ficando acordado que a mesma seria feita em parceria, cabendo 35% a este arguido.
A aquisição foi feita através das sociedades Kinasol e Oardale, ambas pertencentes ao universo SLN/BPN, sendo que a parte adquirida pela Oardale correspondia à percentagem do negócio que cabia ao arguido RO….
O arguido RO… não despendeu qualquer quantia sua para adquirir parte desta sociedade Astroimóvel, pois o dinheiro veio do BPN Cayman, via Oardale. 
Após correcção da inicial divisão de acções (que estava incorrecta, face ao acordado), ficou 35% para a Oardale e 65% para a Kinasol.
A Kinasol e a Oardale venderam a Astroimóvel em 31 de Dezembro de 2001 – cerca de um ano depois de a terem adquirido – ao Fundo Imoglobal, que era gerido pelo Imofundos (tudo Grupo SLN/BPN).
E venderam-na por mais € 7.552.588,00 do que a haviam comprado (aquisição por cerca de 11 milhões de euros um ano antes e venda por 19 milhões de euros um ano depois) face a uma valorização decidida de acordo com meros valores de conveniência, como havia sido acordado.
A Oardale teve uma mais-valia de € 3. 349.558,61, tendo essa parte de pagamento sido convertida em unidades de participação no referido fundo, que ficaram para o arguido RO….
 O prejuízo total para o Fundo Imoglobal foi de € 7.552.588,00.

F. Relativamente a todas as operações e contratos acabados de referir em que teve intervenção, o arguido RO… não fez qualquer esforço financeiro, tendo todos os financiamentos sido suportados pelo Grupo BPN/SLN, o que era do seu pleno conhecimento, uma vez que efectivamente não aportou qualquer entrada de património seu, nem celebrou qualquer contrato de mútuo que o onerasse, tendo conhecimento da proveniência dos movimentos que possibilitaram tais financiamentos.
As operações acima referidas criaram prejuízo para o BPN, para a SLN Imobiliária e para o Fundo Imoglobal.

V. Vejamos então, em primeiro lugar, o chamado negócio da Astroimóvel.

1. Atenta a matéria factual provada, constata-se que este foi constituído por dois actos que, não obstante, tinham um único propósito que era o de gerar um benefício à custa de um prejuízo de terceiros.

2. Para tanto, foi posta em acção uma encenação, em que se determinou a aquisição de uma sociedade – a Astroimóvel – que tinha como património um único bem: um imóvel sito na Rua Castilho, em Lisboa. Essa encenação consistiu na aquisição dessa sociedade por duas entidades offshore (Kinasol e Oardale), que foram financiadas pelo BPN Cayman, por descobertos autorizados.

3. O uso dessas entidades (offshore) permitia que não fosse publicamente visível saber quem eram os beneficiários efectivos das mesmas, isto é, que quem estava a pagar a aquisição da Astroimóvel era o Grupo SLN/BPN, pese embora (depois dos erros que determinaram a necessidade de rectificação das percentagens acordadas) este grupo, via Kinasol, apenas tenha ficado com 65% das acções dessa sociedade, sendo que os restantes 35% ficaram para o arguido RO….

4. Ora, logo no final deste primeiro acto se constata que a atribuição a este arguido dessa percentagem, não tem na sua base qualquer direito que a sustente.

i. A utilização do termo parceria no ponto 600) dos factos assentes, não se reporta ao seu sentido legal (que implica que haja um investimento por parte de cada um dos parceiros, caracterizando uma sociedade em que cada um é responsável por um quinhão ou uma parte com que entra, lucrando nessa mesma proporção), nem assim poderia ser entendido - já que o seu uso se inscreveu no âmbito  do apuramento da matéria de facto - mas antes ao seu sentido comum, que se consubstancia numa relação de colaboração entre duas ou mais pessoas com vista à realização de um objectivo comum.

ii. Na verdade, o arguido RO… não fez qualquer esforço financeiro, limitando-se a sua contribuição à negociação das condições de venda com os anteriores donos da Astroimóvel e à apresentação do negócio ao arguido JO….

iii. Não pediu qualquer mútuo para adquirir a sua parte nessa sociedade, nem foi retribuído na qualidade de angariador/intermediário (nada se provou a esse título).
Nenhum negócio jurídico foi celebrado e, não obstante, obteve, a custo zero para si e com integral dispêndio pelo Grupo SLN/BPN (via BPN Cayman), uma percentagem de 35% dessa sociedade.

iv. E esse benefício foi disfarçado pois, embora fosse ele, nessa altura, o beneficiário efectivo da Oardale, aos olhos do público esse facto não se tornou apreensível, precisamente por virtude da utilização enganosa da dita sociedade offshore.

v. Estamos pois perante um acto em que os arguidos envolvidos (JO…, LC… e RO…) colaboraram entre si, com vista à concretização de um determinado objectivo.

5. De tudo isto tinha o arguido RO… perfeito conhecimento, com tudo isto esteve de acordo, com tudo isto colaborou e de tudo isto beneficiou.
Assim, e logo neste primeiro momento, constata-se que a sua actuação integra os elementos constitutivos do crime de burla.

6. Mas, obviamente, esta era apenas uma das etapas para se alcançar o resultado final, pois no que concerne ao seu benefício pessoal (o prejuízo já existia, como acima se expôs, embora na segunda parte se venha a agravar…) era necessário que a sociedade Astroimóvel fosse transaccionada, uma vez que só assim receberia o valor da percentagem que lhe tinha sido atribuído no acordo.

7. Entra-se então no 2º acto da encenação, com a venda da Astroimóvel ao Fundo Imoglobal.

8. Com essa venda, os prejuízos do Grupo agravam-se (o fundo Imoglobal pertence ao Grupo SLN/BPN), desde logo porque a mesma é feita por um valor superior em quase 8 milhões de euros ao da inicial aquisição.
Assim, para além do arguido RO… ter então visto ser passado, para a sua esfera pessoal, o valor correspondente à venda dos 35% de acções da Astroimóvel, ainda obteve uma adicional mais-valia de € 3.349.558,61, face a essa artificial valorização.

9. E esse seu benefício – sem qualquer fundamento em direito que lhe assistisse – é obtido à custa de um prejuízo do Grupo SLN/BPN (afinal de contas, é do seu seio que sai todo o financiamento para as duas aquisições dessa sociedade), sendo que, na prática, acabou por ser este grupo quem pagou duas vezes (pelo menos, parcialmente) pela aquisição do mesmo bem.

i. De facto, o Grupo fez uma primeira aquisição da sociedade a terceiros e pagou o preço pela mesma.

ii. Sucede, todavia, que parte desse dispêndio – 35% do mesmo – destinou-se a suportar a aquisição dessa percentagem das acções da Astroimóvel, em benefício de um terceiro (o arguido RO…); isto é, o Grupo suportou essa despesa, para adquirir uma percentagem com a qual não ficou.

iii. E, ao proceder à venda da Astroimóvel ao Fundo Imoglobal (também pertencente a esse grupo), o Grupo SLN/BPN ainda teve de despender adicionalmente mais cerca de 8 milhões de euros (ou seja, teve de obter, dentro do seu seio, financiamento para esta adicional despesa), entregando a um terceiro – ao arguido RO… –35% desse montante.

10. Tudo isto foi, mais uma vez, uma mera encenação, porque se “fez de conta” que o fundo Imoglobal estava a adquirir a terceiros (isto é, a entidades que não pertenciam ao grupo financeiro em que se inseria) uma sociedade que ainda não estava naquela esfera, bem como que esta sociedade valia 19 milhões de euros, isto é, que no espaço de um ano se havia valorizado de € 11.447.412,91 (preço da inicial aquisição) para aquele valor, sem que efectivamente existisse qualquer razão para tal.
E esta encenação foi necessária precisamente para que, em termos de percepção pública, nada disso fosse aparente. Criou-se pois, mais uma vez, uma falsa representação da realidade.

11. De tudo isto tinha o arguido RO… perfeito conhecimento, com tudo isto esteve de acordo, com tudo isto colaborou e de tudo isto beneficiou.
 
12. Do que se deixa dito conclui-se que, também neste segmento da sua actuação, a mesma preenche os elementos constitutivos do crime de burla qualificada.

VI. Prossigamos agora com a apreciação do chamado negócio da nova Validus, analisando em primeiro lugar a questão da transmissão de 1.250 acções da SLN SGPS.

1. Estas acções já haviam sido adquiridas pela Emka (sociedade offshore pertencente ao Grupo SLN/BPN).
Não obstante, através da montagem da encenação que os factos provados descrevem (colocação dos títulos na conta pessoal do arguido, depois retirados e vendidos à Invesco para, logo a seguir, serem vendidos por esta à nova Validus), as mesmíssimas acções acabam por ser vendidas à nova Validus e finalmente, acabam por ser por esta sociedade vendidas à SLN Valor.

2. Toda esta encenação serviu para encobrir aquilo que de facto sucedeu, isto é, que uma sociedade do Grupo SLN/BPN estava a comprar acções que já haviam sido adquiridas pelo mesmo Grupo, que este estava a pagar duas vezes pelo mesmo conjunto de acções e que, na venda/aquisição final, ainda fez um esforço financeiro suplementar, pois que as pagou a uma cotação acima da compra inicial (de € 1,85 para € 2,30 por acção).
Daí o manifesto prejuízo decorrente para este Grupo.

3. Na verdade, é graças às sucessivas manobras de venda, sem qualquer suporte ou finalidade legítima, que se mostrou possível alcançar um duplo desiderato:

a. Por um lado, apresentar o resultado final de detenção pela SLN Valor daquela quantidade de títulos como decorrente de uma mera operação financeira legal, escondendo-se a verdadeira origem dessas acções e o facto de não terem sido adquiridas a terceiros, mas sim ao Grupo e com uso exclusivo de fundos desse mesmo grupo e,

b. Por outro lado, permitir-se ao arguido RO… o benefício de fazer seu o quantitativo de 568.200.527$00, praticamente a totalidade do produto da venda dessas acções (576.385.750$00), realizada pela nova Validus à SLN Valor (correspondente ao valor destas à cotação de € 1,85 a que acrescem as mais-valias, por nessa venda final terem sido transaccionadas à cotação de € 2,30), valor de que lhe foi permitido apropriar-se em nome pessoal pois, se assim não fosse, tais mais-valias teriam de ter permanecido na sociedade nova Validus, já que foi esta a última entidade nominalmente apresentada como vendedora.

4. E nem o arguido, nem a nova Validus, tinham qualquer direito ao produto da venda de tais acções, nem em fazerem suas tais mais-valias, uma vez que nenhum deles fez efectivamente qualquer esforço financeiro para a sua aquisição.

i. De facto, o arguido RO… não despendeu qualquer quantia sua nessa compra e a nova Validus foi “financiada”, via Grupo SLN/BPN, para adquirir as mesmas, tendo sido o mesmo grupo – via SLN Valor – que veio a repor o pretenso quantitativo despendido pela nova Validus com a sua aquisição.

ii. Daí que, em termos de prejuízo para esse Grupo, o mesmo tenha de ser entendido como abrangendo a totalidade do preço pago pela SLN Valor à nova Validus, isto é 576.385.750$00, uma vez que as acções já pertenciam a este Grupo, via Emka, que já tivera de suportar o seu custo de aquisição inicial.

5. De tudo isto tinha o arguido RO… perfeito conhecimento, com tudo isto esteve de acordo, com tudo isto colaborou e de tudo isto beneficiou.

6. Assim, também quanto a este segmento da sua actuação se conclui que a mesma preenche os elementos constitutivos do crime de burla qualificada, uma vez que se mostra irrelevante, para efeitos de preenchimento dos elementos do tipo, que não tenha sido apurado que esta operação corresponda a uma estratégia de utilização da nova Validus tendo em vista a transferência das acções para alcançar um aumento do nível de controlo da SLN SGPS pela SLN Valor.

VII. Apreciemos então, para finalizar, o segmento relativo à aquisição, propriamente dita, da sociedade nova Validus.

1. O que se deixa acima vertido, no que toca à questão da sociedade Astroimóvel aplica-se, mutatis mutandis, ao que se verificou nesta sede.

2. Em boa verdade, esta encenação começa com a cisão da sociedade Validus (que resulta na sociedade nova Validus e na sociedade Quinta da Torre de Santo António), relativamente à qual, atenta a matéria de facto provada, o arguido RO… não teve intervenção.

3. Mas já o mesmo não ocorre com a transmissão da nova Validus, logo após a cisão.

4. Na verdade, esta sociedade não lhe foi vendida directamente, mas sim a uma entidade offshore (a Groundsel), que era sua e da qual era beneficiário efectivo.
Assim, a SLN Investimentos vende a nova Validus à Groundsel pelo preço de € 738.614.615,00, sendo que a totalidade do financiamento dessa venda é feita pelo BPN, via BPN Cayman, por descoberto das entidades Kinasol e Oardale.

5. Mais uma vez estamos perante uma encenação no que respeita à proveniência do dinheiro que permitiu tal aquisição, que visa encobrir quem, de facto, suportou todos os custos inerentes a essa transmissão; ou seja, visa-se ocultar a circunstância de, dada a origem do financiamento, estar o Grupo SLN/BPN a pagar para transmitir uma sociedade que lhe pertence, para um terceiro – no caso, o arguido RO….
Não está a comprá-la para si, está a comprá-la para um terceiro, para que este fique seu dono, mas está a pagá-la. No fundo, está a oferecer a sociedade nova Validus ao arguido RO….
Mas não é essa a percepção, em termos de visibilidade pública, do negócio e daí a necessidade de tal encenação, precisamente para que se escondam os seus contornos verdadeiros.

6. O que daqui resulta é que o arguido RO… consegue alcançar, primeiro para a sua esfera de influência e, depois, para o seu património pessoal, um montante de 300.000.000$00, correspondente à parte do preço pelo qual foi vendido o imóvel de Cascais, que pertencia à nova Validus e que o arguido fez seu.

7. E ao fazê-lo, sabia que estava a conseguir este propósito através da encenação acima referida, pois tudo obteve a custo zero; sabia que quem suportava a “oferta” dessa sociedade (e do património que a constituía) para a sua área patrimonial era o Grupo SLN/BPN, o que acarretava um prejuízo para o mesmo, porque pagava algo com que não ficava; e sabia que o dinheiro da venda daquele imóvel seguramente não era seu de direito.

8. De tudo isto tinha o arguido RO… perfeito conhecimento, com tudo isto esteve de acordo, com tudo isto colaborou e de tudo isto beneficiou.
 
9. Do que se deixa dito quanto a este segmento da sua actuação, conclui-se que se mostram igualmente preenchidos os elementos constitutivos do crime de burla qualificada. Remetemos ainda para o que infra se dirá a propósito do crime de burla unificado, pelo qual foram condenados os arguidos que com o arguido RO… co-actuaram nesta factualidade (vide I. §§, C. Do crime de burla), assinalando-se, tão somente, que a actuação deste arguido se engloba no cenário de engano e de determinação (no caso, dos accionistas do Grupo), prosseguido pelos demais, com atribuição de benesses (benefícios pessoais) a quem na mesma colaborasse, sendo certo que uma das consequências de facto das operações realizadas se consubstanciou na transferência das acções da SLN SGPS para a SLN Valor.

VIII. Resta então apurar se, face às circunstâncias do caso, estamos perante a prática de vários crimes de burla (em concurso real), de um crime continuado ou de um crime de execução permanente.

1. Se analisássemos a conduta do arguido, sob um prisma meramente aritmético teríamos que, em resultado da mera contagem dos actos praticados, os mesmos corresponderiam à prática de diversos crimes de burla, praticamente um por cada erro ou engano e prejuízo produzido.
Não cremos, todavia, que esta solução corresponda ao correcto enquadramento jurídico da factualidade apurada.
Senão, vejamos:

2. Como sintetiza o Acórdão do STJ, de 29-11-2012, processo nº 862/11.6TAPFR.S1, 5ª Secção (sublinhados nossos):
III - A doutrina e a jurisprudência têm resolvido este problema, de contagem do número de crimes, que de outro modo seria quase insolúvel, falando em crimes prolongados, protelados, protraídos, exauridos ou de trato sucessivo, em que se convenciona que há só um crime – apesar de se desdobrar em várias condutas que, se isoladas, constituiriam um crime - tanto mais grave [no quadro da sua moldura penal] quanto mais repetido.
IV - Ao contrário do crime continuado [cuja inserção doutrinária também nasceu, entre outras razões, da dificuldade em contar o número de crimes individualmente cometidos ao longo de um certo período de tempo], nos crimes prolongados não há uma diminuição considerável da culpa, mas, antes em regra, um seu progressivo agravamento à medida que se reitera a conduta [ou, em caso de eventual «diminuição da culpa pelo facto», um aumento da culpa enquanto negligência na formação da personalidade ou de perigosidade censurável»]. Na verdade, não se vê que diminuição possa existir no caso, por exemplo, do abuso sexual de criança, por actos que se sucederam no tempo, em que, pelo contrário, a gravidade da ilicitude e da culpa se acentua [ou, pelo menos, se mantém estável] à medida que os actos se repetem.
V - O que, eventualmente, se exigirá para existir um crime prolongado ou de trato sucessivo será como que uma «unidade resolutiva», realidade que se não deve confundir com «uma única resolução», pois que, «para afirmar a existência de uma unidade resolutiva é necessária uma conexão temporal que, em regra e de harmonia com os dados da experiência psicológica, leva a aceitar que o agente executou toda a sua actividade sem ter de renovar o respectivo processo de motivação» (Eduardo Correia, 1968: 201 e 202, citado no “Código Penal anotado” de P. P. Albuquerque).
VI - Para além disso, deverá haver uma homogeneidade na conduta do agente que se prolonga no tempo, em que os tipos de ilícito, individualmente considerados são os mesmos, ou, se diferentes, protegem essencialmente um bem jurídico semelhante, sendo que, no caso dos crimes contra as pessoas, a vítima tem de ser a mesma.”

3. É o que sucede neste caso, o que afasta o enquadramento em sede de concurso real de crimes de burla.

a. Na verdade, o que se exige para que se possa entender estarmos perante este modo de cometimento do ilícito, será poder constatar-se, face à factualidade provada, que existe uma unidade resolutiva (algo de diverso de uma única resolução), sendo para tanto necessária “ uma conexão temporal que, em regra e de harmonia com os dados da experiência psicológica, leva a aceitar que o agente executou toda a sua actividade sem ter de renovar o respectivo processo de motivação» (Eduardo Correia, 1968: 201 e 202, citado no “Código Penal anotado” de P. P. Albuquerque).

b. Acresce que para além da constatação da existência desta unidade resolutiva, deverá igualmente decorrer que existe uma homogeneidade na conduta prolongada no tempo, do agente, em que os tipos de ilícito, individualmente considerados são os mesmos ou, se diferentes, protegem essencialmente um bem jurídico semelhante.

4. Ora, no caso presente, o que os factos nos descrevem é uma actuação que se reconduz a uma unidade resolutiva, pois que todos os actos que este arguido praticou ocorreram entre o final do ano de 2000 e o dia 31 de Dezembro de 2001, todos se reconduzem à prática do mesmo tipo de crime (isto é, à violação do mesmo bem jurídico normativamente tutelado) e em todos eles a entidade prejudicada é sempre a mesma (o Grupo SLN/BPN).
De igual modo, os agentes com quem o arguido colabora acabam por se reconduzir sempre às mesmas pessoas e há uma interligação no uso de alguns dos mecanismos através dos quais os vários actos são executados (modos de financiamento e uso das entidades Kinasol, Oardale e Groundsel).

5. Assim, atento o que se deixa expresso e de harmonia com os dados da experiência psicológica, mostra-se possível aceitar que o arguido RO… executou toda a sua actividade sem ter de renovar o respectivo processo de motivação, pelo que se entende que estamos assim perante um crime execução continuada, por se verificar uma unidade resolutiva, que conforma e abrange toda a actividade criminosa por si produzida e acima descrita.
Este crime enquadra-se na categoria dos crimes permanentes, pelo que a determinação do momento da sua consumação obedece a parâmetros específicos, como infra (no capítulo I. deste acórdão, relativo às questões de direito), mais aprofundadamente se explicará, considerações estas que se lhe mostram plenamente aplicáveis, precisamente porque a sua actuação se operou em co-autoria com os demais arguidos aí mencionados.

6. Em sede final dir-se-á ainda que a integração da actividade prosseguida pelo arguido, em sede de crime continuado, se mostraria desde logo afastada pela manifesta não verificação de um dos seus requisitos, designadamente a existência de uma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente (parte final do nº2 do artº 30 do C.Penal).

i. De facto, o elemento definidor, por excelência, deste tipo de integração jurídica – que acaba por lhe circunscrever os seus limites e determinar a sua benevolência a nível sancionatório, se comparado com o tratamento dado pela lei ao concurso real – reside no entendimento de a acção criminosa se desenrolar no quadro de uma situação que é exterior ao agente, isto é, que lhe é exógena, porque não foi por si criada, mostrando-se possível concluir que dessa parametrização circunstancial, era cada vez menos exigível que aquele se comportasse de acordo com o direito.

ii. Salvo o devido respeito, no caso dos autos, este circunstancialismo não se verifica.
Efectivamente, a verdade é que não se verificam circunstâncias exteriores diminuidoras - e, ainda por cima, de forma considerável - da culpa do arguido.
Como decorre da leitura dos factos provados, nada se mostra assente que permita inferir que a actividade prosseguida pelo arguido RO… tenha resultado da verificação de circunstâncias externas, a si e à sua vontade alheias, em que não teve qualquer intervenção para a sua produção.

iii. Ao inverso, o que resulta assente é que a sua actuação resultou de uma determinação interna e prosseguida no tempo, de conseguir alcançar o maior número de benefícios possível, a seu favor, à custa de outrem, colaborando na encenação que permitiu a alteração da percepção da realidade perante terceiros, o que desde logo implica que quem determinou as circunstâncias que consentiram a execução da sua actividade não foram acasos externos, mas antes acções voluntariamente prosseguidas para a obtenção desse fim.
Não foram as circunstâncias externas que propiciaram o crime; foram o engano e a encenação, criadas artificiosamente por acção dos arguidos, que o viabilizaram.

7. Estamos pois perante uma decisão imputável ao arguido RO…, que não foi determinada por uma situação que lhe era exógena ou que, dado o seu enquadramento, permitisse compreender-se que, no decurso do período temporal de cerca de um ano em que a sua actuação se verificou, lhe era cada vez menos exigível que se comportasse de acordo com o direito. 

IX. Apuremos então qual o montante do prejuízo que, por decorrência da actuação do arguido RO…, o Grupo SLN/BPN teve.

1. Quando fazemos menção como lesado ao Grupo SLN/BPN, referimo-nos em primeira linha (mas não só) ao conjunto dos seus accionistas, uma vez que é por virtude do investimento por cada um deles feito que se cria uma sociedade, realizando-se o seu capital social e porque esse investimento é feito na ponderação do retorno que advirá a cada um, em resultado da actividade da sociedade que surge por virtude do encontro dessas vontades.

i. Assim, as acções perpetradas, seja por quem for e independentemente da sua qualidade face a esse Grupo, directamente dirigidas à obtenção de um ganho indevido, à custa dessa sociedade, ou seja, através da diminuição do seu capital social ou do seu lucro, constituem um efectivo prejuízo para os lesados que são cada um dos accionistas desse Grupo.

ii. Como infra se referirá (a propósito dos recursos interpostos pelos arguidos, relativamente ao crime de burla), deve ser considerada vítima, ou sujeito passivo, em tais casos, a pessoa que efectivamente suporta o prejuízo patrimonial, uma vez que este se consuma quando a posição económica do lesado fica reduzida, diminuída, relativamente àquela em que se encontraria caso não tivesse sido enganado.

iii. Ora, o prejuízo causado pela actuação do arguido repercute-se, precisamente, na descapitalização /desfinanciamento do Grupo SLN/BPN (ao qual pertenciam todas as entidades e instituições envolvidas, quer no financiamento, quer na transmissão, quer no pagamento dos preços decorrentes dos negócios celebrados), bem como nos resultados a nível de proventos, consequentes da actividade que se pretende lucrativa que desenvolve, ou seja, os accionistas vêem o capital que investiram ser ilegitimamente reduzido e, de igual modo, atingido o lucro que esperariam obter desse investimento, por virtude do logro de que foram alvo. Por seu turno, as sociedades que constituem esse Grupo vêem-se prejudicadas, pela manifesta perda de activos que esta actuação lhes acarreta.

2. Este prejuízo foi assim constituído:
a. Astroimóvel:
- Preço pago pela aquisição inicial de 35% das acções da Oardale, que ficaram para o arguido RO…  (não se inclui o dispêndio de 65% do preço de aquisição de acções pela Kinasol, uma vez que, nessa parte, para que a compra fosse realizada, os donos da Astroimóvel – aqui terceiros – tinham que ser pagos; para além do mais, essa percentagem dessa sociedade acabou por ficar para o Grupo):                                                                                                   - 661.678.999$00;
- Preço pago a mais entre a aquisição da Astroimóvel aos seus donos e a sua revenda ao Fundo Imoglobal      (sendo que aqui se engloba a totalidade das chamadas mais-valias, pois embora só uma parte tenha passado para o arguido RO…, o prejuízo dessa operação incluiu a parte em que o Grupo pagou a mais para revender 65% de acções de uma sociedade que já pertenciam a outra entidade do próprio Grupo: Kinasol para Fundo Imoglobal)       – 1.514.157.999$60 (€ 7.552.588,26).

b. Nova Validus (não se incluem aqui os custos concernentes à cisão da Validus, uma vez que não ficou provado que o arguido RO… tivesse tido intervenção nessa operação):
Preço de venda da sociedade nova Validus à Groundsel: 738.614.615$00
Preço de aquisição de 1.250 acções da SLN SGPS:       576.385.720$00;
Valor do bem imóvel sito em Cascais:                               252.767.630$00
Total:                                                                                   3.743.604.963$60
                                                                                             (€18.673.022,83)

A este prejuízo acresceriam ainda os custos inerentes a tais operações de financiamento, mas que aqui não podem ser atendidos por se não mostrarem contabilizados.
 
X. Assim e em síntese final, temos de concluir que o arguido RO… cometeu um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artºs 217 e 218 nº1 e nº2 al. a), do C.Penal, uma vez que o prejuízo causado é superior a 200 UC.

XI. Constata-se, igualmente, que o benefício alcançado pelo arguido RO… abrange:
Intervenção no negócio nova Validus, incluindo venda de 1.250 acções da SLN SGPS:                                                                                         868.200.527$00;
Valor de 35% das acções da Astroimóvel:                         661.678.999$00;
Valor das mais-valias relativas a esses 35%                       671.526.209$30 (€ 3.349.558,61).
Total de benefício                                                             2.201.405.735$00
                                                                                              (€ 10.980.565,51)

 A este benefício acresceria ainda o enriquecimento inerente a não ter de proceder a qualquer pagamento (comissões, juros, etc.) decorrente de uma operação de financiamento, mas que aqui não pode ser atendido por se não mostrar contabilizado.

§§§§. Da pena a impor ao arguido pela prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artºs 217 e 218 nº1 e nº2 al. a), do C.Penal.

A. A moldura penal prevista para este tipo de ilícito é a de pena de 2 a 8 anos de prisão.

B. O recorrente MºPº pede a condenação do arguido na pena de 5 anos e 6 meses de prisão, pela prática deste ilícito.

C. O recorrido, nesta sede, queda-se pelo pedido de manutenção da sua absolvição.

D. Decidindo.
1. Para determinação da medida da pena cabe ter presente, desde logo, o vertido nos artigos 40º, 70º e 71º, todos do Código Penal, a saber:
a. Deverá atender-se à culpa do agente, que constituirá o limite inultrapassável da pena;
b. Caberá atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, aqui se incluindo o número de actos de execução praticados e que determinaram a consumação do crime.
c. Deverá ter-se em atenção a necessidade de protecção dos bens jurídicos tutelados pela norma, atentos os fins de prevenção geral e especial.
- Em sede de prevenção geral, a ponderação da pena rege-se pelo efeito dissuasor da prática de crimes pelos cidadãos (a chamada prevenção geral negativa) bem como pela necessidade de ser dada uma resposta, em sede de convicção societária, de que as normas penais são válidas, eficazes e devem ser cumpridas (a chamada prevenção geral positiva).
- Em sede de prevenção especial, a pena é apreciada sob o prisma do efeito dissuasor que terá sobre o próprio delinquente, no sentido de ser eficiente para evitar a repetição da prática de novos crimes, bem como tendo em vista a expectativa de o auxiliar na sua reintegração na sociedade.

2. Atenta a moldura penal deste tipo de crime (2 a 8 anos de prisão), o disposto no artº 70 do C.Penal mostra-se arredado, uma vez que não se mostra legalmente possível a sua substituição por multa, nem por trabalho a favor da comunidade ou qualquer outra.

3. Não se verifica nenhuma circunstância especial atenuante, pelo que se mostra arredada a aplicabilidade do disposto no artº 72 do C.Penal (atenuação especial da pena). 

4. Para apreciação das diversas circunstâncias a que alude o artº 71 do C.Penal, atenderemos à matéria de facto dada como assente, nos termos já supra transcritos, bem como aos critérios que se mostram vertidos no acórdão no que respeita à dosimetria das penas, em relação a cada um dos restantes arguidos, a que aditaremos o vertido no ponto 6. infra.

5. Assim, para além da materialidade assente, relativa à narração da actividade prosseguida por este arguido, preenchedora dos elementos constitutivos do crime (já acima referida), temos que:
 1070) Nasceu em Moçambique onde viveu com os pais até aos sete anos, numa família estruturada segundo um modelo convencional;
1071) Frequentou em Lisboa o ensino básico e secundário, concluindo depois um curso técnico de construção civil;
1072) Entre os 17 e os 19 anos viveu no Brasil onde desempenhou funções de estivador e segurança privado;
1073) Regressado a Portugal integrou o serviço militar obrigatório, após o que concluiu o bacharelato em Gestão de Empresas no Instituto de Novas Profissões. Trabalhou como vendedor de móveis de escritório e foi director comercial de uma empresa de tintas. Desenvolveu actividade de mediação imobiliária por conta própria. Posteriormente foi presidente do conselho de administração de uma empresa de construção civil;  
1074) Trabalha como promotor imobiliário, numa empresa que fundou;
1075) Teve um casamento de 15 anos, dissolvido por divórcio em 2009, do qual nasceram três filhas, com as quais não mantém qualquer relação;
1076)Reside com a actual cônjuge, com quem casou em 2013, em casa própria;
1077) Em 2013 sofreu um acidente doméstico de que resultaram queimaduras graves, encontrando-se em tratamento;
1078)É pessoa dinâmica e empreendedora;
 
6. O dolo é directo e intenso.
Estamos perante uma unidade resolutiva que abrangeu uma actividade lata e perseverante, dentro do período temporal de cerca de um ano, com realização de um grande número de actos, pelo que a culpa se tem de considerar num patamar significativamente acima do médio (sendo que esse patamar médio se situa em 5 anos de prisão, atenta a moldura penal).
A ilicitude é elevada, atendendo ao montante do benefício de que usufruiu (e que não é elemento constitutivo do tipo) e que é de € 10.980.565,51 (2.201.405.735$00), bem como à circunstância de o prejuízo que a sua actuação determinou ultrapassar em muito aquilo que a lei estabelece como valor consideravelmente elevado.
Efectivamente, o valor do prejuízo, para efeitos de enquadramento jurídico, releva até ao preenchimento da circunstância qualificativa agravante sendo que, no que o excede, terá de ser atendido para efeitos de dosimetria da pena. No caso, o preenchimento da qualificativa ocorre com um montante de prejuízo de € 15.963,00, uma vez que a UC estava então fixada, no termo da actividade do arguido, em € 79,81, sendo que o prejuízo excedente foi de €18.657.059,83 (€ 18.673.022,83 - € 15.963,00).
O benefício por este arguido recebido, se confrontado, presentemente com o salário anual de um cidadão que aufere salário mínimo nacional (cerca de € 8.400,00/ano), significaria que esse cidadão, para alcançar esse valor, teria de trabalhar mais de 1.000 anos. E, quando esse benefício foi obtido, esse mesmo cidadão (€ 4.600,00/ano) teria de trabalhar mais de 2.000 anos para conseguir quase alcançar essa quantia.
O arguido não demonstrou reconhecimento da gravidade da sua conduta.
Não houve reparação.
O arguido mostra-se social e familiarmente inserido, tendo vida profissional consistente e longa.
Não tem antecedentes criminais.
O lapso de tempo já decorrido, desde a prática dos factos.
O arguido tem presentemente 61 anos de idade. Tinha, à data da prática dos factos, 43 anos de idade.
O arguido continua a trabalhar como promotor imobiliário.

7. Tudo ponderado, entende-se ser de aplicar ao arguido a pena de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão, pela prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artºs 217 e 218 nº1 e nº2 al. a), do C.Penal.

8. Tendo em atenção a pena imposta a este arguido, haverá agora que ponderar se se mostram preenchidos os requisitos previstos no artº 50 do C.Penal.
Apesar da gravidade dos factos, o arguido não tem antecedentes criminais registados.
A matéria factual quanto a si apreciada, restringe-se a dois episódios, decorrendo a sua actuação da relação pessoal que mantinha com o arguido JO….
Os actos foram praticados nos anos de 2000/2001.
No presente, não há notícia de ter infringido o dever de abstenção de prática de ilícitos, imposto aos cidadãos em geral.
Atendendo ao que se deixa dito, conclui-se que a simples censura do facto e a ameaça da prisão, neste caso, ainda realizarão de forma adequada e suficiente as finalidade da punição, embora se considere igualmente, face à ausência, quanto aos factos que praticou, de reconhecimento da gravidade da sua conduta, bem como à circunstância de continuar a exercer a actividade de promotor imobiliário (actividade idêntica à que mantinha à data da prática dos factos e que favoreceu os actos por este arguido praticados, nestes autos analisados), que a mesma deve ser sujeita ao dever de reparação – ainda que parcial – do mal do crime, nos termos do artº 51 nº1 al. c) do C.Penal, bem como a regime de prova.
Considera-se, assim, que a suspensão da execução da pena de prisão, com sujeição a obrigações que o façam responsabilizar-se pela conduta adoptada será suficiente para afastar o arguido da criminalidade, tendo-se em atenção, na fixação do seu quantum, às suas circunstâncias pessoais e económicas.
Tudo ponderado, entende-se que a pena de 4 anos e 8 meses de prisão imposta ao arguido RO… deve ser suspensa na sua execução, pelo prazo de 5 (cinco) anos, com sujeição a regime de prova e com a condição de, em igual prazo, pagar ao Estado português a quantia de € 200.000,00 (duzentos mil euros).
hd - dosimetria das penas (no que concerne aos arguidos JO…, LC…, JV… e TR…).

Nos recursos que interpôs, o MºPº pediu a alteração da dosimetria das penas parcelares e únicas impostas aos arguidos JO…, LC…, JV… e TR….
Sucede, todavia, que três desses arguidos (a excepção foi o arguido LC…), nos recursos por si interpostos, requereram, a título subsidiário, a alteração das penas em que foram condenados.
Assim, por razões de mera economia processual, tratar-se-á das questões propostas por todos os recorrentes, incluindo o MºPº, no que respeita à dosimetria das penas, numa única sede (vide infra IV. Fundamentação, ponto J).

HE. Encerrando a apreciação das questões propostas nesta sede, cabe-nos apenas referir que se mostra prejudicada a necessidade deste Tribunal ad quem tomar posição quanto às questões de inconstitucionalidade suscitadas pelos arguidos nesta sede, uma vez que este Tribunal não perfilhou as interpretações cuja inconstitucionalidade os recorrentes suscitam a este propósito, não subsistindo, pois, para este tribunal de recurso, a necessidade de se pronunciar sobre sentidos normativos que não têm aplicação no caso.

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I. questões de direito no âmbito dos recursos interpostos pelos arguidos.
§ Determinação do momento da consumação dos ilícitos imputados aos arguidos, para efeitos de apreciação da questão da prescrição dos respectivos procedimentos criminais. Relativamente ao crime de falsificação, averiguação prévia do preenchimento dos elementos do tipo e prescrição.

§§ Do preenchimento do tipo nos crimes de fraude fiscal, de abuso de confiança, de burla (com excepção dos já abordados na secção H. deste recurso, quando nos pronunciámos sobre os recursos interpostos pelo MºPº), de branqueamento de capitais. Do perdimento de valores a favor do Estado.

Ponto prévio.
1. Neste capítulo deste acórdão tratar-se-á, tão-somente, das críticas apresentadas pelos 11 arguidos recorrentes, no que concerne às questões de natureza jurídica que não foram já anteriormente apreciadas, com excepção da questão relativa à tipologia e dosimetria das penas, que será alvo de apreciação infra, em capítulo próprio.

2. Por seu turno, no que concerne às críticas que os arguidos dirigem à fundamentação jurídica constante no acórdão proferido pelo tribunal “a quo” e que se mostram vertidas nas conclusões que apresentaram, não se atenderá às que se fundavam apenas na expectativa da alteração da matéria de facto dada como assente; isto é, não debateremos o conteúdo das conclusões apresentadas pelos recorrentes que apenas têm por fundamento a peticionada e esperada modificação factual - no que respeita às que se não verificaram - uma vez que se mostram prejudicadas na sua apreciação, já que foram debatidas e decididas em sede própria (vide “IV. Fundamentação, §§, G. Recursos dos arguidos em relação à matéria de facto”).
 
3. De modo a facilitar a análise, opta-se por se proceder à apreciação das diversas questões em segmentos autónomos.
Analisar-se-á, no primeiro segmento, a questão da prescrição (nesta se inserindo a determinação da data de consumação dos ilícitos, por ser a mesma imprescindível à análise daquele instituto) relativamente aos crimes imputados aos arguidos sendo que, no que se refere ao crime de falsificação, aqui se abordará igualmente a questão relativa ao preenchimento da circunstância qualificativa agravante, prevista no nº3 do artº 256 do C.Penal.
No segundo segmento, analisaremos as questões relativas ao preenchimento do tipo, no que concerne aos restantes crimes pelos quais foram condenados.

4. Finalmente, e por meras razões de economia processual, dá-se aqui por reproduzida e subscrita a secção do acórdão que o tribunal “a quo” dedicou a estas matérias (que, aliás, se mostra já supra transcrita neste acórdão), razão pela qual nos dedicaremos apenas às concretas e particulares questões em que este tribunal esteja em efectivo desacordo com o que se mostra aí exarado ou em que seja necessário ponderar algum argumento especificamente suscitado em sede de recurso.

5. Conclusões a que respeita esta secção relativa a questões de direito propostas pelos arguidos-recorrentes (uma vez que se procedeu já supra - vide ponto II. Transcrições dos segmentos (…) 2. - à transcrição integral das conclusões apresentadas por cada um dos recorrentes, opta-se por aqui se indicar apenas os números referentes às mesmas, que importam à decisão das questões que neste segmento cabe apreciar):

. Arguido JO…:
Conclusões 1112º a 1209º; 1212º a 1213º; 1216º a 1247º; 1254º a 1262º; 1268º a 1280º; 1285º; 1296º a 1312º; 1388.º a 1398.º.
. Arguido JV…:
Conclusões 4.109 a 4118; 2.121 a 4.181; 4.228 a 4.238.
. Arguido LC…:
Conclusões 34.º a 126º, 175º a 177º.
. Arguido FS…:
Conclusões 181º a 211º, 264º a 332º.
. Arguido LG…:
Conclusões 34.º a 78.º.
. Arguido LR…:
Conclusões 34.º a 109.º; 145.º a 167.º; 187.º a 190.º.
. Arguida IC…:
Conclusões 34.º a 91.º; 148.º a 151.º.
. Arguido TR…:
Conclusões 60.º a 131º e 137º a 162.º; 177º.
. Arguido JMo…:
Conclusões 12º a 16º; 19º a 31º; 43º a 51º.
. Arguido LF…:
Conclusões 66º a 90º; 92º a 101º.
. Arguido RD…:
Conclusões CCXXIII a CCXXXIII, CCLXIV a CCLXXXVII.

§ Determinação do momento da consumação dos ilícitos imputados aos arguidos, para efeitos de apreciação da questão da prescrição dos respectivos procedimentos criminais. Relativamente ao crime de falsificação, averiguação prévia do preenchimento dos elementos do tipo e prescrição.

Houve lugar às seguintes condenações:

1. Pela prática de crimes de falsificação de documentos:

a. Arguido JO…:
Como autor material e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento simples, p. e p. pelo art. 256°, n.° 1, als. a) e e) do C.P., relativo a toda a sua conduta (após alteração da qualificação jurídica do crime de falsificação de documento agravado, p. e p. pelo art. 256°, n.°s 1, als. a) e e) e 3 do C.P., de que se encontra pronunciado o arguido JO…, para um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256°, n.° 1, als. a) e e) do C.P.);

b. Arguido JV…:
 Como autor material e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento simples, p. e p. pelo art. 256°, n.° 1, als. a) e e) do C.P., relativo a toda a sua conduta (após alteração da qualificação jurídica do crime de falsificação de documento agravado, p. e p. pelo art. 256°, n.°s 1, als. a) e e) e 3 do C.P., de que se encontra pronunciado o arguido JO…, para um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256°, n.° 1, als. a) e e) do C.P.);

c. Arguido LC…:
Como autor material e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento agravado, p. e p. pelo art. 256°, n.°s 1, als. a) e e) e 3 do C.P., relativo aos factos provados 366 a 406 e a toda a sua conduta;
 
d. Arguido FS…:
Como autor material e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento simples, p. e p. pelo art. 256°, n.° 1, als. a) e e) do C.P., relativo a toda a sua conduta (após alteração da qualificação jurídica do crime de falsificação de documento agravado, p. e p. pelo art. 256°, n.°s 1, als. a) e e) e 3 do C.P., de que se encontra pronunciado o arguido JO…, para um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256°, n.° 1, als. a) e e) do C.P.);

e. Arguido LR…:
Como autor material e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento simples, p. e p. pelo art. 256°, n.° 1, als. a) e e) do C.P., relativo a toda a sua conduta (após alteração da qualificação jurídica do crime de falsificação de documento agravado, p. e p. pelo art. 256°, n.°s 1, als. a) e e) e 3 do C.P., de que se encontra pronunciado o arguido JO…, para um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256°, n.° 1, als. a) e e) do C.P.);

f. Arguida IC…:
Como autora material e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento qualificado, p. e p. pelo art. 256°, n.°s 1, als. a) e e) e 3 do C.P., relativamente aos factos provados 366 a 406 e toda a sua conduta;
 
2. Pela prática de crimes de fraude fiscal agravada:

a. Arguido JO…:
Como autor material e na forma consumada, relativamente aos factos provados 733 a 752 (facturas falsas Labicer);
Como autor material e na forma consumada, relativamente aos factos provados 923 a 938 (Casa das Sesmarias) – vide capítulo H. da Fundamentação deste acórdão;

b. Arguido FS…:
Como autor material e na forma consumada, relativamente aos factos provados 733 a 752 (facturas falsas Labicer);

c. Arguido TB…:
Como autor material e na forma consumada, relativo aos factos provados 733 a 752 (facturas falsas Labicer);

d. LF…:
Como autor material e na forma consumada, relativo aos factos provados 733 a 752 (facturas falsas Labicer);

e. Arguido FB…:
Como autor material e na forma consumada, relativamente aos factos provados 923 a 938 (Casa das Sesmarias) – vide capítulo H. da Fundamentação deste acórdão;

f. Arguido RD…:
Como autor material e na forma consumada, relativo aos factos provados 733 a 752 (facturas falsas Labicer).

3. Pela prática de crimes de burla agravada:

a. Arguido JO…:
Como autor material e na forma consumada – toda a sua conduta;

b. Arguido JV…:
Como autor material e na forma consumada – toda a sua conduta;

c. Arguido LC…:
Como autor material e na forma consumada – toda a sua conduta;

d. Arguido FS…:
Como autor material e na forma consumada – toda a sua conduta;

e. Arguido LM…:
Como autor material e na forma consumada – toda a sua conduta;

f. Arguido LR…:
Como autor material e na forma consumada – toda a sua conduta;

g. Arguida IC…:
Como cúmplice e na forma consumada – toda a sua conduta;

h. Arguido TB…:
Como autor material e na forma consumada – toda a sua conduta;

i. Arguido RO…:
Como autor material e na forma consumada – toda a sua conduta (factos provados 574 a 667); vide capítulo H. da Fundamentação deste acórdão;

j. Arguido RD…:
Como autor material e na forma consumada – toda a sua conduta;

4. Pela prática de crimes de abuso de confiança agravado:

a. Arguido JO…:
Como autor material e na forma consumada, relativamente aos factos provados 269 a 286, 862 a 880;

b. Arguido JV…:
Como autor material e na forma consumada, relativamente aos factos provados 213 a 222;

c. Arguido LC…:
Como autor material e na forma consumada, relativamente aos factos provados 366 a 408 – vide capítulo H. da Fundamentação deste acórdão;

d. Arguido TB…:
Como autor material e na forma consumada, relativamente aos factos provados 733 a 741;

e. Arguido JMo…:
Como autor material e na forma consumada, relativamente aos factos provados 668 a 685;
Como autor material e na forma consumada, relativamente aos factos provados 519 a 538;

5. Pela prática de crime de branqueamento de capitais:
a. Arguido JO…:
 Como autor material e na forma consumada, relativamente aos factos provados 213 a 216, 272 a 268, 865 a 893;

6. Consignam-se – por poderem ter interesse para a decisão da questão relativa à prescrição - os seguintes momentos temporais:

a.             Constituição de arguido e TIR      Not. Acusação:
1. JO…                                       20.11.2008                  21.11.2009 
2. JM…                                       10.11.2009                  14.12.2009
3. LC…                                       5.11.2009                    24.11.2009 
4. FS…                                       10.11.2009                  14.12.2009 
5. LM…                                      28.10.2009                  23.11.2009  
6. LAl…                                     28.10.2009                  24.11.2009  
7. IC…                                        6.11.2009                    24.11.2009  
8. TR…                                       1.10.2009                    31.12.2009 
9. JMo…                                     30.10.2009                  25.11.2009 
10. RO…                                    07.07.2009                  16.12.2009  
11. LA…                                     10.11.2009                  04.12.2009  
12. FN…                                     11.11.2009                  08.01.2010  
13. RC…                                     16.11.2009                  07.12.2009  

b. Data da Acusação: 21.11.2009 (vol. 22)

c. Data da pronúncia: 18.03.2010 (vol. 37)

d. Despacho de designação de dia para julgamento: 21.05.2010 (Vol. 39)

e. O julgamento começou no dia 15.12.2010 (Vol. 54)

f. O 1º acórdão proferido pelo tribunal “a quo” foi notificado e depositado em 24 de Maio de 2017.

g. O processo foi distribuído à presente relatora no dia 21 de Maio de 2018.

h. O 1º acórdão deste TRL foi prolatado em 26 de Setembro de 2018 (omissão de pronúncia).

i. O 2º acórdão proferido pelo tribunal “a quo” (suprimento do vício de omissão de pronúncia) foi notificado e depositado em 16 de Novembro de 2018.
A. Crime de falsificação de documentos - do preenchimento dos elementos constitutivos do tipo e da prescrição.

I.

1. Antes de se proceder à apreciação da questão da prescrição, no que toca a este tipo de crime, mostra-se necessário apurar:
a. Se a factualidade dada como provada preenche os elementos constitutivos desta tipologia;
b. Se a alteração da qualificação jurídica realizada pelo tribunal “a quo”, que determinou o desqualificação deste ilícito, no que respeita à factualidade relativa ao forjar do registo de movimentos bancários e contabilísticos, se mostra correcta; isto é, se a factualidade apurada a este título preenche os elementos tipificadores do crime de falsificação na forma simples ou na forma qualificada.
Consigna-se que, a este respeito, foi já cumprido por este tribunal o disposto no artº 424 do C.P.Penal.

2. Vejamos então.
O tribunal “a quo” expôs, quanto a esta matéria, o seguinte (vide fls. 1441 e 1442):
Preceitua o art. 256°, n.° 1, al. a) do C.P.:
“1 - Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo:
a) Fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo;
(...);
e) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores;
(...);
é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.
(...).
3 – Se os factos referidos no n.º 1 disserem respeito a documento autêntico ou com igual força (...), o agente é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias.
(...).
Define o art. 255°, al. a) do C.P. como documento a “declaração corporizada em escrito (...), inteligível para a generalidade das pessoas ou para um certo círculo de pessoas, que, permitindo reconhecer o emitente, é idónea para provar facto juridicamente relevante, quer tal destino lhe seja dado no momento da sua emissão quer posteriormente; e bem assim o sinal materialmente feito, dado ou posto numa coisa para provar facto juridicamente relevante e que permite reconhecer à generalidade das pessoas ou a um certo círculo de pessoas o seu destino e a prova que dele resulta.”
O crime de falsificação de documento protege a verdade intrínseca do documento enquanto tal, sendo que o bem jurídico protegido por este tipo legal de crime é o da segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório no que respeita à prova documental.
Tratando-se de um crime de perigo abstracto basta que o documento seja falsificado para que o agente possa ser punido independentemente de o utilizar ou o colocar no tráfico jurídico.
É também considerado um crime formal ou de mera actividade, não sendo necessário a produção de qualquer resultado.
Noutra perspectiva é de considerar tratar-se de um crime material de resultado, ou seja, “um crime formal considerado o resultado final que se pretende evitar (violação da segurança no tráfico jurídico em virtude da colocação neste do documento falso), mas um crime material considerando o facto (modificação exterior) que o põe em perigo.” (Eduardo Correia, I, 288)
Assim, sintetizando, como alude Helena Moniz (Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, Coimbra Editora, pág. 682), se se considerar, por um lado, “a actividade e os interesses que este tipo legal visa proteger estamos perante um crime formal; se, por outro lado, considerarmos a actividade do agente – isto é, o acto de falsificar o documento – já estamos perante um crime material.”
São elementos constitutivos do crime em análise:
- o objecto da acção é o documento;
- a prática de uma ou mais condutas de entre as seguintes: fabricar documento falso; falsificar ou alterar documento; abusar de assinatura de outra pessoa para elaborar documento falso; fazer constar falsamente facto juridicamente relevante; usar documento falso (nos termos anteriores) fabricado ou falsificado por outra pessoa;
- a falsificação pode ser intelectual (a declaração documentada, idónea a provar um facto juridicamente relevante, é distinta da declaração realizada) ou material (falsificação posterior do documento, mediante uma alteração do mesmo);
- exige-se uma intenção específica do agente, designadamente a de “causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo”;
- benefício ilegítimo que consiste na vantagem (patrimonial ou não patrimonial) que se obtenha através do acto de falsificação ou do acto de utilização do documento falsificado;
- actuação dolosa do agente, isto é, o conhecimento e a vontade de realização do tipo, o que implica um conhecimento dos elementos normativos do tipo (o agente deverá ter conhecimento que está a falsificar um documento ou que está a usar um documento falso, e apesar disto quer falsificá-lo ou utilizá-lo).
 
3. Se atentarmos na matéria fáctica dada como provada e na análise que da mesma é feita, ponto factual, por ponto factual, pelo tribunal “a quo”, constatamos que a conclusão que aí se retira – a de que todos os elementos do tipo se mostram preenchidos, pela actuação, em conjunto ou em colaboração, de cada um dos arguidos JO…, JV…, LC…, FS…, LR… e IC… – se mostra correcta, razão pela qual nos escusamos de aqui a novamente reproduzir, subscrevendo o que se mostra exarado.
Na realidade, aí se descrevem a sucessão de actos praticados, bem como o modo e os fins pretendidos e alcançados e quem os cometeu, sendo certo que, a propósito de tal matéria, os arguidos avançaram tão-somente específicas críticas, de que cuidaremos de seguida.

4. Vejamos então.

i. O arguido JV… entendeu que, no âmbito desta matéria, ocorriam questões de vícios que determinavam a nulidade da sentença, tendo-nos já debruçado sobre as que teriam eventual relevância nesse âmbito (vide, neste acórdão, capítulo IV. §§ B. Nulidades da sentença). Não obstante, algumas dessas críticas têm igualmente relevo nesta sede, pelo que passaremos agora a apreciar o que ainda não foi objecto de decisão (quanto ao demais, remetemos para a análise supra, a propósito dos vícios imputados ao acórdão).

a. Afirma este arguido que não se mostra determinado o momento em que o crime de falsificação, no que a si se reporta, se iniciou (como se verá infra, estamos perante um crime cujos actos de execução se estenderam ao longo de vários anos), nem qual a jurisdição a que caberia a sua averiguação.
Não tem razão. A sua actuação, em sede de crime de falsificação, começa com a aquisição do Banco Insular pelo Grupo SLN/BPN, em 20 de Dezembro de 2001, com o encobrimento de tal titularidade, alcançada com a sua essencial colaboração (fiduciário da Insular Holdings), prosseguindo depois com a sua adesão à operativa interna, cuja execução tem início a partir do momento em que a DOP tem o seu primeiro contacto com a operativa do Banco Insular, após migração dos saldos da antiga aplicação da Fincor (vide factos provados 147 e 148). Na verdade, ao encobrir o verdadeiro titular das acções do Banco Insular e ao aceitar que não fossem incluídas nas contas da SLN SGPS os registos contabilísticos desta instituição financeira, iniciou-se, quanto a si, a sua participação na prática deste ilícito, designadamente a partir de 20 de Dezembro de 2001.
E quanto à competência jurisdicional territorial, para além do que já deixámos dito a este respeito, em sede de apreciação das nulidades que o arguido invocou (se é verdade que parte dos actos de execução foram pelo arguido praticados em Cabo Verde, resulta igualmente da decisão recorrida que a consumação de tais ilícitos ocorreu em Portugal, como infra melhor se analisará, em sede de enquadramento jurídico dos factos (para além da circunstância de os crimes de burla e de falsificação terem sido cometidos em co-autoria e de todos os ilícitos terem violado bens jurídicos de lesados que se encontravam tutelados pela ordem jurídica portuguesa – accionistas, depositantes, Estado e sociedades em Portugal residentes ou sediados), caberá apenas concluir que a mesma nem sequer se coloca, no que se refere à aplicabilidade ao caso da lei e do foro criminal português, pela singela razão de que a contabilidade do Banco Insular teria de ser repercutida (como infra se referirá) nas contas da SLN SGPS SA. E que, de igual modo, o lesado nos crimes de burla e de abuso de confiança que cometeu, foram o Grupo SLN/BPN.

b. Entende o arguido que, por não ter nunca tido qualquer cargo no Grupo SLN/BPN, daí advém que não teria qualquer controlo sobre a contabilidade desse grupo, nem nenhum dever de comunicar ao Banco de Portugal a ausência de reporte.
O arguido labora em manifesto erro.
Na verdade, nestes autos, a sua condenação nesta sede não implica nem depende de ter ou não a obrigação de comunicação que refere. Não é isso que lhe é imputado, nem é sequer elemento constitutivo do tipo. O que o arguido foi acusado de fazer (e constatou-se que o fez) foi colaborar na falsificação (e no uso que da mesma foi feito) da contabilidade de uma instituição bancária a que presidia, banco este que era integralmente detido pela SLN SGPS SA e que nas contas desta teria de reportar.

c. E a sua colaboração processou-se, precisamente, através da aceitação do seu papel, inicialmente como fiduciário, como testa-de-ferro, no que se refere à aquisição do Banco Insular; isto é, a sua acção foi determinante para o encobrimento da verdadeira titularidade deste Banco e a consequente ausência de consolidação em sede de contas da SLN SGPS e ocultação desta realidade, perante os accionistas do Grupo. E essa colaboração prosseguiu quando aceitou presidir aos destinos de tal Banco, aceitando e determinando que os registos contabilísticos do Banco Insular fossem sempre processados pela DOP e não pela estrutura do próprio BI. Sendo presidente daquela instituição bancária, é decisão que a si lhe coube, em última análise, tomar. E as consequências que tais decisões acarretam – porque livre e voluntariamente por si assumidas – sobre si impendem (independentemente da co-responsabilidade de outros).

d. E o dolo com que actuou é directo, tendo igualmente consciência da ilicitude dos actos praticados, pois assente se mostra que o arguido actuou com o propósito de forjar documentos e registos de contabilidade de forma a enganar terceiros e a ocultar as suas condutas, tendo-o feito de forma livre e consciente, sabendo que a suas condutas eram proibidas e punidas por lei (factos provados 947 e 958), o que resulta no preenchimento do vertido no artº 14 nº1 do C.Penal.

ii. Por razões que nos escapam, pretende o arguido LAl… que a única viciação de documento pela qual deve ser condenado se refere ao documento particular relativo ao negócio da Validus (conclusão 164).

a. Obviamente, tal não é o caso, como aliás se constata quer pela simples leitura do acórdão (vide fls. 1528 e segs, fls. 1539 e segs, por exemplo), quer pela leitura do recurso interposto pelo próprio recorrente, que bem entendeu impugnar a matéria factual relativa à sua colaboração em sede de adulteração da contabilidade do Banco Insular, designadamente a vertida nos factos provados 149), 150) e seguintes, 204) e 948) (remete-se aliás, a este propósito, para a súmula que realizámos supra, quando nos debruçámos sobre a questão da violação do princípio “ne bis in idem”, em IV. Fundamentação, §§, C. 14.A).

b. Assim, tendo o tribunal “a quo” entendido que toda a sua actividade de adulteração correspondia à prática de um único crime, englobando-a na condenação pela prática de um único ilícito de falsificação, ter-se-á de atender à data da sua prática, constatando-se que os actos relacionados com o negócio da Validus são temporalmente anteriores à actividade relativa à adulteração contabilística do Banco Insular. Daí que não haja lugar à ponderação da questão da prescrição quanto a tal singela materialidade fáctica, por a mesma não ter autonomia, face ao enquadramento jurídico único realizado.

c. Entende o arguido, subsidiariamente, segundo cremos, que não se mostra demonstrado que tenha fabricado documento falso ou usado documento falso, nem que tenha actuado com intenção de causar prejuízo a alguém ou de obter um benefício ilegítimo.

d. Salvo o devido respeito, este arguido labora em erro, à semelhança, aliás, do que sucede com invocação de natureza similar feita por outros recorrentes.
Na verdade, falsificar um documento ou usá-lo não se remete tão-somente ao acto físico de o agente nos mesmos escrevinhar algo ou de o entregar em mão a outrem.
Efectivamente, a noção de documento, em sede de direito penal, reconduz-se à declaração e não ao objecto ou suporte material da declaração (vide artº 255 do C.Penal).
 E o que se mostra descrito ter o arguido feito, a partir do momento em que a DOP passa a assumir os registos contabilísticos do Banco Insular (em Março de 2002), em colaboração com os demais arguidos (artº 26 do C.Penal), é ter passado a intervir no processo de determinação e controlo dos movimentos a lançar nas contas do Banco Insular (149/150), com pleno conhecimento e adesão aos propósitos de ocultação de financiamento que através do mesmo se pretendiam obter, já que a operacionalização do Banco Insular, no que respeita ao lançamento das operações relativas a tal instituição, tinha origem em instruções das administrações do BPN, SA e da SLN, SGPS, designadamente da parte dos arguidos JO…, LC… e FS…, que as transmitiam directamente ao arguido AF… ou indirectamente, através dos arguidos LM… e/ou LAl…, sendo executadas na Direcção de Operações (DOP) ou na Unidade de Operações Internacionais (UOI) pelos operacionais que acediam à plataforma informática do Banco Insular (152 a 164).
Através deste método (vide ainda 173 a 181), os arguidos JO…, LC…, JV… e FS…, obtinham fundos no Banco Insular para financiamento de um conjunto de operações que pretendiam secretas (183), tendo contado com a colaboração do arguido LAl… (204), que também interveio no processo de determinação e controlo dos movimentos a lançar nas contas do Banco Insular, incluindo através do seu Balcão 2.
É pois o conjunto da sua actividade, neste âmbito, que determina uma adulteração dos registos contabilísticos do Banco Insular, quer internamente (com duplicação de balcões), quer externamente (com a sua não repercussão em sede de contas da SLN SGPS), em colaboração com os demais arguidos e, consequentemente, a falsificação da contabilidade da SLN SGPS SA; ou seja, o arguido colaborou activamente quer na adulteração contabilística, quer no uso que da mesma foi feito.

e. Acresce que o arguido LAl… actuou com dolo directo e consciência da ilicitude, atento o consignado nos factos provados 948 e 958.

f. Não restam assim dúvidas, atenta a matéria de facto dada como assente que o arguido praticou actos de execução do ilícito, preenchendo assim os elementos integradores do respectivo tipo.
 Inexiste, pois, o vício de insuficiência que aponta ao decidido, pelo que a decisão a proferir no que respeita a este arguido terá de se reger pelos mesmos raciocínios a aplicar à apreciação da conduta dos demais arguidos, igualmente autores deste ilícito de falsificação agravada.

iii. No que se refere ao invocado pelo arguido FS…, entendeu o mesmo que não se mostravam preenchidos os elementos do tipo porque:

a. Desconhece-se, em concreto, que sociedades deveriam relevar em sede de contabilidade da SLN SGPS:
Salvo o devido respeito, tal afirmação apenas se mostra compreensível se atendermos a que resultará de uma leitura muito distraída do que se mostra descrito na factualidade apurada, bem como no acórdão.
De facto, todas as 57 offshores, assim como as “centrais de custos” Solrac e Jared, a Reltonia (sociedade destinada a deter acções do Grupo), a conta A1, tudo sociedades a quem foi concedido crédito pelo Grupo SLN/BPN, via Banco Insular e que, como tal, deveriam ter visto os seus registos contabilísticos incluídos nas contas da SLN SGPS, não o tendo sido, mostram-se especificadamente identificadas ao longo da factualidade provada, assim como a indicação dos movimentos em sede das mesmas praticados – datas, valores e propósitos – que deveriam ter sido alvo de consolidação e não foram. E, de igual modo, o tribunal “a quo”, quando procedeu ao enquadramento jurídico, volta a enunciá-las especificadamente e a referir-se-lhes. Basta que o arguido faça, com um pequeno esforço, uma leitura mais atenta do que aí se mostra descrito, para que as suas dúvidas deixem de subsistir. E o uso que foi dado à adulteração dos elementos contabilísticos relativos a essas offshores e ao Banco Insular, foi a falsificação das contas da SLN SGPS SA (para além da dupla viciação dos registos contabilísticos do próprio Banco Insular, face à criação de dois balcões).
É isso que o acórdão proferido pelo tribunal “a quo” sintetiza ao afirmar:
Isto é, através de uma estrutura paralela não consolidada foi concedido crédito a 57 entidades offshore, incluindo 48 offshores da SLN e ao seu próprio Presidente, à data dos factos, via conta designada A1 (206).
Àquele montante somam-se ainda os créditos concedidos sob a forma de descoberto à ordem a entidades offshore do grupo SLN que funcionavam como central de custos (Solrac e Jared), bem como à Reltonia (sociedade offshore destinada a deter acções do grupo) – (208 e 209).
Em síntese:
Por intervenção dos arguidos OC…, LC… e FS…, foi concedido fora de balanço (balcão 2 ou 2001), um montante total de crédito de 725 milhões de euros (210).
Por sua vez, em sede das operações registadas nos livros do Banco Insular (balcão 1 ou 2000), mas que também nunca foram objecto de reporte ao Banco de Portugal, os arguidos OC…, LC…, FS… e JV… concederam montantes de crédito, só através de utilizações de contas correntes caucionadas, num total de € 1.005.000,00 (mil e cinco milhões de euros) e de USD 205.000.000,00 (205 milhões de dólares americanos) – 212.
Mostrando-se factualmente consignados todos esses movimentos, bem como as entidades de onde provinham e as datas e montantes envolvidos, assim como a adulteração do seu registo contabilístico verdadeiro (quer no que respeita à deturpação na sua elaboração, quer ao uso que de tal falsificação foi feito – ausência de consolidação nas contas da SLN SGPS SA), não se vislumbra nenhuma omissão a esse propósito, mostrando-se sem fundamento a dificuldade que o arguido invoca na sua apreensão.

b. No que se refere ao facto de só ter assumido cargos directivos na SLN a partir de Novembro de 2002, essa é matéria que não tem, nesta sede, qualquer relevância, pois o que determina a integração do tipo não é o cargo que ocupava, mas aquilo que efectivamente fez – e o que fez foi colaborar de forma activa, na adulteração das declarações corporizadas em escrito, relativas às contas da SLN SGPS SA, bem como no uso que das mesmas foi feito.

c. Finalmente, mostra-se dado como provado que o arguido actuou com dolo directo e com consciência da ilicitude (factos provados 942 e 958).
Assim, não se vislumbra que assista razão ao recorrente nas críticas que dirige ao decidido.
 
5. Prosseguindo.
Passemos então à integração jurídica dos factos.
Não restam dúvidas que as sociedades Venice, Solrac e Jared, permitiram a omissão do registo de custos e justificaram a contabilização de juros dos financiamentos concedidos, se bem que a maioria nunca efectivamente pagos, sendo certo que os registos às mesmas relativos nunca foram repercutidos – como deveriam ter sido – em sede de contas do Grupo SLN/BPN, assim como o não foram um total de 57 offshores que a factualidade provada discrimina.
Por seu turno, os registos contabilísticos relativos ao Banco Insular também não tiveram qualquer repercussão (consolidação) nas contas da SLN SGPS SA.
E a questão é – deveriam tê-lo tido?

6. O tribunal “a quo” debruçou-se sobre esse tema, exarando a esse propósito o seguinte:
1) Os balcões 2000 (dentro do balanço) e 2001 (fora de balanço) deviam ter sido objecto de consolidação no BPN, S.A., BPN, SGPS, S.A., e na holding SLN, SGPS, S.A.?
Obviamente que sim.
O BPN, bem como as restantes entidades financeiras do grupo, encontravam-se sujeitas a supervisão em base consolidada pelo Banco de Portugal, com base no perímetro de consolidação definido ao nível da situação financeira consolidada da empresa-mãe, a holding SLN.
Nas contas consolidadas da SLN deveriam, pois, ter sido incluídas as contas do Banco Insular, nos períodos temporais e com fundamento nos normativos seguintes:
a) Nos exercícios compreendidos entre 2001 e 2004:
Por aplicação da 2ª parte da al. e) do n.° 2 do art. 130° e al. i) do n.° 1 do art. 2 e do n.° 1 do art. 3° do D.L. n.° 36/92, de 28.3., considerando ainda o previsto no n.° 2 do art. 5° do mesmo diploma e do n.° 1 do art. 132°, bem como do n.° 1 do art. 6° do mencionado diploma.
b) Nos exercícios compreendidos entre 2005 e 2007:
Por aplicação das normas internacionais de contabilidade ou normas internacionais de relato financeiro (IAS/IFRS) emitidas pelo Internacional Accounting Standards Board (IASB), aplicáveis por força do Regulamento (CE) n.° 1606/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho de 2002, às entidades com valores mobiliários admitidos à cotação e que preparam contas consolidadas, e por força do disposto nos n.°s 1 e 2 do Aviso do Banco de Portugal n.° 1/2005, de 21.2.2005, às restantes entidades sujeitas à supervisão do Banco de Portugal e que não tivessem valores mobiliários admitidos à cotação.
Importa analisar, ainda que resumidamente, a articulação entre o regime da supervisão em base consolidada constante do RGICSF e o Aviso n.° 8/94 com o D.L. n.° 36/92.
A resposta a esta questão encontra-se no próprio Aviso n.° 8/94, o qual, no ponto 3) do n.° 2 dispõe que “Na elaboração da situação financeira consolidada e determinação dos limites e relações prudenciais devem ser utilizados os princípios e métodos previstos no Decreto-Lei n.º 36/92, de 28.3., e na respectiva regulamentação em tudo o que não seja contrariado por aviso ou instruções do Banco de Portugal relativos a esta matéria.”
Nos termos em que esta remissão é formulada, conclui-se que o recurso do D.L. n.° 36/92 tem apenas como escopo a utilização dos princípios e métodos na elaboração da situação financeira consolidada, ficando a determinação do perímetro de consolidação (i.e., a determinação das entidades que devem ser integradas na situação financeira consolidada) para efeitos de supervisão em base consolidada reservada ao regime instituído pelo RGICSF e pelo Aviso n.° 8/94.
Esta é a única interpretação viável, uma vez que passou a relevar para efeitos da definição do perímetro de consolidação a norma mais actual, neste caso, a instituída pela entrada em vigor da mencionada versão do RGISF, aprovada pelo D.L. n.° 298/92, de 31.12..
Acresce que, contribui igualmente para este entendimento a alteração que foi introduzida pelo Aviso n.° 6/2005, publicado a 28.2., na redacção dada às als. 2) e 3) do n.° 2 do Aviso n.° 8/94.
Com esta alteração passa a ser referido, expressamente, que o perímetro de consolidação relevante para efeitos da supervisão em base consolidada passa a ser o estabelecido pelo D.L. n.° 36/92, sendo que este diploma fora, igualmente, e quase em simultâneo, objecto de alteração pelo D.L. n.° 35/2005, de 17.2..
Daí, a contrario, retira-se que, antes desta alteração, o perímetro de consolidação relevante para efeitos de supervisão em base consolidada não era o resultante da aplicação as normas do D.L. n.° 36/92.
Sendo, assim, aplicável o regime instituído pelo RGICSF e pelo Aviso n.° 8/94, resta somente verificar se a factualidade provada se subsume a estes normativos com a consequente obrigatoriedade de o Banco Insular – por se encontrar no perímetro consolidado relevante para efeitos de supervisão em base consolidada – ser incluído na situação financeira consolidada da SLN, elaborada pela mesma, em observância dos princípios e métodos previstos no D.L. n.° 36/92, de 28.3. (cfr. art. 2°, n.° 3, do Aviso n.° 8/94, de 2.11.).
Para tal, o Banco Insular deve integrar o conceito de filial da SLN. Nos exercícios compreendidos entre 2001 e 2004:
Resulta inequivocamente da factualidade provada uma total “relação de domínio” entre o Banco Insular e a SLN, traduzida no exercício, pela SLN, de uma “influência dominante, por força de contrato simulado” – remete-se, neste ponto, para o que resultou provado em relação à aquisição do Banco Insular pela Insular Holdings e para a posição de fiduciário do arguido JV… -, sobre o Banco Insular, conforme a previsão vertida no n.° 1 e subalínea III) da al. a) do n.° 2 do art. 13° do RGICSF.
De facto, no plano material e substantivo era a SLN, e só esta, bem como os seus principais responsáveis (arguidos OC…, LC… e FS…) que detinham o poder de definir a estratégia, de executar operação, no fundo, de exercer o comércio bancário inerente a uma instituição como o Banco Insular.
Vale o exposto por dizer que o Banco Insular sempre foi, em substância ou materialmente, uma filial indirecta da SLN (arts. 13°, n.° 2, al. a), subalínea III e 130°, n.° 2, al. e) do RGICSF.
Consequentemente, o Banco Insular devia ter sido incluído no perímetro de supervisão em base consolidada a que se encontrava sujeito o BPN, S.A., e a elaboração das demonstrações financeiras consolidadas da SLN, incluindo as contas do Banco Insular, deveriam ter sido efectuadas em observância dos princípios e métodos previstos no D.L. n.° 36/92, de 28.3. (v. art. 2°, n.° 3 do Aviso n.° 8/94, de 2.11. e Instrução n.° 71/96 do Banco de Portugal).
Nos exercícios compreendidos entre 2005 e 2007:
Resulta da factualidade provada que o domínio total que existia entre o grupo SLN/BPN e o Banco Insular nunca foi objecto de uma revelação contabilística, sempre tendo os identificados arguidos, bem como o arguido JV… – em coerência com a ocultação que sempre foi feita do Banco Insular perante o Banco de Portugal – desprezado, no plano da contabilidade, o facto de, efectivamente, ser o grupo SLN/BPN o exclusivo detentor do controlo daquela instituição bancária.
Nos termos do Aviso n.° 1/2005, de 21.2., do BdP7, e do art. 2°, n.° 2, al. f) do D.L. n.° 36/92, de 28.3., na redacção que lhe foi dada pelo D.L. n.° 35/2005, de 17.2., o Banco Insular, ao contrário do ocorrido, devia ter sido incluído no perímetro de consolidação da SLN, naquele período.
Em concreto, de acordo com o parágrafo 12 da IAS 27, “As demonstrações financeiras consolidadas devem incluir todas as subsidiárias da empresa mãe”.
Por sua vez, nos termos do parágrafo 4 da mesma norma, “Uma subsidiária é uma entidade, incluindo uma entidade não constituída tal como uma parceria, que é controlada por um outra entidade” e “Controlo é o poder de gerir as políticas financeiras e operacionais de uma entidade de forma a obter benefícios das suas actividades”.
Foi precisamente isso que ocorreu, o que se mostra clarividente e inequívoco nos factos provados da pronúncia, bem como nos factos provados da contestação do arguido JV….
Mais se refira que, em Junho de 1998, o IASB publicou a SIC 12, interpretação à IAS 27, relativa à consolidação de “Entidades com Finalidade Especial” (Special Purpose Entities, vulgo “SPE”), incluindo entidades sedeadas em centros offshore.
Nos termos da SIC 12, uma SPE é definida como uma entidade criada para cumprir um objectivo restrito e bem definido, devendo ser consolidada quando a substância do relacionamento entre uma entidade e a SPE indicar que esta é controlada pela entidade, sendo referido no parágrafo 3 que “Na maioria dos casos, o criador ou o patrocinador (ou a entidade a favor de quem a SPE foi criada) retém um interesse de benefícios significativos nas actividades da SPE, mesmo que possa possuir pouco ou nenhum do capital próprio da SPE”.
7 Diploma que obrigou as instituições, a partir de 2005, a elaborar as demonstrações financeiras em base consolidada de acordo com as IAS/IFRS, tal como adoptadas, em cada momento, por regulamento da União Europeia e, bem assim, com a estrutura conceptual para a apresentação e preparação de demonstrações financeiras que enquadra aquelas normas.
Ora, face à factualidade provada, não ficam quaisquer dúvidas de que o Banco Insular era uma subsidiária do grupo SLN/BPN, porquanto era esta entidade que detinha o controlo sobre aquela instituição bancária, ou seja, o poder de gerir as políticas financeiras e operacionais de forma a obter, como de facto obteve, benefícios das suas actividades.
Por outro lado, as actividades do Banco Insular eram conduzidas em nome da SLN, de acordo com as suas necessidades específicas de negócio e por forma a que esta entidade obtivesse benefícios do funcionamento do Banco Insular, estando a SLN, em substância e na prática, completamente exposta aos riscos inerentes às actividades daquele Banco.
Em síntese:
A actividade do Banco Insular sempre foi exercida, no período temporal a que todos os factos provados da pronúncia se reportam, no exclusivo interesse e por conta do grupo SLN/BPN e entidades participadas por este grupo, sendo, por conseguinte, obrigatória a inclusão do Banco Insular no perímetro de consolidação de contas ao nível da SLN, o que nunca ocorreu.

7. O que acaba de se transcrever mostra-se correcto, ao mesmo se dando plena adesão, sendo certo que os arguidos (embora nalguns casos critiquem os raciocínios expostos a este propósito pelo tribunal “a quo”) se mostram incapazes de demonstrar a inaplicabilidade das normas enunciadas, bem como o erro da sua interpretação.

8. O que daqui decorre, é simples:
As contas da holding SLN SGPS, S.A., foram falsas, durante vários anos porque nunca integraram a contabilidade quer das offshore do grupo, quer do Banco Insular.
Não foram assim relevados (como a lei impunha que o fossem) valores conformes com a realidade factual e referentes a aspectos relevantes da sua actividade, uma vez que desses registos foi omitida uma parte substancial da actividade de natureza financeira desenvolvida no seio do grupo SLN/BPN.
Daqui resultou desvirtuada e falsa a informação financeira que a SLN SGPS SA, de forma persistente, ao longo dos anos, apresentou nas suas demonstrações financeiras consolidadas, pois a mesma não representava uma imagem fiel do património, da situação financeira e dos resultados do conjunto das empresas verdadeiramente controladas e compreendidas no seu perímetro de consolidação; ou seja, os arguidos acima nomeados, através da sua actuação em concertação de esforços e de comum acordo, de forma dolosa (porque querida), adulteraram os registos contabilísticos da SLN SGPS SA, através da elaboração de documentos falsos e dos componentes destinados a corporizá-lo e usaram tais documentos de modo a ocultarem a verdadeira situação financeira da holding.

9. Dessa actuação resultou inequivocamente um prejuízo para os accionistas da SLN SGPS SA, para os depositantes, para o público em geral e para o Estado, uma vez que a informação financeira que lhes era prestada era falsa, o que os impediu de poderem tomar as suas decisões relativas à aquisição ou venda das suas acções ou de depósito do seu dinheiro naquela instituição, de forma informada e verdadeira, como tinham direito.

10. Assim, aqui chegados, cumpre concluir que, face à factualidade dada como assente, os arguidos JO…, LC…, JV…, FS… e LAl…, actuando concertadamente, preencheram com a sua conduta os elementos constitutivos do crime de falsificação de documento, no que concerne aos que se mostram previstos no nº1 do artº 256, als. a) e e), como lhes era imputado em sede de pronúncia.

11. Resta então averiguar se se mostra ou não preenchida a circunstância qualificativa agravante consignada no nº 3 do dito artº 256 do C.Penal, como a pronúncia igualmente lhes assacava.

12. Como se constata pela leitura do excerto que de seguida se transcreve, o tribunal “a quo” entendeu, igualmente, que a factualidade dada como assente nesta sede consubstanciava a adulteração da contabilidade da holding SLN SGPS SA: A contabilidade da holding SLN, SGPS, S.A., foi falsa durante vários anos porque nunca integrou a contabilidade do Banco Insular (balcão 1 e 2) nem das inúmeras offshore do grupo.
De facto, foram relevados valores não conformes com a realidade factual e referentes a aspectos relevantes da sua actividade, uma vez que era omissa desses registos parte substancial da actividade de natureza financeira desenvolvida no seio do grupo SLN.
Ou seja, resultou desvirtuada e falsa a informação financeira que a SLN, de forma permanente, ao longo dos anos, apresentou nas suas demonstrações financeiras consolidadas, porque não representativa de uma imagem fiel do património, da situação financeira e dos resultados do conjunto das empresas verdadeiramente controladas e compreendidas no seu perímetro de consolidação
Não obstante, considerou que a falsificação de registos de movimentos bancários e contabilísticos, i.e., a contabilidade bancária do Banco Insular, BPN Cayman e BPN, S.A., BPN, SGPS, S.A., e SLN SGPS, S.A., em nosso entender, não se traduz na falsificação de qualquer um daqueles documentos que permite a subsunção da conduta ao crime de falsificação de documento agravada (art. 256°, n.° 3 do C.P.).
Mas sem razão.
Expliquemos porquê.

13. A conduta adulteradora dos arguidos foi englobada em sede da prática de um único ilícito precisamente por virtude de se ter entendido – e bem – que todas as deturpações contabilísticas realizadas, em sede de offshores e no âmbito do Banco Insular, tinham o propósito de serem usadas para adulteração das contas da SLN SGPS SA. Efectivamente, se assim não fosse, estaríamos perante a prática autónoma de uma miríade de crimes de falsificação, um relativamente a cada uma dessas entidades (para além dos relativos a falsificações de documentos de natureza contratual, que se elencaram supra, quando apreciámos a questão do non bis idem, a propósito deste tipo de crime).
 Assim, para efeitos de averiguação do preenchimento dos elementos do tipo, designadamente para se poder avaliar qual o tipo e a natureza do documento que foi sujeito a adulteração, ter-se-á de atender àquele que, por virtude dos diversos actos de execução praticados pelos arguidos, foi efectivamente o objecto final de falsificação – isto é, ter-se-á de atender a qual a natureza do documento que titula as contas da SLN SGPS SA.
E é a essa averiguação que nos dedicaremos de seguida.

14. As sociedades anónimas (como é o caso da SLN SGPS SA) estão obrigadas à apresentação de contas, nos termos do artº 65 do CSC (devendo as mesmas ser aprovadas em sede de assembleia-geral de accionistas - artº 376 do CSC - e, posteriormente, serem comunicadas à administração pública, via IES - Informação Empresarial Simplificada, à data de acordo com o Decreto-Lei n.º 8/07: através da implementação deste sistema agregou-se, num único acto, uma série de obrigações das empresas perante a Administração Pública, nomeadamente a entrega da declaração anual de informação contabilística e fiscal ao Ministério das Finanças, o registo da prestação de contas junto do Ministério da Justiça, a prestação de informação de natureza estatística ao Instituto Nacional de Estatística e a prestação de informação relativa a dados contabilísticos anuais para fins estatísticos ao Banco de Portugal).
Os documentos de prestação de contas incluem, neste tipo de sociedades, as demonstrações financeiras, o relatório de gestão, o relatório e parecer do órgão de fiscalização (conselho fiscal/fiscal único), bem como a certificação legal das contas, emitida pelo revisor oficial de contas.
Assim, as contas do exercício englobam as demonstrações financeiras, designadamente balanço, demonstração dos resultados por naturezas, demonstração dos resultados por funções, anexo ao balanço e à demonstração dos resultados, demonstração dos fluxos de caixa e respectivo anexo. 

15. Enquadrando juridicamente a factualidade apurada, constata-se que a denominação legal da contabilidade de uma sociedade anónima são as contas. De facto, é nas contas que se consubstanciam, se corporizam, os registos contabilísticos societários; isto é, constituem a informação financeira que as sociedades anónimas têm de apresentar publicamente.
No caso das sociedades anónimas, é obrigatória a certificação legal de tais contas, que é realizada pelo ROC.
Nos termos do nº 7 do artº 44 do Estatuto da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas (EOROR), na redacção dada pelo Dec. Lei n.º 487/99, de 16 de Novembro, em vigor até 2015, “a certificação legal das contas, em qualquer das suas modalidades, bem como a declaração de impossibilidade de certificação legal, são dotadas de fé pública, só podendo ser impugnadas por via judicial quando arguidas de falsidade”.
Presentemente, mantém-se a obrigatoriedade de prestação de contas pelas sociedades anónimas, bem como a exigência da sua certificação legal, sendo certo que, ao abrigo do mesmo Estatuto acima mencionado, na versão da Lei n.º 140/2015, de 07 de Setembro, artº 41 nº1 al. b) e artº 45 nº1, os revisores de contas, na prossecução de determinados actos - nos quais se inclui a dita certificação legal das contas - actuam no exercício de funções de interesse público.

16. O que daqui decorre é que a viciação da contabilidade da SLN SGPS SA (bem como a do Banco Insular, aliás), a desvirtuação e falsa informação financeira por si apresentada nas suas demonstrações financeiras consolidadas, integra o conceito jurídico de viciação de contas, demonstrações estas que assumem a natureza de documento autêntico, atenta a obrigatoriedade da sua certificação legal (artigo 363.º do C. Civil: “1. Os documentos escritos podem ser autênticos ou particulares. 2. Autênticos são os documentos exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública; todos os outros documentos são particulares.”). Já o integravam em todos os momentos temporais em que foram executados os actos que preenchiam os elementos do tipo de tal crime e ainda o integram presentemente.

17. Temos pois de concluir que, ao inverso do que o tribunal “a quo” entendeu, a factualidade que preenche os elementos constitutivos do crime de falsificação imputado aos arguidos JO…, JV…, LC…, FS… e LR… – forjar de documentos e de registo de movimentos bancários e contabilísticos – não foi cometido na forma simples, mas antes na forma qualificada, uma vez que tais documentos se mostram abrangidos na previsão legal do nº3 do artº 256 do C.Penal.

18. Alegam os arguidos, na resposta que apresentaram à comunicação prevista no artº 424 nº3 do C.P.Penal, que se mostra inadmissível a requalificação oficiosa do crime de falsificação simples.
Mas sem razão.

i. De facto, não obstante a questão da errónea qualificação jurídica deste ilícito não ter sido suscitada por nenhum dos recorrentes, é entendimento pacífico (vide acórdão do S.T.J., processo nº 00P2745, de 8.2.2001, acessível em dgsi.pt, que seguiremos de perto) que se mostra inerente à função de julgar - sendo esse o seu núcleo essencial - o enquadramento jurídico dos factos apurados, a determinação do direito, razão pela qual o julgador não está limitado por errado enquadramento, desde que se mostre assegurado o cumprimento de determinados requisitos impostos por lei.

ii. É esse aliás o raciocínio constante no acórdão uniformizador de jurisprudência n.° 4/95, de 7.6.95, que determinou que “o Tribunal Superior pode, em recurso, alterar oficiosamente a qualificação jurídico-penal efectuada pelo tribunal recorrido, mesmo para crime mais grave, sem prejuízo, porém, da proibição da reformatio in pejus”, bem como do assento n.º 2/93 do STJ, em cuja senda aquele se situa, reformulado nos seguintes termos (Assento n.º 3/2000, 15-12-1999, DR IS-A de 11-2-2000.): “Na vigência do regime dos Códigos de Processo Penal de 1987 e de 1995, o tribunal, ao enquadrar juridicamente os factos constantes da acusação ou da pronúncia, quando esta existisse, podia proceder a uma alteração do correspondente enquadramento, ainda que em figura criminal mais grave, desde que previamente desse conhecimento e, se requerido, prazo, ao arguido, da possibilidade de tal ocorrência, para que o mesmo possa organizar a respectiva defesa.”

19. E faz sentido que assim seja, especialmente em sede de recurso, ainda que nenhum dos recorrentes questione o enquadramento jurídico definido pelo tribunal “a quo”.
Na verdade, cabendo a este tribunal de recurso a sindicância da concreta questão proposta pelos arguidos – prescrição do procedimento criminal relativamente ao crime de falsificação pelo qual foram condenados, bem como a aventada violação do princípio “ne bis in idem” – é manifesto que o não pode fazer abstraindo-se de apreciar a correcção da subsunção jurídica realizada.
Seria o mesmo que pedir que se apreciasse a aplicação da lei punitiva, mas que não se cuidasse de apurar da sua legalidade.

20. Na verdade, para que este tribunal possa saber se o crime em questão se mostra ou não prescrito, mostra-se forçoso que aprecie, previamente, a questão de saber se a subsunção dos factos ao direito se mostra correcta; isto é, se a norma legal é, de facto, a aplicável.
Caso assim se não entendesse, teríamos de concluir que a este tribunal mais não caberia do que ficcionar a correcção de tal enquadramento jurídico, o que consoante as circunstâncias, poderia até levar à ponderação de inexistência de prescrição e manutenção de uma condenação quando, de facto, a subsunção jurídica estava errada, não se mostrando (por hipótese) sequer preenchidos os elementos constitutivos de nenhum crime, impedindo assim uma decisão de absolvição a proferir em sede de recurso.

21. A validade deste entendimento mantém-se, como refere o acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 7/2008, de 25-06-2008:
O instituto da alteração dos factos descritos na acusação ou na pronúncia visa assegurar as garantias de defesa ao arguido. O que a lei pretende é que aquele não venha a ser julgado e condenado por factos diferentes daqueles por que foi acusado ou pronunciado, por factos que lhe não foram dados a conhecer oportunamente, ou seja, venha a ser censurado jurídico-criminalmente com violação do princípio do acusatório, sem que haja tido a possibilidade de adequadamente se defender.
Ao alargar o âmbito de aplicação do instituto à alteração da qualificação jurídica dos factos o legislador visou, também, assegurar as garantias de defesa do arguido, de acordo, aliás, com a Constituição da República, que impõe sejam asseguradas todas as garantias de defesa ao arguido - n.º 1 do artigo 32.º consabido que a defesa do arguido não se basta com o conhecimento dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, sendo necessário àquela o conhecimento das disposições legais com base nas quais o arguido irá ser julgado.
Assim e atenta a ratio do instituto, vem-se entendendo que só nos casos e situações em que as garantias de defesa do arguido - artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República - o exijam (possam estar em causa), está o tribunal obrigado a comunicar ao arguido a alteração da qualificação jurídica e a conceder-lhe prazo para preparação da defesa. Por isso, se considera que a alteração resultante da imputação de um crime simples ou "menos agravado", quando da acusação ou da pronúncia resultava a atribuição do mesmo crime, mas em forma qualificada ou mais grave, por afastamento do elemento qualificador ou agravador inicialmente imputado, não deve ser comunicada, visto que o arguido ao defender-se do crime qualificado ou mais grave se defendeu, necessariamente, do crime simples ou "menos agravado", ou seja, defendeu-se em relação a todos os elementos de facto e normativos pelos quais vai ser julgado.

22. Por seu turno, a lei processual penal previne a faculdade de se proceder à alteração da qualificação jurídica, designadamente através dos mecanismos previstos nos artºs 358 e 424 nº3, ambos do C.P.Penal.
O que a lei pretende acautelar através destes dispositivos legais é que ao arguido seja dado conhecimento do exacto conteúdo jurídico-criminal da imputação que sobre si recai, ou seja, da incriminação e da dimensão das respostas punitivas respectivas, de modo a que seja dada protecção dos seus direitos de defesa, como estatui o artº 32 nº1 da CRP, possibilitando a preparação e a organização da mesma de forma adequada.
Pretende assim obstar a uma condenação-surpresa, quer quanto aos factos, quer quanto à subsunção-jurídica, relativamente à qual não seja dado previamente ao arguido, a possibilidade de se defender e de dizer da sua justiça.

23. No caso presente, foi dado cumprimento a tal comunicação, tendo-se observado o disposto no artº 424 nº3 do C.P.Penal.
Assim sendo, resta-nos concluir, atento o que se deixa exposto, que cometeu cada um dos arguidos JO…, LC…, JV…, FS… e LAl…, em autoria material, um crime de falsificação de documento qualificado, p. e p. pelo artº 256 nº 1 als. a) e e) e nº3, do C.Penal, pelo que o enquadramento jurídico definido pelo tribunal “a quo”, nesse ponto, não se pode manter.

24. Assim, será dentro deste enquadramento legal (prática do ilícito na sua forma agravada) que se procederá, de seguida, à apreciação da suscitada questão de prescrição do procedimento criminal, relativamente a este crime.
Caso se conclua pela não verificação da prescrição, desde já se adianta que:
a. Este tribunal encontra-se condicionado pela proibição da reformatio in pejus (nos termos do artº 409 do C.P.Penal), o que determina que, independentemente de o ilícito na sua forma agravada ser mais fortemente punido do que na sua forma simples, as penas impostas pelo tribunal “a quo” não poderão ser alteradas em prejuízo dos arguidos relativamente aos quais o MºPº não interpôs recurso pedindo o agravamento da pena imposta por este crime (arguidos JO…, FS… e LR…).
b. No que concerne aos demais – arguido JV… e arguido LC… – relativamente aos quais o MºPº interpôs recurso, pedindo agravamento da pena imposta relativamente ao crime de falsificação de documento, haverá que distinguir entre o primeiro e o segundo.
. Efectivamente, entende-se que a pena imposta a este título, ao arguido JV…, se mostra ainda abrangida pela protecção dada pelo princípio da reformatio in pejus no que respeita à determinação da moldura penal abstracta; isto é, não tendo o MºPº recorrido da subsunção jurídica do crime de falsificação pelo qual este arguido foi condenado, mas tão-somente da medida da pena concreta, entende-se que se mostra este tribunal adstrito, na ponderação de tal pedido, a não ultrapassar a moldura penal de até 3 anos de prisão, como decorre dos termos do próprio recurso interposto pelo MºPº.
. No que se refere ao arguido LC…, uma vez que o mesmo praticou um outro crime de falsificação de documento (escritura de mútuo Breslan/Plexpart), pelo qual foi condenado na forma agravada, crime este que o tribunal “a quo” entendeu encontrar-se numa relação de consumpção com o crime de falsificação pelo qual igualmente o condenou (adulteração de registos contabilísticos), haverá que constatar que a moldura penal que lhe era aplicável era já a agravada (o MºPº pede a sua condenação numa pena de 4 anos de prisão), razão pela qual lhe não é aplicável o disposto no artº 409 do C.P.Penal.
c. Finalmente, caberá dizer que a proibição da reformatio in pejus se aplica apenas à sanção a aplicar (o tribunal superior não pode modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida, em prejuízo de qualquer dos arguidos), pelo que a moldura penal relevante, para efeitos de apreciação da questão da prescrição, é a que se mostra legalmente estabelecida para o tipo qualificado do crime.
Note-se, aliás, que era pela forma agravada que os arguidos vinham acusados e pronunciados.

25. Na verdade, e ao inverso do que os arguidos defendem, na resposta que apresentaram à comunicação prevista no artº 424 nº3 do C.P.Penal e como se deixou já supra exarado, a propósito da apreciação desta questão, no âmbito do recurso proposto pelo arguido JO… (vide, neste acórdão, IV. Fundamentação, §§ E. Da proibição da reformatio in pejus), nas palavras de Jorge Dias Duarte (Proibição de reformatio in pejus, Consequências proces­suais, in Maia Jurídica – Revista de Direito, ano I, n.º 2, Julho‑Dezembro de 2003, págs. 205‑221):  (…) a actual compreensão do processo penal como um pro­cesso equitativo, em que está constitucionalmente consagrada a estrutura acusatória do pro­cesso, com pleno relevo do princípio da acusação, implica o entendimento da proibição de reformatio não, apenas, como um princípio dos recursos, mas como um princípio de todo o processo; de tal compreensão resulta nítida a conclusão de que, interposto recurso apenas pelo arguido (ou pelo Ministério Público no exclusivo interesse do arguido), tal recurso esta­belece um limite à actividade jurisdicional do tribunal ad quem, que, assim, não poderá alte­rar a decisão em desfavor do arguido (repete‑se, único) recorrente; tal limite será plena­mente operante mesmo para os casos em que o arguido tenho suscitado uma questão que implique a anulação do julgamento ou o reenvio para outro tribunal, que não poderá(ão) condenar em pena mais grave do que aquele que é posta em causa no recurso, pois esta é, aliás, a única forma a obviar à possibilidade da reformatio indirecta, isto é, consiste na única forma de impedir que o tribunal do novo julgamento ou de reenvio tenho mais poderes que o tribunal de recurso não tinha”.

26. Assim, a proibição da reformatio in pejus incide sobre um âmbito específico – a proibição de alteração da decisão proferida pelo tribunal “a quo”, em desfavor do arguido.

i. Ora, no caso, a reapreciação realizada por este tribunal não procederá a qualquer modificação nesse sentido.
De facto, os arguidos acima mencionados mostram-se todos, efectivamente condenados, pela prática de um crime de falsificação, em penas de prisão definidas pelo tribunal “a quo” que, como se constatará infra, não sofrerão, no âmbito deste acórdão, qualquer agravamento.

ii. Assim, a decisão de alteração de enquadramento jurídico, por parte deste tribunal ad quem, não envolve qualquer agravamento em desfavor dos arguidos, pois condenados estavam e condenados se mantém, pelas mesmíssimas penas parcelares, pela prática do mesmo tipo de crime (a única diferença reporta-se à constatação de preenchimento, no âmbito deste ilícito, de uma circunstância de natureza qualificativa).

iii.  É isso, aliás, que decorre do vertido no artº 409 do C.P.Penal, quando determina que o tribunal não pode modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida, em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrentes.
E é esse comando que este tribunal respeitará.

iv. E, note-se, ao inverso do que os respondentes parecem querer defender, o regime de prescrição mais favorável ao arguido analisa-se após o apuramento da matéria factual descritiva da actuação do agente e o subsequente – e consequente - enquadramento jurídico da mesma. É esse o comando ínsito no artº 2º do C.Penal quando refere expressamente que esse apuramento é realizado com fundamento no “facto punível”.

27. Conclui-se, pois, que nesta sede, não cabe razão aos arguidos, nos considerandos que tecem a propósito desta matéria, sendo certo que as interpretações realizadas por este tribunal não se mostram violadoras de qualquer preceito constitucional, nem integram os termos que os arguidos avançam.

                                                        II.

1. Os arguidos não suscitam críticas ao facto de o tribunal “a quo” ter entendido estar-se perante a prática de um único ilícito, que engloba a totalidade da sua actividade, neste âmbito.

2. Na verdade, apenas o arguido JO… faz menção, no seu recurso, à sua condenação pela prática de um crime de falsificação, não questionando a sua unicidade, mas antes entendendo que o mesmo foi praticado na forma continuada, fazendo referência ao constante a fls. 1558 do acórdão proferido pelo tribunal “a quo”.

i. Trata-se de manifesto lapso por parte do recorrente, pois o que aí se diz é precisamente o inverso (vide fls. 1557 e 1558):
Notas finais:
Vários arguidos estão pronunciados só por um crime de burla, abuso de confiança ou falsificação.
No entanto, vimos que as suas condutas integram-se nestes crimes, em momentos temporais distintos e negócios distintos.
Concurso real?
Não.
“Maxime” seria crime continuado.
Mas entendemos que o correto enquadramento passa pelo crime único. Tivemos oportunidade de ver que os propósitos delineados foram estabelecidos, logo no início, aquando da constituição do grupo SLN/BPN.
As condutas posteriores integram-se todas nesses propósitos formulados inicialmente, sendo mera consequência deles.
Ou seja, às plúrimas condutas activas e omissivas que se foram prolongando por vários anos presidiu uma única resolução criminosa.
As várias condutas são, assim, englobadas num todo, num crime, não um crime continuado de acordo com o conceito que deste vem acolhido na lei substantiva, mas de execução continuada em que o estado de antijuridicidade criado com a primeira foi sendo mantido e prolongado por vários anos pelas outras que lhe foram sucedendo.

ii. Diga-se, para além do mais, que a questão de estarmos perante a prática de um crime na forma continuada se mostra patente e flagrantemente afastada, desde logo pelo manifesto não preenchimento de um dos requisitos previstos no artº 30 do C.Penal: “no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”.
Não só não se vislumbram circunstâncias exógenas, isto é, não criadas pelos arguidos, que possam sequer remotamente integrar um quadro de solicitação externa, como de igual modo não se enxerga (nem o arguido a refere) qual a factualidade que permitiria concluir que a consecutiva, persistente e perseverante adulteração de registos contabilísticos, ao longo de anos, por iniciativa do próprio presidente do grupo financeiro a que se reporta (o ora arguido), corresponde a uma situação sensivelmente diminuidora da sua culpa…

3. Prosseguindo.
Haverá que proceder a alguns esclarecimentos adicionais, no que se refere à situação dos arguidos recorrentes.
Assim:

i. A situação respeitante ao arguido LC…:
O tribunal “a quo”, ao proceder ao enquadramento jurídico da factualidade que, quanto ao arguido LC…, julgou provada, condenou-o pela prática de um único crime, por aplicação das regras da consumpção, no que respeita quer à actuação relativa à falsificação de movimentos bancários e contabilísticos do grupo SLN/BPN, quer à relativa à sua intervenção na escritura pública de mútuo da Breslan à Plexpart.
Atento o que se deixou dito, cabe apenas constatar que será mantida a condenação deste arguido pela prática de um único ilícito de falsificação de documento agravado, que aliás corresponde à imputação que lhe era feita em sede de pronúncia, uma vez que tal questão (consumpção), não foi alvo de recurso e que, ainda que se entendesse que se verificava concurso real de dois crimes desta natureza, a regra da reformatio in pejus determinaria a absoluta inutilidade de discussão quanto a tal entendimento jurídico.
Não obstante, dada a consumpção operada pelo tribunal “a quo”, haverá que determinar, atenta a totalidade da factualidade integrada neste tipo de crime, quando é que ocorre a consumação deste ilícito de falsificação, uma vez que daí dependerá a decisão a tomar em sede de apuramento de prazos de prescrição de procedimento criminal.

ii. A situação respeitante à arguida IC…:
Por seu turno, similar entendimento será seguido no que toca à arguida IC…, uma vez que a factualidade que determinou a sua condenação pela prática de um crime de falsificação agravada se reporta à consumpção operada, dada a sua intervenção na escritura pública de mútuo Breslan/Plexpart, em que actuou em co-autoria com o arguido LC…, na mesma se englobando todos os restantes actos de falsificação que enunciámos no capítulo IV. deste acórdão (vide Fundamentação, §§, C. Violação do princípio ne bis in idem, ponto 14.A) para o qual remetemos.
A arguida não questiona o enquadramento jurídico de tal condenação e atentos os elementos factuais e as considerações já expostas pelo tribunal “a quo”, no acórdão que proferiu, entende-se que a subsunção jurídica se mostra correcta.

4. Assim, e em conclusão, no que respeita ao crime de falsificação de documentos temos que, relativamente aos arguidos JO…, JV…, LC…, FS…, IC… e LR…, sendo a contagem do prazo prescricional determinada pela moldura da pena relativa ao crime respectivo, relevará para este efeito a moldura de seis meses a cinco anos de prisão (ou pena de multa de 60 a 600 dias), nos termos do nº3 do artº 256 e do artº 118, ambos do C.Penal.
 
5. O arguido JO… propugna que não se possa atender como facto jurídico-penal relevante, para efeitos de determinação do momento da consumação do crime de falsificação, à submissão das contas à Assembleia Geral da SLN SGPS, SA para aprovação, porque mostrando-se apenas provado no ponto 335) que a mesma se realizou no dia 26 de Abril de 2007 (relativa ao ano de 2006), sem qualquer referência à aprovação de contas, entende que tal momento temporal não pode ser atendido, por ausência de matéria factual suficiente.
Daqui retira que haverá que apreciar a prescrição pela prática do crime de falsificação imputado ao arguido, à luz das únicas imputações que, em termos concretos e com referência a um documento, se mostram consignadas nos pontos 563 a 567 e 636 a 643 dos factos provados (contratos de cessão de créditos e de compra e venda de acções que se realizaram em 29 de Dezembro de 2000).
 Vejamos.

i. É verdade que o arguido praticou, igualmente, a factualidade a que faz referência (falsificação de contratos de cessão de créditos entre a SLN Investimentos e a Keresley/e de venda de acções entre a Invesco e a nova Validus -  factos 563) a 570) e 636) a 643)).
Sucede, todavia, que a prática de tais actos foi englobada na apreciação global realizada no que concerne ao crime de falsificação de documentos pelo qual foi condenado.
Assim sendo, as datas em que tais contratos foram realizados não envolve qualquer apreciação autonomizável, em sede de apuramento de prescrição de procedimento criminal, uma vez que esses actos se inserem no âmbito de um único ilícito, que abrange um período temporal que em muito os ultrapassa.  
Temos pois que, para apuramento dos elementos temporais relevantes para efeitos de apreciação da questão da prescrição, ter-se-á de atender a toda a factualidade que determinou a conclusão jurídica de preenchimento dos elementos do tipo, designadamente a que determinou a desvirtuação e falsa informação financeira da SLN SGPS SA (esta sociedade holding foi criada e passou a deter o BPN SGPS, que detinha, por sua vez, o BPN SA em Abril de 1999 - vide factos 15 a 20).

ii. E esta tem o seu início com a criação da entidade Invesco Worldwide LTD (Ilhas Virgens Britânicas, Novembro de 1999), criada pela Planfin (que passou a ser detida pela SLN SGPS (39) a partir de 1999), sendo que a sua conta no BPN, SA  tem o seu primeiro movimento em 18.11.1999 (esta entidade foi redenominada Venice em Setembro de 2000), tendo a realização da sua primeira transacção ocorrido em 31 de Dezembro de 1999 (contrato de compra e venda de acções assinado entre a SLN SGPS S.A. e a Invesco) – facto provado 238.

iii. Por seu turno, as entidades Venice, Solrac Finance (constituída na Ilha de Man no dia 29 de Julho de 2002) e Jared (constituída na Ilha de Man, no dia 23 de Maio de 2002), que tinham como beneficiário a entidade Marazion (constituída a 27 de Novembro de 2000, nas Ilhas Virgens Britânicas - tendo tido como beneficiários iniciais a Planfin e a SLN SGPS, S.A., posteriormente, entre 2.3.2001 a 26.11.2007, a SLN Imobiliária SGPS, S.A. e, por fim, a partir desta data a SLN SGPS, S.A), foram utilizadas a partir de cada um daqueles momentos temporais como veículos de financiamento de outras sociedades e pessoas, através de saques a descoberto, bem como serviram de centros de custos, contribuindo de forma fictícia para o aumento dos resultados financeiros do grupo BPN/SLN, uma vez que permitiram a omissão do registo de custos e justificaram a contabilização de juros dos financiamentos concedidos, se bem que a maioria nunca efectivamente pagos (71).

iv. A partir de cada um daqueles momentos temporais, passaram a ser realizadas uma série de operações que, embora suportadas financeiramente pelo BPN, não foram consignadas, em sede de registo contabilístico como tendo tal característica e origem, antes sendo apontadas como registos de créditos concedidos, sob diversas formas, a diferentes offshores, não reportadas, contabilisticamente (ao inverso do que efectivamente sucedia), como entidades pertencentes ao Grupo.

v. Posteriormente, com a aquisição do Banco Insular pela Insular Holdings, no final de Dezembro de 2001, a adulteração dos registos contabilísticos da SLN SGPS SA passou a processar-se, de modo similar e, de certo modo, ainda mais fortemente encoberto, através da manipulação da contabilidade dessa instituição, uma vez que não só as operações realizadas pelo Banco Insular não foram, deliberadamente, inseridas nas contas da SLN SGPS, como a própria contabilidade daquele Banco (BI) era igualmente alvo de falsificação, através da criação e manutenção de um balcão em que as transacções não eram levadas ao balanço; isto é, para além de não consolidarem (de as não inscreverem) as operações realizadas pelo Banco Insular nas contas da SLN SGPS SA, ainda que o tivessem feito, essas contas estariam sempre adulteradas, pois a contabilidade do Banco Insular não era, ela mesma, verdadeira.

vi. O arguido JO… participou activamente e com grande protagonismo decisório diga-se, em todos os actos de execução preenchedores dos elementos constitutivos desse ilícito, desde a decisão de adulteração, passando pela procura dos meios através dos quais esta se processaria, determinando a implementação dos mecanismos que a viabilizaram e a manutenção da actividade de desvirtuação e falsa informação financeira, que perdurou durante anos.
E até à saída do Grupo do arguido JO…, em Fevereiro de 2008, a verdade é que (à semelhança, aliás, de todos os outros restantes arguidos envolvidos, quer os que saíram antes, quer os que saíram depois) não se mostra demonstrado que tenham cessado a actividade de adulteração e uso dos elementos contabilísticos, que se reportavam à falsa representação da realidade, das contas da SLN SGPS SA.

vii. Assim, não é remotamente defensável a tese que o arguido avança como determinante para apreciação do momento temporal de início de contagem do prazo de prescrição, no que a este crime se reporta, questão sobre a qual nos debruçaremos infra.

6. Passemos então à apreciação concreta da questão da prescrição, no que se refere ao crime de falsificação de documento, na forma agravada, que os arguidos praticaram.

7. Determina o nº1 do artº 119 do C.Penal que o prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado.
No seu nº 2 esclarece que:
O prazo de prescrição só corre:
a) Nos crimes permanentes, desde o dia em que cessar a consumação;
b) Nos crimes continuados e nos crimes habituais, desde o dia da prática do último acto;
c) Nos crimes não consumados, desde o dia do último acto de execução.

8. A primeira questão a abordar prende-se, pois, com a data de início da contagem do prazo de prescrição neste tipo de crime, isto é, ao apuramento do momento em que o mesmo se consumou.

i. Relativamente aos arguidos LC… e IC…, no que respeita à factualidade relativa à escritura de mútuo Breslan/Plexpart, tal questão não apresenta dificuldade, uma vez que o mesmo se consumou no dia em que tal escritura foi celebrada, isto é, em 16 de Maio de 2006, visto estarmos perante um crime de execução instantânea.

ii. Assim, e relativamente a esta arguida – uma vez que os actos de falsificação que praticou foram englobados no âmbito da condenação pela prática de um único crime de falsificação, sendo certo que o último acto que praticou se reporta, precisamente, à sua intervenção nessa escritura, que é um acto público – a contagem do prazo de prescrição inicia-se nesse dia 16 de Maio de 2006.

iii. No que respeita ao arguido LC…, atenta a consumpção operada, a data de início de contagem do prazo de prescrição reportar-se-á ao momento em que ocorreu em último lugar a consumação, no âmbito de toda a sua actividade de adulteração (na mesma se incluindo, obviamente, a data da realização da acima mencionada escritura).
 
9. No que se reporta à factualidade relativa à deturpação de registos contabilísticos (arguidos JO…, JV…, LC…, FS… e LR…), atenta a matéria de facto dada como assente constatamos que a mesma se prolongou por um período temporal de vários anos.
Estamos perante um crime de execução continuada, integrável na categoria dos crimes permanentes.

i. Na verdade, como se acabou de referir, a factualidade assente descreve a desvirtuação e falsa informação financeira da SLN SGPS SA, que tem o seu início a partir de Novembro de 1999, com a primeira actividade realizada através da Invesco (nesta data, a SLN SGPS SA já detinha o BPN SGPS, que detinha, por sua vez, o BPN SA) pois a partir dessa altura passaram a ser realizadas uma série de operações que, embora suportadas financeiramente pelo BPN, não foram consignadas, em sede de registo contabilístico como tendo tal característica e origem, antes sendo apontadas como registos de créditos concedidos, sob diversas formas, a diferentes offshores, não reportadas, contabilisticamente (ao inverso do que efectivamente sucedia), como entidades pertencentes ao Grupo.

ii. Posteriormente, com a aquisição do Banco Insular pela Insular Holdings, no final de Dezembro de 2001, a adulteração dos registos contabilísticos da SLN SGPS SA passou a processar-se, de modo similar e, de certo modo, ainda mais fortemente encoberto, através da manipulação da contabilidade dessa instituição, uma vez que não só as operações realizadas pelo Banco Insular não foram, deliberadamente, inseridas nas contas da SLN SGPS SA, como a própria contabilidade daquele Banco (BI) era em si mesmo alvo de adulteração, através da criação e manutenção de um balcão em que as transacções não eram levadas ao balanço; isto é, para além de não consolidarem as operações realizadas pelo Banco Insular nas contas da SLN SGPS SA (de as não inscreverem), ainda que o tivessem feito, essas contas estariam sempre viciadas, pois a contabilidade do Banco Insular não era, ela mesma, verdadeira.
 
iii. Nem todos os arguidos tiveram a mesma responsabilidade decisória, nem iniciaram a sua actividade em momento temporal simultâneo, no que respeita à iniciativa e execução das acções que preenchem tal tipo de crime (sendo que essa é matéria a relevar em sede de dosimetria de pena), mas todos tinham perfeito conhecimento do fim que se pretendia alcançar através dos actos que cada um deles praticou, pois aderiram a tal propósito. E a realização conjunta não exige que todos e cada um dos elementos constitutivos do tipo sejam executados por todos e cada um dos co-autores, para tanto bastando que cada um dos arguidos comparticipe ou na resolução criminosa ou na execução de actos que preenchem os elementos constitutivos do crime (artº 26 do C.Penal), como foi o caso nestes autos.

iv. Por seu turno, como acima já se expôs, não estamos perante um crime continuado, por total ausência, desde logo, do preenchimento do requisito cumulativo constante na parte final do nº2 do artº 30 do C.Penal (no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente), sendo nosso entendimento que, pelas razões que de seguida exporemos, se mostra correcta a subsunção à figura do crime de execução continuada, enquadrável na categoria de crime permanente.

10. Na verdade, o que se exige para que se possa entender estarmos perante este modo de cometimento do ilícito, será poder constatar-se, face à factualidade provada, que existe uma unidade resolutiva (algo de diverso de uma única resolução), sendo para tanto necessária “ uma conexão temporal que, em regra e de harmonia com os dados da experiência psicológica, leva a aceitar que o agente executou toda a sua actividade sem ter de renovar o respectivo processo de motivação» (Eduardo Correia, 1968: 201 e 202, citado no “Código Penal anotado” de P. P. Albuquerque).

i. Acresce que para além da constatação da existência desta unidade resolutiva, deverá igualmente decorrer que existe uma homogeneidade na conduta prolongada no tempo, do agente, em que os tipos de ilícito, individualmente considerados são os mesmos ou, se diferentes, protegem essencialmente um bem jurídico semelhante.

ii. E é isso o que os factos nos descrevem:
Estamos perante uma actuação que se reconduz a uma unidade resolutiva, pois que se mostra provada a prática de actos através dos quais se obteve a adulteração das contas da SLN SGPS, desde o primeiro acto encoberto de financiamento através das offshore acima referidas, que se manteve nos anos seguintes, já com recurso à ocultação via Banco Insular, sendo que todos esses actos preenchem os elementos constitutivos do mesmo tipo de crime (isto é, todos violam o mesmo bem jurídico normativamente tutelado) e em todos eles os beneficiados (os arguidos) e os prejudicados (os accionistas, os depositantes, o público em geral e o Estado) são os mesmos, como supra já se mencionou.

iii. De igual modo, os actos de execução foram praticados essencialmente pelo mesmo grupo de arguidos (aos três iniciais, JO…, LC… e FS… aderiram, a partir da aquisição do Banco Insular, os arguidos JV… e LAl…, além de dois outros cuja actividade não é alvo de apreciação neste recurso), existindo uma interligação nos mecanismos através dos quais os vários actos são executados e uma homogeneidade na realização e nos propósitos dos mesmos.

iv. Assim, atento o que se deixa expresso e de harmonia com os dados da experiência psicológica, mostra-se possível aceitar que os arguidos JO…, JV…, LC…, FS… e LR… prosseguiram toda a actividade relativa à falsificação de registos contabilísticos sem terem de renovar o respectivo processo de motivação, pelo que se conclui que estamos assim perante um crime de execução continuada, enquadrável na categoria dos crimes permanentes, por se verificar uma unidade resolutiva, que conforma e abrange toda a actividade criminosa por si produzida e acima descrita.

11. Aqui chegados, haverá então que determinar, para efeitos da questão de prescrição formulada, em que dia é que cessou a consumação deste ilícito, atento o disposto no artº 119 nº 2 al. a) do C.Penal.

i. Como esclarece o Prof. Cavaleiro de Ferreira, in Lições de Direito Penal, Parte Geral, Editorial Verbo, 1992, pág. 139, o carácter instantâneo ou permanente refere-se à própria consumação, à lesão do bem jurídico". (...) Há bens jurídicos que, pela sua natureza, só são susceptíveis de ofensa mediante a sua destruição; (...) e há bens jurídicos de natureza imaterial que não podem ser destruídos e são apenas susceptíveis de compressão, como a honra e a liberdade, e estes são ofendidos enquanto se mantiver em execução a actividade lesiva.
A execução nos crimes permanentes toma necessariamente uma dupla feição: é uma acção seguida de uma omissão continuada. A acção agride o bem jurídico, e a omissão ofende o dever de pôr termo à situação criada.

ii. Assim, no crime de execução permanente está em causa apenas uma única conduta - um único crime - cuja execução se mantém ao longo de determinado período de tempo mais ou menos prolongado e, porque a execução se prolonga, todos os momentos são ainda de execução (Germano Marques da Silva, Direito Penal Português - Parte Geral, I - pág. 295).
O agente mantém a reiteração do animus criminoso, actuando com o propósito inicial que nunca abandonou (vide acórdão do STJ de 7/12/89, BMJ, 400, pág. 240) ou, nas palavras do acórdão do TRL, proc. 141/09.9POLSB-BE.L1-5, de 24-07-2014: II - Os crimes cuja eficácia se estende ao longo de um determinado espaço de tempo, constituem crimes permanentes ou crimes de estado. III - Nos crimes permanentes, não só a consumação, como a execução, permanecem enquanto se mantiver o estado de compressão do interesse objecto jurídico do crime.

iii. No caso que nos ocupa, para apreciação do momento em que cessa a consumação neste tipo de ilícitos entendemos, na esteira do acórdão do TRL, proc. 141/09.9POLSB-BE.L1-5, de 24-07-2014 que não interessa tomar posição sobre o argumentário das diversas concepções estruturais do crime permanente (bi-fásica ou ­estrutura unitária), que, no essencial, se revelam discussões de dimensão doutrinal.
Na verdade, o elemento essencial da construção do conceito analisa-se na permanência, na continuidade sem interrupção da situação de compressão do bem jurídico afectado, o risco da prática de factos ilícitos no protrair no tempo da consumação, independentemente de determinar se existe, em concreto, uma fonte normativa de um dever de fazer cessar a situação de compressão do bem jurídico, ou se tal dever se traduz ou pode derivar da própria actuação que, iniciando a consumação, afectou os valores protegidos em termos de só cessar por vontade do agente ou por intervenção de terceiros. Efectivamente, neste tipo de crimes, a respectiva execução perdura enquanto persiste a resolução criminosa do agente, a qual, em cada momento, e enquanto subsistir a acção delituosa levada a cabo, se reproduz e renova no facto típico, não sendo de olvidar que este crime foi praticado em co-autoria.
 
iv. Efectivamente, como se refere neste acórdão, em sede final, a um arguido só pode ser imputada a prática de um crime, de uma actuação ilícita, enquanto persistir, enquanto se mantiver a sua resolução criminosa.

a. No caso dos autos, essa persistência deverá então ser aferida, tendo em atenção um elemento factual incontestável: a circunstância de, no dia 4 de Agosto de 2008, ter sido dado início à Operação/Projecto César (através da qual a nova administração do Grupo SLN/BPN visou determinar o real perímetro de consolidação da SLN, bem como qual o propósito dos créditos concedidos a todas aquelas sociedades offshore) pois, independentemente do facto de os arguidos co-autores do crime se manterem ou não em funções no Grupo SLN/BPN ou do mesmo até já haverem anteriormente saído, a verdade é que, ainda que a resolução criminosa se mantivesse, não poderia ter reflexos em sede de manutenção da dita adulteração; isto é, cessou, nesse momento temporal o estado de antijuridicidade que até então se mantinha.

b. Assim, a cessação da consumação do ilícito (e é esse o momento temporal relevante em sede de crimes permanentes) só se verifica quando a situação de antijuridicidade (omissão que se prolonga no tempo, após a prática da última acção, do último acto de execução) cessa – vide, neste sentido, acórdão do T.R.L., processo 1373/2006-3, de 22-03-2006 e acórdão do TRP, processo 109/10.2TAPFR.P1, de 01-02-2012, consultáveis em dgsi.pt.

c. E, por tal razão, o prazo de prescrição só começa a correr a partir do momento em que se deu início à Operação/Projecto César, em 4 de Agosto de 2008, através da qual se visava determinar o real perímetro de consolidação da SLN, bem como qual o propósito dos créditos concedidos àquelas sociedades offshore porque, até essa data, por vontade de todos os arguidos, a situação de antijuridicidade foi mantida, nos termos previstos no artº 119 nº1 e nº2 al. a) do C.Penal.
Na verdade, é a partir desse momento temporal que esse estado antijurídico, assim mantido durante todo este período temporal pela vontade dos arguidos que o criaram, chega ao seu termo, passando a tornar-se visível o que até então encobriram e era apenas do seu conhecimento.

d. A prescrição do procedimento criminal traduz-se numa renúncia por parte do Estado a um direito, ao jus puniendi, condicionado pelo decurso de um certo lapso de tempo. Mas mostra-se essencial para que se possa, precisamente, assumir tal renúncia, que o Estado tenha conhecimento de que, efectivamente, um crime se verificou, pois é com a notícia do crime que se dá início ao procedimento criminal (vide artºs 241 e segs do C.P.Penal). 

v. Assim, o ilícito de falsificação agravada consumou-se no dia 4 de Agosto de 2008, relativamente aos arguidos JO…, JV…, LC… (pois a sua condenação por este ilícito engloba a factualidade que integra a elaboração e uso de contabilidade adulterada, cujo momento de consumação se mostra posterior ao da prática da factualidade relativa à escritura de mútuo Breslan/Plexpart), FS… e LR….
No que respeita à arguida IC…, o último acto de falsificação englobado na condenação por este ilícito é o relativo à escritura de mútuo Breslan/Plexpart, uma vez que neste âmbito não se lhe mostra imputada factualidade relativa à elaboração e uso de contabilidade adulterada, mas antes o cometimento de outros actos de falsificação, praticados em datas anteriores.
 
12. Assim, temos que, no que concerne ao crime de falsificação agravada, cometido pelos arguidos JO…, JV…, LC…, FS…, IC… e LR… (atenta a redacção da lei penal então vigente - Lei nº 59/2007, de 4.09, no que se reporta aos artigos relativos ao instituto da prescrição):

i. O crime é punível com pena de prisão de 6 meses a 5 anos ou com pena de multa (art. 256°, n.° 3 do C.Penal), sendo que o procedimento criminal se extingue, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do alegado crime tiver decorrido o prazo de 10 anos (art. 118°, n.° 1, al. b) do C.Penal).

ii. O prazo de prescrição do procedimento criminal suspendeu-se e interrompeu-se com a notificação de cada um dos arguidos da acusação (arts. 120°, n.° 1, al. b) e 121°, n.° 1, al. b) do C.P.), tendo-se igualmente interrompido com a sua constituição como tal (art. 121°, n.° 1, al. a) do mesmo diploma):
  Constituição de arguido e TIR:            Not. Acusação:
- JO…                                       20.11.2008                21.11.2009 
- JM…                                      10.11.2009                14.12.2009
- LC…                                      05.11.2009                24.11.2009 
- FS…                                       10.11.2009                14.12.2009 
- LAl…                                     28.10.2009                24.11.2009  
Data da Acusação: 21.11.2009 (vol. 22)
Data da pronúncia: 18.03.2010 (vol. 37)
Despacho de designação de dia para julgamento: 21.05.2010 (Vol. 39)
O julgamento começou no dia 15.12.2010 (Vol. 54)
O 1º acórdão proferido pelo tribunal “a quo” foi notificado e depositado em 24 de Maio de 2017.
O processo foi distribuído à presente relatora no dia 21 de Maio de 2018.
O 1º acórdão deste TRL foi prolatado em 26 de Setembro de 2018 (omissão de pronúncia).
O 2º acórdão proferido pelo tribunal “a quo” (suprimento do vício de omissão de pronúncia) foi notificado e depositado em 16 de Novembro de 2018.

iii. Por seu turno, prevê o art. 121°, n.° 3 do C.Penal que a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade, o que determina que, neste caso, a prescrição do procedimento criminal ocorra decorridos que se mostrem 18 anos a partir da data da consumação (prazo normal de prescrição: 10 anos + metade: 5 anos + período máximo da suspensão: 3 anos =18 anos).
Assim sendo, constata-se que o prazo de prescrição do procedimento criminal não se mostra findo (04.08.2008 +18=04.08.2026).

13. No que concerne ao crime de falsificação qualificada (mútuo Breslan/Plexpart), aplicável apenas relativamente à arguida IC… (pelas razões já supra referidas):

i. O crime é punível com pena de prisão de 6 meses a 5 anos ou com pena de multa (art. 256°, n.° 3 do C.Penal), sendo que o procedimento criminal se extingue, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do alegado crime tiver decorrido o prazo de 10 anos (art. 118°, n.° 1, al. b) do C.Penal).

ii. O prazo de prescrição do procedimento criminal suspendeu-se e interrompeu-se com a notificação à arguida da acusação (arts. 120°, n.° 1, al. b) e 121°, n.° 1, al. b) do C.P.), tendo-se igualmente interrompido com a sua constituição como tal (art. 121°, n.° 1, al. a) do mesmo diploma):

  Constituição de arguido e TIR:            Not. Acusação:
- IC…                                       6.11.2009                  24.11.2009  
Data da Acusação: 21.11.2009 (vol. 22)
Data da pronúncia: 18.03.2010 (vol. 37)
Despacho de designação de dia para julgamento: 21.05.2010 (Vol. 39)
O julgamento começou no dia 15.12.2010 (Vol. 54)
O 1º acórdão proferido pelo tribunal “a quo” foi notificado e depositado em 24 de Maio de 2017.
O processo foi distribuído à presente relatora no dia 21 de Maio de 2018.
O 1º acórdão deste TRL foi prolatado em 26 de Setembro de 2018 (omissão de pronúncia).
O 2º acórdão proferido pelo tribunal “a quo” (suprimento do vício de omissão de pronúncia) foi notificado e depositado em 16 de Novembro de 2018.

iii. Por seu turno, prevê o art. 121°, n.° 3 do C.Penal que a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade, o que determina que, neste caso, a prescrição do procedimento criminal ocorra decorridos que se mostrem 18 anos a partir da data de 16 de Maio de 2006 (prazo normal de prescrição: 10 anos + metade: 5 anos + período máximo da suspensão: 3 anos =18 anos).
Assim sendo, constata-se que o prazo de prescrição do procedimento criminal não se mostra findo (16.05.2006+18=16.05.2024)

14. Atento o que se deixa dito, conclui-se que o procedimento criminal pelos crimes de falsificação agravada imputados aos arguidos JO…, JV…, LC…, FS…, IC… e LR…, não se mostra prescrito.

B. Da prescrição, no que respeita ao crime de fraude fiscal qualificada (facturas falsas Labicer), imputado aos arguidos JO…, FS…, TB…, LF… e RD…:

1. Os factos que preenchem os elementos do tipo de tal ilícito constam todos da acusação e da pronúncia – oportuna e atempadamente notificada a todos os arguidos, incluindo o arguido FS…, nas datas acima mencionadas – pelo que tiveram todos os arguidos, a partir desses momentos temporais, perfeito conhecimento da actividade que lhes era imputada, o que implica estarem em plenas condições de se poderem defender.

2. No que respeita ao invocado pelo arguido FS…:

i. O exercício pleno do direito de defesa exige, num primeiro momento, que ao arguido seja dado conhecimento detalhado dos actos cuja prática lhe é imputada, pois é sobre essa concreta factualidade que assentará, num segundo momento, a aplicação do direito aos factos.
Por seu turno, tem igualmente o arguido direito, para poder exercer plenamente o seu direito à defesa, a ter conhecimento de qual o enquadramento jurídico de tais factos.
No caso dos autos, o arguido FS… tomou conhecimento dos factos imputados ao ser notificado da acusação e, posteriormente, da pronúncia e, por virtude do cumprimento do disposto no artº 358 do C.Penal, pelo tribunal “a quo”, foi-lhe igualmente dado a conhecer o novo enquadramento jurídico desses factos, assim se assegurando plenamente o seu direito à defesa (vide neste acórdão IV. Fundamentação §§, B. Da nulidade da sentença, na parte em que nos debruçámos sobre as nulidades imputadas pelo arguido ao acórdão proferido pelo tribunal “a quo”).

ii. Ora, é a própria lei que literal e imperativamente determina, no artº 119 do C.Penal, quando é que se inicia o prazo de contagem da prescrição.
E esse prazo inicia-se, como aí se mostra expressamente determinado, a partir do dia em que o facto se tiver consumado.
Assim, a contagem do prazo prescricional, para efeitos de procedimento criminal, a partir do dia em que o facto criminoso se consumou, é algo que decorre da lei, não resultando de qualquer interpretação normativa – é um comando imperativo legal.
 E daí que a interpretação normativa, cuja inconstitucionalidade o arguido afirma, não se verifique.

iii. Não assiste pois razão ao arguido FS… no que alega, já que a mera circunstância de ter havido lugar a uma alteração da qualificação jurídica, em sede decisória, face à que constava na pronúncia, não adita ou altera que os factos que preenchem o ilícito de fraude fiscal pelo qual foi condenado, estivessem já todos inseridos quer no texto acusatório, quer na pronúncia, tendo sido notificado do seu teor nos momentos temporais que infra se enunciarão, sendo certo que a contagem do prazo terá de ser realizada – como manda a lei - a partir do momento da sua consumação; ou seja, o que releva, para efeitos de contagem do início de prazo de prescrição do procedimento criminal são os factos imputados e não a qualificação jurídica (que só terá protagonismo em sede de apuramento de qual o prazo a contar, atenta a moldura penal, mas não de qual o momento do início dessa contagem).

3. Por seu turno, no que concerne à argumentação que os arguidos LA… e RC… avançam, a respeito dos artºs 45 nº1 e 21 nº3 do RGIT, que entendem ter relevância para efeito de contagem do prazo de prescrição, é patente não lhes assistir razão, pelos fundamentos que já deixámos consignados a propósito dessa mesmíssima questão, no âmbito do recurso interlocutório interposto pelo arguido RJ…, remetendo-se, por razões de mera economia processual, para o que aí se mostra exarado a esse respeito (vide supra, decisão do recurso interlocutório nº3), que aqui se dá por reproduzido.
Assim, em síntese apertada dir-se-á que a tese avançada por estes arguidos – de depender tal infracção de liquidação e, consequentemente, sendo os actos imputados reportados a 28 de Março e 8 de Maio de 2003, a prescrição do procedimento criminal ter ocorrido em 8 de Maio de 2007 (por o prazo de prescrição do procedimento criminal ser reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária, quando dependente desta) – não obteve provimento, uma vez que, nas palavras do acórdão do STJ que aí transcrevemos, há uma total autonomia entre a obrigação tributária e a responsabilidade penal tributária, ainda quando fundadas na mesma situação de facto tributariamente relevante”. Sendo assim, dum ponto de vista penal, o apuramento da situação tributária apenas se mostrará necessário para efeitos de avaliação da relevância típica da conduta e de uma circunstância de fundamental importância para a determinação da medida concreta da pena aplicável), independentemente dos actos tributários de liquidação e de cobrança do imposto.”.

4. No que concerne ao invocado pelo arguido JMo…, a alegação de prescrição que suscita parte do pressuposto de que a matéria fáctica seria alterada, pelo que não resultariam preenchidos os elementos do tipo relativos ao crime de abuso de confiança que lhe é imputado, mas antes e tão-somente, um crime de fraude fiscal (factualidade relativa à Groundsel).
Como infra se referirá, a factualidade apurada não integra o crime de fraude fiscal, mas sim de abuso de confiança, razão pela qual, neste segmento, nada há quanto a si a decidir.

5. Assim, passamos à apreciação da questão de prescrição suscitada, remetendo para a próxima secção deste acórdão (vide, de seguida, §§ Do preenchimento dos tipos de ilícitos…) a análise das restantes críticas que os arguidos dirigem ao decidido, uma vez que, conforme se constatará pela sua leitura, se entende que os elementos constitutivos do tipo deste ilícito de fraude fiscal se mostram preenchidos.

6. O crime de fraude fiscal é punível com pena de prisão de 1 a 5 anos (arts. 103°, n.° 1, als. a) e c) e 104°, n.° 2, al. a) do RGIT, na redacção vigente à data da prática dos factos – Lei nº 15/2001, de 5.6), sendo que o procedimento criminal se extingue, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do alegado crime tiver decorrido o prazo de 10 anos (art. 118°, n.° 1, al. b) do C.Penal).
O crime consumou-se em 28 de Março de 2003, data da emissão das facturas.

7. O prazo de prescrição do procedimento criminal suspendeu-se e interrompeu-se com a notificação de cada um dos arguidos da acusação (arts. 120°, n.° 1, al. b) e 121°, n.° 1, al. b) do C.P.), tendo-se igualmente interrompido com a sua constituição como tal (art. 121°, n.° 1, al. a) do mesmo diploma):
           Constituição de arguido e TIR               Not. Acusação:

- JO…                                       20.11.2008                21.11.2009 
- FS…                                       10.11.2009                14.12.2009 
- TR…                                       1.10.2009                  31.12.2009 
- LA…                                       10.11.2009                04.12.2009  
- RC…                                       16.11.2009                07.12.2009  
Data da Acusação: 21.11.2009 (vol. 22)
Data da pronúncia: 18.03.2010 (vol. 37)
Despacho de designação de dia para julgamento: 21.05.2010 (Vol. 39)
O julgamento começou no dia 15.12.2010 (Vol. 54)
O 1º acórdão proferido pelo tribunal “a quo” foi notificado e depositado em 24 de Maio de 2017.
O processo foi distribuído à presente relatora no dia 21 de Maio de 2018.
O 1º acórdão deste TRL foi prolatado em 26 de Setembro de 2018 (omissão de pronúncia).
O 2º acórdão proferido pelo tribunal “a quo” (suprimento do vício de omissão de pronúncia) foi notificado e depositado em 16 de Novembro de 2018.

8. Por seu turno, prevê o art. 121°, n.° 3 do C.Penal que a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade, o que determina que, neste caso, a prescrição do procedimento criminal ocorra decorridos que se mostrem 18 anos a partir da data de 28 de Março de 2003 (prazo normal de prescrição: 10 anos + metade: 5 anos + período máximo da suspensão: 3 anos =18 anos/ 18.03.2021).
Assim sendo, constata-se que o prazo de prescrição do procedimento criminal não se mostra findo.

9. Atento o que se deixa dito, conclui-se que o procedimento criminal pelo crime de fraude fiscal qualificada imputado aos arguidos JO…, FS…, TB…, LF… e RD… não se mostra prescrito.

C. Da prescrição, no que respeita ao crime de fraude fiscal, imputado aos arguidos JO… e FB… (casa das Sesmarias).

1. Pela mesma ordem de razões, atendendo à data da prática do crime de fraude fiscal agravada (casa das Sesmarias) cometido pelos arguidos JO… e FB…, haverá que constatar que, tendo a escritura de aquisição sido celebrada em 11.12.2002 e sendo esse um ilícito de execução instantânea, este consumou-se nesse dia, o que determina que, neste caso, a prescrição do procedimento criminal ocorra decorridos que se mostrem 18 anos a partir da data de 11.12.2002 (prazo normal de prescrição: 10 anos + metade: 5 anos + período máximo da suspensão: 3 anos = 18 anos/ 11.12.2020).
Não se mostra decorrido o prazo de prescrição.

D. Da prescrição, no que respeita ao procedimento criminal respeitante aos crimes de burla agravada (arguidos JO…, JV…, LC…, FS…, LM…, LAl…, IC…, TB…, RO… e RD…).
 
Ponto prévio:
a. Nesta secção cuidaremos apenas da questão relativa à determinação da data de consumação destes ilícitos, por duas ordens de razões:
Porque nesta sede – apreciação da questão da prescrição - é esse o momento que releva para efeitos da sua análise;
Porque as críticas que os recorrentes dirigem, no que respeita ao não preenchimento dos elementos constitutivos de tais ilícitos, bem como quanto à sua natureza (que serão abordados infra, em §§ deste capítulo), não irão merecer provimento.
b. Haverá que distinguir, nesta sede, entre os arguidos que actuaram em conjunto e aqueles que o fizeram isoladamente.

Apreciando no que respeita ao crime de burla agravada.

1. No que concerne ao arguido RD…, constata-se que o crime de burla pelo qual foi condenado foi por si isoladamente cometido, referindo-se à questão relativa à Adicais/Sogipart.
Este ilícito consumou-se em 9 de Setembro de 2008 (vide facto 921).
Será pois esse o momento relevante para efeitos de contagem do prazo prescricional.

2. No que se refere a todos os restantes arguidos (JO…, JV…, LC…, FS…, LM…, LAl…, IC…, TB… e RO…), constata-se que o crime de burla pelo qual foram condenados foi cometido em actuação conjunta (embora, como infra se referirá e supra já se mencionou, a propósito do arguido RO…, nem todos os actos de execução tenham sido por todos estes arguidos praticados, relativamente a cada um dos incidentes propostos).

3. Não obstante, como infra igualmente melhor se explanará, entende-se que o crime de burla agravada que cada um deles cometeu se deve considerar como um crime de execução continuada, enquadrável na figura jurídica do crime permanente.

4. Assim, a um arguido só pode ser imputada a prática de um crime, de uma actuação ilícita, enquanto persistir, enquanto se mantiver a sua resolução criminosa, precisamente porque o que se analisa é o risco da prática de factos ilícitos no protrair no tempo da consumação.

5. No caso dos autos, essa persistência deverá então ser aferida, tendo em atenção um elemento factual incontestável: a circunstância de, no dia 4 de Agosto de 2008, ter sido dado início à Operação/Projecto César (através da qual a nova administração do Grupo SLN/BPN visava determinar o real perímetro de consolidação da SLN, bem como qual o propósito dos créditos concedidos a sociedades offshore) pois, independentemente do facto de os arguidos co-autores do crime se manterem ou não em funções no Grupo SLN/BPN ou do mesmo até já haverem anteriormente saído, a verdade é que, ainda que a resolução criminosa se mantivesse, não poderia ter reflexos em sede de manutenção da encenação que permitiu o encobrimento da actividade ilícita que prosseguiram nesta sede; isto é, cessou, nesse momento temporal o estado de antijuridicidade que até então se mantinha.

6. Assim, a cessação da consumação do ilícito (e é esse o momento temporal relevante em sede de crimes permanentes) só se verifica quando a situação de antijuridicidade (omissão que se prolonga no tempo, após a prática da última acção, do último acto de execução) cessa – vide, neste sentido, acórdão do T.R.L., processo 1373/2006-3, de 22-03-2006 e acórdão do TRP, processo 109/10.2TAPFR.P1, de 01-02-2012, consultáveis em dgsi.pt.

7. E, por tal razão, o prazo de prescrição só começa a correr a partir do momento em que se deu início à Operação/Projecto César, em 4 de Agosto de 2008 (atento o disposto no artº 119 nº1 e nº2 al. a) do C.Penal) através da qual se visava determinar o real perímetro de consolidação da SLN, bem como qual o propósito dos créditos concedidos a estas sociedades offshore porque, até essa data, por vontade de todos os arguidos, a situação de antijuridicidade foi mantida

8. Na verdade, é a partir desse momento temporal que esse estado antijurídico, assim mantido durante todo este período temporal pela vontade dos arguidos que o criaram, chega ao seu termo, passando a tornar-se visível o que até então encobriram e era apenas do seu conhecimento; isto é, é nesse momento temporal que a encenação montada, o encobrimento de cada um dos actos de execução que permitiu a obtenção de benefícios pelos arguidos em prejuízo de outrem, cessa.

9. A prescrição do procedimento criminal traduz-se numa renúncia por parte do Estado a um direito, ao jus puniendi, condicionado pelo decurso de um certo lapso de tempo. Mas mostra-se essencial para que se possa concluir que ocorre essa renúncia, que o Estado tenha conhecimento de que, efectivamente, um crime foi praticado (note-se, aliás, que é com a notícia do crime - com a informação dada aos órgãos jurisdicionais competentes de que ele existe – que se dá início ao procedimento criminal, como determina o artº 241 e segs do C.P.Penal). Se o Estado ignora que existe algo de ilícito, como é que pode renunciar a punir o que desconhece?

10. Assim, o ilícito de burla agravada consumou-se no dia 4 de Agosto de 2008, relativamente aos arguidos JO…, JV…, LC…, FS…, LM…, LAl…, IC…, TB… e RO….

11. O crime de burla qualificada é punível com pena de prisão de 2 a 8 anos (artºs 217 e 218 nº 1 e nº2 al. a), do C.Penal), sendo que o procedimento criminal se extingue, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do alegado crime tiver decorrido o prazo de 10 anos (art. 118°, n.° 1, al. b) do C.Penal).
O crime consumou-se em 04.08.2008 (artº 119 nº1 e nº2 al. a) do C.Penal), no que se refere a todos os indicados arguidos, com excepção do arguido RC…. No que a este se refere, o crime consumou-se em 09.09.2008.

12. O prazo de prescrição do procedimento criminal suspendeu-se e interrompeu-se com a notificação de cada um dos arguidos da acusação (arts. 120°, n.° 1, al. b) e 121°, n.° 1, al. b) do C.P.), tendo-se igualmente interrompido com a sua constituição como tal (art. 121°, n.° 1, al. a) do mesmo diploma - no que se reporta aos artigos relativos ao instituto da prescrição atender-se-á à redacção vigente à data da consumação do ilícito):
           Constituição de arguido e TIR               Not. Acusação:

1. JO…                                       20.11.2008                  21.11.2009 
2. JM…                                       10.11.2009                  14.12.2009
3. LC…                                       5.11.2009                    24.11.2009 
4. FS…                                       10.11.2009                  14.12.2009 
5. LM…                                      28.10.2009                  23.11.2009  
6. LAl…                                     28.10.2009                  24.11.2009  
7. IC…                                        6.11.2009                    24.11.2009  
8. TR…                                       1.10.2009                    31.12.2009 
9. RO…                                      07.07.2009                  16.12.2009  
10. RC…                                     16.11.2009                  07.12.2009  
Data da Acusação: 21.11.2009 (vol. 22)
Data da pronúncia: 18.03.2010 (vol. 37)
Despacho de designação de dia para julgamento: 21.05.2010 (Vol. 39)
O julgamento começou no dia 15.12.2010 (Vol. 54)
O 1º acórdão proferido pelo tribunal “a quo” foi notificado e depositado em 24 de Maio de 2017.
O processo foi distribuído à presente relatora no dia 21 de Maio de 2018.
O 1º acórdão deste TRL foi prolatado em 26 de Setembro de 2018 (omissão de pronúncia).
O 2º acórdão proferido pelo tribunal “a quo” (suprimento do vício de omissão de pronúncia) foi notificado e depositado em 16 de Novembro de 2018.

13. Por seu turno, prevê o art. 121°, n.° 3 do C.Penal que a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade, o que determina que, neste caso, a prescrição do procedimento criminal ocorra decorridos que se mostrem 18 anos a partir das datas respectivamente de 4 de Agosto de 2008 e de 9 de Setembro de 2008 (prazo normal de prescrição: 10 anos + metade: 5 anos + período máximo da suspensão: 3 anos =18 anos/ 04.08.2026//09.09.2026).

14. Atento o que se deixa dito, conclui-se que o procedimento criminal pelo crime de burla qualificada imputado aos arguidos JO…, JV…, LC…, FS…, LM…, LAl…, IC…, TB…, RO… e RD… não se mostra prescrito.

E. Da prescrição nos crimes de abuso de confiança agravado (arguidos JO…, JV…, LC…, TB… e JMo…).

Ponto prévio:
Nesta secção cuidaremos apenas da questão relativa à determinação da data de consumação destes ilícitos, por duas ordens de razões:
Porque nesta sede – apreciação da questão da prescrição - é esse o momento que releva para efeitos da sua análise;
Porque as críticas que os recorrentes dirigem, no que respeita ao não preenchimento dos elementos constitutivos de tais ilícitos, bem como quanto à sua natureza (que serão abordados infra, em §§ deste capítulo), não irão merecer provimento.

Apreciando no que respeita ao crime de abuso de confiança agravado.

1. Cada um dos crimes que os arguidos JO…, JM…, LC…, TR… e JMo… praticaram mostraram-se de passível execução, por virtude do facto de, no momento em que cada um deles foi cometido, os arguidos deterem uma posição fiduciária, relativamente a sociedades que pertenciam ao Grupo SLN/BPN e que pelo mesmo eram financiadas.
Por seu turno, que tal era o caso, era matéria de desconhecimento público, uma vez que essa relação de fidúcia era mantida encoberta do próprio Grupo – isto é, o Grupo desconhecia que aquelas entidades em relação às quais cada um dos arguidos procedeu à apropriação em seu benefício, de quantitativos monetários, a si lhe pertencia e por si se mostrava financiada.

2. Assim, também quanto a estes ilícitos se terá de entender que, independentemente da data em que os actos de execução foram praticados por cada um dos arguidos, à acção se seguiu uma omissão, que manteve a situação de antijuridicidade criada, que resultou da vontade dos agentes.

3. Por tal razão, as considerações que supra e infra se realizarão a propósito desta tipologia criminal – crime de execução continuada, enquadrável na figura do crime permanente – mostram-se nesta sede aplicáveis, para as mesmas se remetendo, por meras razões de economia processual.

4. A única excepção ao que acaba de se afirmar refere-se ao arguido JMo… e ao episódio relativo à apropriação de fundos da sociedade Partenon (factos provados 668 a 685) uma vez que, embora a entidade Groundsell (pertencente ao universo SLN/BPN) tenha sido usada no esquema, não foi ela a lesada – isto é, o arguido não se apropriou de quantias monetárias pertencentes ao Grupo SLN/BPN, antes o fez em relação a uma sociedade que, à data, era estranha a esse Grupo e da qual era sócio (só mais tarde o Grupo veio a adquirir a dita sociedade).

4. Assim, os ilícitos de abuso de confiança agravado imputados aos arguidos (com excepção do relativo à Partenon) cessaram a sua consumação no dia 4 de Agosto de 2008, data de início da Operação/Projecto César, através da qual a nova administração do Grupo SLN/BPN visava determinar o real perímetro de consolidação da SLN, bem como qual o propósito dos créditos concedidos a sociedades offshore.

5. O crime de abuso de confiança qualificado é punível com pena de prisão de 1 a 8 anos de prisão (artº 205 nº 1, nº 4 al. b) e nº 5, do C.Penal), sendo que o procedimento criminal se extingue, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do alegado crime tiver decorrido o prazo de 10 anos (art. 118°, n.° 1, al. b) do C.Penal).
O crime consumou-se em 04.08.2008 (artº 119 nº1 e nº2 al. a) do C.Penal), no que se refere a todos os indicados arguidos, com excepção de um dos crimes imputados ao arguido JMo….

6. O prazo de prescrição do procedimento criminal suspendeu-se e interrompeu-se com a notificação de cada um dos arguidos da acusação (arts. 120°, n.° 1, al. b) e 121°, n.° 1, al. b) do C.P.), tendo-se igualmente interrompido com a sua constituição como tal (art. 121°, n.° 1, al. a) do mesmo diploma - no que se reporta aos artigos relativos ao instituto da prescrição atender-se-á à redacção vigente à data da consumação do ilícito):
           Constituição de arguido e TIR               Not. Acusação:

1. JO…                                       20.11.2008                  21.11.2009 
2. JM…                                       10.11.2009                  14.12.2009
3. LC…                                       5.11.2009                    24.11.2009 
4. JMo…                                     30.10.2009                  25.11.2009 
5. TR…                                       1.10.2009                    31.12.2009 
 
Data da Acusação: 21.11.2009 (vol. 22)
Data da pronúncia: 18.03.2010 (vol. 37)
Despacho de designação de dia para julgamento: 21.05.2010 (Vol. 39)
O julgamento começou no dia 15.12.2010 (Vol. 54)
O 1º acórdão proferido pelo tribunal “a quo” foi notificado e depositado em 24 de Maio de 2017.
O processo foi distribuído à presente relatora no dia 21 de Maio de 2018.
O 1º acórdão deste TRL foi prolatado em 26 de Setembro de 2018 (omissão de pronúncia).
O 2º acórdão proferido pelo tribunal “a quo” (suprimento do vício de omissão de pronúncia) foi notificado e depositado em 16 de Novembro de 2018.

7. Por seu turno, prevê o art. 121°, n.° 3 do C.Penal que a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade, o que determina que, neste caso, a prescrição do procedimento criminal ocorra decorridos que se mostrem 18 anos a partir da data de 4 de Agosto de 2008 (prazo normal de prescrição: 10 anos + metade: 5 anos + período máximo da suspensão: 3 anos =18 anos/ 04.08.2026).
Assim, não se mostra decorrido o prazo de prescrição.

8. No que se refere ao crime de abuso de confiança relativo à Partenon:

a. Ao arguido JMo… era imputada a prática de um crime de abuso de confiança agravado, relativo às quantias de que se apropriou utilizando a entidade Groundsel (factos provados 668 a 685).
A subsunção jurídica realizada pelo tribunal “a quo” a propósito deste crime está correcta, remetendo-se para a mesma, por razões de economia processual.
Este crime consumou-se no dia 8 de Maio de 2000, data em que ocorreu a última transferência de fundos para a conta pessoal do arguido (facto provado 681). Os montantes alvo de apreciação pertenciam à Partenon, sociedade à data não pertencente ao Grupo SLN/BPN.

b. O crime é punível com pena de prisão de 1 a 8 anos (artº. 205 nº1, nº 4 e nº 5 do C.Penal), sendo que o procedimento criminal se extingue, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do alegado crime tiver decorrido o prazo de 10 anos (art. 118°, n.° 1, al. b) do C.Penal).

c. O prazo de prescrição do procedimento criminal suspendeu-se e interrompeu-se com a notificação ao arguido da acusação (arts. 120°, n.° 1, al. b) e 121°, n.° 1, al. b) do C.P.), tendo-se igualmente interrompido com a sua constituição como tal (art. 121°, n.° 1, al. a) do mesmo diploma):
  Constituição de arguido e TIR:            Not. Acusação:
- JMo…                                      30.10.2009                  25.11.2009 

Data da Acusação: 21.11.2009 (vol. 22)
Data da pronúncia: 18.03.2010 (vol. 37)
Despacho de designação de dia para julgamento: 21.05.2010 (Vol. 39)
O julgamento começou no dia 15.12.2010 (Vol. 54)
O 1º acórdão proferido pelo tribunal “a quo” foi notificado e depositado em 24 de Maio de 2017.
O processo foi distribuído à presente relatora no dia 21 de Maio de 2018.
O 1º acórdão deste TRL foi prolatado em 26 de Setembro de 2018 (omissão de pronúncia).
O 2º acórdão proferido pelo tribunal “a quo” (suprimento do vício de omissão de pronúncia) foi notificado e depositado em 16 de Novembro de 2018.

d. Por seu turno, prevê o art. 121°, n.° 3 do C.Penal que a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade, o que determina que, neste caso, a prescrição do procedimento criminal ocorra decorridos que se mostrem 18 anos a partir da data de 8 de Maio de 2000 (prazo normal de prescrição: 10 anos + metade: 5 anos + período máximo da suspensão: 3 anos =18 anos).
Mostra-se assim já decorrido o prazo de prescrição do procedimento criminal.

9. Em síntese final, e no que se refere aos crimes de abuso de confiança imputados aos arguidos:
a. O procedimento criminal pelos crimes de abuso de confiança qualificado imputados aos arguidos JO…, JV…, LC…, TB… e JMo… (no segmento relativo à factualidade constante nos factos provados 519 a 538) não se mostra prescrito.
b. O procedimento criminal pela prática do crime de abuso de confiança imputado ao arguido JMo… (relativo ao segmento factual constante nos pontos 668 a 685) encontra-se prescrito, o que determina que a decisão relativa à imposição da pena que este a título foi determinada pelo tribunal “a quo”, tenha de ser revogada (vide infra neste acórdão).

F. Da prescrição do crime de branqueamento de capitais.

1. O crime de branqueamento de capitais é punível com pena de prisão de 2 a 12 anos (artºs 368-A, nº1 e nº2, do C.Penal), sendo que o procedimento criminal se extingue, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do alegado crime tiver decorrido o prazo de 15 anos (art. 118°, n.° 1, al. b) do C.Penal).
O crime consumou-se em 11 de Março de 2009 (vide facto provado 891).

2. O prazo de prescrição do procedimento criminal suspendeu-se e interrompeu-se com a notificação de cada um dos arguidos da acusação (arts. 120°, n.° 1, al. b) e 121°, n.° 1, al. b) do C.P.), tendo-se igualmente interrompido com a sua constituição como tal (art. 121°, n.° 1, al. a) do mesmo diploma - no que se reporta aos artigos relativos ao instituto da prescrição atender-se-á à redacção vigente à data da consumação do ilícito):
           Constituição de arguido e TIR               Not. Acusação:

1. JO…                                       20.11.2008                  21.11.2009 

Data da Acusação: 21.11.2009 (vol. 22)
Data da pronúncia: 18.03.2010 (vol. 37)
Despacho de designação de dia para julgamento: 21.05.2010 (Vol. 39)
O julgamento começou no dia 15.12.2010 (Vol. 54)
O 1º acórdão proferido pelo tribunal “a quo” foi notificado e depositado em 24 de Maio de 2017.
O processo foi distribuído à presente relatora no dia 21 de Maio de 2018.
O 1º acórdão deste TRL foi prolatado em 26 de Setembro de 2018 (omissão de pronúncia).
O 2º acórdão proferido pelo tribunal “a quo” (suprimento do vício de omissão de pronúncia) foi notificado e depositado em 16 de Novembro de 2018.

3. Por seu turno, prevê o art. 121°, n.° 3 do C.Penal que a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade, o que determina que, neste caso, a prescrição do procedimento criminal ocorra decorridos que se mostrem 25 anos e 6 meses a partir da data de 11 de Março de 2009 (prazo normal de prescrição: 15 anos + metade: 7 anos e 6 meses + período máximo da suspensão: 3 anos =25 anos e 6 meses).
É manifesto que não se mostra decorrido tal período temporal.

4. Atento o que se deixa dito, conclui-se que o procedimento criminal pelo crime de branqueamento de capitais imputado ao arguido JO… não se mostra prescrito.

§§ Do preenchimento do tipo nos crimes de fraude fiscal, de abuso de confiança, de burla e de branqueamento de capitais. Do perdimento de valores a favor do Estado.

Ponto prévio:
Nesta secção não abordaremos especificadamente, por já analisados (vide capítulo H. da Fundamentação deste acórdão) os crimes de fraude fiscal agravada, relativos à casa das Sesmarias (arguidos JO… e FN…), de abuso de confiança agravado (arguido LC…) e de burla qualificada (arguido RO…).
A. Do crime de fraude fiscal qualificada.

1. Foram condenados pelo tribunal “a quo”, pela prática deste tipo de crime, p. e p. pelos artºs 103 nº1 als. a) e c) e 104 nº2 al. a), do RGIT, os seguintes arguidos:
. Arguido JO… (factos provados 733 a 752, 943, 944, 951 e 958);
. Arguido FS… (factos provados 733 a 752, 944, 951 e 958);
. Arguido TB… (factos provados 733 a 752, 944, 951 e 958);
. Arguido LA… (factos provados 733 a 752, 944, 951 e 958);
. Arguido RD… (factos provados 733 a 752, 944, 951 e 958).

2.
i. À data da prática dos factos, a Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho (REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS) tinha a seguinte redacção, no que se refere aos seus artºs 103 e 104:
Crimes fiscais
Artigo 103.º
Fraude
1 - Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. A fraude fiscal pode ter lugar por:
a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável;
b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária;
c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas.
2 - Os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a (euro) 7500.
3 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.
Artigo 104.º
Fraude qualificada
1 - Os factos previstos no artigo anterior são puníveis com prisão de um a cinco anos para as pessoas singulares e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas quando se verificar a acumulação de mais de uma das seguintes circunstâncias:
(…)
2 - A mesma pena é aplicável quando a fraude tiver lugar mediante a utilização de facturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes ou por valores diferentes ou ainda com a intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação subjacente.
3 - Os factos previstos nas alíneas d) e e) do n.º 1 do presente preceito com o fim definido no n.º 1 do artigo 103.º não são puníveis autonomamente, salvo se pena mais grave lhes couber.

ii. Tais preceitos têm presentemente a seguinte redacção:
a. No que se refere ao artº 103, por virtude da Lei n.º 60-A/2005, de 30/12, o valor constante no seu nº3 passou de 7.500 euros para 15.000 euros;
b. E, no que concerne ao artº 104 do RGIT, por virtude das alterações introduzidas pela Lei n.º 64-B/2011, de 30/12, os seus nºs 2 e 3 passaram a ter a seguinte redacção (sendo que o nº3 passou a nº4):
2 - A mesma pena é aplicável quando:
a) A fraude tiver lugar mediante a utilização de facturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes ou por valores diferentes ou ainda com a intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação subjacente; ou
b) A vantagem patrimonial for de valor superior a (euro) 50 000.
(…)
 
iii. Pese embora se verifique, quanto às alterações acima referidas, uma sucessão de leis penais no tempo, a verdade é que, face ao caso presente, não se mostra necessário – quanto a estas – o recurso ao disposto no artº 2.º, n.º 4, do Código Penal, pela simples razão de que a redacção actual das alíneas pelas quais os recorrentes vinham pronunciados não se mostrarem, em concreto, mais favoráveis aos arguidos.

iv. Na verdade, em sede de pronúncia, é imputada a prática a estes cinco arguidos do crime de fraude fiscal agravada, por se mostrarem preenchidos os requisitos previstos nos artºs 103 nº1 al. a) e c) e 104 nº2 do RGIT.
Como se constata pela resenha acabada de expor, quer à data da prática dos factos, quer presentemente, a única alteração que poderia ter relevo reporta-se à condição objectiva de punibilidade, que passou de € 7.500,00 para € 15.000,00. Sendo o benefício imputado aos arguidos superior a ambos os valores (mais de € 80.000,00, mas inferior a € 200.000,00, pelo que também não é abrangido pela nova circunstância qualificativa agravante decorrente da alteração legislativa posterior), esta modificação não tem qualquer peso na apreciação a realizar.
Por seu turno, a única alteração, em sede da parametrização da circunstância qualificativa agravante pela qual vinham pronunciados, resume-se à sua inserção como al. a) (porque foi aditada uma nova alínea ao nº 2 do artº 104), tendo sido mantido o texto original.

3. Prosseguindo.
Como se constata pela súmula supra, a factualidade que determinou a condenação destes cinco arguidos pela prática deste crime, mostra-se exarada nos factos provados 733 a 752 (a que acrescem os factos relativos à imputação subjectiva) e reporta-se, em breve síntese, à emissão de duas facturas falsas, pelo BPN, cujo valor foi pago pela Labicer e que determinou um benefício de cerca de € 80.000,00, em sede de IVA.
Aí se descreve, sinteticamente, o seguinte:
O arguido TR… assumiu (com a concordância do arguido JO…) a negociação com proprietários rurais, tendo em vista a aquisição de um conjunto de prédios rústicos, que viriam a ser posteriormente unificados e utilizados pela Labicer, para efeitos de implantação da sua unidade industrial.
Esses terrenos foram pagos por valores superiores aos que constaram nas escrituras respectivas.
A Labicer pagou a aquisição dos valores de tais terrenos, declarados nas escrituras, no montante de € 572.900,00;
Para a realização dos pagamentos não declarados, os arguidos TR…, FS… e JO… movimentaram a débito a conta da Jared Finance, junto do Banco Insular, pelo montante de € 426.965,00.
Porém, o arguido JO… entendeu que a Labicer devia suportar a totalidade dos pagamentos, pelo que, em conjunto com o arguido FS… e com o arguido TR…, concebeu uma forma de forjar uma justificação para a Labicer realizar um pagamento que pudesse compensar o montante adiantado pela Jared.
Foi assim que, por acordo dos três, foram emitidas pelo BPN as facturas 2160 e 2161, com data de 28.3.2003, dirigidas à Labicer.
Tais facturas não correspondiam a serviços efectivamente prestados, tendo os arguidos feito produzir as mesmas com um montante total, sem IVA, de € 426.965,00, correspondente à importância sacada sobre a conta da JARED no Banco Insular.
Os arguidos LA… e RC… sabiam que essas facturas não correspondiam a serviços reais e que se destinavam a compensar o BPN pelo financiamento, através da Jared, da aquisição dos terrenos.
Não obstante, os arguidos TR…, LA… e RC… determinaram o seu pagamento ao BPN.
As mesmas facturas foram contabilizadas, por determinação dos arguidos administradores da Labicer, i.e., os arguidos TR…, LA… e RC…, como imobilizado incorpóreo, sendo consideradas despesas de implementação das sociedades, as quais só viriam a gerar o dever de amortizar três anos depois.
Acresce que, os mesmos administradores fizeram a Labicer deduzir o IVA pago nas facturas, no montante de € 81.123,35, sabendo ainda que a sociedade era beneficiária do referido crédito de imposto.
Os arguidos agiram em conjugação de esforços, fazendo contabilizar e pagar pela Labicer, documentos que sabiam não corresponderem à verdade, de forma a gerar vantagens em sede fiscal, actuação esta livre e conscientemente querida, com plena consciência de tais condutas serem proibidas e punidas por lei.
 
4. Em sede decisória, afirmou a este propósito o tribunal “a quo”:
Daqui resulta:
As facturas foram integradas na contabilidade da Labicer.
Isto é, verificou-se uma “alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração”, bem como da “declaração apresentada ou prestada a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável” (art. 103º, n.º 1, al. a) do RGIT).
Ocorreu, sem dúvida alguma, um negócio simulado quanto ao valor e natureza (art. 103º, n.º 1, al. c) do RGIT) que visou a “obtenção indevida de benefícios fiscais”.
A vantagem patrimonial obtida (€ 81.123,35) é superior a € 15.000,00 (art. 103º, n.º 2 do RGIT).
A nível subjectivo, também se mostra claro que está verificado o dolo, directo, uma vez que o arguido OC… actuou com o propósito de obter vantagens fiscais para terceiros através da utilização de documentos que fez produzir e sem correspondência com a realidade e com relevância fiscal.
Por sua vez, o arguido FS… agiu ainda com o propósito de, em conjugação com os arguidos OC…, TR…, LF… e RD…, fazer gerar vantagens fiscais através do forjar de documentos e do viciar de registos contabilísticos e de pagamentos;
Todos actuaram deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida por lei.
Quanto à imputação pela fraude fiscal qualificada (art. 104º, n.º 2 do RGIT):
Sem dúvida que está verificada, uma vez que a fraude teve lugar “mediante a utilização de facturas (...) por operações inexistentes”.
Com efeito, estamos perante um caso de simulação absoluta na medida que as facturas não correspondiam a quaisquer serviços prestados.
Refira-se ainda que o crime de fraude fiscal é um crime comum, porquanto o art. 103° não delimita, expressamente, muito menos restringe a autoria dos modos de acção típica à qualidade de contribuinte ou de sujeito passivo da relação jurídica tributária, antes se afigurando que qualquer pessoa, isoladamente ou em comparticipação criminosa poderá cometer este crime (v. neste sentido, Isabel Marques da Silva, Regime Geral das Infracções Tributárias, Cadernos IDEFF, n.05, 2.ª edição, p. 157 e 158; Nuno Pombo, A fraude fiscal - a norma incriminadora, a simulação e outras reflexões, Almedina, 2007, pp. 56 e segs; Acs. da Relação de Coimbra de 04.05.2011 e de 12.09.2012 e da Relação de Guimarães de 28.05.2012, todos in www.dgsi.pt).
Face ao exposto, estando verificados todos os seus elementos objectivos e subjectivos, devem os arguidos OC…, FS…, TR…, LA… e RC… ser condenados pela prática de um crime fraude fiscal qualificada, p. e p. nos arts. 103°, n.°s 1, als. a) e c) e 104°, n.° 2 do RGIT.

5. Os fundamentos que os recorrentes avançam de crítica ao decidido resumem-se nos seguintes termos:
a. As facturas não são falsas, pois correspondiam à prestação de serviços efectivamente prestados; não há prova de ter o arguido LA… determinado o pagamento das facturas; o arguido RC… não sabia que as facturas eram falsas.
b. Não foi o arguido JO… que decidiu que o IVA em causa deveria ser deduzido, ou seja, que o IVA suportado pela Labicer com aquelas duas facturas deveria ser integrado na declaração periódica de IVA da Labicer e seria nessa concreta decisão e acto que se teria concretizado o crime da alegada fraude fiscal. Assim, a matéria de facto é insuficiente para imputar a este arguido tal crime.
c. As duas facturas não foram emitidas pelo BPN com o objectivo de serem auferidas para a LABICER (em sede de IVA e por via do exercício do direito à dedução) quaisquer vantagens patrimoniais indevidas, sendo que o propósito que presidiu à emissão das facturas de acordo com a própria tese sustentada no acórdão recorrido foi a intenção de documentar os custos assumidos pela compra de imóveis por parte da Labicer e que à mesma caberia suportar, pelo que não se mostra preenchido o elemento subjectivo deste ilícito criminal: obtenção indevida de quaisquer vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem a diminuição das receitas tributárias.
d. Não houve intenção de lesar o Estado Português porque:
. o BPN SA entregou à Administração Fiscal o IVA liquidado nas facturas emitidas, tendo a Labicer, através da dedução do imposto suportado ao imposto liquidado, recuperado o IVA efectivamente pago, sem que se hajam verificado quaisquer consequências danosas ao nível da arrecadação do IVA.
. a Labicer não obteve qualquer vantagem fiscal, já que para esta era indiferente que o imposto a pagar fosse maior ou menor, uma vez que era beneficiária do crédito de imposto em sede de IRC (a Labicer gozava de um crédito de imposto em sede de IRC em virtude de contrato de benefícios fiscais, sendo que, de resto, os seus resultados líquidos referentes aos anos em que tal benefício poderia ter-se verificado -  no caso concreto, os seus resultados no ano de 2003 – foram negativos, pelo que o aumento de custos não teria repercussão na matéria colectável); o pagamento integral do preço cobrado em cada factura não pode deixar de representar um efectivo empobrecimento para a Labicer;
. não houve qualquer prejuízo para o Estado Português, que viu o IVA ser entregue pelo BPN e depois deduzido, o que consiste numa operação neutra, portanto no limite teríamos aquilo a que a doutrina chama “simulação inocente”, sem danos nem prejudicados;

6. Apreciando.
a. No que se refere à questão da não falsidade das facturas, a mesma mostra-se definitivamente resolvida, atento o teor da matéria fáctica dada como assente, que demonstra que os valores nas mesmas constantes se não referiam ao pagamento de serviços efectivamente prestados pelo BPN à Labicer, mas antes tinham como propósito o recebimento pelo primeiro das quantias que havia entregue para pagamento de terrenos para a edificação da unidade industrial da Labicer, valores estes não declarados nas respectivas escrituras.
De igual modo, mostra-se dado como assente que quer o arguido LA…, quer o arguido RC… (bem como os três restantes) sabiam que essas facturas eram falsas e, não obstante, ordenaram o seu pagamento.
Estas questões foram já tratadas em sede de reapreciação da matéria de facto provada, sendo certo que, soçobrando os alicerces em que estas críticas se fundavam, inexiste argumentação jurídica que cumpra apreciar a esse respeito.

b. No que concerne a não se mostrar dado como provado que tenha sido o arguido JO… quem tenha dado a ordem para que se procedesse à apresentação das facturas na declaração periódica de IVA da Labicer, efectivamente assim é.
Mas essa circunstância não tem qualquer relevo para o preenchimento dos elementos do tipo, no que a este arguido concerne.
De facto, os cinco arguidos actuaram por acordo e em colaboração uns com os outros, sendo-lhes aplicável o disposto no artº 26 do C.Penal. Do texto do mesmo decorre que a imputação como autor de um crime não depende de, em casos em que há actuação conjunta e concertada, todos os arguidos praticarem todos os actos de execução necessários à consumação do ilícito, para tanto bastando que o agente execute o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem ou que tome parte directa na sua execução.
Assim, ao arguido JO… coube a iniciativa de toda a actividade criminosa - pois foi ele quem decidiu que o BPN deveria receber a totalidade das quantias que havia pago acima do valor das escrituras e que esse pagamento deveria ser feito pela Labicer - determinando a emissão de duas facturas falsas e exigindo o seu pagamento (tudo actos objectivos de execução do ilícito), em concertação com os demais arguidos, tendo alguns destes executado os actos que ao primeiro não cabia realizar, assim se verificando a consumação do crime.
E, manifestamente, tendo este arguido decidido que o meio através do qual o BPN seria “reembolsado” da despesa feita, se consubstanciaria na emissão de facturas, sobre as quais recai IVA, daí decorre que a Labicer, após proceder ao seu pagamento, iria proceder à sua apresentação, para efeitos tributários (nem poderia deixar de o fazer). Assim, se o propósito não fosse o de obtenção de benefício fiscal, o meio escolhido para o pagamento daquela quantia teria sido obviamente outro.
Do que se deixa dito decorre que não assiste razão ao arguido JO… na insuficiência a que alude.

c. Afirma o mesmo arguido que a intenção que presidiu à emissão das facturas não foi o de defraudar o Estado, mas antes o de o BPN receber o dinheiro que tinha gasto no pagamento não declarado dos terrenos adquiridos, pelo que não se mostraria preenchido o elemento subjectivo do tipo.
Perdoe-se-nos a expressão, mas o argumento roça o anedótico. Na verdade, o pagamento “por fora”, não declarado, de bens imóveis, é acto em si mesmo infractor das disposições legais relativas ao pagamento do imposto de Sisa/IMT, pelo que tal jamais serviria de justificação para a actividade prosseguida, no sentido da sua licitude. Mas, mais relevantemente, caso não houvesse qualquer interesse em defraudar a fazenda pública, o mecanismo através do qual o BPN poderia obter o seu “ressarcimento” não teria de passar forçosamente pela emissão de facturas.
Na verdade, ao determinar a sua emissão, sabia o arguido JO… que as mesmas teriam efeitos a nível tributário, atenta a sua própria e específica natureza, como já supra se referiu, o que quis. Tanto quis, que as mandou emitir.
Diga-se, ademais, que ainda que a sua tese tivesse viabilidade (que não tem), a verdade é que da mesma apenas resultaria, em termos de enquadramento jurídico, que o arguido havia actuado com dolo necessário (vide nº2 do artº 14 do C.Penal).
E daí que não se vislumbre que, a este título, assista qualquer razão à crítica que dirige ao decidido

d. No que se refere à ausência de intenção de lesar o Estado, já nos pronunciámos em sede de apreciação da matéria de facto, no âmbito dos recursos interpostos pelos arguidos.
Não obstante, por se tratar de crítica que abrange quer questões de matriz factual (apuramento da intenção e do prejuízo), quer de cariz jurídico (averiguação do preenchimento dos elementos preenchedores do tipo), cumpre-nos aqui deixar de novo exarado o seguinte:
Foram emitidas duas facturas falsas e o IVA pago nas mesmas, no montante de € 81.123,35, foi pela Labicer deduzido.
Como se deixou já consignado a propósito de um dos recursos intercalares interpostos, o IVA visa tributar todo o consumo em bens materiais e serviços, abrangendo, na sua incidência, todas as fases do circuito económico, desde a produção ao retalho, tendo como base tributável o valor acrescentado em cada fase.
A dívida tributária de cada operador económico é calculada pelo método do crédito de imposto, pois aplicada a taxa ao valor global das transacções da empresa, em determinado período, deduz-se o imposto por ela suportado nas compras desse mesmo período, revelado nas respectivas facturas de aquisição.
O apuramento do imposto devido é feito pela dedução ao imposto liquidado, do imposto suportado nas aquisições; isto é, os sujeitos passivos de IVA suportam impostos nas aquisições de bens e serviços efectuados a outro sujeito passivo e, por sua vez, liquidam IVA nas transmissões por si efectuadas. Do encontro desses dois valores apura-se o valor do IVA.
É assim que opera este tipo de imposto e, como se constata pela matéria fáctica apurada, a emissão de tais facturas permitiu a existência de um crédito de imposto a favor da Labicer – com base numa realidade que não suportava o mesmo (facturas falsas) – sendo que os arguidos do mesmo fizeram uso, uma vez que o deduziram.
Perante esta realidade simples, não assiste qualquer razão aos recorrentes quando afirmam a “neutralidade”, em sede de IVA, da emissão de tais facturas – ela claramente inexiste, face ao uso do crédito de imposto que foi realizado, no montante de € 81.123,35.
Por seu turno, é indiferente para efeitos do afirmado nos ditos pontos factuais, se há ou não lugar a pagamento adicional de IRC a esse título, pelo BPN, desde logo porque por demonstrar se mostra que tal tenha efectivamente sucedido; em segundo lugar, porque não há “compensações” entre impostos devidos por sociedades diversas e autónomas entre si (a Labicer e o BPN) e, em terceiro lugar – mais relevantemente – porque o propósito de obtenção de vantagens fiscais, para si e para terceiros, através de documentos falsos, decorre claramente da restante matéria de facto provada, assim como a mesma igualmente narra que os arguidos fizeram contabilizar e pagar pela Labicer documentos que sabiam serem falsos, de forma a gerarem vantagens em sede fiscal, designadamente para a Labicer, que assim pôde deduzir o crédito desse IVA.
Diga-se, em sede final, que o crime de fraude fiscal se consuma ainda que nenhum dano ou vantagem patrimonial indevida venha efectivamente a ocorrer (como já se expôs no segmento dedicado à apreciação do recurso interposto pelo MºPº relativamente aos arguido JO… e FB… – vide neste acórdão, IV Fundamentação, §§, GA), uma vez que a lei se basta com a constatação de as condutas ilegítimas tipificadas visarem ou serem preordenadas à obtenção de vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias.
Daqui decorre que é suficiente para o preenchimento do tipo que a conduta seja preordenada àquele fim, sendo a eventual verificação do resultado lesivo apenas relevante em sede de dosimetria da pena. 

7. Atento o exposto, conclui-se não assistir razão aos recorrentes nas críticas que dirigem ao decidido, uma vez que, efectivamente, face à matéria de facto dada como assente, se tem de concluir que estes cinco arguidos cometeram, cada um deles, em autoria material, um ilícito de fraude fiscal agravada, pelo qual foram condenados – crime p. e p. pelos artºs 103 nº1 als. a) e c) e 104 nº2 do RGIT, na redacção vigente à data da prática dos factos – já que se mostram preenchidos todos os elementos integradores do tipo, designadamente, a celebração de um negócio simulado (quer quanto ao valor, quer quanto à natureza) através da emissão de facturas por operações inexistentes, com o propósito de obtenção indevida de benefícios fiscais, sendo que a vantagem patrimonial ilegítima era de € 81.123,35, tendo todos os arguidos actuado com dolo directo.

8. Por tal razão, deverá ser mantida a condenação a este título, determinada pelo tribunal “a quo”, improcedendo, nesta parte, os recursos interpostos pelos arguidos JO…, FS…, TB…, LA… e RD….

B. Do crime de abuso de confiança qualificado.

I. No âmbito deste ilícito, houve lugar às seguintes condenações, pelo tribunal “a quo”, que ora se mostram alvo de crítica, nos recursos interpostos pelos arguidos:

a. Arguido JO… pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo art. 205º, n.ºs 1 e 4, al. b) do C.Penal - conjunto dos factos provados 269 a 286, 862 a 880 e 941 e 948;
b. Arguido JV…, pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo art. 205º, n.ºs 1 e 4, al. b) do C.Penal - factos provados 213 a 222, 946, 958;
c. Arguido TB…, pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo art. 205º, n.ºs 1 e 4, al. b) do C.Penal - factos provados 733 a 741, 950 e 958;
d. Arguido JMo…, pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo art. 205º, n.ºs 1 e 4, al. b) do C.Penal - factos provados 519 a 538, 953, 958;

II. Apreciando.
Posta esta introdução, analisemos então a factualidade apurada.

a. Questões propostas pelo arguido JO….

1. Sinteticamente, defende este arguido que:
Houve um mútuo que lhe foi concedido e que se denominou A1;
Com esse mútuo pagou parcialmente o empréstimo do Fortis Bank (em 27.06.2002 e 27.06.2003) e restituiu à JARED o valor de € 886.580,43 (em 29.12.2003), o que significa o uso, como seu proprietário, de tais quantias;
Assim, a transferência do crédito “A1” para o balcão 2 (em 11.06.2004), não correspondeu a qualquer alteração dessa situação, pois já anteriormente havia usado esse mútuo como entendeu.
A transferência do capital mutuado para o arguido ocorreu através da concessão do mútuo A1, pelo Banco Insular, quando as diversas tranches que o compunham lhe foram entregues (nos dias 27.06.2002, 27.06.2003 e 29.12.2003).
Na data em que o arguido transferiu a A1 para o balcão 2, já era o mesmo dono de tais quantias, não podendo portanto aí ocorrer a inversão do título de posse.
O mero não pagamento de um mútuo não dá azo a qualquer abuso de confiança.
Interpretaram-se conjugadamente os artigos 205.°, n.° 1, do CP e 1142.°, n.° 1 e 1144.°, do Código Civil, no sentido de praticar o crime de abuso de confiança o agente que receber financiamentos bancários sem a intenção de os pagar, atribuindo-se a tais artigos uma dimensão normativa que os mesmos não suportam minimamente, ao ponto de se pôr em causa o princípio da legalidade, na sua vertente nullum crimen, nulla poene sine lege.

2. Caberá desde já adiantar que não lhe assiste razão.
Desde logo e em primeiro lugar, a alusão do arguido a que o mútuo concedido pelo Banco Insular ao arguido era denominado “A1”, não encontra qualquer suporte na matéria de facto provada.
Efectivamente, a designação A1 refere-se a uma conta - e não a um contrato de mútuo - que o arguido abriu, com esta designação, no Banco Insular (factos provados 213 a 216). Essa conta era usada, no que ao arguido concerne, para através dela receber financiamento próprio, contornando as limitações à concessão de crédito a administradores.
Assim, mostra-se errada a afirmação feita pelo recorrente quanto à existência de um mútuo denominado A1 – o que existe é uma conta alfanumérica, que lhe pertence, aberta no Banco Insular, através da qual passaram financiamentos.

3. Em segundo lugar, o que se diz, nos factos provados 279 e 280 é que o arguido JO… aproveitou a referida conta para nela fazer creditar, através de pretensos contratos de conta corrente caucionada, os montantes necessários para proceder à amortização do empréstimo contraído junto do FORTIS, bem como que tais financiamentos por conta-corrente caucionada nunca foram reduzidos a escrito nem definida a data de vencimento, uma vez que o arguido OC… não pretendia vir a liquidar tais débitos.

4. Assim, os montantes que foram debitados nessa conta, foram-no através de movimentação a débito (vide facto provado 277).
E se o foram a débito, não se vê como é que o arguido pode sequer remotamente pretender defender que esse dinheiro já lhe pertencia, no momento em que procedeu ao pagamento parcial do empréstimo que havia contraído junto do Fortis Bank, bem como quando restituiu à Jared a quantia acima referida. 

5. Tendo em vista, precisamente, apropriar-se das quantias que tinha obtido por movimentação a débito (vide factos provados 282 a 285) na sua conta A1, fez transitar a dita conta, em 11.06.2004, para o designado Balcão 2 do Banco Insular, o que determinou que as operações a débito que havia realizado deixassem de estar registadas nas contas daquele Banco, assim as ocultando (factos provados 281 e 286).

6. Temos, pois que, analisada a factualidade provada, se conclui que a mesma comprova, precisamente, o acerto da decisão proferida pelo tribunal “a quo”, nesta matéria, cujo teor já se mostra supra transcrito e que aqui damos por integralmente reproduzido, por meras razões de economia processual, sendo manifesto que as críticas que o arguido dirige ao decidido se fundam numa realidade alternativa, que não se mostra demonstrada nos autos.

7. Não restam assim dúvidas que o acto de apropriação ocorre com a passagem da conta alfanumérica A1 para o Balcão 2, como refere o tribunal “a quo”:
Não obstante, no caso presente, há um acto concludente que revela a apropriação, i.e., a inversão do título da posse.
Consiste na passagem da conta e do financiamento para o designado Balcão 2 do Banco Insular ficando, deste modo, completamente oculto e sem a possibilidade de ser detectado.
Isso é revelador que o arguido que até então era possuidor alieno domine passou a comportar-se em possuidor aliena dominas, integrando, assim, definitivamente a quantia no seu património.
Igual entendimento se impõe face ao teor dos factos provados 284 a 286 relativos ao saque da quantia de € 886.580,43.
É que esse montante destinou-se a creditar a conta da JARED FINANCE, junto do mesmo Banco Insular, uma vez que, anteriormente, o arguido havia determinado que sobre essa mesma conta fosse pago o montante dos referidos 886.580,43€, que correspondiam a uma dívida de IRS do próprio arguido OC…;
Os demais pressupostos do crime de abuso de confiança também estão verificados.
E, a nível subjectivo, provou-se:
941) O arguido OC… actuou ainda com o propósito de deitar a mão a fundos criados ou disponíveis nas instituições que geria, como se fosse beneficiário de empréstimo, mas sem o propósito de pagar juros e amortizar as quantias recebidas, apesar de saber que se tratava de fundos que não lhe pertencia e que devia actuar perante esses fundos como entidade autónoma;
958) O arguido actuou livre e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida por lei;
Considerando o teor dos factos provados, em nosso entender, no que concerne ao arguido JO…, estão verificados os pressupostos objectivos e subjectivos configurantes do crime de abuso de confiança.
O montante de que o arguido se apropriou é “valor consideravelmente elevado” (€ 9.253.247,09) – arts. 202°, n.° 2 e 205°, n.° 4, al. b), ambos do C.Penal.

8. Da análise realizada retira-se que, mostrando-se preenchidos todos os elementos constitutivos do tipo de crime pelo qual o arguido foi condenado, não relevam as críticas que o mesmo dirige ao decidido, que se deve manter.

9. Mostra-se prejudicada a necessidade deste Tribunal ad quem tomar posição quanto à questão de inconstitucionalidade arguida a propósito desta matéria, uma vez que nem este Tribunal (nem o tribunal “a quo”) perfilharam o entendimento que o recorrente considera ter estado subjacente à decisão recorrida, não subsistindo, pois, para este tribunal de recurso, a necessidade de se pronunciar sobre um sentido normativo que não tem aplicação no caso.

b. Questões propostas pelo arguido JV….

1. A este propósito, o recorrente invoca, sinteticamente, as seguintes razões de dissidência, face ao decidido:
Os valores depositados pela DOP do BPN na conta B1, cuja titularidade era do próprio recorrente, correspondem a remunerações que lhe eram devidas e representavam um crédito exigível jurídico-civilmente - assim, não estava em causa uma coisa móvel alheia, mas antes créditos que lhe eram devidos e que integram o seu património
Não existindo coisa móvel alheia, não existe crime de abuso de confiança;
Não se mostra provado que o dinheiro foi entregue ao arguido a título não translativo da propriedade, nem se a sua proveniência era ilícita ou ilegítima, nem como é que ocorreu a inversão do título de posse.
Não se mostra provado que a transferência do dinheiro tenha sido determinada por decisão e acção do recorrente;
Quanto ao bem jurídico em apreço (património), o Tribunal “a quo” não demonstra como é que o mesmo é lesado pela conduta do recorrente.

2. Caberá desde já adiantar que não lhe assiste razão.
Na verdade, o arguido apresenta aqui novamente a tese segundo a qual os montantes referidos nos pontos de facto provados 219 a 222 lhe eram devidos, por corresponderem a remunerações, razão pela qual os podia usar em seu benefício, como entendesse.

3. Não é isso o que se mostra dado como assente, mas antes que os valores constantes no ponto 219 constituem dividendos por conta dos resultados apurados do Banco Insular - ou seja, lucros de exercício - dividendos esses que lhe não pertenciam e dos quais se não podia apropriar, usando-os em seu benefício pessoal.

4. É isso precisamente o que refere o tribunal “a quo”, no segmento que de seguida se transcreve e ao qual damos a nossa plena adesão:
Já quanto aos factos provados 219 a 222, é diferente o nosso entendimento. Será pertinente salientar, novamente, algumas considerações relativas ao crime de abuso de confiança:
No tipo legal do crime de abuso de confiança previsto no art. 205°, n° 1, do Código Penal, “Quem ilegitimamente se apropriar de coisa móvel que lhe tenha sido entregue por título não translativo de propriedade é punido ...”, a coisa móvel não é subtraída a outrem pelo agente do crime, como sucede no crime de furto; ela já está em seu poder, mas por título não translativo de propriedade, dando-lhe, porém ele um destino diferente daquele para que foi confiada, ao dela se apropriar ilegitimamente.
Como refere o Prof. Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra Editora 1999, Tomo II, pág. 94, “o crime de abuso de confiança, tal como o crime de furto é um crime patrimonial pertencente à subespécie dos crimes contra a propriedade, tem como objecto de acção, tal como o furto, uma coisa móvel alheia, e, ainda como o furto revela-se por um acto que traduz o mesmo conteúdo substancial de ilicitude, uma apropriação”.
Porém, “a consumação deste crime consiste na inversão do título de posse, ou seja, no passar o agente a dispor da coisa “animo domini”. (...) O crime consuma-se quando o agente, que recebe a coisa móvel por título não translativo de propriedade para lhe dar determinado destino, dela se apropria, passando a agir “animo domini”, devendo porém entender-se que a inversão do título de posse carece de ser demonstrada por actos objectivos, reveladores que o agente já está a dispor da coisa como se sua fosse. Isto não significa, porém, que a conduta tenha que ser positiva, já que uma mera omissão pode consubstanciar essa reveladora objectividade” (neste sentido J. António Barreiros, in “Crimes Contra o Património, 111, e Prof. Cavaleiro Ferreira, aí citado.).
Ou seja, um dos elementos típicos do crime de abuso de confiança que exprime por excelência o bem jurídico protegido é a apropriação.
Enquanto, que no crime de furto a apropriação intervém como elemento tipo subjectivo de ilícito (como “intenção de apropriação”), no abuso de confiança, diferentemente, na sua estrutura de apropriação, isto é, na sua veste objectiva de elemento do tipo objectivo do ilícito.
Por isso, a apropriação no abuso de confiança, “não pode ser (...) um puro fenómeno interior – até porque «cogitationis poenam nemo patitu» – mas exige um «animus» que lhe corresponde se exteriorize, através de um comportamento, que revele e execute» (Prof. Eduardo Correia, in RLJ, 90º, 36, citado pelo Prof. Figueiredo Dias, in ob cit, pág. 103).
A apropriação traduz-se sempre, no contexto do crime de abuso de confiança precisamente na inversão do título de posse ou detenção: o agente que recebera a coisa «uti alieno», passa em momento posterior a comportar-se relativamente a ela – naturalmente, através de actos objectivamente idóneos e concludentes, nos termos gerais – «uti dominus»; é exactamente nesta realidade objectiva que se traduz a “inversão do título de posse ou detenção” e é nela que se traduz e se consuma a apropriação (...) Sob que forma deva manifestar-se a apropriação, é em definitivo indiferente: necessário é apenas, que como acima se disse, se revele por actos concludentes que o agente inverteu o título de posse e passou a comportar-se perante a coisa “como proprietário”. (...) É indispensável que através do acto ou actos de apropriação se tenha verificado uma deslocação da propriedade: a mera afectação da substância da coisa não constitui abuso de confiança (Prof. Jorge Figueiredo Dias, in loc. cit.).
Posto isto, dir-se-á:
Na conta bancária B1 de que o arguido JV… era titular no Banco Insular, foram creditadas as quantias de € 112.438,38, € 63.668,00 e € 80.185,99 cuja contraparte foi a conta de resultados do Banco Insular.
Entenda-se, constituem a distribuição de dividendos por conta dos resultados apurados do Banco Insular, ou seja, lucros de exercício.
Antes da entrada daquelas quantias na conta titulada pelo arguido, obviamente, houve uma deliberação da administração do Banco Insular pela qual foi aprovada a distribuição de dividendos.
O arguido não era, de modo algum, dono dessas quantias.
As mesmas pertenciam ao Banco Insular, aliás, ao grupo SLN/BPN, o verdadeiro dono daquela instituição bancária.
Vale o exposto por dizer que aqueles montantes foram entregues ao arguido por título não translativo de propriedade.
Apesar disso, o arguido que só recebera aquele dinheiro (dividendos) na sua conta pessoal B1 “uti alieno”, passa em momento posterior a comportar-se relativamente a ele “uti dominus”, i.e., inverte o título de posse ou detenção, consumando a sua apropriação.
E há actos concludentes e inequívocos demonstrativos de que o arguido inverteu o título de posse e passou a comportar-se perante o dinheiro (dividendos) como o seu proprietário.
Na verdade:
Tais montantes creditados na conta B1 foram sacados pelo arguido através da emissão de dois cheques bancários, datados de 5.6.2008, no montante de € 80.000,00, a favor do próprio arguido.
Por ele, foi ainda sacada a quantia de € 97.192,00.
Atente-se na coincidência quase total dos valores distribuídos a título de dividendos por comparação com as quantias sacadas pelo arguido:
Os dividendos distribuídos pelo Banco Insular perfazem o montante global de € 256.292,37 (€ 112.438,38 + € 63.668,00 + € 80.185,99).
As quantias sacadas pelo arguido perfazem o montante global de € 257.192,00 (€ 80.000,00 + € 80.000,00 + € 97.192,00).
Os actos concludentes que revelam que o arguido inverteu o título de posse e passou a comportar-se perante o dinheiro (dividendos) como seu proprietário prosseguiram.
É que, após ter sacado aquele montante, efectuou vários pagamentos de despesas pessoais, designadamente:
- de uma viatura, através de duas transferências de 13.694,28€ e 18.138,12€ respectivamente;
- de uma factura no montante de 10.000,00 € a favor de TM…;
 - e um pagamento relativo a impostos do arguido no montante de 17.332,51 €;
Referira-se que a apropriação se configura como ilegítima porque o arguido não detinha sobre o Banco Insular qualquer pretensão jurídico-civilmente válida, vencida e incondicional que lhe permitisse, desde logo, configurar-se como dono e legítimo possuidor dessas quantias.
Considerando o montante de que se apropriou (€ 256.292,37) é manifesto que se verifica a qualificativa a que se refere a al. b) do n.° 4 do art. 205° por referência à definição da al. b) do art. 202°, ambos do C.P. (“valor consideravelmente elevado”).
(…)
A nível subjectivo, provou-se:
946) O arguido JV… actuou ainda com o propósito de se apropriar de fundos que sabia pertencerem às entidades que lhe competia administrar ou que lhe haviam sido confiados por terceiros;
(...)
958)Todos os arguidos actuaram livre e conscientemente, sabendo o arguido VM… que a sua conduta era proibida e punida por Lei;
Estão, assim, verificados todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo-de-ilícito em análise.
Consequentemente, ao comportar-se da forma descrita, o arguido JV… constituiu-se autor material, a título doloso (dolo directo) de um crime de abuso de confiança, previsto e punido pelo art. 205°, n.° 1 e 4, al. b) do C.P..

5. Resta apenas aditar que, igualmente ao inverso do que o recorrente invoca, não foi a DOP que resolveu, por sua alta recreação, proceder ao depósito de tais montantes na sua conta alfanumérica, antes a mesma resultou de ordens de si emanadas, como foi objecto de apreciação em sede de discussão da matéria de facto provada, impugnada no recurso interposto por este arguido.

6. Conclui-se, pois, que a decisão de enquadramento jurídico realizada pelo tribunal “a quo” se mostra correcta, não padecendo dos erros que o recorrente lhe aponta, pelo que se deve manter.

c. Questões propostas pelo arguido TB….

1. O arguido assenta a sua discórdia quanto ao decidido, nas seguintes razões:
O depósito na sua conta, do montante em causa, referido no ponto de facto 738, não lhe foi entregue por título não translativo da propriedade, mas antes a título de pagamento e pagamento total de um montante devido, incluindo os € 10.000,00, que foram juros que suportou pela aquisição dos terrenos, tendo direito a receber tal quantia.
Não se estabeleceu entre si e a Jared (entidade que lhe depositou aquela quantia), qualquer relação de confiança, pelo que não pode ser condenado pelo crime de abuso de confiança.

2. Adianta-se desde já que lhe não assiste razão.
Em primeiro lugar, a tese relativa aos € 10.000,00, parte sobrante dos valores depositados na sua conta, provenientes da Jared, inseriam-se numa verba monetária que lhe foi confiada para a realização dos pagamentos aos vendedores dos terrenos, sendo certo que o arguido desse montante se apoderou, fazendo-o seu (vide factos provados 741, 950 e 958). É isso que se mostra dado como assente e é sobre essa factualidade que cabe ao tribunal proceder ao enquadramento jurídico respectivo.
Em segundo lugar, mostra-se incompreensível a alegação de ausência de relação de confiança entre si e a Jared. A relação que aqui importa e releva, reconduz-se à noção jurídica de existência de uma relação de fidúcia; isto é, a entrega de uma coisa móvel alheia a título não translativo de propriedade.
E foi isso o que sucedeu: o arguido recebeu dinheiro para um fim – pagar os terrenos que iam ser comprados para aí ser instalada a Labicer – e apropriou-se de uma parte dele.

3. Entende-se, assim, que se mostra correcta a apreciação realizada pelo tribunal “a quo”, a propósito deste arguido e deste crime, à qual damos a nossa adesão, realçando aqui um seu segmento (já que se mostra integralmente transcrita supra):
A quantia de € 10.000,00 pertencia à Jared (grupo BPN/SLN), logo, coisa móvel alheia, por referência ao arguido.
Foi entregue ao arguido a fim de ser utilizada nos pagamentos aos vendedores dos terrenos, sendo certo que, no momento da apropriação (transferência para a sua conta pessoal no Banif) este detinha o dinheiro em seu poder (relação fáctica de domínio sobre ele).
A entrega do dinheiro teve lugar em momento anterior à apropriação.
Existe um manifesto acto de apropriação (acto concludente), devidamente exteriorizado (inversão do título de detenção), quando o arguido – que somente detinha o dinheiro à sua guarda e que o devia utilizar nos pagamentos aos vendedores dos terrenos -, ficou com ele em seu poder, em vez de o usar para o fim a que se destinava.
Com efeito, nesse momento – reitera-se, somente tinha o dinheiro à sua guarda - , comportou-se como “uti dominus”, i.e., como proprietário daquelas quantias.
Resta, por fim, referir que a apropriação se configura como ilegítima porque, o arguido, maxime, não detinha sobre a Jared (grupo BPN/SLN) qualquer pretensão jurídico-civilmente válida, vencida e incondicional que lhe permitisse, desde logo, configurar-se como dono e legítimo possuidor dessa quantia.
À data dos factos (2003) a unidade de conta tinha o valor de € 79,81.
O que significa que o “valor consideravelmente elevado” correspondia a um montante superior a € 15.962,00 (art. 202°, al. b) e 205°, n.° 4, al. b), ambos do C.P.).
Considerando que o valor (€ 10.000,00) de que o arguido se apropriou é inferior, não se verifica a qualificativa da al. b) do n.° 4 do art. 205° do C.P..
Nem tão pouco do n.° 5 da mesma norma. Pela simples razão de que não há, no caso concreto, qualquer “depósito imposto por lei em razão de ofício, emprego ou profissão”.
A única qualificativa que se mostra preenchida é a da al. a) do n.° 4 do art. 205° do C.P. (“valor elevado”) que correspondia, em 2003, a uma quantia superior a € 3.990,50.
Importará, por isso, somente proceder à convolação da qualificativa para uma menos grave, não decorrendo daí a necessidade de se proceder a qualquer comunicação da alteração da qualificação jurídica.
Por fim, a nível subjectivo, provou-se:
950) O arguido TB… actuou com o propósito de criar cenários de forma a ludibriar terceiros, sabendo que iria gerar perdas para interesses alheios, mas visando obter ganhos pessoais;
958)Todos os arguidos actuaram livre e conscientemente, sabendo o arguido TR… que a sua conduta era proibida e punida por Lei;
Ou seja, porque o arguido sabia que não era dono da referida quantia e que a deveria entregar ao seu legítimo dono e, apesar disso, não o efectuou, pelo contrário, ficou com ela na sua esfera pessoal, fazendo-o consciente e deliberadamente e com o conhecimento do seu carácter proibitivo, está ínsita nesta factualidade apurada a intencionalidade e a voluntariedade do comportamento do arguido (elemento volitivo - dolo de facto) e o óbvio conhecimento da sua ilicitude (elemento intelectual), ocorrendo, pois, o dolo, aqui na sua forma directa (art. 14°, n.° 3 do C.P.).
Consequentemente, ao comportar-se da forma descrita, o arguido TR… constituiu-se autor material, a título doloso (dolo directo) de um crime de abuso de confiança, previsto e punido pelo art. 205°, n.° 1 e 4, al. a) do C.P.

4. Face ao exposto, resta concluir que não assiste razão ao recorrente, nas críticas que dirige ao decidido, razão pela qual o mesmo deve ser mantido.

d. Questões propostas pelo arguido JMo….
 
1. A este propósito, este arguido apenas se pronunciou quanto à questão relativa ao episódio que envolvia a Partenon e a Groundsel (factos provados 668 a 685).
Sucede, todavia, que o procedimento criminal relativamente a esse crime já foi declarado prescrito, razão pela qual fica prejudicada a apreciação do que a este respeito invocou.

III. Em síntese final, cabe concluir não assistir razão aos recorrentes JO…, JV…, TB… e JMo…, nas críticas que dirigem ao decidido relativamente aos crimes de abuso de confiança pelo qual foram condenados. 
 
C. Do crime de burla qualificada.

1. Em sede deste ilícito, houve lugar às seguintes condenações pelo tribunal “a quo”:
Arguido JO…, como autor material, pela prática de um crime p. e p. pelos artºs 217 e 218 nº1 e nº2 al. a) do C.Penal – toda a sua conduta (indução em erro ou engano das entidades que lhe competia administrar, directa ou indirectamente);
Arguido JV…, como autor material, pela prática de um crime p. e p. pelos artºs 217 e 218 nº1 e nº2 al. a) do C.Penal – toda a sua conduta (indução em erro ou engano das entidades que lhe competia administrar, directa ou indirectamente);
Arguido LC…, como autor material, pela prática de um crime p. e p. pelos artºs 217 e 218 nº1 e nº2 al. a) do C.Penal – toda a sua conduta (indução em erro ou engano das entidades que lhe competia administrar, directa ou indirectamente);
Arguido FS…, como autor material, pela prática de um crime p. e p. pelos artºs 217 e 218 nº1 e nº2 al. a) do C.Penal – toda a sua conduta (indução em erro ou engano das entidades que lhe competia administrar, directa ou indirectamente);
Arguido LM…, como autor material, pela prática de um crime p. e p. pelos artºs 217 e 218 nº1 e nº2 al. a) do C.Penal – toda a sua conduta (indução em erro ou engano das entidades que lhe competia administrar, directa ou indirectamente);
Arguido LAl…, como autor material, pela prática de um crime p. e p. pelos artºs 217 e 218 nº1 e nº2 al. a) do C.Penal – toda a sua conduta (indução em erro ou engano das entidades que lhe competia administrar, directa ou indirectamente);
Arguida IC…, como cúmplice, pela prática de um crime p. e p. pelos artºs 217 e 218 nº1 e nº2 al. a) do C.Penal – toda a sua conduta (ajuda à indução em erro ou engano das entidades directa ou indirectamente dominadas pelo grupo SLN/BPN);
Arguido TB…, como autor material, pela prática de um crime p. e p. pelos artºs 217 e 218 nº1 e nº2 al. a) do C.Penal – (factos provados 780 a 829);
Arguido RD…, como autor material, pela prática de um crime p. e p. pelos artºs 217 e 218 nº1 e nº2 al. a) do C.Penal – (factos provados 908 a 922);

2. Atenta a factualidade provada relativa à actuação de cada um dos arguidos acima referidos, haverá que proceder à análise separada por dois grupos de arguidos.
Assim, por um lado, avaliaremos as críticas relativas ao enquadramento jurídico da actividade provada relativa aos arguidos (I.) JO…, JV…, LC…, FS…, LM…, LAl… e IC… (actividade que abrange um período de vários anos e múltiplas execuções) e, num outro grupo, trataremos das questões relativas aos arguidos (II.) TB… (em co-autoria com os arguidos JO… e FS…) e RD… (isoladamente), pois relativamente a estes dois arguidos a condenação pela prática deste crime assenta na sua actuação em duas sedes específicas – Labicer/Etrapanob e Adicais/Sogipart.
Vejamos então.

                                                       I.
Arguidos JO…, JV…, LC…, FS…, LM…, LAl… e IC….

A.
1. São elementos constitutivos do tipo de crime de burla:
a) a intenção de obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo;
b) o uso de erro ou engano sobre factos, astuciosamente provocados;
c) que determinem outrem à prática de actos que lhe causem, ou a terceiro, prejuízo patrimonial.

2. No que se refere ao conceito de enriquecimento ilegítimo, é entendimento pacífico que, para que se verifique, é essencial que este não corresponda, objectiva ou subjectivamente, a qualquer direito, sendo que pode ocorrer por diversas formas.[11]
No que concerne ao elemento uso de erro ou engano, astuciosamente provocado, o mesmo traduz-se na mentira, na encenação, que provoca no lesado uma falsa representação da realidade, sendo essa mentira utilizada intencionalmente pelo agente do crime como forma de provocar essa ilusão.
Finalmente, quanto à prática de actos que causem um prejuízo patrimonial, deve existir uma relação de causa-efeito entre a conduta enganosa ou astuciosa e a prática de actos que causem, ao enganado ou a um terceiro, um efectivo prejuízo patrimonial, sendo que a pessoa enganada (o burlado) pode não ser a mesma pessoa que sofre o prejuízo patrimonial, assim devendo ser considerada vítima, ou sujeito passivo, em tais casos, a pessoa que efectivamente suporta o prejuízo patrimonial.

i. E, no que concerne a esta relação de causa-efeito, o que importa não é propriamente o número de actos de execução que o agente pratica, mas tão-somente que seja possível concluir, perante todo o cenário falsamente criado, que todos esses actos se dirigiam a tal fim, ou seja, que foram praticados com a intenção de criar uma mise-en-scène enganosa.

ii. Efectivamente, nem todas as burlas são iguais, sendo que nalguns casos a encenação necessária para atingir o objectivo visado comporta, eventualmente, a prática de um único acto, enquanto noutros casos essa mesma encenação poderá ser mais sofisticada e determinar que, para que possa ser montada e produzir os seus efeitos, isso implique a prática de uma série de actos de execução, todos perspectivados no sentido da montagem e encobrimento (de encenação) dessa mentira, desse engano, de modo a que o agente consiga alcançar o fim a que se propôs, à custa do empobrecimento de outrem.

iii. Note-se, aliás, que nem sequer é elemento constitutivo do tipo de crime de burla a efectiva obtenção, pelo agente, de um benefício para si – basta que seja esse o seu propósito e que haja, efectivamente, um empobrecimento de alguém.
Na verdade, a burla é um crime de dano que se consuma com a ocorrência de um prejuízo efectivo no património do sujeito passivo da infracção ou de terceiro; isto é, consuma-se quando a posição económica do lesado fica reduzida, diminuída, relativamente àquela em que se encontraria caso não tivesse sido enganado.

3. Estes elementos do tipo mostram-se consignados no artº 217 do C.Penal, sendo que o artº 218 do mesmo diploma legal prevê, no nº 2 al.a), que a moldura penal para este ilícito será de prisão de dois a oito anos, se o prejuízo patrimonial for de valor consideravelmente elevado.

i. Por seu turno, estipula o artº 202 alínea b) do C.Penal que valor consideravelmente elevado será aquele que exceder 200 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto.

ii.  Em 2008, o valor da UC era de € 96,00.
 
4. Finalmente, necessário se mostra ainda que haja dolo (genérico) – isto é, conhecimento e vontade de actuar preenchendo todos os pressupostos do tipo objectivo – bem como dolo (específico) - traduzido na intenção do agente obter um acréscimo para o seu património ou de terceiro, sem que se torne necessária a verificação efectiva do enriquecimento, mas sabendo que determinará um empobrecimento alheio.
E, obviamente, que tenha o agente consciência da censurabilidade da sua conduta, que se traduz na cognoscibilidade de que, assim actuando, o está a fazer contra o direito.
Tendo o crime de burla, pelo qual todos os arguidos foram condenados (com excepção do arguido RC…, que cometeu tal ilícito singularmente), sido unificado como integrando a prática de um único ilícito, estamos perante um crime de execução continuada, enquadrável na categoria de crime permanente (nos termos e perante os circunstancialismos que já anteriormente referimos no que respeita ao crime de falsificação de documentos e que supra igualmente analisámos, quando apreciámos a questão da prescrição em relação a este ilícito de burla (D.) - este enquadramento é também perfilhado pelo tribunal “a quo” e não é alvo de crítica pelos recorrentes), que cessou a sua consumação em 4.08.2008 (e é esse o momento temporal relevante em sede de crimes permanentes).
Assim, a condenação dos arguidos terá presente a actual redacção dos artºs 217 e 218 do C.Penal (não obstante, em bom rigor, as alterações introduzidas em 2007 não terem, para efeitos práticos, qualquer influência em sede de enquadramento jurídico, como mais detalhadamente se explica na apreciação do recurso que o MºPº interpôs em relação ao arguido RO… - vide supra HC), uma vez que era esta a lei à data já vigente. E assim será igualmente, no que respeita ao arguido RC…, uma vez que o crime que praticou se consumou em Setembro de 2008.

B. Posta esta introdução, vejamos então.

1. Pese embora se mostrem já integralmente transcritas neste acórdão as considerações que o tribunal “a quo” expôs, em termos de direito, a propósito da actividade descrita na factualidade dada como assente, relativamente a estes arguidos e que resultou na condenação de cada um deles pela prática de um único crime de burla, optamos por aqui seleccionar e transcrever alguns desses segmentos, por assim se tornar mais simples a compreensão das críticas que os recorrentes dirigem ao decidido, bem como as respostas às mesmas.

2. Vejamos então.
Arguidos OC…, JV…, LC…, FS…, LM…, LAl… (…) e IC… (em conjunto):
Adianta-se, desde já, que em toda a actuação dos arguidos narrada na factualidade provada resulta a prática, pelos mesmos, do crime de burla qualificada.
Passemos, doravante, à análise da factualidade provada de modo resumido e por blocos, face à sua extensão:
O arguido OC…, após a constituição do Banco Português de Negócios (BPN) – factos provados 1 a 6 da pronúncia – definiu uma estratégia, bem delineada e estruturada que passava pela (7 a 14) obtenção de poder pessoal e influência nas áreas financeira e realização de negócios, aceitando conceder a terceiros que com ele colaborassem dividendos retirados do BPN, ainda que em prejuízo do mesmo.
Essa estratégia, assentou em 3 pilares:
1) controlo accionista do grupo;
2) secreta criação de inúmeras sociedades offshore cujo último beneficiário fosse uma empresa do grupo ou pessoa singular/colectiva que a isso se dispunha a troco de benesses;
3) instrumentalização de uma sociedade bancária (Banco Insular) que funcionaria como um banco instrumental que pudesse financiar a aquisição de acções próprias das várias holdings, através de entidades offshore e entidades pessoais, fora do controlo da Supervisão do Banco de Portugal;
O Banco Insular serviria, igualmente, para parquear custos, ocultando-os e assim evitar o consumo de capitais próprios do grupo obtendo desta forma um fictício equilíbrio financeiro ou mesmo a obtenção fictícia de lucros a distribuir como dividendos pelos accionistas (9).
O plano/estratégia estava, pois, definido desde o início.
Plano que visava, desde logo, enganar o Banco de Portugal (entidade de supervisão) e os accionistas do grupo SLN, na medida em que seria utilizado um banco instrumental (Banco Insular) e inúmeras sociedades offshore secretas pertencentes ao grupo SLN/BPN, tudo para os fins delineados e elencados supra.
Este banco e estas sociedades embora pertencessem ao grupo SLN/BPN nunca consolidaram no grupo e sempre foram, propositadamente, omitidos na respectiva contabilidade até ao ano de 2008.
Definida que estava a estratégia, impunha-se a sua concretização.
Não há qualquer estratégia/plano que se concretize, sem pessoas que se disponham a implementá-la.
Para a implementação dessa estratégia, o arguido OC…, como se verá, rodeou-se de várias pessoas (10 e 11).
Para tanto, em primeiro lugar, foi constituída uma sociedade holding, a SLN SGPS, S.A., destinada a servir de “sociedade mãe” do Banco e do sector não financeiro (15 a 31).
No âmbito desta, os arguidos OC…, LC… e FS… pretendiam igualmente facilitar a ocultação de operações de financiamento dentro do grupo económico, com recurso ao BPN, bem como camuflar operações destinadas a garantir o controlo accionista, através da criação de entidades destinadas a deter participações accionistas na sociedade mãe (21).
Em segundo lugar para a concretização do 2º pilar da estratégia (secreta criação de inúmeras sociedades offshore do grupo) foi constituída uma sociedade, a Planfin, destinada à constituição dos veículos societários necessários para o desenvolvimento da estrutura do grupo e dos seus negócios concretos (32 e 34).
A concepção desta sociedade foi elaborada, em conjunto, pelos arguidos OC… e LC… (33).
Já no ano de 1999, por indicação deste último, a Planfin começou por se apoiar num conjunto de pessoas que transitaram da “Ernst & Young”, designadamente os arguidos IC… e LAl…, tendo ainda ingressado o arguido LM…, pessoa de confiança do arguido LC… (40 a 43).
Estes arguidos, viriam a exercer diversas funções no grupo SLN/BPN:
O arguido FS… foi chamado a exercer funções na administração de várias sociedades do grupo, caso da SLN SFPS e da SLN Imobiliária (Sogipart) e ainda das participadas Imonações, Quinta da Torre de Santo António, Nexpart e Villas D’Água (31).
O arguido LC… passou a integrar a administração da SLN SGPS, S.A. (48).
A arguida IC… actuava paralelamente como colaboradora da SLN, como advogada mandatada pela mesma e como responsável da Planfin, intervindo na concepção e execução de uma estratégia de ocultação anteriormente definida, para a constituição de sociedades, prática de actos e contratos (50).
Além de vogal da Planfin, passou, em 2000, a exercer também o cargo de responsável da Direcção de Assuntos Jurídicos e Fiscais da SLN (51).
O arguido LM…, a partir do ano de 2000, passou a exercer funções como director financeiro e da Direcção de controlo e avaliação estratégica da SLN SGPS (52).
Nessa qualidade, interveio na utilização de circuitos de financiamento e controlo contabilístico das sociedades instrumentais (offshores) – (53).
O arguido LMi…, por sua vez, manteve o seu papel de responsável da contabilidade da SLN SGPS, S.A., mas passou também a colaborar com o grupo dirigido pelo LM… na referida direcção financeira e de controlo e avaliação estratégica, passando, da mesma forma, a colaborar na elaboração da contabilidade das entidades instrumentais (offshores) – (54).
Concretizando a intervenção destes arguidos (60 a 63):
A arguida IC… participava também como procuradora das referidas entidades em offshore, não só ao nível dos contratos em que as mesmas intervinham com também na abertura e movimentação das contas bancárias abertas em nome das mesmas.
Nesse âmbito, conhecendo as decisões de investimento e de movimentação financeira tomadas pelos demais arguidos, em particular pelo OC…, LC… e FS…, a arguida IC… aceitou colaborar na produção dos contratos de conveniência e na emissão de instruções para a realização de operações bancárias.
Os arguidos LM… e LAl… foram ainda chamados a exercer funções de administrador nas entidades sub-holding criadas, designadamente na SLN Investimentos.
Sempre com a coordenação e seguindo indicações do arguido LC… e indirectamente dos arguidos OC… e FS…, o arguido LM… passou ainda a executar as operações de financiamento decididas para os negócios, transmitindo directamente à Direcção de Operações, via “mail”, as ordens para o lançamento de movimentos nas contas bancárias das sociedades offshore instrumentais do grupo.
Prosseguindo:
Na estratégia acima referida, a PLANFIN tinha como função a obtenção junto de fiduciários internacionais de sociedades em offshore, que eram disponibilizadas e colocadas ao serviço da SLN SGPS e demais participadas, bem como de pessoas singulares responsáveis do Grupo SLN (58).
Tinha igualmente como função, a criação de empresas portuguesas, por vezes detidas por entidades registadas em offshore ou por pessoas do grupo SLN, as quais eram controladas e integradas no grupo (59).
Ainda na execução do plano e estratégia delineada, os arguidos OC…, LC… e FS… foram ordenando ao longo do espaço temporal a que os factos provados se referem, a obtenção e utilização de sociedades registadas em Offshore, que destinavam, consoante os seus específicos interesses, a parqueamento de custos, a deter acções da SLN SGPS ou SLN VALOR, a deter activos do grupo SLN e a servirem como veículos de passagem de fundos e operações pontuais (69).
O erro e engano, bem como o artifício, “mise on scéne”, consistem precisamente nisso.
Note-se, que tudo isso foi feito sem que as sociedades offshore consolidassem no grupo SLN e, destarte, estavam totalmente fora do controlo dos accionistas do grupo, bem como do controlo da autoridade de supervisão, o Banco de Portugal.
Aqueles mesmos arguidos, determinaram que Planfin angariasse e disponibilizasse, além de sociedades offshore intervenientes em negócios específicos, as seguintes sociedades que, de modo repetido, foram usadas nos factos posteriormente narrados na factualidade provada (70):
- a Marazion, a Venice, a Invesco, a Camden, a Jared e a Solrac.
Note-se, que o erro ou engano sobre os factos, astuciosamente provocado, prosseguiu na conduta dos identificados arguidos.
Com efeito (71 a 74):
As entidades Venice, Solrac e Jared foram utilizadas como veículos de financiamento de outras sociedades e pessoas, através de saques a descoberto, bem como serviram de centros de custos, contribuindo de forma fictícia para o aumento dos resultados financeiros do grupo BPN/SLN, uma vez que permitiram a omissão do registo de custos e justificaram a contabilização de juros dos financiamentos concedidos, se bem que a maioria nunca efectivamente pagos
As entidades em offshore MARAZION e CAMDEN relacionaram-se, por sua vez, com outras estruturas, também em offshore e nacionais;
Os arguidos utilizaram também veículos em offshore, disponibilizados através da PLANFIN, tendo em vista a detenção de acções da SLN SGPS e da SLN VALOR, os quais financiaram através de operações a descoberto e não regularizadas, incluindo-se entre elas as entidades:
- TILLAN MARKETING LTD;
- REDSHIELD SERVICES LTD;
- TEMPORY LIMITED;
- BREMONHILL SERVICES LLC;
- RELTONIA ENTERPRISES LLC;
- MERFIELD SERVICES LLC;
- MARBAY ENTERPRISES COR;
- ZEMIO INVESTMENTS CORP;
Para além destas, foram ainda utilizadas outras entidades em offshore com a finalidade de detenção de activos e de servirem de veículos de passagem de fundos em operações pontuais.
Para que a estratégia ou plano alcançasse os fins pretendidos faltava concretizar o seu terceiro pilar (instrumentalização de uma sociedade bancária que funcionaria como um banco instrumental que pudesse financiar a aquisição de acções próprias das várias holdings, através de entidades offshore e entidades pessoais, fora do controlo da Supervisão do Banco de Portugal).
Para o efeito, os arguidos OC…, LC… e FS… adquiriram para o grupo SLN/BPN, o Banco Insular.
Porém, para que a estratégia funcionasse, importava que o Banco de Portugal não o relacionasse com o grupo SLN/BPN.
Isso foi logrado, novamente, através de erro ou engano sobre os factos, astuciosamente provocado, como se demonstrará e resulta inequivocamente da factualidade provada.
Nesta parte, os arguidos já contaram com a colaboração do arguido JV….
Vejamos:
Para a execução do terceiro pilar da estratégia global definida pelos arguidos OC…, LC… e FS…, os mesmos identificaram a existência de um Banco, com registo em Cabo Verde, o designado Banco Insular, que se mostrava adequado a ser instrumentalizado para alcançarem os seus objectivos (75).
O Conselho de Administração do Banco Insular ficou desde logo formado pelos sócios JJ…, como presidente e EPi… e LFe…, como Vogais (80).
Constatando a existência do Banco Insular como instituição financeira detida pela FINCOR, os arguidos JO… e JV…, conceberam uma estratégia destinada a obter o seu controlo sem expor o BPN, tendo depois os mesmos arguidos, em conjunto com o arguido LC…, concebido nova estratégia para a sua utilização no seio do grupo BPN/SLN (81).
Pretendiam utilizar o Banco Insular na realização de operações financeiras que por razões contabilísticas e de consolidação de contas ou de controlo pelo Supervisor, não queriam assumir como realizadas pelo BPN ou pelo Grupo (82).
De acordo com a estratégia delineada por aqueles três arguidos, o BPN adquiriria a totalidade da FINCOR e suas participadas, excepto o Banco Insular, cuja totalidade do respectivo capital social seria previamente vendido a uma entidade terceira, não reconhecida como pertença do Grupo BPN (83)
Ainda de acordo com o planeado pelos mesmos arguidos, essa entidade terceira seria uma sociedade registada em Offshore a fim de dificultar o acesso das autoridades ao verdadeiro titular último da mesma (84).
Para tanto, através da sociedade PLANFIN, os arguidos, com a colaboração da arguida IC…, obtiveram a disponibilidade, de uma entidade offshore, designada “Insular Holdings Limites”, para a qual fizeram designar como procurador o arguido JM… (85).
A estratégia delineada foi, de facto, por inteiro conseguida e concretizada pelos arguidos OC…, LC… e JV… e colaboração da arguida IC… (86 a 103).
Com efeito, a aquisição formal do Banco Insular pela Insular Holdings que aparentemente tinha por último beneficiário JV…, foi efectivamente suportada na íntegra pelo Grupo BPN/SLN, tendo ainda sido concretizada de modo a obter o controlo e o total domínio do Banco Insular pelo grupo SLN/BPN sem expor o próprio grupo, tudo em ordem a realizar escondidas operações financeiras que por razões várias, designadamente contabilísticas, de consolidação de contas e de supervisão, não se pretendia que fossem assumidas pelo Grupo.
Os fundos que serviram para pagar o preço do Banco Insular à Fincor, SGPS, tiveram origem na conta da Venice Capital, no BPN, Cayman, donde, em 15.01.2002, foi transferida a quantia de € 927.780,00 para a conta da Marazion no BPN, Cayman – conta n.º ….
A Marazion, por sua vez, nesse mesmo dia, 15.01.2002, transferiu aquele montante de € 922.780,00 para a conta da Insular Holdings no Fortis Bank, em Londres.
Isto é, o montante utilizado pela Insular Holdings para pagamento do preço do preço de venda do Banco Insular proveio da conta da sociedade offshore Venice, junto do BPN Cayman (102)
Isso equivale a dizer que foi o próprio grupo SLN/BPN a disponibilizar o dinheiro para a aquisição, uma vez que a Venice era detida formalmente pela Marazion que tinha, por sua vez, como beneficiário final o grupo SLN (103).
A arguida IC… aderiu ao plano dos restantes arguidos, praticando parte dos actos materiais (101).
Seguiu-se o aumento de capital do Banco Insular subscrito integralmente pelo único accionista, a Insular Holdings.
Com esse aumento de capital – estamos, de novo, perante a “astúcia” - os arguidos OC…, LC… e VM… pretendiam dar credibilidade ao Banco Insular perante as autoridades de supervisão de Cabo Verde, embora pretendessem consumar tal aumento de capital com fundos a sacar sobre o próprio Banco Insular (erro e engano, astuciosamente provocado) – (104 a 106).
Os actos materiais através dos quais se alcançou esse resultado estão descritos nos factos provados 104 a 121.
Obviamente, a ter sido do conhecimento do Banco Central de Cabo Verde a origem dos fundos que serviram para realizar este aumento do capital social, ele não seria admitido, no sentido de que não produziria quaisquer efeitos nos rácios prudenciais, visto que, do mesmo passo, afectaria negativamente os fundos próprios do Banco Insular na exacta medida do aparente aumento de capital.
Daí que tenha sido concebido e realizado um longo circuito financeiro dos fundos que começou no (1) Banco Insular, passou pela (2) Rishona, pela (3) Doyle e pela (4) Insular Holdings, e voltou ao (5) Banco Insular.
O “embuste”, engano ou erro, prosseguiu já muito mais tarde, no ano de 2007.
De facto, em consequência das alterações produzidas no sistema internacional bancário (Acordo de Basileia II), que recomendava que o capital social dos bancos não fosse detido por um único titular, os arguidos JO… e JM… decidiram angariar pessoas de confiança que pudessem figurar como accionistas de favor da Insular Holdings, isto é, como simples fiduciários (122).
Foram contactadas pessoas que se disponibilizaram para isso que assinaram os contratos necessários (123 a 132), visando os arguidos OC… e VM… enganar as autoridades de supervisão do Banco Insular, criando a aparência de o mesmo funcionar de acordo com as regras internacionais, continuando a manter o controlo sobre a actividade do Banco (133).
Voltando um pouco atrás (ano de 2006), debrucemo-nos, agora, sobre a forma como se desenvolveu a operacionalização do Banco Insular a fim de serem atingidos os objectivos e fins dos arguidos e, concomitantemente, do grupo SLN/BPN.
Tomando por referência temporal inicial a data em que o Banco Insular foi adquirido pela Insular Holdings – 20.12.2001 – e o que se passou de então em diante, é inequívoco que o Banco Insular nunca teve estrutura operacional própria e autónoma (134).
Com efeito, numa primeira fase - desde a aquisição do Banco Insular pela Insular Holdings e até 2006 - era a DOP (Direcção de Operações) do BPN que executava as operações do Banco Insular (135 a 148).
Os arguidos OC…, LC…, FS…, IC…, LM… e LAl… tinham total conhecimento que o grupo SLN/BPN intervinha directamente na operacionalização do Banco Insular.
Com efeito:
A disponibilidade do Banco Insular para a colocação de operações de crédito foi dada a conhecer pelos arguidos OC… e LC… a outros responsáveis do BPN e da SLN, caso dos arguidos FS…, IC…, LM… e LAl…, passando os arguidos FS…, LM… e LAl… a também intervir no processo de determinação e controlo dos movimentos a lançar nas contas do Banco Insular (149)
As operações a registar pela DOP relacionadas com o Banco Insular tinham o seu início na Administração do BPN ou da SLN, através de JO…, FS… e LC…, que as transmitiam directamente a AF… ou indirectamente através do LM… e do LAl… (150).
Nas ordens, vinham especificados os montantes a movimentar, procedimentos de circulação e libertação de fundos, entidades de origem e de destino das operações e data-valor das mesmas e tudo o que demais fosse em particular necessário para efectuar a operação em concreto (151).
Os factos provados 152 a 164 complementam e reforçam a total operacionalização do Banco Insular pelo grupo SLN/BPN.
Resumindo: o lançamento das operações a realizar no Banco Insular tinha origem em instruções das administrações do BPN, SA e da SLN, SGPS, designadamente da parte dos arguidos OC…, LC… e FS…, que as transmitiam directamente ao arguido AF… ou indirectamente, através dos arguidos LM… e/ou LAl…, sendo executadas na Direcção de Operações (DOP), ou na Unidade de Operações Internacionais (UOI) pelos operacionais que acediam à plataforma informática do Banco Insular.
O acabamos de analisar corresponde à operacionalização do Banco Insular na vertente das ordens e instruções (movimentos bancários).
Porém, para que os movimentos bancários se concretizassem era necessário que aquela instituição bancária tivesse disponibilidade de fundos.
Cabe, assim, analisar o modo como foram canalizados esses fundos para o Banco Insular, fundos que foram utilizados para a concretização dos interesses e objectivos visados pelos arguidos e do grupo SLN/BPN (os referenciados supra).
Para tanto, foi montada uma estratégia delineada ao pormenor, novamente, por meio de erro ou engano sobre os factos, astuciosamente provocado.
Em primeiro lugar através dos balcões do BPN abertos ao público que captavam recursos financeiros dos seus clientes, com promessas de boa rentabilidade (165).
Muitos desses recursos foram utilizados em aplicações financeiras do BPN Cayman e, mais tarde, no BPN IFI sob a forma de depósitos a prazo em contas aí abertas em nome dos seus titulares (166 e 167).
E porque o Banco Insular não captava fundos suficientes que sustentassem e dessem cobertura às operações de crédito cuja realização era projectada por OC…, LC… e VM…, o arguido AF… (director da DOP), a solicitação do arguido FS…, mas com o conhecimento e supervisão daqueles primeiros, concebeu um conjunto de procedimentos designado por operativa interna BPN/BI que passou a ser aplicado no Banco Insular após a sua aquisição pela Insular Holdings e que durou até ao final de 2007 (cerca de 6 anos).
Em suma: os procedimentos da designada operativa interna BPN/BI destinavam-se a dotar o Banco Insular dos fundos que ele viesse a carecer na projectada concessão de crédito oculto ao Grupo SLN.
O modo como foi delineado e, depois, concretizado esse conjunto de procedimentos, está descrito nos factos provados 168 a 184.
Importa prestar alguma atenção aos objectivos visados e alcançados:
O arguido AF… veio a conceber um conjunto de procedimentos, que designou como “operativa interna BPN/BI”, que passava pela utilização da faculdade de gestão discricionária dos fundos recebidos dos clientes, de forma a os poder colocar, consoante as conveniências do grupo, designadamente, em face da avaliação da necessidade de capitais do Banco Insular (171).
Os arguidos OC…, LC…, JV…, FS… e AF… vieram assim, a conceber uma forma de gerar fundos para o Banco Insular, que se traduzia na manipulação dos registos das contas e dos movimentos, sem atender à vontade dos depositantes (172).
Através deste método (descrito nos factos provados 173 a 181), montado com a colaboração do arguido AF…, os arguidos JO…, LC…, JV… e FS…, obtinham fundos no Banco Insular para financiamento de um conjunto de operações que pretendiam secretas (183).
Com efeito, através de financiamentos do Banco Insular, os arguidos OC…, LC… e FS… para a prossecução dos seus objectivos de controlo accionista e financiamento de negócios do próprio grupo e de terceiros, lograram:
- Adquirir acções representativas do capital social da SLN SGPS e da SLN VALOR, por si ou através de várias sociedades veículo registadas em Offshore que controlavam;
- Empréstimos a accionistas, para aquisição de acções;
- Aquisição de participações financeiras em diversas sociedades e concessão de suprimentos;
- Aquisição de outros activos do imobilizado;
- Pagamentos directos a título de remunerações, prémios, comissões e patrocínios; (184)
Todavia, a estratégia e plano delineado, bem como o erro ou engano astuciosamente provado não se ficou pelo descrito.
Teve outros contornos ainda mais precisos e elaborados.
E isto porque (185 a 200):
Para adensar a opacidade de certas operações e para fazer face à necessidade de cumprimento das regras prudenciais impostas pelo Banco Central de Cabo Verde (necessariamente, também, as regras prudenciais do Banco de Portugal), os arguidos OC…, LC… e FS… determinaram a criação do designado Balcão 2, também designado 2001 ou Porto que, existindo para além do designado Balcão 1, também designado 2000 ou Lisboa, não relevava na contabilidade do Banco Insular e, por isso, não era objecto de reporte à supervisão do Banco Central de Cabo Verde, nem do Banco de Portugal.
Através das contas Nostro n.° … da Solrac Finance do balcão 2000 no balcão 2001 e n.° 70098510 da Solrac Finance do balcão 2001 no balcão 2000, estabeleceu-se a ligação dos dois balcões, sendo que todos os fluxos de operações financeiros com destino ou com origem no balcão 2 passavam sempre pelo balcão 1.
Aquelas contas funcionavam, pois, como contas de passagem ou de equilíbrio entre ambos os balcões.
A decisão de colocação das contas no designado Balcão 2 era tomada pelos arguidos OC… e LC…, os quais transmitiam tais indicações ao arguido AF…, que as fazia executar através dos colaboradores da DOP RP… e EP…, bem como posteriormente, também pelos operacionais que foram transferidos para Cabo Verde.
Em termos de registos bancários, o modo concreto como se operacionalizava essa passagem está descrita nos factos provados 191 a 195.
No que respeita ao balcão 2, ou 2001, face aos registos das contas de ligação designadas Solrac, as operações migradas para fora do balanço a partir de 23.04.2003 acumularam o valor de 9,7 mil milhões de euros (note-se: é o total, em termos de valor, dos movimentos registados fora do balanço) – (197).
Este valor astronómico (valor total dos movimentos registados) resulta do esquema de obtenção de funding do Banco Insular nos termos do qual os depósitos de clientes que eram transferidos ou replicados, do BPN Cayman e mais tarde do BPN IFI, para o Banco Insular, retornavam ao BPN Cayman e ao BPN IFI nas datas de vencimento e, depois, após renovação, eram de novo transferidos ou replicados para o Banco Insular em sistema de “revolving” (203)
Tal não significa, de modo algum, – importa vincá-lo para que não haja quaisquer dúvidas – que tenha havido algum tipo de desvio/subtracção daquela quantia.
Significa tão só – e apenas isso – que os registos contabilísticos do balcão 2 nunca foram objecto de reporte às autoridades de supervisão, sendo que esses registos, em termos cumulativos, alcançam aquele valor.
De todo o esquema/plano montado resultou:
A abertura, fora do balanço, i.e., fora do controlo de quaisquer autoridades de supervisão (de Cabo Verde e nacionais), de 4.335 contas de clientes, incluindo a Solrac Finance, 65 de sociedades offshore e a conta A1 titulada pelo arguido OC… (201 e 202).
E, também, note-se, através das contas do balcão 2 do Banco Insular que não eram levadas ao balanço ficando, por isso, completamente fora do controlo das autoridades de supervisão, os arguidos OC…, LC… e FS…, com a colaboração dos arguidos LM… e LAl…, concederam créditos sob a forma de conta corrente caucionada no valor global de 537 milhões de euros (204 a 207).
Isto é, através de uma estrutura paralela não consolidada foi concedido crédito a 57 entidades offshore, incluindo 48 offshores da SLN e ao seu próprio Presidente, à data dos factos, via conta designada A1 (206).
Àquele montante somam-se ainda os créditos concedidos sob a forma de descoberto à ordem a entidades offshore do grupo SLN que funcionavam como central de custos (Solrac e Jared), bem como à Reltonia (sociedade offshore destinada a deter acções do grupo) – (208 e 209).
Em síntese:
Por intervenção dos arguidos OC…, LC… e FS…, foi concedido fora de balanço (balcão 2 ou 2001), um montante total de crédito de 725 milhões de euros (210).
Por sua vez, em sede das operações registadas nos livros do Banco Insular (balcão 1 ou 2000), mas que também nunca foram objecto de reporte ao Banco de Portugal, os arguidos OC…, LC…, FS… e JV… concederam montantes de crédito, só através de utilizações de contas correntes caucionadas, num total de € 1.005.000,00 (mil e cinco milhões de euros) e de USD 205.000.000,00 (205 milhões de dólares americanos) – 212.
                                                    *
Três parêntesis:
1) Os balcões 2000 (dentro do balanço) e 2001 (fora de balanço) deviam ter sido objecto de consolidação no BPN, S.A., BPN, SGPS, S.A., e na holding SLN, SGPS, S.A.?
Obviamente que sim.
(…)
Em síntese:
A actividade do Banco Insular sempre foi exercida, no período temporal a que todos os factos provados da pronúncia se reportam, no exclusivo interesse e por conta do grupo SLN/BPN e entidades participadas por este grupo, sendo, por conseguinte, obrigatória a inclusão do Banco Insular no perímetro de consolidação de contas ao nível da SLN, o que nunca ocorreu.
                                                      *
2) Da responsabilidade criminal do arguido JV…:
Os factos praticados pelo arguido VM…, no tocante ao Banco Insular, esgotam-se nos que ora foram analisados e resumidos.
Relativamente ao crime de burla qualificada:
Atento o teor da materialidade provada, não subsistem quaisquer dúvidas da verificação, “in casu”, dos elementos objectivos do crime de burla, a saber:
1) uso de erro ou engano sobre os factos, astuciosamente provocado;
2) para determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou a terceiro, prejuízo patrimonial;
3) intenção de obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo;
O erro ou engano sobre os factos, astuciosamente provocado, traduz-se em todos os procedimentos adoptados pelo arguido e que se mostram descritos supra, tendentes a ludibriar as entidades de supervisão e os accionistas da SLN, objectivo que foi alcançado, no que concerne a este arguido, restrito ao balcão 1 ou 2000 que nunca foi objecto de informação e comunicação a essas mesmas entidades.
O prejuízo patrimonial é elucidativo.
Mesmo excluindo o balcão 2 ou 2001, basta atentar nas dezenas de milhões de euros de mútuos ou empréstimos (contas correntes caucionadas ou descobertos à ordem) que foram concedidos, com a sua participação, a sociedades offshore do grupo SLN/BPN, mútuos que nunca foram pagos e constituem um prejuízo deste grupo.
Na outra “outra face da mesma moeda” está o benefício ilegítimo obtido pelo mesmo grupo SLN/BPN que lhe permitiu alavancar exponencialmente a sua actividade bancária e financeira, sem dispor de recursos para tanto, o que não teria conseguido não fora a utilização do esquema montado para ocultação dessa actividade das entidades de supervisão.
Acresce que a nível subjectivo provou-se:
945) O arguido JV… actuou com o propósito de gerar cenários tendo em vista ludibriar entidades de supervisão e accionistas da SLN, aceitando fazer as entidades por si administradas pagar e sofrer perdas para criar os referidos cenários e formas de engano de terceiros;
958)Todos os arguidos actuaram livre e conscientemente, sabendo o arguido VM… que a sua conduta era proibida e punida por Lei;
Em suma, estão verificados todos os elementos objectivos e subjectivos do crime de burla.
Os elementos subjectivos consubstanciam-se nos factos enunciados, sendo-lhe imputada a conduta a título de dolo directo.
A burla é qualificada (arts. 218°, n.° 2, al. a) e 202°, al. b), ambos do C.P.) face ao valor do prejuízo patrimonial provocado.
(…)
As mesmas considerações levariam, desde já, à conclusão de que os arguidos OC…, FS…, LM… e LAl… devem ser condenados pela prática de um crime de burla qualificada e um crime de falsificação de documento simples.
E, também, que os arguidos LC… e IC… deviam ser condenados pela prática de um crime de burla qualificada (supra, já se concluiu pela sua condenação pelo crime de falsificação agravada, relevando a conduta agora aferida só para efeitos da medida concreta da pena).
Porém, a actuação destes arguidos não se esgotou na factualidade apreciada até ao momento.
Impõe-se, por isso, prosseguir na respectiva análise.
Como se viu:
A estratégia foi delineada e, depois, operacionalizada a nível do Banco Insular.
No entanto, projectou-se nos negócios concretos realizados pelos arguidos, sempre com os mesmos intentos.
Vejamos, ainda que de modo mais resumido, uma vez que já se mostra enquadrada jurídico-criminalmente a conduta dos arguidos:
O primeiro pilar da estratégia definida (controlo accionista) foi totalmente alcançado pelos arguidos OC…, LC… e FS… (factos provados 287 a 337).
Refira-se só que os mesmos arguidos, após a constituição da SLN Valor (293 e 294), determinaram a subscrição de parte do capital social desta sociedade no montante de 3 milhões de euros, o qual foi realizado pela SLN Imobiliária com fundos transferidos da Venice para a Camden e desta sociedade para a própria SLN Imobiliária (295 a 298).
Seguiram-se, então, os negócios concretos realizados pelo grupo SLN/BPN:
1) Marbay (factos provados 338 a 365):
Negócio no qual tiveram intervenção os arguidos OC…, LC… e FS… e que pelos procedimentos e actos descritos nos factos provados 338 a 361 teve as seguintes consequências:
(…)
Vale o exposto por dizer que, neste caso, não se vislumbra, os elementos objectivos do crime de burla, designadamente o enriquecimento ilegítimo e o erro ou engano astuciosamente provocado.
2) Plexpart (factos provados 366 a 408):
Negócio já analisado supra em que tiveram intervenção directa os arguidos OC…, LC… e IC….
Concluiu-se, então, pela prática por estes dois últimos arguidos de um crime de falsificação agravada.
Na óptica do tipo-de-ilícito de burla qualificada também se verificam todos os seus elementos objectivos e subjectivos.
Provou-se:
366) Na execução da estratégia definida no terceiro pilar, conforme acima narrado, no sentido da consolidação do controlo da posição accionista, acordaram os arguidos OC… e LC…, em adquirir acções da SLN Valor SGPS através de uma sociedade controlada pelo arguido LC…;
367) Para tanto, os arguidos OC… e LC…, conceberam a estratégia de constituir uma sociedade de direito português através dos serviços da PLANFIN, que denominaram PLEXPART SGPS;
368) Em execução do acordo, a sociedade “Plexpart SGPS S.A.” foi constituída por escritura datada de 29 de Maio de 2001, tendo como accionista única a PLANFIN – Serviços Planeamento Financeiro Internacional S.A. (PLANFIN daqui em diante), sendo esta representada no acto pela arguida IC…;
(...);378) A 23 de Janeiro de 2002, verificou-se uma alteração accionista na Plexpart, com a venda das restantes 12.500 acções detidas pela Newtech a LC…, ficando o mesmo accionista único da “Plexpart SGPS S.A.”, tal como planeado pelos arguidos OC… e LC…;
379) A sociedade Plexpart SGPS S.A. obteve 3.150.000 acções da SLN Valor SGPS S.A, as quais foram adquiridas da seguinte forma:
380) Em 18 de Julho de 2001, ocorreu um aumento de capital da SLN VALOR SGPS, tendo a PLEXPART concorrido para aquisição de uma quota de 2.000.000,00 €, tal como haviam planeado os arguidos OC… e LC…;
384) Para pagamento da quota subscrita, o arguido LC…, através do arguido LM…, ordenou, em 28 de Junho de 2001, uma transferência de 2.000.000,00 € da conta n° … da VENICE Capital junto do BPN Cayman para a conta da entidade offshore Multiarea junto do BPN Cayman com o n° …;
385) Ordenou ainda o arguido LC…, através do arguido LM…, que a Multiarea transferisse os mesmos 2.000.000,00 € para a conta da entidade offshore Eurowideas, no Barclays Bank em Londres;
386) A ordem de pagamento para o exterior foi executada por débito da conta da Multiarea, tendo no entanto tal ordem de pagamento sido anulada e o montante devolvido novamente à conta da Multiarea em BPN Cayman;
387)Em 2 de Julho de 2001, o arguido LC… fez com que a Multiarea transferisse o montante de 2.000.000,00 € a favor da conta junto do BPN Cayman titulada pela entidade offshore Seaford Holdings, com o número … e que desta fosse emitida nova ordem de pagamento a favor da conta da entidade offshore “Newtech Strategic Holdings Limited” junto do Barclays em Londres;
388)No dia 9 de Julho de 2001, a conta da PLEXPART junto do BPN registou um movimento a crédito de PTE 400.936.377$00 (EUR 1.999.870,00) cujo ordenante foi a Newtech Strategic Holdings Limited;
389)Desta forma, os arguidos OC… e LC… consolidaram poder accionista na SLN VALOR SGPS com recursos obtidos junto da entidade VENICE, a qual, após esta operação ficou com um saldo negativo de acumulado de 81,7 milhões de euros;
390) Os arguidos OC… e LC… montaram um circuito financeiro para os fundos retirados da VENICE, fazendo-os passar por contas de entidades instrumentais, caso das entidades offshore MULTIAREA, SEAFORD e NEWTECH, antes de finalmente ser recebido pela PLEXPART, de forma a ocultar a origem dos fundos e o saque a descoberto sobre a conta da VENICE;
391) No seguimento do seu plano de controlo accionista, os arguidos OC… e LC…, através da PLEXPART, concorreram a um novo aumento de capital da SLN VALOR SGPS;
392) Assim, na sequência do acordado, no dia 15 de Maio de 2003 a Plexpart concorreu ao aumento de capital tendo subscrito uma quota adicional de 1.000.000,00€;
393) Esta quota foi liquidada pela PLEXPART em duas tranches, uma a 23 de Junho de 2003, no montante de 500.000,00 € e a segunda em 29 de Setembro de 2003, também de 500.000,00 €;
394) A liquidação das duas tranches teve por base os seguintes movimentos:
395) No dia 23 de Junho de 2003, a sociedade offshore BRESLAN INVESTMENTS vendeu 250.000 acções da SLN SGPS S.A. à PLEXPART, tendo esta ficado devedora da “Breslan Investments LLC” no montante de 550.000,00 €;
396) A BRESLAN INVESTMENTS é uma entidade offshore, disponibilizada através da PLANFIN, que tem como beneficiário final o próprio arguido LC…;
397) No mesmo dia 23 de Junho de 2003, a Plexpart vendeu as mesmas 250.000 acções à sociedade “Geslusa”, empresa que consolida no universo SLN e onde o arguido LC… era vogal do Conselho de Administração desde 5 de Agosto de 1999, ao preço de 2,20 €, gerando um crédito na conta BPN da “Plexpart SGPS S.A.” de 550.000,00 €;
398) A liquidação da tranche ocorreu por débito da conta da PLEXPART no BPN e crédito na conta da SLN Valor no BPN, por transferência ordenada pelo arguido LC…;
399) Para liquidação da segunda tranche, ocorrida em 29 de Setembro de 2003, os arguidos LC… e OC…, com a colaboração do arguido VM…, fizeram conceder um crédito, no Banco Insular, no montante de 500.000,00 €, à sociedade “Plexpart SGPS S.A.”;
Repete-se, o que já se evidenciou supra:
Em primeiro lugar, importa aferir como e de onde veio o dinheiro.
Neste peculiar, evidencia-se o erro ou engano, astuciosamente provocado.
1) Quanto à subscrição inicial da quota de € 2.000.000,00 no aumento de capital ocorrido em 2001:
O arguido LC…, através da Plexpart, adquiriu uma quota de € 2.000.000,00 da SLN Valor.
Para o efeito, determinou uma transferência desse montante da conta da Venice Capital junto do BPN Cayman para a conta da entidade offshore Multiarea junto da mesma instituição bancária.
Depois de a quantia passar pela Seaford e pela Newtech finalmente, a 9.7.2001, a conta da Plexpart foi creditada com o montante de € 1.999.870,00.
Isto é, em resumo, tal como resulta do facto provado 389 da pronúncia a subscrição da quota da SLN Valor, naquele montante, foi lograda “com recursos obtidos junto da entidade Venice, a qual, após esta operação ficou com um saldo negativo acumulado de 81,7 milhões de euros”.
2) Subscrição adicional da quota de € 1.000.000,00:
A Plexpart subscreveu uma quota adicional de € 1.000.000,00 da SLN Valor, a qual foi liquidada em duas tranches, no montante de € 500.000,00 cada uma.
No que concerne à 1ª tranche:
No dia 23.6.2003 a offshore Breslan vendeu 250.000 acções da SLN, SGPS, S.A., à Plexpart tendo ficado devedora no montante de € 550.000,00, i.e., esta sociedade não pagou o preço de aquisição daquelas acções.
Por sua vez, no mesmo dia, a Plexpart vendeu as mesmas acções à Geslusa e recebeu o respectivo preço de € 550.000,00.
Creditada esta quantia na sua conta, a Plexpart liquidou a 1' tranche das acções.
No que respeita à 2ª tranche:
A 29.9.2003 faltava pagar € 500.000,00.
Para a liquidação desta segunda tranche a Plexpart obteve um mútuo/empréstimo junto do Banco Insular no valor de € 500.000,00, quantia com a qual, a 29.3.2003, liquidou a 2' tranche.
Na sequência disto, os arguidos LC… e IC… actuaram do seguinte modo:
400) Para esconder a existência de um empréstimo junto do Banco Insular, o arguido LC…, fez depositar, no mesmo dia 29 de Setembro de 2003, um cheque de igual montante na conta da “Plexpart SGPS S.A.” junto do BPN, cheque esse sacado sobre a conta da PLEXPART junto do BBVA, fazendo, no entanto, inscrever na respectiva contabilidade que se tratava de um empréstimo da “Breslan Investments LLC”;
401) Ainda no sentido de ocultar os financiamentos concedidos à PLEXPART pela VENICE e pelo Banco Insular, o arguido LC…, já em 2006, perante a perspectiva da sua eventual saída do grupo SLN, que viria a ocorrer em 2007, solicitou a colaboração da arguida IC…, que conhecia a verdade dos financiamentos e, para não se envolver directamente no assunto, o arguido emitiu uma procuração a favor da Dra. CA…, a quem solicitou que o representasse numa escritura de mutuo, com o objectivo visado de produzir um novo documento que viesse dar uma justificação para a origem dos fundos;
402) Assim, o arguido LC… e a arguida IC… transmitiram à Dra. CA… apenas a informação de que a entidade BRESLAN havia realizado empréstimos à PLEXPART, nos anos de 2001 e de 2003, os quais era importante reconhecer;
403) Em execução do congeminado pelo arguido LC…, foi então celebrada, a 16 de Maio de 2006, no Cartório Notarial da Dra. JMt…, em Lisboa, uma escritura de mútuo em que a Dra. CA… interveio em representação da BRESLAN e a arguida IC… interveio em representação da PLEXPART;
404) No acto dessa escritura, a arguida IC… e a Dra. CA… declararam que a BRESLAN tinha concedido a 9 de Julho de 2001 um empréstimo à sociedade PLEXPART no montante de 2,5 milhões de euros, quantia que havia sido disponibilizada em duas tranches, uma nessa data de 2001 e no montante de 2 milhões de euros e a outra na data de 26 de Setembro de 2003, no montante de 500 mil euros, fazendo ainda referência a um prazo e taxa de juro;
405)A arguida IC… sabia que o afirmado naquele acto notarial não correspondia à verdade, tendo atuado em conluio e para realização dos interesses do arguido LC… e sabendo que, com as suas condutas, estavam a lesar as entidades que efectivamente tinham financiado a PLEXPART;
406)Com efeito, o arguido LC… para além de pretender ocultar o seu compromisso com financiamentos originados na VENICE e no Banco Insular, pretendia, através da BRESLAN, de que era beneficiário, forjar a existência de créditos sobre a sociedade PLEXPART;
Atenta esta factualidade, não há dúvidas que se verificam todos os elementos objectivos constitutivos do crime de burla qualificada.
Ocorreu um benefício ilegítimo na medida em que, como consta dos factos provados, visava-se ocultar o compromisso do arguido LC… com financiamentos originados na Venice e no Banco Insular (financiamentos que, obviamente, tinha que ser pagos).
Por outro lado, através da Breslan, de que o arguido LC… era beneficiário, forjou-se a existência de créditos sobre a sociedade Plexpart.
Forjou-se, pela simples razão de que não existiam.
Deste modo, o arguido LC… visou:
Por um lado, titular num documento (escritura pública de mútuo) um crédito inexistente.
Por outro, forjar a existência de créditos sobre a Plexpart.
Por fim, esconder a verdade dos financiamentos à Plexpart que tiveram a sua origem na Venice e no Banco Insular e, deste modo, ocultar também o compromisso financeiro/pecuniário do arguido LC… perante estas entidades.
Daí resulta, igualmente, o prejuízo para a Venice e Banco Insular
Acresce que, também se provou a nível subjectivo:
939) Os arguidos OC…, LC… e FS… actuaram com o propósito de impor os seus interesses individuais, em sede de conquista de controlo accionista, de perpetuação nos cargos e de prevalência dos negócios por si idealizados, sobre os interesses das sociedades que lhes competia administrar;
940) Os arguidos OC…, LC… e FS… conjugaram esforços no sentido de ludibriar accionistas e criar falsos cenários às entidades de supervisão de forma a fazerem impor estratégias de negócio pessoais, aceitando fazer as entidades por si administradas pagar e sofrer perdas para criar os referidos cenários e formas de engano de terceiros;
958)Todos os arguidos actuaram livre e conscientemente, sabendo o arguido LC… que a sua conduta era proibida e punida por Lei;
Ou seja, no que diz respeito ao elemento subjectivo, está ínsita na factualidade apurada a intencionalidade e a voluntariedade do comportamento dos arguidos e o óbvio conhecimento da sua ilicitude, ocorrendo, pois, o dolo, aqui na sua forma directa (art. 14°, n.° 1 do C.P.), bem como, o específico (obtenção de benefício para o próprio arguido LC…, bem como para a Breslan, sociedade offshore de que era o último beneficiário).
3) Compra e venda da SLN Imobiliária (factos provados 409 a 539):
O Banco de Portugal, por carta de 17 de Julho de 2000, alertou o Conselho de Administração da SLN SGPS de que considerava aquela entidade como uma companhia financeira, devido ao facto de deter o Banco Português de Negócios, pelo que estaria sujeita à sua supervisão, numa base consolidada que abrangeria todas as sociedades participadas (409).
Mais alertou o Banco de Portugal para o facto de que, nessa análise consolidada de todas as participadas pela SLN SGPS, se evidenciava uma exposição a risco de crédito que atingia o montante de 85,2 milhões de euros, quando estaria sujeita a um limite de exposição até 20% dos fundos próprios consolidados, o que na altura representaria um limite de 23,5 milhões de euros (410)
Como consequência desse excesso ao limite de exposição ao risco de crédito, que, na data atingiria já o valor de 61,7 milhões de euros, o Banco de Portugal exigiu a regularização do excesso de exposição ao crédito, estabelecendo níveis mínimos de solvabilidade, de 9%, para o BPN, em base individual, e para a SLN, em base consolidada (411)
Face a esta exigência do Banco de Portugal desencadearam-se, então, uma série de actos e contratos que visaram, através de vários artifícios, enganar o Banco de Portugal, em ordem a convencê-lo que a SLN Imobiliária tinha saído do perímetro de consolidação da SLN SGPS, S.A.
De facto, os arguidos OC…, FS… e LC… conceberam uma estratégia no sentido de criar a aparência de um procedimento de cisão, ou seja, de que a sub-holding SLN Imobiliária, SGPS, S.A., e suas participadas, deixaram de aparecer como integrantes do grupo SLN (412)
Estratégia que passava por contar com a intervenção de terceiros que, com a aparência de utilização de capitais externos ao grupo, viessem a adquirir a SLN Imobiliária a fim de esta, em termos contabilísticos deixar de consolidar no grupo SLN/BPN (413).
Processo de cisão que foi fictício, uma vez que os arguidos não pretendiam abrir mão do controlo das sociedades e dos negócios incluídos na sub-holding SLN Imobiliária (414).
Para o efeito contaram com a colaboração de pessoas de confiança, as quais aliciavam com a perspectiva de obterem um ganho, visando, deste modo, utilizar o nome desses terceiros para se associarem a uma entidade veículo, que viesse a figurar como adquirente da SLN Imobiliária (414).
Porém, considerando que formalmente procediam à venda da SLN Imobiliária, impunha-se controlar os terceiros adquirentes, o que viria a ser logrado através do financiamento de toda a operação pelo BPN com recurso, mais uma vez, à entidade instrumental Venice (415).
Essa estratégia foi concretizada e plenamente alcançada pela execução dos actos descritos nos factos provados 417 a 454, com a intervenção directa dos arguidos OC…, LC… e FS… e colaboração da arguida IC….
Deles resulta, aliás, como ficou provado:
455) Os arguidos OC…, LC…, e FS…, com a colaboração da arguida IC…, actuaram assim, visando criar a aparência de um circuito financeiro compatível com a aquisição da SLN IMOBILIÁRIA por uma entidade terceira e independente do Grupo SLN;
456) Porém, quer os arguidos mencionados no facto 455° quer cinco accionistas que aceitaram intervir na operação sabiam que os 4.000.000.000$00 (quatro mil milhões de escudos) mobilizados para a passagem do capital social da SLN IMOBILIÁRIA para a CAMDEN tinham tido origem no próprio BPN, sabendo e querendo os supra referidos arguidos utilizar a conta da “Venice Capital Limited” junto do BPN Cayman, conta …, e actuar de forma a iludir o Banco de Portugal, contornando as obrigações por este impostas, mas sem retirar a SLN IMOBILIÁRIA do controlo pelo grupo SLN/BPN, que passava a ser feito através da entidade CAMDEN;
457) Ao fazerem debitar a conta da VENICE no montante de 4.000.000.000$00, os arguidos identificados no facto 455° sabiam que, para realizar aquele propósito de iludir o Banco de Portugal, estavam a gerar um descoberto e a gerar um passivo para o BPN, através do BPN Cayman, pelo que montaram novo esquema de forma a criar a aparência de trazer fundos para a conta da referida VENICE;
A todo este plano aderiu, já no final, os arguidos LAl… e LM….
Com efeito:
458) Os arguidos OC…, LC…, LAl… e FS…, embora sabendo dos reais circuitos financeiros montados para suportar a aquisição da SLN IMOBILIÁRIA, continuaram a afirmar, perante o Banco de Portugal, que o BPN não havia financiado a referida aquisição;
459) No seguimento dessa estratégia dos arguidos OC…, LC… e FS…, o arguido LAl…, veio a subscrever, a 11-3-2004, uma carta, na qualidade de Director da Contabilidade da SLN SGPS, dirigida ao Banco de Portugal, onde afirma que “para a aquisição da SOGIPART SGPS, pela CAMDEN, não se verificarem facilidades de crédito, a esta entidade ou aos seus accionistas, por parte de entidades do Grupo BPN/SLN”, facto que sabia não ser verdade, uma vez que detinha o controlo de activos e passivos das entidades instrumentais, entre as quais se incluía a VENICE;
460) Ainda no seguimento da mesma estratégia, os arguidos OC…, LC… e FS… determinaram a alteração da firma SLN IMOBILIÁRIA para SOGIPART – Sociedade Imobiliária, SGPS, SA, redenominação formalizada em Maio de 2002;
461)Os arguidos OC…, LC…, FS…, LM…, LAl… e IC… projectaram a aparente repartição do esforço financeiro de financiamento da CAMDEN, tendo para o efeito obtido, via PLANFIN, um conjunto de entidades em offshore;
462) Tais entidades em offshore, são as seguintes:
- Acle Holdings Inc (Belize);
- Jamaki Trading Ltd (Ilhas Virgens Britânicas);
- Kemusa Holdings LLC (Wyoming - EUA);
- Marton Investments Inc (Belize);
- Quila Holdings Ltd (Belize);
- Rador Limited (Ilhas Virgens Britânicas);
- Ricia Investments Inc (Belize);
- Zala Holdings Ltd (Belize);
463) As mesmas entidades offshore tinham como beneficiária final a entidade MARAZION HOLDINGS LLC, a qual por sua vez tinha como beneficiária a SLN SGPS;
464) Tal conjunto de entidades veio apenas a ser utilizado pelos arguidos OC…, LC…, LM…, LAl… e FS…, dois anos depois da celebração do protocolo, para o efeito de dar cobertura ao financiamento realizado através da conta da VENICE junto do BPN Cayman, conforme adiante se narrará;
Mas este plano, antes disso, teve ainda outro alcance e contornos (factos provados 465 e segs.):
Na decorrência do contrato-promessa de compra e venda da SLN, Imobiliária, SGPS, de 15.09.2000, e antes da celebração do contrato prometido/definitivo, logo em 30.09.2000 foram celebrados dois contratos de cedência de créditos:
a) SLN, SGPS/Camden/SLN, Imobiliária:
Um, entre a SLN, SGPS, SA, representada pelos arguidos OC… e LC…, a Camden, representada pelo director e gestor fiduciários, e a SLN Imobiliária, representada pelos arguidos Jau… e FS…, nos termos do qual a SLN, SGPS, SA. cedeu à Camden 1.028.016.432$00 de suprimentos e 1.321.884$00 de créditos, pelo preço de 1.029.338.316$00 correspondente a € 5.134.318,00:
- Apenso temático AA (6) – controlo accionista (SLN Valor e SLN, SGPS) – Vol. 3, págs. 62 e seguintes – 30.09.2000 - Contrato de cessão de créditos e suprimentos SLN, SGPS / Camden / SLN, Imobiliária, com dois anexos;
b) SLN, SGPS/Camden:
Outro, entre a SLN, SGPS, representada pelos arguidos OC… e LC…, e a Camden, representada pelo director e gestor fiduciários, segundo a qual aquela cede a esta os créditos sobre as seguintes sociedades, pelos montantes que se indicam:
(i) ABZ (233.716.249$00 ou € 1.165.772,00);
(ii) Estrela do Vento (125.000.000$00 ou € 623.497,00);
(iii)Imonações (746.213.561$00 ou € 3.722.098,00);
(iv)Parvir (393.500.000$00 ou € 1.962.770,00);
(v) Socenta (21.551.894$00 ou € 107.500,00);
(vi)Urbinegócio (25.321.500$00 ou € 126.303,00) e
(vii)Validus (57.436.000$00 ou € 286.490,00);
Tudo, no montante global de 1.602.739.204$00, então equivalente a € 7.994.429,45.
Com este procedimento, os arguidos OC…, LC… e FS… visavam, de novo, criar um erro ou engano astuciosamente provocado, uma vez que pretendiam expurgar das contas da SLN SGPS créditos que entendiam onerar a mesma e, principalmente, criar uma justificação para uma nova transferência de fundos entre a conta da VENICE e a SLN SGPS, ocultando a intervenção da primeira através da CAMDEN (467).
Seguiram-se os movimentos financeiros pertinentes em ordem a ser atingido tal desiderato:
Para pagamento (v. factos provados 475 a 479 e 487) do preço daquelas cessões (1.029.338.316$00 + 1.602.738.204$00) foi feita uma transferência no valor de 2.633.000.000$00, realizada em 17.10.2000, com data-valor de 30.09.2000 (data da outorga dos contratos), a débito da conta da Venice Capital no BPN Cayman para a conta da Camden no BPN Cayman, onde é creditada na mesma data, 17.10.2000, com data-valor de 30.09.2000 (data da outorga dos contratos).
Previamente, aquela conta da Venice, antes de debitada, tinha sido creditada pelo montante de 5.154.438.646$00 com base em resgates de diversos depósitos a prazo de clientes do BPN Cayman, sem a sua autorização, executados por CD… em execução de instruções do arguido OC… veiculados por GS…, director de contabilidade do BPN, SA. (v. factos provados 481 a 486).
Esta criação fictícia de fundos na conta da Venice por resgate de depósitos a prazo de contas de clientes, como se estes a ela pertencessem e ali não estivessem de passagem, foi replicada por determinação dos arguidos OC…, LC… e FS… de modo a não evidenciar o consequente descoberto (488).
No final da sua utilização, quando se cobriu esse descoberto através da conta Solrac no Banco Insular, a conta da VENICE atingia um descoberto de cerca de 80 milhões de euros (488).
Tudo não passou, pois, de um esquema com vista a, através da utilização de duas sociedades offshore do grupo (Venice e Camden), por um lado, fazer aportar fundos substanciais à SLN SGPS, S.A. que não tinham qualquer justificação face àquela simulação e, por outro, desonerar a SLN Imobiliária e aquelas seis sociedades de obrigações que sobre si recaíam, designadamente do pagamento das dívidas que tinham em relação à SLN SGPS.
Acresce que:
490) (...) os arguidos OC…, LC… e FS… bem sabiam, tais operações, embora conseguissem ocultar o descoberto da conta da VENICE no imediato a seguir à operação, geravam um acréscimo de passivo pela necessidade de pagamento de juros aos clientes e reembolso das quantias para as respectivas contas;
No desenvolvimento do plano, ou na concretização da sua 2ª parte, foram posteriormente utilizadas 8 sociedades offshore (Acle, Jamaki, Kemusa, Quila, Rador, Ricia e Zala) – factos provados 494 a 518.
No essencial e relevante retira-se dessa factualidade o seguinte:
Neste caso, não há “saque” de fundos da Venice, antes ocorrem pagamentos a esta entidade offshore por aquelas outras 8 sociedades offshore.
Face ao enorme descoberto da conta da Venice no BPN Cayman que, além do mais, espelhava a utilização dos cerca de 42 milhões de euros a “saque” daquela entidade nas operações supra descritas procedeu-se, então, em 29.11.2002 e 13.12.2002 à sua cobertura, mediante créditos no montante global de € 42.201.303,50 concedidos pelo Banco Insular (novo instrumento de mobilização de fundos entretanto obtido) às oito sociedades offshore identificadas, todas tendo por último beneficiário a Marazion, ou seja, o grupo BPN/SLN.
Os arguidos OC…, LC…, LM…, LAl… e FS… pretendiam fazer sacar sobre as contas bancárias das referidas sociedades offshore, junto do Banco Insular, os fundos necessários para regularizar o descoberto criado sobre a conta da VENICE, junto do BPN Cayman, sem que visualizassem como necessária a liquidação desses saques (501).
O modo como foi alcançado este desiderato, mostra-se relatado nos factos provados 502 a 514.
Não se olvide que no desenvolvimento e concretização do plano ocorreu um efectivo prejuízo patrimonial e um benefício ilegítimo para o grupo SLN/BPN:
515) Deste modo, os arguidos OC…, LC…, LM…, LAl… e FS… conseguiram proceder à liquidação dos fundos disponibilizados, no exercício de 2000, pela VENICE, para a realização de negócios através da CAMDEN, com a utilização das contas das oito sociedades em offshore, que se financiaram junto do Banco Insular;
516)As contas de tais sociedades em offshore, continuaram a ser sacadas, após as operações acima descritas, pela intervenção dos mesmos arguidos e com o mesmo fim, aumentando assim, o volume de passivo sobre aquelas contas, conforme adiante se quantificará;
517)Tal como era a intenção inicial dos arguidos OC…, LC…, LM…, LAl… e FS…, os montantes transferidos das contas das referidas oito sociedades offshore junto do Banco Insular nunca foram regularizados;
518) Tais montantes, à data da acusação, encontravam-se em dívida perante o BPN SA, por via da dação de créditos verificada após a cessação da licença bancária conferida ao Banco Insular;
Porém, neste negócio, a actuação dos identificados arguidos não termina aqui, pois outros se seguiram (factos provados 519 a 539).
Matéria que se subdivide em três subtemas para facilitar a sua compreensão:
1) Pagamento de suprimentos da Imonações – Sociedade Imobiliária, S.A. e da Villas D’Agua – Construções à Beira Mar, S.A. à Aniola Trading Limited;
2) Transferências da conta da Aniola para as contas da Rador, da Kemusa, da Jamaki, da Quila e da Zala;
3) A totalidade do passivo gerado;
No que aqui tem relevância, algumas das oito sociedades offshore, designadamente a Jamaki, a Kemusa, a Quila, a Rador e a Zala tinham aberto contas por si tituladas no BPN Cayman (v. factos provados 519, 1º parte e 522).
Tendo nelas sido gerado novas responsabilidades, em particular por aí terem sido abertas contas correntes caucionadas para permitir a circulação de fundos para o BPN Cayman, os arguidos OC…, LC…, LM…, LAl… e FS…, formularam novo plano no sentido de liquidar tal passivo (519).
Com efeito, tendo o Banco de Portugal acesso a dados das contas do BPN Cayman, os mesmos arguidos visavam impedir que fosse identificado um fluxo financeiro não liquidado entre as contas das referidas sociedades offshore, a conta BPN Cayman da VENICE CAPITAL e a conta da entidade CAMDEN CAPITAL, também no BPN Cayman (520).
Assim, os arguidos OC…, LC…, LM…, LAl… e FS… conceberam uma estratégia que passava pela utilização de fundos de algumas das sociedades participadas, que seriam colocados numa nova entidade veículo, de onde, por sua vez, seriam transferidos para as contas onde existiam responsabilidades a regularizar (521).
Para o efeito, como resulta da factualidade provada, as participadas da Sogipart, SGPS, S.A. (ex-SLN Imobiliária, SGPS, S.A.), designadamente a Imonações – Sociedade Imobiliária, S.A. e a Villas D’Água – Construção à Beira Mar, S.A., procederam ao pagamento de suprimentos da Sogipart.
Os montantes dos suprimentos pagos foram os seguintes:
- Imonações (€ 122.098,00 + € 3.600.000,00);
- Villas D’Água (€ 2.557.174,00);
Esses pagamentos perfazem o montante global de € 6.279.272,00.
No entanto, os suprimentos foram pagos por meio de cheques bancários do BPN, S.A., emitidos à ordem da Sogipart e endossados à sociedade offshore Aniola Trading, sem que tenham sido reflectidos na contabilidade da Sogipart.
Após o crédito do referido valor global de € 6.279.272,00 na conta da Aniola no BPN Cayman, em 11.11.2002, foi transferido desta conta o montante global de € 5.000.000,00 para as seguintes cinco sociedades (v. factos provados 534 a 538):
(i) Rador (€ 1.000.000,00);
(ii) Kemusa (€ 1.000.000,00);
(iii)Jamaki (€ 1.000.000,00);
(iv)Quila (€ 1.000.000,00);
 (v)Zala (€ 1.000.000,00);
Estas transferências serviram para reduzir e saldar as c/c/c/ associadas às contas à ordem destas sociedades no BPN Cayman, que foram liquidadas.
A utilização das oito sociedades offshore com conta no Banco Insular, incluindo as operações subsequentes de financiamento da VENICE e os juros contados, gerou o passivo geral, com referência a finais de 2008, de € 68.344.846,37, conforme quadro que consta do facto provado 539.
Do exposto resulta que esta operação visou ocultar a Venice e ligava-se, completando-a, àquela outra operação já descrita que consistiu na concessão de crédito pelo Banco Insular àquelas oito sociedades offshore que substituíram o crédito antes concedido pela Venice.
Outra questão tem a ver com a consecução dos objectivos da operação Camden/Aniola que se iniciou com a venda das acções da SLN Imobiliária e se desenvolveu até à transferência do “saque” da Venice para o Banco Insular, considerando que o BdP (Banco de Portugal) determinou a agregação das contas da Sogipart às contas da SLN, SGPS.
A operação Camden/Aniola, iniciada em finais de 2000, teve por objectivo fundamental esconder a exposição de crédito da SLN Imobiliária que, em 31.09.1999, era de € 45.700.000,00 e consolidava na SLN, SGPS, violando grosseiramente os limites dos grandes riscos.
Por outro lado, na sua parte final, no ano de 2002, a mesma operação visou esconder o “saque” de fundos da offshore Venice, sociedade não residente que serviu para pagar todos os negócios que têm sido descritos, bem como para esconder a Camden, que também recebeu fundos daquela sociedade offshore para parte dos negócios/operações referenciadas.
Face ao evidenciado e ao teor da factualidade provada, sem esquecer os factos de teor subjectivo (939 a 958), não temos quaisquer dúvidas que estão verificados os pressupostos objectivos e subjectivos do crime de burla qualificada:
1) uso de erro ou engano sobre os factos, astuciosamente provocado;
2) para determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou a terceiro, prejuízo patrimonial;
3) intenção de obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo.
Quanto à participação/imputação, a mesma é transversal aos arguidos OC…., LC…, FS…, LAl…, LM… e IC….
A seu tempo, será analisado se a conduta desta última arguida é subsumível à autoria ou cumplicidade.
4) Negócio da Validus (factos provados 540 a 647):
(…)
Diversa é, porém, a conclusão que se alcançará relativamente à conduta dos arguidos OC…, LC…, FS…, LAl… e LM….
Vejamos, no que ele tem de essencial e relevante e resulta da factualidade provada:
No culminar de uma série de actos e contratos que foram formalmente iniciados em 02.11.1999 com a outorga de um contrato-promessa de cessão da totalidade das quotas da sociedade comercial Validus, Ld.ª, em 15.12.1999, a SLN, SGPS, sempre representada pelos arguidos OC… e LC…, adquiriu à Urbinegócios, representada por Cri… e VCo…, a IF…, aos arguidos IM… e LM… e a HC… e mulher a totalidade das acções da Validus Imobiliária e Investimentos, S.A., pelo preço de 1.088.130.000$00 (que incluía o pagamento de uma dívida a um terceiro), mais 432.000.000$00 de suprimentos pagos aos anteriores sócios, ou seja pelo valor global de 1.520.130.000$00.
No final do ano de 1999, designadamente aquando da outorga, a 02.11.1999, do contrato promessa de cessão da totalidade das quotas da Validus, Ld.ª., os arguidos OC… e LC… decidiram a aquisição desta sociedade pela SLN SGPS, S.A. (540), a qual foi, previamente, transformada em sociedade anónima (541).
A aquisição (v. factos provados 541, 542 e 544) implicou, por sua vez, os seguintes pagamentos:
- suprimentos dos anteriores sócios – 432.000.000$00;
- a um terceiro, HCa… para desonerar património da sociedade –500.000.000$00;
- parte do preço, aquando da outorga do contrato prometido - 438.130.000$00;
- outra parte do preço, aquando da outorga do contrato promessa –150.000.000$00;
Ou seja, os arguidos OC… e LC… aceitaram pagar pela aquisição da Validus o preço de 1.088.130.000$00 (500.000.000$00 + 438.130.000$00 + 150.000.000$00) - v. facto provado 542 -, a que acresceu o montante de 432.000.000$00 dos suprimentos que os anteriores sócios detinham sobre a Validus perfazendo, assim, o montante global de 1.520.130.000$00 (v. facto provado 544).
O valor dos suprimentos foi pago directamente aos anteriores sócios da Validus (MH… e mulher) sem a prévia capitalização da sociedade (v. facto provados 542 e 543).
Poucos dias depois da aquisição da Validus, em 28.12.1999, a SLN, SGPS, representada pelo arguido OC…, vendeu as 50.000 acções da Validus, S.A., à SLN Imobiliária SGPS, S.A., constituída em 14.12.1999, representada pelos arguidos LC… e FS…, por 1.093.805.587$00 (1.088.000.000$00 a pagar de imediato e o remanescente, 5.805.587$00, no prazo de 180 dias), mantendo a SLN, SGPS, SA o direito aos suprimentos (545).
Em Maio de 2000, foi obtido um financiamento para a SLN, SGPS, SA e para a SLN Imobiliária, SGPS, S.A., à custa da conta então titulada pela Invesco o qual é “camuflado”, respectivamente, pela venda parcial de suprimentos detidos pela SLN, SGPS, SA na Validus à Invesco no valor de 427.270.262$00 e pela venda parcial de 45.000 acções da Validus, pela SLN Imobiliária à Invesco (548 a 555).
Ou seja:
Sem um justificativo formal, a INVESCO WORLDWIDE, LTD, financiou, sob o pretexto de aquisição parcial de acções da VALIDUS e dos suprimentos sobre a mesma, as sociedades SLN IMOBILIÁRIA e SLN SGPS (556).
Acresce que:
557) Como os arguidos OC… e LC… pretendiam ocultar a intervenção da INVESCO WORLDWIDE, LTD, nesse financiamento, procuraram gerar justificativos contabilísticos para a realização daquelas operações;
558) Assim, na SLN SGPS foi lançada na contabilidade uma pretensa venda de suprimentos, em que a contraparte adquirente aparece identificada como sendo a INVESCO, mostrando-se no mesmo escrito de lançamento riscada a referência à entidade KERESLEY como pretensa adquirente;
559) Porém, os arguidos OC… e LC… sabiam que não tinha sido qualquer daquelas entidades a realizar o pretenso pagamento dos suprimentos, estando em causa um financiamento determinado a débito da conta da INVESCO WORLDWIDE, LTD, junto do BPN, conta esta que a partir de 29.09.2000 passou a estar titulada pela VENICE;
O retorno do direito aos suprimentos “parqueados” na Invesco efectivou-se mediante uma agora formalizada cessão de créditos feita em 28.12.2000 entre a SLN Investimentos, SGPS, representada por LM… e LAl… e a Keresley, Limited, representada por fiduciários, offshore do universo SLN (562 a 567).
No entanto:
568) A referida entidade KERESLEY não possuía efectivamente qualquer crédito sobre a VALIDUS, o que os arguidos OC…, LC…, LM… e LAl… bem sabiam;
569) Os arguidos mencionados no facto anterior utilizaram a KERESLEY e o documento por si elaborado, como instrumento de forma a criar a aparência de aquisição pela SLN INVESTIMENTOS dos suprimentos sobre a VALIDUS;
570) Tal contrato de pretensa aquisição de créditos à KERESLEY visava ocultar o financiamento que a INVESCO havia realizado no dia 31 de Maio de 2000 à SLN SGPS, o que determinou um prejuízo ao BPN, com o saque da conta daquela, ali domiciliada, pelo valor de 427.270.262$00 (operação por transferência a débito da conta da INVESCO no BPN que entretanto foi redenominada VENICE, com o n° …, e crédito da conta da SLN SGPS com o n° …), que nunca foi reembolsada;
571)Com efeito, de acordo com o estratagema a que aderiram e de forma a dar credibilidade, em sede de contabilidade, ao aparente acordo de cessão de créditos, os arguidos LC…, LM… e LAl… determinaram o pagamento da aludida aquisição de créditos à KERESLEY;
572)Tal pagamento foi efectuado por débito do montante de 427.270.262$00 da conta da SLN INVESTIMENTOS, junto do BPN, com o n° …, para crédito na conta da KERESLEY junto do BPN Cayman com o n° …, operação efectuada com a data de 29-12-2000;
573)Os arguidos LM… e LAl… sabiam que tal pagamento da SLN INVESTIMENTOS à KERESLEY não era suportado pela existência do direito de crédito sobre a VALIDUS que diziam estar a adquirir;
574)Tal estratagema tinha também como objectivo gerar e aumentar os suprimentos colocados na VALIDUS;
575)Com efeito, ao declararem adquirir um inexistente crédito de terceiro sobre a VALIDUS, os arguidos JO…, LC…, LM… e LAl… estavam a aumentar o crédito da sociedade que representavam, a SLN INVESTIMENTOS, sobre a mesma VALIDUS;
576)Essa estratégia passava também por proporcionar ganhos a um terceiro, o arguido RO…, a quem a VALIDUS seria transmitida carregada de suprimentos, e que tinha aceitado intervir em parte das operações;
Para o efeito:
588) Os arguidos JO…, LC…, FS…, IC…, LM… e LAl… precipitaram então uma série de actos contratuais, praticados nos dias 28 e 29 de Dezembro de 2000, visando os arguidos JO…, LC…, IC…, LM… e LAl… alcançar o objectivo de transferirem a sociedade VALIDUS para o arguido RO…;
Actos contratuais que estão cabalmente descritos nos factos provados 588 a 592.
O que é relevante e resulta dos mesmos é:
593) Assim, pese embora a SLN IMOBILIÁRIA tenha transmitido um activo que estava parqueado na esfera da INVESCO WORLDWIDE, LTD, isto é transmitiu o que não tinha, certo é que a SLN INVESTIMENTOS, onde se encontravam como administradores o LM… e o LAl…, veio a tornar-se a única accionista da sociedade VALIDUS;
Na factualidade enunciada resulta um cenário contratual forjado, primeiro, a nível de registos bancários e elementos contabilísticos de suporte (546 a 559).
Mas, no que se mostra relevante, esse cenário falso também teve repercussões contratuais (560 a 569) com a participação e conhecimento dos arguidos OC…, LC…, LM… e LAl….
Cenário que provocou um prejuízo patrimonial ao BPN no montante de 427.270.262$00 (570).
E, esse prejuízo patrimonial foi alcançado por meio de erro ou engano astuciosamente provocado de onde resultou, além daquele prejuízo patrimonial um benefício ilegítimo para a SLN.
E isto porque, como resulta dos factos provados (570), o contrato de pretensa aquisição de créditos à Keresley visava ocultar o financiamento que a Invesco havia realizado a 31.5.2000 à SLN SGPS, o que determinou um prejuízo ao BPN, com o saque da conta daquela, ali domiciliada, pelo valor de 427.270.262$00 – operação por transferência a débito da conta da Invesco no BPN, entretanto renomeada para Venice, e crédito da conta da SLN SGPS -, que nunca foi reembolsada.
Estes factos ocorreram com a participação directa do arguido OC… e adesão plena e consciente ao estratagema pelos arguidos LC…, LM… e LAl…:
571) Com efeito, de acordo com o estratagema a que aderiram e de forma a dar credibilidade, em sede de contabilidade, ao aparente acordo de cessão de créditos, os arguidos LC…, LM… e LAl… determinaram o pagamento da aludida aquisição de créditos à KERESLEY;
(...);573) Os arguidos LM… e LAl… sabiam que tal pagamento da SLN INVESTIMENTOS à KERESLEY não era suportado pela existência do direito de crédito sobre a VALIDUS que diziam estar a adquirir;
Concomitantemente, através daquele cenário contratual terceiro, os arguidos OC…, LC…, LM… e LAl… visaram beneficiar ilegitimamente um terceiro:
574) Tal estratagema tinha também como objectivo gerar e aumentar os suprimentos colocados na VALIDUS;
575) Com efeito, ao declararem adquirir um inexistente crédito de terceiro sobre a VALIDUS, os arguidos JO…, LC…, LM… e LAl… estavam a aumentar o crédito da sociedade que representavam, a SLN INVESTIMENTOS, sobre a mesma VALIDUS;
576) Essa estratégia passava também por proporcionar ganhos a um terceiro, o arguido RO…, a quem a VALIDUS seria transmitida carregada de suprimentos, e que tinha aceitado intervir em parte das operações;
E é ilegítimo porque assenta num cenário contratual forjado.
(…)
Vistas as circunstâncias do lado contrário (arguidos identificados), em ordem a ser alcançado o acordo alcançado entre os arguidos OC… e RO…, foi elaborada o plano descrito que teve na sua base e também por consequência o já mencionado cenário contratual forjado.
Tendo ainda presente os factos de índole subjectiva que se provaram referentes aos arguidos OC…, LC…, LM… e LAl…, é de concluir que estão preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivos dos crimes de burla qualificada (arts. 217° e 218°, n.°s 1 e 2, al. a) do C.P.) e falsificação de documentos (art. 256°, n.°s 1, als. a) e e) do C.P.).
(…)
5) Negócio da Astroimóvel (factos provados 600 a 620):
A intervenção, neste negócio, é restrita aos arguidos OC… e LC….
Vejamos o essencial dele:
Por contrato datado de 13.12.2000, a sociedade offshore Kinasol Assets Ltd., cujo beneficiário era a SLN, SGPS, adquiriu 36% (36.000 acções) do capital social da Astroimóvel – Sociedade Imobiliária, S.A., a familiares de ASt…, pelo preço global de 1.000.000.000$00 (604 e 605).
Na mesma data, a sociedade Oardale adquiriu os restantes 64% (606).
Os pagamentos foram realizados a descoberto sobre as contas da Kinasol e da Oardale (607).
Tendo ocorrido um erro na composição das participações sociais, as mesmas foram recompostas em ordem em cumprimento do acordado em sede de parceria neste negócio pelos arguidos OC…, LC… e RO… (600 a 612).
Após a recomposição das participações sociais, os arguidos OC… e LC… decidiram rentabilizar a aquisição da Astroimóvel através da sua venda ao Fundo BPN Imoglobal (613 a 617).
Para tanto – e isso é que é relevante – determinaram que entidade gestora do BPN Fundo de Investimento Imobiliário Imoglobal pagasse, em 31.12.2001, € 19.000.000,00 pela totalidade do capital social da Astroimóvel quando, cerca de um ano antes, em 13.12.2000, aquela participação havia sido adquirida por 2.295.000.000$00, o equivalente a € 11.447.412,00.
Realizou-se, assim, uma mais-valia de € 7.552.588,00 a benefício da Kinasol, do grupo SLN/BPN, e da Oardale, sociedade offshore usada para a parceria do arguido RO… com aquele grupo no negócio da Astroimóvel. (617 e 618)
Em consequência desta venda, do lado contrário, i.e. para o Fundo Imoglobal, verificou-se um prejuízo de igual montante (620).
Mais se provou, no âmbito subjectivo:
940) Os arguidos OC…, LC… (...) conjugaram esforços no sentido de ludibriar accionistas (...) de forma a fazerem impor estratégias de negócio pessoais, aceitando fazer as entidades por si administradas pagar e sofrer perdas para criar os referidos cenários e formas de engano de terceiros;
958) Todos os arguidos actuaram livre e conscientemente, sabendo os arguidos OC…, LC… que as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei;
Perfectibilizados se mostram, pois, em nosso entender, os elementos estruturantes do crime de burla qualificada (arts. 217° e 218°, n.°s 1 e 2, al. a) do C.P.).
Com efeito, ocorreu:
1) uso de erro ou engano sobre os factos, astuciosamente provocado (valorização fictícia da Astroimóvel);
2) para determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou a terceiro, prejuízo patrimonial (prejuízo para o Fundo Imoglobal em consequência da aquisição da mesma sociedade);
3) intenção de obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo (enriquecimento pretendido, aliás, alcançado, pelas sociedades Kinasol e Oardale no montante global de € 7.552.588,00).
E é um enriquecimento ilegítimo porque assenta numa valorização fictícia da Astroimóvel.
6) Financiamento da Validus para proceder à liquidação financeira das acções da SLN SGPS (factos provados 631 a 643) e ganhos imediatos do arguido RO… e prejuízos da SLN e do BPN (factos 644 a 647):
(…)
                                                    *
Analisamos toda a operacionalização do Banco Insular e, posteriormente, os negócios Marbay, Plexpart, compra e venda da SLN Imobiliária pela Camden, Validus, Astroimóvel e o financiamento da Validus para proceder à liquidação financeira das acções da SLN SGPS.
Importa, por isso, retirar agora as devidas ilações jurídicas no que concerne aos arguidos LC…, FS…, LM…, LAl… e IC….
Não ainda quanto ao arguido OC… porque a sua actividade prossegue.
É certo que a conduta do arguido FS… também prossegue.
Porém, saliente-se, que já se concluiu a propósito dos factos provados 733 a 752 e 780 a 829 que o mesmo praticou um crime de fraude fiscal qualificada e um crime de burla qualificada.
Por referência aos mesmos factos, também se concluiu, quanto ao arguido OC…, pela prática de iguais crimes.
Os restantes factos praticados por ambos os arguidos ou individualmente pelo arguido OC… (694 a 741, 753 a 779, 830 a 842 e 894 a 907) reportam-se todos ao negócio da Labicer e que, em resumo, descrevem as várias transmissões de acções entre os sucessivos accionistas fiduciários (“testas de ferro”) daquela sociedade.
(…)
É certo que para essas transacções, por determinação dos arguidos OC… e FS…, os accionistas fiduciários foram sempre financiados por sociedades offshore do grupo, pelo Banco Insular ou fundos depositados pelo grupo na Suíça junto do Investek Bank, nunca tendo pago as respectivas participações sociais, onerando, consequentemente, o património do grupo SLN/BPN.
Porém, essas transacções tiveram também sempre, na sua génese, os mesmos objectivos (v. factos provados 704, 710, 764, 765, 767, 779, 835 e 838), a saber:
- “propósito de ocultar a participação e o financiamento do grupo BPN na Labicer”;
- “ocultação da titularidade da Labicer e consequente exclusão do perímetro de consolidação do grupo” e “esconder a exposição creditícia que a própria Labicer detinha junto de instituições financeiras do grupo SLN/BPN, o que se traduziria num aumento do consumo dos fundos próprios relativo a grandes riscos de crédito”;
- utilização do fundo “como mais uma capa de ocultação do património que era pertença do grupo SLN/BPN, uma vez que o resultado do referido fundo não estava revelado no balanço consolidado da SLN SGPS, S.A., bem como o seu próprio financiamento”;
- “o financiamento da Labicer era uma forma de conceder crédito à mesma empresa, sem revelar a exposição creditícia do grupo BPN/SLN perante as autoridades de supervisão”;
- “preferindo encontrar novas entidades fiduciárias ou constituir novas entidades veículo para deter as referidas acções”;
- “apenas para ocultar a participação da SLN na Labicer e a realização de pagamentos não documentados realizados pela Labicer a favor da Tracy and Proudfoot”;
- “determinou a oneração de activos do grupo para garantir o financiamento a um projecto (...), ao mesmo tempo que contornava a possibilidade de supervisão pelo Banco de Portugal quanto à excessiva exposição ao crédito relativamente à Labicer”;
- “foram então mobilizados os fundos colocados na conta da Suíça do Investec, mas, mais uma vez, de forma a ocultar a origem dos fundos (...)”
Não temos quaisquer dúvidas que todos estes factos com as intenções e propósitos indicados constituem a prática, pelos arguidos OC… e FS… de um crime de burla qualificada.
Ambos os arguidos estão pronunciados por um único crime de burla qualificada.
Ora, se por um lado a factualidade acabada de referir se insere, em sentido amplo, no crime de burla qualificada pelos quais já estão a ser punidos no âmbito do negócio da Labicer, numa perspectiva ainda mais ampla, também se integram no mesmo crime por referência a toda a sua actuação no sentido de ludibriar accionistas e criar falsos cenários às entidades de supervisão, aceitando fazer as entidades por si administradas pagar e sofrer perdas para criar os referidos cenários e forma de engano de terceiros (v. facto provado 940).
Isto é, integram-se no mesmo propósito inicial definido logo aquando da constituição do grupo SLN/BPN.
Por isso, não há que autonomizar estas condutas, relevando as mesmas essencialmente para a medida concreta da pena a aplicar.
Deixando para depois a visão integrada e de conjunto da actuação do arguido OC… a nível da sua participação criminal, vejamos, desde já a:
Responsabilidade criminal dos arguidos LC…, FS…, LM…, LAl… e IC…:
A conclusão será resumida, em virtude de, por referência a cada uma das situações concretas analisadas já se ter analisado os crimes praticados por cada um dos arguidos.
Antevendo a conclusão final que será oportunamente explicada, embora exista a prática de vários crimes, eles são unificados pela figura do crime único:
Relativamente ao crime de burla qualificada (arguidos LC…, FS…, LM…, LAl… e IC…):
Atento o teor da materialidade provada, não subsistem quaisquer dúvidas da verificação, “in casu”, como se foi explicando, dos elementos objectivos do crime de burla, a saber:
1) uso de erro ou engano sobre os factos, astuciosamente provocado;
2) para determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou a terceiro, prejuízo patrimonial;
3) intenção de obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo;
O erro ou engano sobre os factos, astuciosamente provocado, traduz-se em todos os procedimentos adoptados pelos arguidos e que se mostram descritos supra, tendentes a ludibriar as entidades de supervisão e os accionistas da SLN, objectivo que foi alcançado em toda a operacionalização do Banco Insular e a criação dos dois balcões (balcão 1 ou 2000 e balcão 2 ou 2001) que nunca foram objecto de consolidação no grupo e de comunicação à autoridade de supervisão nacional
O prejuízo patrimonial é elucidativo.
Mesmo abstraindo dos prejuízos provocados nos negócios concretos desenvolvidos e que já foram elencados, basta atentar nas centenas de milhões de euros de mútuos ou empréstimos (contas correntes caucionadas ou descobertos à ordem) que foram concedidos, essencialmente por determinação dos arguidos OC…, LC… e FS… e participação dos restantes, a sociedades offshore do grupo SLN/BPN, mútuos que nunca foram pagos e constituem um prejuízo deste grupo.
Na outra “outra face da mesma moeda” está o benefício ilegítimo obtido pelo mesmo grupo SLN/BPN que lhe permitiu alavancar exponencialmente a sua actividade bancária e financeira, sem dispor de recursos para tanto, o que não teria conseguido não fora a utilização do esquema montado para ocultação dessa actividade das entidades de supervisão.
Acresce que a nível subjectivo provou-se:
Em suma, estão verificados todos os elementos objectivos e subjectivos do crime de burla.
Os elementos subjectivos consubstanciam-se nos factos enunciados, sendo-lhe imputada a conduta a título de dolo directo.
A burla é qualificada (arts. 218°, n.° 2, al. a) e 202°, al. b), ambos do C.P.) face ao valor do prejuízo patrimonial provocado.
No entanto, ao contrário dos restantes arguidos que estão pronunciados como autores materiais, a arguido IC… está apenas pronunciada como cúmplice.
Atento o teor de toda a factualidade provada em relação a esta arguida, entende-se ser este o enquadramento jurídico-criminal correto.
Deles resulta que a sua participação, embora relevante, não deixou de ser restrita, enquadrando-se essencialmente no sentido da “colaboração”.
Considerando as funções por si desempenhadas (advogada da Planfin e Directora dos assuntos jurídicos e contencioso da SLN), os actos por si perpetrados, porque não essenciais, sempre poderiam ter sido praticados por outra pessoa noutro tempo, lugar ou circunstância.
Na verdade, a concepção, execução e operacionalização, dos vários negócios do grupo foi essencialmente levada a cabo pelos demais arguidos com uma colaboração, não essencial, da arguida.
Note-se também que a nível subjectivo só lhe está imputada uma ajuda essencial por referência aos actos necessários à apropriação de fundos alheios e concomitante necessidade de forjar documentos essenciais.
Ou seja, enquadra-se no crime de falsificação de documento pelo qual a arguida é condenada como autora material e já não como cúmplice.
(…)
Arguido JO… (isoladamente)
Considere-se:
223) Em Novembro de 2000, foi decidido em assembleia geral da SLN SGPS a realização de um aumento do seu capital social;
225)A operação de aumento de capital deliberada no final do ano 2000 estipulava o aumento de capital de 150 Milhões de Euros para 350 Milhões de Euros, sendo o período de subscrição entre os dias 12 a 27 de Dezembro de 2000;
226)De acordo com uma prorrogativa estatutária, o arguido JO… poderia subscrever até 35.000.000 acções da SLN SGPS, ao preço de 1,00€;
227)O arguido JO…, sabendo antecipadamente da operação de aumento de capital, decidiu então subscrever 29.000.000 de acções, para o que teria que obter os fundos necessários para realizar o pagamento de, pelo menos, 30% do preço das acções a adquirir;
228)Para efeito de realizar fundos que lhe permitissem iniciar esse pagamento, o arguido OC… decidiu utilizar algumas das acções de que era já detentor e vendê-las a uma empresa offshore dominada e financiada pelo grupo SLN, a fim de realizar as quantias necessárias, a título de mais-valias, se bem que à custa de pagamentos suportados pela própria SLN;
229)O arguido OC… decidiu ainda, aproveitar-se de operações de venda de acções SLN por uma empresa offshore controlada pela mesma SLN, no caso a INVESCO WORLWIDE;
Ou seja, estava, “ab initio”, delineada a estratégia através de um erro ou engano astuciosamente provocado em ordem a que o arguido lograsse obter as quantias necessárias para subscrever as 29 milhões de acções da SLN SGPS, S.A..
Vejamos como se concretizou:
1) Venda de acções à Emka Internacional (factos provados 230 a 235):
O arguido tinha adquirido acções pessoais da SLN SGPS, S.A., ao preço unitário de € 1,00 (230).
A 31.10.2000 o arguido vendeu 751.656 acções à sociedade offshore Emka, pelo preço unitário de € 2,10, o que perfaz o montante global de 316.456.346$00. (230).
E vendeu ainda à mesma sociedade offshore, pelo mesmo preço, 126.813 acções que antes havia adquirido a terceiros (232).
Note-se que a Emka era uma sociedade offshore do grupo SLN, o que equivale a dizer que o arguido, na qualidade de Presidente do Conselho de Administração da SLN SGPS, S.A., fazendo uso de uma offshore do grupo, logrou obter uma mais-valia de 165.762.848$01 na venda daquelas acções (231 a 235).
Segue-se outro negócio:
2) Ganhos e perdas da Invesco Worldwide (factos provados 236 a 247):
A sociedade offshore Invesco era um veículo do grupo SLN, i.e., pertencia ao grupo (236).
O arguido tinha conhecimento de várias operações de venda de acções feitas através desta offshore e das mais-valias geradas (236 e 237).
Essas mais-valias estão discriminadas nos factos provados 238 a 241, correspondendo ao valor global de 687.605.570$06 (€ 3.429.762,13).
O que ora é essencial é que:
242) O arguido OC… determinou então, que parte das mais- valias realizadas pela INVESCO fossem transferidas para a sua conta pessoal;
243) Assim, no dia 14 de Dezembro de 2000, na conta n° …, do arguido JO…, foi creditada a quantia de 213.775.420$00, por transferência originada na conta do BPN com o n° …, titulada pela offshore INVESCO WORLDWIDE, onde a mesma quantia foi debitada;
Ou seja, determinou a transferência para a sua conta pessoal da quantia de 213.775.420$00 (€ 1.066.307,00) das referidas mais-valias sem que tivesse qualquer autorização ou título negocial que legitimasse esse seu comportamento.
Com efeito:
244) Esta operação não foi suportada por qualquer documento nem teve origem em qualquer negócio;
245) Certo é que esta quantia monetária resultou de operações de compra e venda de acções da SLN SGPS realizadas pela INVESCO;
246) O arguido JO… instrumentalizou, em seu benefício pessoal, uma sociedade offshore do grupo, designadamente a INVESCO WORLDWIDE;
Acresce que, o arguido tinha total e cabal conhecimento que essa quantia não lhe era devida e que, com a sua actuação, estava a causar um prejuízo patrimonial à Invesco que consistiam numa redução das mais-valias que esta sociedade havia obtido em data anterior (247).
A consequência destas duas operações é que o arguido OC… conseguir na sua conta pessoal o montante global de 511.397.679$00 (€ 2.550.841,00 (248).
Esse desiderato foi logrado através das descritas operações de venda de acções pessoais do arguido à Emka e pela instrumentalização da sociedade offshore Invesco Worldwide, e em prejuízo do grupo SLN, operações estas que haviam gerado ganhos ilegítimos totais de 379.538.268$01 (€ 1.893.129,00) – (249).
Todavia, esta quantia não era suficiente para o arguido pagar as 29 milhões de acções da SLN SGPS, S.A., que foram por si subscritas (250).
Consciente disso, congeminou outro plano para receber através de uma outra entidade veículo offshore, a ZEMIO, quantias monetárias sacadas sobre contas de entidades detidas pela SLN (251).
Note-se, e isso é fundamental, em Dezembro de 2000, o arguido era o “dono” da Zemio, i.e., o seu beneficiário final.
Nessa altura, o arguido concebeu então um estratagema – e o erro ou engano astuciosamente provocado nisso consiste - que passava pela venda de um conjunto de acções que detinha, a um preço bastante superior ao da aquisição, que tinha sido a 1,00€, a uma sociedade offshore, no caso a ZEMIO, que seria financiada com base numa transferência da conta da VENICE junto do BPN Cayman, conta esta utilizada como central de custos e sacada a descoberto (254).
Isso significa:
O arguido tinha em carteira acções da SLN SGPS, S.A..
Queria obter dinheiro suficiente para pagar as 29 milhões de acções por si subscritas em sede de aumento de capital da SLN SGPS, S.A..
Então, decidiu vender essas acções a ele próprio, i.e., à Zemio, de que era o último beneficiário.
Mas, como não tinha dinheiro para comprar as acções a si próprio “sacou” dinheiro de outra offshore do grupo, a Venice, fazendo-o a descoberto da conta desta sociedade.
Venice que era uma “central de custos” (“saco azul”) do grupo.
Estabelecido o plano/estratégia, operacionalizou-a.
Em primeiro lugar, pediu à arguida IC… para que, na qualidade de procuradora da Venice, desse instruções em ordem a que a conta desta offshore, no BPN Cayman, fosse debitada pelo montante de 3.197.687.900$00 (€ 15.950.000,00) e que esta quantia fosse transferida para a Zemio, i.e., para o próprio arguido (255).
Tendo então o arguido (Zemio) um montante suficiente para adquirir as acções, determinou também a venda de 7.250.000 acções pessoais da SLN SGPS que titulava à Zemio (arguido), pelo preço de unitário de € 2,20, o que perfaz ao montante global de € 15.950.000,00 e corresponde ao valor que havia “sacado” a descoberto da sociedade offshore Venice (256).
Consumada a venda das acções à Zemio (arguido), a conta pessoal do arguido no BPN, S.A., foi creditada por aquele montante, não sem antes iludir/ocultar a origem dos fundos através da intervenção (triangulação) do BPN Paris (258 e 259).
Acresce que não obstante este procedimento tenha ocorrido a 29.12.2000, só em 29.1.2001 é que as acções vendidas foram transferidas para a Zemio (262) e também só em Abril de 2001 é que foi lançado o débito na conta do BPN Cayman, titulada pela Zemio, no montante de € 15.950.000,00 (261).
Em resumo, como resulta da factualidade provada:
257) Assim, o arguido OC… fez vender o conjunto das referidas acções à ZEMIO, por um preço que definiu e fazendo financiar a ZEMIO à custa de uma entidade do grupo SLN, no caso a VENICE;
263) Com esta operação, o arguido JO… conseguir beneficiar de uma mais-valia no montante de 8.700.000,00 €, equivalente a 1.744.193.400$00, uma vez que adquiriu as acções por EUR 1,00 e, antes ainda de as pagar, as vendeu por EUR 2,20, recebendo de imediato o montante de PTE 3.197.687.900$00;
264)Desta forma e com recurso a fundos da offshore Venice Capital, foi usada uma offshore, a Zemio Investments, cujo beneficiário final era o arguido JO…, e que adquiriu as 7.250.000 acções da SLN, apenas para permitir ao arguido apropriar-se de referida mais-valia;
265)Certo é que a Zemio ficou devedora à Venice Capital do montante que esta lhe havia transferido, servindo esta empresa como modo de financiamento do arguido JO…;
Com estas 3 operações (Emka, Invesco e Zemio) o arguido obteve um ganho de 2.123.731.668$00 (€ 10.593.129,00) e lograr alcançar os seus intentos iniciais, uma vez que a 17.1.2001 foi registada a entrada na sua conta de títulos das 29 milhões de acções por si subscritas ao preço unitário de € 1,00 (266 e 267).
Em todas estas operações o arguido obteve, assim, uma mais-valia de 815.586.618$01 (€ 4.068.129,00) – v. quadro facto provado 271.
Não temos quaisquer dúvidas que estão verificados os pressupostos objectivos e subjectivos do crime de burla qualificada de que o arguido está pronunciado:
1) uso de erro ou engano sobre os factos, astuciosamente provocado (procedimento descritos com as operações Emka, Invesco e Zemio);
2) para determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou a terceiro, prejuízo patrimonial (redução das mais-valias na offshore Invesco e quantia sacada da offshore Venice;
3) intenção de obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo (intento que foi, de facto, prosseguido e, também alcançado, uma vez que o arguido logrou obter uma mais-valia de € 4.068.129,00).
E é, obviamente, um benefício ilegítimo que não deixou de ser configurado e intencionalmente alcançado e que, não fora os procedimentos descritos que não tinham qualquer suporte jurídico que os permitisse, nunca o arguido OC… teria conseguido obter as quantias necessárias para pagar os 29 milhões de acções que subscreveu em sede de aumento de capital da SLN, SGPS, S.A..
Tendo ainda presente o teor dos factos de ordem subjectiva provados (939 a 942 e 958) é de concluir, pois, pela prática do arguido, em autoria material e a título doloso (directo), de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217°, n.° 1 e 218°, n.°s 1 e 2, al. a) do C.P..
 (…)

3. Apreciando.

a. Os recorrentes não questionam que a factualidade assente suporta o preenchimento do requisito erro ou engano.
Efectivamente, não apresentam nenhuma crítica aos raciocínios a esse respeito expostos pelo tribunal “a quo”, considerando apenas que o propósito enganador não tinha como objectivo provocar um prejuízo, mas apenas expandir e aumentar o volume de negócios do grupo, alavancá-lo.
Assim, a vertente de encenação – que clara e inequivocamente decorre da mera análise dos factos provados e que se mostra exposta pelo tribunal “a quo” – não será alvo de apreciação específica e detalhada neste recurso, por se não mostrar impugnada e por se não vislumbrar vício ou erro na sua apreciação (já não assim quanto a outros aspectos).
Sinteticamente dir-se-á que essa encenação consistiu na obtenção e uso, por parte dos arguidos, de sociedades registadas em offshore para, consoante os seus específicos interesses, procederem ao parqueamento de custos, deterem acções da SLN SGPS ou SLN VALOR, deterem activos do grupo SLN, servirem como veículos de obtenção de financiamento e de passagem de fundos, entidades estas que, embora pertencendo ao Grupo e sendo por este suportadas, eram apresentadas como sociedades ao mesmo estranhas (pois não consolidavam no Grupo); isto é, através desta encenação, os arguidos realizaram uma série de operações que, embora suportadas financeiramente pelo Grupo SLN/BPN (reconduzindo-se, o mais das vezes, a meros saques a descoberto), não foram apresentadas como tendo tal característica e origem, antes surgindo como registos de créditos concedidos, sob diversas formas, a diferentes offshores, não reportadas, contabilisticamente (ao inverso do que efectivamente deveria suceder), como entidades pertencentes ao Grupo. Este logro contribuiu assim, de forma fictícia, para o aumento dos resultados financeiros do grupo BPN/SLN, uma vez que permitiu a omissão do registo de custos e justificou a contabilização de juros dos financiamentos concedidos, se bem que a maioria nunca efectivamente pagos.
E precisamente porque todas estas operações e resultados efectivamente escondiam a verdadeira natureza e propósito das operações realizadas, bem como a real situação financeira do Grupo, estamos perante uma encenação, um erro ou engano, deliberada e laboriosamente construído e mantido pelos arguidos, de modo a apresentar uma imagem pública do dito Grupo, que em nada correspondia à realidade.

b. No que respeita a todos os restantes elementos constitutivos do tipo de crime de burla, todos os arguidos entendem (por razões algo similares, diga-se), que os mesmos se mostram por preencher.
Cumpre assim apreciar tal questão.

4. Comecemos pela questão da ausência de preenchimento do requisito “determinar outrem à prática de factos”.

i. Esclarecemos desde já que não assiste razão aos recorrentes, no que a este elemento se refere. Senão, vejamos.

a. Toda a factualidade apurada nos presentes autos decorreu no âmbito do exercício de actividades em sede de estruturas societárias
A criação de qualquer pessoa colectiva (e o Grupo SLN/BPN é constituído por todas as sociedades que compõem esse conjunto económico/financeiro) depende, desde logo, da existência de capital social, que é obtido através do investimento que os sócios – ou os accionistas – a tal fim aportam.
A criação dessas pessoas colectivas tem por objecto a prática de actos comerciais, na prossecução do seu específico objecto social; isto é, as actividades que os sócios propõem que a sociedade venha a exercer.
Essas actividades têm de ser, por um lado, lícitas e, por outro, têm o propósito de tentar alcançar retorno para o investimento realizado, de providenciar lucros que permitam o pagamento de dividendos a quem nas mesmas investiu (uma vez que não estamos perante sociedades de cariz beneficente).

b. Por seu turno, as pessoas colectivas, para que possam prosseguir os fins que determinaram a sua constituição, necessitam de pessoas singulares que, por um lado, as administrem e, por outro, executem os actos materiais que consubstanciam e prosseguem o seu objecto social.
Cabe aos accionistas destas estruturas societárias determinar quem as deve administrar; isto é, quem deve agir em seu nome no desenvolvimento da actividade da sociedade em que investiram o seu dinheiro.
Por seu turno, compete a quem as administra, observar os “deveres de cuidado, revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da actividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado”; bem como “ os deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos, relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores”, como determina o artº 64 nº1 do CSC.

ii. No caso dos autos, o que se constata é que, através do engano em que induziram os accionistas do grupo, os arguidos determinaram-nos a conferirem-lhes o poder de administrarem tais sociedades, durante todo o período temporal em análise nestes autos.

a. Efectivamente, os accionistas foram determinados a empossarem e a manterem os arguidos à frente dos destinos do Grupo, durante um período de quase uma década, porque estes últimos os ludibriaram, induzindo-os em erro, ocultando-lhes, por meios enganosos, o que efectivamente estavam a fazer com o dinheiro por aqueles investido; isto é, porque praticaram uma série de actos encobertos através dos quais apresentaram aos accionistas uma falsa representação da verdadeira realidade do Grupo SLN/BPN.

b. De facto, e num primeiro momento, a determinação é feita em relação a um grupo restrito de accionistas do BPN
Em 1997, um grupo inicial de accionistas do BPN convidou o arguido JO… para liderar o projecto de crescimento deste Banco, tendo em vista a sua implantação no mercado como um banco comercial.
O arguido aceitou liderar tal projecto, na condição de esses accionistas de referência assegurarem o controlo maioritário do respectivo capital (através da aquisição de acções por novos investidores de confiança e da criação de uma sociedade-mãe tipo SGPS que concentrasse um conjunto significativo de acções), o que lhes permitiria controlar, decidir, apoiar, a estratégia de desenvolvimento do Grupo, que o arguido OC… concebeu e lhes apresentou, e ao qual deram o seu acordo, que passaria pela constituição de um grupo económico, com áreas de negócio diversificadas, que seria o principal destinatário dos financiamentos a conceder pelo BPN, grupo esse onde seriam concentradas as participações accionistas no próprio Banco.

c. E é neste pressuposto - de que o investimento que estes accionistas de referência (assim como os novos accionistas de confiança que angariassem e a quem este projecto foi dado a conhecer) realizariam, na aquisição de acções deste Grupo, lhes permitiria a eles, accionistas, através da direcção do arguido, alcançar tais propósitos, isto é, o crescimento do grupo, na óptica da satisfação dos interesses de quem aí investiria o seu dinheiro, com primazia para a alavancagem do grupo, tendo em vista o retorno do seu investimento – que os ditos accionistas de referência entregam a direcção e o destino desse grupo nas mãos do arguido JO… e dos restantes co-arguidos que, por sua indicação ou nomeação, passaram a formar a sua equipa dirigente. (vide pontos 1 a 6 da matéria de facto provada)
E fizeram-no porque naqueles confiavam, já que estes os convenceram de que iriam providenciar aos destinos do dito Grupo, de modo a satisfazer as expectativas dos seus accionistas.

d. Foram assim tais accionistas determinados - num primeiro momento pelo arguido JO… e, num segundo momento, à medida que o Grupo crescia, pelos restantes arguidos - a entregarem os destinos do mesmo nas suas mãos.
E fizeram-no porque foram erroneamente convencidos de que a estratégia que seria implementada, em sede de direcção dos destinos desse grupo, seria realizada de acordo com os seus interesses quando, na realidade, não era essa a intenção do arguido JO…, nem foi esse o propósito com que os restantes arguidos igualmente actuaram.

e. Efectivamente, o que o arguido JO… pretendia e conseguiu obter – com a colaboração activa dos restantes arguidos – era o controlo accionista do Grupo, não nas mãos dos accionistas que efectivamente haviam investido na aquisição de acções, de modo a alcançarem tal desiderato, mas antes nas suas próprias mãos.
E, ao longo dos anos - através da ocultação dos actos que lhe permitiram concentrar, em si ou em pessoas que aceitaram agir fiduciariamente em seu nome (testas-de-ferro) - esta situação de engano foi sendo mantida, o que determinou que a confiança de tais iniciais e novos accionistas se mantivesse e que estes continuassem a confiar a direcção do dito Grupo nas mãos dos arguidos, precisamente porque lhes foi deliberada e persistentemente ocultada tal situação, pela manutenção da encenação acima referida.
 
f. O que daqui decorre é que, desde a sua primeira nomeação até à renúncia ao cargo de presidente do Grupo, por parte do arguido JO…, este arguido, bem como as pessoas de que se rodeou e que nomeou quer para cargos de administração, quer de direcção, vieram a ser renovadamente eleitas (como nos dá nota a factualidade provada, que descreve a sucessão e renovação de funções pelos arguidos desempenhadas ao longo dos anos) para os cargos que lhes permitiam administrar as várias entidades desse grupo económico/financeiro, em assembleias que, como o próprio arguido JO… refere – quer na sua contestação, quer no seu recurso – e como resulta das actas juntas aos autos, eram realizadas em clima de unanimidade e aclamação.

g. Os accionistas foram assim determinados a actuarem desse modo – recondução da administração liderada pelo arguido JO… – por virtude de lhes ser apresentada uma falsa representação da realidade desse Grupo. [12]
 
h. E essa falsa realidade não resultou de uma mera situação de passividade, por parte dos arguidos, face a uma percepção da realidade em que, por lapso ou incúria, os accionistas tenham incorrido.[13]
Antes foi procurada, criada e mantida.
De facto, ela resultou, expressa e especificamente, de todos os actos realizados através da obtenção e utilização de sociedades registadas em offshore, que foram usadas, consoante os seus específicos interesses, para parqueamento de custos, para deter acções da SLN SGPS ou SLN VALOR, para deter activos do grupo SLN e para servirem como veículos de passagem de fundos e operações pontuais (69), actos estes que foram, por decisão tomada pelos arguidos, ocultados aos accionistas, através da acima mencionada encenação. Assim como os custos que a realização de tais operações importou, em termos de descapitalização/desfinanciamento do Grupo.

iv. Assim, em sede final, no que a esta questão concerne, cabe-nos concluir que quem foi determinado a praticar actos que causaram prejuízo foram os accionistas do Grupo BPN/SLN.
E, note-se, quando nos referimos a accionistas, queremos obviamente designar e indicar aqueles que verdadeiramente se podem arrogar tal qualidade, isto é, aqueles que investiram capital próprio na aquisição de acções de sociedades pertencentes ao Grupo e não as pessoas/entidades, a quem os arguidos pediram para assumir, como testas-de-ferro, a aquisição de acções, sem fazerem qualquer esforço financeiro próprio, pois estes não se enquadram em tal categoria. 

5. Apreciemos agora a questão relativa ao elemento do tipo intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo.

i. Nesta sede, uma das críticas que os arguidos dirigem ao decidido respeita à contradição que resulta do raciocínio em que o tribunal “a quo” entende que o prejudicado e o beneficiado eram, a um tempo, o grupo SLN/BPN pois, na outra face da mesma moeda está o benefício ilegítimo obtido pelo mesmo grupo SLN/BPN que lhe permitiu alavancar exponencialmente a sua actividade bancária e financeira, sem dispor de recursos para tanto, o que não teria conseguido não fora a utilização do esquema montado para ocultação dessa actividade das entidades de supervisão.
Assim, o sujeito passivo do crime de burla e o beneficiário ilegítimo da sua utilização, são exactamente a mesma pessoa (o Grupo SLN).
Outra das críticas formuladas pelos arguidos prende-se com o entendimento do conceito jurídico de “enriquecimento ilegítimo”.

ii. Vejamos:
O entendimento que o tribunal “a quo” deixou consignado a esse propósito não é em si mesmo, forçosamente, contraditório, pois uma determinada acção pode ter consequências benéficas e prejudiciais, para uma mesma entidade, a um mesmo tempo. Basta pensar-se no uso de um determinado medicamento, através do qual se procura alcançar um alívio ou uma cura de um mal e, não obstante, por virtude dos efeitos secundários desse mesmo medicamento, poderá obter-se um resultado, a final, prejudicial e inverso ao pretendido.
Assim, e em si mesma, tal afirmação não determina os efeitos jurídicos que os arguidos referem.

iii. Sucede, todavia, que não está este tribunal de acordo com o raciocínio expendido pelo tribunal “a quo”, no que se refere ao dito benefício alcançado – o dito alavancar exponencial da actividade bancária e financeira do Grupo.
Por uma singela razão: este alavancar foi meramente virtual, nunca tendo verdadeiramente existido, já que a realidade era outra.
Efectivamente, como acima já se referiu, a prossecução do objecto social de uma sociedade comercial ou financeira é o de desenvolver a sua actividade legítima, tendo em vista o lucro, a obtenção de proventos que possam não só manter essa actividade em andamento, expandindo-a, alavancando-a, como permitam remunerar o capital investido.
Ora, no plano da realidade das coisas, da verdade nua e crua, resulta claríssimo da factualidade dada como assente que nenhum dos actos praticados através do uso quer das sociedades offshore, quer do Banco Insular, dentro do âmbito das que nestes autos nos cumpre apreciar, gerou qualquer tipo de benefício efectivo e verdadeiro, em prol do grupo SLN/BPN.
Ao inverso: gerou um enorme “buraco” financeiro, pois todas as movimentações que nestes autos e nesta sede se apreciam, não aportaram um cêntimo de lucro ao grupo, antes determinaram que todos os “negócios” descritos tenham gerado prejuízos na ordem das centenas de milhões de euros - mútuos ou empréstimos (contas correntes caucionadas ou descobertos à ordem) que foram concedidos e não foram pagos, nem o capital nem os potenciais juros.
Entendemos, pois, que este Grupo não teve, na realidade, qualquer benefício em virtude da actuação dos arguidos acima descrita, pois a mera aparência de sucesso (fundada em elementos fraudulentos) não equivale à sua efectiva verificação.

iv. Pergunta-se então – quem é que enriqueceu ilegitimamente à custa do prejuízo que o grupo SLN/BPN suportou? A resposta é simples – os arguidos.

v. De facto, um enriquecimento não se verifica apenas por virtude do recebimento de uma quantia monetária fixa e determinada.
Enriquecer significa alcançar um acréscimo beneficial para o agente, uma melhoria face à situação que existia antes do acto que o determinou, engrandecimento este obtido não só à custa de outrem (isto é, causando prejuízo a quem o possibilitou), mas alcançado de modo ilegítimo, ilegal.
Daí que, nesta sede, não possamos fazer uso das elaborações doutrinárias e jurisprudenciais relativas ao enquadramento, em sede civilística (artº 473 nº1 do C. Civil), do conceito de enriquecimento sem causa, uma vez que o enriquecimento que aí se trata é definido como um enriquecimento injusto e não, como exige o C. Penal, um enriquecimento ilegítimo, ilícito.

vi. Mas, na verdade, neste caso concreto, nem sequer se mostra necessária a procura de fontes jurídicas complexas – bastará a consulta de um mero dicionário e a pesquisa dos sinónimos da palavra enriquecer. E os arguidos enriquecerem ilegitimamente à custa do prejuízo do grupo SLN/BPN pelo facto de, através dos actos que praticaram, terem podido alcançar o poder de determinarem, de controlarem os destinos do mesmo, do modo que bem lhes aprouve. Esse controlo, esse poder decisório, constitui um enriquecimento ilegítimo dos arguidos porque, de facto, quem o deveria deter seriam os accionistas que, através do investimento do seu dinheiro, compraram acções que lhes davam o direito de poder ter voz activa e controlarem os destinos das sociedades em que investiram.
O poder de controlar arbitrariamente, um grupo económico/financeiro, determinando o modo como o mesmo desenvolve toda a sua actividade (concessão de crédito, condições do mesmo, investimentos, aquisições, etc), não pode deixar de se considerar como um benefício de elevado valor. E efectivamente, durante o período temporal que nos cumpre apreciar nestes autos, os arguidos dispuseram arbitrariamente (isto é, como entenderam e quiseram), de todo o acervo de um Grupo económico/financeiro, com uma dimensão de milhões de euros.

vii. De facto, os arguidos conseguiram não só determinar os accionistas a manterem-nos na direcção dos destinos do Grupo, como trataram ainda de acautelar, sempre em prejuízo dos verdadeiros accionistas (isto é, das pessoas que efectivamente colocaram o seu capital em acções desse Grupo), a sua perpetuação nesses cargos e a prevalência dos negócios por si idealizados, através da obtenção do controlo encapotado (porque escondido) do mesmo, propósito que plenamente alcançaram, como se mostra narrado nos factos provados 287) a 337).

viii. Obtiveram assim os arguidos um enriquecimento a que não tinham direito, pois puderam determinar, durante anos a fio, todo o funcionamento do Grupo, como se alcança pelos actos que se mostram descritos na factualidade apurada. E não só a este domínio não tinham direito, como o obtiveram de modo ilegal, através do encobrimento da verdadeira origem dos fundos que utilizaram, bem como da real natureza das entidades e instituição financeira instrumentalizadas, bem como dos fins que efectivamente pretendiam alcançar. 
E, nalguns casos, por virtude desse enriquecimento, do controlo que detinham e que tal lhes permitiu, obtiveram alguns arguidos ainda acrescidos benefícios patrimoniais pessoais ilegítimos directos, como a factualidade provada narra, de que são exemplo os arguidos JO…, RO… e TR…, bem como indirectos, como resulta dos altos cargos directivos que todos desempenharam, em acumulação, ao longo dos anos.

ix. Concluímos, assim, que se verifica também nesta sede, face à factualidade provada, o preenchimento deste elemento do tipo.

7. Apreciemos, finalmente, o restante elemento do tipo, nomeadamente o relativo à existência de actos que lhe causem (ao outrem determinado a agir), ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial.

i. No que a este elemento se refere, já supra adiantámos qual era o nosso entendimento a propósito deste elemento do tipo.
De facto, não restam quaisquer dúvidas, face à matéria dada como assente, que o grupo SLN/BPN e, consequentemente, logo em primeira linha (mas não só), o conjunto dos seus accionistas, sofreu consideráveis e avultados prejuízos patrimoniais, que se mostram quantificados quer em sede de factualidade provada, quer na transcrição acima realizada, quer pela apreciação de direito realizada pelo tribunal “a quo”.
Para tanto basta notar que, independentemente dos casos em que o dinheiro proveniente de tal grupo teve como propósito o pagamento directo de benesses a arguidos ou a terceiros, a mera circunstância de, para ocultação do verdadeiro detentor do controlo accionista, os arguidos determinarem que entidades de um mesmíssimo grupo viessem a adquirir (ou mesmo a readquirir) acções de sociedades que consolidavam na sua esfera, corresponde a fazer pagar acrescidamente (já que o preço de recompra era sempre superior, quando não houve lugar a duplicação efectiva do preço pago) algo que, efectivamente, o grupo já detinha.
 
ii.  E dizemos em primeira linha, uma vez que é por virtude do investimento por cada um dos accionistas feito que se cria uma sociedade, realizando-se o seu capital social e porque esse investimento é realizado na ponderação do retorno que daí advirá, em resultado da actividade da sociedade que surge por virtude do encontro dessas vontades.
Assim, as acções perpetradas, seja por quem for e independentemente da sua qualidade face a esse Grupo, directamente dirigidas à obtenção de um ganho indevido, à custa dessa sociedade, ou seja, através da diminuição do seu capital social ou do seu lucro, constituem um efectivo prejuízo para os lesados que são cada um dos accionistas desse Grupo.

iii.  Accionistas, realce-se de novo, que obtiveram as suas acções através do investimento de capitais próprios ou que efectivamente suportaram os custos de obtenção dos mesmos, não “accionistas” que fizeram uso dos capitais do grupo para obterem acções, sem qualquer esforço financeiro próprio, pois esses não se podem incluir na categoria de lesados.

iv. Mas não são apenas os accionistas, isoladamente, os patrimonialmente lesados pela actuação dos arguidos. Na verdade, deve ser considerada vítima, ou sujeito passivo, em tais casos, a pessoa que efectivamente suporta o prejuízo patrimonial, uma vez que este se consuma quando a posição económica do lesado fica reduzida, diminuída,
Ora, o prejuízo causado pela actuação dos arguidos repercute-se, precisamente, na descapitalização e no desfinanciamento do Grupo SLN/BPN (ao qual pertenciam todas as entidades e instituições envolvidas, quer no financiamento, quer na transmissão, quer no pagamento dos montantes envolvidos nas transacções realizadas), na perda de activos, bem como nos resultados a nível de proventos, consequentes da actividade que se pretende lucrativa que desenvolve, ou seja, por um lado, os accionistas vêem o capital que investiram ser ilegitimamente reduzido, consumido, em operações que em nada prosseguem o objecto social das sociedades em que investiram e, de igual modo, atingido o lucro que esperariam obter desse investimento, por virtude do logro de que foram alvo e, por outro, o Grupo em si mesmo (como conjunto das sociedades que o compõem), vê-se drasticamente diminuído no que concerne aos activos de que dispõe, na sua capacidade financeira.

8. Analisada que se mostra a questão do preenchimento dos elementos do tipo, caberá aditar algumas outras considerações.

9. No que se refere à actuação de cada um destes sete arguidos – JO…, JV…, LC…, FS…, LM…, LAl… e IC… – há que constatar que a mesma não se inicia em simultâneo e no mesmo momento temporal.

i. Efectivamente, há um agente inicial que decide e define uma estratégia de controlo – o arguido JO… – ao qual se juntam, aderindo voluntariamente a este projecto, os arguidos LC… e FS…, logo no ano de 1998. Por seu turno, a arguida IC… passa igualmente, a partir de 1999, a auxiliar, livre e voluntariamente, na prossecução desse mesmo propósito.
A adesão e a colaboração dos arguidos LM… e LAl… ocorre a partir do ano 2000, com a sua intervenção no incidente relativo ao financiamento da Camden através da Venice, prosseguindo depois com a sua actuação no processo de determinação e controlo dos movimentos a lançar nas contas do Banco Insular, via DOP.
Posteriormente, em 2001, o arguido JV… adere igualmente de forma voluntária a este projecto, a partir do momento em que se dá a aquisição do Banco Insular, de que aceita ser proprietário fiduciário, assumindo depois a sua presidência.

ii. Independentemente deste circunstancialismo temporal, a que acresce a evidência de nem todos os arguidos terem participado em todos os incidentes, nem terem o mesmo protagonismo decisório, como se mostra narrado na factualidade provada, a verdade é que tais elementos não têm reflexo no que concerne à apreciação do preenchimento dos elementos típicos do crime (como se constata pelo que supra se mostra expendido), antes relevando em sede de determinação da tipologia e dosimetria das penas.

iii. De facto, quer em sede de entendimento proveniente da pronúncia, quer no âmbito da apreciação realizada pelo tribunal “a quo”, toda a actuação destes sete arguidos, relativamente a esta matéria, foi englobada em sede de prática, por cada um deles, de um único crime.
Tal entendimento não foi alvo de impugnação por parte dos arguidos e, como infra se referirá, merece acolhimento por este tribunal. Assim sendo, as condutas de cada um dos arguidos tiveram de ser apreciadas e enquadradas juridicamente, em sede da análise global dos actos em que intervieram, na prossecução dos objectivos descritos, não se cuidando, nesta sede, de determinar o maior ou menor protagonismo de cada um, face à actividade desenvolvida, matéria que, como já se referiu, tem a sua relevância noutra sede, designadamente para efeitos de apreciação das circunstâncias relativas às penas a impor a cada um dos agentes e que já foi objecto de enunciação pelo tribunal “a quo”, como se constata pela leitura da transcrição do segmento relativo ao enquadramento jurídico deste crime.

10. Consideremos, agora, algumas questões avulsas suscitadas pelos recorrentes, nomeadamente:

i. Renova o arguido JV… a argumentação que já avançou em sede de crítica ao decidido, no que concerne ao crime de falsificação, fazendo-o agora relativamente ao crime de burla.
A tal respeito, bastará referir que, como se constata pela leitura do que se deixou consignado, a integração dos elementos preenchedores do tipo, pelo arguido, nada têm a ver com a omissão de qualquer comunicação, da sua parte, às entidades de supervisão.
E mais uma vez afirmamos que a sua colaboração não se processou apenas através da aceitação do seu papel como fiduciário, como testa-de-ferro – diga-se, não obstante, que ainda que assim fosse, tal não determinaria a sua ilibação dos actos que praticou, como parece pretender, já que ao assumir esse papel tinha perfeito conhecimento e consciência de qual era o propósito que se pretendia alcançar.
De facto, o arguido só actuou fiduciariamente no que respeita à questão da aquisição do Banco Insular e ao encobrimento do seu real proprietário. Mas já não no que respeita às funções que desempenhou, durante mais de 8 anos, à frente desse Banco, na qualidade de seu presidente, bem como de presidente da SLN Cabo Verde.
Na verdade, a sua inicial colaboração foi determinante para gerar uma falsa representação da realidade (através do encobrimento da verdadeira titularidade do Banco Insular), que foi mantida (com a sua colaboração) ao longo de anos, sendo certo que o seu profundo conhecimento do sector bancário se mostrou muito relevante, em 2007 quando, por sua iniciativa – e para assegurar que fosse mantida a falsa representação da realidade, no que se refere ao Banco Insular – foram celebrados pretensos contratos que asseguravam a dispersão do capital social do BI (por causa das regras decorrentes do Acordo de Basileia II).
Esta sua actuação, esta colaboração neste cenário de burla determinou, a final, prejuízos que ascenderam a milhões de euros de mútuos ou empréstimos (contas correntes caucionadas ou descobertos à ordem) que foram concedidos, mútuos que nunca foram pagos, nem era suposto sê-lo. Estes mútuos foram concedidos com a sua aprovação e conhecimento, através do balcão 1 do BI, já que, como o próprio arguido admitiu, tinha conhecimento das operações de crédito que eram lançadas pelo BPN, procedia ao seu registo e aprovava-as em acta do Banco Insular.
E, tendo em atenção o seu historial profissional e o cargo que desempenhou como presidente de uma instituição financeira, torna-se incompreensível a sua recorrente alusão a falta do domínio do facto, o que quer que seja que com isso pretenda significar…
Quanto aos demais restantes argumentos, remete-se o recorrente, mutatis mutandis, para o que já se deixou consignado supra, a respeito do argumentário por si aduzido a propósito do crime de falsificação.

ii. Alguns recorrentes apontam a ausência de indicação das entidades que foram utilizadas para a prática deste crime, bem como a descrição das operações que realizaram.
Essa omissão inexiste, já que esta enunciação se mostra feita quer em sede de factualidade assente, quer na transcrição supra feita de excertos do tribunal “a quo”. 

iii. No que concerne à invocação, por parte de alguns arguidos, de ausência de assumpção de cargos dirigentes na administração da SLN SGPS, como impedimento à imputação da prática do ilícito:
Essa é matéria que não tem, nesta sede, qualquer relevância, pois o que determina a integração do tipo não é o cargo que cada arguido ocupava, mas aquilo que efectivamente fez.
E, como se constata pela leitura dos factos assentes, a colaboração por estes arguidos prestada não se mostra condicionada ou dependente do exercício de funções de administrador, pois os actos que executaram, após adesão ao projecto de controlo encoberto do grupo, foram enquadrados e determinados dentro dos poderes que lhes advinham decorrentes das funções que no mesmo dito grupo exerciam, nos diversos momentos em que os praticaram. Não era preciso ser administrador da SLN SGPS para se poder colaborar – como a actividade dos arguidos demonstra – na obtenção do fim almejado.

iv. No que respeita à ausência de referência em sede fáctica provada, da existência do contrato de compra e venda celebrado entre a SLN e a Camden:
Estamos em sede processual penal, pelo que não existe prova vinculada, antes factualidade sujeita a livre apreciação probatória (a única excepção é a prova pericial e ainda aí pode haver lugar ao seu afastamento). Assim, a prova do negócio pode ser realizado por qualquer elemento probatório admissível.
Inexiste, pois, o vício apontado.
 
v. Finalmente, no que se refere à alegada ausência de verificação do requisito prejuízo patrimonial devido às cessões à Parvalorem, pelo seu valor nominal, dos créditos concedidos pelo BPN Cayman, BPN IFI e BPN ao Banco Insular (funding) e pelo Banco Insular a todos os seus mutuários à data do fim da sua actividade:
Esta questão já se mostra supra resolvida (vide decisão das nulidades suscitadas pelo arguido JO…), sendo que, como aí já se referiu, essa cessão não demonstra o que o arguido pretende aqui defender ((…) “a invocada cessão de créditos (venda do crédito mal parado do BPN. SA, entre o qual se encontrava o crédito originariamente concedido pelo Banco Insular) à sociedade Parvalorem (sociedade veículo detida a 100% pelo Estado) ocorre em 23 de Dezembro de 2010.
Como expressamente decorre da respectiva escritura (vide vol. 130, fls. 41.177 e segs.), essa cessão destinou-se a:
 Tomar medidas que permitissem a reprivatização do BPN (após nacionalização de todas as acções do capital social ocorrida em 12.11.2008), o que implicava a necessária capitalização de tal instituição (ou seja, pressupunha a sua presente descapitalização) e reposição de capitais próprios a nível regulamentar;
Para esse fim foi constituída a Parvalorem, a quem foram cedidos – após segregação – um conjunto de activos do balanço individual e consolidado do BPN designadamente créditos, sendo certo que os critérios de selecção dos mesmos foram: crédito vencido superior a 90 dias, crédito em contencioso, créditos com taxa de imparidade superior a 25% e com imparidades superiores a 500 mil euros e créditos em grau de vigilância “extinção”.
O que daqui decorre, desde logo, é que os créditos cedidos à Parvalorem eram, manifestamente, os que se encontravam, em tal data, por cobrar e, sejamos claros, cuja futura cobrança se mostrava duvidosa – basta atentar nos critérios que presidiram à sua segregação. Por seu turno, o preço da cessão de créditos foi pago com fundos obtidos pela Parvalorem junto da CGD, designadamente no quadro e para os efeitos do artigo 65 da Lei n.º 3-EI/2010. E esta cedência foi realizada de modo a viabilizar a venda do BPN, minimamente capitalizado, a terceiros.
Como resulta igualmente da leitura do sobredito contrato, nomeadamente das suas cláusulas 2ª nº4 e 3ª nº1, o preço da transmissão de cada crédito correspondeu ao respectivo preço do crédito.
Daqui decorre que o valor aí constante (venda ao par) não corresponde ao seu efectivo valor de mercado, tendo sido apenas um “preço de conveniência”, cujo objectivo era o de evitar que, caso fosse inferior (ou seja, mais próximo da real valia de tais créditos) o BPN acumulasse ainda maiores prejuízos e necessitasse, por virtude de tal, de ainda maior recapitalização.
Assim, constata-se que essa cessão à Parvalorem, no que ao objecto do processo se refere, é absolutamente indiferente, pois da mesma não resulta (ao inverso do que o arguido pretendeu convencer) que os ditos créditos teriam, em 2010, realística e verdadeiramente, o valor pelos quais foram cedidos).

11. Questões avulsas relativas à Validus e Astroimóvel:
No que se refere ao que se mostra narrado nos pontos de facto 574 a 667, atenta a alteração fáctica decorrente da apreciação do recurso relativo ao arguido RO…, há que proceder a algumas rectificações, face ao que se mostra, a este respeito, exarado em sede do acórdão proferido pelo tribunal “a quo”, designadamente:

i. O arguido RO… não fez qualquer esforço financeiro no que concerne a todas as operações e contratos descritos nessa factualidade, sendo certo que todos os financiamentos foram suportados pelo Grupo BPN/SLN. Assim, as operações em que interveio criaram prejuízo para o BPN, para a SLN Imobiliária e para o Fundo Imoglobal (entidades pertencentes ao Grupo SLN/BPN), obtendo este arguido, para si, um enriquecimento ilegítimo, porque ao mesmo não tinha direito.

ii.  Os actos praticados pelos arguidos JO…, LC…, FS…, LM… e LAl…, com o auxílio da arguida IC…, bem como pelo arguido RO…, neste segmento factual (Validus e Astroimóvel), inserem-se na estratégia definida e prosseguida, ao longo de anos, de que temos vindo a tratar e que foi unificada como um único crime de burla, pelo que remetemos para o que supra se enunciou a tal respeito, no que concerne ao preenchimento dos elementos do tipo.
No segmento relativo à questão da Astroimóvel, tiveram intervenção os arguidos JO…, LC… e RO…, auxiliados pela arguida IC…. 
 No segmento relativo à Validus, os actos foram praticados pelos arguidos JO…, LC…, FS…, LM… e LAl…, auxiliados pela arguida IC…. Nos relativos à nova Validus, tiveram intervenção os mesmos arguidos, a que acresce a intervenção activa do arguido RO….
  
                                                       II.
Arguidos TB…, RD… e arguidos JO… e FS… (Labicer/Etrapanob).

1. Pese embora se mostrem já integralmente transcritas neste acórdão as considerações que o tribunal “a quo” expôs, em termos de direito, a propósito da actividade descrita nestes segmentos da factualidade dada como assente, relativamente a estes arguidos e que resultou na condenação de cada um deles pela prática de um único crime de burla, optamos por aqui seleccionar e transcrever alguns desses segmentos, por assim se tornar mais simples a compreensão das críticas que os recorrentes dirigem ao decidido, bem como as respostas aos mesmos.
Arguidos OC…, FS… e TB… (em conjunto):
O arguido TR… está pronunciado pela prática, como autor material, de um crime de burla qualificada, p. e p. nos arts. 217° e 218°, n.°s 1 e 2, al. a), ambos do C.P., “com referência ao conjunto da sua actuação narrada nos arts. 738° a 881° da pronúncia”.
Por sua vez, os arguidos OC… e FS… estão pronunciados pela prática, como autores materiais, de um crime de burla qualificada, p. e p. nos arts. 217° e 218°, n.°s 1 e 2, al. a), ambos do C.P., “com referência no que se reporta à indução em erro ou engano das entidades que lhes competia administrar, directa ou indirectamente”.
Importa, desde já, descortinar aquela factualidade imputada, em conjunto, aos arguidos OC…, FS… e TR… para efeitos da determinação se estão verificados ou não pressupostos do crime de burla.
Isto, obviamente, sem prejuízo de a actuação dos arguidos OC… e FS… ser mais ampla ou abrangente no âmbito do crime em referência por referência a outra factualidade provada, o que será analisado a seu devido tempo.
A final, decidir-se-á pelo crime único, crime continuado ou pelo concurso de crimes.
Remete-se para o exposto supra a nível das considerações de direito do crime de burla.
O caso em referência é muito similar ao anterior do arguido RC….
Apesar de a imputação aludir à “actuação narrada nos arts. 738° a 881° da pronúncia”, no que ora nos interessa, o que é relevante são os factos 832° a 881° da pronúncia e que correspondem aos factos provados 780 a 829.
Vejamos, então, no essencial, o que resultou provado:
780) No final do ano de 2006, o arguido OC… incompatibilizou-se com o arguido TR… e, na sequência disso, os arguidos OC… e FS… iniciaram a procura de uma solução para o afastar definitivamente da titularidade do capital social da LABICER;
781) Para o efeito, os arguidos OC… e FS… aceitaram levar o BPN a realizar novos desembolsos financeiros, no sentido de recolocar as acções que se encontravam tituladas pelo TR…, que então atingiam o total de 2.350.000 acções, para a aquisição das quais este não havia realizado qualquer investimento financeiro pessoal, tendo recebido um total de 2.350.000,00 € a título de crédito concedido pelo BPN;
782) No sentido de ser encontrada uma solução, os arguidos OC… e FS… contactaram então com o arguido FB…, advogado, a quem pediram que fosse montada uma entidade, no sentido de vir a adquirir as acções detidas pelo TR…, apesar de os primeiros arguidos saberem que o próprio grupo é que tinha custeado a aquisição das acções que agora pretendiam comprar;
783) Para a constituição dessa entidade veículo, os arguidos OC… e FS… decidiram ainda ocultar a intervenção do grupo BPN/SLN, procedendo ao convite de novas pessoas da sua confiança, já anteriormente colaboradores do grupo, para virem a figurar nos órgãos sociais da referida entidade veículo a criar;
784) Foram assim convidados o arguido LA… e o identificado MNU…, que então já exerciam funções como administradores da LABICER e que aceitaram integrar a nova estrutura societária que viria a adquirir as acções do TR…;
785) Assim, foi constituída, a 28 de Dezembro de 2006, a sociedade ETRAPANOB SGPS Lda, registada com a actividade de gestão de participações sociais, com um capital social de 5.000,00 €, repartido em duas quotas, uma de 2.550,00 € detida pelo LA… e outra de 2.450,00 € detida pelo MS…;
Daqui resulta:
O arguido TR… era titular de 2.350.000 acções do capital social da Labicer.
No final do ano de 2006, o arguido OC… incompatibilizou-se com o         arguido TR… e, nessa altura, aquele arguido bem como o arguido FS… procuraram uma solução para o afastar definitivamente da titularidade daquele capital social.
Para o efeito, por decisão dos arguidos OC… e FS… foi constituída uma sociedade veículo, a Etrapanob, a fim de esta adquirir as acções detidas da Labicer detidas pelo arguido TR….
Porém, o arguido TR… e a sua empresa, a Tecpor, tinham uma dívida elevada junto dos Bancos do universo BPN (factos provados 787 a 802):
802) Em resumo as dívidas de TR… e da TECPOR aos Bancos do universo BPN, somavam, até Janeiro de 2007, um total de: € 7.560.351,90.
Concomitantemente com a sua saída do capital social da Labicer mostrava-se necessário a regularização das dívidas.
Nesse sentido:
803) (...) na data de 5 de Janeiro de 2007, veio a ser celebrado “um contrato de regularização de dívidas, compra e venda de acções e suprimentos”, entre o arguido TR… e as suas sociedades Tecpor e Reverse, por um lado, e o BPN, S.A. e o BPN Cayman, por outro lado, tendo ainda intervenção o Fundo “BPN Valorização Patrimonial” e a ETRAPANOB SGPS Lda.
No acordo, os arguidos OC… e FS… fizeram constar que o arguido TR… e as suas empresas tinham os activos discriminados no facto provado 804.
No entanto, os arguidos OC… e FS… visavam colocar na Etrapanob as acções da Labicer que se encontravam na esfera do arguido TR…, aceitando conferir-lhe uma vantagem patrimonial no montante de dois milhões de euros e considerar liquidadas as dívidas do mesmo pelos créditos concedidos no âmbito do universo BPN.
Diga-se, desde já, que não está propriamente em causa a atribuição desta vantagem de dois milhões de euros.
Se pretendiam beneficiá-lo com este “prémio” pela sua saída do capital social da Labicer, estariam no seu direito.
O problema prende-se com a forma e procedimentos adoptados a fim de ser atribuída essa vantagem patrimonial.
Ou seja, o que releva é se nesses procedimentos, por acordo entre os três (arguidos OC…, FS… e TR…) ocorreu algum artifício fraudulento do qual o arguido TR… tenha beneficiado e que, ao mesmo tempo, tenha provocado algum prejuízo ao grupo SLN/BPN ou a alguma sociedade dele integrante.
Ora, esse enredo subtil, trapaça, embuste ou artifício, de facto, ocorreu. Com efeito:
807) Para tal, os arguidos OC…, FS… e TR… acertaram os valores dos activos identificados, fazendo coincidir os valores dos mesmos com os valores em dívida e com a vantagem que aqueles pretendiam conferir ao arguido TR…;
808) Por esse motivo, as acções da LABICER foram avaliadas a 2,60 € por acção, valor que os arguidos OC…, FS… e TR… sabiam ser desfasado com a realidade, uma vez que as acções tinham um valor contabilístico negativo e a empresa se encontrava em falência técnica, de tal forma que, cerca de um ano depois, os arguidos OC… e FS… consideraram que as acções já só valiam 1,60 € cada;
809) Assim, a ETRAPANOB foi montada pelos arguidos OC… e FS… para comprar as acções da LABICER que o TR… detinha, pagando pelas mesmas o valor total de 6.106.817,22 €, que sabiam ir representar uma lesão patrimonial para o BPN, acrescendo que, desse valor, aceitaram emitir um cheque no montante de 438.057,08 €, que se destinava à esfera pessoal do arguido TR…, tendo sido depositado pelo mesmo na sua conta no BCP;
810) Aliás, a esse montante de 438.057,08 €, os arguidos OC…, FS… e TR… fizeram adequar o valor pago pelo Fundo de Capital Risco do BPN relativamente às acções da Quimiceram e da Valorceram, montante de 337.500,00 €, e relativamente aos suprimentos do T… na Quimiceram, montante de 224.442,92 €, de forma a somarem o montante de 1.000.000,00 €, destinado a ser pago de imediato ao arguido TR…, ficando o restante 1.000.000,00 € para ser pago quando fosse autorizada a transmissão das acções – por necessidade de autorização da AICEP enquanto decorresse o contrato de investimento firmado com a LABICER;
811) Acresce que, também uma parte dos activos imobiliários envolvidos neste negócio foi sobreavaliada pelos arguidos OC…, FS… e TR…, prática que todos os arguidos sabiam que seria lesiva do BPN e que acresceria os ganhos do TR…, tendo os dois primeiros arguidos aceitado a mesma, no sentido de realizar o seu desejo pessoal de afastar o mesmo TR… da participação accionista no capital da LABICER;
(...);815) Na mesma data de 5-1-2007, os arguidos OC… e FS… fizeram ainda celebrar um outro acordo, entre o arguido TR… e o Banco Insular, o qual foi subscrito pelo arguido FB…, na qualidade de procurador do Banco Insular, fazendo consagrar nesse acordo que o pagamento da dívida do TR… ao Banco Insular, no total de 3.631.392,53 €, seria pago pela ETRAPANOB;
816) No entanto, conforme especificado supra, o valor da dívida do arguido TR… ao Banco Insular atingia o montante total de 3.684.922,25, facto que os arguidos OC… e FS… bem sabiam, tendo feito adequar o valor da dívida ao montante achado para as acções da LABICER;
817) Assim, os arguidos OC… e FS… conseguiam alcançar o objectivo visado de retirar todas as acções da LABICER da esfera do arguido TR…, mas aceitaram, em contrapartida, conceder nova vantagem patrimonial ao mesmo, à custa do BPN e da ETRAPANOB;
818) Para o efeito, os arguidos OC… e FS… determinaram conceder um crédito à empresa instrumental denominada ETRAPANOB SGPS S.A., através da sua conta junto do BPN, conta nº …, sobre a qual foram sacados, no dia 05.01.2007, os seguintes cheques, com o seguinte destino:
- cheque preenchido com o valor de 3.631.392,53 € depositados no Banco Insular, para pagamento da divida do TR… junto daquele Banco;
- cheque preenchido com o valor de 479.508,69 €, que foi depositado no BPN Cayman …, titulada por TR…;
- cheque preenchido com o valor de 557.859,52 €, depositado na conta BPN, em nome da TECPOR, tendo o cheque sido entregue ao TR… para efeito do depósito;
- cheque preenchido com o valor de 438.057,08 €, cheque compensado em conta titulada por TR… junto do BCP;
819) Os referidos cheques foram pagos a descoberto sobre a conta BPN da ETRAPANOB, por autorização expressa do arguido OC…, sendo certo que a mesma conta apenas foi creditada a 28-2-2007, pela importância de 5.260.000,00€, correspondente a um empréstimo que o arguido OC… fez aprovar, naquele valor, em prejuízo do BPN;
820) Os arguidos OC… e FS… sabiam que o montante colocado na ETRAPANOB não representava um verdadeiro empréstimo, mas sim uma forma de ocultar a aquisição das acções da LABICER directamente pelo BPN, razão pela qual apenas foi formalizada uma garantia através de uma livrança;
(...);824) No entanto, os arguidos OC… e FS… aceitaram adiantar o montante de 5.106.817,22 €, correspondente à soma dos quatro cheques referidos supra, relativamente ao pagamento do preço pela venda das acções LABICER, que haviam aceitado atingir o montante de 6.106.817,22 €, devendo o remanescente um milhão de euros ser pago após a autorização da API para a transmissão das acções, algo que não aconteceu;
825) Com efeito, a API, actual AICEP, veio a manifestar oposição à venda das acções detidas em nome do TR…, razão pela qual este continua titular das mesmas, enquanto vigorar o programa de investimento;
826) Como os arguidos OC…, FS… e TR… bem sabiam e pretendiam, a ETRAPANOB apenas serviu para transferir os montantes que eram devidos pelo TR… junto do BPN Cayman e do Banco Insular, aos quais foi pago um total de 4.110.901,22 €, originando novo processo de dívida, agora junto do BPN e atingindo o montante de 5.260.000,00 €, sendo devedora a sociedade ETRAPANOB;
827) Os arguidos OC…, FS… e TR…, criaram assim, uma aparência de regularização de dívidas e de transmissão de acções, visando recolocar a participação accionista detida na LABICER pelo TR… sem revelar a directa participação accionista do grupo BPN, acordando, para tal, conferir uma vantagem patrimonial ao mesmo TR…, à custa da lesão financeira do próprio BPN;
829) Independentemente da concretização ou não da venda das acções da LABICER à ETRAPANOB, o acordo de regularização celebrado com o arguido TR… permitia ao mesmo obter um ganho, traduzido no facto de sempre ter atuado através de financiamentos pelo BPN, conseguindo, no final, receber ainda uma quantia, a qual, em condições de cliente normal do Banco, nunca obteria;
;940) Os arguidos OC…, LC… e FS… conjugaram esforços no sentido de ludibriar accionistas e criar falsos cenários às entidades de supervisão de forma a fazerem impor estratégias de negócio pessoais, aceitando fazer as entidades por si administradas pagar e sofrer perdas para criar os referidos cenários e formas de engano de terceiros;
950) O arguido TB… actuou com o propósito de criar cenários de forma a ludibriar terceiros, sabendo que iria gerar perdas para interesses alheios, mas visando obter ganhos pessoais;
958)Todos os arguidos actuaram livre e conscientemente, sabendo os arguidos OC…, FS… e TR… que a sua conduta era proibida e punida por Lei;
Desta materialidade resulta, sem margem para dúvidas, os elementos objectivos e subjectivos configurantes do crime de burla.
O erro e engano sobre os factos astuciosamente provocados desenvolveram-se em três vertentes.
A primeira, por determinação dos arguidos OC…, passou pela constituição de uma sociedade, a Etrapanob, sociedade veículo que visava a aquisição da participação social na Labicer detida pelo arguido TR… e a ocultação da intervenção do grupo BPN/SLN, grupo este que já tinha custeado a aquisição das acções agora pretendidas comprar.
A segunda, já com a participação dos três arguidos, através da outorga do contrato de regularização de dívidas, compra e venda de acções e suprimentos, mediante o qual foram “acertados os valores dos activos” do arguido TR… e das suas empresas, de modo a fazê-los “coincidir com os valores em dívida” do arguido TR… e com a vantagem que aqueles pretendiam atribuir-lhe (€ 2.000.000,00).
Para o efeito, as acções da Labicer foram avaliadas em € 2,60 por acção, valor que os três arguidos sabiam “ser desfasado com a realidade, uma vez que as acções tinham um valor contabilístico negativo e a empresa se encontrava em falência técnica”.
Essa adequação/correspondência de valores passou ainda por outros activos, como resulta cabalmente dos factos provados 809 a 811.
A terceira vertente, com a intervenção dos arguidos OC… e FS…, concretizou-se na atribuição de um crédito à sociedade instrumental Etrapanob, sendo certo que os arguidos sabiam que o montante colocado na esfera desta sociedade no valor global de € 5.106.817,82 não representava um verdadeiro empréstimo, mas sim “uma forma de ocultar a aquisição das acções da Labicer directamente pelo BPN”.
Acresce que, os arguidos OC…, FS… e TR…, “bem sabiam e pretendiam” que a Etrapanob apenas servisse “para transferir os montantes que eram devidos pelo TR… junto do BPN Cayman e do Banco Insular, aos quais foi pago um total de € 4.110.901,22, originando novo processo de dívida, agora junto do BPN e atingindo o montante de € 5.260.000,00, sendo devedora a sociedade Etrapanob”.
Com este triplo artifício ou ardil, por um lado, os arguidos obtiveram um benefício ilegítimo.
Os arguidos OC…, FS… e TR… lograram recolocar na Etrapanob a participação accionista detida na Labicer pelo arguido TR… sem revelar a directa participação accionista do grupo BPN.
O arguido TR… acabou, igualmente, por obter um benefício ilegítimo, designadamente um prémio de € 1.000.000,00 (o outro milhão de euros acabou por não ser pago porque a AICEP não deu autorização para a transferência das acções) pela sua saída do capital social da Labicer, bem como o pagamento das suas dívidas e das suas empresas no universo das instituições bancárias do grupo.
Ilegítimo porque se baseou em avaliação de activos sem a correspondência com a realidade, sendo certo que, sem essa realidade ficcionada, não lograria receber o prémio nem pagar as suas dívidas.
Isto é, ficou sem as acções da Labicer que nada valiam pela contrapartida do pagamento parcial dos seus empréstimos naquelas instituições bancárias e pelo referido montante, recebendo ainda um prémio suplementar de € 1.000.000,00.
Por fim, ocorreu ainda um prejuízo efectivo directo para a Etrapanob e indirecto para o grupo SLN/BPN, porquanto, por um lado, aquela sociedade ficou com uma dívida perante o grupo num valor superior a € 5.000.000,00 e, por outro, o grupo SLN/BPN concedeu crédito a esta sociedade sem quaisquer garantias de cumprimento/pagamento adequadas e bastantes, ficando ainda o mesmo grupo titular de vários activos, essencialmente, as acções da Labicer, com um valor sem a mínima correspondência com a realidade e pelas quais aceitou pagar um preço muito superior, bem como, ainda, o “prémio” de € 1.000.000,00 ao arguido TR….
Em suma, estão verificados todos os elementos objectivos e subjectivos do crime de burla.
Os elementos subjectivos consubstanciam-se nos factos enunciados, sendo-lhe imputada a conduta a título de dolo directo.
A burla é qualificada (arts. 218°, n.° 2, al. a) e 202°, al. b), ambos do C.P.) face ao valor do prejuízo patrimonial provocado directamente à sociedade Etrapanob e, indirectamente, ao grupo SLN/BPN no montante de € 6.106.817,22.
Com efeito, as 2.350.000 acções da Labicer tituladas pelo arguido TR… foram vendidas à Etrapanob pelo valor unitário de € 2,60 por acção (facto provado 804).
E, à data da venda, as acções tinham um valor contabilístico negativo e a Labicer encontrava-se numa situação de falência técnica (facto provado 808).
Assim sendo, devem os arguidos OC…, FS… e TR… ser condenados pela prática, como autores materiais, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217°, n.° 1 e 218°, n.° 2, al. a), ambos do C.P..
(…)
Arguido RD… (isoladamente):
Foi pronunciado pela prática, como autor material, de um crime de burla qualificada, p. e p. nos arts. 217° e 218°, n.°s 1 e 2, al. a) do C.P., “com referência ao conjunto da sua actuação narrada nos arts. 962° a 978° da pronúncia”.
Por referência a esta factualidade da pronúncia resultou provado:
908)O arguido RG… iniciou contactos no sentido de ser regularizado o empréstimo que havia sido contraído em seu nome, em 2003, junto do Banco Insular, pretendendo deixar de figurar como titular de acções da LABICER;
909)O arguido RC… era vogal da administração da Sogipart;
910)Pese embora tal financiamento tivesse sido concedido em 2003, o arguido RC… nunca havia procedido à assinatura do contrato de mútuo com o Banco Insular, o que deveria ser regularizado antes da consumação do pagamento ao Banco Insular;
911)Em meados de 2008, o arguido RC… manifestou interesse na venda das acções LABICER detidas em seu nome, contactando, para o efeito, com o arguido FS…, a quem propôs dar execução ao que havia sido combinado com o arguido OC…;
912)Importava então quantificar o valor da divida, bem como definir, em consequência, qual o valor a atribuir às acções, com o propósito de levar a SOGIPART a realizar a aquisição das acções, desembolsando o montante necessário para pagar ao Banco Insular;
913)Para o efeito, o arguido RD… enviou, a 5 de Junho de 2008, um “mail” ao arguido FS…, ainda administrador da SLN SGPS S.A., onde afirma que “o valor estabelecido para a venda das acções da LABICER era de 1.802.856,21€, por esse poder ser o valor em dívida”, propondo que a transacção “se faça pelo valor de EUR 1,44 cada acção e que a receita de 1.800.000,00 €, seja o valor de remissão de dívida”, visando assim, criar uma operação inócua em sede fiscal, “uma vez que não iria gerar qualquer margem, na convicção que a mais-valia obtida seria igual ao valor dos juros”, o que “não provocará qualquer pagamento de IRS”;
914) No sentido de dar cobertura ao valor pretendido para as acções, o arguido RD… ainda solicitou, à custa da LABICER, um parecer de avaliação da sociedade, baseado em dados de expectativas de negócio não conformes com a realidade e que o próprio arguido forneceu – relatório produzido pela SROC “DFK & Associados” que, projectando resultados a Dezembro de 2008, previa um valor unitário para as acções de 1,60 €;
915) Porém, o arguido RD… sabia que, como o preço das acções tinha sido ajustado ao montante necessário para liquidar o empréstimo junto do Banco Insular, com a consequente inflação do valor das acções, a compradora SOGIPART SGPS S.A. teria assim que adquirir uma participação social, no caso na LABICER, acima do valor real;
916) A aquisição das acções da LABICER seria assim, uma forma de induzir uma menos valia na entidade que viesse a consumar a operação, razão pela qual, o arguido decidiu utilizar uma outra sociedade de que tinha o controlo, no caso a ADICAIS, de forma a gerar um financiamento à SOGIPART, para que esta procedesse ao pagamento da aquisição das acções da LABICER;
917) Assim, o arguido RD…, na qualidade de presidente da administração da ADICAIS, decidiu aproveitar as linhas de financiamento de que a mesma dispunha junto do BCP, no sentido de solicitar a disponibilização de uma tranche adicional do financiamento, a fim de disponibilizar tais fundos à SOGIPART, para que esta pudesse pagar as acções da LABICER;
918) Executando tal propósito, o arguido RD… contratou com o BCP a utilização de um montante de crédito, no valor de 1.450.000,00 €, dirigido ao “financiamento para construção e venda”, que veio a ser disponibilizado na conta BCP n° …, da ADICAIS, na data de 16-6-2008;
919) Uma vez tendo disponíveis tais fundos na conta da ADICAIS, o arguido RD… determinou a realização de uma transferência, a débito da referida conta BCP, para a conta da SOGIPART, conta BCP n° …, no montante de 1.700.000,00 €, com data de 18-6-2008;
920) Uma vez reunidos os meios financeiros, o arguido RD… formalizou então a venda à SOGIPART das 1.250.000 acções da LABICER, por 1.800.000,00, que foi pago através da emissão do cheque n° 5269121232, sacado sobre a conta BCP n° … e que o arguido RD… depositou na sua conta pessoal;
921) Após a recepção do pagamento, o arguido RD…, através da sua conta pessoal no BCP, conta n° …, adquiriu um cheque bancário, para liquidação da dívida junto do Banco Insular, então no total de 1.812.872,00 €, na data de 09 de Setembro de 2008;
922) O arguido RD… visou realizar o pagamento da divida aberta em seu nome junto do Banco Insular, mas aceitou para tal gerar um prejuízo na sociedade ADICAIS, através do aumento do endividamento desta empresa, sob a encenação de um empréstimo para a construção, e ainda uma menos valia na SOGIPART, que adquiriu, pelo preço de 1,44€ cada, um total de 1.250.000 acções da LABICER, que têm um valor contabilístico negativo e se reportam a uma empresa sem expectativa de negócio;
Mais de provou, a nível subjectivo:
952) O arguido RD… actuou ainda com o propósito de criar um cenário que lhe permitisse lançar mão de fundos obtidos por financiamento pela sociedade ADICAIS, de que era administrador, a fim de satisfazer interesses próprios, no caso o pagamento de divida ao Banco Insular, sabendo que estava a induzir uma perda para aquela sociedade;
958)Todos os arguidos actuaram livre e conscientemente, sabendo o arguido RC… que a sua conduta era proibida e punida por Lei;
Analisemos, agora, de modo mais pormenorizado o crime de burla:
Dispõe o art. 217°, n.° 1 do C.P.:
“Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.
A burla como crime de dano que é, pois que à sua realização típica é essencial o conceito de prejuízo patrimonial, tem, também, como bem jurídico tutelado, o património geral.
São elementos típicos do crime de burla: 1) uso de erro ou engano sobre os factos, astuciosamente provocado; 2) para determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou a terceiro, prejuízo patrimonial; 3) intenção de obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo.
Entre os elementos (“astúcia”; “erro ou engano”; “prática de actos” e “prejuízo patrimonial”) terá que se verificar um triplo nexo de causalidade (sucessivas relações de causa e efeito) para efeitos de imputação objectiva do evento à conduta. Assim, é necessário que da astúcia resulte o erro ou engano; que do erro ou engano resulte a prática de acto(s) pela vítima; que da prática de acto(s) resulte, finalmente, prejuízo patrimonial.
A astúcia (elemento objectivo do tipo) é um conceito fugidio, com um elevado grau de indeterminação. Equivale a mesma a “manha” ou “ardil” (Grande Dicionário de António de Morais Silva, 12' ed.) ou, na linguagem de Nélson Hungria (Comentários ao Código Penal, VII, pág. 165), “... a blandícia vulpiana, o enredo subtil, a aracnídea urdidura, a trapaça, a mistificação, o embuste.” Deverá caracterizar-se, como a entende a jurisprudência suíça (cfr. Gunther Sratenwerth, Shweizerishes Strafrecht, Besonderer Teil, I, 2' ed., 1978, pág. 220 e segs.) pela promessa de uma prestação sem a intenção de a fornecer; pelo uso de uma construção de mentiras, de manobras fraudulentas ou uma mise-en-scène, ou pelo avançar com afirmações falsas, no convencimento de que, em razão das circunstâncias do caso, o destinatário não será levado a verificá-las. Trata-se, no fundo, na habilidade para enganar alguém, na subtileza para defraudar. É, pois, necessário, que os factos invocados ou praticados dêem a uma falsidade a aparência enganosa de uma verdade.
Diga-se ainda que a astúcia relevante é uma noção com recorte objectivo e não meramente subjectivo, i.e., terá de ser reconstituída a partir de actos materiais que a revelem e evidenciem e não por referência a estados de espírito ao nível da mera motivação do agente.
Concomitantemente com a astúcia é exigida a indução da vítima em erro ou engano.
Erro ou engano que deve entender-se como a falsa ou nenhuma representação da realidade concreta, que funciona como vício de consentimento da vítima. Parece ter sido intenção do legislador abranger no art. 313° (actual 217°), como burla, tanto a mentira simples (o engano) como o erro (criado artificiosamente). Com efeito, como refere Marques Borges (Crimes Contra o Património em Geral, pág. 22), “(...) a não ser assim, dificilmente aparece discernível a distinção entre erro simples e engano. (...) O burlado, nas hipóteses de erro, como de engano, só age contra o seu património ou de terceiro por que tem um falso convencimento da realidade. Simplesmente esse seu falso convencimento nasce, no caso do mero engano, da mentira que lhe é dada a conhecer pelo burlão; no caso de erro exige-se, ainda, que o burlão tenha agido de forma a provocar (usando artifícios, ardis ou astúcia), o erro em que o burlado acaba de cair.”
Prosseguindo na análise dos elementos objectivos do tipo de ilícito de burla, torna-se necessário que a vítima pratique determinados actos (de disposição ou de mera administração; quanto a estes últimos, desde que danosos). Trata-se de um elemento autónomo - autonomia que legitima a afirmação de que na burla se exige um triplo nexo de causalidade -, em relação ao erro ou engano, por um lado, e, por outro, relativamente ao prejuízo patrimonial.
Determina também a lei que a prática de actos causem prejuízo patrimonial. Prejuízo que se deve compreender à luz de um conceito jurídico-económico, que vê o património como “soma de valores económicos juridicamente protegidos” (cfr. Sousa e Brito, op. cit., pág. 159).
O último elemento (subjectivo do tipo legal do crime de burla) - configurado por certa doutrina e jurisprudência como integrante do dolo específico do agente (cfr. Claus Roxin, Strafrecht, Algemeiner Teil, I, 1992, 1992, pág. 295 e Ac. STJ, 16.1.90, Col. Acs. STJ, 1990, I, pág. 6) e, por outra, como elemento subjectivo especial da ilicitude (cfr. Fernanda Palma e Rui Pereira, O Crime de Burla no Código Penal de 1982-95, pág. 331 e Ac. RC, 1.7.83, CJ, VIII, T. 3, pág. 99) -, consiste na intenção do agente obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, i. e., aquele que não corresponde objectiva ou subjectivamente a qualquer direito (cfr. Leal-Henriques e Simas Santos, Cód. Penal Anot., 1996, 2ª ed., 2° vol., pág. 539).
Na delimitação do conceito de enriquecimento ilegítimo, determinada jurisprudência (cfr. Ac. da R.E. e Acs. da R.C., de 22.4.86, 19.2.86 e 28.11.87, respectivamente, in BMJ, n° 358/621 e CsJ, XI, 1986, T. 1, pg. 63 e XII, 1987, T. 5, pg. 67) socorre-se da noção civilística de enriquecimento sem causa (art. 473° do C.C.) do que nos dão os tratadistas do direito civil a esse respeito (em sentido contrário José António Barreiros, in Crimes contra o património no Código Penal de 1995, págs. 194-5). Assim, Pires de Lima e Antunes Varela, in Cód. Civ. Anot., vol. I, pág. 319, em anotação ao art. 473° do C.C., ensinam, “São requisitos do enriquecimento sem causa: a) O enriquecimento de alguém; b) O empobrecimento de outrem; c) O nexo causal entre o enriquecimento do primeiro e o empobrecimento do segundo; d) A falta de causa justificativa do enriquecimento (...).”
Não obstante o conceito de enriquecimento sem causa dos arts. 473° e ss. do C.C. não coincidirem integralmente com o de enriquecimento ilegítimo de que fala o art. 313° do C.P. (cfr. a diferença que decorre do art. 498°, n° 4 do C.C.), nada obsta a que verificados que sejam todos aqueles requisitos, estarmos perante um enriquecimento sem causa, e, neste sentido, ilegítimo.
Acresce que o enriquecimento ilegítimo pode ocorrer por várias formas, a saber, mediante um aumento patrimonial dos bens de terceiro ou do agente; mediante uma diminuição do passivo patrimonial do agente ou de terceiro, ou a poupança de despesas que são satisfeitas pelo lesado.
Finalmente, ainda no âmbito dos elementos subjectivos do tipo de ilícito, importa referir que o dolo (directo, necessário ou eventual - arts. 13° e 14° do C.P.) deverá abranger todos os elementos precedentemente identificados: a actividade astuciosa; a indução da vítima em erro ou engano; a determinação desta à prática de certos actos e o prejuízo patrimonial.
Façamos, agora, uma análise resumida dos factos provados:
O arguido RC… iniciou contactos no sentido de ser regularizado o empréstimo que havia contraído em seu nome, em 2003, junto do Banco Insular, pretendendo deixar de figurar como titular de acções da Labicer.
Para o efeito, como vogal da administração da Sogipart, contactou o arguido FS….
Em ordem à regularização do empréstimo, logo aí delineou um plano, uma estratégia que passava por quantificar o valor da sua dívida no Banco Insular, bem como definir, em consequência, qual o valor a atribuir às acções da Labicer de que era titular, entenda-se, de um modo artificial, fictício, sem correspondência com o seu valor real.
Mais, com isso tinha igualmente o propósito de levar a Sogipart, sociedade da qual o arguido era administrador, a realizar a aquisição das acções da Labicer de que era titular, desembolsando o montante necessário para, com o produto da venda, pagar o empréstimo que o onerava no Banco Insular.
No sentido de dar cobertura a esse plano/estratégia, o arguido solicitou um parecer de avaliação da Labicer, baseado em dados de expectativas de negócio não conformes com a realidade e que o próprio arguido forneceu.
Daí resultou a avaliação da SROC DFK e Associados que, projectando resultados a Dezembro de 2008, previa um valor unitário para as acções de € 1,60, valor este manifestamente inflacionado.
O arguido RC…, que também fazia parte da administração da Labicer, bem sabia que o preço ajustado das acções era superior ao real e, não obstante, diligenciou no sentido de que a Sogipart adquirisse uma participação social por valor acima daquele que efectivamente valia.
Porém, faltava providenciar pelas quantias necessárias em ordem a que a Sogipart adquirisse a participação social de que o arguido era titular na Labicer.
Neste contexto o arguido RC…, na qualidade de Presidente do Conselho de Administração da Adicais, aproveitou as linhas de financiamento para construção de que esta dispunha junto do BCP a fim de disponibilizar tais fundos à Sogipart para que esta pagasse as acções da Labicer.
Assim obteve, em 16.06.2008, € 1.450.000,00 destinados a “financiamento para construção e venda” da conta da Adicais no BCP o que lhe permitiu, em 18.06.2008, a realização de transferência que determinou, daquela conta para a conta da Sogipart no BCP de € 1.700.000,00, tendo aquele montante sido contabilizado na Sogipart como empréstimo da Adicais.
Por fim, em 17.06.2008, foi formalizada a venda à Sogipart das 1.250.000 acções da Labicer pelo preço de € 1.800.000,00.
O preço foi pago por cheque sacado sobre a conta da Sogipart no BCP que o arguido RC… depositou na sua conta pessoal.
Finalmente, em 09.09.2008, mediante cheque bancário no montante de € 1.812.872,00 sacado sobre a sua conta pessoal no BCP, o arguido RC… pagou ao Banco Insular o empréstimo que então atingia este valor, contra recibo do Banco Insular datado de 10.09.2008 e assinado por JV….
Esta operação, em termos de racionalidade financeira e económica, não faz qualquer sentido.
A Sogipart, SGPS, S.A., ou seja uma sociedade gestora de participações sociais do ramo imobiliário, está a adquirir uma participação numa sociedade, a Labicer, que nada tem a ver com este ramo, uma vez que era uma empresa que única e exclusivamente se dedicava à produção industrial de produtos cerâmicos.
Por outro lado, ao tempo da venda das acções da Labicer de que era titular, o arguido RC… era, simultaneamente, administrador das sociedades Sogipart, Adicais e Labicer.
Na qualidade de membro da administração da Labicer bem sabia que as acções desta sociedade, nada valiam.
E, por outro lado, a dupla qualidade de presidente dos conselhos de administração da Adicais e da Sogipart permitiu-lhe montar a operação de venda das acções da Labicer nos termos que foram descritos.
De tudo o que se deixou exposto, não há quaisquer dúvidas que o arguido RC… gerou um prejuízo na Adicais com o aumento do seu endividamento sob o falso pretexto de se destinar a financiamento para construção e venda, bem como uma menos-valia para a Sogipart que adquiriu pelo preço unitário de € 1,44, 1.250.000,00 acções da Labicer que tinha um valor contabilístico negativo e sem qualquer expectativa de negócio que lhe permitisse gerar retorno para pagar o muito elevado endividamento que tinha perante o grupo SLN/BPN.
Face ao exposto não temos dúvidas da verificação dos pressupostos do crime de burla de que o arguido está pronunciado.
O erro e engano sobre os factos, astuciosamente provocado, passou por duas vertentes.
A primeira, pela atribuição de um valor às acções da Labicer completamente desajustado da realidade, uma vez que esta sociedade, à data, tinha um valor contabilístico negativo e sem expectativa de negócio.
A segunda, através do aumento do endividamento da Adicais sob o falso pretexto de o financiamento se destinar para construção e venda, sendo certo que o arguido estava perfeitamente ciente que esse financiamento destinava-se apenas a permitir que a Sogipart adquirisse as acções da Labicer de que era titular.
Com este duplo artifício ou ardil, por um lado, determinou que a Sogipart adquirisse acções da Labicer que, no fundo, nada valiam, e, por outro, aumentou o endividamento da Adicais.
E, concomitantemente obteve um benefício ilegítimo que consistiu na liquidação da sua dívida junto do Banco Insular no valor total de € 1.812.872,00 que, não fora aquele plano/estratégia astuciosamente delineado, não teria logrado liquidar.
Isto é, ficou sem as acções da Labicer que nada valiam pela contrapartida do pagamento do seu empréstimo naquela instituição bancária e pelo referido montante.
Em suma, estão verificados todos os elementos objectivos e subjectivos do crime de burla.
Os elementos subjectivos consubstanciam-se nos factos enunciados, sendo-lhe imputada a conduta a título de dolo directo.
A burla é qualificada (arts. 218°, n.° 2, al. a) e 202°, al. b), ambos do C.P.) face ao valor do prejuízo patrimonial provocado à sociedade Adicais.
Assim sendo, deve o arguido ser condenado pela prática, como autor material, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217°, n.° 1 e 218°, n.° 2, al. a), ambos do C.P..

2. Apreciando.

3. A propósito da factualidade respeitante à Labicer e à Etrapanob, os arguidos voltam a afirmar que:
- não resulta da matéria de facto quem foi enganado e através de que concreto meio astuciosamente provocado;
- quanto ao “artifício”, na constituição da sociedade ETRAPANOB, SGPS, Lda, o arguido TR… não provocou nem participou em qualquer “engano” no valor, nem efectuou ou contribuiu para qualquer “artifício”, jamais teve intenção de enriquecimento ilegítimo e não houve qualquer intenção de causar prejuízo;
- o “engano quanto ao valor” ou o valor incorrecto, concerne unicamente às acções da LABICER, às quais foi atribuído no contrato celebrado o valor unitário de € 2,60.
- não se pode entender que a Etrapanob tivesse sido vítima de algum logro

4. Vejamos.
Atendendo ao que se mostra supra transcrito, caberá começar por referir que não assiste razão aos recorrentes na crítica que dirigem ao decidido, que nos merece acolhimento genérico.
Para além do mais, estes actos inserem-se no crime de burla único pelo qual cada um dos arguidos foi condenado, pelo que se deixa supra exposto a propósito dos seus elementos constitutivos se aplica, mutatis mutandis, ao que ora nos cumpre apreciar.
Note-se que, no que concerne ao arguido TR…, os factos relativos à Etrapanob e venda das acções da Labicer, inserem-se numa conjuntura de co-autoria de actuação com os arguidos JO… e FS…, englobando-se no cenário de engano prosseguido.
Por seu turno, e no que se refere ao arguido RC…, há que constatar que a sua actuação não foi feita em co-autoria, isto é, agiu sozinho na questão relativa à Adicais, pelo que infra nos pronunciaremos sobre as críticas que dirige ao decidido.
Assim, remetendo ainda para o que acima deixámos já exarado a propósito deste tipo de crime, sinteticamente dizemos:

i. O erro e engano sobre os factos astuciosamente provocados desenvolveu-se em três vertentes, designadamente a constituição de uma sociedade, a Etrapanob, sociedade veículo que visava a aquisição da participação social na Labicer detida pelo arguido TR… e a ocultação da intervenção do grupo BPN/SLN, grupo este que já tinha custeado a aquisição das acções agora pretendidas comprar; a segunda, através da outorga do contrato de regularização de dívidas, compra e venda de acções e suprimentos, mediante o qual foram acertados os valores dos activos do arguido TR… e das suas empresas, de modo a fazê-los coincidir com os valores em dívida do arguido TR… e com a vantagem que aqueles pretendiam atribuir-lhe (€ 2.000.000,00), tendo as acções da Labicer sido avaliadas em € 2,60 por acção, quando verdadeiramente estas tinham um valor contabilístico negativo; a terceira vertente concretizou-se na atribuição de um crédito à sociedade instrumental Etrapanob, sendo certo que os arguidos sabiam que o montante colocado na esfera desta sociedade no valor global de € 5.106.817,82 não representava um verdadeiro empréstimo, mas sim uma forma de ocultar a aquisição das acções da Labicer directamente pelo BPN.

ii. A Etrapanob serviu assim para transferir os montantes que eram devidos pelo arguido TR… junto do BPN Cayman e do Banco Insular, aos quais foi pago um total de € 4.110.901,22, originando novo processo de dívida, agora junto do BPN e atingindo o montante de € 5.260.000,00, sendo devedora a sociedade Etrapanob.

iii. Os arguidos JO…, FS… e TR… lograram recolocar na Etrapanob a participação accionista detida na Labicer pelo arguido TR… sem revelar a directa participação accionista do grupo BPN, o que lhes permitiu igualmente um enriquecimento a nível de controlo, pois a totalidade das acções da Labicer passou a ficar sob a sua alçada decisória.

iv. O arguido TR… logrou, igualmente, obter um benefício ilegítimo, designadamente um prémio de € 1.000.000,00 (o outro milhão de euros acabou por não ser pago porque a AICEP não deu autorização para a transferência das acções) pela sua saída do capital social da Labicer, bem como o pagamento das suas dívidas e das suas empresas no universo das instituições bancárias do grupo, sendo este um enriquecimento ilegítimo porque se baseou em avaliação de activos sem a correspondência com a realidade, sendo certo que, sem essa realidade ficcionada, não lograria receber o prémio nem pagar as suas dívidas (livrou-se das acções da Labicer, que nada valiam, pela contrapartida do pagamento parcial dos seus empréstimos naquelas instituições bancárias e pelo referido montante, recebendo ainda um prémio suplementar de € 1.000.000,00).

v. Toda esta actuação provocou um prejuízo efectivo e directo para a Etrapanob e indirecto para o grupo SLN/BPN, porquanto, por um lado, aquela sociedade ficou com uma dívida perante o grupo num valor superior a € 5.000.000,00 e, por outro, o grupo SLN/BPN concedeu crédito à Etrapanob sem quaisquer garantias de cumprimento/pagamento adequadas e bastantes, ficando ainda o mesmo grupo titular de acções da Labicer, com um valor sem a mínima correspondência com a realidade e pelas quais aceitou pagar um preço muito superior, bem como, ainda, o “prémio” de € 1.000.000,00 ao arguido TR…. 

vi. No que toca a todos os restantes actos, foram celebrados com o acordo e a colaboração do arguido TR…, designadamente na parte que se refere à sobreavaliação dos activos imobiliários envolvidos no negócio (mais uma vez, foi o BPN, através do Fundo de Capital de Risco, determinado a adquiri-los por um preço superior ao verdadeiro - facto 811).
 
vii. Assim, como aliás o tribunal “a quo” já havia deixado exarado, constata-se que não existe qualquer dúvida quanto a mostrarem-se preenchidos os elementos integrantes do tipo, sendo certo que não é a Etrapanob a entidade ludibriada, mas sim o Grupo SLN/BPN, como já acima se referiu.

5. A propósito da factualidade respeitante à Adicais, o arguido RC… alega:
- a atribuição do valor às acções da LABICER foi assumida às claras por todo o grupo
- a utilização dos fundos da ADICAIS para fazer face à compra das acções pela SOGIPART foi uma mera gestão de tesouraria de ocasião, sem reflexos no passivo global do grupo, na medida em que o empréstimo deixou de estar no Banco Insular, para passar a estar no BCP, embora apenas temporariamente, dado que em 2010 o empréstimo do BCP foi integralmente liquidado;
- não está provado nos autos que RC… tenha levado a cabo as transferências dos fundos sem participação dos demais administradores da ADICAIS RC… não tinha sequer o domínio dos factos no seu todo, pois não dominava a ADICAIS, não dominava a SOGIPART, e não dominava o grupo SLN,
- não se sabe em que termos e valores a Adicais teria sido supostamente prejudicada com a conduta do arguido;

6. Vejamos.

i. Merece-nos acolhimento genérico o que o tribunal “a quo” deixou exarado a propósito desta matéria.
E, em bom rigor, o próprio arguido não impugna os raciocínios que aí se mostram vertidos, quer é aditar elementos que já avançou quando procedeu à impugnação da matéria de facto.
Assim, uma vez que todas estas questões foram já analisadas e decididas em sede dessa apreciação (vide supra este acórdão), remetemos para o que aí deixámos já dito, por razões de mera economia processual.

ii. Sinteticamente caberá apenas dizer que a entidade determinada à prática de um acto causador de prejuízo patrimonial foi a Sogipart, induzida em erro pelo arguido RC… no que respeita ao verdadeiro valor das acções da Labicer, que as adquiriu por um preço que não tinha qualquer correspondência com a realidade (isto é, muito superior ao que efectivamente tinham, que era um valor nulo) e o fez por recurso a um financiamento, também ele com fundamentos enganosos (financiou a Sogipart para tal fim, junto do BCP, através da disponibilização de uma tranche de um empréstimo que se destinava ao financiamento para construção e venda), tendo tudo isto sido realizado com a intenção alcançada de este arguido obter para si um enriquecimento ilegítimo, com o qual procedeu à liquidação da dívida que mantinha junto do Banco Insular, provocando à Sogipart prejuízo patrimonial no valor correspondente ao preço que pagou por acções que não tinham qualquer valor (€ 1.800.000,00).

iii. Não colhem, assim, as críticas que dirige ao decidido.

                                                      III.

1. Em sede final deste segmento apreciativo, há que concluir que a factualidade dada como assente integra o crime de burla qualificada pelo qual os arguidos foram condenados, por se mostrarem preenchidos os seus elementos típicos, razão pela qual tal condenação se deve manter, improcedendo assim os pedidos que os arguidos JO…, JV…, LC…, FS…, LM…, LAl… e a arguida IC…, bem como os arguidos TR… e RC… formularam a este propósito.

2. Exceptuando o caso do arguido RC… (que, pela sua própria natureza, cometeu um crime em autoria singular, de execução temporalmente unitária e mediante uma única resolução criminosa), no que aos restantes arguidos concerne estamos perante um crime de execução continuada, por se verificar uma unidade resolutiva que conforma e abrange toda a actividade criminosa por estes arguidos produzida e acima descrita, como supra já se referiu.

3. Assim sendo, resta-nos concluir que se mostram preenchidos todos os elementos constitutivos do tipo de crime que lhes vinha imputado, pelo que a condenação destes arguidos, pela prática deste ilícito, deve ser mantida.
 
4. Finalmente, mostra-se prejudicada a necessidade deste Tribunal ad quem tomar posição quanto às questões relativas à putativa violação do princípio da legalidade/tipicidade criminal, bem como as concernentes às interpretações potencialmente feridas de inconstitucionalidade, arguidas a propósito desta questão, uma vez que este Tribunal não perfilha o entendimento que os recorrentes consideram ter estado subjacentes à decisão recorrida, não subsistindo, pois, para este tribunal de recurso, a necessidade de se pronunciar sobre sentidos normativos que não aplicou no caso.
D. Do crime de branqueamento de capitais e do perdimento de valores a favor do Estado.

1. O arguido JO… foi condenado pela prática de um crime de branqueamento, p. e p. pelo art. 368º-A, n.ºs 1, 2 e 10 do C.Penal, pelo conjunto dos factos provados 213 a 216, 272 a 286 e 865 a 893.
O tribunal “a quo”, a propósito desta questão, proferiu a seguinte decisão:
O arguido OC… encontra-se também pronunciado pela prática, em autoria material, de um crime de branqueamento, p. e p. pelo art. 368° - A, n.°s 1 e 2 do C.P., “com referência aos factos narrados nos arts. 221° a 224°, 282° a 296° e 917° a 945° da pronúncia”.
Esta factualidade corresponde aos factos provados 213 a 216 (conta alfanumérica A1), 272 a 286 (subscrição das 29 milhões de acções e saque de fundos da conta A1 titulada pelo arguido no Banco Insular) e 865 a 893 (ganhos do arguido colocados na conta da Galeria).
Dispõe aquela norma:
(…)
O bem jurídico protegido pela incriminação é a realização da justiça, na sua particular vertente da perseguição e do confisco pelos tribunais dos proventos da actividade criminosa.
Estamos perante um crime de perigo abstracto quanto ao grau de lesão do bem jurídico protegido.
Quanto à forma de consumação do ataque ao objecto da acção, as operações de conversão, transferência, ocultação e dissimulação remete-nos para um crime de resultado.
O crime de branqueamento de capitais constitui uma criminalidade derivada ou de segundo grau, dado que pressupõe a prévia concretização de um ilícito (Eduardo Paz Ferreira, in O Branqueamento de Capitais, Estudos de Direito Bancário, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Coimbra Editora, 1999, pág. 306).
Esta exigência “a montante” de um facto autónomo e separado, permite a caracterização do tipo de branqueamento de capitais como sendo um crime de conexão, um “pós-facto” punível.
Trata-se de um elemento que deve ser abrangido pelo dolo do agente, ou seja, este deve saber que o objecto da acção (dinheiro ou outras vantagens) é proveniente de um dos factos precedentes elencados pela lei (Jorge Alexandre Fernandes Godinho, Crime de Branqueamento de Capitais, Almedina, Coimbra 2001, pág. 165).
O tipo objectivo consiste na dissimulação, transferência ou conclusão de uma operação destinada a dissimular a identificação da proveniência ilícita, i.e., na eliminação de toda a possibilidade de conexão da riqueza ao crime base.
Por fim, tratando-se de um crime de mera actividade, o branqueamento esgota-se, como tal, na própria acção. A consumação dá-se quando ocorre a conversação ou transferência.
Não olvidando o que agora de referir, não subsistem quaisquer dúvidas que o arguido OC… praticou o tipo-de-ilícito em questão.
Verificou-se o crime precedente, neste caso, dois: burla qualificada e abuso de confiança. Estão verificados os pressupostos a que alude a parte final do n.º 1 do art. 368º-A do C.P..
O arguido tinha pleno conhecimento que estava a dissimular a proveniência ilícita das quantias:
862) Ao fazer a transferência da sua conta pessoal para a conta da Galeria, o arguido OC… não pretendia realizar uma liberalidade em benefício do Banco, uma vez que sabia que o BPN teria que recomprar as obras de arte, até com um preço acrescido, pelo que sabia que o seu dinheiro seria sempre recuperado na conta da Galeria;
863) Com efeito, o arguido OC…, sabia que a origem dos fundos que transferiu para a conta da Galeria lhe poderia vir a ser censurada e o poderia fazer incorrer em responsabilidade, razão pela qual visava que os fundos transferidos para a Galeria, depois de utilizados para criar a aparência de um pagamento ao BPN e depois de recebido do BPN o dinheiro correspondente à recompra, permanecessem na Galeria, à sua disposição;
864) O que o arguido OC… visava era cortar a ligação dos referidos fundos com os factos que sabia lhe terem dado origem e que eram os que se passam a narrar;
Resta só aferir se ocorreu conversão e/ou transferência de vantagens (dinheiro) com o fim de dissimular a sua origem ilícita.
Os factos mencionados enunciam-no.
E, de facto, assim ocorreu.
Considere-se:
O arguido obteve substanciais mais-valias nas operações Emka, Invesco e Zemio.
Ficou, em carteira, com milhões de acções da SLN, SGPS, S.A., realizadas nas circunstâncias atrás referidas.
Grande parte dessas acções foram pagas com o valor do empréstimo do Fortis Bank (mais de € 8.000.000,00) que, por sua vez, foi pago com financiamentos do Banco Insular sob a forma de contas correntes caucionadas associadas à conta alfanumérica A1 que não foram formalizados e que nunca foram pagos quer quanto ao capital mutuado quer quantos aos respectivos juros (865 e 866).
Posteriormente vendeu acções da SLN SGPS que tinha em carteira.
Avulta aquela em que o arguido OC…, prevalecendo-se das posições que detinha no grupo SLN/BPN, designadamente presidente do BPN, SA, presidente da SLN, SGPS e da SLN VALOR, SGPS, SA, realizou com JVe…, respeitante a 821.429 acções da SLN, SGPS (867 a 869).
Com efeito, em 21.09.2005, o arguido OC… vendeu 821.429 acções da SLN, SGPS pelo preço unitário de € 2,80 a JVe…, tendo o produto global da venda de € 2.300.001,20 sido creditado na sua conta pessoal no BPN, S.A. (869).
Estamos, neste caso, perante a conversão (venda das acções e recebimento do dinheiro) das vantagens obtidas, de modo ilícito, nos termos narrados supra.
Por via desta actuação, o arguido OC… dispunha de fundos nas suas contas, à data de Setembro de 2006, de forma a poder colocar o montante referido na conta da “Filomena Soares e Santos, Lda., uma vez que sabia que o mesmo poderia ser recuperado e com nova justificação, logo que o BPN procedesse à recompra dos quadros (875).
O simulado acordo de 30.11.2004 (compra e venda com acordo de recompra) outorgado entre o arguido OC… e a Galeria Filomena Soares previa a obrigação do BPN recomprar as obras de arte.
Por conseguinte, a 9.07.2007, na sequência de determinação do arguido OC…, o BPN, SA realizou uma transferência para a conta da Galeria, no BPN, SA, no montante de € 1.427.750,00 (877).
Por outro lado, em 16.07.2007, a Real Seguros transferiu para a conta da Galeria, no BES, a quantia de € 1.861.272,00 (878).
Deste modo, com a recompra pelo BPN das obras de arte à Galeria “Filomena Soares e Santos”, os fundos inicialmente colocados nas contas da mesma com origem na conta da JARED junto do Banco Insular e com origem nas contas do arguido OC…, ficaram livres e aparentemente com uma nova justificação, tal como pretendia o arguido OC…, uma vez que, aparentemente eram provenientes das transacções entre a Galeria e o BPN.
Ou seja, estamos perante a transferência da vantagem (dinheiro) anteriormente obtida de modo ilícito e, concomitantemente, na sua dissimulação.
A transferência, dissimulação e ocultação da vantagem obtida continuou, primeiro, através da aplicação dos fundos em depósito a prazo no BPN e, depois, através das operações descritas no facto provado 881 (11.09.2007 e 12.09.2007) e nos factos 883 e 884.
Com o dinheiro já completamente dissimulado, ocorreram posteriormente, novas disposições de fundos a solicitação do arguido (885 a 887).
No entanto, apesar de todas estas movimentações, o arguido OC… continuava a dispor nas contas da Galeria o montante de € 1.570.870,00.
Havia que justificar a permanência dos fundos nas contas da Galeria, o que não deixa de ser uma nova dissimulação/ocultação.
Para tanto:
O arguido OC… propôs e o MSa… aceitou, subscreverem um acordo pelo qual se estabelecia a prestação de consultadoria pelo MSa… ao arguido, no domínio da pintura e da escultura contemporânea (889).
Aceitou ainda que parte dos fundos detidos pela “Filomena Soares e Santos, Lda”, no seu interesse, poderiam ser aplicados em obras de arte, escolhidas pelo MSa…, tendo em vista a rentabilização daquele capital, sem prejuízo de continuar o MSa… a ter que disponibilizar os fundos de que o OC… viesse a ter necessidade (890).
Tanto assim é que já na pendência dos presentes autos, o arguido OC… fez chegar ao MSa… nova instrução para a mobilização de fundos, desta vez no montante de 550.000,00 €, que vieram a ser mobilizados, na data de 11-3-2009, da conta BES da “Filomena Soares e Santos, Lda.” para a conta da sociedade “Paço dos Infantes – Sociedade Agrícola, Comercial e Turística, Lda.”, conta junto da CCAM de Beja, nº … (891).
Tais fundos (€ 550.000,00) vieram a ser bloqueados à ordem dos presentes autos, quer na conta da referida “Paço dos Infantes” quer nas contas da “Filomena Soares e Santos, Lda”, vindo posteriormente a ser apreendidas obras de arte adquiridas pelo MSa…, no valor dos restantes 1.020.870,00 € que eram pertença do arguido OC…, mas que o MSa… já havia aplicado em várias obras de arte na sequência do acordo que, os dois, tinham estabelecido (893).
Dúvidas não subsistem, pois, da prática pelo arguido OC… de um crime de branqueamento de capitais devendo, consequentemente, ser condenado por este tipo de ilícito.
(…)
Da perda de bens:
Dispõe o art. 111°, n.° 2 do C.P.:
“São também perdidos a favor do Estado (...), as coisas, direitos ou vantagens que, através do facto ilícito típico, tiverem sido adquiridos, para si ou para outrem, pelos agentes e representem uma vantagem patrimonial de qualquer espécie”;
Provou-se:
961) A interveniente “Galeria” procedeu ao prévio depósito à ordem deste Tribunal/Processo da quantia de € 1.020.870,00, encontrando-se ainda apreendido à ordem dos autos a quantia de € 388.265,80, sendo que ambas constituem vantagens obtidas pelo arguido OC… na sequência de toda a conduta por si perpetrada e dos factos provados 213 a 216, 272 a 286 e 865 a 893;
A quantia global de € 1.409.135,80 constitui, pois, um proveito do arguido OC… resultante dos factos ilícitos por si praticados (crimes de burla qualificada, abuso de confiança e branqueamento).
Assim sendo, ao abrigo da citada norma, será perdida a favor do Estado.

2. O arguido JO… insurge-se contra o decidido, no que se refere à condenação pela prática de um crime de branqueamento de capitais, pelos seguintes fundamentos:

i. Suscita a questão da ausência de condenação anterior pelo crime de abuso de confiança;
ii. Suscita a questão de inexistência, de igual modo, do crime precedente de burla;
iii. Suscita a questão da licitude dos capitais próprios que depositou na Galeria;
iv. Suscita a questão de os fundos (ilícitos que fossem) com origem na A1 não terem servido para adquirir 29.000.000 de acções da SLN, mas para um e dois anos depois pagar ao Fortis Bank parte do financiamento que as permitiu adquirir, pelo que jamais as 29.000.000 acções da SLN adquiridas pelo arguido podiam ser consideradas como tendo sido compradas com tais fundos;
Por tais razões, entende que tais quantias não podem ser consideradas como vantagens da prática de qualquer crime que envolva a A1 e, assim, “bens provenientes da prática” ou “bens que com eles se obtenham”, norma (368.º-A, n.º 1, do C.Penal), que, também por isso, se acha violada.

3. Apreciando.

i. No que se reporta à questão relativa à condenação pela prática de um crime de abuso de confiança, a mesma já se mostra resolvida, pelo acórdão proferido pelo tribunal “a quo”, em 16 de Novembro de 2018, em cumprimento do acórdão proferido por este TRL em 26 de Setembro de 2018, que determinou o suprimento da nulidade que consistia na ausência, quanto a esse crime, de determinação da tipologia e dosimetria da pena e de inserção em sede de dispositivo.
De igual modo, a questão relativa à eventual proibição da reformatio in pejus, que o arguido suscitou a propósito deste ilícito, mostra-se já decidida no presente acórdão (vide IV. Fundamentação, §§, E. Da proibição da reformatio in pejus), não tendo sido dado provimento ao por si então invocado, pelas razões que já se mostram aí vertidas e para as quais remetemos, por razões de mera economia processual.

ii. No que concerne à inexistência de crime precedente, a questão mostra-se já igualmente respondida supra, nesta secção deste acórdão, em que nos debruçámos sobre o recurso do arguido, que defendia a ausência do preenchimento dos elementos do tipo no que respeita a esses ilícitos, concluindo não lhe assistir razão.
Fica assim prejudicado o conhecimento do ora invocado.

iii. e iv. No que respeita à licitude dos fundos ou, independentemente da mesma, ao fim para o qual foram utilizados os valores provenientes da sua conta A1, são questões que foram já anteriormente abordadas (vide a secção deste acórdão em que nos debruçámos sobre a reapreciação da matéria de facto pedida por este arguido, no seu recurso), sendo que a tese por si então propugnada (e aqui novamente avançada) a respeito de tais matérias, não obteve acolhimento, pelo que fica igualmente prejudicada a apreciação destes pontos, por já decididos em sede própria – na parte relativa à factualidade apurada.

v. Sintetizando o que a propósito destas críticas já anteriormente formuladas pelo recorrente ao longo do seu recurso, se deixou explanado:
Os benefícios que integram um dos elementos preenchedores deste crime de branqueamento, resultaram do excedente patrimonial que conseguiu obter, por virtude das operações que realizou para conseguir adquirir 29 milhões de acções da SLN SGPS.
Esse excedente resultou então:
a. Do remanescente dos fundos com que procedeu ao pagamento dos iniciais 30% relativos ao preço de aquisição das ditas acções e que advieram da venda de acções próprias à EMKA, obtendo mais-valias ilegítimas; da instrumentalização da Invesco, aproveitando e usando as mais-valias que esta havia obtido sem que, no momento em que assim actuou, tivesse qualquer título que legitimasse tal operação; da venda à Zemio - de que era então beneficiário efectivo - de acções que tinha em carteira, através de fundos sacados à Venice, obtendo mais-valias através de uma venda a si mesmo, paga por outrem.
b. Do remanescente dos fundos de que se apropriou para proceder ao pagamento dos restantes 70% do preço de aquisição de 29 milhões de acções da SLN SGPS e que advieram do pagamento do empréstimo que havia contraído junto do Fortis Bank, com quantitativos monetários disponibilizados pelo Banco Insular, sob a forma de contas correntes caucionadas associadas à conta alfanumérica A1, que nunca teve intenção de pagar e que, efectivamente, não pagou.
A prática de todos estes actos foram juridicamente enquadrados, correctamente, e consoante os casos, como integrando a prática do crime de burla agravada e do crime de abuso de confiança agravado, crimes pelos quais o arguido foi condenado, nos termos que se mostram explanados pelo tribunal “a quo”, já transcritos, aos quais se dá adesão e para os quais se remete.
Por seu turno, uma vez obtido esse excedente, o arguido tratou não só de o pôr a render, como decidiu proceder à conversão dessas vantagens ilicitamente alcançadas, convertendo-as, a fim de dissimular a ilicitude da sua proveniência, através do estratagema da compra e venda de quadros, via Galeria Filomena.
Assim, não restam dúvidas que, ainda que por virtude da proibição da reformatio in pejus (e tal até nem é o caso, como se deixou já supra exarado em D. Da Proibição da reformatio in pejus) se tivesse de entender pela não verificação do crime precedente abuso de confiança, a verdade é que, havendo vantagens ilícitas pelo arguido obtidas, por força da prática de um crime de burla agravado, o elemento preenchedor do tipo que se reporta à existência de crime precedente, mostrar-se-ia igualmente preenchido, pelo que a condenação a este título determinada se manteria.

4. No que se refere à questão do perdimento a favor do Estado, o arguido JO… pede a sua revogação com fundamento no entendimento de que o facto provado 961) padecia, por um lado, de nulidade (por incumprimento do disposto no artº 358 do C.P.Penal) ou, subsidiariamente, se mostrava erradamente apreciado.

5. Como se constata pela leitura das secções supra deste acórdão (IV. Fundamentação, §§. B. Nulidades da sentença…; e G.), em que se apreciaram tais matérias, entendeu-se não assistir razão ao arguido, pelo que se manteve a redacção do dito facto provado 961.

6. Não obstante a ausência de apresentação de outros fundamentos, cumprirá realçar que se mostra dado como assente que as quantias apreendidas constituem vantagens obtidas pelo arguido JO… na sequência de toda a conduta por si perpetrada e dos factos provados 213 a 216, 272 a 286 e 865 a 893, sendo que esta factualidade preencheu os elementos do tipo do crime de branqueamento de capitais pelo qual o arguido foi condenado.
Assim, os valores cuja perda foi ordenada a favor do Estado correspondem às vantagens obtidas pelo arguido (ganhos/rentabilização), resultantes da prática de facto ilícito, pelo que a sua perda a favor do Estado decorre do comando consignado no artº 111 nº2 do C.Penal (redacção à data da prática dos factos), que se mantém presentemente no artº 110 nº1 al. b) do mesmo diploma legal.

7. Assim, uma vez que os fundamentos de discórdia, em que se alicerçava o pedido ora em apreciação, soçobraram, inexistindo outros argumentos que o arguido avance quanto a tal questão e não se vislumbrando que o decidido padeça de erro, há que concluir pela improcedência do pelo arguido peticionado.

8. Finalmente, mostra-se prejudicada a necessidade deste Tribunal ad quem tomar posição quanto à questão de inconstitucionalidade arguida a propósito desta questão, uma vez que nem este Tribunal (nem o tribunal “a quo”) perfilharam o entendimento que o recorrente considera ter estado subjacente à decisão recorrida, não subsistindo, pois, para este tribunal de recurso, a necessidade de se pronunciar sobre um sentido normativo que não tem aplicação no caso.


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J. questões relativas às penas (recursos interpostos pelos arguidos e pelo Mº Pº).
I. Nos recursos que interpôs (vide IV. Fundamentação, secção H. deste acórdão), o MºPº pediu a alteração (agravamento) da dosimetria das penas parcelares e únicas impostas aos arguidos JO…, LC…, JV… e TR….
Sucede, todavia, que três desses arguidos (a excepção foi o arguido LC…), nos recursos por si interpostos do acórdão condenatório, requereram a título subsidiário, a alteração das penas que lhes foram impostas, em sentido inverso, isto é, desagravativo.
Assim, por razões de mera economia processual, entendeu-se (vide secção HD) que as questões propostas por todos os recorrentes (incluindo o MºPº), seriam apreciadas e decididas numa única sede, que é a presente.

II. Conclusões a que respeita esta secção (uma vez que se procedeu já supra - vide ponto II. Transcrições dos segmentos (…) 2. - à transcrição integral das conclusões apresentadas por cada um dos recorrentes, opta-se por aqui se indicar apenas os números referentes às mesmas, que importam à decisão das questões que neste segmento cabe apreciar):

. Arguido JO…:
Conclusões por si apresentadas - 1281 a 1284; R2 – (1322 a 1376; 1383 a 1387).
Conclusões apresentadas pelo Mº Pº no recurso interposto no que respeita a este arguido - 59 a 69.
Na resposta que apresentou, o arguido invoca o princípio da proibição da reformatio in pejus.

. Arguido JV...:
Conclusões por si apresentadas: 4.206 a 4.227, 4.241, 4.242.
Conclusões apresentadas pelo Mº Pº no recurso que interpôs no que respeita a este arguido - 114 a 124.
Resposta apresentada pelo arguido – todo o teor das conclusões.

. Arguido LC…:
Conclusões do recurso interposto pelo Mº Pº no que respeita a este arguido - 95º a 113º
Resposta do arguido – ponto III.2.

. Arguido FS…:
Conclusões por si apresentadas: 224º a 234º; 291º a 293º; 333º a 358º; 360º.
Resposta do Mº Pº no que respeita a este arguido – II, VII 6; VIII 3, 5, X.

. Arguido LG…:
Conclusões por si apresentadas - 95º a 101º.
Resposta do Mº Pº no que respeita a este arguido – II 4.

. Arguido LR…:
Conclusões por si apresentadas - 173º a 183º, 191º.
Resposta do Mº Pº no que respeita a este arguido – II 4.

. Arguida IC…:
Conclusões por si apresentadas - 135º a 144º.
Resposta do Mº Pº no que respeita a esta arguida – II 4.

. Arguido TR…:
Conclusões por si apresentadas – 163 a 175.
Conclusões apresentadas pelo Mº Pº no recurso que interpôs no que respeita a este arguido - 513 a 521.
Resposta do arguido: conclusões II a IV.

. Arguido JMo…:
Conclusões por si apresentadas – 52 (não formula pedido).
Resposta do Mº Pº no que respeita a este arguido – IV.

. Arguido LF…:
Conclusões por si apresentadas – 16º a 18º;188º a 242º.
Resposta do Mº Pº no que respeita a este arguido – II 7.

. Arguido RD…:
Conclusões por si apresentadas – CCXXXIV a CCXXXVIII, CCLXXXVIII a CCC.
Resposta do Mº Pº no que respeita a este arguido – II 4.
III. Houve lugar às seguintes condenações (mostrando-se realçadas no texto as que resultaram da apreciação realizada no presente recurso, para mais fácil leitura):

1 - Arguido JO…
Cometeu em autoria material:
a. Um crime de burla qualificada, com referência ao conjunto da sua actuação no que se reporta à indução em erro ou engano das entidades que lhe competia administrar, directa ou indirectamente, p.p. pelo artº. 217º, 218º, nº1 e nº 2 al. a) do C. Penal, tendo sido condenado na pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão (toda a sua conduta);
b. Um crime de abuso de confiança, com referência ao conjunto da sua actuação na retirada e apropriação, para si e para terceiros, de fundos do Grupo BPN/SLN, p. e p. pelo art. 205º, n.ºs 1 e 4, al. b) do C.P., tendo sido condenado na pena de 4 (quatro) anos de prisão (conjunto dos factos provados 269 a 286, 862 a 880 e 941 e 948);
 c. Um crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo art. 368º-A, n.ºs 1, 2 e 10 do C.P., tendo sido na pena de 5 (cinco) anos de prisão (conjunto dos factos provados 213 a 216, 272 a 286 e 865 a 893);
d. Um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 103º, n.º 1, als. a) e c) e 104º, n.º 2, al. a) do RGIT, tendo sido condenado na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão (factos provados 733 a 752, 943, 944 e 958);
e. Um crime de falsificação de documento qualificado (vide secção I. deste acórdão) com referência ao conjunto da sua actuação no que se refere ao forjar de documentos e de registo de movimentos bancários e contabilísticos, p.p. pelo artº 256º, nº 1 al. a) e e) e nº 3 do Código Penal, tendo sido condenado na pena de 3 (três) anos de prisão (toda a sua conduta);
Em cúmulo jurídico das penas de prisão em concurso das alíneas a. a e. (art. 77º, nºs 1 e 2 do C.P.), foi condenado o arguido JO… na pena única de 15 (quinze) anos de prisão.
f. Um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelo artº 103 nº1 al. c) do RGIT e pelas alíneas a) e g) do nº1 do artº 104 do RGIT, tendo sido condenado (vide secção HA. deste acórdão) na pena de 3 (três) anos de prisão (factos provados 923 a 958 do acórdão – casa das Sesmarias);

2 – Arguido JV…:
Foi condenado, em autoria material:
a. Pela prática de um crime de burla qualificada, com referência ao conjunto da sua actuação no que se reporta à indução em erro ou engano das entidades que lhe competia administrar, directa ou indirectamente, p. e p. pelos artº. 217º, 218º, nº1 e nº 2 al. a) do C. Penal na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão (toda a sua conduta);
b. Pela prática de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo art. 205º, n.ºs 1 e 4, al. b) do C.P., foi condenado na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (factos provados 213 a 222, 946, 958 - apropriação de dividendos do Banco Insular);
c. Um crime de falsificação de documento qualificado (vide secção I. deste acórdão) com referência ao conjunto da sua actuação no que se refere ao forjar de documentos e de registo de movimentos bancários e contabilísticos, p.p. pelo artº 256º, nº 1 al. a) e e) e nº 3 do Código Penal, tendo sido condenado na pena de 2 (dois) anos de prisão (toda a sua conduta);
Em cúmulo jurídico das penas de prisão em concurso (art. 77º, nºs 1 e 2 do C.P.), foi condenado o arguido JV… na pena única de 7 (sete) anos e 3 (três) meses de prisão;

3 - Arguido LC…:
Como autor material:
a. Um crime de burla qualificada, com referência ao conjunto da sua actuação no que se reporta à indução em erro ou engano das entidades que lhe competia administrar, directa ou indirectamente, p.p. pelo artº. 217º, 218º, nº1 e nº 2 al. a) do C. Penal, tendo sido condenado na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão (toda a sua conduta);
b. Um crime de falsificação de documento qualificado, com referência ao conjunto da sua actuação no que se refere ao forjar de documentos e de registo de movimentos bancários e contabilísticos, p.p. pelo artº 256º, nº 1 al. a) e e) e nº 3 do Código Penal, tendo sido condenado na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão (inclui falsificação escritura Breslan/Plexpart e falsificação de registos contabilísticos);
Em cúmulo jurídico das penas de prisão em concurso nas alíneas a. e b. (art. 77º, nºs 1 e 2 do C.P.), condenar o arguido LC… na pena única de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão; (falta a pena de 4 anos de prisão pelo abuso de confiança).
c. Um crime de abuso de confiança, previsto e punível pelo art.º205.º, n.º 1, 4, b), do Código Penal, (vide secção HB. deste acórdão) tendo sido condenado na pena de 4 anos de prisão (factos provados 366 a 408 e 941);

4 – Arguido FS….
Em autoria material:
a. Um crime de burla qualificada, com referência ao conjunto da sua actuação no que se reporta à indução em erro ou engano das entidades que lhe competia administrar, directa ou indirectamente, p. e p. pelos artº. 217º, 218º, nº1 e nº 2 al. a) do C. Penal, foi condenado na pena de 5 (cinco) anos de prisão (factos provados 780 a 829 e toda a sua conduta);
b. Um crime de falsificação de documento qualificado (vide secção I. deste acórdão) com referência ao conjunto da sua actuação no que se refere ao forjar de documentos e de registo de movimentos bancários e contabilísticos, p.p. pelo artº 256º, nº 1 al. a) e e) e nº 3 do Código Penal, tendo sido condenado na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (toda a sua conduta);
c. um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 103º, n.º 1, als. a) e c) e 104º, n.º 2, al. a) do RGIT, tendo sido condenado na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (factos provados 733 a 752, 943, 944 e 958);
Em cúmulo jurídico das penas de prisão em concurso (art. 77º, nºs 1 e 2 do C.P.), condenar o arguido FC… na pena única de 6 (seis) anos e 9 (nove) meses de prisão;

5 – Arguido LM…:
Cometeu em autoria material: 
Um crime de burla qualificada, com referência ao conjunto da sua actuação no que se reporta à indução em erro ou engano das entidades que lhe competia administrar, directa ou indirectamente, p.p. pelo artº. 217º, 218º, nº1 e nº 2 al. a) do C. Penal, tendo sido condenado na pena de 3 (três) anos de prisão (toda a sua conduta), suspensa pelo período de 3 (três) anos, com a condição de, em igual prazo, pagar ao Estado Português a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros);

6 - Arguido LR….
Cometeu em autoria material: 
a. Um crime de burla qualificada, com referência ao conjunto da sua actuação no que se reporta à indução em erro ou engano das entidades que lhe competia administrar, directa ou indirectamente, p.p. pelo artº. 217º, 218º, nº1 e nº 2 al. a) do C. Penal, tendo sido condenado na pena de 3 (três) anos de prisão e 6 (seis) meses de prisão (toda a sua conduta);
b. Um crime de falsificação de documento qualificado (vide secção I. deste acórdão) com referência ao conjunto da sua actuação no que se refere ao forjar de documentos e de registo de movimentos bancários e contabilísticos, p.p. pelo artº 256º, nº 1 al. a) e e) e nº 3 do Código Penal, tendo sido condenado na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão (toda a sua conduta);
Em cúmulo jurídico das penas de prisão em concurso (art. 77º, nºs 1 e 2 do C.P.), condenar o arguido LMi… na pena única de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão, suspensa pelo período de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses, com sujeição a regime de prova, e com a condição de, em igual prazo, pagar ao Estado Português a quantia de € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros);

7 - Arguida IC…
Cometeu, sob a forma de cumplicidade:
a. Um crime de burla qualificada, com referência ao conjunto da sua actuação no que se reporta à indução em erro ou engano das entidades que lhe competia administrar, directa ou indirectamente, p.p. pelo artº. 217º, 218º, nº1 e nº 2 al. a) do C. Penal, condenada na pena de 3 (três) anos de prisão (toda a sua conduta – cúmplice do arguido OC… e restantes);
Cometeu em autoria material
b. Um crime de falsificação de documento qualificado com referência ao conjunto da sua actuação no que se refere ao forjar de documentos e de registo de movimentos bancários e contabilísticos, p.p. pelo artº 256º, nº 1 al. a) e e) e nº 3 do Código Penal, tendo sido condenada na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão de prisão (toda a sua conduta, consumida pelo forjar da escritura Breslan/Plexpart);
Em cúmulo jurídico das penas de prisão em concurso (art. 77º, nºs 1 e 2 do C.P.), condenar a arguida IM… na pena única de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa pelo período de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses, com sujeição a regime de prova, e com a condição de, em igual prazo, pagar ao Estado Português a quantia de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros);

8 - Arguido TB….
Cometeu em autoria material: 
a. Um crime de burla qualificada, com referência ao conjunto da sua actuação no que se reporta à indução em erro ou engano das entidades que lhe competia administrar, directa ou indirectamente, p.p. pelo artº. 217º, 218º, nº1 e nº 2 al. a) do C. Penal, tendo sido condenado na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão (factos provados 780 a 829);
b. Um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo art. 205º, n.ºs 1 e 4, al. a) do C.P. (por convolação da al. b) do n.º 4 e n.º 5), na pena de 2 (dois) anos de prisão (factos provados 733 a 741, 950 e 958);
c. Um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. nos arts. 103º-1 a) e c) e 104º-2 do RGIT, tendo sido condenado na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (factos provados 733 a 752, 943, 944 e 958)
Em cúmulo jurídico das penas de prisão em concurso (art. 77º, nºs 1 e 2 do C.P.), condenar o arguido TB... na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa pelo período de 5 (cinco) anos, com sujeição a regime de prova e com a condição de, em igual prazo, pagar ao Estado Português a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros);

9 - Arguido JMo…
Cometeu em autoria material: 
a) Um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artº. 205º, nº1, nº 4 al. b) e nº 5 do C. Penal, tendo sido condenado na pena de 3 (três) anos de prisão (factos provados 519 a 538, 953, 958)
b. Um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artº. 205º, nº1, nº 4 al. b) e nº 5 do C. Penal, tendo sido condenado na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (factos provados 668 a 685, 954, 958); - cujo procedimento criminal foi declarado prescrito – vide secção I. deste acórdão).
Em cúmulo jurídico das penas referidas nas alíneas a. e b., na pena única de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa pelo período de 4 (quatro) anos, com sujeição a regime de prova e com a condição de, em igual prazo, pagar ao Estado Português a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros);

10. - Arguido LF…
Cometeu em autoria material: 
Um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. nos arts. 103º-1 a) e c) e 104º-2 do RGIT, tendo sido condenado na pena de 2 (dois) anos de prisão (factos provados 733 a 752, 943, 944 e 958), suspensa pelo período de 2 (dois) anos, com a condição de, em igual prazo, pagar ao Estado Português a quantia de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros);

11. Arguido RG…
Cometeu em autoria material: 
a. - Um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. nos arts. 103º-1 a) e c) e 104º-2 do RGIT, tendo sido condenado na pena de 2 (dois) anos de prisão (factos provados 733 a 752, 943, 944 e 958);
b. Um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artº. 217º, 218º, nº1 e nº 2 al. a) do C. Penal, tendo sido condenado na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão (factos provados 908 a 922, 952 e 958);
Em cúmulo jurídico das penas de prisão em concurso (art. 77º, nºs 1 e 2 do C.P.), condenar o arguido RG… na pena única de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa pelo período de 4 (quatro) anos, com sujeição a regime de prova e com a condição de, em igual prazo, pagar ao Estado Português a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros);

c. A apreciação a realizar nesta secção do acórdão atenderá ao disposto nos artºs 40 a 79º, todos do C. Penal.

IV. Apreciação dos recursos interpostos pelos arguidos RC…, LA…, LM…, LR…, IC…, JMo… e TB…, incluindo-se, quanto a este último, o recurso que o Mº Pº contra si interpôs.

1. Sinteticamente, alegam estes arguidos o seguinte:

a. Arguido RC… (fraude fiscal – Labicer; burla Adicais)
Este arguido insurge-se quanto à dosimetria das penas parcelares impostas, da pena única e no que concerne à condição de pagamento de uma quantia a favor do Estado.
Alega que:
O tribunal “a quo” não ponderou o seu excelente enquadramento social; a sua personalidade; a sua falta de antecedentes; a sua situação profissional; o tempo já decorrido desde a prática dos factos; o facto de não ter sido sequer demonstrado com um mínimo de rigor qualquer prejuízo patrimonial e ainda a total desnecessidade de aplicação duma pena mais severa para prevenir situações de ilícitos futuros.
Assim, as penas a impor deveriam ser pena inferior a um ano de prisão para o crime de fraude fiscal e pena de prisão de dois anos para o crime de burla qualificada.
Considera que o pagamento da quantia de €30.000,00 não tem qualquer fundamento, nem sentido, mostrando-se extremamente severa face às necessidades de prevenção. Assim, se a sua única razão de ser se reporta ao ressarcimento do Estado pelo crime fiscal que praticou, entende que tal condenação é ilegal, na medida em que o pedido cível deduzido pelo Mº Pº foi remetido para apreciação para os meios comuns.
Pugna pela revogação ou redução dessa condição, para um montante equitativo e justo atendendo aos princípios aplicáveis às penas de multa.

b. Arguido LA…: (fraude fiscal – Labicer)
 Este arguido insurge-se quanto à dosimetria da pena imposta e no que concerne à condição de pagamento de uma quantia a favor do Estado.
Alega que o tribunal “a quo” não ponderou a circunstância de não ter havido qualquer prejuízo patrimonial para o Estado (pelo facto de o IVA deduzido pela Labicer ter sido integralmente entregue ao Estado pelo BPN, SA.).
Entende que será suficiente a aplicação ao arguido de uma pena de multa, por ser um cidadão respeitado, social e familiarmente inserido, considerando o tempo considerável decorrido desde a ocorrência dos factos, a circunstância de o arguido ter vivenciado as diferentes dificuldades a que o procedimento criminal o submeteu durante longos e penosos anos, culminando com o seu julgamento, aliada à densidade emocional que o mesmo comportou, o que lhe serviu de séria advertência para qualquer tipo de comportamento avesso à legalidade (ainda que continue a afirmar a sua inocência).
Considera que a condição imposta obriga o arguido a, num período muito curto (2 anos), pagar uma quantia bastante avultada, sendo que se o juízo de razoabilidade que a lei impõe tivesse sido aferido, ter-se-ia percebido que o mesmo se mostra de impossível cumprimento.
Entende assim que a suspensão da execução da pena não deve ficar condicionada ao seu pagamento num tão curto espaço de tempo, devendo esse período para o pagamento ser alargado para 5 anos ou, caso assim não se entenda, deverá o valor a pagar ser substancialmente reduzido.
 
c. Arguido LM…: (burla qualificada)
Este arguido insurge-se apenas no que concerne à condição de pagamento de uma quantia a favor do Estado.
Alega que os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir. A obrigação imposta não é razoável, por manifesta desproporcionalidade e, simultaneamente, impossibilidade de cumprimento, já que o arguido teria de desembolsar mensalmente a quantia de € 834,00 (apesar de o Tribunal a quo reconhecer que aufere rendimentos mensais de sensivelmente € 1.000,00).
Pede a revogação da condição de suspensão da execução da pena que lhe foi imposta.

d. Arguido LR…: (burla qualificada; falsificação de documento):
Este arguido insurge-se apenas no que concerne à condição de pagamento de uma quantia a favor do Estado.
Alega que os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir. A obrigação imposta não é razoável, por manifesta desproporcionalidade e, simultaneamente, impossibilidade de cumprimento, já que o arguido teria de desembolsar mensalmente a quantia de € 882,35 (apesar de o Tribunal a quo reconhecer que aufere rendimentos mensais de sensivelmente € 419,22). 
Pede a revogação da condição de suspensão da execução da pena que lhe foi imposta.

e. Arguida IC…: (burla e falsificação).
Esta arguida insurge-se apenas no que concerne à condição de pagamento de uma quantia a favor do Estado.
Alega que os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir. A obrigação imposta não é razoável, por manifesta desproporcionalidade e, simultaneamente, impossibilidade de cumprimento. 
 Pede a revogação da condição de suspensão da execução da pena que lhe foi imposta.

f. Arguido TB…: (abuso de confiança, burla qualificada e fraude fiscal qualificada).
Entende que as penas parcelares e única se mostram excessivas e considera que a condição imposta sofre dos mesmos vícios, para além de se mostrar de impossível pagamento. Pede que as penas aplicadas sejam substancialmente reduzidas e que não seja aplicado o regime de prova, uma vez que o arguido reside no estrangeiro, sendo ainda dispensado do pagamento ao Estado da prestação pecuniária imposta.
Por seu turno, o Mº Pº pede o agravamento das penas parcelares pela prática dos crimes de abuso de confiança e de burla, defendendo a imposição de uma pena única de 8 anos de prisão, por considerar que, ao contrário do entendido pelo tribunal “a quo”, deve entender-se a ilicitude dos factos como excepcionalmente grave, atendendo ao benefício, pensado, calculado, desejado e alcançado, em prejuízo de grupo bancário, alimentado com poupanças de pequenos e médios depositantes.

g. Arguido JMo…: (abuso de confiança).
Entende que o grau de culpa e ilicitude elevada não existem de facto, pelo que lhe deveria ter sido imposta pena mais próxima do limite mínimo.

2. Vejamos então.
Os arguidos RC…, LA… e JMo… entendem que as penas parcelares que lhes foram impostas se mostram excessivas, pedindo o seu desagravamento.
Entendem que o tribunal “a quo” não atendeu a circunstâncias pessoais que os beneficiam, designadamente o seu enquadramento social; a sua personalidade; a sua falta de antecedentes criminais; a sua situação profissional; o tempo já decorrido desde a prática dos factos; o facto de não ter sido demonstrada a verificação de prejuízo patrimonial; bem como a total desnecessidade de aplicação duma pena mais severa para prevenir situações de ilícitos futuros.

3. Manifestamente, face ao mero texto do acórdão proferido pelo tribunal “a quo”, não lhes assiste razão.

i. Na verdade, como aí consta, foi atendido, quanto a estes arguidos:
9) Arguido JAu…:
a) Contra o arguido,
- a culpa elevada, assumindo a modalidade de dolo directo;
- os factos denotam uma ilicitude muito elevada, atenta a forma de comissão dos crimes;
- apesar de não ter integrado a quantia no seu património pessoal, releva o valor desviado para uma terceira entidade (€ 6.279.272,00);
- quantia que se apropriou em seu proveito (€ 42.745,00);
b) A favor do arguido,
- a ausência de antecedentes criminais;
- a sensibilidade à pena que dele se espera pelo facto de ser primário;
- o seu grau de escolaridade (licenciatura em engenharia civil);
- o seu percurso profissional;
- a relação estável e gratificante que mantém com a sua única filha e cônjuge com quem reside;
- a circunstância de os factos terem ocorrido no ano de 2002, ou seja, já decorram muitos anos desde a sua prática;

10) Arguido LA…:
a) Contra o arguido,
- a culpa elevada, assumindo a modalidade de dolo directo;
- os factos denotam uma ilicitude muito elevada, atenta a forma de comissão dos crimes;
- o valor do benefício pretendido a título de IVA aquando da emissão das facturas n.ºs 2160 e 2161 (€ 81.123,35);
b) A favor do arguido,
- a ausência de antecedentes criminais;
- a sensibilidade à pena que dele se espera pelo facto de ser primário;
- o seu grau de escolaridade (licenciatura em gestão de empresas);
- o seu percurso profissional;
- a relação estável, equilibrada e gratificante que mantém com a cônjuge e suas filhas com quem reside;
- o exercício de actividade profissional (sócio, desde 2009, de uma empresa de consultoria fiscal e de gestão, assessoria contabilística e formação e os trabalhos que executa na qualidade de revisor oficial de contas);
- as suas características de personalidade e as qualidades que evidencia no trabalho que executa);
- a circunstância de já terem passado 16 anos desde a emissão daquelas facturas;

12) Arguido RJ…:
a) Contra o arguido,
- a culpa elevada, assumindo a modalidade de dolo directo;
- os factos denotam uma ilicitude muito elevada, atenta a forma de comissão dos crimes;
- o valor do benefício pretendido a título de IVA aquando da emissão das facturas n.ºs 2160 e 2161 (€ 81.123,35);
- o benefício que logrou alcançar (pagamento do empréstimo de que era titular no Banco Insular no montante de € 1.812.872,00);
b) A favor do arguido,
- a ausência de antecedentes criminais;
- a sensibilidade à pena que dele se espera pelo facto de ser primário;
- o seu grau de escolaridade (licenciatura em engenharia civil);
- o seu percurso profissional;
- o exercício de actividade profissional (no âmbito da empresa que constituiu em 2011 dedica-se à consultoria na área do imobiliário, engenharia e construção);
- a relação estável, compensadora e gratificante que tem com a cônjuge e duas filhas comuns de 16 e 20 anos);
- as suas características de personalidade no enquadramento familiar e social;
- a sua integração social;
- a circunstância de já terem passado 16 anos desde a emissão daquelas facturas;
- o tempo decorrido entre a prática dos restantes factos e a presente data, sem esquecer a extrema complexidade do processo que também para isso contribuiu;

ii. E, no que concerne à ausência de anteriores condenações, à sua inserção e personalidade, a ponderação de tais circunstâncias foi atendida e teve manifesta relevância na decisão de suspensão da pena de prisão imposta a todos estes arguidos, como de igual modo se constata pela leitura do segmento do acórdão proferido pelo tribunal “a quo” a esse propósito:
É de ter em consideração que da sanção penal não pode estar ausente o já referido fim ressocializador prevalecente na nossa lei criminal.
Apesar da gravidade dos factos, é de considerar que nenhum destes arguidos tem quaisquer antecedentes criminais registados.
Nesse âmbito, não é só isso que releva. É que a maior parte deles (FS… – 55 anos; IC… – 52 anos; LAl… – 48 anos; TR… – 66 anos; JAu… – 68 anos; LA… – 52 anos; AF… – 60 anos; RC… – 57 anos) passaram uma grande parte da sua vida activa sem qualquer contacto com o sistema de justiça.
Estão todos, inseridos familiar, social e profissionalmente (…)
Não se deve olvidar o apoio que a arguida IC… presta aos seus progenitores que padecem de doenças graves e irreversíveis, apesar da sintomatologia depressiva e ansiogénica de que a arguida padece a nível psicológico.
É igualmente de considerar que o arguido LM… quando ingressou no grupo SLN/BPN tinha apenas 26 anos de idade, sendo, pois, de crer, que os factos de índole criminosa por si cometidos ainda se enquadram numa certa inexperiência e a uma maior permeabilidade a influências dos seus superiores hierárquicos.
Considere-se também que a mãe do arguido LAl… sofre de doença irreversível.
Será também de considerar que os factos pelos quais são condenados já ocorreram há algum tempo (são todos anteriores ao ano de 2008), sendo certo que no que respeita ao arguido JMo… e LA… se reportam, respectivamente, aos anos de 2002 e 2001.
Mas, o que releva fundamentalmente é que nenhum deles teve qualquer capacidade de decisão e condução dos destinos do grupo SLN, do BPN, S.A. e no Banco Insular, sociedades onde foram levadas a cabo condutas de índole criminal de extrema gravidade, designadamente pelos arguidos OC…, LC…, FS… e VM…, i.e., nenhum dos que ora estão em causa e relativamente aos quais se afere da possibilidade de suspensão da pena de prisão.
Acresce que, tendo isto presente, estamos em crer que a comunidade em geral ainda compreenderá que a suspensão das penas de prisão possa realizar as finalidades da prevenção geral.

iii. Temos, pois que, ao inverso do que alegam, todas essas circunstâncias se mostram atendidas em sede de determinação da medida das penas impostas, mostrando-se igualmente determinado o prejuízo patrimonial resultante das suas condutas.
Assim sendo, as críticas que dirigem ao decidido mostram-se insuportadas, pelo que manifestamente improcedem os pedidos em que se fundavam.

4. No que concerne ao arguido TB…:

i. O tribunal “a quo” entendeu, a seu respeito, no que concerne à tipologia e dosimetria das penas, o seguinte:
8) Arguido TR…:
a) Contra o arguido,
- a culpa elevada, assumindo a modalidade de dolo directo;
- os factos denotam uma ilicitude muito elevada, atenta a forma de comissão dos crimes;
- o valor do benefício pretendido a título de IVA aquando da emissão das facturas n.ºs 2160 e 2161 (€ 81.123,35);
- o valor do benefício obtido (€ 1.000.000,00) aquando da venda à Etrapanob das 2.350.000 acções de que era titular no capital social da Labicer;
b) A favor do arguido,
- a ausência de antecedentes criminais;
- a sensibilidade à pena que dele se espera pelo facto de ser primário;
- o seu grau de escolaridade (licenciatura em matemática);
- o seu longo percurso profissional;
- a relação próxima e gratificante que mantém com o seu único filho;
- o exercício de actividade profissional (consultor);
- a circunstância de já terem passado 16 anos desde a emissão daquelas facturas e por referência à sua restante conduta, também cerca de 12 anos, uma vez que os mesmos datam de 2005;

ii. Considera o arguido que as penas se mostram excessivas, porque: 
- não deveria ser atendido o valor do benefício pretendido a título de IVA aquando da emissão das facturas n.ºs 2160 e 2161 (€ 81.123,35), pois esse benefício não seria do arguido
- deveria ser relevado como factor atenuante o facto de não ter recebido, nem ser possível vir a receber, 1 milhão de euros, cujo pagamento estava previsto no seu contrato global de saída da Labicer;
- deveria ser atendida a evolução negativa da sua situação patrimonial, o tempo decorrido e a sua idade avançada, bem como a sua situação de insolvência, com relação intrínseca com a Labicer;
- deveria ser atendido que reside no estrangeiro, em quase degredo, algo que é sempre penoso, não tendo já residência própria em Portugal;
- deveria ser atendido o montante de pensão por si auferido, inferior ao salário mínimo nacional.

iii. Por seu turno, entende o Mº Pº que se deve considerar que a ilicitude dos factos é excepcionalmente grave, atendendo ao benefício, pensado, calculado, desejado e alcançado, em prejuízo de grupo bancário, alimentado com poupanças de pequenos e médios depositantes.
 
iv. Vejamos então.
Em síntese breve dir-se-á que, no que respeita ao valor das facturas, o mesmo constituiu um benefício recebido pela Labicer (que deduziu esse valor), sendo que, à data, o arguido era accionista dessa sociedade e seu presidente do conselho de administração.
O facto de não ter recebido o milhão de euros adicional não dependeu de um acto da sua vontade, mas apenas da circunstância de a API (actual AICEP) não ter procedido de modo a que fosse viável tal pagamento.
A sua situação patrimonial, dada como assente nestes autos, refere apenas que vive em Itália, trabalhando como consultor, auferindo uma pensão de reforma no montante de € 430, a que acresce um rendimento médio mensal entre os € 1 000 e € 1 200. Daí não decorre nem que tal residência no estrangeiro lhe seja penosa (o arguido já havia trabalhado, anteriormente, quer em Angola, quer na Venezuela), nem que se encontre numa situação de penúria, desde logo atendendo a todo o restante património que arrecadou, ao longo dos anos, especialmente enquanto exerceu as funções de presidente da Labicer, para além do que aufere por virtude da pensão de reforma e do trabalho que desenvolve como consultor.
Por seu turno, a ilicitude dos factos, no que a este arguido se refere, não atinge o patamar do excepcionalmente grave, por uma única razão – pese embora todos os valores envolvidos e o facto de a Labicer ter sido um projecto economicamente inviável, a verdade é que a aposta do arguido TR…, nesta sede, tinha um fundo de genuinidade, já que estava empenhado no desenvolvimento de uma tecnologia de fabrico cerâmico que apurara, apostando no seu sucesso comercial.
Esta genuína aposta neste projecto, a motivação pessoal que a determinou embora, obviamente, não descarte as responsabilidades do arguido (nem sirva de justificação, de qualquer tipo, no que concerne ao crime de abuso de confiança que praticou), determina que se tenha de entender que, no que respeita aos crimes de burla e de fraude fiscal que cometeu, a ilicitude dos factos, embora muito elevada, não ascende ao patamar de excepcionalidade que o MºPº invoca.

v. Assim, no que a este arguido se refere, conclui-se que as penas parcelares e única impostas pelo tribunal “a quo” se mostram correctamente alcançadas, pelo que não procede nem o pedido do seu agravamento, nem do seu desagravamento, devendo manterem-se “qua tale”.
 
5. Todos os arguidos – RC…, LA…, LM…, LR…, IC…, TR… e JMo… - se insurgem no que respeita à condição que lhes foi imposta, para efeitos de suspensão da pena de prisão em que foram condenados, entendendo que a mesma se mostra excessiva, desproporcional e desnecessária.
Vejamos então.

6. A pena tem como função primacial a tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade.[14]

i. Nesse contexto, a necessidade de protecção dos bens jurídicos tutelados pela norma, atentos os fins de prevenção geral e especial, impõe a consideração dos seguintes parâmetros:
- Em sede de prevenção geral, a ponderação da pena rege-se pelo efeito dissuasor da prática de crimes pelos cidadãos (a chamada prevenção geral negativa) bem como pela necessidade de ser dada uma resposta, em sede de convicção societária, de que as normas penais são válidas, eficazes e devem ser cumpridas (a chamada prevenção geral positiva).
- Em sede de prevenção especial, a pena é apreciada sob o prisma do efeito dissuasor que terá sobre o próprio delinquente, no sentido de ser eficiente para evitar a repetição da prática de novos crimes, bem como tendo em vista a expectativa de o auxiliar na sua reintegração na sociedade.
 
ii. Todavia, após a inicial determinação da tipologia e da dosimetria da pena, caberá ao tribunal reflectir se, não obstante se mostrar arredada a possibilidade de opção, “ab initio”, por uma pena não privativa da liberdade (por não se mostrarem preenchidos os requisitos previstos no artº 70 do C. Penal, desde logo os relativos à própria moldura penal do ilícito), se mostra ainda viável a imposição de uma pena suspensa na sua execução.
Nesta sede, pese embora a exigência de apuramento de um juízo de prognose favorável, não se poderá olvidar que, ainda assim e previamente, necessário se mostra que as necessidades de protecção dos bens jurídicos tutelados, nas vertentes de reprovação e prevenção do crime, se mostrem satisfeitas pela mera ameaça da pena. Assim, na esteira de Figueiredo Dias (in As Consequências Jurídicas do Crime, Ed. Notícias, pág. 344) há que notar que as exigências de reprovação e prevenção geral se apresentam, nesta sede, especialmente ponderosas, o que determina que, ainda que a “conclusão do tribunal por um prognóstico favorável – à luz … de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização -, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime”, “estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto” (da suspensão).

iii. No caso dos autos, no que respeita a estes sete arguidos recorrentes, que foram condenados em penas de prisão suspensas na sua execução, temos de constatar, atenta a elevada gravidades dos factos; o alarme social que causou em termos de confiança da comunidade nas suas instituições financeiras; os elevadíssimos prejuízos e a amplitude com que foram societariamente sentidos; assim como os benefícios que os arguidos obtiveram; que concretamente vieram a resultar das suas actuações, que estamos claramente (independentemente do juízo de prognose relativamente a cada um destes arguidos) perante uma situação de fronteira.

iv. Entendeu, todavia, o tribunal “a quo” que se mostrava ainda possível, mesmo perante as expectativas da comunidade, esta entender, no que respeita a estes agentes, que se mostrava justificada a possibilidade de não terem de cumprir penas de prisão efectivas, em especial porque nenhum deles teve qualquer capacidade de decisão e condução dos destinos do grupo SLN, do BPN, S.A. e no Banco Insular, sociedades onde foram levadas a cabo condutas de índole criminal de extrema gravidade

v. Não obstante – e precisamente porque estamos numa situação limite, no que a esta esfera de prevenção se refere – considerou, de igual modo, que a mesma apenas se mostraria justificada se tais penas fossem condicionadas à imposição de uma obrigação que, por um lado, responsabilizasse os arguidos pelas condutas adoptadas e, por outro, reforçasse, perante a comunidade, o efeito dissuasor da prática de crimes pelos cidadãos em geral, bem como a convicção societária de que as normas penais são válidas, eficazes e devem ser cumpridas.
Com tais fundamentos, entendeu então o tribunal “a quo” que a suspensão das penas impostas aos arguidos só se mostraria viável, atentas as necessidades de prevenção geral, se sujeitas a uma dupla condição (com excepção dos arguidos LM… e LA…, a quem foi apenas imposta uma condição) designadamente, regime de prova e a obrigação de entregar ao Estado uma contribuição monetária ou prestação de valor equivalente, ao abrigo do disposto no artº 51 nº1 al. c), do C. Penal.

vi. Adianta-se, desde já, que esses deveres se mostram adequadamente fixados, tendo sido determinantes para a suspensão das penas que foram impostas a estes arguidos já que, sem a sua determinação, os fins de prevenção mostrar-se-iam por salvaguardar, não se bastando com a mera ameaça da pena.

7. Note-se, aliás, que nenhum dos arguidos refere ou disputa a imposição do regime de prova (obrigação sujeita ao preenchimento de requisitos similares aos da outra condição imposta, sendo certo que mesmo o arguido TR… apenas se lhe refere face à questão da residência no exterior), considerando tão-somente que os montantes fixados, em sede decisória, se mostram muito acima das suas actuais possibilidades financeiras, sendo desproporcionais e de impossível cumprimento.
Salvo o devido respeito, não lhes assiste razão.

8. Na verdade, a determinação desse dever prende-se com a noção de necessidade de reparação do mal do crime, não forçosamente coincidente com o prejuízo que a conduta dos agentes determinou para um ofendido ou lesado específico, mas com o reflexo desvalorativo que acarretou em sede de impacto societário. Daí o dever se constituir na obrigação do pagamento de uma quantia ao Estado, entidade que engloba o conjunto dos cidadãos deste país.

i. E, se atentarmos no abalo que constituiu para estes mesmos cidadãos o conjunto da actividade em que os arguidos tiveram parte activa, bem como as consequências que daí lhes advieram (colapso de um grupo financeiro, em grande medida determinada pela prática de actos criminosos, ao longo de anos consecutivos, sendo certo que estes arguidos, embora aos mesmos não tenha cabido a iniciativa de decisão e condução, tiveram intervenção relevante nesta actividade) não se vislumbra como se mostra sequer possível argumentar que a imposição de um dever de reparação, quase simbólico, do mal que ajudaram a criar, se mostre insuportada e violadora da lei penal.

ii. De facto, constata-se que os valores que foram fixados se mostram, como se disse, praticamente simbólicos, face quer aos danos, quer aos benefícios que estes arguidos, ao longo dos anos, receberam, desde logo por virtude dos altos cargos que exerceram nesse grupo, que lhes permitiu praticarem os actos criminosos que se mostram demonstrados.

iii. Ora, um dever subordinado a uma pena tem, manifestamente, para além do fim de reparação, um carácter sancionatório, que envolve um sacrifício, a ser suportado pelo agente do crime.
No caso, esse sacrifício tem de ser aferido não apenas perante as circunstâncias financeiras presentes destes arguidos, mas atendendo à globalidade das suas capacidades económicas, do seu património.
E estas são, face aos cargos que exerciam e ainda hoje exercem, ao número de anos em que desenvolveram as suas actividades e, nalguns casos, perante o benefício directo que lograram alcançar, perfeitamente adequadas para permitirem o pagamento das quantias determinadas pelo tribunal “a quo”, demonstrando os factos dados como provados no que concerne à sua situação financeira, que a mesma se mostra desafogada; isto é, todos exerceram (e exercem, ou recebem pensões decorrentes de tal desempenho profissional) actividades profissionais remuneradas muito acima da média portuguesa e não há qualquer registo de terem, presentemente, quaisquer dificuldades económicas específicas.  

iv. Por seu turno, os prazos definidos para o cumprimento de tais deveres mostram-se igualmente adequados e proporcionais, tendo-se ainda em atenção o lapso de tempo já decorrido desde a consumação da prática dos ilícitos e o momento presente.

v. E, no que concerne ao arguido TR…, a circunstância de residir presentemente fora de Portugal, não impede nem obsta ao cumprimento do regime de prova imposto, nem à condição de suspensão da sua pena, atentos os mecanismos previstos na Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto (Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal), nomeadamente nos seus artºs 104 e segs.
 
9. Conclui-se, assim, que os deveres impostos se mostram correcta e legalmente fixados, pelo que não procedem os pedidos formulados pelos arguidos quanto a tal matéria.
Assim, as penas impostas aos arguidos RC…, LA…, LM…, LR…, TR…, IC… e JMo…, devem ser mantidas.

10. Finalmente e no que a este último arguido se refere – JMo… - há que realçar o seguinte:

i. Este arguido foi condenado pela prática, em autoria material, dos seguintes crimes:
a) Um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artº. 205º, nº1, nº 4 al. b) e nº 5 do C. Penal, tendo sido condenado na pena de 3 (três) anos de prisão (factos provados 519 a 538, 953, 958)
b). Um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artº. 205º, nº1, nº 4 al. b) e nº 5 do C. Penal, tendo sido condenado na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (factos provados 668 a 685, 954, 958); - procedimento criminal prescrito.
Em cúmulo jurídico, na pena única de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa pelo período de 4 (quatro) anos, com sujeição a regime de prova e com a condição de, em igual prazo, pagar ao Estado Português a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros);
 
ii. Como na secção anterior deste acórdão se referiu, o procedimento criminal relativamente ao crime de abuso de confiança pelo qual havia sido condenado na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (relativo aos factos provados 668 a 685, 954, 958 – Groundsel, acima referidos em b)), foi considerado prescrito.
Assim, atendendo ao que se deixa supra exarado, conclui-se que a pena parcelar de 3 anos de prisão que lhe foi imposta pelo tribunal “a quo” pelo crime de abuso de confiança referido em a) é para manter, assim como a sua suspensão e sujeição a regime de prova e à condição já determinada, havendo apenas que proceder ao ajustamento do período de suspensão e de pagamento, atenta a nova medida da pena (desagravada).

iii. Consequentemente, o arguido JMo… fica condenado na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa pelo período de 3 (três) anos, com sujeição a regime de prova e com a condição de, em igual prazo, pagar ao Estado Português a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros).
V. Apreciação dos recursos interpostos pelos arguidos JO…, JV… e FS…, bem como dos interpostos relativamente a estes arguidos e ao arguido LC…, pelo MºPº.
 
A. Arguido JO… (a questão por si suscitada no que se refere à proibição da reformatio in pejus já foi oportunamente debatida neste acórdão, pelo que para o seu conteúdo remetemos, por meras razões de economia processual – vide IV. Fundamentação, §§, E. Da proibição da “reformatio in pejus”).

A.1. Este arguido mostra-se condenado pela prática, em autoria material, dos seguintes crimes:
a. Um crime de burla qualificada, com referência ao conjunto da sua actuação no que se reporta à indução em erro ou engano das entidades que lhe competia administrar, directa ou indirectamente, p.p. pelo artº. 217º, 218º, nº1 e nº 2 al. a) do C. Penal, tendo sido condenado na pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão (toda a sua conduta);
b. Um crime de abuso de confiança, com referência ao conjunto da sua actuação na retirada e apropriação, para si e para terceiros, de fundos do Grupo BPN/SLN, p. e p. pelo art. 205º, n.ºs 1 e 4, al. b) do C.P., tendo sido condenado na pena de 4 (quatro) anos de prisão (conjunto dos factos provados 269 a 286, 862 a 880 e 941 e 948);
 c. Um crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo art. 368º-A, n.ºs 1, 2 e 10 do C.P., tendo sido na pena de 5 (cinco) anos de prisão (conjunto dos factos provados 213 a 216, 272 a 286 e 865 a 893);
d. Um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 103º, n.º 1, als. a) e c) e 104º, n.º 2, al. a) do RGIT, tendo sido condenado na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão (factos provados 733 a 752, 943, 944 e 958);
e. Um crime de falsificação de documento qualificado (vide secção I. deste acórdão) com referência ao conjunto da sua actuação no que se refere ao forjar de documentos e de registo de movimentos bancários e contabilísticos, p.p. pelo artº 256º, nº 1 al. a) e e) e nº 3 do Código Penal, tendo sido condenado na pena de 3 (três) anos de prisão (toda a sua conduta);
Em cúmulo jurídico das penas de prisão em concurso das alíneas a. a e. (art. 77º, nºs 1 e 2 do C.P.), foi condenado o arguido JO… na pena única de 15 (quinze) anos de prisão.
f. Um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelo artº 103 nº1 al. c) do RGIT e pelas alíneas a) e g) do nº1 do artº 104 do RGIT, tendo sido condenado (vide secção HA. deste acórdão) na pena de 3 (três) anos de prisão (factos provados 923 a 958 do acórdão – casa das Sesmarias);

A.2. Apreciando.
A dosimetria das penas impostas a este arguido é a razão pela qual quer o próprio, quer o Mº Pº, interpõem recurso.
Especificamente:
O arguido pugna pela redução das penas parcelares impostas, entendendo que, após tal operação, lhe deverá ser fixada uma pena única não superior a 5 anos de prisão, suspensa na sua execução.
Por seu turno, o Mº Pº dá o seu acordo às penas parcelares impostas pelo tribunal “a quo”, pugnando pela atribuição da pena única de 15 anos de prisão (para além de ter já defendido a sua condenação pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada – casa das Sesmarias – cujo procedimento criminal havia sido declarado prescrito pelo tribunal “a quo”, por ter entendido que o ilícito havia sido cometido na sua forma simples, decisão de que recorreu e que foi apreciada em IV. Fundamentação, §§, H.).

A.3. Vejamos, então, em primeiro lugar, se as penas parcelares impostas devem ser reduzidas, como pretende o arguido.

A.3.1. Insurge-se este arguido com a apreciação feita pelo tribunal “a quo”, no que concerne às circunstâncias agravantes e atenuantes que a seu propósito enuncia.
Estas circunstâncias mostram-se assim descritas, em sede de acórdão:
1) Arguido OC…
a) Contra o arguido,
- a culpa elevada, assumindo a modalidade de dolo directo;
- os factos denotam uma ilicitude muito elevada, atenta a forma de comissão dos crimes;
- o valor do benefício pretendido a título de IVA aquando da emissão das facturas n.ºs 2160 e 2161 (€ 81.123,35);
- o montante do prejuízo provocado (€ 6.106.817,22) com a venda à Etrapanob das 2.350.000 acções da Labicer tituladas pelo arguido TR…;
- a excepcionalmente grave ilicitude dos factos, atendendo ao modo de execução da estratégia, pensada, delineada e estruturada ao pormenor, e que permitiu durante cerca de 8 anos a omissão de registos contabilísticos, quer do Banco Insular, quer das sociedades offshore e, assim, fora do controlo dos accionistas do grupo SLN/BPN e das autoridades de supervisão (Banco de Portugal e Banco Central de Cabo Verde);
- o comportamento delituoso que passou por vários negócios concretos (subscrição de 29 milhões de acções da SLN SGPS, S.A., compra e venda da SLN Imobiliária pela Camden, Astroimóvel, Validus e Labicer);
- o montante de € 9.253.246,09 de que se apropriou através da conta A1 por si titulada no Banco Insular;
- as funções que exerceu em várias instituições bancárias ao longo da sua carreira profissional, as exercidas ao serviço do Estado Português,  e os seus conhecimentos (licenciatura em economia) impunham que o arguido, mais do que ninguém, tivesse conhecimento das responsabilidades que sobre si impendiam e que, também por causa delas, tivesse uma conduta irrepreensível à frente do Grupo SLN/BPN;
b) A favor do arguido,
- a ausência de antecedentes criminais;
- a sensibilidade à pena que dele se espera pelo facto de ser primário;
- o exercício de actividade profissional desde que concluiu a escolaridade obrigatória;
- o relacionamento familiar estável e apoio que tem da cônjuge e filhos;
- a doença de que padece (doença hepática crónica);
- a sua idade (81 anos);
- a circunstância de já terem passado 16 anos desde a emissão daquelas facturas;
- o tempo decorrido entre a prática dos restantes factos e a presente data, sem esquecer a extrema complexidade do processo que também para isso contribuiu;

i. Vejamos então se tais críticas ao decidido mostram ter cabimento.
Afirma o arguido que a referência a culpa elevada, por reporte à modalidade de dolo directo, se trata de mera adjectivação.
Não lhe assiste razão, pois que trata-se de conclusão jurídica fundada nos factos provados, designadamente nos concernentes à imputação subjectiva (939, 940, 941, 942, 943, 944, 948, 949, 951, 953, 955 e 958) que preenchem, precisamente, a definição de dolo directo consignada no artº 14 nº1 do C. Penal.

ii. No que concerne à ilicitude muito elevada, esta consideração jurídica funda-se na apreciação da forma como os crimes foram cometidos e que se mostra narrada nos factos provados. Daí a conclusão jurídica (pois é nessa sede que nos encontramos) sumarizada pelo tribunal “a quo” (que não é obrigado a repetir à exaustão toda a factualidade que deu como assente, já que esta se mostra inserida no local próprio e perfeitamente acessível e compreensível por arguidos e demais interessados….) quando refere “a excepcionalmente grave ilicitude dos factos, atendendo ao modo de execução da estratégia, pensada, delineada e estruturada ao pormenor, e que permitiu durante cerca de 8 anos a omissão de registos contabilísticos, quer do Banco Insular, quer das sociedades offshore e, assim, fora do controlo dos accionistas do grupo SLN/BPN e das autoridades de supervisão (Banco de Portugal e Banco Central de Cabo Verde”.
Se o arguido entendia que a ilicitude revelada no cometimento destes crimes, cometidos pelo presidente de um grupo financeiro, ao longo de quase uma década, com a persistência e o número de actos individuais que acarretou, bem como o nível de prejuízos que aportou, não se integra neste entendimento, cabia-lhe explicar porquê. Não o fez e, pela nossa parte, não conseguimos divisar qualquer erro neste entendimento jurídico.

iii. No que se refere à inexistência de prejuízo determinado pela emissão das facturas (Labicer), já tivemos oportunidade de explicar supra (no capítulo I. da Fundamentação deste acórdão, bem como no dedicado à apreciação das questões relativas à matéria de facto), que tal não é o caso, existindo efectivamente tal prejuízo.

iv. No que se refere ao montante do prejuízo provocado (€ 6.106.817,22) com a venda à Etrapanob das 2.350.000 acções da Labicer tituladas pelo arguido TR…, o argumento da insolvência deste arguido mostra-se incompreensível, já que o prejuízo se refere ao facto de o Grupo ter suportado, novamente (pois que havia já financiado a aquisição de tais acções por aquele arguido) a aquisição destas acções, por aquele valor, quando estas nada valiam.

v. No que se refere à aquisição de 29 milhões de acções já supra se explicou (vide secção dedicada à apreciação das questões sobre a matéria de facto, relativas a este arguido, para onde se remete) que não está aqui em questão o exercício de um direito.

vi. No que concerne ao montante de € 9.253.246,09 mobilizado através da conta A1 por si titulada no Banco Insular, não restam dúvidas de que o arguido do mesmo se apropriou, tendo sido condenado pela prática do crime de abuso de confiança, precisamente por tal razão.

vii. Relativamente à consideração como circunstância agravante, pelo tribunal “a quo”, de que “as funções que exerceu em várias instituições bancárias ao longo da sua carreira profissional, as exercidas ao serviço do Estado Português e os seus conhecimentos (licenciatura em economia) impunham que o arguido, mais do que ninguém, tivesse conhecimento das responsabilidades que sobre si impendiam e que, também por causa delas, tivesse uma conduta irrepreensível à frente do Grupo SLN/BPN”, não se vislumbra como pode tal afirmação reconduzir-se a algo que atenua a culpa do arguido.
Na verdade, o que aí se diz limita-se a atestar o óbvio: os conhecimentos e a anterior experiência profissional do arguido, bem como os cargos que exerceu no Grupo, permitiam-lhe – melhor que ninguém – ter perfeita consciência da plenitude das consequências ruinosas que a sua actuação acarretava, o que não o demoveu de a manter, o que claramente demonstra que, apesar dos resultados altamente desvaliosos de que tinha perfeita noção e controlo, o arguido quis agir criminosamente nesse sentido.
Nada, neste contexto, atenua ou diminui a sua culpa, bem ao inverso.

viii. No que concerne às circunstâncias atenuantes que o tribunal “a quo” enumera, o recorrente limita-se a dizer que não foram suficientemente relevadas, esclarecendo apenas que entende que assim é porque, face à idade do arguido (82 anos então) e à sua esperança de vida (6,75 anos, segundo o INE), a pena única imposta corresponde, em termos práticos, a uma condenação a prisão perpétua.
Salvo o devido respeito, isso é um não argumento.
Na verdade, a idade não foi obstáculo para que o arguido tivesse resolvido, praticamente na década dos 70 anos, enveredar pela prática de uma série de crimes, por um período temporal de quase dez anos.
Assim, o facto de ter presentemente 84 anos, nada mais é senão o resultado do decurso do tempo que se mostrou necessário para que cometesse os crimes, se procedesse à averiguação da sua conduta criminosa e a mesma fosse apreciada pelos tribunais.
Não é a idade que determina a moldura penal de um crime, nem é a idade que exonera quem pratica actos criminosos de ter de pelos mesmos responder. Se assim não fosse, estaríamos a encorajar activamente o crime “geriátrico” – ou seja, a partir dos 70 anos, como a expectativa estatística de vida se reduz a 10 ou 15 anos de sobrevida, qualquer agente que praticasse um crime seria “isento” de pena porque senão estaria condenado a pena perpétua, no entendimento do arguido… 

ix. No que concerne às restantes circunstâncias atenuantes que o tribunal “a quo” refere e o arguido critica, cabe apenas dizer que não tem este tribunal quaisquer argumentos apresentados pelo arguido, no que respeita às razões porque da sua valoração discorda, o que nos impossibilita de nos pronunciarmos, por ausência de fundamentos.

A.3.2. Passemos agora às circunstâncias que, no entendimento do arguido, o tribunal “a quo” não valorou.

i. No que se refere à ausência de prejuízo para o Estado, no crime de fraude fiscal, já acima se explicou que esse prejuízo é efectivo e real.

ii. No que se refere ao facto de não ter sido valorada a circunstância de o arguido ter sido sujeito a mais de seis anos de julgamento e de ser arguido nos presentes autos desde 2008, com inúmeras notícias publicadas pelos media, situação que se reflectiu negativamente na sua vida causando-lhe desgaste, preocupação e despesas, influenciando o arguido e, necessariamente, provocando nele uma prolongada reflexão sobre os factos, no sentido de se abster de quaisquer condutas de reincidência, dir-se-á tão-somente o seguinte:

a. Aparentemente, a persistência de uma conduta delituosa ao longo de quase uma década não causou ao arguido qualquer desgaste ou preocupação, nem lhe determinou uma reflexão sobre os actos que praticava. Na verdade, do que o arguido se queixa é dos incómodos e preocupações que lhe advieram da descoberta dessa sua actividade criminal, da sua investigação e do seu julgamento. O único comentário que esse argumento nos oferece é que teria evitado toda essa “perturbação” caso se tivesse abstido de delinquir…

b. Por seu turno e no que toca à reflexão que o arguido afirma ter realizado quanto à sua conduta criminosa, a primeira nota é que, mesmo ao invocar tal exame de consciência, o arguido mostra-se incapaz de expressar, por qualquer palavra ou acto, ter efectivamente interiorizado o efectivo desvalor da sua conduta. Limita-se a afirmar que pensou profundamente em tudo o que se passou. Mas, o que concluiu? Interiorizou o mal profundo que os seus actos determinaram? Ignora-se…

c. O arrependimento, a interiorização do mal produzido, do desvalor do acto, é algo que não pode ser externamente imposto, pois parte de uma decisão interna, fundada num exame de consciência e na coragem de assumir erros passados. Assim, para que possa ocorrer uma percepção externa da sua efectiva ocorrência, necessário se mostra que a análise a realizar à totalidade da conduta do arguido demonstre que, de facto, tal epifania se verifica.  

d. O direito ao silêncio que a nossa lei prevê, por parte do arguido, pretende assegurar o direito de toda e qualquer pessoa à salvaguarda da sua própria auto-incriminação. Isso significa que nenhum arguido é obrigado a depor, auto-incriminando-se, não podendo assim tal ausência de depoimento servir como elemento probatório “a contrario” que determine ter praticado qualquer facto que lhe seja imputado.
Na prática e em termos simples, corresponde a dizer que quem cala não consente.
Por virtude então da aplicação deste princípio, o arguido não pode, nos termos singelos acima expostos, ser prejudicado apenas porque não quis falar.
Mas o exercício desse direito não confere qualquer ónus beneficial a favor do arguido nos casos, como os dos autos, em que se faz prova da prática de um crime. Circunstâncias existem, aliás, em que a lei faz depender da iniciativa e da decisão que cada agente toma (no momento do julgamento, quando é confrontado com os factos que lhe são imputados) a possibilidade de aplicação de leniência. É o caso típico da confissão integral e sem reservas, por exemplo.

e. No caso dos autos, o arguido não prestou quaisquer declarações, pelo que se desconhece, em absoluto, qual é a sua reflexão sobre os factos que praticou (o julgador ainda não consegue ler mentes…).
Diga-se, aliás, que mesmo em sede de recurso, embora afirme tal reflexão, não informa qual o resultado da mesma.

f. Por seu turno e ao inverso do que alega, não se demonstrou ter tido qualquer iniciativa, de moto próprio, para reparação do mal do crime (Por outro lado, em face da escritura, verifica-se que as acções da Soares da Costa (verba n.º 13) foram adjudicadas à cônjuge mulher. Porém, curiosamente, tanto não impediu OC… de, em 2011, as oferecer para dação em cumprimento da dívida na notificação judicial avulsa que dirigiu ao BPN e com a qual, conforme alega, em caso de condenação, pretende nestes autos sustentar uma atenuação especial da pena a aplicar (v. requerimento do arguido e notificação judicial avulsa constantes de fls. 23525 a 23534 do vol. 68 do processo – págs. 114 a 123 pdf), designadamente por entrega directa, por sua iniciativa, de bens ou de numerário (nem sequer a formulação de um singelo pedido de desculpas).
Na verdade, as penhoras, arrestos ou apreensões que incidem sobre bens seus, foram determinados independentemente da vontade do arguido, sendo certo que dessa circunstância não é possível retirar-se nem o seu arrependimento, nem a ausência de benefício a seu favor, uma vez que se trataram, a um tempo, de actos posteriores à consumação dos ilícitos que praticou e que decorreram de decisões independentes da vontade do arguido.

g. Não se vislumbra pois, no que invoca, qualquer circunstância de carácter atenuante não atendida pelo tribunal “a quo”.

iii. No que concerne à época em que os factos ocorreram, que era de confiança e crescimento económico, não se mostra compreensível porque razão daí decorrerá qualquer circunstância atenuante da culpa do arguido.

iv. No que respeita ao horário de trabalho que manteve no Grupo, foi uma decisão que o arguido tomou e que decorrerá das funções que aceitou desempenhar, sendo certo que, no que importa (a situação de estabilidade profissional do arguido, desde que concluiu a escolaridade, essa sim circunstância de natureza atenuante) tal matéria já se mostra contemplada pela decisão proferida pelo tribunal “a quo”.
 
v. No que concerne ao facto de se encontrar legalmente impedido de exercer funções junto de qualquer instituição financeira, logo afastado do contexto de actuação em que actuou enquanto presidente de um Grupo económico, é circunstância que, embora não tendo relevo atenuante directo, no sentido próprio (uma vez que esse afastamento resultou do facto de ter sido condenado pela prática de infracção contra-ordenacional), tem relevância e é atendível em sede de ponderação das necessidades de prevenção especial.

vi. A sujeição a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação não têm, nesta sede, qualquer relevância, uma vez que se tratam de medidas cautelares, cujo critério de aplicação não se confunde, nem se engloba, no âmbito de cogitação das necessidades de prevenção geral em sede de pena.

vii. Por seu turno, a ausência de conhecimento da prática de crimes posteriores à ocorrência dos factos não é, em si mesma, circunstância atenuante de relevo, pois é o comportamento normal e expectável por parte de qualquer cidadão deste país.

A.4. Resta então averiguar se as penas parcelares impostas ao arguido se mostram desajustadas e excessivas.

i. No que concerne à pena imposta pela prática do crime de falsificação dir-se-á que, no caso, se mostra perfeitamente legítima a opção feita pelo tribunal “a quo” a este respeito, pois a intensidade do dolo, revelada na persistência adulteradora, os longos anos em que os actos foram praticados, os valores envolvidos e o rasto de destruição da confiança societária e de prejuízo que essa conduta determinou, situa-se, de facto, a um nível que merece, em sede de dosimetria penal, os 3 anos de prisão que lhe foram determinados.
Para além do mais, no contexto deste ilícito, há ainda que atender aos restantes actos de adulteração contratual que o arguido cometeu (celebração de contratos forjados), que se mostram enunciados neste acórdão supra (vide IV. Fundamentação, §§, C. Violação do princípio ne bis in idem, ponto 14.) que têm relevo em sede de dosimetria da pena, como o próprio tribunal “a quo” determinou.
Assim, entende-se que não há razões para o seu desagravamento.

ii. No que se refere à pena imposta em sede de crime de fraude fiscal agravada (Labicer), em que o nível da culpa, embora elevado, não atinge o máximo da moldura penal e em que está em questão um episódio temporalmente único, ao inverso do que sucede no crime de falsificação, sendo que o benefício em termos patrimoniais estritos se não dirigiu, directamente, a favor deste arguido entende-se, dada a moldura penal e as circunstâncias agravantes e atenuantes expostas na decisão do tribunal “a quo”, que se mostra correcta e adequada a pena parcelar imposta a este título.

iii. No que se refere ao crime de burla qualificada, a pena imposta situa-se num patamar inferior em seis meses ao seu máximo legal, o que se afigura ajustado, pois a culpa do arguido atinge, seguramente, o seu patamar máximo, pela mesma ordem de razões já referidas a propósito do crime de falsificação, sendo igualmente a ilicitude elevadíssima. Basta atentar-se no seu protagonismo decisório, na longevidade do período de actuação, no número de operações realizadas.  Assim, só a ponderação das circunstâncias atenuantes que o tribunal “a quo” enunciou determinou a não imposição da pena no seu limite máximo.
Não vislumbramos pois que, quanto a esta pena, ocorra excesso ou desproporcionalidade que cumpra remediar.

iv. No que se refere aos crimes de abuso de confiança e de branqueamento de capitais, em que as penas foram fixadas em metade da moldura penal máxima, situando-se a culpa e a ilicitude em patamar francamente superior, mostram-se adequadamente ponderadas as circunstâncias atenuantes existentes, não se vislumbrando excesso que necessite rectificação, especialmente se tivermos em atenção os avultados montantes relativos à prática de tais ilícitos.

v. Do dito decorre que, no que se refere às penas parcelares impostas ao arguido pelo tribunal “a quo”, as mesmas mostram-se adequadamente fixadas, razão pela qual, neste segmento, se entende improcederem os argumentos avançados quer pelo arguido, quer pelo recorrente Mº Pº.

A.5. No que se refere à pena única:

i. Haverá que ressalvar que o Mº Pº pede que ao arguido seja imposta uma pena única de 15 anos de prisão.
É este assim (pelas razões que aliás já expusemos em sede da apreciação da questão da reformatio in pejus) o limite máximo a ponderar por este tribunal.
Foi esta, aliás, a pena imposta pelo tribunal “a quo”, no acórdão em que, suprindo a nulidade de omissão de pronúncia, determinou a pena relativamente ao crime de abuso de confiança e procedeu a novo cúmulo jurídico.
Assim, não obstante o arguido ter vindo a ser condenado, no presente acórdão, pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada (casa das Sesmarias), que havia sido declarado prescrito pelo tribunal “a quo” (no seguimento do recurso apresentado pelo Mº Pº quanto a tal questão), a verdade é que o englobamento dessa condenação em sede de pena única, não poderá determinar que se ultrapasse o limite de 15 anos de prisão peticionado pelo recorrente Mº Pº.

ii. A moldura penal dentro da qual haverá que fixar a pena única será de 7 anos e 6 meses de prisão (limite mínimo) a 25 anos de prisão (limite máximo), nos termos do artº 77 do C. Penal.

iii. O tribunal “a quo” determinou a aplicação de uma pena de 15 (quinze) anos de prisão, em sede de cúmulo jurídico, o que corresponde à fixação da sanção em segmento ligeiramente inferior ao meio da pena aplicável.

iv. O recorrente defende que, numa correcta avaliação das circunstâncias do caso, a pena a impor se deveria situar em patamar não superior a 5 anos de prisão.
Como é bom de ver, esse desiderato mostra-se desde logo arredado por virtude do facto de a pena parcelar imposta pela prática do crime de burla agravada se ter mantido (artº 50 nº1 e artº 77, ambos do C. Penal).

v. Vejamos então.
Na determinação da pena única haverá que atender-se ao conjunto dos factos dados como provados, pois estes fornecem o quadro que permite avaliar a gravidade do ilícito global cometido, mostrando-se especialmente valiosa para a sua apreciação a verificação de qual o tipo de conexão que ocorre entre os factos concorrentes.
No que se refere à avaliação da personalidade do agente esta deve debruçar-se se, face ao conjunto dos factos praticados, estaremos perante uma tendência criminosa ou tão-só, perante uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade. Esta distinção tem relevo porque, no primeiro caso, terá de se considerar que o cometimento de uma pluralidade de crimes constitui uma agravante em sede da moldura penal conjunta. 
 
vi. Os crimes que o arguido cometeu atentaram essencialmente contra bens jurídicos que tutelam a vida em sociedade, com especial ênfase no património alheio e na segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório no que respeita à prova documental.
O conjunto da sua actuação prolongou-se ao longo de quase uma década e, embora na mesma se englobem alguns crimes executados num único e curto segmento temporal (crime de fraude fiscal), na sua esmagadora maioria foram praticados ao longo de vários anos e implicaram a prática de múltiplos actos de execução.
Constata-se, de igual modo, que se mostra demonstrada a prática de seis crimes, todos eles na sua forma agravada, sendo que os valores envolvidos, em sede de prejuízo se situam na casa das centenas de milhões de euros, situando-se os benefícios na ordem da dezena de milhão de euros.
Por seu turno, o elo de ligação entre todos estes ilícitos acaba por se reconduzir ao aproveitamento da oportunidade que lhe surgiu, por virtude do desempenho de funções de alta chefia, durante esse período temporal, à frente de um grupo económico, contexto este que o arguido aproveitou para determinar, a seu bel-prazer, a manipulação dos fundos de que esse grupo dispunha, tendo por objectivo a obtenção de poder pessoal e de benefícios económicos a seu favor e de pessoas que consigo colaboraram, na prossecução de idêntico objectivo.
O arguido não fez qualquer esforço de reparação do mal cometido, nem revelou arrependimento.

vii. O arguido não tem condenações anteriores, o que é circunstância de carácter atenuante. Tem presentemente 84 anos de idade e cometeu os ilícitos em apreciação nestes autos essencialmente na década dos seus 70 anos.

viii. No que se refere à sua situação familiar e profissional, o arguido tem um trajecto de vida (praticamente até à idade legal de reforma) que se rege pela conformidade ao direito e às regras do viver societário, circunstância que tem carácter atenuante.

ix. A sua culpa mostra-se muito grave, quer pela intensidade dolosa com que actuou, quer pela persistência com que o fez, quer pelo modo insidioso como procurou (e conseguiu) alcançar os seus propósitos, quer ainda face à intensidade com que violou os bens jurídicos tutelados pelas normas, arrasando a confiança pública nas instituições financeiras, deixando um rasto de prejuízos na ordem das centenas de milhões de euros, o que em tudo agrava também a ilicitude da sua actuação.
 
x. No que se refere às necessidades de prevenção geral, entendemos que um agente não deve ser instrumentalizado para a realização do interesse colectivo e não pode sofrer penas desproporcionadas ao crime cometido, para servir de exemplo aos restantes membros da comunidade.
Não obstante, embora discordemos da sobrevalorização das necessidades de prevenção geral sobre os restantes fins das penas, entendemos, obviamente, que aquelas têm sempre – seja qual for o ilícito – de ser ponderadas e atendidas.
Como refere Souto Moura (A jurisprudência do STJ sobre Fundamentação e Critérios de Escolha e Medida da Pena, comunicação proferida em acção de formação do CEJ que teve lugar na Faculdade de Direito do Porto em 4 de Março de 2011, acessível em www.stj.pt/ficheiros/estudos) a propósito da pena conjunta aplicável ao concurso de crimes, “…ponderar em conjunto os factos é atender, fundamentalmente, à ilicitude global de toda a conduta do agente em análise (….) A conexão entre os factos, e a abordagem destes, independentemente de quem os praticou, releva sobretudo para efeitos de prevenção geral. A gravidade dos vários crimes cometidos, a frequência com que eles ocorrem na comunidade e o próprio impacto que têm nessa comunidade, terão, pois, que ser tidos em conta”.
E, neste caso, pelas razões já acima aduzidas, constata-se que as razões de prevenção geral se situam seguramente muito acima do patamar médio.

xi. No que concerne às necessidades relativas às questões de prevenção especial temos de constatar que, para além da idade do arguido, da sua esperada sensibilidade à pena, este se mostra já legalmente impedido de exercer funções junto de qualquer instituição financeira, circunstancialismo este que determina que, nesta sede, estas exigências se situem num patamar médio.

xii. Ora, no caso dos autos, não se vislumbra que o tribunal “a quo” tenha, no que a estes fins das penas se refere, sobrevalorizado o seu peso, face às restantes circunstâncias e à própria medida da culpa do agente que é, como já se referiu, muito acentuada. De facto, se a reinserção social é e deve ser uma preocupação permanente dos tribunais, haverá igualmente que reconhecer que o julgador não pode olvidar que a aplicação das penas visa a “protecção de bens jurídicos” (art. 40º nº 1 do Código Penal).

A.5.1. Assim, o que resulta da apreciação integral dos factos e das circunstâncias é que a pena única se mostra fixada em patamar adequado, face às características do caso, às médias exigências de prevenção especial e às fortes necessidades de prevenção geral, bem como à culpa do arguido, que se situa num patamar muito superior.
Não se vê pois como poderia haver lugar à sua redução, com base nas circunstâncias atenuativas que o arguido invoca (aquelas que efectivamente se mostram demonstradas nos autos), que foram oportunamente atendidas.
Diga-se, aliás, que a pena única imposta reflecte uma especial consideração, em sentido desagravativo, por virtude, precisamente, da ponderação das não muito fortes exigências em sede de prevenção especial (situa-se abaixo do limite médio da moldura respectiva).

A.5. Conclui-se, pois, que deve ser mantida a pena única de 15 anos de prisão, imposta ao arguido JO….
No cumprimento dessa pena deverá ser atendido o disposto no artº 80 do C. Penal.
B. Arguido JV…: 

B.1. Este arguido mostra-se condenado pela prática, em autoria material, dos seguintes crimes:
 a. Um crime de burla qualificada, com referência ao conjunto da sua actuação no que se reporta à indução em erro ou engano das entidades que lhe competia administrar, directa ou indirectamente, p. e p. pelos artº. 217º, 218º, nº1 e nº 2 al. a) do C. Penal na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão (toda a sua conduta);
b. Um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo art. 205º, n.ºs 1 e 4, al. b) do C.P., foi condenado na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (factos provados 213 a 222, 946, 958 - apropriação de dividendos do Banco Insular);
c. Um crime de falsificação de documento qualificado (vide secção I. deste acórdão) com referência ao conjunto da sua actuação no que se refere ao forjar de documentos e de registo de movimentos bancários e contabilísticos, p.p. pelo artº 256º, nº 1 al. a) e e) e nº 3 do Código Penal, tendo sido condenado na pena de 2 (dois) anos de prisão (toda a sua conduta);
Em cúmulo jurídico das penas de prisão em concurso (art. 77º, nºs 1 e 2 do C.P.), foi condenado o arguido JV… na pena única de 7 (sete) anos e 3 (três) meses de prisão;

B.2. Apreciando.
A dosimetria das penas impostas a este arguido são a razão pela qual quer o próprio, quer o Mº Pº interpõem recurso.
Especificamente:
O arguido pugna pela alteração da tipologia das penas impostas pela prática dos crimes de falsificação e de abuso de confiança, considerando que o tribunal “a quo” deveria ter optado por penas de multa. No que concerne ao crime de burla e, subsidiariamente quanto aos restantes, defende que as penas de prisão impostas devem ser reduzidas nos seus limites, em moldes de viabilizarem a suspensão da pena única.
Por seu turno, o Mº Pº pretende o agravamento das penas impostas pela prática do crime de abuso de confiança – para 4 anos e 6 meses de prisão – bem como pelo cometimento do crime de burla qualificada – para 6 anos de prisão - pugnando pela determinação da pena única de 10 anos de prisão.

B.3. Vejamos, então, em primeiro lugar, se as penas parcelares impostas devem ser reduzidas, como pretende o arguido.

B.3.1. Insurge-se este arguido, em primeiro lugar, com a apreciação feita pelo tribunal “a quo”, no que concerne às circunstâncias agravantes e atenuantes que a seu propósito enuncia.
Estas circunstâncias mostram-se assim descritas, em sede de acórdão:
2) Arguido JV…:
a) Contra o arguido,
- a culpa elevada, assumindo a modalidade de dolo directo;
- os factos denotam uma ilicitude muito elevada, atenta a forma de comissão dos crimes;
- o montante de que se apropriou de dividendos do Banco Insular (€ 256.292,37);
- a excepcionalmente grave ilicitude dos factos, atendendo ao modo de execução da estratégia, pensada, delineada e estruturada ao pormenor, e que permitiu durante cerca de 8 anos a omissão de registos contabilísticos, quer do Banco Insular, quer das sociedades offshore e, assim, fora do controlo dos accionistas do grupo SLN/BPN e das autoridades de supervisão (Banco de Portugal);
- as funções que exerceu em várias instituições bancárias ao longo da sua carreira profissional e os seus conhecimentos (licenciatura em direito) impunham que o arguido tivesse conhecimento das responsabilidades que sobre si impendiam e que, também por causa delas, tivesse uma conduta irrepreensível nas funções por si exercidas no Banco Insular;
b) A favor do arguido,
- a ausência de antecedentes criminais;
- a sensibilidade à pena que dele se espera pelo facto de ser primário;
- a confissão residual dos factos já na fase final do julgamento, após produção de toda a prova;
- o exercício de funções profissionais em instituições de relevo durante a sua vida activa;
- a relação de apoio mútuo que mantém com a ex-cônjuge e a relação forte, coesa e afectivamente gratificante que mantém com os seus 3 filhos e netos;
- a doença oncológica de que padece, actualmente controlada;
- os problemas cardiovasculares e as diversas intervenções cirúrgicas a que foi sujeito para ablação de fibrilação auricular;
- as características positivas de personalidade;
- a integração social;
- o tempo decorrido entre a prática dos factos e a presente data, sem esquecer a extrema complexidade do processo que também para isso contribuiu;

B.4. Vejamos, então, se tais críticas ao decidido mostram ter cabimento.

B.4.1. A pedra de toque da argumentação do arguido funda-se na invocação da sua qualidade de “testa de ferro”, de nominee, considerando que daí decorre um menor grau de culpa.

i. Como já supra se referiu, o facto de efectivamente, ter servido como testa de ferro, no que concerne à aquisição do Banco Insular, em nada altera ou diminui que o fez com plena consciência e vontade, sabendo ao que ia e o que fazia.

ii. Para mais, a sua intervenção não se limitou a tal, já que assumiu – efectiva e plenamente – as funções de presidente dessa instituição bancária, durante cerca de 8 anos.
E exerceu-as com pleno conhecimento de que esta instituição havia sido adquirida com dinheiro proveniente do Grupo SLN/BPN e que essa circunstância foi deliberadamente ocultada (objectivo para o qual a sua colaboração se revelou essencial, via Insular Holdings), que esse banco iria funcionar como um “shellbank” - isto é, seria utilizado para realizar operações financeiras que se não pretendiam que fossem assumidas pelo BPN ou pelo Grupo, operações secretas – tendo pois pleno e amplo domínio do facto.

iii. Assim, o arguido foi apenas “testa de ferro” no que concerne ao acto de aquisição do Banco Insular, uma vez que era o último e único beneficiário da Insular Holdings, mas já não no que concerne às suas funções como presidente do conselho de administração desse banco, que exerceu de modo efectivo e real, fazendo-o de acordo com os propósitos que estiveram subjacentes à sua aquisição, em colaboração com os demais arguidos.

iv. Se o arguido JO… foi o primeiríssimo actor na montagem de toda a estrutura que envolveu os actos de ocultação e de financiamento que se apreciam nestes autos, tendo a si cabido a concepção inicial de todo o esquema que veio a ser posto em execução, a verdade é que o não fez sozinho, antes contou com a colaboração pressurosa, activa e diligente de outros - entre os quais o arguido JV… - que a tal propósito aderiram e activamente prosseguiram.

v. Na verdade, este arguido, ao assumir as funções de presidente do Banco Insular, fazendo-o com perfeito conhecimento do que se esperava do seu funcionamento, foi um agente do crime que, em primeira linha e por vontade própria e esclarecida, cumpriu os actos que permitiram que essa instituição efectivamente desempenhasse o papel que ajudou a congeminar, em toda a estrutura da burla montada, já que foi por virtude do desempenho das funções que lhe cabiam que o Banco Insular funcionou, precisamente, como um verdadeiro shellbank, ou seja, cumpriu os desígnios que levaram à sua aquisição (financiamento de operações que se pretendiam secretas).

vi. Tanto assim é que, não só por si passavam as autorizações de concessão de financiamento realizadas, como demonstrou o seu profundo conhecimento do mundo da banca quando, por sua iniciativa e atento o Basileia II, a si lhe coube a iniciativa de dispersão do capital social da Insular Holdings, de modo a ser mantida a ocultação do verdadeiro titular do Banco Insular.

vii. O arguido não foi um mero funcionário ou marioneta, a quem cumpria obedecer e executar ordens, cujo objectivo ultrapassava quer o âmbito da sua formação pessoal, quer o conhecimento dos propósitos ilícitos que através de tais actos se pretendiam obter. Era alguém com qualificações específicas (licenciatura em direito) e currículo superior, no que toca à actividade bancária e à sua ligação às autoridades financeiras de Cabo Verde. E foi, precisamente, por virtude desse seu conhecimento intrínseco e profundo dos meandros do sector bancário, designadamente de Cabo Verde, que desempenhou de forma activa e empenhada o cargo de presidente do Banco Insular, de acordo com os desígnios criminosos que tinham sido definidos e aos quais, livre e conscientemente, aderiu e prosseguiu.

ix. Não se vislumbra, assim, que assista razão ao recorrente, quando pretende desvalorizar, menorizando, a sua actuação, durante 8 anos, à frente do Banco Insular, reduzindo-a a algo que não tem a mínima correspondência com a realidade.

B.4.2. Alega ainda o arguido que o Tribunal “a quo” não teve em atenção a sua condenação em sede de processo contra-ordenacional (processo n.º …/…/CO), violando-se a equidade da pena e o princípio da unidade da ordem jurídica considerada no seu todo.
A este propósito já tivemos oportunidade de nos pronunciarmos, quando apreciámos a questão do non bis in idem (vide IV. Fundamentação, §§ C. neste acórdão), para essa sede se remetendo, por razões de mera economia processual.
No que concerne ao facto de se encontrar legalmente impedido de exercer funções junto de qualquer instituição financeira, logo afastado do contexto de actuação em que actuou enquanto presidente de um banco, é circunstância que, embora não tendo relevo atenuante directo, no sentido próprio (uma vez que esse afastamento resultou do facto de ter sido condenado pela prática de infracção contra-ordenacional), tem relevância e será atendida em sede de ponderação das necessidades de prevenção especial.

B.4.3. Temos pois que as críticas que o arguido dirige ao decidido, no que concerne à ausência de ponderação de circunstâncias de carácter atenuante, por parte do tribunal “a quo”, se mostram insustentadas.
 
B.5. Resta então averiguar se as penas parcelares impostas ao arguido se mostram desajustadas e excessivas ou, como defende o Mº Pº, erradamente lenientes.

B.5.1. Debrucemo-nos, em primeiro lugar, sobre a questão da tipologia das penas, que o arguido avança, no que concerne aos crimes de falsificação e de abuso de confiança.

i. Entendeu o tribunal “a quo” que não se mostrava viável a opção pela imposição de uma pena de multa, no que a estes ilícitos se refere, pelas seguintes razões:
No âmbito da prevenção geral entende-se relevar o seguinte:
As exigências e prevenção geral são muito elevadas, atenta a grande incidência deste tipo de crimes e a sua nefasta repercussão na comunidade.
Há também que atender na grande sensibilidade que a comunidade apresenta relativamente a este tipo de crimes, considerando que os mesmos estão também na génese da ainda actual situação económica, não compreendendo a sua pouca punibilidade nos nossos Tribunais.
Perante esta realidade, as necessidades de prevenção geral aumentam exponencialmente, competindo aos Tribunais colocar um travão nesta ideia que se tem vindo a enraizar na sociedade de que o crime económico compensa.
Refira-se que o comportamento dos arguidos OC…, LC…, FS… e JV… assume uma especial gravidade e integra-se na criminalidade chamada de “colarinho branco”, protagonizada pelos estratos mais elevados da sociedade, o que representa, em termos de política criminal, uma preocupação cada vez maior.
Importa também não esquecer o gravíssimo dano causado à imagem e à credibilidade do sistema financeiro e da economia nacional pela actuação dos arguidos OC…, LC…, FS… e JV… que protagonizaram as condutas infractoras em apreço, tendo resultado sensivelmente afectados os níveis de confiança depositados no sistema bancário, em geral, e no BPN, em particular, mormente pela instrumentalização a que foi sujeito pelos autores das infracções em apreço.
As necessidades de prevenção geral são pois, no caso, enormes, essencialmente no que concerne à conduta dos quatro arguidos identificados, sem que, evidentemente, os mesmos possam ser usados, como mero instrumento, ao serviço daquela política, o que ocorreria caso viessem a sofrer uma pena para além do que a sua responsabilidade pessoal comporta.
(…)
Os crimes de falsificação (simples e agravado) e o crime de abuso de confiança (a agravação do 205º, n.ºs 1 e 4, al. a) do C.P.) admitem, em alternativa, pena de prisão ou multa.
Porém, a gravidade da conduta dos arguidos que são condenados por estes crimes, bem como as enunciadas razões de prevenção geral desaconselham, em absoluto, a opção pela pena de multa.
Esta opção nem seria compreendida pela comunidade em geral, face ao tipo de criminalidade e gravidade das condutas que aqui estão em causa.

ii. E assiste razão ao tribunal “a quo”. Não se trata aqui de dar especial prevalência às necessidades de prevenção geral sobre as restantes, trata-se, tão-somente, de atender ao facto de que elas existem e são da ordem que o tribunal “a quo” enuncia.
Como supra já se referiu a propósito do recurso interposto pelo arguido JO…, entendemos que um agente não deve ser instrumentalizado para a realização do interesse colectivo e não pode sofrer penas desproporcionadas ao crime cometido, para servir de exemplo aos restantes membros da comunidade. Não obstante, embora discordemos da sobrevalorização das necessidades de prevenção geral sobre os restantes fins das penas, entendemos, obviamente, que aquelas têm sempre – seja qual for o ilícito – de ser ponderadas e atendidas.
E, neste caso, pelas razões já acima aduzidas, constata-se que as razões de prevenção geral se situam seguramente muito acima do patamar médio, o que é factor que tem de ser atendido. De facto, se a reinserção social é e deve ser uma preocupação permanente dos tribunais, haverá igualmente que reconhecer que o julgador não pode olvidar que a aplicação das penas visa a “protecção de bens jurídicos” (art. 40º nº 1 do Código Penal).

iii. Assim, resta concluir que, face aos actos que o arguido praticou – adulteração da contabilidade de uma instituição bancária, ao longo de 8 anos, que envolveu o encobrimento da distribuição e perda de milhões de euros, bem como a apropriação pelo arguido do montante de € 256.292,37 – a imposição de uma pena de multa, em relação a cada um destes dois ilícitos (falsificação e abuso de confiança) se mostra arredada, não só por razões de necessidade de prevenção geral mas, igualmente, por razões de ressocialização, pois tal tipo de pena não serviria de advertência suficiente para o agente não voltar a delinquir.

iv. Temos, pois, que a tipologia das penas impostas, pelo cometimento destes ilícitos, mostra-se correcta, não se vislumbrando a violação dos normativos a que o arguido alude.

B.6. Apreciemos agora a questão da dosimetria das penas.

B.6.1. No que concerne à pena imposta pela prática do crime de falsificação dir-se-á que, no caso, se mostra perfeitamente legítima a opção feita pelo tribunal “a quo” a este respeito, pois a intensidade do dolo, revelada na persistência adulteradora, os longos anos em que os actos foram praticados, os valores envolvidos e o rasto de destruição da confiança societária e de prejuízo que essa conduta determinou, situa-se, de facto, a um nível que merece, em sede de dosimetria penal, os 2 anos de prisão que lhe foram determinados.

i. Para além do mais, no contexto deste ilícito, há ainda que atender aos restantes actos de adulteração contratual que o arguido cometeu (celebração de contratos forjados), que se mostram enunciados neste acórdão supra (vide IV. Fundamentação, §§, C. Violação do princípio ne bis in idem, ponto 14.) que têm relevo em sede de dosimetria da pena, como o próprio tribunal “a quo” determinou.
Assim, entende-se que não há razões para o seu desagravamento.

 ii. Situando-se a culpa do arguido num patamar claramente superior ao limite médio da moldura penal, próximo do seu máximo (sendo presidente do Banco Insular determinou e permitiu a adulteração da sua contabilidade e o seu não englobamento em sede de prestação de contas, na SLN SGPS), não se vislumbram razões para o desagravamento de tal pena.

B.6.2. O mesmo se diga, mutatis mutandis, no que se refere à pena imposta em sede de abuso de confiança, no que respeita ao respectivo desagravamento.

B.6.3. No que concerne ao peticionado agravamento da pena imposta pela prática do crime de abuso de confiança (pedida pelo Mº Pº), a diversa conclusão se chegará.

i. De facto, atendendo:
a. ao valor de apropriação total de dividendos (256.292,37);
b. ao facto de tais retiradas terem ocorrido por mais do que uma vez, ao longo de um período temporal de quase um ano;
c. numa época em que se questionava já a situação financeira do Grupo SLN/BPN (Julho de 2007 e Junho de 2008);
d. à circunstância de a última parcela (cerca de € 80.000,00) ter sido alvo de apropriação pelo arguido JM…, já após a saída da presidência do Grupo do arguido JO…;
e. e quando já então se tentava apurar, pela nova direcção do dito Grupo, a real situação financeira do mesmo;
f. o facto de essa apropriação ter sido realizada através da sua passagem por uma conta alfanumérica (isto é, que não identificava, de imediato, a identidade do seu titular);
g. o que revela uma manifesta tentativa de “deitar a mão” ao que se podia, enquanto era tempo;
h. a que acresce a formação superior que o arguido possui a nível de operações bancárias, que lhe permitiam saber, melhor que ninguém, que não tinha qualquer direito a dividendos do Banco;
i. que, para além do mais, nem sequer correspondiam à realidade, pois este não gerava de facto qualquer lucro;
j. bem como a acrescida responsabilidade que lhe advinha das altas funções que já então exercia, como presidente do Banco Insular e da SLN Cabo Verde,
há que constatar que a culpa e a ilicitude da sua actuação se situam num patamar muito elevado, seguramente superior ao meio da moldura penal.

ii. Por seu turno, as circunstâncias de carácter atenuante, embora tenham relevância, não têm expressão suficiente para justificar a determinação de uma pena – como a que foi fixada pelo tribunal “a quo” – tão próxima do limite mínimo da respectiva moldura penal, que é fixada por lei entre 1 e 8 anos de prisão.

iii. Assim, atentas as considerações já expendidas pelo tribunal “a quo” e as que ora se aditaram, conclui-se que tendo em atenção, na sua globalidade, os fins das penas e as circunstâncias relativas ao cometimento dos factos, a pena a impor ao arguido deve situar-se próxima do patamar médio da moldura penal respectiva, num limiar que se determinará ligeiramente inferior ao meio da pena, por virtude das circunstâncias atenuantes de que beneficia.

iv. Entende-se, pois, que a pena imposta ao arguido JV…, pela prática de um crime de abuso de confiança agravado, pelo tribunal “a quo”, se mostra erradamente fixada, sendo que se determina a imposição, a este título, de uma pena de 3 anos e 10 meses de prisão.
 
B.6.4. No que concerne à pena imposta pela prática de um crime de burla qualificada e no que toca ao pedido de alteração da mesma, feito pelo Mº Pº, teremos de constatar que a culpa e a ilicitude se mostram, neste caso, ainda mais acentuadas, relativamente ao crime de abuso de confiança.

i. Na verdade, e para além das considerações e dos raciocínios que já aí expusemos, neste caso:
a. o período temporal de actuação prolongou-se por mais de 8 anos;
b. teve o seu início com a colaboração na aquisição do Banco Insular;
c. e prosseguiu, activa e proactivamente, ao longo dos 8 anos seguintes, através do exercício, pelo arguido, do mais alto cargo daquela instituição financeira;
d. o que lhe dava acesso, por um lado, a remunerações generosas e, por outro, lhe exigia um especial dever de honestidade e sã condução dos destinos de uma instituição, algo que é o que qualquer investidor exige (assim como a lei) e espera da pessoa a quem confia a gestão do seu património.
 e. o facto do exercício dessa sua função ter sido fulcral e crucial para que o crime de burla se mostrasse de passível execução e se pudesse manter durante um período temporal tão prolongado.

ii. Assim, atentas as considerações já expendidas pelo tribunal “a quo” e as que ora se aditaram, conclui-se que tendo em atenção, na sua globalidade, os fins das penas e as circunstâncias relativas ao cometimento dos factos, a pena a impor ao arguido pela prática deste ilícito deve situar-se acima do meio da pena, seguramente dentro do parâmetro do último terço da mesma embora, por virtude das circunstâncias atenuantes de que beneficia, esse nível acabará por se afastar do seu limite máximo.

iii. Entende-se, pois, que a pena imposta ao arguido JV…, pela prática de um crime de burla agravada, pelo tribunal “a quo”, se mostra erradamente fixada, sendo que se determina a imposição, a este título, de uma pena de 6 anos de prisão.

B.7. Debrucemo-nos, agora, sobre a pena única imposta ao arguido.

i. Manifestamente, face ao que se deixa dito, o peticionado pelo arguido a este título mostra-se arredado, uma vez que a tipologia das penas foi mantida e duas delas foram mesmo agravadas.

ii. Resta então apurar se, face a tais alterações, deve ser dado provimento ao peticionado pelo Mº Pº, no sentido de se proceder ao agravamento da pena única imposta, que foi de 7 anos e 3 meses de prisão, para uma pena que este recorrente propõe se fixe em 10 anos de prisão.

B.7. 1.Vejamos então.

i. Na determinação da pena única haverá que atender-se ao conjunto dos factos dados como provados, pois estes fornecem o quadro que permite avaliar a gravidade do ilícito global cometido, mostrando-se especialmente valiosa para a sua apreciação a verificação de qual o tipo de conexão que ocorre entre os factos concorrentes.
No que se refere à avaliação da personalidade do agente esta deve apurar se, face ao conjunto dos factos praticados, estaremos perante uma tendência criminosa ou tão-só, perante uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade. Esta distinção tem relevo porque, no primeiro caso, terá de se considerar que o cometimento de uma pluralidade de crimes constitui uma agravante em sede da moldura penal conjunta. 
 
ii. Os crimes que o arguido cometeu atentaram essencialmente contra bens jurídicos que tutelam a vida em sociedade, com especial ênfase no património alheio e na segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório no que respeita à prova documental.

iii. O conjunto da sua actuação prolongou-se no tempo e, embora na mesma se englobe um crime executado num curto segmento temporal (crime de abuso de confiança), na sua esmagadora maioria os actos foram praticados ao longo de cerca de 8 anos.

iv. Constata-se, de igual modo, que se mostra demonstrada a prática de três crimes, todos eles na sua forma agravada, sendo que os valores envolvidos, em sede de prejuízo se situam na casa dos milhões de euros e em sede de benefício na ordem da dupla centena de milhar de euros.

v. Por seu turno, o elo de ligação entre todos estes ilícitos acaba por se reconduzir ao aproveitamento da oportunidade que lhe surgiu, por virtude do desempenho de funções de alta chefia, durante esse período temporal, como presidente do conselho de administração de um banco para, neste contexto, obter benefícios económicos a seu favor.

vi. O arguido não fez qualquer esforço de reparação do mal cometido, nem revelou arrependimento.

vii. O arguido não tem condenações anteriores, o que é circunstância de carácter atenuante embora sem grande relevo, por ser a atitude expectável de um cidadão socialmente integrado. Tem presentemente 77 anos de idade e cometeu os ilícitos em apreciação nestes autos entre os 58 e os 66 anos de idade.

viii. No que se refere à sua situação familiar e profissional, o arguido tem um trajecto de vida que se rege pela conformidade ao direito e às regras do viver societário, circunstância que tem carácter atenuante.

ix. A sua culpa mostra-se muito grave, quer pela intensidade dolosa com que actuou, quer pela persistência com que o fez, quer pelo modo insidioso como procurou (e conseguiu) alcançar os seus propósitos, quer ainda face à intensidade com que violou os bens jurídicos tutelados pelas normas, arrasando a confiança pública nas instituições financeiras, deixando um rasto de prejuízos na ordem das centenas de milhões de euros, o que em tudo agrava também a ilicitude da sua actuação.
 
x. No que se refere às necessidades de prevenção geral, entendemos que um agente não deve ser instrumentalizado para a realização do interesse colectivo e não pode sofrer penas desproporcionadas ao crime cometido, para servir de exemplo aos restantes membros da comunidade. Não obstante, embora discordemos da sobrevalorização das necessidades de prevenção geral sobre os restantes fins das penas, entendemos, obviamente, que aquelas têm sempre – seja qual for o ilícito – de ser ponderadas e atendidas.
E, neste caso, pelas razões já acima aduzidas, constata-se que as razões de prevenção geral se situam seguramente muito acima do patamar médio.

xi. No que concerne às necessidades relativas às questões de prevenção especial temos de constatar que, para além da idade do arguido, da sua esperada sensibilidade à pena, este se mostra já legalmente impedido de exercer funções junto de qualquer instituição financeira, circunstancialismo este que determina que, nesta sede, estas exigências se situem num patamar médio.

xii. A moldura penal para determinação da pena única baliza-se entre os 6 anos de prisão e os 11 anos e 10 meses de prisão.

xiii. Atendendo a tudo o que se deixa dito, constata-se que, pese embora a intensidade da culpa e da ilicitude, bem como as exigências de prevenção geral, as circunstâncias de carácter atenuante, bem como as médias/baixas exigências a nível de prevenção geral, determinam a imposição ao arguido de uma pena única que se situa na média da moldura penal, que se fixa assim em 9 (nove) anos de prisão.

B.8. Conclui-se, pois, que quer as penas parcelares dos crimes de abuso de confiança e de burla que cometeu, quer a pena única imposta (em que se engloba o crime de falsificação agravada) terão de ser alteradas em conformidade com o ora decidido.
 
C.- Arguido LC…:

C.1. Este arguido mostra-se condenado pela prática, em autoria material, dos seguintes crimes:
Como autor material:
a. Um crime de burla qualificada, com referência ao conjunto da sua actuação no que se reporta à indução em erro ou engano das entidades que lhe competia administrar, directa ou indirectamente, p.p. pelo artº. 217º, 218º, nº1 e nº 2 al. a) do C. Penal, tendo sido condenado na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão (toda a sua conduta);
b. Um crime de falsificação de documento qualificado, com referência ao conjunto da sua actuação no que se refere ao forjar de documentos e de registo de movimentos bancários e contabilísticos, p.p. pelo artº 256º, nº 1 al. a) e e) e nº 3 do Código Penal, tendo sido condenado na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão (inclui falsificação escritura Breslan/Plexpart e falsificação de registos contabilísticos);
Em cúmulo jurídico das penas de prisão em concurso nas alíneas a. e b. (art. 77º, nºs 1 e 2 do C.P.), condenar o arguido LC… na pena única de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão;
c. Um crime de abuso de confiança, previsto e punível pelo art.º205.º, n.º 1, 4, b), do Código Penal, (vide secção HB. deste acórdão) tendo sido condenado na pena de 4 anos de prisão (factos provados 366 a 408 e 941);

C.2. Apreciando.
O MºPº requer o agravamento das penas parcelares impostas a este arguido, nos seguintes termos:
Quanto ao crime de burla qualificada: de 6 anos e 6 meses de prisão, para 7 anos de prisão;
Quanto ao crime de falsificação: de 3 anos e 6 meses de prisão para 4 anos de prisão.
Em cúmulo jurídico e tendo já em conta a condenação pela prática do crime de abuso de confiança (para o qual havia pugnado pela imposição da pena de 5 anos e 6 meses de prisão, tendo o arguido sido efectivamente condenado na pena de 4 anos de prisão), o MºPº pede uma pena única de 11 anos e 6 meses de prisão.
Funda esse seu pedido não propriamente na ausência de ponderação, pelo tribunal “a quo”, de qualquer circunstância ou necessidade específicas, mas antes na reponderação dos critérios enunciados por esse mesmo tribunal que, em seu entender, levariam aos agravamentos peticionados.

C.3. Vejamos.
C.3.1. O tribunal “a quo” pronunciou-se, a este respeito, nos seguintes termos:
3) Arguido LC…:
a) Contra o arguido,
- a culpa elevada, assumindo a modalidade de dolo directo;
- os factos denotam uma ilicitude muito elevada, atenta a forma de comissão dos crimes;
- o montante do financiamento concedido à Plexpart de € 2.500.000,00 e que se pretendeu omitir através da escritura de mútuo outorgada a 16 de Maio de 2006;
- a excepcionalmente grave ilicitude dos factos, atendendo ao modo de execução da estratégia, pensada, delineada e estruturada ao pormenor, e que permitiu durante cerca de 8 anos a omissão de registos contabilísticos, quer do Banco Insular, quer das sociedades offshore e, assim, fora do controlo dos accionistas do grupo SLN/BPN e das autoridades de supervisão (Banco de Portugal e Banco Central de Cabo Verde);
- o comportamento delituoso que passou por vários negócios concretos (Plexpart, compra e venda da SLN Imobiliária pela Camden, Astroimóvel e Validus);
- as funções que exerceu no grupo SLN/BPN (administrador) e os seus conhecimentos técnicos (licenciatura em contabilidade) também impunham que  tivesse conhecimento das responsabilidades que sobre si impendiam e que, por causa delas, tivesse uma conduta irrepreensível à frente do Grupo SLN/BPN;
b) A favor do arguido,
- a ausência de antecedentes criminais;
- a sensibilidade à pena que dele se espera pelo facto de ser primário;
- o seu percurso profissional;
- o bom relacionamento que mantém com as filhas, netos e ex-companheira;
- o tempo decorrido entre a prática dos factos e a presente data, sem esquecer a extrema complexidade do processo que também para isso contribuiu;

C.3.2. As penas parcelares que impôs situam-se no terço superior das respectivas molduras penais, ligeiramente acima do seu limite médio. Não se vislumbram circunstâncias ou exigências de prevenção (geral ou especial) que o tribunal “a quo” tenha descurado e que determinem o agravamento de tais penas parcelares.
Assim, conclui-se que tais penas devem ser mantidas.

C.4. Resta então apurar qual a pena única a impor a este arguido, uma vez que o mesmo foi, por decisão tomada no presente acórdão, condenado na pena de 4 anos de prisão, pela prática de um crime de abuso de confiança agravado, pena esta não atendida pelo tribunal “a quo”, uma vez que de tal ilícito o havia absolvido.

i. Na determinação da pena única haverá que atender-se ao conjunto dos factos dados como provados, pois estes fornecem o quadro que permite avaliar a gravidade do ilícito global cometido, mostrando-se especialmente valiosa para a sua apreciação a verificação de qual o tipo de conexão que ocorre entre os factos concorrentes.
No que se refere à avaliação da personalidade do agente esta deve apurar se, face ao conjunto dos factos praticados, estaremos perante uma tendência criminosa ou tão-só, perante uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade. Esta distinção tem relevo porque, no primeiro caso, terá de se considerar que o cometimento de uma pluralidade de crimes constitui uma agravante em sede da moldura penal conjunta. 
 
ii. Os crimes que o arguido cometeu atentaram essencialmente contra bens jurídicos que tutelam a vida em sociedade, com especial ênfase no património alheio e na segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório no que respeita à prova documental.

iii. O conjunto da sua actuação prolongou-se no tempo e, embora na mesma se englobe um crime executado num curto segmento temporal (crime de abuso de confiança), na sua esmagadora maioria os actos foram praticados ao longo de cerca de 8 anos.

iv. Constata-se, de igual modo, que se mostra demonstrada a prática de três crimes, todos eles na sua forma agravada, sendo que os valores envolvidos, em sede de prejuízo se situam na casa dos milhões de euros e em sede de benefício na ordem dos dois milhões e meio de euros.

v. Por seu turno, o elo de ligação entre todos estes ilícitos acaba por se reconduzir ao aproveitamento da oportunidade que lhe surgiu, por virtude do desempenho de funções de alta chefia, durante esse período temporal para, neste contexto, obter benefícios económicos a seu favor.

vi. O arguido não fez qualquer esforço de reparação do mal cometido, nem revelou arrependimento.

vii. O arguido não tem condenações anteriores, o que é circunstância de carácter atenuante. Tem presentemente 67 anos de idade e cometeu os ilícitos em apreciação nestes autos entre os 57 e os 65 anos de idade.

viii. No que se refere à sua situação familiar e profissional, o arguido tem um trajecto de vida que se rege pela conformidade ao direito e às regras do viver societário, circunstância que tem carácter atenuante.

ix. A sua culpa mostra-se muito grave, quer pela intensidade dolosa com que actuou, quer pela persistência com que o fez, quer pelo modo insidioso como procurou (e conseguiu) alcançar os seus propósitos, quer ainda face à intensidade com que violou os bens jurídicos tutelados pelas normas, arrasando a confiança pública nas instituições financeiras, deixando um rasto de prejuízos na ordem das centenas de milhões de euros, o que em tudo agrava também a ilicitude da sua actuação.
 
x. No que se refere às necessidades de prevenção geral, entendemos que um agente não deve ser instrumentalizado para a realização do interesse colectivo e não pode sofrer penas desproporcionadas ao crime cometido, para servir de exemplo aos restantes membros da comunidade. Não obstante, embora discordemos da sobrevalorização das necessidades de prevenção geral sobre os restantes fins das penas, entendemos, obviamente, que aquelas têm sempre – seja qual for o ilícito – de ser ponderadas e atendidas.
E, neste caso, pelas razões já acima aduzidas, constata-se que as razões de prevenção geral se situam seguramente muito acima do patamar médio.

xi. No que concerne às necessidades relativas às questões de prevenção especial temos de constatar que, para além da idade do arguido, da sua esperada sensibilidade à pena, este se mostra já legalmente impedido de exercer funções junto de qualquer instituição financeira, circunstancialismo este que determina que, nesta sede, estas exigências se situem num patamar médio.

xii. A moldura penal para determinação da pena única baliza-se entre os 6 anos e 6 meses de prisão e os 14 anos de prisão.

xiii. Atendendo a tudo o que se deixa dito, constata-se que, pese embora a intensidade da culpa e da ilicitude, bem como as exigências de prevenção geral, as circunstâncias de carácter atenuante, bem como as médias/baixas exigências a nível de prevenção geral, determinam a imposição ao arguido de uma pena que se situa na média da moldura penal, que se fixa assim em 10 (dez) anos de prisão.

C.5. Conclui-se, pois, que a pena única imposta (em que se engloba o crime de abuso de confiança agravado, pelo qual foi condenado por decisão deste tribunal) terá de ser alterada em conformidade com o ora decidido.
D. Arguido FS…: 

D.1. Este arguido mostra-se condenado pela prática, em autoria material, dos seguintes crimes:
a. Um crime de burla qualificada, com referência ao conjunto da sua actuação no que se reporta à indução em erro ou engano das entidades que lhe competia administrar, directa ou indirectamente, p. e p. pelos artº. 217º, 218º, nº1 e nº 2 al. a) do C. Penal, foi condenado na pena de 5 (cinco) anos de prisão (factos provados 780 a 829 e toda a sua conduta);
b. Um crime de falsificação de documento qualificado (vide secção I. deste acórdão) com referência ao conjunto da sua actuação no que se refere ao forjar de documentos e de registo de movimentos bancários e contabilísticos, p.p. pelo artº 256º, nº 1 al. a) e e) e nº 3 do Código Penal, tendo sido condenado na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (toda a sua conduta);
c. um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 103º, n.º 1, als. a) e c) e 104º, n.º 2, al. a) do RGIT, tendo sido condenado na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (factos provados 733 a 752, 943, 944 e 958);
Em cúmulo jurídico das penas de prisão em concurso (art. 77º, nºs 1 e 2 do C.P.), condenar o arguido FC… na pena única de 6 (seis) anos e 9 (nove) meses de prisão;

D.2. Apreciando.
No que a este arguido concerne, há que esclarecer que o Mº Pº não interpôs qualquer recurso, no sentido do agravamento da sua pena, pelo que apenas nos pronunciaremos, quanto a este, no sentido do desagravamento por si peticionado.

D.2.1. O tribunal “a quo” entendeu serem aplicáveis ao caso as seguintes considerações e circunstâncias:
4) Arguido FS…:
a) Contra o arguido,
- a culpa elevada, assumindo a modalidade de dolo directo;
- os factos denotam uma ilicitude muito elevada, atenta a forma de comissão dos crimes;
- o valor do benefício pretendido a título de IVA aquando da emissão das facturas n.ºs 2160 e 2161 (€ 81.123,35);
- o montante do prejuízo provocado (€ 6.106.817,22) com a venda à Etrapanob das 2.350.000 acções da Labicer tituladas pelo arguido TR…;
- a excepcionalmente grave ilicitude dos factos, atendendo ao modo de execução da estratégia, pensada, delineada e estruturada ao pormenor, e que permitiu durante cerca de 8 anos a omissão de registos contabilísticos, quer do Banco Insular, quer das sociedades offshore e, assim, fora do controlo dos accionistas do grupo SLN/BPN e das autoridades de supervisão (Banco de Portugal e Banco Central de Cabo Verde);
- o comportamento delituoso que passou por dois negócios concretos (Validus e Labicer);
- o facto de ter sido administrador do grupo SLN/BPN recaindo, por isso, sobre si, uma maior responsabilidade na correta condução do seu destino e negócios;
b) A favor do arguido,
- a ausência de antecedentes criminais;
- a sensibilidade à pena que dele se espera pelo facto de ser primário;
- a confissão parcial dos factos com alguma importância para a descoberta da verdade material, embora essa confissão parcial só se tenha manifestado na fase final do julgamento, após a produção de toda a prova;
- o seu grau de escolaridade (curso de Ciências Políticas da Universidade Lusófona);
- a relação gratificante que mantém com a ex-cônjuge;
- o exercício de actividade profissional (sócio de uma empresa de programação informática);
- a circunstância de já terem passado 16 anos desde a emissão daquelas facturas;
- o tempo decorrido entre a prática dos restantes factos e a presente data, sem esquecer a extrema complexidade do processo que também para isso contribuiu;

D.2.2. No seu recurso (em que não formula qualquer pedido expresso, no que concerne à tipologia e dosimetria das penas, para além da questão da nulidade) insurge-se o arguido quanto ao decidido, invocando não terem sido atendidas circunstâncias de carácter atenuante que enuncia, bem como não terem sido devidamente sopesadas as necessidades de prevenção especial.

D.3. Vejamos.

i. No que concerne ao decurso do tempo e à ausência de cometimento de novos crimes, a primeira já foi devidamente sopesada pelo tribunal “a quo” e, quanto à segunda, como já supra se referiu, não se trata de uma circunstância atenuante, pois é esse o comportamento expectável pela parte de qualquer cidadão – que se abstenha de praticar crimes.

ii. No que concerne ao facto de ter reconhecido, perante a autoridade de supervisão, a detenção do Banco Insular por parte da SLN e a existência das offshores, bem como o alegado esforço na redução significativa dos créditos alocados ao Banco Insular, é matéria que não se mostra em apreciação nestes autos, nem consta da factualidade aqui dada como assente. O que consta e foi atendido, foi a sua admissão parcial dos factos, embora já no termo do julgamento.

iii. Quanto à inexistência de prejuízo patrimonial para o credor tributário decorrente do crime de fraude fiscal, também já supra referimos que tal não é o caso – o prejuízo existiu, desde logo porque o IVA foi deduzido.

iv. Também já se referiu, a propósito da integração subjectiva, que a ausência de exercício, em dados momentos, de funções executivas no âmbito da administração da SLN, não altera que, de facto, o arguido até as veio a exercer, tendo mantido a sua resolução criminosa durante todo esse período temporal, com perfeito conhecimento de toda a estratégia que colaborou activamente em prosseguir, sendo o braço direito do arguido JO…, desde o início (1999), o que lhe dava uma posição de relevo e chefia hierárquica, relativamente aos restantes funcionários do Grupo.

v. Também em sede de necessidades de prevenção especial, as circunstâncias a que alude mostram-se já atendidas pelo tribunal “a quo”, sendo certo que as mesmas não afastam, nem excluem, os restantes fins das penas – isto é, uma pena não é apenas imposta em função das exigências de prevenção especial, como já acima igualmente se referiu e para onde se remete, por meras razões de economia processual.

vi. No que concerne ao objectivo de crescimento do Grupo, em que pretende fundar a sua actuação, os factos dados como assentes nos autos demonstram tal não ser o caso, pois tratou-se, essencialmente, no que aos actos que aqui se apreciam, da prossecução de uma estratégia de controlo e poder pessoal, quanto aos destinos de tal Grupo. 

vii. No que concerne à pena única, a proibição do exercício de cargos sociais que quanto a si vigora, bem como o actual exercício de uma actividade profissional, a sua inserção profissional e familiar e a ausência de anteriores condenações, são matéria a sopesar dentro das necessidades de prevenção especial.

viii. No que se refere às sanções impostas em sede de processos de contra-ordenação, já supra, em sede própria (vide o capítulo deste acórdão sobre a questão do “non bis in idem”), nos pronunciámos sobre tal questão, remetendo-se para o que aí se mostra dito.
 
 D.4. O tribunal “a quo”, no âmbito de uma moldura penal de cúmulo jurídico balizada entre os 5 anos de prisão e os 10 anos de prisão, impôs-lhe como pena única 6 anos e 9 meses de prisão; isto é, fixou a sua sanção em medida muito inferior ao patamar médio dessa moldura.
Não se vislumbra pois, face ao que se deixa dito, que tal pena revele qualquer excesso que cumpra rectificar.

D.5. Assim, em síntese final constata-se que as críticas que o arguido dirige ao decidido, no que a esta matéria se refere, não se mostram sustentadas, razão pela qual se devem manter quer as penas parcelares, quer a pena única que lhe foi imposta.

V. Encerrando a apreciação das questões aqui propostas, cabe-nos apenas referir que se mostra prejudicada a necessidade deste Tribunal ad quem tomar posição quanto às questões de inconstitucionalidade suscitadas pelos arguidos nesta sede, uma vez que nem este Tribunal (nem o tribunal “a quo”) perfilharam os entendimentos que os recorrente consideram ter estado subjacentes à decisão recorrida ou à presente, não subsistindo, pois, para este tribunal de recurso, a necessidade de se pronunciar sobre sentidos normativos que não têm aplicação no caso.
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V. DECISÃO

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação:
I. no que se refere aos recursos interlocutórios:

1. Em rejeitar, por manifesta improcedência e extemporaneidade, o recurso interlocutório interposto pelo arguido rm… do despacho de fls. 15.124 a 15.136, ao abrigo do disposto nos artºs 411 nº1, 414 nºs 2 e 3 e 420 nº1 als. a) e b), todos do C.P.Penal.

2. Em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido/demandado rj…, do despacho de fls. 18.875 a 18.893, mantendo-se o decidido (remessa das partes para os tribunais civis relativamente aos pedidos de indemnização cíveis deduzidos nos autos).

3. Em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido rj… do despacho de fls. 23.594 e 23.595, mantendo-se o decidido (prescrição do procedimento criminal relativamente ao crime de fraude fiscal qualificada).

4. Em julgar improcedentes os recursos interpostos pelos arguidos jo…, lc…, fc…, rm… e rj… do despacho de fls. 41.633, mantendo-se o decidido, embora por fundamentos diversos dos nele invocados (não impedimento para prestar depoimento da testemunha TP…).

5. Em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido jo… do despacho de fls. 46.868, mantendo-se o decidido (indeferimento da arguição de irregularidade processual da decisão de desentranhamento de um documento, suscitada a fls. 46.862).

6. Em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido jo… do despacho de fls. 46.951 a 46.958, mantendo-se o decidido (indeferimento da incorporação nos autos da documentação constante do “apenso informático 33”, bem como a notificação da mesma ao arguido e, ainda, que fossem dadas sem efeito as datas designadas para inquirição das testemunhas por si arroladas, bem como revogada a aplicação da taxa sancionatória excepcional de 3 UC).

7 a 11 (com excepção da parte relativa à questão da documentação pedida à Mazars, que se mantém autónoma na decisão do recurso nº 8):
a. Em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido jo… da decisão de fls. 46.552 a 46.560, que determinou a alteração da ordem legal de produção de prova no sentido de se iniciar a inquirição das testemunhas de defesa sem que estivesse terminada a inquirição de todas as testemunhas de acusação, mantendo-se o decidido;
b. Em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido jo… da decisão de fls. 46.734 vº a 46.736, que julgou não verificadas as irregularidades invocadas por tal arguido, indeferiu o requerimento nesse sentido apresentado e determinou a imediata inquirição de testemunha de defesa arrolada por ele, mantendo-se o decidido;
c Em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido lc… da decisão de fls. 46.552 a 46.560, que determinou a alteração da ordem legal de produção de prova no sentido de se iniciar a inquirição das testemunhas de defesa sem que estivesse terminada a inquirição de todas as testemunhas de acusação, mantendo-se o decidido;
d. Em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido lc… da decisão de fls. 46.734 vº a 46.736, que julgou não verificadas as irregularidades invocadas pelo arguido e indeferiu o requerimento nesse sentido apresentado, mantendo-se o decidido;
e. Em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido fc… da decisão de fls. 46.770 vº, que julgou não verificada a irregularidade invocada pelo arguido e indeferiu a sua pretensão, mantendo-se o decidido.

8. Em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido jo… do despacho de fls. 46.533 a 46.537 (na parte não prejudicada pelo despacho de reparação parcial de fls. 50.414 a 50.422), que indeferiu o requerimento que visava a notificação da sociedade Mazars para juntar aos autos prova documental relativa às sociedades offshore Arles, Jared, Kayes, Kemusa, Kilarnock, Merfield, Resia, Seaford, Sevilen, Shelina, Tamno e Bremonhill, mantendo-se o decidido.

12. Em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido fc… do despacho de fls. 46.962, que indeferiu a primeira parte do respectivo requerimento de fls. 46.961, mantendo-se o decidido.

13 e 14. Em julgar improcedentes os recursos interpostos pelo arguido jo… dos despachos de fls. 48.843 a 48.853 e de fls. 50.973 a 50.975, que indeferiram o julgamento conjunto destes autos com o processo nº …/…TELSB (Instância Local de Lisboa – Secção Criminal – J…) e o processo nº …/…TELSB (extinta …ª Vara Criminal de Lisboa), mantendo-se o decidido.

15. Em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido jo…, do despacho de fls. 52.088 a 52.091, mantendo-se o decidido (não impedimento para prestar depoimento da testemunha AV…).

16 e 17:
a. Em julgar improcedente o recurso interposto pela arguida im…, da decisão de fls. 53108 a 53131, mantendo-se o decidido (impedimento absoluto de IG… para depor nos autos na qualidade de testemunha);
b. Em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido jo…, da decisão de fls. 52226 a 52228, mantendo-se o decidido (não violação do princípio do contraditório quanto à alteração parcial da ordem legal de produção de prova);

18. Em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido jo… do despacho de fls. 53.622 a fls. 53.650, mantendo-se o decidido (indeferimento do pedido de notificação da assistente BIC SA, para junção de documentos/indeferimento de junção escutas telefónicas do proc. n.º …/…TELSB e questões correlativas).

19. Em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido lc… do despacho de fls. 53.622 a fls. 53.650 (segmento decisório de fls. 53.636 a 53.648), mantendo-se o decidido  (indeferimento do requerimento da arguida IC… para junção aos autos dos suportes técnicos de todas as conversações ou comunicações gravadas no inquérito n.º …/…TELSB, reiterado por este arguido).

20. Em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido jo…, do despacho de fls.. 54.713, mantendo-se o decidido (indeferimento da reinquirição da testemunha MF… relativamente a duas conversas telefónicas interceptadas).

21. (segmento relativo ao despacho de fls. 54.713 vº).
Em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido lc… da decisão de fls. 54.713vº, mantendo-se o decidido (apreciação do requerimento apresentado a fls. 54.636 a 54.640, que manteve o decidido nos despachos de fls. 53.628 a 53.632 e a fls. 53.632 a 53.636).

21 - A. (segmento relativo ao despacho de fls. 54.713), 22., 23. e 25:
a. Em julgar improcedente o recurso o recurso interposto pelo arguido lc…, da decisão de fls. 54.713, que indeferiu a junção aos autos do memorial de fls. 54085 e seguintes, subscrito pelo mandatário do arguido, mantendo-se na íntegra tal decisão;
b. Em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido jo…, da decisão de fls. 55.881, que indeferiu a irregularidade processual e nulidade arguidas em 13-05-2016 da decisão colegial de fls. 55721vº a 55722vº, revogando apenas a ordem de desentranhamento das três exposições/memoriais do arguido de fls. 55602 a 55606, 55618 a 55633 e 55583 a 55590, mas mantendo, no mais, o decidido;
c. Em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido lc…, da decisão de fls. 55.713, revogando apenas a ordem de desentranhamento do memorial de fls. 54753 e segs., subscrito pelo arguido, mas mantendo, no mais, o decidido;
d. Em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido jo…, da decisão de fls. 56.721vº e segs., revogando apenas a ordem de desentranhamento da exposição de fls. 56659 e seguintes, mas mantendo, no mais, o decidido.

24. Em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido jo…, da decisão de fls. 55721vº, de 13.05.2016, mantendo-se o decidido (indeferimento do pedido de notificação da assistente BIC, S.A. para juntar aos autos cópias das cartas de “put option” e/ou cartas de conforto, alegadamente emitidas pelo BPN, S.A. a favor do Banco Insular relativamente às entidades indicadas a fls. 55.577).

26. Em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido jo…, da decisão de fls. 56.778, datado de 15.11.2016, mantendo-se o decidido (indeferimento do requerimento de arguição de irregularidade processual do despacho de comunicação de eventuais alterações não substanciais de factos de fls. 56772 e segs.).

27. Em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido jo…, do despacho de fls. 56.941, mantendo-se o decidido (indeferimento da extinção do procedimento criminal por aplicação do princípio do “ne bis in idem (fls. 56875 — ponto 1°); indeferimento da instrução dos autos com os elementos mencionados pelo arguido a fls. 56875, ponto 1.1.; indeferimento da nulidade da pronúncia (fls. 56875, ponto 2°); indeferimento das diligências probatórias requeridas pelo arguido a fls. 56876, ponto 1°, als. a) e b) e a fls. 56876, ponto 2°, als, a), b), c) e d)).
 
II. no que se refere aos recursos interpostos da decisão final:

Ω. Recursos interpostos pelos arguidos:

A. Arguido jo…:
1. Julga-se parcialmente procedente o recurso por si interposto e, em consequência:
a. Os seguintes pontos de facto passam a ter a seguinte redacção:
Ponto 209) Relativamente às entidades indicadas, os montantes de descoberto concedidos sobre as respectivas contas, por determinação dos arguidos OC…, LC… e FS…, até 30 de Junho de 2007, são os seguintes:
- SOLRAC FINANCE, conta nº …, montante de 99.669.144,74€;
- JARED FINANCE, conta n° …, montante de 40.336.918,15€;
- RELTONIA FINANCE, conta n° …, montante de 8.929.389,82€;
Ponto 222) Os arguidos vieram a permitir operações não regularizadas ou com outras finalidades, nas contas designadas A1, conforme adiante se narrará, e B1, conforme narrado atrás, não tendo o arguido JO… tido intervenção na operação referida no facto 219) que foi realizada em 5.06.2008
c. Ponto 808) Por esse motivo, as acções da LABICER foram avaliadas a 2,60 € por acção, valor que os arguidos OC…, FS… e TR… sabiam ser desfasado com a realidade, uma vez que as acções tinham um valor contabilístico negativo e a empresa se encontrava em falência técnica.
b. Os segmentos de texto retirados de tais pontos, passam a ser incluídos na factualidade não provada.
2. Em tudo o restante, julga-se o recurso improcedente, pelos fundamentos supra mencionados.

B. Arguido  jj…:
1. Julga-se parcialmente procedente o recurso por si interposto e, em consequência:
a. Determina-se que o facto provado 4 proveniente da contestação do arguido, passe a ter a seguinte redacção:
 4) O arguido JV… foi Presidente dos Conselhos de Administração:
a.  Da Fincor-Mediação Financeira, S.A., de 31 de Dezembro de 1991 a 31 de Março de 1999;
b. Da Fincor-Sociedade Correctora, S.A., de 3 de Novembro de 1992 a 25 de Janeiro de 1993;
c. Da Fincor SGPS, S.A., de 18 de Janeiro de 1999 a 24 de Abril de 200;
d. Do Banco Insular, de Outubro de 1998 a Fevereiro de 2009;
e. Da SLN Cabo Verde, a partir de 2 de Fevereiro de 2006.
b. Determina-se a eliminação do ponto 2 dos factos não provados provenientes da contestação do arguido JV….
2. Em tudo o restante, julga-se o recurso improcedente, pelos fundamentos supra mencionados.

c. Arguido lc…:
Julga-se improcedente o recurso interposto por este arguido, pelos fundamentos supra mencionados.

d. Arguido fc…:
Julga-se improcedente o recurso interposto por este arguido, pelos fundamentos supra mencionados.

e. Arguido lg…:
Julga-se improcedente o recurso interposto por este arguido, pelos fundamentos supra mencionados.

f. Arguido lmi…:
Julga-se improcedente o recurso interposto por este arguido, pelos fundamentos supra mencionados.

g. Arguida im…:
Julga-se improcedente o recurso interposto por esta arguida, pelos fundamentos supra mencionados.

h. Arguido tb…:
Julga-se improcedente o recurso interposto por este arguido, pelos fundamentos supra mencionados.

i. Arguido jau…:
1. Declara-se oficiosamente extinto, por prescrição, o procedimento criminal pendente contra o arguido JMo…, no que respeita à imputada prática de um crime de abuso de confiança agravado, p. e p. pelo artº 205 nº1, nº4 al. b) e nº5, todos do C.Penal, relativo às quantias de que se apropriou via entidade Groundsel e provenientes da Partenon (factos provados 668 a 685), pelo qual havia sido condenado pelo tribunal “a quo” na pena de 2 anos e 6 meses de prisão.
2. Julga-se o seu recurso improcedente, pelos fundamentos supra mencionados, pelo que se mantém  a sua condenação pela prática de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artº. 205º, nº1, nº 4 al. b) e nº 5 do C. Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão (factos provados 519 a 538, 953, 958), suspensa pelo período de 3 (três) anos, com sujeição a regime de prova e com a condição de, em igual prazo, pagar ao Estado Português a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros).

j. Arguido la…:
Julga-se improcedente o recurso interposto por este arguido, pelos fundamentos supra mencionados.

k. arguido rg…
Julga-se improcedente o recurso interposto por este arguido, pelos fundamentos supra mencionados.

ΩΩ. Recursos interpostos pelo Ministério Público:

A. Em relação ao arguido JO…, julga-se o recurso interposto pelo MºPº parcialmente procedente e, em consequência:
1. Condena-se o arguido pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelo artº 103 nº1 al. c) do RGIT e pelas alíneas a) e g) do nº1 do artº 104 do RGIT, na pena de 3 (três) anos de prisão (factos provados 923 a 958 do acórdão – casa das Sesmarias);
2. Em cúmulo jurídico de todas as penas de prisão em concurso (art. 77º, nºs 1 e 2 do C.P.),[15] mantém-se a condenação do arguido jo… na pena única de 15 (quinze) anos de prisão.
3. No demais, julga-se o recurso improcedente, pelos fundamentos supra mencionados.

B. Em relação ao arguido JJ…, julga-se o recurso interposto pelo MºPº parcialmente procedente e, em consequência:
1. Altera-se para 6 (seis) anos de prisão, a pena imposta pela prática de um crime de burla qualificada (com referência ao conjunto da sua actuação no que se reporta à indução em erro ou engano das entidades que lhe competia administrar, directa ou indirectamente - toda a sua conduta), p. e p. pelos artº. 217º, 218º, nº1 e nº 2 al. a) do C. Penal;
2. Altera-se para 3 (três) anos e 10 (dez) meses de prisão, a pena imposta pela prática de um crime de abuso de confiança (factos provados 213 a 222, 946, 958 - apropriação de dividendos do Banco Insular), p. e p. pelo art. 205º, n.ºs 1 e 4, al. b) do C.Penal;
3. Em cúmulo jurídico de todas as penas de prisão em concurso[16] (art. 77º, nºs 1 e 2 do C.P.), condena-se o arguido jj… na pena única de 9 (nove) anos de prisão.
4. No demais, julga-se improcedente o recurso, pelos fundamentos supra mencionados.

C. Em relação ao arguido LC…, julga-se o recurso interposto pelo MºPº parcialmente procedente e, em consequência:
1. Condena-se o arguido pela prática, em autoria material, de um crime de abuso de confiança (factos provados 366 a 408 e 941), previsto e punível pelo art.º205.º, n.º 1, 4, b), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão;
2. Em cúmulo jurídico de todas as penas de prisão em concurso[17] (art. 77º, nºs 1 e 2 do C.P.), condena-se o arguido lc… na pena única de 10 (dez) anos de prisão.
3. No demais, julga-se improcedente o recurso, pelos fundamentos supra mencionados.

D. Em relação ao arguido FL…, julga-se o recurso interposto pelo MºPº parcialmente procedente e, em consequência:
1. Procede-se à alteração da matéria fáctica, nos seguintes termos:
a. Determina-se que os pontos de facto nºs 934), 937), 956 e 958) passem a ter a seguinte redacção:
934) Ao declararem um valor abaixo do efectivamente pago, os arguidos JO… e FB… visaram obter vantagem em sede da liquidação do imposto de sisa, então devido.
937) Os arguidos JO… e FB… tinham conhecimento que, com a sua conduta, estavam a lesar o Estado em sede da arrecadação fiscal, sabendo ainda o arguido JO… que o BPN ficava lesado pelo não reembolso da quantia mutuada;
956) O arguido FB… interveio ainda em escritura pública fazendo declarações sobre montante de preço pago e recebido que sabia não corresponderem à verdade, de forma a gerar um ganho fiscal ilegítimo em benefício do arguido OC…, com quem actuou de forma concertada.
958)Todos os arguidos actuaram livre e conscientemente, sabendo os arguidos JO…, JV…, LC…, FS…, LM…, IC…, LAl…, TR…, JAu…, LA…, FB…, AF... e RC… que as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei.
b. Determina-se a eliminação do elenco de factos não provados dos pontos 305) e 312), sendo que os pontos 307) e 315) passam a ter a seguinte redacção:
307) Do facto 993º não se provou: “o arguido FB… tinha conhecimento que o BPN ficava lesado pelo não reembolso da quantia mutuada”;
315) Os arguidos RO… e HF… sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei.
2. Condena-se o arguido fl…, pela prática, em co-autoria material, de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelo artº 103 nº1 al. c) do RGIT e pelas alíneas a) e g) do nº1 do artº 104 do RGIT (factos narrados na pronúncia nºs 979 a 995; factos provados no acórdão nos pontos 923 a 938, 943, 956 e 958 e factos não provados nos pontos 305, 307, 312 e 315), na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período temporal, com a condição de, em igual prazo, pagar ao Estado Português a quantia de € 10.000 (dez mil euros), revogando-se o decidido nesta parte.
3. No demais, julga-se improcedente o recurso, pelos fundamentos supra mencionados.

E. Em relação ao arguido RM…, julga-se o recurso interposto pelo MºPº parcialmente procedente e, em consequência:
1. Altera-se a matéria de facto provada e não provada nos termos supra já consignados neste acórdão[18];
2. Condena-se o arguido rm…, pela prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artºs 217 e 218 nº1 e nº2 al. a), do C.Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução, pelo período de 5 (cinco) anos, com sujeição a regime de prova e com a condição de, em igual prazo, entregar ao Estado Português a quantia de € 200.000,00 (duzentos mil euros), revogando-se o acórdão recorrido na parte correspondente.
3. No demais, julga-se improcedente o recurso, pelos fundamentos supra mencionados.

F. Em relação ao arguido TB…, julga-se improcedente o recurso interposto pelo MºPº, pelos fundamentos supra mencionados.

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Tributação.
a. Condenam-se os arguidos RO… e FN…, no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC para o primeiro e em 3 (três) UC para o segundo.
Recursos interlocutórios:
b. Fixa-se a taxa de justiça devida pelo arguido RO… em 5 (cinco) UC, pela rejeição do recurso interlocutório por si interposto, ao abrigo do disposto no artº 420 nº3 do C.P.Penal (recurso nº 1).
c. Fixa-se a taxa de justiça devida por cada um dos arguidos JO…, LC…, FC…, RM…, IC… e RJ…, relativamente a cada um dos recursos que interpuseram, em 5 (cinco) UC (recursos nº2 a 27).    

Recursos da decisão final:
d. Fixa-se a taxa de justiça devida por cada um dos arguidos recorrentes JO…, JJ…, LC…, FC…, LG…, LMi…, IC…, TB…, JAu…, LA… e RJ…, em 6 (seis) UC.
e. O MºPº está isento de custas.
                                                   
D.N.
*
                                                   
O presente acórdão foi elaborado pela relatora e por si integralmente revisto (art. 94º, n.º 2 do C.P.P.).


                  Lisboa, 16 de Outubro de 2019



____________________________________________________________
                                    (Margarida Ramos de Almeida-relatora)



___________________________________________________________
                                 (Ana Paramés)

[1] Tendo em atenção a jurisprudência do Tribunal Constitucional, no sentido que essas situações não estão abrangidas pelo convite ao aperfeiçoamento, pois traduzem insuficiência do recurso e não apenas insuficiência das conclusões (Ac.do TC. nº 140/2004, de 10/3 e decisão sumária nº 274/06, de 22/05) e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.6.06, no proc. 06P1940, em www.dgsi.pt, o convite à correcção tem como pressuposto que o recorrente tenha cumprido substancialmente o ónus de impugnação que fundamenta as suas pretensões e apenas nas conclusões tenha falhado no cumprimento de certas formalidades.

[2] Veja-se, neste sentido, acórdão nº STA_0642/08 de 28-01-2009.

[3] Crime comum é aquele que não exige qualquer qualidade especial seja do agente activo ou passivo do crime. O crime próprio, por sua vez, é o crime que exige uma qualidade especial do agente; O crime de mão própria é o crime cuja qualidade exigida ao agente é tão específica que não é admissível co-autoria).
[4]  Artigo 203.º C. Civil
(Classificação das coisas)
As coisas são imóveis ou móveis, simples ou compostas, fungíveis ou não fungíveis, consumíveis ou não consumíveis, divisíveis ou indivisíveis, principais ou acessórias, presentes ou futuras.
Artigo 204.º C. Civil
(Coisas imóveis)
1. São coisas imóveis:
a) Os prédios rústicos e urbanos;
b) As águas;
c) As árvores, os arbustos e os frutos naturais, enquanto estiverem ligados ao solo;
d) Os direitos inerentes aos imóveis mencionados nas alíneas anteriores;
e) As partes integrantes dos prédios rústicos e urbanos. (…)
Artigo 205.º C. Civil
(Coisas móveis)
1. São móveis todas as coisas não compreendidas no artigo anterior.
Artigo 207.º C. Civil
(Coisas fungíveis)
São fungíveis as coisas que se determinam pelo seu género, qualidade e quantidade, quando constituam objecto de relações jurídicas.

[5] Artigo 34.º
Avaliação de imóveis
1 - As aquisições de bens imóveis para os fundos imobiliários e as respectivas alienações devem ser precedidas dos pareceres de, pelo menos, dois peritos independentes, nomeados de comum acordo entre a entidade gestora e o depositário.
2 - Os imóveis devem ser avaliados, nos termos do número anterior, com uma periodicidade mínima anual e sempre que ocorra uma alteração significativa do seu valor, não podendo o valor considerado ser superior ao mais elevado das avaliações periciais.
3 - Está ainda sujeita à avaliação de peritos, nos termos do n.º 1, a execução de projectos de construção, de forma a assegurar que o investimento não ultrapasse o valor venal dos imóveis a construir.
4 - A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários poderá fixar regras técnicas sobre a idoneidade de peritos e critérios de avaliação.
[6] Artigo 2º
Avaliações
1. Os imóveis dos fundos de investimento imobiliário devem ser avaliados por dois peritos independentes, designados de comum acordo entre a entidade gestora e o depositário, pelo menos uma vez em cada ano civil, sem prejuízo daquelas que se efectuem extraordinariamente nos termos da lei.
2. O valor atribuído aos imóveis pela entidade gestora não poderá exceder o mais elevado das duas avaliações consideradas nos termos deste regulamento.
[7] Artigo 29.º
Avaliação de imóveis e peritos avaliadores
1 - Os imóveis de fundos de investimento devem ser avaliados por, pelo menos, dois peritos avaliadores independentes nas seguintes situações:
a) Previamente à sua aquisição e alienação, não podendo a data de referência da avaliação do imóvel ser superior a seis meses relativamente à data do contrato em que é fixado o preço da transacção;
b) Previamente ao desenvolvimento de projectos de construção, por forma, designadamente, a determinar o valor do imóvel a construir;
c) Sempre que ocorram circunstâncias susceptíveis de induzir alterações significativas no valor do imóvel;
d) Com uma periodicidade mínima de dois anos.
2 - São definidos por regulamento da CMVM os requisitos de competência e independência dos peritos avaliadores no âmbito da actividade desenvolvida para efeitos do presente diploma, os critérios e normas técnicas de avaliação dos imóveis, o conteúdo dos relatórios de avaliação e as condições de divulgação destes relatórios ou das informações neles contidas, bem como do seu envio à CMVM.
3 - A CMVM pode definir, por regulamento, outros requisitos a cumprir pelos peritos avaliadores independentes, designadamente quanto ao seu registo junto da CMVM.
[8] SUBSECÇÃO II
Relatórios de avaliação
Artigo 20.º
Conteúdo e estrutura dos relatórios de avaliação
Os relatórios de avaliação devem ser elaborados com respeito pelos requisitos de conteúdo e de estrutura constantes do anexo à presente lei, que dela faz parte integrante, sem prejuízo dos requisitos especiais fixados por normas regulamentares do Banco de Portugal, CMVM ou Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões.
[9] Artigo 217.º
4 - É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 206.º e 207.º (na nova redacção, sem ressalva para a al. a) apenas).
Artigo 218.º (aditamentos e alterações à versão original)
2. (…)
c) O agente se aproveitar de situação de especial vulnerabilidade da vítima, em razão de idade, deficiência ou doença; ou; (…)
3 - É correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 206.º
4 - O n.º 1 do artigo 206.º aplica-se nos casos do n.º 1 e das alíneas a) e c) do n.º 2.
[10] Vide Simas Santos e Leal-Henriques (Código Penal Anotado, 2.º volume, Editora Rei dos Livros, 2000, p. 839), aquele enriquecimento ilegítimo «pode ocorrer por diversas formas: mediante um aumento patrimonial dos bens de terceiro ou do agente (...); mediante uma diminuição do passivo patrimonial do agente ou de terceiro (...); mediante a poupança de despesas, que são satisfeitas pelo lesado (...)».
[11] Vide Simas s e Leal-Henriques (Código Penal Anotado, 2.º volume, Editora Rei dos Livros, 2000, p. 839), aquele enriquecimento ilegítimo «pode ocorrer por diversas formas: mediante um aumento patrimonial dos bens de terceiro ou do agente (...); mediante uma diminuição do passivo patrimonial do agente ou de terceiro (...); mediante a poupança de despesas, que são satisfeitas pelo lesado (...)».
[12] Adicionalmente ainda se dirá que, se os accionistas, por força da actuação enganosa dos arguidos, nada tivessem feito para proteger o seu património, nos termos que a lei lhes facultava, porque estavam enganados quanto à desnecessidade de tal intervenção, teríamos ainda assim de entender que a sua inacção se traduziria numa verdadeira disposição patrimonial – vide Almeida Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, pp. 284-285.
[13] Diga-se, não obstante, que ainda que se pudesse entender – e tal não é o caso – que teria havido lugar, por parte dos arguidos, ao mero aproveitamento de um estado de erro dos ofendidos, não provocado por actos “positivos” do agente, ainda assim se teria de concluir que a idêntica conclusão se chegaria pois, atendendo às funções que os arguidos desempenhavam e aos deveres que a lei lhes impunha, no desenvolvimento da sua actividade (já supra mencionados – vide artº 64 do CSC), teríamos de concluir que a prática do crime de burla teria sido cometido activamente, embora não por declarações expressas, mas sim por actos concludentes (vide, neste sentido e mais aprofundadamente, Almeida Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, pp. 307-309 e Ac. STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Proc. nº:08P901, nº Convencional: JSTJ000, de 18.06.2008, consultável em dgsi.pt.
[14] A finalidade político-criminal do instituto da suspensão consiste no afastamento do delinquente da prática de novos crimes ou, dito de outro modo, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção de reincidência».
Aliás, o único entendimento consentâneo com as finalidades de aplicação da pena é a tutela de bens jurídicos e, [só] na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, pelo que, em caso algum, a defesa da ordem jurídica pode ser postergada por preocupações de socialização em liberdade. - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.3.03, no proc. 03P612, em www.dgsi.pt..
[15]: Designadamente, para além do crime de fraude fiscal em que foi condenado por este tribunal “ad quem”, as seguintes penas parcelares:
a. pela prática de um crime de abuso de confiança, com referência ao conjunto da sua actuação na retirada e apropriação, para si e para terceiros, de fundos do Grupo BPN/SLN, p. e p. pelo art. 205º, n.ºs 1 e 4, al. b) do C.P., a pena de 4 (quatro) anos de prisão (conjunto dos factos provados 269 a 286, 862 a 880 e 941 e 948);
b. pela prática de um crime de burla qualificada, com referência ao conjunto da sua actuação no que se reporta à indução em erro ou engano das entidades que lhe competia administrar, directa ou indirectamente, p.p. pelo artº. 217º, 218º, nº1 e nº 2 al. a) do C. Penal, na pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão (toda a sua conduta);
c. pela prática de um crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo art. 368º-A, n.ºs 1, 2 e 10 do C.P., a pena de 5 (cinco) anos de prisão (conjunto dos factos provados 213 a 216, 272 a 286 e 865 a 893);
d. pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 103º, n.º 1, als. a) e c) e 104º, n.º 2, al. a) do RGIT, a pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão (factos provados 733 a 752, 943, 944 e 958);
e. pela prática de um crime de falsificação de documento na sua forma agravada, após cumprimento do disposto no artº 424 do C.P.Penal (com referência ao conjunto da sua actuação no que se refere ao forjar de documentos e de registo de movimentos bancários e contabilísticos - toda a sua conduta), p. e p. pelo artº 256º, nº 1 al. a) e e) e nº 3 do Código Penal, a pena de 3 (três) anos de prisão;
[16] No qual se inclui ainda a condenação pela prática de um crime de falsificação de documento na sua forma agravada, após cumprimento do disposto no artº 424 do C.P.Penal (com referência ao conjunto da sua actuação no que se refere ao forjar de documentos e de registo de movimentos bancários e contabilísticos - toda a sua conduta), p. e p. pelo artº 256º, nº 1 al. a) e e) e nº 3 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão;
[17] Em que se incluem ainda as seguintes condenações:
a. Pela prática de um crime de burla qualificada, com referência ao conjunto da sua actuação no que se reporta à indução em erro ou engano das entidades que lhe competia administrar, directa ou indirectamente - toda a sua conduta, p. e p. pelo artº. 217º, 218º, nº1 e nº 2 al. a) do C. Penal, a pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão;
b. Pela prática de um crime de falsificação de documento qualificado, com referência ao conjunto da sua actuação no que se refere ao forjar de documentos e de registo de movimentos bancários e contabilísticos (aí se incluindo a  falsificação da escritura Breslan/Plexpart), p. e p.  pelo artº 256º, nº 1 al. a) e e) e nº 3 do Código Penal, a pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;

[18] Passando a matéria de facto provada, no que concerne aos pontos 599 a 719 e 1012 a 1013 da pronúncia, consignados nos factos provados do acórdão 574 a 667; e 309 e 310 dos factos não provados, bem como aos pontos da contestação do arguido, a ser a seguinte:
 Preparação da venda da Validus pela SLN Investimento (arts. 599º a 602º da pronúncia):
574) Tal estratagema tinha também como objectivo gerar e aumentar os suprimentos colocados na VALIDUS;
575) Com efeito, ao declararem adquirir um inexistente crédito de terceiro sobre a VALIDUS, os arguidos JO…, LC…, LM… e LAl… estavam a aumentar o crédito da sociedade que representavam, a SLN INVESTIMENTOS, sobre a mesma VALIDUS;
576) Essa estratégia passava também por proporcionar ganhos a um terceiro, o arguido RO…, a quem a VALIDUS seria transmitida carregada de suprimentos, e que tinha aceitado intervir em parte das operações;
576-A) Para além desse ganho, foi garantido ao arguido RO… a existência de um financiamento para levar a cabo a aquisição da nova Validus.
Utilização da Validus para aquisição de acções da SLN SGPS, S.A. (arts. 603º a 634º da pronúncia):
577) Como a VALIDUS detinha património de elevado valor, sendo um imóvel sito em Torres Novas do interesse do próprio grupo, que não interessava ser colocado em terceiros, os arguidos OC…, LC… e IC… decidiram que teria que ser dividido o património desta empresa, se necessário através de uma cisão, tal como efectivamente veio a ser levada a cabo;
578) Os arguidos JO… e RO… acordaram na venda, através da empresa ALTOS VOOS, da qual o arguido RO… era um dos sócios, ao fundo IMONEGÓCIOS, gerido pela IMOFUNDOS, do imóvel sito na Rua D. João V, em Lisboa, para instalação do Private Bank do BPN, que veio a ser concretizada pelo preço de 350 mil contos, por escritura de 20 de Fevereiro de 2001;
579) Os arguidos OC…, LC… e RO… acordaram na venda da sociedade ASTROIMÓVEL, detentora de um imóvel sito na Rua Castilho, em Lisboa, a duas sociedades offshore, a OARDALE e a KINASOL, ocorrida a 15-12-2000, entidades essas que, na data de 31-12-2001, venderam a mesma sociedade e o seu activo ao fundo IMOGLOBAL, gerido pelo IMOFUNDOS do BPN e que veio a ser participado pelo próprio arguido RO…;
580) De acordo com o planeado, o arguido JO…, no dia 31 de Outubro de 2000, colocou na esfera pessoal do arguido RO… 1.250.000 acções da SLN SGPS S.A.;
581) A aquisição de 1.250.000 acções foi efectuada ao preço de 1,85 € cada, sendo a entidade vendedora a EMKA INTERNACIONAL, já acima referida, entidade pertencente ao universo do grupo SLN;
582) Consequentemente, no dia 31.10.2000, a conta de títulos BPN nº …, titulada pelo arguido RO…, foi carregada com as aludide 1.250.000 acções da SLN SGPS;
583) Nessa data, a transacção aludida não consubstanciou qualquer dispêndio da parte do arguido RO…, ou seja, apesar de a entidade vendedora Emka ter sido creditada pelo montante de 2.312.500,00 €, a que corresponde o contravalor de 463.614.625$00, o arguido RO… não realizou qualquer pagamento;
584) Tal valor ficou numa denominada conta contabilística de regularização, prática sujeita a regularização dentro do mesmo exercício.
585) Tal operação seria apenas transitória;
586) Assim, o montante de 463.614.625$00, preço das acções, seria transferido para a referida sociedade nova VALIDUS e esta então vendida ao arguido RO…;
587) Conforme já acima narrado, nessa data, último trimestre do ano 2000, a sociedade VALIDUS era detida pela SLN IMOBILIÁRIA, que por via da operação contabilística também referida supra, havia parqueado cerca de 90% das acções da VALIDUS na sociedade offshore INVESCO WORLDWIDE, LTD;
588) Os arguidos JO…, LC…, FS…, IC…, LM… e LAl… precipitaram então uma série de actos contratuais, praticados nos dias 28 e 29 de Dezembro de 2000, visando os arguidos JO…, LC…, IC…, LM… e LAl… alcançar o objectivo de transferirem a sociedade nova VALIDUS para o arguido RO…;
589) Os arguidos JO…, LC…, FS…, IC…, LM… e LAl…, começaram por, a 28 de Dezembro de 2000, fazer com que a então SLN Imobiliária SGPS, S.A (actualmente SOGIPART SGPS, S.A.) vendesse à SLN Investimentos SGPS S.A. as acções que detinha sobre a sociedade VALIDUS, com o NIF 503430587, pelo preço de 1.084.000.000$00, a que acresceu ainda o valor de 57.436.000$00 relativo a suprimentos que entretanto haviam sido gerados;
590) Nessa data, conforme os arguidos fizeram constar do contrato, os créditos por suprimentos de que a SLN Imobiliária era titular na VALIDUS atingiam o montante de 57.436.000$00, tendo sido esse o valor dos suprimentos sobre a VALIDUS cedidos pela SLN Imobiliária à SLN Investimentos;
591) Tal aquisição foi paga, no dia 29 de Dezembro de 2000, pela SLN Investimentos através de transferência da sua conta BPN nº …, das importâncias de 975.600.000$00 e de 108.400.000$00, no montante total de 1.084.000.000$00 para a conta nº …, da SLN IMOBILIÁRIA;
592) Não tiveram em conta porém, os arguidos, que 90% das acções da VALIDUS estavam na posse da INVESCO WORLDWIDE e assim, apenas com data do dia seguinte, 29 de Dezembro, vêm a regularizar a situação fazendo transferir da VENICE para a SLN IMOBILIÁRIA as referidas acções, conforme pagamento do montante de 975.600.000$00 realizado para a conta agora titulada pela VENICE nº …, nesse mesmo dia;
593) Assim, pese embora a SLN IMOBILIÁRIA tenha transmitido um activo que estava parqueado na esfera da INVESCO WORLDWIDE, LTD, isto é transmitiu o que não tinha, certo é que a SLN INVESTIMENTOS, onde se encontravam como administradores o LM… e o LAl…, veio a tornar-se a única accionista da sociedade VALIDUS;
594) No dia 28 de Dezembro de 2000, os arguidos JO…, LC…, IC…, LM… e LAl… elaboraram também um projecto de cisão do património da VALIDUS, através da sua colocação em duas distintas empresas, conforme já vinham a congeminar;
595) Tal actuação tinha como objectivo não incluírem no negócio com o arguido RO… o património detido pela VALIDUS que ainda interessava para o grupo, o imóvel sito em Torres Novas;
596) Através da referida cisão, a sociedade designada “VALIDUS – Imobiliária e Investimentos, SA”, com o NIF 503430587, passou a designar-se “Quinta da Torre Santo António – Sociedade Imobiliária, SA”, mantendo o mesmo NIF;
597) A Quinta da Torre Santo António, SA, ficou no seu activo com os imóveis sito em Torres Novas - prédios mistos denominados Quinta da Torre Santo António e Quinta do Marquês, sito na freguesia de Santiago, concelho de Torres Novas, descrito na conservatória do registo predial de Torres Novas, sob o nº 00848/300993 e inscrito na matriz predial a parte urbana sob o artigo 951 e a parte rústica sob o artigo 1 da Secção C, com o valor de 1.600.000.000$00;
598) Da cisão resultou ainda a constituição de uma nova sociedade que também designaram por “Validus - Imobiliária e Investimentos, SA”, agora com o NIF 505147459, com o capital social de 11 mil contos, dividido em outras tantas acções com o valor nominal de 1.000$00;
599) Esta empresa, ficou com o restante activo da antiga VALIDUS e que se traduzia num imóvel sito em Cascais, na Avenida do Brasil, Rua Particular, Lote Um, correspondente ao artigo matricial nº 7205, da freguesia e concelho de Cascais, com o valor contabilístico de 252.767.630$00;
599-A) Esta era a entidade nova VALIDUS onde deveriam ser colocados suprimentos suficientes para garantir a aquisição e o pagamento das acções da SLN SGPS já colocadas na conta do arguido RO…;
599-B) Deveria ainda possibilitar ao arguido RO… a obtenção dos ganhos pessoais, como contrapartida da sua colaboração
599-C) Sem fazer qualquer esforço financeiro pela aquisição da nova sociedade VALIDUS.
O negócio da aquisição da Astroimóvel (arts. 635º a 657º da pronúncia):
600) Os arguidos JO… e LC… concordaram adquirir, em parceria com o arguido RO…, a empresa ASTROIMÓVEL;
601) Para lhe proporcionarem a liquidez necessária, os arguidos JO… e LC… concederam financiamentos a duas sociedades offshore, a OARDALE e a KINASOL, para adquirir as acções da aludida ASTROIMÓVEL;
602) Com efeito, o arguido RO… havia negociado com ASS… a aquisição da sociedade ASTROIMÓVEL, contando, para tal, com a montagem de um financiamento através do BPN Cayman;
603) Para tal aquisição, os arguidos OC… e LC…, decidiram utilizar duas entidades veículo, em offshore, no caso as referidas KINASOL ASSETS LTD e OARDALE HOLDINGS CORP, ambas com registo nas Ilhas Virgens Britânicas;
604) A sociedade KINASOL ASSETS LTD pertencia ao Grupo SLN;
604 – A) A sociedade OARDALE HOLDINGS CORP pertencia ao Grupo SLN, tendo o arguido RO… sido o beneficiário efectivo desta sociedade, entre 13.12.2000 (data da aquisição das acções da Astroimóvel) e 31.12.2001 (data da venda das acções da Astroimóvel ao Fundo Imoglobal gerido pelo IMOFUNDOS, do BPN);
605) Em 13 de Dezembro de 2000, a KINASOL ASSETS LTD adquiriu 36.000 acções representando 36% da “Astroimovel – Sociedade Imobiliária” a familiares de ASS… pelo preço de 1.000.000.000$00;
606) Na mesma data, a sociedade OARDALE HOLDINGS CORP., adquiriu os restantes 64 % por 1.295.000.000$00 ao próprio ASS… e à empresa “A. Santo Empreendimentos Industriais e Turísticos, S.A”;
607) O pagamento de tais aquisições, foi realizado com débitos a descoberto sobre as contas da KINASOL junto do BPN Cayman, conta nº …, e da OARDALE também junto do BPN Cayman, conta nº …, os quais foram solicitados pela arguida IC…, com a ratificação do arguido OC…, uma vez que as referidas contas foram movimentadas a descoberto;
608) O acordo então estabelecido entre o arguido RO… e os arguidos OC… e LC…, previa que a oportunidade de negócio trazida pelo primeiro correspondesse à detenção de uma participação inicial de 35% sobre a sociedade ASTROIMÓVEL, sem que ao mesmo arguido RO… fosse exigido qualquer esforço financeiro inicial de capital para a aquisição da mesma sociedade;
609) Foi então necessário recompor as participações de cada uma das sociedades offshore no capital social da ASTROIMÓVEL, pelo que os arguidos RO…, LC… e OC… S… trataram de fazer a OARDALE vender à KINASOL o equivalente a 29% do capital social da ASTROIMÓVEL;
610) Tal operação gerou novos pagamentos, sobre a mesma conta da KINASOL, a favor da OARDALE, mesma conta supra indicada no BPN Cayman, nos montantes de 2.900.132,32 € e de 258.859,06 € (a titulo de juros), de novo determinados pelos arguidos LC… e OC…;
611) Tais pagamentos vieram apenas a ser realizados na data de 31-12-2001, correspondendo à data da venda das participações na ASTROIMÓVEL ao fundo IMOGLOBAL, como adiante se narrará;
612) Assim, a Kinasol passou a deter 65 % da Astroimóvel a um custo de aquisição de 8.146.970,80€ e a Oardale passou a deter 35 % a um custo de aquisição de 3.300.441,39€;
613) Tendo sido resposta a proporção acordada, de 35% para o arguido RO…, através da OARDALE, e de 65% para a SLN SGPS, através da KINASOL, os arguidos OC…, LC… e RO… trataram de fazer rentabilizar a aquisição da ASTROIMÓVEL através da venda da mesma a uma terceira entidade;
614) Para o efeito, dando execução ao planeado entre os arguidos LC…, OC… e RO…, veio a ser criado o fundo de investimento imobiliário IMOGLOBAL, gerido pelo IMOFUNDOS, do BPN;
615) Tal fundo IMOGLOBAL seria financiado pelo próprio BPN e destinava-se a adquirir os imóveis apresentados para aquisição pelo arguido RO…, de acordo com valores de conveniência a definir pelos arguidos OC…, LC… e RO…, sendo a parte dos pagamentos destinada ao mesmo arguido RO… convertida em unidades de participação no referido fundo;
616) Assim, em 31 de Dezembro de 2001, a sociedade “KINASOL Assets Ltd” vende 65.000 acções (65%) da ASTROIMOVEL ao fundo BPN IMOGLOBAL, por €12.350.000,00, tendo a sua conta junto do BPN Cayman sido creditada pelo referido montante;
617) No mesmo dia, a sociedade “OARDALE Holdings Corp” vendeu as 35.000 acções (35%) da ASTROIMOVEL ao fundo BPN IMOGLOBAL, por € 6.650.000,00, tendo a sua conta junto do BPN Cayman sido creditada pelo referido montante;
618) Os arguidos OC… e LC… fizeram com que o BPN Imofundos através do BPN Imoglobal viesse a pagar 19 milhões de euros pela totalidade do capital social da sociedade ASTROIMÓVEL, quando o mesmo havia, um ano antes, sido adquirido pelo preço de 2.295.000.000$00, correspondente a cerca de 11 milhões de euros;
619) Tal operação de compra e venda da ASTROIMÓVEL gerou assim os seguintes pagamentos e mais-valias:

(Imagem removida)

620) Assim, no intervalo de tempo decorrido entre 13-12-2000 e 31-12-2001, a sociedade ASTROIMÓVEL foi valorizada em € 7.552.588,00, em prejuízo do fundo IMOGLOBAL;
Financiamento da Groundsel para comprar a Validus (arts. 658º a 672º da pronúncia):
620-A) – O financiamento para aquisição da nova VALIDUS seria feito por recurso aos financiamentos já permitidos sobre as contas do BPN Cayman, em nome da Kinasol e da Oardale, não realizando o arguido RO… qualquer entrada de capital em tal negócio e já com a perspectiva de este não vir a pagar o financiamento feito à Oardale para aquisição daquela sociedade nova Validus.
621) Para efeito de transmissão das acções da nova VALIDUS ao arguido RO…, os arguidos OC…, LC…, IC…, LM… e LAl… resolveram utilizar uma sociedade veículo GROUNDSEL PROPERTIES LIMITED, com registo no Offshore de Gibraltar, detida por RO…;
622) Assim, em 29 de Dezembro de 2000, os mesmos arguidos fizeram a SLN INVESTIMENTOS, representada pelos arguidos LM… e LAl…, proceder à alegada venda das acções da “VALIDUS Sociedade Imobiliária” (nova Validus) e seus activos e suprimentos à entidade GROUNDSEL PROPERTIES LIMITED, pelo preço total de 738.614.615$00;
623) Nos termos da Cláusula Quarta do contrato então redigido pelos arguidos, tal preço seria pago em dois momentos;
624) Na data do contrato seria pago o montante de 570.000.000$00, enquanto o restante, no montante de 168.614.625$00 poderia ser pago em 60 dias;
625) No dia 29 de Dezembro de 2000, para o primeiro pagamento da alegada aquisição da nova sociedade VALIDUS, os mesmos arguidos determinaram uma transferência no valor de 570.000.000$00 para a conta nº … do BPN Cayman, titulada pela GROUNDSEL PROPERTIES LIMITED;
626) Tal montante teve origem na conta BPN Cayman nº …, titulada pela offshore KINASOL ASSETS LTD, onde foi consequentemente debitada aquela quantia;
627) O segundo pagamento por conta do alegado preço da aquisição da VALIDUS, incluindo seus activos e suprimentos, viria a ocorrer porém, apenas em final de 2001;
628) Tendo, no dia 31 de Dezembro de 2001, mais uma vez, os arguidos determinado um financiamento para a GROUNDSEL, desta feita por débito, da conta BPN Cayman, nº …, titulada pela OARDALE HOLDINGS CORP, conta onde foi debitado o montante de 168.614.625$00;
629) Com esses financiamentos, em execução do plano concebido pelos mesmos arguidos, estes determinaram a realização dos seguintes movimentos, de forma a pagar o alegado preço de aquisição da nova VALIDUS e seus activos pela GROUNDSEL:
- No dia 29 de Dezembro de 2000, a sociedade GROUNDSEL PROPERTIES LIMITED através da conta BPN Cayman nº … procede à transferência de 570.000.000$00 a favor da conta da SLN Investimentos, junto da conta do BPN com o nº …, o que configura a primeira parte do alegado pagamento do preço;
- No dia 31 de Dezembro de 2001, ou seja um ano mais tarde, a Groundsel Properties Limited transferiu também através de débito na sua conta em BPN Cayman nº … a favor da SLN Investimentos junto da conta do BPN nº …, o montante de 168.614.625$00 (mesma data da venda da Astroimóvel ao fundo IMOGLOOBAL);
630) Deste modo, os arguidos JO… e LC… fizeram com que a aquisição pela GROUNDSEL PROPERTIES LIMITED da nova VALIDUS à “SLN Investimentos” fosse efectuada de forma integral com recurso a uma offshore que pertencia à SLN SGPS S.A. – no caso a KINASOL ASSETS LTD – e a uma outra offshore que foi utilizada em benefício do arguido RO… – no caso a OARDALE HOLDINGS CORP, ficando os encargos a ser suportados pelo BPN.
Financiamento da Validus para proceder à liquidação financeira das acções da SLN SGPS (arts. 673º a 687º da pronúncia):
631) No dia 29.12.2000, no mesmo dia em que venderam as acções da VALIDUS, os arguidos LM… e LAl…, em execução da estratégia de aumento dos suprimentos à nova VALIDUS, definida com os arguidos OC…, LC… e IC…, determinaram a realização de uma transferência no montante de 463.614.625$00, para a conta bancária BPN nº …, aberta na mesma data, em nome da nova VALIDUS;
632) Assim, conforme fizeram constar no contrato de venda das acções da nova VALIDUS à GROUNDSEL, os arguidos colocaram na esfera do arguido RO… um património constituído, além das referidas acções da VALIDUS e do imóvel que tinha como activo, um conjunto de 1.250.000 acções da SLN SGPS;
633) Com efeito, através da transferência do montante de PTE 463.614.625$00 referida supra, os arguidos identificados no facto 631º) fizeram a SLN INVESTIMENTOS libertar os fundos necessários para que as 1.250.000 acções da SLN SGPS, já colocadas na esfera do RO… desde 31 de Outubro de 2000, fossem então efectivamente pagas e colocadas na titularidade da nova VALIDUS;
634) Acresce que os mesmos arguidos fizeram com que a transferência dos 463.614.625$00 da conta da SLN INVESTIMENTOS para a conta da VALIDUS (nova sociedade) fosse realizada com data-valor de 31-10-2000, data em que a referida conta ainda não tinha sido aberta, mas corresponde à data em que as acções foram carregadas na conta de valores mobiliários do arguido RO…;
635) Os arguidos JO… e LC… procuraram então ocultar quer a existência de uma prévia colocação de 1.250.000 acções da SLN SGPS na esfera do RO…, quer a coincidência entre a GROUNDSEL e a pessoa do mesmo RO… como seu beneficiário;
636) De forma a ocultar a prévia colocação das referidas acções da SLN SGPS na conta do arguido RO…, ocorrida já a 31 de Outubro de 2000, os arguidos OC… e LC… resolveram forjar um contrato de venda do mesmo conjunto de acções, no qual surgisse como vendedora uma entidade terceira, propósito a que o arguido RO… aderiu.
637) Para o efeito, de acordo com tal resolução, os arguidos JO… e LC… decidiram utilizar a entidade INVESCO WORLWIDE LTD, sociedade offshore, com registo em Gibraltar, que tinha como beneficiária final a própria SLN SGPS;
638) Assim, os arguidos JO… e LC… redigiram um contrato de compra e venda de acções entre a referida INVESCO e a nova VALIDUS, com o NIF 505 147 459, no qual fizeram afirmar que a primeira vendia à segunda um total de 1.250.000 acções da SLN SGPS pelo montante de 463.614.625$00, fazendo constar no mesmo contrato a data de 29 de Dezembro de 2000;
639) Esse valor de 463.614.625$00 correspondia precisamente ao montante feito transferir da SLN INVESTIMENTOS para a nova VALIDUS;
640) Também correspondia ao valor de venda de 1.250.000 acções da SLN SGPS à cotação de 1,85€ (2.312.500,00€ = 463.614.625$00) que já estavam creditadas na conta de valores mobiliários do arguido RO…, desde 31 de Outubro de 2000, mas cuja liquidação financeira não se havia ainda operado;
641) Ainda na redacção do referido contrato, os arguidos OC… e LC…, precipitados pela urgência em que actuavam, fizeram constar que o referido conjunto de 1.250.000 acções eram “representativas da totalidade do capital social da SLN SGPS”, o que efectivamente não correspondia à verdade, uma vez que a SLN tinha então o seu capital dividido em 350 milhões de acções;
642) Mesmo com essa redacção, os arguidos OC… e LC… obtiveram no referido documento as assinaturas dos directores fiduciários da INVESCO WORLWIDE, que eram designados pela FIDUCIARY DIRECTORS LIMITED, escritório de constituição e manutenção de sociedades offshore de Gibraltar;
643) O arguido RO… assinou o referido documento, como representante da VALIDUS, embora soubesse que o mesmo não correspondia à realidade;
Ganhos imediatos do arguido RO… e prejuízos da SLN e do BPN (arts. 688º a 694º da pronúncia):
644) Como resultado final de todo esse cenário contratual forjado, os arguidos OC…, LC…, IC…, FS…, LM…, LAl… e RO… colocaram na Groundsel, sociedade da qual o arguido RO… era beneficiário efectivo, pelo preço de 738.614.615$00, suportado do modo já acima narrado, o património colocado na sociedade nova VALIDUS que, já naquela data, final de Dezembro de 2000, era composto pelas seguintes parcelas:
- 252.767.630$00, correspondente ao valor do imóvel detido pela nova sociedade VALIDUS segundo o pacto de cisão da antiga sociedade VALIDUS;
- 463.614.625$00, correspondente ao valor de 1.250.000 acções da SLN SGPS, ao preço de 1,85€;
644-A) Acrescem ainda os montantes dos financiamentos determinados pelos restantes arguidos através da KINASOL, por débito de contas junto do BPN Cayman e que nunca foram liquidados.
645) Por outro lado, a mesma encenação contratual, montada pelos arguidos OC…, LC…, IC…, FS…, LM… e LAl…, gerou um prejuízo para a SLN IMOBILIÁRIA;
646) No que se refere à SLN IMOBILIÁRIA, porque vendeu à SLN INVESTIMENTOS a antiga sociedade VALIDUS e créditos sobre a mesma pelo preço de 1.084.000.000$00, enquanto as novas sociedades, saídas da cisão, foram vendidas/transmitidas pelo valor total de 2.338.614.615$00, assim discriminado:
- a “Quinta da Torre de Santo António-Sociedade Imobiliária, SA” é vendida ao BPN Vida por PTE 1.600.000.000$00;
- a nova sociedade VALIDUS é vendida à GROUNDSEL por PTE 738.614.615$00;
647) Os arguidos OC…, LC…, IC…, FS…, LM… e LAl…, entre os dias 28 de Dezembro de 2000 e 29 de Dezembro de 2000, valorizaram o património da VALIDUS, sociedade inicialmente existente, de 1.084.000.000$00 para 2.327.382.255$00, com prejuízo para a SLN Imobiliária;
647-A) Os ganhos do arguido RO…, decorrentes da referida encenação contratual, foram ainda potenciados com a realização do valor real dos activos colocados na nova sociedade VALIDUS e com a venda das acções da SLN SGPS à SLN VALOR;
Ganhos posteriores do arguido RO… com a operação Validus (arts. 695º a 719º da pronúncia):
647-B) Ao aderir ao plano estabelecido pelos arguidos JO…, LC…, IC…, LM… e LAl…, de transmissão da sociedade nova Validus, o arguido RO… recebeu desde logo a promessa de que as 1.250.000 acções da SLN SGPS, que foram carregadas na sua conta de valores mobiliários e depois transferidas para a nova VALIDUS, seriam recompradas pela SLN VALOR, podendo guardar para si próprio a totalidade do produto da venda, que integraria assim o seu ganho pessoal, uma vez que não havia feito qualquer esforço financeiro para a aquisição dessas mesmas acções;
648) Dando execução a essa promessa, o arguido RO… subscreveu e dirigiu ao arguido JO…, em 23 de Novembro de 2001, em nome da nova VALIDUS, um pedido de venda das referidas 1.250.000 acções da SLN SGPS, sem ter necessidade de referir qual a quantidade de acções, mas reportando-se a um acordo anterior para venda à cotação de 2,30€ cada;
649) Tal pedido veio a ser deferido, conforme o previamente combinado, pelo próprio arguido OC…, com data de 30 de Novembro de 2001, que autorizou o pedido apresentado pelo arguido RO…, determinando que a aquisição fosse feita pela SLN VALOR;
650) Assim, nesse dia 30 de Novembro de 2001, foi concretizada a compra pela SLN VALOR de 1.250.000 acções da SLN SGPS detidas pela nova VALIDUS;
651) Para o seu pagamento a conta da VALIDUS no BPN com o nº …, foi creditada com o montante de 576.385.750$00;
651-A) Movimento que o arguido RO… sabia que viria a ocorrer e que conforme previamente combinado já havia mobilizado a descoberto, em seu proveito pessoal.
652) A 21 de Maio de 2001, o arguido RO… mobilizou a descoberto sobre a aludida conta nº …, o montante de 175.000.000$00, através da emissão do cheque nº 5687307, sacado por aquele montante a favor de JEl…;
653) Do mesmo modo, no dia 16 de Novembro de 2001, o arguido RO… emitiu sobre a mesma conta da VALIDUS o cheque nº …, no montante de 405.000.000$00, cujo pagamento foi também autorizado a descoberto;
654) Tal movimento por cheque, no valor de 405.000.000$00, veio a beneficiar, por crédito de igual montante, a conta particular de RO… junto do BES, conta nº …, fazendo assim, o mesmo arguido, seu tal montante;
655) Já quanto ao referido cheque no valor de 175.000.000$00, o arguido RO… procedeu à sua emissão para princípio de pagamento de um imóvel, sito Av. Torre de Belém, nº 25 e 25 A em Lisboa, o qual foi prometido adquirir pelo arguido em nome da VALIDUS e prometido vender a esta última, pela já referida JEl…;
656) O arguido RO… acordou com um seu conhecido, o Sr. VS…, a venda do mesmo imóvel, sendo então uma empresa deste último, no caso a GABIMÓVEL, a celebrar a escritura definitiva de aquisição do imóvel à JVt…, devendo depois o VS… devolver o montante adiantado para a aquisição do imóvel, mas já então para benefício da conta pessoal do arguido RO…;
657) A escritura definitiva de venda do imóvel veio a ser celebrada a 7 de Agosto de 2001, entre a referida JEl… e a sociedade GABIMÓVEL, pelo preço de 350.000.000$00;
658) Por solicitação da vendedora, foi ainda o arguido RO… quem realizou a parte restante do pagamento do preço, nova prestação de 175.000.000$00, através da emissão de um cheque sobre a sua conta pessoal junto do então BIC, naquele valor;
659) Posteriormente, em execução do combinado, veio a GABIMÓVEL a devolver ao arguido RO… o montante total correspondente ao preço do imóvel, no montante de 350.000.000$00;
660) Com efeito, a GABIMÓVEL veio a emitir ao arguido RO… um cheque preenchido com o valor de 160.000.000$00 e posteriormente veio a realizar uma transferência para a conta do mesmo junto do BES, no montante de 190.000.000$00, somando assim, a totalidade dos 350.000.000$00 – valores recebidos na conta … do RO…, nas datas de 8 e 9 de Agosto de 2001;
661) O arguido RO… conseguiu arrecadar na sua esfera pessoal o montante de 175.000.000$00, que haviam sido pagos a débito sobre a conta da nova VALIDUS, entrando a totalidade nas contas bancárias pessoais do arguido;
662) Em sede da conta da nova Validus junto do BPN, o arguido RO… gerou assim, com a autorização do arguido JO…, um descoberto total de 568.200.527$00, correspondente a valores dos quais se apropriou.
663) Tal montante foi posteriormente integralmente reposto, pelo crédito do produto da venda das referidas 1.250.000 acções da SLN SGPS à SLN VALOR, pelo preço total de 576.385.750$00 e consequente transferência a crédito da nova VALIDUS do mesmo valor;
664) Acresce ainda que o imóvel detido pela nova VALIDUS, correspondente ao prédio urbano, sito na Avenida do Brasil, Rua Particular, lote um, em Cascais, veio também a ser vendido por um preço superior ao da avaliação do mesmo imóvel em sede do projecto de cisão;
665) Com efeito, o arguido RO…, como representante da nova VALIDUS, veio a vender o referido imóvel à sociedade INICIMOB – Iniciativas Imobiliárias, Lda, pelo preço de 325.000.000$00, que para tal foi financiada pelo BPN, conforme escritura de compra e venda e hipoteca de 22 de Março de 2001;
666) Ora, esses montantes pagos pela INICIMOB começaram por ser creditados na conta da nova VALIDUS, mas de imediato o arguido RO… fez sacar sobre a conta desta última o montante de 300.000.000$00 através de cheque emitido com data de 27-3-2001 e que foi depositado na conta pessoal do arguido RO…, conta BPN nº …, pese embora estivesse em causa a venda de um activo que pertencia à sociedade nova Validus;
667) Face ao exposto, o ganho final do arguido RO…, em sede pessoal, com a aceitação da sua intervenção no negócio da VALIDUS e transferência de acções da SLN SGPS para a SLN VALOR, acabou por atingir o valor total de 868.200.527$00, correspondente à soma de:
- 568.200.527$00 – valor relativo à parte que fez sua correspondente ao preço pago pela SLN Valor pelas acções da SLN SGPS, colocadas na nova VALIDUS, incluindo mais-valias;
- 300.000.000$00 – parte do preço de venda do imóvel de Cascais, que o arguido fez transferir para a sua conta pessoal;
667-A) Nunca foram exigidos ao arguido RO… os montantes financiados à Kinasol e à Groundsel.
(…)
Imputação subjectiva:
(…)
955-A) O arguido RO… actuou com o propósito de, conjugando os seus esforços com os dos arguidos OC…, LC…, LM…, LAl… e IC…, fazer gerar cenários de negócios sem correspondência com a realidade de forma a sacar fundos de entidades terceiras, em seu próprio proveito.
955-B) O arguido RO… assinou documentação forjada, de forma a gerar falsas convicções em terceiros e criar justificações para os seus actos e actos de que foi beneficiário.
Da contestação do Arguido RO… (factos provados):
1) O arguido RO… conheceu o arguido OC… no desenvolvimento da sua actividade comercial;
3) O imóvel da Rua Dom João V, em Lisboa foi propriedade da Sociedade Altos Voos, Lda. (sociedade adquirida pelo arguido RO… e pela sua mulher, ao Sr. RGa… em 9 de Maio de 2000), que o havia adquirido por Esc. 275.000.000$00
19) Quanto à escolha de quem seria a entidade que compraria o imóvel da R. Dom João V, a mesma não dependeu de, nem sequer foi alguma vez discutida com o arguido RO…, seja pelo arguido OC…, seja por qualquer outro quadro do BPN;
20) Quem adquiriu foi quem o BPN entendeu que adquirisse;
21) O arguido RO… é alheio à escolha da Imonegócios como compradora do Palacete da Rua Dom João V em Lisboa;
22) Nesta sociedade Imonegócios, nunca teve qualquer intervenção, nunca tendo o respectivo presidente, AC…, discutido qualquer aspecto do negócio com o arguido RO…;     
36) O arguido RO… não subscreveu qualquer documento interno da Oardale.

ii. Por seu turno, no relatório da Engineering consta (no que ora nos importa):                                                    - Apenso 33: 1-Anexo A\TRAT\3\TOZE#2\DOCS\TOZE#2\Administração\SLN Sociedade Lusa Negocios - Controlo Accionista\Controlo de Transacções Acções Grupo SLN\MAPDV79-8079.zip\ZIP Volume\MAPDV79.xls- extracto do CAF relativo à Validus – (sublinhado amarelo nosso):                                                                                                                               _Pic481
Decisão Texto Integral: