Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA DE DEUS CORREIA | ||
Descritores: | PROVA TESTEMUNHAL PARECER TÉCNICO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/06/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | - Nada na lei impede que a mesma pessoa possa depor na qualidade de testemunha e, posteriormente a ter sido ouvida nessa qualidade, possa subscrever um parecer técnico, a ser junto aos autos, nos termos do art.º 426.º do CPC. - O âmbito, natureza e regime jurídico da prova testemunhal e da prova por documentos, na qual se insere a junção de pareceres, prevista no art.º 426.º, são diferentes e, por isso, é à luz desse diferente regime que há-se ser apreciado o valor probatório do depoimento testemunhal e o conteúdo do parecer. (sumário elaborado pela relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
I-RELATÓRIO
O presente recurso vem interposto do despacho proferido nos autos em 14/02/2014, nos termos do qual, relativamente à requerida junção aos autos de dois pareceres técnicos decidiu o Tribunal a quo indeferir essa junção É o seguinte o teor do despacho impugnado: “(…) Os Autores ofereceram para junção aos autos, dois documentos que designam como pareceres técnicos, subscritos por A. e D., acompanhados das respectivas traduções para a língua portuguesa. No art.º 426.º do Código de Processo Civil a lei adjectiva admite a junção, em qualquer estado do processo, de pareceres de advogados, professores ou técnicos. No art.º 518.º do mesmo código, disciplina-se o depoimento escrito, subordinando a sua produção a uma premissa essencial – o acordo das partes. A. e D. – os subscritores dos referidos pareceres – foram arrolados pelos autores como testemunhas e nessa qualidade ouvidos, respectivamente, nas sessões de 13 e 19 de Setembro de 2013. Depuseram sobre os contactos que tiveram com os Autores e a assistência que lhes prestaram no exercício das respectivas qualidades profissionais, tendo sido, não raro, chamados a dar as suas opiniões de especialistas sobre os efeitos da publicação do livro na integridade psicológica dos demandantes. No parecer exige-se que o autor se limite a exprimir a sua opinião de técnico ou a formular um juízo especializado sobre a questão que lhe é colocada. No depoimento testemunhal pede-se ao depoente que relate factos da vida real que ele próprio percepcionou ou aos quais, de outro modo, teve acesso. Da leitura dos documentos juntos, verifica-se que aquele que é subscrito por A. é quase totalmente composto por factos relativos aos contactos do respectivo autor com os demandantes e que ele relatou, como testemunha, em audiência final. Apenas no trecho final do documento o depoente emite um juízo técnico, de prognose sobre os efeitos futuros do livro dos autos, na condição psicológica dos autores. O segundo dos documentos está, ainda que em menor grau, eivado do relato de eventos que o auto presenciou, no contacto com os demandantes. Do exposto resulta que os referidos pareceres contêm aspectos de depoimento escrito que não podem ingressar de forma válida nos autos, uma vez que a falta de observância das premissas do n.º1 do art.º 518.º do Código de Processo Civil o impede. Por outro lado, na parte relativa ao juízo técnico, os referidos pareceres nada acrescentam ao que os depoentes já declararam em audiência final, sendo, por essa via, impertinentes. Assim e pelo exposto, não admito os “pareceres técnicos” oferecidos pelos autores e determino que após trânsito em julgado deste despacho os mesmos sejam desentranhados e devolvidos aos seus apresentantes.” Inconformados com tal despacho, os Autores interpuseram o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: 1.ª-Os pareceres técnicos a que respeita o artigo 426.º do CPC são prova documental e a sua junção encontra-se exclusivamente sujeita às regras previstas nos artigos 423.º a 451.º do CPC, não podendo a sua junção ser rejeitada com o fundamento de que são desnecessários ou impertinentes, nem a mesma negada por meio da aplicação das regras processuais formais relativa ao modo de produção de prova testemunhal por escrito, por também não serem aquelas aplicáveis a este tipo de prova. 2.ª-Da correcta interpretação e aplicação ao caso dos autos das normas vertidas nos artigos 426.º e 518.º do CPC, resulta que a lei adjectiva não impede a junção de pareceres de autoria de pessoas que hajam sido, previamente a tal junção, apenas inquiridas no processo na qualidade de testemunhas, não tendo sido indicadas nem designadas como “peritos” nos autos, podendo e devendo, se alguma parte o requerer e o Tribunal o admitir, ou mesmo oficiosamente, ser ouvido, tal técnico/ testemunha, de novo, nos autos, exactamente sobre o teor do seu parecer, também porque tal diligência emana da aplicação do princípio do inquisitório, não sendo, por tudo, a sua audição anterior como testemunha, facto impeditivo da junção do parecer por não se tratar de “depoimento escrito”. 3.ªAo decidir como decidiu, de modo desconforme e contrário ao sentido apontado pelas conclusões supra, o tribunal a quo proferiu decisão eivada de erro sobre os pressupostos de interpretação e aplicação do que dispõem, pelo menos, as seguintes normas de direito: artigos 115.º n.º1, alínea h), 411.º, 426.º, 470.º n.º1 e 518.º do CPC. Termos em que se requer (…) integralmente procedente a presente apelação e em consequência, seja proferida decisão revogatória do despacho recorrido, substituindo-se o mesmo por decisão que ordene a junção aos autos dos pareceres aqui aludidos, nos termos consagrados no art.º 426.º do CPC.”
Não foram apresentadas contra alegações. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: II-OS FACTOS Os elementos fácticos com relevo para a decisão são os que consta do relatório supra. III-O DIREITO Tendo em conta as conclusões de recurso formuladas que delimitam o respectivo âmbito de cognição, a única questão a apreciar consiste em saber se deve ser admitida a junção aos autos dos pareceres apresentados pelos Autores. Nos termos do art.º 426.º do Código de Processo Civil[1], “os pareceres de advogados, professores ou técnicos podem ser juntos, nos tribunais de 1.ª instância, em qualquer estado do processo.” No caso em apreço estão em causa pareceres subscritos por A... e D..., o primeiro conselheiro clínico, licenciado em Ciências Sociais, com formação em psicologia e o segundo, psicólogo clínico. Sucede que ambos foram ouvidos em audiência de julgamento, como testemunhas. Ora, nada na lei impede que a mesma pessoa possa depor na qualidade de testemunha e, posteriormente, a ter sido ouvida nessa qualidade, possa subscrever um parecer técnico, a ser junto aos autos, nos termos do art.º 426.º. O facto de o subscritor ter deposto na qualidade de testemunha, não transforma o parecer técnico que a testemunha eventualmente venha a subscrever, num “depoimento escrito”. O âmbito, natureza e regime jurídico da prova testemunhal e da prova por documentos, na qual se insere a junção de pareceres, prevista no art.º 426.º, são diferentes e, por isso, é à luz desse diferente regime que há-se ser apreciado o depoimento testemunhal e o conteúdo do parecer. Não importa, por conseguinte que o depoimento testemunhal e o conteúdo do parecer tenham sido emitidos pela mesma pessoa. Vale isto por dizer que, sem necessidade de mais considerandos, procedem, inteiramente, as conclusões dos Apelantes. IV- DECISÃO Face ao exposto, acordamos neste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso e, consequentemente, revogar o despacho recorrido, devendo o mesmo ser substituído por outro que admita os pareceres em causa.
Custas pela parte vencida a final. Lisboa, 6 de Novembro de 2014 Maria de Deus Correia Maria Teresa Pardal Carlos de Melo Marinho |