Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
269/22.0YHLSB.L1-PICRS
Relator: CARLOS M. G. DE MELO MARINHO
Descritores: DIREITOS DE AUTOR
REPRODUÇÃO ILÍCITA DE FONOGRAMAS
INDEMNIZAÇÃO
CULPA DO LESADO
REFORMATIO IN PEJUS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. O art.º 570.º do Código Civil reporta-se ao concurso de um facto culposo do lesado para a produção ou agravamento de danos, podendo tal culpa reportar-se ao facto ilícito causador desses danos ou aos prejuízos provenientes desse facto;
II. Não estando uma entidade representante de autores impedida de rejeitar a concessão de licenças de exibição pública de obras dos autores por si representados, não se pode atribuir-lhe culpa por tal rejeição, para os efeitos do disposto no referido artigo;
III. A proibição da reformatio in pejus e o regime emergente do n.º 5 do art.º 635.º do Código de Processo Civil não permitem que se substitua o juízo formulado pelo Tribunal «a quo» por outro que, recorrendo à equidade, reduza o valor indemnizatório a montante inferior ao constante da condenação recorrida, em caso de recurso por quem teve vencimento parcial da acção.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção de Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I. RELATÓRIO                  
AUDIOGEST – ASSOCIAÇÃO PARA A GESTÃO E DISTRIBUIÇÃO DE DIREITOS com os sinais identificativos constantes dos autos, instaurou acção declarativa com processo comum contra a ASSOCIAÇÃO ACADÉMICA DA UNIVERSIDADE DO MINHO, neles também melhor identificada.
O Tribunal «a quo» descreveu os contornos da acção e as suas principais ocorrências processuais até à sentença nos seguintes termos:
1. A A. AUDIOGEST – ASSOCIAÇÃO PARA A GESTÃO E DISTRIBUIÇÃO DE DIREITOS intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra ASSOCIAÇÃO ACADÉMICA DA UNIVERSIDADE DO MINHO, peticionando a sua condenação nos seguintes termos:
a) deve a Ré ser condenada a reconhecer à Autora o direito exclusivo de autorizar a utilização/execução pública de fonogramas e/ou videogramas no evento denominado “Monumentais Festas do Enterro da Gata”;
b) deve a Ré ser condenada na proibição de utilizar/executar publicamente fonogramas e/ou videogramas no evento denominado “Monumentais Festas do Enterro da Gata”, enquanto não obtiver, junto da Autora, a licença PassMúsica;
c) deve a Ré ser condenada no pagamento da remuneração de acordo com as tabelas tarifárias da Autora, que vigoraram para 2018, por contrapartida do respetivo licenciamento da PassMúsica e que atualmente se cifra em €6.701,19 (€5.742,24 + €958,95) correspondente ao capital em dívida e aos juros de mora vencidos e, bem assim, os juros de mora vincendos à taxa supletiva legal sucessivamente em vigor, desde 17 de Junho de 2022 (data da distribuição da presente ação em Tribunal) até efetivo e integral pagamento;
d) deve a Ré ser condenada no pagamento da remuneração de acordo com as tabelas tarifárias da Autora, que vigoraram para 2019, por contrapartida do respetivo licenciamento da PassMúsica e que atualmente se cifra em €6.537,24 (€5.803,70 + €733,54) correspondente ao capital em dívida e aos juros de mora vencidos e, bem assim, os juros de mora vincendos à taxa supletiva legal sucessivamente em vigor, desde 17 de Junho de 2022 (data da distribuição da presente ação em Tribunal) até efetivo e integral pagamento;
e) deve a Ré ser condenada no pagamento da remuneração de acordo com as tabelas tarifárias da Autora, que vigoram para 2022, por contrapartida do respetivo licenciamento da PassMúsica e que atualmente se cifra em €5.853,52 (€5.826,87+ €26,65) correspondente ao capital em dívida e aos juros de mora vencidos e, bem assim, os juros de mora vincendos à taxa supletiva legal sucessivamente em vigor, desde 17 de Junho de 2022 (data da distribuição da presente ação em Tribunal) até efetivo e integral pagamento;
f) deve a Ré ser condenada a pagar à Autora a quantia de 1.500,00€ (mil e quinhentos euros) devida a título de indemnização arbitrada pelos danos não patrimoniais causados pela sua conduta omissiva;
g) deve ainda a Ré ser condenada a pagar à Autora a quantia de 1.500,00€ (mil e quinhentos euros), correspondente ao ressarcimento dos encargos suportados com a proteção dos direitos lesados pela Ré, bem como, com a investigação e cessação da conduta lesiva da mesma.
Alega, para tanto e em síntese, que é uma entidade de gestão colectiva que se encontra devidamente constituída, registada e mandatada para representar os produtores fonográficos/videográficos em matérias relacionadas com o licenciamento e cobrança de direitos, bem como para promover o licenciamento e cobrança das remunerações devidas aos artistas, intérpretes e executantes, o que faz em parceria com a referida Cooperativa de Gestão dos Direitos dos Artistas, Intérpretes e Executantes, C.R.L.., através da emissão de uma licença com a referência “PassMúsica”, que identifica o licenciamento conjunto de direitos conexos dos artistas, intérpretes e executantes e produtores fonográficos/videográficos, habitualmente designados por “editores discográficos”, correspondendo a cerca de 98% do repertório da música utilizada em Portugal.
Assim, a A., enquanto entidade de gestão colectiva de direitos conexos de produtores fonográficos/videográficos, tem – nas relações com terceiros, utilizadores do repertório entregue à sua gestão – legitimidade para autorizar tais utilizações (nomeadamente a comunicação/execução pública de fonogramas/videogramas musicais) e cobrar a remuneração devida, não só a produtores, como também a artistas, interpretes e executantes.
Em 2018, a R. solicitou à A. o licenciamento “PassMúsica”, declarando que no evento, em causa, seriam utilizados fonogramas cuja gestão cabe a esta (“fonogramas e/ou vídeos musicais: Música essencial”), bem como, que aquele se tratava de um “Festival de música, Dança e Multimédia, “Disco & Rave parties”, a realizar entre os dias 12 a 18 de Maio de 2018, entre as 22h e as 06h.
Nessa sequência, de acordo com as indicações da Ré e bem assim as regras e condições gerais de licenciamento PassMúsica – cfr. ponto 1.2.7 – que declarou conhecer e aceitar, foi emitido o aviso de licenciamento n.º 3964, emitido a 24.04.2018, com vencimento a 27.04.2018, cuja remuneração não foi paga.
Idêntico procedimento foi levado a cabo nos anos de 2019 e 2022, os quais não foram aceites pela A.
Assim, em 2018, 2019 e 2022, a R. não tinha o devido licenciamento e, não obstante, executou publicamente fonogramas e/ou videogramas nos eventos naquelas datas ocorridos.
Como tal, deve ser condenada das respectivas indemnizações.
Juntou documentos e arrolou testemunhas.
2. Regularmente citada para contestar, a R. deduziu contestação, onde se defendeu por excepção, arguindo a ineptidão da petição inicial e a prescrição do eventual direito pelo factos ocorridos em 2018 e 2019, e por impugnação.
Assim, alega que solicitou reiteradamente o respectivo licenciamento nos anos de 2018, 2019 e 2022, o qual não lhe foi concedido pela falta de pagamento de dívidas anteriores. Não existem, aliás, facturas ou o deferimento dos licenciamentos em causa, pelo que não se compreende que se possa estar a peticionar os correspondentes valores.
Além disso, no que respeita ao ano de 2018, foi emitido o aviso 3964, com aplicação de desconto comercial, e que a R. estava ainda em tempo de pagar, mas por circunstância a que esta é alheia, em 15 de Maio do mesmo ano, recebe uma comunicação da A., a informar que afinal, “o pedido de licenciamento será invalidado”, por valores em débito anteriores já estarem a ser peticionados judicialmente. Ora, face a tal circunstancialismo, não se pode dizer que a R. actuou com culpa, uma vez que não lhe é imputável a não concessão do licenciamento. Ao invés, é a própria A. que actua com culpa, uma vez que os licenciamentos não foram concedidos por causa que lhe é exclusivamente imputável.
Por fim, é falso que estivessem presentes 10.000 pessoas em qualquer dos dias do evento “Enterro da Gata”, sendo que não se percebe a fórmula de cálculo utilizada para alcançar as remunerações peticionadas.
Juntou documentos e arrolou testemunhas.
3. A A. respondeu à matéria de excepção.
4. Foi realizada audiência prévia, tendo sido proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento e despacho saneador, onde se julgou improcedente a arguida excepção da ineptidão da petição inicial e se fixou o objecto do litígio e os temas da prova.
5. Designada data para a realização da audiência final, a mesma realizou-se com observância dos formalismos legais.

Foram realizadas a instrução, a discussão e o julgamento da causa, tendo sido proferida sentença que decretou:
Nos termos supra expostos, julga-se a presente acção parcialmente procedente, por provada, e em consequência, decide o Tribunal:
A. Condenar a R. ASSOCIAÇÃO ACADÉMICA DA UNIVERSIDADE DO MINHO a reconhecer o direito exclusivo da A. AUDIOGEST – ASSOCIAÇÃO PARA A GESTÃO E DISTRIBUIÇÃO DE DIREITOS de autorizar a utilização/execução pública de fonogramas e/ou videogramas no evento denominado “Monumentais Festas do Enterro da Gata”;
B. Condenar a R. ASSOCIAÇÃO ACADÉMICA DA UNIVERSIDADE DO MINHO na proibição de utilizar/executar publicamente fonogramas e/ou videogramas no evento denominado “Monumentais Festas do Enterro da Gata”, sem a obtenção do devido licenciamento;
C. Condenar a R. ASSOCIAÇÃO ACADÉMICA DA UNIVERSIDADE DO MINHO a pagar à A. AUDIOGEST – ASSOCIAÇÃO PARA A GESTÃO E DISTRIBUIÇÃO DE DIREITOS as seguintes quantias:
- €3.732,456, acrescida de juros de mora à taxa de 4% calculados desde 18/05/2018 até efectivo e integral pagamento;
- €3.772,405, acrescida de juros de mora à taxa de 4% calculados desde 17/05/2019 até efectivo e integral pagamento;
- €3.787,4655, acrescida de juros de mora à taxa de 4% calculados desde 13/05/2022 até efectivo e integral pagamento;
- €600,00.
D. Absolver a R. do demais contra si peticionado; (...)

É dessa sentença que vem o presente recurso interposto por AUDIOGEST – ASSOCIAÇÃO PARA A GESTÃO E DISTRIBUIÇÃO DE DIREITOS, que alegou e apresentou as seguintes conclusões:
1. O presente recurso foi interposto pela Autora Audiogest – Associação Para a Gestão e Distribuição de Direitos, ora Apelante, da douta sentença, proferida em 23 de novembro de 2023, que julgou parcialmente procedente a ação declarativa acima identificada condenando a Ré a reconhecer à Autora o direito exclusivo, relativamente ao reportório que representa, de autorizar a utilização/execução pública de fonogramas/videogramas, no evento denominado “Monumentais festas do Enterro da Gata”, bem como, na proibição de utilizar/executar publicamente fonogramas/videogramas, no referido evento, enquanto não obtiver junto da mesma o licenciamento e ainda no pagamento à Autora das quantias de € 3.732,45, € 3.772,40, 3.787,46 acrescidos, respetivamente, de juros de mora à taxa legal supletiva em vigor desde 18.05.2018, 17.05.2019 e 13.05.2022 até integral pagamento, bem assim no montante de € 600,00, absolvendo a Ré do demais peticionado.
2. O recurso merece – com o devido respeito – inteiro provimento, pois que a decisão do Mmo. a quo, de julgar parcialmente procedente a pretensão indemnizatória da Autora, no que concerne ao pedido formulado quanto à indemnização patrimonial (remuneração devida) fixando-as nos montantes de € 3.732,45, € 3.772,40, € 3.787,46, não foi, na perspetiva da Autora, ora apelante, e com o devido respeito, a mais acertada.
3. Desde logo, a decisão do Mmo. Juiz a quo, contida na douta sentença recorrida, teve (na ótica da Apelante) por base uma, uma errada interpretação dos preceitos legais aplicáveis em face daquela.
4. Quer o direito de autor, quer os direitos conexos assumem a veste de direitos absolutos e exclusivos, pois da sua natureza resulta imediatamente a faculdade de “impedir” ou de “autorizar/proibir” uma dada utilização por terceiros.
5. São, pois, direitos dotados de eficácia erga omnes, à qual, corresponde um dever geral de abstenção (obrigação passiva universal) de quaisquer atos que ponham em causa a atribuição do “exclusivo de exploração”.
6. Sendo esta a justificação dogmática e legal da atribuição do direito de remuneração aos titulares de direito de autor e direitos conexos.
7. Atendendo à factualidade dada como provada, resultou que a Ré, ora apelada, comunicou/executou publicamente, no período em causa nos autos, fonogramas, cuja gestão pertencia à Autora, no evento denominado “Monumentais Festas do Enterro da Gata” sem autorização ou licenciamento desta para o efeito e sem lhe liquidar qualquer remuneração em virtude da mesma - sendo essa violação fonte de responsabilidade civil.
8. Estando ciente, pelo menos desde 2017, quer das condições/termos para obter o licenciamento, quer da circunstância de não se encontrar autorizada/licenciada para proceder (como procedeu) à comunicação/execução pública de fonogramas e/ou videogramas no evento em questão, determinando-se, ainda assim, a fazê-lo.
9. Pelo que, como bem sustentou o Mmo. a quo., se encontram reunidos, in casu, os pressupostos da responsabilidade civil da Ré (atuação ilícita, culposa, dolosa e que provocou danos) e verificada a sua obrigação de indemnizar a Apelante.
10. Acresce que, o valor peticionado a título de indemnização por danos patrimoniais correspondia à única contraprestação possível e o único meio idóneo de que a Ré, poderia lançar mão para evitar a produção do dano patrimonial na esfera jurídica da Apelante.
11. Assim, mostra-se forçoso concluir que o incumprimento daquela mesma obrigação terá de conduzir, necessariamente, a uma indemnização de valor superior (ou, no mínimo, equivalente) ao valor correspondente àquele que seria devido se a obrigação tivesse sido cumprida.
12. Donde decorre que o pagamento de uma indemnização (nos exatos termos em que foram peticionados) configura, pois, a única via possível de reparação dos danos patrimoniais sofridos pela Apelante.
13. Sendo tal indemnização (assim quantificada) a única que permite recolocar a Apelante na situação em que estaria se não tivesse ocorrido os danos alegados e comprovados na ação.
14. Acresce que, sem prejuízo de, in casu, se chamar à colação as regras gerais relativas aos pressupostos da responsabilidade civil e os critérios de determinação do dano como conteúdo da obrigação de indemnizar, mostra-se determinante atender aos critérios indemnizatórios fixados no artigo 211º do CDADC.
15. Este normativo legal, introduzido no CDADC em resultado da transposição para o ordenamento jurídico nacional da Diretiva Comunitária nº 2004/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril (denominada Directiva Enforcement), consagrou, de acordo com a doutrina nacional, um princípio de adequação entre o montante da indemnização e o prejuízo (o que permite uma maior flexibilidade da determinação do montante da obrigação de indemnização).
16. Deste modo, admitindo-se um recurso mais amplo à responsabilidade civil, aquele consubstanciou-se num «alargamento conceptual do dano, parecendo “promover um afastamento da teoria da diferença no cômputo do dano e dar relevância a outros critérios no cálculo indemnizatório”, com “a presença de uma forte dimensão sancionatória».
17. Acrescendo que, o carácter absoluto e exclusivo do direito da Apelante, bem como, a sua eficácia erga omnes, faz impender junto dos utilizadores, in casu, a Ré, uma acrescida exigência quanto a um elevado grau de averiguação das circunstâncias que inibem ou limitam o uso de tais obras/prestações intelectuais.
18. Por outro lado, com o devido respeito, a Ré, ao contrário do sustentado pela Mmo. a quo., voluntária e conscientemente, tendo todos os elementos e dados para efetuar o pagamento dos licenciamentos em questão optou, voluntaria e conscientemente, por não o fazer, em momento algum.
19. Sendo que, em face da recusa de licenciamento por parte da Apelante perante o não pagamento da remuneração devida, também não logrou alegar ou demonstrar que tivesse encetado quaisquer outras diligências que não a execução pública não autorizada de fonogramas, persistindo na sua conduta delituosa “cuja intensidade dolosa tem que se reputar como crescente em relação a cada ano que sucede”.
20. Tendo a Apelante base e fundamentos jurídicos para recusar as (vãs e vazias) solicitações de licenciamento da Ré, consubstanciando a suas sucessivas recusas o exercício de um legítimo direito por parte daquela (como aliás, nesse sentido, já se pronunciou a jurisprudência nacional) - quer ao abrigo do disposto no artigo 6º do Decreto-Lei nº 166/2013, de 27 de Dezembro , quanto aos licenciamentos de 2018 e 2019, quer ao abrigo do disposto no artigo 428º CC , quanto ao licenciamento de 2022 -, inexiste também qualquer abuso da sua parte como demonstrado e provado nos autos.
21. Sem que nunca a Apelante tivesse recusado qualquer pagamento que a Ré eventual e efetivamente pretendesse concretizar, a verdade é que a mesma nunca teve intenção de o fazer (não obstante ter todas as condições e conhecimento para o efeito) sempre optando, pelo contrário e conscientemente, por utilizar, como se fosse seu, os direitos de terceiros - perpetuando assim a violação dos direitos da Apelante.
22. Pelo que, atento todo o histórico e as disposições legais aplicáveis, com o devido respeito, mostra-se incompreensível como se poderá entender, como sustenta a Mmo. a quo. que, ao não emitir para os anos de 2019 e 2022 os respetivos avisos de licenciamento (ao contrário do ocorrido em 2018, vencido e não pago pela Ré) e ao recusar as solicitações da Ré quanto ao licenciamento anual, a Apelante “contribuiu de forma juridicamente relevante para a verificação dos danos, havendo, pois, concorrência entre a culpa do lesante e a culpa do lesado” e bem assim que a sua “culpa” seja correspondente a 35%.
23. Pois, impor uma obrigação à Apelante, como sugere a Mmo. a quo. de emitir licenciamentos para períodos determinados sem pagamento de períodos anteriores, seria, com o devido respeito, quase um incentivo à continuação do comportamento da Ré de violação dos direitos dos representados da Apelante em períodos alternados e assim ir conseguindo funcionar com pagamentos muito parcelares e, igualmente, alternados.
24. Criando-se, deste modo, por via judicial, uma licença compulsiva o que não se mostra admissível.
25. Conduzindo, inevitavelmente, também, a que a Apelante fosse obrigada não só a violar as suas regras e condições gerais de licenciamento que aplica, de forma generalizada e indiferenciada, a todos os utilizadores da música cuja gestão lhe cabe, como também, em consequência do mesmo, a violar normas concorrenciais a que se encontra sujeita.
26. Colocando-se, inclusive a Ré numa circunstância em que teria de liquidar um valor de remuneração inferior àquela que os utilizadores que diligente e em estrito cumprimento da lei, ao terem, previamente à utilização, obtido a respetiva autorização para a comunicação/execução pública de fonogramas, tiveram de liquidar.
27. Deste modo, admitir-se que a Ré indemnizasse a Autora apenas pelo valor a que foi condenada na douta sentença, seria iníquo, na medida em que a colocaria em melhor posição que os seus concorrentes cumpridores, premiando-se as entidades prevaricadoras, beneficiando-as, sem qualquer causa que o justifique, face às concorrentes cumpridoras (bem como se sustenta na jurisprudência nacional, estar-se-ia a promover o incumprimento generalizado das obrigações por parte de todas as entidades obrigadas a obter o licenciamento em questão), mas também, assim desconsiderando e desvirtuando, de igual modo e de forma total, a natureza de tais direitos intelectuais consubstanciada no “exclusivo de exploração”.
28. Posição esta que, com o devido respeito e s.m.o., contraria todos os princípios éticos subjacentes à obrigação de indemnizar, bem como as regras (específicas) fixadoras da indemnização in casu, bem como, a sua tríplice vertente ou natureza, como é defendido de forma unânime, entre nós, pela jurisprudência e doutrina.
29. Efetivamente, ao fixar-se o montante indemnizatório no valor determinado pelo Mmo. a quo., o mesmo não se mostrará por um lado, minimamente reintegrador dos prejuízos sofridos pela Autora, bem como pelo contrário, se revelará compensatório face à postura ilícita da Ré.
30. Na realidade, com o devido respeito, ao assim decidir não se cumpre sequer a ratio do artigo 483º do CC, pois a indemnização fixada na douta sentença não se mostra minimamente equitativa, acabando por desconsiderar, de todo, a existência dos “danos causados”.
31. Ficcionando-se que, não obstante a violação comprovada, reiterada e dolosa de direitos, esta não tinha ocorrido, tudo se passando, como se não houvesse qualquer espécie de censura, ou de ilicitude.
32. Consubstanciando-se num verdadeiro convite à violação dos direitos de autor e dos direitos conexos.
33. Circunstância tanto mais gravosa atendendo ao facto de tal actuação – comunicação/execução pública de fonogramas de forma não autorizada nem licenciada – ter constituido em parte dos anos em causa nos presentes autos crime (público) de usurpação – cfr. os artigo 195º e punido no artigo 197º, ambos do CDADC na redação anterior à Lei n.º 92/2019, de 04 de Setembro -, e ainda constituir, atualmente, uma contraordenação (nos termos do disposto no atual artigo 205º do CDADC).
34. Sendo que, em face da redação do artigo 211º do CDADC, aplicável in casu, os novos critérios especiais de fixação da indemnização aí estabelecidos incluem um vector típico do enriquecimento sem causa, assim, nos casos de violação de direitos inteletuais não estamos já perante o figurino clássico da responsabilidade civil, mas antes do instituto do enriquecimento sem causa (art.º 473º CC).
35. Sendo que o «julgador […] apenas está limitado pelo mínimo da indemnização, podendo fixá-la acima desse mínimo tomando em consideração eventuais outros valores que considere relevantes. Entre estes vectores poderá estar designadamente a gravidade da infracção e o grau de culpabilidade do agente, numa lógica de “punitive damages”», como aliás já se pronunciou, a este propósito, quer a doutrina, quer a jurisprudência nacional.
36. Deste modo, podendo o montante indemnizatório ser fixado, como mínimo, numa quantia fixa, correspondente valor da remuneração devida por contrapartida do licenciamento, como prescreve a doutrina, sublinhe-se aqui a expressão «no mínimo», pois, por certo, não se quererá que o infrator pague a mesma quantia (ou inferior!) que um utilizador tem de pagar quando obtém a autorização devida. Ou seja, o objetivo dissuasor deverá ser ponderado.
37. Impondo-se, por isso, que a Ré fosse e seja condenada no pagamento de uma indemnização, a qual deverá corresponder, no mínimo, para cada ano de licenciamento in casu, ao valor total peticionado a título de danos patrimoniais.
38. Considerando tudo o exposto, e o mais que, doutamente, será suprido, a decisão recorrida violou, por erro de interpretação e de aplicação, nomeadamente, o disposto nos artigos 6º, 428º, 473º, 483º, 562º, 563º, 564º e 566º do Código Civil, bem como, os artigos 184º, 203º e 211º, todos do Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos e os artigos 13º da Diretiva 2004/48/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004.
Nestes termos, e com o mui douto suprimento de vossas excelências, deverá ser dado inteiro provimento ao presente recurso, revogando-se, em consequência, a decisão recorrida quanto à determinação do montante indemnizatório a título patrimonial, a qual deverá ser substituída por douto acórdão, em que, acolhendo-se as razões supra invocadas pela apelante, condene a ré nos valores peticionados a tal título, com todas as demais consequências legais.

Cumprido o disposto na 2.ª parte do n.º 2 do art.º 657.º do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir.
Dado que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil) – sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art.º 608.º, n.º 2, por remissão do art.º 663.º, n.º 2, do mesmo Código) – é a seguinte a questão a avaliar:
A decisão recorrida violou, por erro de interpretação e de aplicação, o disposto nos artigos 6.º, 428.º, 473.º, 483.º, 562.º, 563.º, 564.º e 566.º do Código Civil, bem como, os artigos 184.º, 203.º e 211.º, todos do Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos e os artigos 13.º da Diretiva 2004/48/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004?

II. FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto
Vem provado que:
A. A Autora foi constituída por escritura pública lavrada no 12.º Cartório Notarial de Lisboa, em 26 de Novembro de 2002, e é uma pessoa colectiva privada, associação de utilidade pública, sem fins lucrativos, que actua exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições, na defesa dos interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto, como seja representar os produtores fonográficos/videográficos em matérias relacionadas com o licenciamento e cobrança de direitos (cfr. documento 1 junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
B. A Autora e GDA - Cooperativa de Gestão dos Direitos dos Artistas, Intérpretes e Executantes, C.R.L., encontram-se registada na IGAC (Inspeção Geral das Atividades Culturais) – cfr. documentos 2 e 3 juntos com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por reproduzidos para todos os efeitos legais.
C. A A. está também mandatada para promover o licenciamento e cobrança das remunerações devidas aos artistas, intérpretes e executantes (cfr. documento 4 junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
D. Em parceria com a GDA, a A. emite uma licença com a referência “PassMúsica”, que identifica o licenciamento conjunto de direitos conexos dos artistas, intérpretes e executantes e produtores fonográficos/videográficos, habitualmente designados por “editores discográficos” (cfr. documento 5 junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
E. Na sua actividade de licenciamento e cobrança de direitos conexos de produtores e artistas, a Autora representa o repertório nacional e estrangeiro, cfr. documento número 6 junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
F. Para além da cobrança, gestão e distribuição de direitos autorais (no caso dos vídeos musicais) e conexos pelas várias formas de utilização de vídeos musicais e fonogramas editados comercialmente, são atribuições da associação ora Autora, promover e apoiar o combate à contrafacção e usurpação de fonogramas/videogramas.
G. Para poder proceder, em 2018, à comunicação/execução pública, no evento “Enterro da Gata”, a realizar na Alameda do Estádio Municipal de Braga, de fonogramas do repertório entregue à gestão da Autora, a Ré, em 23 de Abril de 2018, solicitou, junto daquela o licenciamento “PassMúsica”, declarando que, no evento em causa, seriam utilizados fonogramas cuja gestão cabe à Autora (“fonogramas e/ou vídeos musicais: Música essencial”), bem como que aquele se tratava de um “Festival de música, Dança e Multimédia, “Disco & Rave parties”, a realizar entre os dias 12 a 18 de Maio de 2018, entre as 22h e as 06h – conforme documento 7 junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
H. Nessa sequência, após a R. ter declarado conhecer e aceitar as regras e condições gerais de licenciamento PassMúsica (juntas como doc. 8 junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais), foi emitido em 24.04.2018 o aviso de licenciamento n.º 3964, com vencimento a 27.04.2018 - cfr. documento 9 junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
I. Em face da existência de demais valores anteriores em débito (e nesse momento já a serem peticionados judicialmente) a Autora, por carta datada de 15 de Maio de 2018 e em correspondência com o estabelecido nas regras e condições gerais de licenciamento PassMúsica – cfr. ponto 2.4 –, recusou o pedido de licenciamento remetido, devolvendo-o à Ré com a expressa menção de que “o pedido de licenciamento, até à data, na posse da PassMúsica, será invalidado”, bem como que “não se encontra autorizado a utilizar fonogramas e prestações artísticas cujos direitos conexos são da titularidade dos produtores e artistas por nós representados” - cfr. Documento 10 junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
J. Correu termos no Juiz 3 deste Juízo o processo n.º 402/17.3YHLSB por factos ocorridos a 12 de Outubro de 2017, em que na realização do evento (Enterro da Gata), foi utilizada pela R. música gravada (fonogramas musicais) sem que a mesma obtivesse a respectiva licença, tendo sido celebrada uma transacção judicial (cfr. documentos n.º 11 e 12 juntos com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
K. Durante uma acção de verificação, levada a cabo por colaboradores da Autora, que teve lugar no dia 16 de Maio de 2018, durante o evento “Enterro da Gata”, que se encontrava aberto ao público, foram executados publicamente os seguintes fonogramas (cfr. documento 12-A, junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais):


L. Os mencionados produtores fonográficos são associados e/ou representados da Autora.

M. Em 2019, para, novamente, proceder à comunicação/execução pública, no referido evento “Enterro da Gata” a realizar no Altice Fórum Braga, sito na Avenida Dr. Francisco Pires Gonçalves, em Braga, de fonogramas do repertório entregue à gestão da Autora, a Ré, em 27 de Abril de 2019, solicitou, junto daquela o licenciamento “PassMúsica”, declarando que, no evento em causa, seriam utilizados fonogramas cuja gestão cabe à Autora (“fonogramas e/ou vídeos musicais: música essencial”), bem como que aquele se tratava de um “Festival de música, Dança e Multimédia, “Disco & Rave parties”, a realizar entre os dias 11 a 17 de Maio de 2019, entre as 22h e as 06h, cfr. documento 13 junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
N. A Autora, por carta datada de 10 de Maio de 2019, remetida à Ré, comunicou-lhe a devolução do Pedido de Licenciamento PassMúsica, por não aceite, referente ao evento por si organizado/promovido em 2019, reiterando o alerta, à mesma, para o facto de não se encontrar autorizada para a execução pública de fonogramas cuja gestão cabe à Autora – cfr. Documento número 14 junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
O. Durante uma acção de verificação, levada a cabo por colaboradores da Autora, que teve lugar no dia 17 de Maio de 2019, durante o evento “Enterro da Gata” que se encontrava aberto ao público, foram publicamente executados os seguintes fonogramas (cfr. documento 14-A junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais):


P. Os mencionados produtores fonográficos são associados e/ou representados da Autora.

Q. A Ré, em 28 de Abril de 2022, remeteu à Autora o pedido de licenciamento “PassMúsica”, referindo que no evento denominado “Monumentais Festas do Enterro da Gata 2022” seriam utilizados fonogramas cuja gestão cabe à Autora (“fonogramas e/ou vídeos musicais: Música essencial”), bem como que um “Festival de música, Dança e Multimédia, “Disco & Rave parties”, iria realizar-se no Altice Fórum Braga, sito na Avenida Dr. Francisco Pires Gonçalves, em Braga, entre os dias 07 a 13 de Maio de 2022, entre as 22h e as 06h, cfr. documento 16 junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
R. Tendo, na sequência do mesmo, a Autora devolvido o referido pedido por não aceite, e lhe ter comunicado os termos e condições para a obtenção do licenciamento em questão, cfr. documento 17 junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
S. Durante uma acção de verificação, levada a cabo por colaboradores da Autora, que teve lugar no dia 12 de Maio de 2022, durante o referido evento que se encontrava aberto ao público, foram executados publicamente os seguintes fonogramas (cfr. documentos 18 e 19 juntos com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais):



T. Os mencionados produtores fonográficos são associados da Autora.

U. Até hoje, a Ré nunca obteve o respectivo licenciamento, para os anos de 2018, 2019 e 2022 relativamente ao evento por si organizado/promovido, denominado “Monumentais Festas do Enterro da Gata”.
V. Encontrando-se a mesma, pelo menos desde 2017, ciente quer das condições/termos para o efeito, quer da circunstância de não se encontrar autorizada/licenciada para proceder à comunicação/execução pública de fonogramas e/ou videogramas no evento em questão.
W. A Autora fixa e publica os tarifários aplicáveis às várias categorias de direitos conexos e às suas diferentes formas de exploração, cobrados pela mesma, através do licenciamento conjunto com a GDA, identificado com a referência PassMúsica, encontrando-se todos os tarifários disponíveis no site https://www.passmusica.pt/.
X. Na área da comunicação/execução pública (utilização de música gravada em espaços abertos ao público) é fixado um tarifário, tendo em atenção a importância da música para a respectiva actividade, a área ou lotação do respectivo espaço, entre outros critérios, mediante acordos celebrados que foram depositados (a 13.07.2015) pela Autora junto do IGAC – cfr. documentos 20 a 23 juntos com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
Y. A fim de exercer os direitos cuja gestão lhe incumbe assegurar, a Autora teve de suportar encargos, não apenas com o recrutamento, selecção e formação de  colaboradores, como com as despesas inerentes ao desenvolvimento da actividade de verificação que desenvolve, com o tratamento da informação recolhida e ainda, com as tentativas goradas de obter o cumprimento voluntário das obrigações da agora Ré.
Z. A acção entrou em juízo no dia 20/06/2022.

Fundamentação de Direito
A decisão recorrida violou, por erro de interpretação e de aplicação, o disposto nos artigos 6.º, 428.º, 473.º, 483.º, 562.º, 563.º, 564.º e 566.º do Código Civil, bem como, os artigos 184.º, 203.º e 211.º, todos do Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos e os artigos 13.º da Diretiva 2004/48/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004?
A Recorrente, ao alegar nos termos que geraram a pergunta a que agora se responde, olvidou-se, claramente, da primeira e central norma violada na decisão posta em crise: o art.º 570.º do Código Civil.
A aplicação feita desta norma e a própria factualidade a ela subsumida revelam as fragilidades que se passa a enunciar.
Em primeiro lugar, temos que o art.º 570.º se reporta a um facto culposo do lesado. É a materialização de um facto dessa natureza que autoriza, em certas circunstâncias, a redução ou exclusão da indemnização.
Quanto à caracterização do facto culposo do lesado, esclareceram com muito acerto e adequação PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, no seu Código Civil Anotado, Coimbra Editora, Coimbra, 1982, vol. I, pág. 556 que «A culpa do Lesado tanto pode reportar-se ao facto ilícito causador dos danos, como diretamente aos danos provenientes desse facto. Falando no concurso do facto culposo para a produção dos danos ou para o agravamento deles, a lei pretende sem dúvida abranger os dois tipos de situações».
Neste quadro de dupla polaridade técnica, começa-se por não se divisar como, caminhando por qualquer das linhas analíticas, poderia teria contribuído a Recorrente para o facto ilícito.
O que se provou foi que, não tendo licença para o efeito, a Recorrida executou publicamente fonogramas sustentados em direitos representados pela Recorrente e que tal ocorreu em 2018, 2019 e 2022.
Quanto à razão de denegação de licenciamento, apenas se cristalizou facto que justificou a recusa do ano de 2018, nada se tendo apurado quanto aos demais (não relevando, para o efeito, a mera remissão para conteúdo de documentos em sede de tratamento de outros factos).
Relativamente à não concessão de licença nesse período temporal, ficou-se a saber, mediante instrução, que a mesma foi motivada pela existência de anteriores valores em débito.
No que tange à reprodução ilícita de 2018, para se concluir pela aplicação do  art.º 570.º, teria que se poder assumir que a Recorrente teria violado, com dolo ou negligência, algum dever que lhe impusesse o licenciamento em quaisquer circunstâncias, que a existência de dívidas anteriores era irrelevante para efeitos de concessão de licenciamento ou que a mesma praticou acto ilícito ao denegar a concessão de permissão de exibição pública.
Porém, nada nesse sentido se patenteou pelo que não se pode, a nenhum título, equiparar a acto culposo a denegação concretizada no seguinte âmbito demonstrado:
(…)
B. A Autora e GDA - Cooperativa de Gestão dos Direitos dos Artistas, Intérpretes e Executantes, C.R.L., encontram-se registada na IGAC (Inspeção Geral das Atividades Culturais) – cfr. documentos 2 e 3 juntos com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por reproduzidos para todos os efeitos legais.
C. A A. está também mandatada para promover o licenciamento e cobrança das remunerações devidas aos artistas, intérpretes e executantes (cfr. documento 4 junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
D. Em parceria com a GDA, a A. emite uma licença com a referência “PassMúsica”, que identifica o licenciamento conjunto de direitos conexos dos artistas, intérpretes e executantes e produtores fonográficos/videográficos, habitualmente designados por “editores discográficos” (cfr. documento 5 junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
E. Na sua actividade de licenciamento e cobrança de direitos conexos de produtores e artistas, a Autora representa o repertório nacional e estrangeiro, cfr. documento número 6 junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.  
(...)

Não atrai ilicitude e culpa a referência hipotética e opinativa lançada pelo Tribunal «a quo» nos termos que ora se enunciam:
 A A. podia ter optado por conceder a licença respeitante a cada evento (de cada ano) contra o respectivo pagamento, cobrando de outra forma e por outro meio os valores que entendia serem devidos e a R. podia ter optado por realizar o seu evento recorrendo a outros meios (quer judiciais quer artísticos).

Podia, efectivamente.
Bastava-lhe conceder todas as licenças de forma automática se não lhe fosse nunca permitida, por razões legais ou contratuais, a rejeição de qualquer pedido. Mas não foram demonstrados factos nem invocadas normas que apontassem nesse sentido.
Se tal demonstração tivesse sido feita, então poderíamos estear numa cláusula contratual ou num preceito do sistema legal a conclusão pela prática de um acto culposo pela Recorrente.
Não se patenteando dolo ou mera culpa na rejeição da licença, a hipótese avançada pelo Tribunal depois transformada em razão para a repartição de culpas perde todo o sentido e adequação e mostra-se ferida pela falta do esteio fáctico que deve suportar todas as decisões judiciais.
Tudo se agrava se avançarmos para a análise dos factos relativos a 2019 e 2002 porquanto, quanto a eles, não se apuraram as causas de recusa de licenciamento, o que mais afastados nos deixa da possibilidade de concluir pela existência de factos culposo. Pura e simplesmente, desconhece-se por que razão não foi concedida a licença.
Onde está a culpa do lesado?
Como pode aquela expressão do Tribunal, já desajustada quanto a 2018, ganhar algum sentido quanto a esses anos, em relação aos quais nenhuma distinção fez não afastando, no que a eles tange, a incidência da questão das dívidas?
Não há culpa nem há sentido.
No que se reporta à segunda vertente da distinção feita por aqueles autores, mais nos afastamos da construção do Tribunal.
Nada se provou que aponte para ter a Recorrente praticado acto culposo que tenha contribuído para a produção dos danos e menos para o seu agravamento. Não há acto culposo. Os danos, se demonstrados, terão sido produzidos pela reprodução ilícita sem permissão e a sua dimensão é a que resulta da violação da conduta exigida a quem não era possuidora de licença.
Aliás, tudo fica ainda mais claro se imaginarmos a hipótese de a Recorrida ter negociado a reprodução, perante um público, de apenas um fonograma (o fonograma F) com o seu produtor (P). Nesta situação, sendo claro não ser o dito produtor obrigado por lei a autorizar a comunicação ao público (cf. a al. e) do n.º 1 do  art.º 184.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos), que sentido teria reduzir a sua indemnização por violação do seu direito por não ter concedido a autorização que para si não era vinculativa? Como convocar o art.º 570.º do Código Civil num tal contexto?
A resposta é: não teria qualquer sentido e a dita convocação seria injustificada.
Assim sendo, torna-se manifesto que não havia lugar a qualquer divisão de culpas. A responsabilidade por não ter respeitado a interdição de agressão de direitos alheios é da agressora e não da representante dos autores titulares dos direitos que não autorizou a exibição pública.
Não há culpa pela prática de actos lícitos e legítimos.
 No que se reporta à definição dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual e regime específico relativo aos direitos de autor em situações do jaez da apreciada, mostram-se adequadas as considerações tecidas na sentença impugnada, não se justificando, pois, correcção e reconstrução do invocado.
Sobretudo, revelam inegável acerto o recurso aos art.ºs 483.º do Código Civil e ao n.º 1 do art.º 211.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos para concluir pela exigência da materialização dos pressupostos facto voluntário, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Estes pressupostos preenchem-se, efectivamente, no caso apreciado, nos termos definidos na sentença impugnada, sendo, porém, a caracterização dos danos a operação problemática que justifica considerações específicas, atenta a prova produzida.
O que se provou foi que se verificaram exibições públicas não autorizadas de fonogramas em três dias (16.05.2018, 17.05.2019 e 12.05.2022) nos eventos «Enterro da Gata» e que a Recorrente deixou de receber as quantias relativas a tais exibições.
Não se fez cristalização específica dos valores dos tarifários da Recorrente relativos a tais anos e não há forma de garantir que as exibições públicas tenham também lugar em dias diversos dos das fiscalizações.
Não é tecnicamente correcto atender a factos não fixados no que tange quer ao tempo das violações quer às tarifas.
O ponto X, invocado pelo Tribunal, diz-nos que «Na área da comunicação/execução pública (utilização de música gravada em espaços abertos ao público) é fixado um tarifário, tendo em atenção a importância da música para a respectiva actividade, a área ou lotação do respectivo espaço, entre outros critérios, mediante acordos celebrados que foram depositados (a 13.07.2015) pela Autora junto do IGAC» mas nada mais do que isto.
Neste âmbito, usou-se a duvidosa técnica de dar genericamente como reproduzido o conteúdo de documentos, não se extraindo deles, expressamente, os factos a ser objecto de subsunção, conforme imposto, designadamente, pelo n.º 4 do  art.º 607.º do Código de Processo Civil, tendo-se lançado referência indistinta e globalizante aos documentos 20 a 23 sem cristalizar os conteúdos concretos e específicos relevantes para a decisão.
Ainda que se abstraísse desta limitação técnica e tentasse extrair conteúdo saliente dos referidos documentos, sempre se enfrentaria um obstáculo inultrapassável já que não vêm demonstrados nem o «espaço em metros quadrados» nem a «lotação» referidos nesses textos como elementos determinantes para a fixação do concreto tarifário, nem a Autora invocou, em sede de recurso, a omissão de fixação de factos como provados, como seria seu ónus fazer face a qualquer rarefação demonstrativa.
Acresce que o endereço de Internet constante do ponto W da factualidade considerada demonstrada também não releva para efeitos de permitir concluir pelo concreto tarifário aplicável, uma vez que essa referência ocorre apenas para patentear estarem disponíveis os tarifários «online» à data da fixação fáctica. Não se diz, sequer, que, na data «D», constava da página de Internet «P» tarifário que definia o valor da exibição pública referenciada nos autos na quantia «Q».
Não tem, da mesma forma, qualquer sentido, considerar que desse ponto  conste, através da indicação de uma ligação de Internet, um vero facto relevante para o efeito em apreço, já que aí apenas se contém a encoberta indicação de um meio probatório a usar por algum Tribunal de recurso que pudesse vir a ter interesse em conhecer um facto que antes devia vir já provado (uma vez que, no que respeita aos tarifários, a Primeira Instância nada cristalizou como se esperaria que fizesse com vista à ulterior subsunção dos factos ao Direito).
Aliás, a complexidade da construção da página de mera remissão (conforme se apura em consulta coeva à presente decisão e não, como deveria ocorrer, à da prolação da decisão impugnada) e o descolamento temporal dos factos a provar atento o momento da prolação desta decisão, sempre apontariam para a inadequação da solução assumida.
O Tribunal antes tinha a obrigação de indicar, de forma clara, insofismável e patente, todos os elementos que considerou factos na fase de subsunção e fundamentação de Direito.
Perante isto, a Recorrente não pareceu nada preocupada com a factualidade cristalizada, não divisou fragilidades fácticas na sentença e, consequentemente, não deu cumprimento ao disposto no art.º 640.º do Código de Processo Civil não podendo, pois, este Tribunal realizar reapreciação dos meios instrutórios em tal âmbito.
Tudo foi construído, neste âmbito, por apelo a imagens mentais e construções individuais do que terá ocorrido e não com assento nos factos efectivamente demonstrados.
Só que os factos ilícitos, porque reportados a desvalores atribuíveis à culpa dos agentes e para eles geradores de consequências negativas, não se presumem.
Não é possível presumir que a violação dos direitos dos representados da Recorrente ocorreu em datas diversas das patenteadas nos factos K, O e S.
Não é possível associar os conteúdos dos pedidos de licenciamento a qualquer efectiva violação alargada, não especificamente provada (não sendo possível colher esse elemento de qualquer visita num fixo e único momento temporal, à míngua de confissão de parte ou colheita de prova documental, não sendo, seguramente, suficiente para tal efeito eventual extrapolação feito por um elemento ou equipa de fiscalização).
O que ficámos a saber, mediante instrução é, apenas, que, nos dias das fiscalizações, ocorreu reprodução pública ilícita. Nada mais do que isso.
E quanto às tarifas, nada vem legal e devidamente provado.
Resta, pois, num tal contexto, recorrer à equidade nos termos do disposto no n.º 5 do  art.º 211.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, também com vista à fixação «das remunerações que teriam sido auferidas caso o infractor tivesse solicitado autorização para utilizar os direitos em questão», não se tendo a Recorrente oposto a tal operação.
Trata-se de uma operação complexa por não figurar entre os factos fixados sequer um qualquer dos elementos de aferição dos custos diários.
Uma coisa é certa, porém: tendo-se apurado uma prática ilícita circunscrita a três dias, nunca o valor da indemnização a fixar por recurso à equidade poderia sequer aproximar-se dos valores fixados pelo Tribunal «a quo» em sede de responsabilidade civil extracontratual já que este, por razões desconhecidas, considerou que a violação de direitos representados pela Demandante se prolongou por 21 dias.
E é assim, mesmo atendendo à rejeição de repartição de culpas ao abrigo do disposto no art.º 570.º do Código Civil, que se fez supra.
O carácter substancialmente inferior da indemnização, que resulta dos factos efectivamente fixados, não se dilataria, também, nunca, aos valores pretendidos no recurso se se atendesse à proposta de fixação de «danos punitivos» ou, melhor dizendo, «indemnização punitiva» (apesar de o Direito de «common law» que os concebeu lhes ter cunhado a denominação de «punitive damages» que vem forçando o uso da expressão menos feliz) agora surgida no recurso.
Esta proposta, sustentada no art.º 13.º da DIRECTIVA 2004/48/CE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 29.4.2004 relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual (conhecida no jargão da União Europeia como «Enforcement directive»), serôdia e algo contraditória, in casu, com a reclamação de indemnização por danos morais (essa sim inicialmente formulada), substancialmente situada em contra-ciclo com arquitectura do Direito nacional assente, em matéria da responsabilidade civil, num cariz centralmente reparador apontado para o apagamento dos danos e moldado à dimensão destes (embora admitida nalguns nichos e espaços indemnizatórios específicos e bem mais útil e justificável nos países em que a figura dos danos não patrimoniais surge objecto de restrições e desprovida da dimensão que assume no Direito nacional – v.d. o art.º 2059 do Código Civil italiano aprovado pelo «Regio Decreto» de 16 de Março de 1942) não tem, também ela, a virtualidade de conduzir à possibilidade de fixação de valores ressarcitivos que confiram razão à Recorrente e ao seu recurso.
Tal ocorre face à limitação aos ditos três dias e à inexistência, entre os factos provados, de elementos que permitam definir um tarifário de relevo compatível com o pretendido (veja-se, por exemplo, no documento de remissão com o n.º 21, que o valor diário começava, em 2018, em 105,33 EUR e não ultrapassava os 859,54 EUR no seu limite máximo, caso se atendesse à lotação, e situava-se entre os 39,32 e os 105,33 EUR se se atendesse à área ocupada pelo evento).

Quanto aos encargos, revelam-se adequadas as considerações lançadas pelo Tribunal «a quo» relativamente à admissibilidade da atribuição de indemnização a eles atinente e necessidade de recurso à equidade. Neste âmbito, e à míngua de elementos complementares, julga-se adequada aos factos colhidos a fixação da indemnização em 600,00 EUR.

Para além do que foi indicado na presente fundamentação, não se vislumbra nos autos qualquer outra violação de normas jurídicas, designadamente das mencionadas na questão a que se responde, nos termos que se vêm inscrevendo nesta resposta.
A proibição da reformatio in pejus e o regime emergente do n.º 5 do art.º 635.º do Código de Processo Civil não permitem que se substitua o juízo formulado pelo Tribunal «a quo» por outro que, recorrendo à equidade, reduza substancialmente o valor indemnizatório em atenção ao acima patenteado.
Brota do afirmado não serem justificáveis a pretendida revogação da sentença e a condenação da Ré nos termos peticionados nos autos.

III. DECISÃO
Pelo exposto, julgamos a apelação improcedente e, em consequência, negamos provimento ao recurso deixando, consequentemente, intangível a sentença nele posta em crise.
A responsabilidade da Apelante pelo pagamento das custas, que resulta do seu decaimento, é afastada pelo regime emergente da al. g) do n.º 1 do art. 4.º do Regulamento das Custas Processuais, sem prejuízo do funcionamento do estabelecido no n.º 6 do mesmo artigo e encadeado normativo.
*
Lisboa, 08.05.2024

Carlos M. G. de Melo Marinho
Eleonora M. P. de Almeida Viegas
José Paulo Abrantes Registo