Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3699/08.6TBBRR-A.L1-6
Relator: PEREIRA RODRIGUES
Descritores: REDUÇÃO
DISPENSA
MULTA
PRAZO
DEPÓSITO CONDICIONAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/12/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE A DECISÃO
Sumário: O indeferimento do pedido de redução ou dispensa do pagamento da multa devida pela prática do acto fora do prazo nos termos do art. 145º do CPC tem como consequência a perda do direito ao exercício do mesmo, que deve ser desentranhado do processo, a menos que a parte tenha efectuado o depósito condicional daquela multa.
(Sumário do Relator - PR).
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
I. OBJECTO DO RECURSO.
No Tribunal da Comarca do Barreiro, J  e mulher, movem acção contra M, a qual, com interesse para a decisão em apreço, teve a seguinte tramitação:
Por notificação datada de 23/01/2009 o Réu foi intimado pela secretaria para efectuar o pagamento da multa a que se refere o artigo 145°, n.° 6 do CPC,  no montante de € 288,00, devida pela apresentação da contestação fora do prazo, constando da respectiva guia de pagamento que a mesma era pagável até 05/02/2009.
O Réu não pagou a multa no prazo constante da guia, mas por requerimento junto aos autos em 06/02/2009 e enviado por telecópia em que figura a data de 05/02/2009, requereu a dispensa ou o pagamento da mesma multa em prestações.
Por despacho de 12/02/2009 foi admitido o pagamento da multa em 3 prestações mensais, iguais e sucessivas e por despacho de 18/03/2009 foi ordenado o desentranhamento da contestação.
O Réu, por requerimento notificado aos ora Recorrentes em 30/03/2009, requereu o aclaramento do despacho que ordenou o desentranhamento da contestação e por requerimento então apresentado os Autores invocaram a nulidade decorrente do não exercício do contraditório face ao requerimento de fls. 49/50.
Por despacho de 17/04/2009 a Mma Juiz ordenou a notificação do requerimento de fls.49/50 dos autos e anulou todos os actos praticados após a entrada daquele requerimento.
Por requerimento de 11/05/2009 os Autores deduziram oposição ao pedido de dispensa ou pagamento em prestações da multa e por despacho de 19/05/2009 a Mma Juiz, para lá do mais, decidiu que:
“Assim, e porque todos os despachos anteriores foram dados sem efeito, face à oposição dos Autores e porque o Tribunal não vislumbra razão para o não pagamento da multa, determino a emissão de guias e o seu pagamento no prazo de 10 dias, sem o que a contestação deve ser desentranhada por extemporânea”.
Inconformados com a decisão, vieram os AA interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando doutas alegações, com as seguintes CONCLUSÕES:
A) O presente recurso nasce da inconformidade dos Recorrentes com o despacho proferido pela Mma. Juiz em 19/05/2009 (referencia 3606290) que determinou "Assim, e porque, todos os despachos anteriores foram dados sem efeito, face à oposição dos Autores e porque o Tribunal não vislumbra razão para o não pagamento da multa, determina a emissão de guias e o seu pagamento, no prazo de 10 dias, sem o que a contestação deve ser desentranhada por extemporânea."
B) O Réu apresentou a contestação fora de prazo tendo sido notificado oficiosamente pela secretaria para efectuar o pagamento da multa a que alude o artigo 145°, n.° 6 do CPC, cujo prazo de pagamento terminou em 5/02/2009.
C) O Réu não pagou a multa no prazo legal conforme consta da informação com a (referencia 3466246), pelo que tem-se por não praticado o acto.
D) Só após o término do prazo para pagamento da multa é que o Réu apresentou pedido de dispensa do pagamento da multa ou o pagamento em prestações, o qual era manifestamente extemporâneo;
E) O requerimento do Réu não era legalmente admissível quer porque a faculdade de redução ou dispensa de multa está circunscrita à multa prevista no artigo 5° do artigo 146° do CPC, quer porque o pedido de pagamento da multa em prestações não é processualmente admissível uma vez que tal possibilidade não está prevista na lei, neste sentido Ac. RL 17/12/98, BMJ, 482, p.294.
F) Mesmo no caso de apresentação tempestiva de pedido de dispensa ou redução da multa prevista no n.° 5 do artigo 145° do CPC, impõe-se o pagamento condicional da mesma, sob pena do requerente ver precludir o direito à prática do respectivo acto, caso a decisão não lhe seja favorável - neste sentido Ac. Do STJ de 8/10/1997:
G)Toda a alegação expendida pelos Recorrentes nos requerimentos que apresentaram em juízo mereceu a inteira concordância da Mma. Juiz conforme consta dos despachos proferidos nos autos (vide despachos com as referencias n°s 3558003 e 3606290).
H)No entanto, a Mma. Juiz veio sem qualquer disposição que o preveja ordenar a emissão de novas guias possibilitando ao Réu o pagamento da multa, e tudo isto refira-se, decorridos que estão mais de três meses sobre a data em que o Réu deveria ter efectuado o pagamento da multa, ou seja, 5/02/2009 (vide guia referencia 3437888)
I) O Recorrido tem tido uma conduta claramente dilatória, não cumprindo prazos e não sendo minimamente diligente, pelo que conceder-se-lhe a possibilidade de beneficiar de novo prazo para pagamento da multa, é manifestamente ilegal e uma clara violação do principio de igualdade das partes,
J) O despacho em crise proferido pela Mma. Juiz veio em clara violação cio disposto no n.º 5 do artigo 145° do CPC, aplicável ao caso previsto no n.° 6 do mesmo normativo, e que se prevê que a validade da prática do acto, neste caso da apresentação da contestação, fica dependente do pagamento da multa,
L) A multa do artigo 145°, n.° 5 e 6 do CPC tem já um efeito marcadamente sancionatório, responsabilizando a parte pela sua negligência, pelo seu atraso, pelo que permitir que a parte veja a prática do seu acto validada pelo pagamento da multa já depois de decorridos quase quatro meses sobre a data em que o Réu/Recorrido devia ter pago a multa é uma clara violação do principio de igualdade das partes,
M) Não existe qualquer norma que permita ao Tribunal a prorrogação do prazo de pagamento da multa devida, nem a emissão de nova guia para o pagamento da multa quando o prazo para pagamento da mesma já terminou,
N) O despacho proferido pela Mma. Juiz resulta de uma actuação não prevista na lei, tendo sido proferido sem qualquer fundamentação legal,
O) A necessidade de fundamentação prende-se com a própria garantia do direito ao recurso e tem a ver com a legitimação de decisão judicial em si mesma, mesmo daquelas decisões de que não cabe recurso é exigido o dever de fundamentação que assenta na necessidade de as partes serem não só esclarecidas, mas também convencidas do seu acerto.
P) A exigência de fundamentação tem natureza imperativa, é um princípio geral que a própria Constituição e que tem de ser observado nas decisões judiciais e deve apresentar uma densidade suficiente para que se possam dar por satisfeitos os objectivos constitucionais (cf. artigo 205°, n. 1 da CRP) e legais (artigo 158° do CPC): permitir aos destinatários exercitar com eficácia os meios legais de reacção ao seu dispor e assegurar a transparência e a reflexão decisória, convencendo e não apenas impondo.
Q) O despacho recorrido violou o disposto nos artigos 145°, n.° 5 e 6, 158º do CPC, pelo que é nulo - artigo 666°, n.° 3 e artigo 668º, n.° 1, alínea b) do CPC.
Não houve contra-alegação.
Admitido o recurso na forma, com o efeito e no regime de subida devidos, subiram os autos a este Tribunal da Relação, sendo que nada obstando ao conhecimento do mesmo, cumpre decidir.
A questão a resolver é a de saber se o pedido do Réu de dispensa do pagamento da multa ou o pagamento em prestações deveria ser indeferido com o consequente desentranhamento da contestação.
II.   FUNDAMENTOS DE FACTO.
Os factos a tomar em consideração para conhecimento do recurso são os que decorrem do relatório acima inscrito.
III.  FUNDAMENTOS DE DIREITO.
Estabelece o artigo 145.º do C.P.Civil (Modalidades do prazo)
1 - O prazo é dilatório ou peremptório
2 - O prazo dilatório difere para certo momento a possibilidade de realização de um acto ou o início da contagem de um outro prazo.
3 - O decurso do prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto.
4 - O acto poderá, porém, ser praticado fora do prazo em caso de justo impedimento, nos termos regulados no artigo seguinte.
5 - Independentemente de justo impedimento, pode o acto ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa, fixada nos seguintes termos:
a) Se o acto for praticado no primeiro dia, a multa é fixada em 10% da taxa de justiça correspondente ao processo ou acto, com o limite máximo de meia UC;
b) Se o acto for praticado no segundo dia, a multa é fixada em 25% da taxa de justiça correspondente ao processo ou acto, com o limite máximo de três UC;
c) Se o acto for praticado no terceiro dia, a multa é fixada em 40% da taxa de justiça correspondente ao processo ou acto, com o limite máximo de sete UC.
6 — Praticado o acto em qualquer dos três dias úteis seguintes sem ter sido paga imediatamente a multa devida, logo que a falta seja verificada, a secretaria, independentemente de despacho, notifica o interessado para pagar a multa, acrescida de uma penalização de 25% do valor da multa, desde que se trate de acto praticado por mandatário.
7 - Se o acto for praticado directamente pela parte, em acção que não importe a constituição de mandatário, o pagamento da multa só é devido após notificação efectuada pela secretaria, na qual se prevê um prazo de 10 dias para o referido pagamento.
8 - O juiz pode excepcionalmente determinar a redução ou dispensa da multa nos casos de manifesta carência económica ou quando o respectivo montante se revele manifestamente desproporcionado, designadamente nas acções que não importem a constituição de mandatário e o acto tenha sido praticado directamente pela parte.
Alega o recorrente que o réu só após o término do prazo para pagamento da multa é que apresentou pedido de dispensa do pagamento da mesma ou o pagamento em prestações, pelo que tal pedido era manifestamente extemporâneo.
Porém, não corresponde à verdade o que o recorrente invoca, pois que consta da respectiva guia de pagamento que a mesma era pagável até 05/02/2009, sendo que o réu por telecópia em que figura a data de 05/02/2009, requereu a dispensa ou o pagamento da multa em prestações.
A data que figura na telecópia recebida no tribunal fixa a data e hora em que a telecópia foi recebida, salvo prova em contrário (art. 4º, n.º 6 do DL n.º 28/92, de 27/2).
Deste modo, o requerimento em causa não foi apresentado fora do prazo para pagamento da multa, donde, nesse sentido, não foi extemporâneo.
Mas seria de indeferir, sem mais, com o consequente desentranhamento da contestação?
O prazo para oferecer a contestação, ou a oposição, é um prazo peremptório, cujo decurso extingue o direito de praticar o acto. Porém, nos termos do preceito citado, estabelece o legislador uma dilatação do prazo, diferindo-o para o primeiro, segundo ou terceiro dias úteis posteriores ao que resulta do indicado na lei, desde que paga imediatamente a respectiva multa por iniciativa do interessado ou, se esta se não verificar, após notificação da secretaria e até à data limite por ela indicada.
O não pagamento da multa naquela data limite conduz a que não possa operar a referida dilatação do prazo, perdendo a parte irremediavelmente o direito de praticar o acto, devendo ser desentranhada a peça processual que a parte pretenda inserir no processo.
É certo que quanto ao pagamento da multa a lei prevê ainda que o juiz pode excepcionalmente determinar a redução ou dispensa da multa nos casos de manifesta carência económica ou quando o respectivo montante se revele manifestamente desproporcionado. Contudo, a parte, mesmo que o requeira, não pode contar com o uso deste poder excepcional do juiz que, a não ser exercido, conduz a que a parte não possa praticar o acto por falta de pagamento da multa, a menos que, à cautela e de modo condicional, tenha efectuado o seu depósito até à data limite. É que, de contrário, verificar-se-ia uma prorrogação indevida do prazo para o pagamento da multa, que a lei não prevê e que seria oposta ao espírito da mesma.
Note-se que a lei não admite a possibilidade, que também seria excepcional, do pagamento desta multa em prestações, o que bem se compreende, por ser inteiramente incompatível com a natureza do processo em tal fase, pois que imporia a sua paragem até ao termos das prestações, o que a dinâmica do processo não podia consentir.
Como bem se alega, a multa do artigo 145° do CPC tem já um efeito marcadamente sancionatório, responsabilizando a parte pela sua negligência, pelo seu atraso, pelo que permitir que a parte veja a prática do seu acto validada pelo pagamento da multa já depois de decorrido o prazo, só porque requereu a isenção ou redução da mesma não parece admissível, dado não existir qualquer norma que permita ao tribunal a prorrogação do prazo de pagamento da multa devida, nem a emissão de nova guia para o efeito, quando o prazo para pagamento da mesma já terminou.
Ora, no caso vertente, o Réu foi notificado pela secretaria para efectuar o pagamento da multa a que se refere o artigo 145°, n.° 6 do CPC,  no montante de € 288,00, devida pela apresentação da contestação fora do prazo, constando da respectiva guia de pagamento que a mesma era pagável até 05/02/2009, sendo que o Réu não pagou a multa no prazo constante da guia, mas por requerimento junto aos autos em 06/02/2009 e enviado por telecópia em que figura a data de 05/02/2009, requereu a dispensa ou o pagamento da mesma multa em prestações.
Em face deste factualismo, entendeu-se no douto despacho recorrido não se vislumbrar razão para o não pagamento da multa, pelo que se determinou a emissão de guias e o seu pagamento no prazo de 10 dias, sem o que a contestação deveria ser desentranhada por extemporânea.
Os recorrentes sindicam a douta decisão na parte em que foi concedido novo prazo ao réu para o pagamento da multa devida pela apresentação da contestação fora de prazo e assistes-lhe razão, pois que, como se deixou exposto, o indeferimento do pedido do réu não lhe podia facultar a concessão de novo prazo para pagamento da multa e muito menos um prazo dilatado de 10 dias, quando a multa tinha de ser paga imediatamente com a prática do acto ou, em último recurso e com o agravamento devido, na data limite indicada pela secretaria.
Não tendo o recorrido efectuado qualquer depósito condicional para assegurar o pagamento da multa, o indeferimento da dispensa do pagamento da mesma ou do seu pagamento em prestações (este sempre inadmissível) tinha de ter como consequência a perda do direito a praticar o acto, com o consequente desentranhamento da contestação.
Em síntese:
O indeferimento do pedido de redução ou dispensa do pagamento da multa devida pela prática do acto fora do prazo nos termos do art. 145º do CPC tem como consequência a perda do direito ao exercício do mesmo, que deve ser desentranhado do processo, a menos que a parte tenha efectuado o depósito condicional daquela multa.
Procedem, no essencial, as conclusões do recurso, sendo de alterar a decisão recorrida.
IV.  DECISÃO:
Em conformidade com os fundamentos expostos, concede-se provimento à apelação e revoga-se parcialmente a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra a ordenar o desentranhamento da contestação.
Sem Custas.
Lisboa, 12 de Novembro de 2009. 
 FERNANDO PEREIRA RODRIGUES
MARIA MANUELA GOMES
OLINDO SANTOS GERALDES