Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | NETO NEVES | ||
Descritores: | TELECOMUNICAÇÕES MÓVEIS EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/27/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | I- A excepção de não cumprimento é característica de contratos bilaterais sinalagmáticos, e possibilita a cada um dos contraentes, se não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, o exercício da faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo, sendo que o mesmo é assegurado, caso haja prazos diferentes, ao contraente que haja de efectuar a sua prestação em segundo lugar (artigo 428º, nº 1 do Código Civil). II- Esta faculdade é também reconhecida quando, em vez de não cumprimento, exista cumprimento defeituoso da prestação (caso em que se trata de excepção de cumprimento defeituoso, ou “exceptio non rite inadimpleti contractus”) e a recusa da prestação permite ao contraente sustar no cumprimento da sua obrigação, enquanto a do outro não for cumprida sem defeito. III- A jurisprudência não vem aceitando a aplicação deste regime do artigo 19º, nº 1, alínea c), do Decreto-Lei nº 446/85, de 25/10 às cláusulas sancionadoras do incumprimento do acordo de permanência em contrato de adesão do tipo do dos presentes autos. IV- Na realidade, havendo incumprimento do período de fidelização – o que pode acontecer quando o “cliente” provoca, pelo incumprimento das suas obrigações, designadamente da de pagamento do serviço convencionado, a resolução do contrato por parte da fornecedora de serviço – vem sendo entendido que a exigência do pagamento das mensalidades fixas relativas ao período de vinculação deduzidas das já pagas não é excessivo, ou desproporcionado, pois que se trata de valores pré-fixados, cujo vencimento não depende da efectiva prestação do serviço, ou da utilização efectiva do equipamento, mas tão só o esperado ganho que a prestadora espera ter do acordo celebrado com período de permanência. (LS) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 2ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I – TMN – TELECOMUNICAÇÕES MÓVEIS NACIONAIS, SA requereu procedimento de injunção na Secretaria-Geral de Injunção de Lisboa contra B..., LDA, pedindo a notificação desta para lhe pagar a quantia de 3.918,13 €, acrescida de juros de mora à taxa de 9,83% desde 21.12.2005 até integral pagamento, liquidando os já vencidos em 12.9.2006. Tendo a requerida deduzido oposição, foram os autos remetidos à distribuição como acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, no seguimento do que, a convite do tribunal, veio a ora Autora apresentar petição inicial aperfeiçoada, em que invocou ter celebrado com a R., em 21.20.2003, um contrato de prestação de serviços de telecomunicações móveis através de 16 cartões de acesso, acordando em que esses serviços seriam pagos de acordo com um tarifário “TMN Negócios 800 minutos”, com a mensalidade fixa de 201,60 €, acrescida de IVA, vinculando-se a R. a manter o vínculo contratual pelo período de 24 meses, em relação a 13 desses cartões, para o efeito cedendo-lhe 13 aparelhos terminais. Em 17.12.2004, a R. obrigou-se quanto aos 3 restantes cartões a manter o vínculo contratual por 24 meses, a contar desta data, fornecendo-lhe um aparelho terminal. A Autora emitiria mensalmente facturas relativas ao serviço prestado no mês anterior, vindo a emitir três facturas, com datas de 5.12.2005, 5.1.2006, 5.2.2006, com vencimento quinze dias após essas datas, e que não foram pagas pela R.. Para o caso de o vínculo contratual estabelecido pelo prazo de 24 meses não ser integralmente cumprido, designadamente por não manutenção do vínculo contratual por motivo imputável à R., estabeleceu-se tal não cumprimento daquele período de duração contratual a obrigaria a pagar o produto do valor das mensalidades fixas contratadas pelo número de meses que faltassem para completar tal período de duração. Depois de vencidas essas facturas, a Autora comunicou à R. que desactivaria os cartões de acesso se as mesmas não fossem liquidadas, o que veio a fazer em 31.1.2006. Ficaram, assim, por liquidar 11 taxas mensais para completar o período de duração contratual fixado em 17.12.2004, pelo que a Autora emitiu uma factura, em 17.5.2006, de “indemnização por incumprimento contratual”, pela quantia total de 2.683,30 €, com vencimento em 9.6.2006. Juntou diversos documentos. Respondeu a R. a este articulado, alegando que nunca pediu ou autorizou que os cartões telefónicos pudessem efectuar chamadas para além dos números respeitantes ao grupo restrito de utilizadores, em virtude do que foi negociado com o mediador da Autora, pelo que, vendo-se confrontada com valores facturados com chamadas realizadas para fora desse grupo restrito, a R. se recusou a proceder ao pagamento desse valores. Propõe-se pagar apenas essas facturas depois de descontados os valores que exorbitam o contratado, nomeadamente os valores respeitantes a ligações TMN-Vodafone, TMN-Optimus, TMN-PT, TMN-Outras Redes. Entende que, sendo-lhe lícito excepcionar o pagamento das facturas em questão, não podia a Autora desactivar os cartões telefónicos, pelo que a resolução contratual operada apenas é imputável à Autora, não sendo devida a última factura emitida. Teve lugar audiência de discussão e julgamento, no início da qual a Autora juntou documentos, e foram ouvidas duas testemunhas suas, tendo a R. apresentado também um documento e apresentado uma testemunha que foi inquirida. Em nova sessão da audiência, veio a ser lida a sentença proferida, na qual se integra a decisão fundamentada da matéria de facto, sendo a acção julgada procedente e a R. condenada nos valores pedidos. Foi interposto o presente recurso de apelação pela R., que foi admitido, formulando a apelante as seguintes conclusões: “1.ª Contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida, a ora recorrente nunca poderia ser condenada a pagar à recorrida "a quantia de € 3.918,13, acrescidos de juros à taxa legal, desde a data de vencimento das facturas até ao efectivo e integral pagamento", pois: 2.ª Deve considerar-se provado que a recorrida teve conhecimento do teor do fax de 20 de Setembro de 2004 enviado pela Ré a solicitar não só a adesão ao GRU como também a restrição de chamadas dos números de telefone a outros cartões que não pertencessem ao GRU (V. art. 712.° CPC), face ao teor dos depoimentos das testemunhas M... e C... e do teor do fax junto aos autos a fls. ...; 3.ª Deve ainda considerar-se provado que os cartões com os números referidos nos presentes autos deveriam estar vedados a realizar quaisquer chamadas telefónicas para números fora do GRU (V. art. 712.º CPC), face ao teor do depoimento da testemunha D...; 4.ª A ora recorrente sempre poderia excepcionar o pagamento das facturas sub judice, nos termos do art. 428.º do C. Civil enquanto a recorrida não emitisse e remetesse as facturas devidamente corrigidas apenas com os montantes em dívida por chamadas realizadas entre o GRU - Grupo Restrito de Utilizadores, conforme havia sido solicitado pela recorrente; 5.ª A indemnização prevista nos contratos sub judice, que deu origem à factura n.º 169603716, de 09-06-2006, no valor de €2.127,60, sempre seria inexigível pois é desproporcional ao montante dos danos em causa, por força do art.º 19.º/l/c) do DL 446/85, de 25 de Outubro, pois o valor devido a título de indemnização não pode levar a que as partes num negócio optem por nunca o rescindir atentos os elevados custo que acarreta. 6.ª A douta sentença recorrida enferma assim de erros de julgamento, tendo sido frontalmente violados, além do mais, os art.ºs 690.º-A e 712.º do CPC, os art.ºs 428.º e 812.º do Código Civil, os art.ºs 15.º e 19.º do DL 446/85, de 25 de Outubro. Termos em que deve o presente recurso merecer provimento, alterando-se a matéria de facto provada nos termos referidos e revogando-se a sentença recorrida”. Contra-alegou a apelada, sustentando o acerto da sentença impugnada. Corridos os vistos, cumpre decidir. II – QUESTÕES A DECIDIR Resulta das conclusões das alegações da recorrente que são as seguintes as questões a apreciar neste recurso: a) Do acerto da decisão sobre a matéria de facto, na medida em que não deu como provados os factos de que a Autora apelada teve conhecimento do “fax” de 20.9.2004 enviado pela R. À Autora a solicitar não só a adesão ao GRU (grupo restrito de utilizadores), como a restrição de chamadas dos nºs de telefone a outros cartões que não pertencessem ao GRU e em que não deu como provado que esses nºs telefónicos deveriam estar vedados a realizar chamadas para nºs fora do GRU antes de proceder à distribuição dos equipamentos telefónicos; b) Se a Apelante poderia invocar a excepção de não cumprimento enquanto a Apelada não emitisse e remetesse as facturas devidamente corrigidas apenas com os montantes em dívidas por chamadas realizadas entre o GRU; c) Se a indemnização por não cumprimento do período de permanência que deu origem à quarta factura emitida sempre seria inexigível, por desproporcionada ao montante dos danos em causa, nos termos do artigo 19.º, n.º 1, alínea c) do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro. III – DOS FACTOS Foram dados como provados os seguintes factos: 1. A Autora, no exercício da sua actividade de exploração do serviço de telecomunicações móveis, acordou com a Ré em 21/10/2003, a prestação deste serviço, incluindo a realização e recebimento de chamadas telefónicas, mensagens escritas e correio voz. 2. Na sequência destes acordos foram distribuídos à Ré os cartões números ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ...., ..., ..., ..., ..., ..., activados no tarifário TMN Negócios 800 minutos. 3. Para além dos serviços prestados, a Autora e o Ré acordaram em que este pagaria sempre uma mensalidade fixa correspondente ao tarifário TMN Negócios 800, a que estavam sujeitos os cartões referidos, única para todos eles, no valor de €201,60, montante a que acrescia o IVA à taxa legal. 4. No dia 21 de Outubro de 2003 o Réu obrigou-se a manter o vínculo contratual com a Autora durante o período de 24 meses, relativamente aos cartões de acesso à rede móvel n.ºs ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ...[1] ... e .... 5. A Autora cedeu ao Réu treze aparelhos da rede GSM, 3 da marca Nokia do modelo 6610 e da marca Siemens do modelo ME 45. 6. A 17 de Dezembro de 2004 o Réu subscreveu um acordo com a Autora nos termos do qual se obrigou a manter com a mesma vínculo contratual durante um período de 24 meses, no que tange aos cartões de acesso à rede móvel com os números ..., ... e .... 7. A Autora entregou ao Réu um telemóvel de marca Nokia do modelo 6600. 8. A Autora e o Réu acordaram em que apenas seria emitida uma factura mensal relativamente aos serviços prestados através dos cartões referidos acima. 9. A Autora prestou serviços ao Réu, tendo apresentado no mês seguinte àqueles as respectivas facturas: a n.º 154422101, emitida em 05/12/2005, no valor de €542,67, com pagamento até 26/12/2005, a n.º 1603 44513, emitida em 05/01/06, no valor de €581, 93, com prazo limite de pagamento até 26/01/2006 e n.º 1607 489 54, emitida em 05/02/06, no valor de €110, 23, com prazo limite de pagamento até 24/02/2006. 10. O Réu recebeu as facturas acima identificadas, não tendo pago os valores relativas às mesmas. 11. A Autora comunicou ao Réu que iria desactivar os cartões de acesso acima identificados caso o mesmo não procedesse ao seu pagamento. 12. Como o Réu não pagou as facturas em apreço, a Autora a 31 de Janeiro de 2006 desactivou os cartões de acesso acima identificados. 13. A 17 de Maio de 2006 a Autora emitiu a factura n.º 169603716 relativa à "indemnização por incumprimento contratual" no valor de € 2.127,60, pagável até 9 de Junho de 2006 e enviou-a ao Réu. 14. O Réu não pagou o valor a que se reporta aquela factura. 15. Por aditamento ao acordo de adesão antes celebrado os números de serviço ..., ..., ..., ..., ... e ... foram integrados num grupo restrito de utilizadores com restrição de efectuar chamadas para o grupo. 16. Do aditamento em apreço consta a assinatura do legal representante do Réu. 17. Do contrato n.º ... consta a seguinte cláusula sob o n.º 5 "Em caso de incumprimento do aqui proposto, o cliente pagará à TMN a quantia equivalente ao valor das taxas relativas a 24 meses de utilização dos telemóveis deduzidos das já pagas acrescido do valor do equipamento, conforme o valor indicado no ponto 6. cuja disponibilização teve lugar nesta data, dando já e pelo período de 24 meses, como garantia de pagamento desta e do incumprimento integral do acordo de adesão e seu aditamento, os seus telemóveis, ficando fiel depositário, cuja utilização a TMN poderá inibir quando e enquanto ocorrer o incumprimento", seguindo-se a assinatura do legal representante do Réu. 18. Do contrato n.º ... consta a seguinte cláusula sob o n.º 3 "Em caso de incumprimento do aqui proposto, o cliente pagará à TMN o equivalente ao valor das mensalidades fixas contratadas relativas aos meses de vinculação, deduzidas das já pagas dando desde já como garantia do pagamento desta e cumprimento integral do acordo de adesão, os seus telemóveis com ligação exclusiva à rede TMN, dos quais fica fiel depositário, e cuja utilização a TMN poderá inibir quando e enquanto ocorrer o incumprimento”, seguindo-se a assinatura do legal representante do Réu. IV – DA MATÉRIA DE FACTO A impugnação da matéria de facto tem lugar nos casos enunciados no artigo 712º, nº 1 do Código de Processo Civil, sendo a dos presentes autos ao abrigo da 2ª parte da alínea a): se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690º-A, a decisão com base neles proferida. Acrescenta o nº 2 desse artigo: “No caso a que se refere a segunda parte da alínea a) do número anterior, a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados”. Na impugnação deve o recorrente observar os ónus fixados no artigo 690º-A, nº 1, “especificando nas alegações, sob pena de rejeição: a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”. O nº 2 determina ainda que “No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 522º-C”. Verificamos da leitura das alegações da apelante que esta claramente actuou o ónus da alínea a) do citado artigo 690º-A, nº 1, embora, por não ter havido elaboração de BI, o haja feito por referência à própria alegação fáctica que produziu na oposição. E cumpriu o ónus da alínea b) do mesmo nº 1, ao indicar as testemunhas relevantes para a impugnação, referindo o local no suporte de gravação em que os seus depoimentos constam localizados. Impugna a R. a decisão da matéria de facto, na medida em que não deu como provado que a Autora apelada teve conhecimento do “fax” de 20.9.2004 enviado pela R. À Autora a solicitar não só a adesão ao GRU (grupo restrito de utilizadores), como a restrição de chamadas dos nºs de telefone a outros cartões que não pertencessem ao GRU e em que não deu como provado que esses nºs telefónicos deveriam estar vedados a realizar chamadas para nºs fora do GRU antes de proceder à distribuição dos equipamentos telefónicos. Invoca, para tanto, os depoimentos prestados e os documentos juntos aos autos, designadamente o “fax” que juntou na audiência datado de 20.9.2004 (fls. 86), invocando os depoimentos de ambas as testemunhas da Autora apelada, dos quais decorria que era do conhecimento da primeira o pedido dessa data, e que a alteração do contrato de adesão para o sistema GRU (grupo restrito de utilizadores) tinha a vantagem de introduzir uma taxação mais baixa entre os cartões do grupo, depondo ainda a testemunha da R. apelante que o objectivo pretendido pela sua entidade patronal, a R., era impedir os seus colaboradores de utilizarem os telefones para chamadas pessoais, para fora do grupo. Na sentença, expôs-se a seguinte fundamentação, a este respeito: “Nada mais se provou para além dos factos acima consignados. Tal deveu-se, naturalmente, à ausência de susceptível de persuadir o Tribunal quanto à realidade dos factos alegados. Desde logo, o Réu não apresentou qualquer prova da qual pudesse retirar-se que, desde o início, pretendeu obter o barramento de chamadas para fora do grupo de utilizadores, de modo a evitar que os seus colaboradores utilizassem os equipamentos fora do contexto profissional. Aliás, do depoimento de Bruna Costa Salvador [testemunha da R.] ficou o Tribunal persuadido de que tal decisão, a ter sido tomada, o terá sido já após a distribuição dos referidos equipamentos pelos colaboradores do Réu. O Réu alegou, num primeiro momento ter ele próprio resolvido o contrato celebrado com a Autora, por incumprimento do mesmo, na matéria relativa ao barramento de chamadas. Neste quadro, disse que, após insistências verbais junto do agente TMN, remeteu um fax àquela, solicitando o barramento de chamadas para fora do grupo. Foi ouvida D..., a qual confirmou a utilização dos telemóveis por parte dos funcionários do Réu, fora das condições que haviam estado subjacentes à sua entrega por aquele. Não tinha, porém, esta testemunha conhecimento directo de quaisquer diligências efectuadas nesse sentido pelo Réu junto a Autora. Foi junto em audiência de julgamento um documento de onde consta solicitação à Autora para proceder ao barramento dos telemóveis n.ºs ...., ..., ..., ..., ... e .... Não resulta, todavia, provado que tal documento tenha sido efectivamente enviado por fax à Autora, uma vez que não foi junto o comprovativo do envio, nem foi produzida qualquer outra prova susceptível de permitir extrair tal conclusão. Por outro lado, os números que surgem identificados nem tal documento são os que foram objecto de barramento de chamadas no aditamento ao acordo de adesão igualmente junto em audiência de julgamento. Porém, a constatação de que a forma de barramento efectuada não corresponde ao que o Réu afirma pretender não é, por si só, suficiente para concluir pelo incumprimento da Autora. É que o referido aditamento, não só não se mostra datado, como surge assinado pelo cliente, sem que para tal tenha sido aduzida qualquer explicação. Vejamos. Por um lado, tenha-se presente o elemento documental. Se é certo que a R. juntou em audiência uma cópia de uma comunicação que alega ter enviado por “fax” à Autora, datada de 20.9.2004 – a qual não tem aposto qualquer elemento escrito indicativo de ter sido enviada por “fax”, a não ser uma anotação manuscrita – cujo texto é uma solicitação de que os números 963784102 a 963784107 “passem a fazer chamadas só entre os n.ºs do respectivo pacote”, a verdade é que o documento em si, exactamente pelo facto de não se ter comprovado tal envio, não é prova suficiente de que essa solicitação haja chegado à Autora. É certo que ambas as testemunhas da Autora referiram lembrar-se – por consulta aos registos daquela – de que em 20.9.2004 a R. pedira a inscrição dos cartões correspondentes a tais números num GRU (grupo restrito de utilizadores), pedido que, por falta de entrega de um aditamento ao acordo de adesão e de um anexo a esse aditamento, não teve seguimento, só o vindo a ter em 17.12.2004, não teve então seguimento. O teor desse aditamento foi dado como provado no ponto 15 dos factos constantes da sentença (embora sem referência a datas, decerto porque os documentos que também em audiência a Autora apresentou, e estão a fls. 88 a 93, não se apresentam datados). Mas o GRU, cujo elemento essencial é facultar uma tarifa mais baixa às comunicações entre elementos do Grupo Restrito, é compatível com opções diversas, que podem ser de restrição de efectuar chamadas para o exterior do grupo, de receber chamadas originadas no exterior do grupo, de efectuar chamadas para o grupo e de receber chamadas originadas no grupo. Ora, quanto aos 6 cartões identificados nos documentos de fls. 88 a 93, a opção que se mostra marcada é a de restrição de efectuar chamadas para o grupo. Até pode bem ter acontecido que a R., ou quem, por ela preencheu esses modelos, se haja equivocado. Mas tal como se mostram preenchidos, não consentem dar como provada a indicação de restrição de efectuar chamadas para o exterior do grupo, como pretende a R.. E nem a indicação preenchida nesses modelos é absurda, como o ilustre mandatário da R. indagou da segunda testemunha da Autora, pois que, como ela chegou a dizer, pode suceder que haja interesse da direcção da empresa cliente em restringir o acesso de determinados números a outros números do mesmo grupo. E o mero facto de se apresentar como uma das opções possíveis afasta a sua falta de sentido. É certo que a testemunha da R. – Bruna Costa Salvador – declarou saber que a entidade patronal queria evitar a utilização pelos seus colaboradores dos telefones facultados pelo serviço para usos particulares. Ignorava ela, porém, que tipo de contactos houve entre a Autora e a R., pelo que concordamos com a apreciação feita pela 1ª instância de que tal depoimento não pode contradizer o teor expresso dos documentos (v. fls. 89, em especial), já que sempre ficaria por fundamentar com objectividade que a Autora pudesse saber que o objectivo da R. era exactamente o oposto do declarado. Em face do que entendemos não se justificar, dada a prova disponível, modificar a decisão da matéria de facto nos aspectos impugnados pela Apelante. Improcede, assim, esta primeira questão. V – A EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO Pretende a R., pressuposta a procedência da impugnação parcial da matéria de facto, accionar a excepção de não cumprimento do contrato (ou melhor, de cumprimento defeituoso do contrato), prevista no artigo 428º do Código Civil. Duvidoso se poderá considerar que a Apelante invocou tal mecanismo na 1ª instância, já que se limitou a alegar que a razão pela qual se recusou a proceder ao pagamento das facturas ora accionadas “prende-se com o facto de, além do mais, a A. proceder à cobrança de valores que nada tem a ver com o contratado” – artigo 8º da oposição, a fls. 68 – acrescentando que “A Ré pagará as facturas identificadas como documentos n.ºs 7, 8 e 9 junto com o articulado ora apresentado, descontando todos os valores que exorbitam o contratado, nomeadamente os valores respeitantes a comunicações TMN-VODAFONE, TMN-OPTIMUS, TMN-PT, TMN-OUTRAS REDES, seja na modalidade de comunicações voz<ou escritas” (artigo 10º do mesmo articulado). A excepção de não cumprimento é característica de contratos bilaterais sinalagmáticos, e possibilita a cada um dos contraentes, se não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, o exercício da faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo, sendo que o mesmo é assegurado, caso haja prazos diferentes, ao contraente que haja de efectuar a sua prestação em segundo lugar (artigo 428º, nº 1 do Código Civil). Esta faculdade é também reconhecida quando, em vez de não cumprimento, exista cumprimento defeituoso da prestação (caso em que se trata de excepção de cumprimento defeituoso, ou “exceptio non rite inadimpleti contractus”) e a recusa da prestação permite ao contraente sustar no cumprimento da sua obrigação, enquanto a do outro não for cumprida sem defeito. Seja como for, o facto de não se ter provado que as partes convencionaram uma restrição de efectuar chamadas para o exterior do grupo retira a base factual imprescindível à procedência da pretensão da R. Apelante, pelo que necessariamente terá esta questão de improceder. VI – DA ALEGADA NULIDADE DA CLÁUSULA CONTRATUAL CONSTANTE DO PONTO 3 DO ADITAMENTO À PROPOSTA DE ACORDO DE ADESÃO QUE CONSTITUIU O CONTRATO Nº ..., SUBSCRITO EM 17.12.2004 No ponto 1. desse aditamento o cliente – a R. – propôs-se manter o seu vínculo contratual relativamente a três cartões de acesso pelo período de 24 meses no tarifário escolhido (Negócios 800), a contar da data da proposta, uma vez recepcionada esta pela Autora. No ponto 3. consta que “Em caso de incumprimento do aqui proposto, o Cliente pagará à TMN o equivalente ao valor das mensalidades fixas contratadas relativas aos meses de vinculação, deduzidas das já pagas, dando desde já como garantia do pagamento desta e do cumprimento integral do Acordo de Adesão o(s) seu(s) telemóvel(eis), com ligação exclusiva à rede TMN…”. É o que vem sendo denominado como acordo de fidelização. Invoca a R. ora Apelante ser desproporcionada esta cláusula, por em seu entender levar ao cumprimento integral das suas prestações, sem a correspondente prestação de serviços. E invoca o artigo 19º, nº 1, alínea c) do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro (regime das Cláusulas Contratuais Gerais), que determina serem relativamente proibidas as cláusulas, consoante o quadro negocial padronizado, que “Consagrem cláusulas penais desproporcionadas ao danos a ressarcir”. A jurisprudência não vem aceitando a aplicação deste regime às cláusulas sancionadoras do incumprimento do acordo de permanência em contrato de adesão do tipo do dos presentes autos. E, na realidade, havendo incumprimento do período de fidelização – o que pode acontecer quando o “cliente” provoca, pelo incumprimento das suas obrigações, designadamente da de pagamento do serviço convencionado, a resolução do contrato por parte da fornecedora de serviço – vem sendo entendido que a exigência do pagamento das mensalidades fixas relativas ao período de vinculação deduzidas das já pagas não é excessivo, ou desproporcionado, pois que se trata de valores pré-fixados, cujo vencimento não depende da efectiva prestação do serviço, ou da utilização efectiva do equipamento, mas tão só o esperado ganho que a prestadora espera ter do acordo celebrado com período de permanência. Assim se entendeu no Acórdão desta Relação de 26.9.2006, Proc. 5648/2006-1, Rel. Rijo Ferreira, em que, a dado passo se diz: “tendo-se a Ré obrigado a manter a prestação de serviços em vigor por determinado período de tempo no caso de incumprimento ou mora dessa obrigação deve reparar o prejuízo auferido pela A. consistente na falta de pagamento das correspondentes mensalidades, que eram vantagens que sempre auferiria (independentemente da efectiva prestação ou da concreta quantidade dos serviços prestados), com que legitimamente contava e em função do qual concedeu condições comerciais excepcionais”. E, efectivamente, com a fidelização não só a R. obteve a aplicação de uma tarifário mais vantajoso economicamente, como lhe foram fornecidos aparelhos (telemóveis) para 14 dos 16 cartões, praticamente sem custos, e que ficaram a ser propriedade sua (como resulta da matéria de facto provada e até do facto de esses equipamentos constituírem garantia do cumprimento do Acordo de Adesão). Foi, portanto, a garantia de vinculação da cliente (a R.), o que motivou as condições vantajosas do pacote/tarifário contratado e o fornecimento dos telemóveis. Não pode, assim, atento o quadro negocial padronizado, concluir-se pela desproporção da cláusula em questão, que, assim, não deve ser tida como relativamente proibida, sendo, consequentemente, válida. Improcede, por conseguinte, esta última questão. VII – DECISÃO Em face do exposto, acordam em julgar a apelação totalmente improcedente, mantendo a sentença impugnada. Custas pela Apelante. Lisboa, 27 de Maio de 2010 António Neto neves Maria Teresa Albuquerque Isabel Canadas [1] Cartão este que só por lapso de transcrição não consta na sentença do ponto 4. da matéria de facto dada como provada, pois que consta do mesmo documento de fls. 42 que está na sua origem – lapso que, assim, deve ser corrigido. |