Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
417/21.7T8AGH.L1-2
Relator: ORLANDO NASCIMENTO
Descritores: ACÇÃO REAL
REGISTO PREDIAL
USUCAPIÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: (do relator):
1. Na ação em que a A pede, grosso modo, a declaração da sua propriedade sobre um prédio rústico e a condenação dos RR a não perturbarem o seu uso e fruição e em que estes se limitam a pedir a absolvição do pedido apesar de declararem que agiram sobre o seu próprio prédio, com aquele confinante, sobre a A impende o ónus da prova dos fundamentos da ação, nos termos do disposto no n.º 1, do art.º 342.º, do C. Civil, podendo os RR opor contraprova a esses mesmos factos, em ordem a torná-los duvidosos, nos termos do disposto no art.º 346.º, do C. Civil.
2. Pedindo a A apelante que se declare o seu direito de propriedade sobre o prédio por aquisição derivada e usucapião (pedidos sob as als. a) e b)) e que os RR apelados sejam condenados a não entrarem no mesmo, pessoalmente ou por interposta pessoa, com máquinas ou outros meios e a não estorvarem a sua posse (pedido sob a al. c)) e a não realizarem qualquer obra no prédio nem nos seus muros limítrofes (pedido sob a al. d)) e a pagarem-lhe o valor de € 13.112,60, correspondente aos prejuízos materiais causados acrescido de juros vincendos à taxa legal de 4% até integral reembolso (pedido sob a al. e)).
3. O primeiro desses pedidos, de declaração do seu direito de propriedade (als. a) e b)), estando provado que:
1. Por escritura pública intitulado “Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca”, datado de 01/07/1996, no Cartório Notarial de Angra do Heroísmo, perante a licenciada ACGMS, CMAC declarou vender e a autora declarou comprar:
b) o prédio rústico, sito na Canada do ..., na freguesia de São Pedro, do concelho de Angra do Heroísmo, que se compõe de 50 ares e 82 centiares de terreno de biscoito, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Angra do Heroísmo sob o n.º ....
2. Encontra-se inscrito na matriz predial rústica da freguesia de São Pedro, concelho de Angra do Heroísmo, sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Angra do Heroísmo, sob o n.º ..., o prédio rústico sito em Canada do ..., composto por terra de biscoito, que confronta a norte, sul e poente com proprietário e a nascente com herdeiros de ARB.
3. O prédio referido em 2. encontra-se inscrito na Conservatória do Registo Predial de Angra do Heroísmo a favor da autora, pela Ap. 2 de 1996/04/29, tendo como causa de aquisição compra, e como sujeito passivo CMAC.
4. Da matriz e da descrição predial consta que o prédio referido em 2. tem a área de 5082 metros quadrados.
5. A autora cuidou do prédio referido em 2., realizando cortes de árvores, podas, limpezas do terreno, manutenção das respetivas paredes e portões, bem como passeios e piqueniques no mesmo.
6. Desde que adquiriu o prédio referido em 2., a autora sempre pagou o respetivo IMI e zelou pela sua manutenção e limpeza,
7. (...) contratando um jardineiro que cuidava das árvores e realizava as operações de corte e poda destas, bem como a manutenção das respetivas paredes.
8. Desde que adquiriu o prédio referido em 2., a autora e a sua família desfrutavam regularmente de passeios no mesmo, tendo este sido um refúgio de leitura e um lugar de brincadeiras para a filha da autora e para as amigas desta durante a sua infância.
9. O uso referido em 5. a 8. do prédio referido em 2., pela autora, foi à vista de todas as pessoas, nunca foi posto em causa por ninguém, e na qualidade de dona.
25. O referido em 5. a 9. dos factos provados foi também realizado pelo ante possuidor do prédio referido em 2. dos factos provados, CMAC, entre 1989 e 1996.
27. A parcela referida em 14. dos factos provados integra o prédio referido em 2. dos factos provados.
28. Os atos descritos em 5. a 9. dos factos provados foram praticados pela autora, também, na parcela referida em 14. dos factos provados.
não pode deixar de proceder, quer nos termos do disposto no art.º 7.º e 28.º, do C. R. Predial e nos art.ºs 1316.º, n.º 1, 874.º 875.º, 879.º, al. a), 1294.º, al. a) e 1317.º, al. a), do C. Civil, uma vez que a A apelante adquiriu o direito de propriedade sobre o prédio por contrato de compra e venda celebrado com o anterior proprietário por escritura pública e levou essa aquisição ao registo predial, quer nos termos do disposto nos art.ºs 1316.º, n.º 1, 1287.º, 1259.º, n.º 1, 1294.º al. a), e 1317. al. c), do C. Civil, uma vez que, após o título de aquisição e seu registo, a A apelante exerceu a posse correspondente ao exercício do direito de propriedade sobre o prédio desde 1996.
4. Os pedidos deduzidos sob as als. c) e d), da parte correspondente da petição inicial, relativos ao uso e fruição do prédio, atento o disposto nos art.ºs 1305.º e 1311.º, do C. Civil não podem, também deixar de proceder.
5. O pedido de indemnização formulado sob a al. e), da parte correspondente da petição inicial, estando provados os danos sofridos pela A apelante com a ação dos RR apelados, como decorre dos factos provados sob os n.ºs 12 a 15 e 29, a saber,
12. Em 07/01/2021, a autora detetou que havia sido feito, na sua ausência e sem o seu conhecimento, o derrube de parte do muro da estrema nascente, de parte do muro da estrema sudeste e muros de menor dimensão que formavam pequenos cerrados de pequena dimensão na parte mais elevada do terreno, a sudeste.
13. A empresa NMGS, Unipessoal, Lda., a mando dos réus, introduziu máquinas e caterpillar de lagartas com pá de remoção de terra,
14. (…) na parcela que a autora designa pela letra A, e que se encontra identificada no documento junto com a ref.ª 51596171 do apenso A,15. (...) e procedeu a movimentações de terras e ao corte e derrube de árvores.
15. (...) e procedeu a movimentações de terras e ao corte e derrube de árvores.
29. A empresa NMGS, Unipessoal, Lda., a mando dos réus, procedeu ao derrube dos muros identificados em 12. dos factos provados.
mas não estando provado o valor desses danos, como decorre do disposto nas als. i), j), k), l) e m), dos factos não provados, a saber,
i) Os réus venderam as árvores cortadas à empresa NMGS, Unipessoal, Lda., pelo valor de 10.000,00 €,
j) (...) e colocaram as que não tinham valor comercial, na parcela identificada em 14. dos factos provados, como entulho.
k) A reposição dos muros desfeitos importa um custo não inferior a 4.000,00 €, acrescido de IVA, no valor de 640,00 €.
l) A remoção das árvores cortadas que se encontram depositadas na parcela identificada em 14. dos factos provados e o plantio de novas árvores importa um custo não inferior a 6.472,60 €, acrescido de IVA, no valor de 666,90 €.
m) As árvores cortadas da parcela identificada em 14. dos factos provados, pela empresa NMGS, Unipessoal, Lda., a mando dos réus, possuíam um valor não inferior a 2.000,00 €.
nos termos do disposto no n.º 2, do art.º 609.º, do C. P. Civil, procede apenas parcialmente, devendo os RR apelados ser condenados a indemnizar a A apelante no valor que se vier a liquidar, nos termos do disposto no art.º 566.º, do C. Civil e nos limites desse mesmo pedido formulado na petição inicial, nos termos do disposto no n.º 1, do art.º 609.º, do C. P. Civil.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que constituem o Tribunal da Relação de Lisboa.

1. RELATÓRIO.
AFMN propôs contra JMTJS e mulher SCMO esta ação declarativa de condenação, com processo comum, pedindo que se declare o seu direito de propriedade sobre o prédio rústico que identifica, por aquisição derivada e usucapião e que se condenem os RR a não estorvarem a sua posse, não realizando obras nos seus muros e limites e a pagarem-lhe a quantia de € 13.112,60 pelos prejuízos materiais já causados na sua ausência, no período de Natal, com o derrube de muros e o corte de árvores na parcela que identifica com a letra A, acrescida de juros vincendos à taxa legal de 4% até integral reembolso.
Citados, contestaram os RR dizendo, em síntese, ser falso que o prédio da A tenha os limites que indica e que os trabalhos de limpeza, movimentação de terras e corte de árvores que realizaram foram feitos no seu próprio prédio, pedindo a improcedência da ação e a absolvição do pedido.
Realizada audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença, julgando a ação parcialmente procedente, declarando que a autora é dona e legítima proprietária do prédio, mas que dele não faz parte a parcela que identifica, absolvendo os RR dos restantes pedidos.
Inconformada com essa decisão, a A dela interpôs recurso, recebido como apelação, pedindo a sua revogação nos termos das seguintes conclusões:
A) O Tribunal a quo, perante a documentação que atesta o direito de propriedade da Apelante sobre o prédio rústico sub judice e que faz fé pública, perante os fortíssimos indícios que desses documentos resultam quanto à dimensão do prédio da Apelante, estribados nos depoimentos de várias testemunhas e de uma ida ao local, deixou-se enredar em dúvidas injustificadas, fez tábua rasa do relevo probatório dos documentos oficiais e dos depoimentos prestados das testemunhas arroladas pela Apelante, e remeteu-se a aplicação da regra do ónus da prova prejudicando, injusta e injustificadamente, a Apelante ao não considerar a parcela identificada com a letra A no levantamento topográfico junto aos autos com a ref.ª 51596171 do apenso A como parte integrante do prédio rústico sito à Canada do ..., a confrontar a norte, sul e poente com proprietário e a nascente com herdeiros de ARB, inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o art.º ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Angra do Heroísmo sob o n.º ... da freguesia de S. Pedro, concelho de Angra do Heroísmo.
B) Em face dos elementos supra referidos, houve um erro na apreciação da prova e que, pela reapreciação da prova documental e sobretudo da audição dos depoimentos prestados e que acima se indicaram, se justifica uma revogação parcial da sentença recorrida nos seguintes moldes:
C) Os factos considerados não provados descritos nas alíneas d), e), f), g) e h) deverão ser considerados como provados e, desse modo, revogar parcialmente a decisão da sentença nos seguintes moldes:
A) Manter o ponto I da decisão: declarar que a autora é dona e legítima possuidora do prédio identificado em 1., 2. e 3. da factualidade provada, condenando os réus nesse reconhecimento);
B) Alterar o ponto II passando este a ser: declarar que a parcela referida em 14. dos factos provados integra o prédio referido em 1., 2. e 3. dos factos provados;
C) Condenar os réus a não entrarem no prédio da A. descrito em 1., 2. e 3. da factualidade provada, pessoalmente ou por interposta pessoa, com máquinas ou outros meios, e a não estorvarem mais a sua posse sobre o referido prédio;
D) Condenar os RR. a não realizarem qualquer obra no prédio supra descrito, nem nos seus muros limítrofes;
E) Condenar os RR. no valor que se vier a apurar dos prejuízos causados à A. pela destruição do muro divisório do prédio desta em relação ao daqueles, bem como pelo corte e venda das árvores existentes na quinta parcela do prédio daquela supra referido;
F) Alterar a decisão quanto à condenação e ao valor das custas em conformidade com a decisão revogada.
D) Foi dado como provado que, por escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca, datada de 01/07/1996, a Apelante adquiriu a CMAC:
a. o prédio urbano, sito na Canada do ..., freguesia de S. Pedro, concelho de Angra do Heroísmo, composto por casa de moradia, com a superfície coberta de 175 m2 e quintal com 605 m2, inscrito na respetiva matriz sob o art.º ... e descrito na C.R.Pr. de Angra do Heroísmo sob o n.º ... da referida freguesia; e
b. o prédio rústico, sito na Canada do ..., freguesia de S. Pedro, concelho de Angra do Heroísmo, que se compõe de 50 ares e 82 centiares de terreno de biscoito, inscrito na respetiva matriz sob o art.º ... e descrito na C.R.Pr. de Angra do Heroísmo sob o n.º ....
E) Foi dado como provado que o prédio rústico supra referido, com o artigo matricial ..., descrito na C.R.Pr. de Angra do Heroísmo sob o n.º ..., encontra-se inscrito a favor da ora Apelante pela apresentação n.º 2 de 1996/04/29, tendo por causa aquisitiva a compra ao anterior proprietário registado CMAC, prédio, esse, que, de acordo com a matriz e a descrição predial, tem a área de 5.082 m2.
F) Quanto à aquisição originária do prédio rústico por via da usucapião, ficou provado que a Apelante cuidou do prédio, realizando cortes de árvores, podas, limpezas do terreno, manutenção das respetivas paredes e portões, bem como realizou passeios e piqueniques que no mesmo, desde que adquiriu o prédio, a Apelante pagou sempre o respetivo IMI e zelou pela sua manutenção e limpeza, (…) contratando um jardineiro que cuidava das árvores e realizava as operações de corte e poda destas, bem como a manutenção das respetivas paredes.
G) Desde que adquiriu o prédio referido em 2. [art.º ...], a autora e a sua família desfrutavam regularmente de passeios no mesmo, tendo este sido um refúgio de leitura e um lugar de brincadeiras para a filha da autora e para as amigas desta durante a sua infância.
H) O uso referido em 5. a 8. [8 a 11 destas alegações] do prédio referido em 2. [4 b) e 5 destas alegações], pela autora, foi à vista de todas as pessoas, nunca foi posto em causa por ninguém, e na qualidade de dona.
I) No prédio referido em 2. [4 b) e 5 destas alegações] encontram-se enterrados três cães de estimação da autora.
J) No prédio referido em 2. [4 b) e 5 destas alegações], tem árvores, que proporcionam privacidade à casa da autora, sito em prédio anexo àquele, bem como proteção dos ventos.
K) Pelo que estão reunidos os elementos, subjetivos e objetivos, para uma posse válida para efeitos de aquisição originária do supra referido prédio rústico, tal como se havia peticionado.
L) Foi igualmente dado como provado que, em 07/01/2021, a autora detetou que havia sido feito, na sua ausência e sem o seu conhecimento, o derrube de parte do muro da estrema nascente, de parte do muro da estrema sudeste e muros de menor dimensão que formavam pequenos cerrados de pequena dimensão na parte mais elevada do terreno, a sudeste e que a empresa NMGS, Unipessoal, Lda., a mando dos réus introduziu máquinas e caterpillar de lagartas com pá de remoção de terra, (…) na parcela que a autora designa pela letra A, e que se encontra identificada no documento junto com a ref.ª 51596171 do apenso A, (…) e procedeu a movimentações de terras e ao corte e derrube de árvores.
M) A Meritíssima Juíza a quo reproduziu com rigor o teor das declarações de parte da Apelante (páginas 22 a 24 da sentença) que, por uma questão de economia, se dão aqui por integralmente reproduzidas, concluindo que teriam de ser devidamente cotejadas pelos depoimentos das testemunhas arroladas, nesse sentido, o Tribunal a quo prestou, em grande medida, atenção ao que as testemunhas disseram, resumindo, por vezes demais, como infra se demonstra, o teor dos depoimentos das mesmas, contudo, não tirou todas as ilações devidas, mormente dos depoimentos que infra se citam: testemunha MDMC, inquirida a 31/05/2023, e cujo depoimento se encontra registado de 11h30m às 12h18m.
N) Essa testemunha é vizinha do prédio da Apelante, tendo passado a sê-lo desde finais de 2000, inícios de 2001, sendo que, já nessa altura, a testemunha referiu haver uma diferença entre o prédio da Apelante e os circundantes, mormente o dos Apelados, a saber: “(…) e nessa altura já era possível visualizar uma mata densa e alta à esquerda e após o quinto cerrado, a qual ia até à Canada da ..., sendo que as árvores que existiam no quinto cerrado não eram da mesma tipologia das árvores que se visualizavam à esquerda e após o quinto cerrado.”
O) Como resulta do depoimento dessa testemunha registado dos 5m20seg aos 12m25 seg (supra transcrito) as respostas deveriam ter sido melhor valoradas para efeitos de demonstrar a inveracidade do alegado pelos RR. no que tange a cortes de mata, quer no terreno da A. quer no deles circundante na década de noventa, não só por não ter assistido a corte algum, como pelo tamanho (grande porte) da generalidade das árvores em torno do prédio da Apelante que esta testemunha conhecia, até porque queria arrendá-lo e, até mesmo, comprá-lo um dia mais tarde, depoimento, esse, corroborado também pela testemunha CC (filho, vendedor dos prédios à A.);
P) Assim como para demonstrar não estar o muro lateral da A. aberto em parte alguma, desde logo a nascente, para o prédio dos RR., ao contrário do que estes pretenderam fazer crer, antes existindo muros altos, nada consentâneos com muros divisórios internos de prédios do mesmo dono, assim como demonstrativo que estando a propriedade da Apelante vedada por muros altos, o muro derrubado do lado nascente para que as máquinas de corte e transporte de árvores pudessem transitar, teve que ser feito pela empresa madeireira, NMGS, Unipessoal, Lda., contratado pelos Apelados.
Q) De igual modo, a testemunha VMSM, cuja credibilidade não foi minimamente questionada, deveria ter sido mais tida em conta como resulta do seu depoimento, registado no dia 23/10/2023, de 10:31 a 12:12 e, para o que agora interessa, de 2:50 a 3:42, 04:30 a 4:37, 9:34 a 11:50, 12:40 a 13:40, 14:24 a 17:54, 21:29 a 23:03, 23:17 a 24:03 a 24:17, 24:24 a 26:00, 30:16 a 31:14, 31:21 a 31:27 e 31:40 a 32:18, tendo o mesmo esclarecido que o prédio da Apelante englobava o quinto cerrado, descrito no levantamento topográfico com a letra A., estando delimitado por muros, sendo que, junto ao canto esquerdo nascente, oposto à casa da Apelante, havia um castanheiro de grande dimensão que servia de referência ao limite do prédio que se verificava uns metros à frente no paredão aí existente que fazia uma linha nascente poente. De igual modo corrobora a questão dos muros divisórios se encontrarem intactos até à data do início do corte e remoção das árvores existentes nessa última parcela do prédio da Apelante.
R) A testemunha RB, cujo depoimento está com rigor vertido na fundamentação da sentença recorrida, chama-se a atenção para o registo do seu depoimento de 05:29 a 08:05 que melhor enquadrar o que foi reportado naquela, tendo a testemunha identificado com segurança os limites do prédio da Apelante, concretamente o muro que delimita o fim do prédio (do quinto cerrado/parcela do prédio da Apelante em relação ao prédio dos Apelados que fica para imediatamente a seguir ao paredão do fundo dessa parcela na direção oposta à da casa da Apelante, para o que a estes autos importa), o local onde enterrou o cão no quinto e último cerrado, os degraus de acesso a este, o caminho/carreiro/passadiço/atalho que costumava limpar a pedido da mãe da Apelante, descreveu o referido quinto cerrado nas suas partes componentes (desde logo o torreão que nele existia e as árvores que lá se encontravam, mormente castanheiros, pequenos e grandes bem como faias).
S) A concatenação da prova exigia uma solução assaz diferente, na linha da providência cautelar, pois a Apelante demonstrou documentalmente, através da certidão do registo predial e da caderneta predial, bem como inclusive do pagamento do IMI relativo ao prédio rústico que está na base desta ação, que o mesmo lhe pertence, coisa que os Apelados não contestam;
T) Quanto à questão dos limites do prédio, concretamente da quinta e última parcela, reclamada por ambas as partes, o Tribunal a quo tinha elementos de sobra para decidir a questão a favor da Apelante, desde logo tinha a área descrita na ficha do prédio na Conservatória do Registo Predial de Angra do Heroísmo e na matriz predial das Finanças (5.082m2) que ultrapassa a que se reclama tal como balizada pelo levantamento topográfico (4.184m2), o Tribunal a quo, tal como reproduziu na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, para além das declarações de parte da Apelante, os depoimentos das seguintes testemunhas: MDMC, CMAC, EJSR, VMSM, RABTC, RJSB, ainda que lhes atribuísse menor relevo probatório, teve também os depoimentos de MGNB, PMTP, BSR e MAVL(topógrafo), cujos depoimentos encontram-se sumarizados no corpo da sentença como elementos de fundamentação quanto à decisão sobre a matéria de facto julgada provada;
U) Na sentença foram transcreveram-se excertos dos depoimentos mais precisos sobre os limites do prédio, tendo a Meritíssima Juíza a quo tido o cuidado de, por referência ao levantamento topográfico junto aos autos, indicar os pontos de localização geográfica do prédio indicados naquele, apontados pelo topógrafo, nas referências feitas aos depoimentos das testemunhas, o que, desse modo, permite que se visualize os locais precisos indicados pelas mesmas quanto à localização do quinto cerrado/parcela, do castanheiro que servia de referência visual, dos muros laterais e final do prédio rústico, dos degraus, da parede derrubada, do passadiço lateral direito, do fim deste e da própria localização de onde foi enterrado o cão mencionado pelo Sr. RB.
V) Cotejando todos esses elementos, expressamente referidos no corpo da sentença, resulta clara a utilização pela Apelante da quinta e última parcela do seu terreno, balizada pelos muros constantes das fotos e desenhados no levantamento topográfico, que confina, a nascente e a sul, com o prédio do Apelado (a utilização das demais quatro parcelas do prédio rústico da Apelante por esta é matéria aceite pelos Apelados), utilização, essa, já há cerca de 25 anos, de forma ininterrupta, efetiva, pública, pacífica e titulada com a certeza de que tal prédio lhe pertence em toda a sua extensão, sendo que, fazendo-se a acessão na posse, há que somar os seis anos da posse do anterior proprietário, fazendo com que aquela dure já há mais de 30 anos.
W) Quanto ao depoimento do Sr. NMGS, madeireiro e especialista” em identificar as árvores pelos cepos, este declarou que existia um castanheiro com cerca de 15/20 anos no local onde a Apelante e as testemunhas desta referem existir um castanheiro – o tal que o Sr. HS e a Apelada dizem nunca ter visto… - castanheiro, esse, que teria, pelo menos, uns 8 ou 9 metros (depoimento prestado a 11/12/2023 das 13h57m às 15h10m) concretamente dos minutos 36:46 a 36:52.
Y) Em face dos elementos supra referidos, entende a Apelante que houve um erro na apreciação da prova e que, pela reapreciação da prova documental e sobretudo da audição dos depoimentos prestados e que acima se indicaram, se justifica uma revogação parcial da sentença recorrida nos moldes supra propugnados.
Termos em que, por provado, deve o presente recurso ser julgado procedente e a sentença recorrida revogada nos moldes propugnados, assim se fazendo JUSTIÇA.
*
Os apelados contra-alegaram, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.
2. FUNDAMENTAÇÃO.
A) OS FACTOS.
O Tribunal a quo julgou:
A.1. Provados os seguintes factos:
1. Por escritura pública intitulado “Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca”, datado de 01/07/1996, no Cartório Notarial de Angra do Heroísmo, perante a licenciada ACGMS, CMAC declarou vender e a autora declarou comprar:
a) o prédio urbano, sito na Canada do ..., na freguesia de São Pedro, do concelho de Angra do Heroísmo, que se compõe de casa de moradia, com a superfície coberta de 175m2 e quintal com 605m2, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Angra do Heroísmo sob o n.º ...;
b) o prédio rústico, sito na Canada do ..., na freguesia de São Pedro, do concelho de Angra do Heroísmo, que se compõe de 50 ares e 82 centiares de terreno de biscoito, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Angra do Heroísmo sob o n.º ....
2. Encontra-se inscrito na matriz predial rústica da freguesia de São Pedro, concelho de Angra do Heroísmo, sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Angra do Heroísmo, sob o n.º ..., o prédio rústico sito em Canada do ..., composto por terra de biscoito, que confronta a norte, sul e poente com proprietário e a nascente com herdeiros de ARB.
3. O prédio referido em 2. encontra-se inscrito na Conservatória do Registo Predial de Angra do Heroísmo a favor da autora, pela Ap. 2 de 1996/04/29, tendo como causa de aquisição compra, e como sujeito passivo CMAC.
4. Da matriz e da descrição predial consta que o prédio referido em 2. tem a área de 5082 metros quadrados.
5. A autora cuidou do prédio referido em 2., realizando cortes de árvores, podas, limpezas do terreno, manutenção das respetivas paredes e portões, bem como passeios e piqueniques no mesmo.
6. Desde que adquiriu o prédio referido em 2., a autora sempre pagou o respetivo IMI e zelou pela sua manutenção e limpeza,
7. (...) contratando um jardineiro que cuidava das árvores e realizava as operações de corte e poda destas, bem como a manutenção das respetivas paredes.
8. Desde que adquiriu o prédio referido em 2., a autora e a sua família desfrutavam regularmente de passeios no mesmo, tendo este sido um refúgio de leitura e um lugar de brincadeiras para a filha da autora e para as amigas desta durante a sua infância.
9. O uso referido em 5. a 8. do prédio referido em 2., pela autora, foi à vista de todas as pessoas, nunca foi posto em causa por ninguém, e na qualidade de dona.
10. No prédio referido em 2. encontram-se enterrados três cães de estimação da autora.
11. O prédio referido em 2. tem árvores, que proporcionam privacidade à casa da autora, sito em prédio anexo àquele, bem como proteção dos ventos.
12. Em 07/01/2021, a autora detetou que havia sido feito, na sua ausência e sem o seu conhecimento, o derrube de parte do muro da estrema nascente, de parte do muro da estrema sudeste e muros de menor dimensão que formavam pequenos cerrados de pequena dimensão na parte mais elevada do terreno, a sudeste.
13. A empresa NMGS, Unipessoal, Lda., a mando dos réus, introduziu máquinas e caterpillar de lagartas com pá de remoção de terra,
14. (...) na parcela que a autora designa pela letra A, e que se encontra identificada no documento junto com a ref.ª 51596171 do apenso A,
15. (...) e procedeu a movimentações de terras e ao corte e derrube de árvores.
16. Em 26/02/2021, o réu marido falou com a autora, arrogando-se proprietário da parcela identificada em 14..
17. Encontra-se inscrito na matriz predial rústica da freguesia de São Pedro, concelho de Angra do Heroísmo, sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Angra do Heroísmo, sob o número ..., o prédio rústico sito em Canada do ..., composto por terreno de pomar, vinha e mata, que confronta a norte com FJBBC e MFBBB, a sul com MCM e outro, a nascente com Canada do ... e BCB(Lote A) e a poente com Canada da ... e outro.
18. O prédio referido em 17. encontra-se inscrito na Conservatória do Registo Predial de Angra do Heroísmo a favor dos réus, pela Ap. 56 de 2019/02/08, tendo como causa de aquisição decisão judicial, e como sujeito passivo S- ATHS, Lda.
19. Da descrição predial consta que o prédio referido em 17. tem a área de 23718 metros quadrados.
20. Encontra-se inscrito na matriz predial rústica da freguesia de São Pedro, concelho de Angra do Heroísmo, sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Angra do Heroísmo, sob o número ..., o prédio rústico sito em Canada do ..., composto por terreno de pomar, vinha e mata, que confronta a norte com JM, a sul com FJBBC e ARB, e a poente com Canada da ... e ARB.
21. O prédio referido em 20. encontra-se inscrito na Conservatória do Registo Predial de Angra do Heroísmo a favor dos réus, pela Ap. 56 de 2019/02/08, tendo como causa de aquisição decisão judicial, e como sujeito passivo S- ATHS, Lda.
22. Da descrição predial consta que o prédio referido em 20. tem a área de 24684 metros quadrados.
23. Por sentença datada de 20/06/2006, proferida no âmbito do processo n.º .../00, pelo então 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Angra do Heroísmo, confirmada pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 02/07/2009, no âmbito do processo .../07-6 e pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 20/01/2010, no âmbito do processo n.º .../09.2YFLSB,
24. (...) foi declarado que o réu é proprietário dos prédios rústicos identificados em 17., 18., 20. e 21..
A. 2. Não provados os seguintes factos:
a) Anteriormente ao descrito em 3. dos factos provados, o prédio referido em 2. dos factos provados encontrava-se registado a favor de CMAC através da Ap. 01/290496, na sequência de partilha por divórcio,
b) (...) e anteriormente encontrava-se registada a favor de CMAC e de CABC através da Ap. 02/070593,
c) (...) e anteriormente encontrava-se registada a favor de FZBC, casado no regime de comunhão geral com FJBBC.
d) O referido em 5. a 9. dos factos provados foi também realizado pelos antepossuidores do prédio referido em 2. dos factos provados.
e) O prédio referido em 2. dos factos provados reveste-se de uma forma trapezoidal.
f) A parcela referida em 14. dos factos provados integra o prédio referido em 2. dos factos provados.
g) Os atos descritos em 5. a 9. dos factos provados foram praticados pela autora, também, na parcela referida em 14. dos factos provados.
h) A empresa NMGS, Unipessoal, Lda., a mando dos réus, procedeu ao derrube dos muros identificados em 12. dos factos provados.
i) Os réus venderam as árvores cortadas à empresa NMGS, Unipessoal, Lda., pelo valor de 10.000,00 €,
j) (...) e colocaram as que não tinham valor comercial, na parcela identificada em 14. dos factos provados, como entulho.
k) A reposição dos muros desfeitos importa um custo não inferior a 4.000,00 €, acrescido de IVA, no valor de 640,00 €.
l) A remoção das árvores cortadas que se encontram depositadas na parcela identificada em 14. dos factos provados e o plantio de novas árvores importa um custo não inferior a 6.472,60 €, acrescido de IVA, no valor de 666,90 €.
m) As árvores cortadas da parcela identificada em 14. dos factos provados, pela empresa NMGS, Unipessoal, Lda., a mando dos réus, possuíam um valor não inferior a 2.000,00 €.
B) O DIREITO APLICÁVEL.
O conhecimento deste Tribunal de 2.ª instância, quanto à matéria dos autos e quanto ao objecto do recurso, é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente como, aliás, dispõem os art.ºs 635.º, n.º 2 e 639.º 1 e 2 do C. P. Civil, sem prejuízo do disposto no art.º 608.º, n.º 2 do C. P. Civil (questões cujo conhecimento fique prejudicado pela solução dada a outras e questões de conhecimento oficioso).
Atentas as conclusões da apelação, acima descritas, as questões submetidas ao conhecimento deste Tribunal pela apelante consistem em saber se a) a sentença deve ser alterada relativamente aos factos declarados não provados sob as als. d), e), f), g) e h), os quais devem ser declarados provados, b) a ação deve proceder na sua totalidade.
Conhecendo.
1) Relativamente à primeira questão, a saber, se a sentença deve ser alterada relativamente aos factos que o tribunal a quo declarou não provados sob as als. d), e), f), g) e h), que devem agora ser declarados provados.
O tribunal a quo declarou não provado sob a al. d), dos factos não provado da sentença que “d) O referido em 5. a 9. dos factos provados foi também realizado pelos antepossuidores do prédio referido em 2. dos factos provados”.
Sob os n.ºs 5 a 9 dos factos provados o tribunal a quo declarou provado que:
5. A autora cuidou do prédio referido em 2., realizando cortes de árvores, podas, limpezas do terreno, manutenção das respetivas paredes e portões, bem como passeios e piqueniques no mesmo.
6. Desde que adquiriu o prédio referido em 2., a autora sempre pagou o respetivo IMI e zelou pela sua manutenção e limpeza,
7. (...) contratando um jardineiro que cuidava das árvores e realizava as operações de corte e poda destas, bem como a manutenção das respetivas paredes.
8. Desde que adquiriu o prédio referido em 2., a autora e a sua família desfrutavam regularmente de passeios no mesmo, tendo este sido um refúgio de leitura e um lugar de brincadeiras para a filha da autora e para as amigas desta durante a sua infância.
9. O uso referido em 5. a 8. do prédio referido em 2., pela autora, foi à vista de todas as pessoas, nunca foi posto em causa por ninguém, e na qualidade de dona”.
Analisada a sentença na sua fundamentação relativamente à decisão em matéria de facto constatamos que o facto agora em causa, a al. d) dos factos não provados, não recebeu nenhuma referência específica, estruturando-se essa fundamentação, essencialmente, sobre a prova documental e pessoal, e nesta estrutura incidido, prevalentemente, sobre a “…inserção da parcela de terreno em causa (que a autora identifica com a letra “A”), num, ou noutro prédio…”.
Nessa fundamentação da sua convicção, o tribunal a quo, em traços gerais, começa por titular o ónus da prova dos fundamentos da ação a cargo da A apelante, com contraprova a cargo dos RR apelados e depois de referir que os RR apelados não deduziram pedido reconvencional, de declaração da sua propriedade sobre a parcela de terreno que a A identifica como parte integrante do seu prédio, mais aduzindo que a estes cabe “…o respetivo ónus da prova dos factos constitutivos da exceção que invocam e à autora cabe-lhe opor contraprova – art. 342.º, n.º 2 e 3, do Código Civil”.
Em termos concretos, sobre a sua convicção relativamente ao facto sob a al. d) dos factos não provados, nada consta na sentença recorrida.
Pretende a apelante que o facto sob a al. d) deve ser declarado provado, mas o certo é que analisada a sua apelação, para além do depoimento da testemunha AC que se reporta ao período de tempo de cerca de sete anos em que foi proprietário, a A apelante não identifica outros elementos de prova suscetíveís de habilitarem este Tribunal da Relação a exercer o poder/dever que lhe é conferido pelo n.º 1, do art.º 662.º, do C. P. Civil, apreciando o facto em causa em toda a sua plenitude, que se reporta aos ante possuidores e não apenas ao ante possuidor AC.
Não tendo a apelante dado cumprimento ao ónus que, para o efeito, sobre ela decorre do disposto na al. b), do n.º 1, d art.º 640.º do C. P. Civil relativamente à totalidade do facto em causa, este Tribunal da Relação não poderá agora ir além do ante possuidor AC.
Ouvido o depoimento desta testemunha, que é linear, direto, revela segurança e tem credibilidade, não podemos, deixar de concluir que no período em que foi proprietário do prédio, entre 1989 e 1996 este praticou em relação ao mesmo os atos de posse inerentes ao seu direito de propriedade, fazendo-o sem oposição de ninguém, nomeadamente dos RR.
Não se provando a totalidade do facto em causa, resulta provado apenas que:
 O referido em 5. a 9. dos factos provados foi também realizado pelo ante possuidor ACdo prédio referido em 2. dos factos provados entre 1989 e 1996.   
 Nestas circunstâncias, procede, pois, parcialmente, a pretensão da apelante relativamente ao facto sob a al. d), eliminando-se esta alínea e passando o respetivo facto a integrar os factos provados sob o n.º 25 e com o seguinte conteúdo:
25. O referido em 5. a 9. dos factos provados foi também realizado pelo ante possuidor do prédio referido em 2. dos factos provados, CMAC, entre 1989 e 1996.   
O tribunal a quo declarou não provado sob a al. e), dos factos não provado da sentença que “e) O prédio referido em 2. dos factos provados reveste-se de uma forma trapezoidal”.
Este facto, trazido à lide pelo art.º 11.º da petição inicial, não tendo qualquer pertinência em si mesmo para decisão da causa, ainda que como facto instrumental, respeita contudo à delimitação e identificação do prédio de que a apelante se arroga proprietária, estando em conexão essencial com o facto declarado provado sob o n.º 14 da respectiva espécie e com o facto declarado não provado sob a al. f) da respectiva espécie da sentença, pelo que a pretensão da apelação em relação a ele será analisada em conjunto com o facto sob a referida al. f).
 O tribunal a quo declarou não provado sob a al. f) dos factos não provado da sentença que “f)   A parcela referida em 14. dos factos provados integra o prédio referido em 2. dos factos provados”.
Importa referir, desde já, que este facto constitui o cerne da apelação e a pedra de toque da causa de pedir da ação e configura-se, por si só, como decisor da litígio dos autos, como decorre da centralidade da motivação da sentença em matéria de facto e da sua transposição para os termos da apelação, sem deixar de constituir um facto em si mesmo, a saber, que pertence ao prédio identificado sob o n.º 2 dos factos provados e que, consequentemente, atento o facto provado sob o n.º 3, se encontra na esfera do direito de propriedade da A apelante.
Assim se compreende que a motivação da sentença em matéria de facto, embora se lhe não reporte na sua identidade, de al. f) dos factos não provados, tenha incidido essencialmente sobre o seu conteúdo, terminando no estado de dúvida, aliás, já referido no introito da motivação.
O tribunal a quo fundamentou longamente a sua decisão de declarar não provado o facto agora em causa, adoptando a metodologia de citar os documentos a que atendeu e de narrar as declarações e os depoimentos produzidos em audiência.
Da análise dos documentos que identifica concluiu a sentença que:
 “as medidas que os prédios apresentam documentalmente (processo de discriminação/cadernetas prediais/registos prediais) nada poderão adiantar para a solução dos autos
e das declarações e depoimentos concluiu a sentença ter ficado o “…Tribunal na dúvida sobre se a parcela que a autora designa pela letra A, e que se encontra identificada no documento junto com a ref.ª 51596171 do apenso A, integra o prédio da mesma, tendo sido limpa, cuidada, usada e usufruída pela autora, na qualidade da dona
e assim ter:
“…que decidir contra a parte a quem o facto aproveita, nos termos do art. 414.º, do Código de Processo Civil, pelo que, no caso em apreço, terá o mesmo de ser considerado não provado, uma vez que cabia à autora a sua prova – factos não provados f) e g).
Aduz a apelante que o tribunal a quo resumiu “…por vezes demais, …, o teor dos depoimentos das mesmas…” mas não tirou “…as melhores conclusões do resultado da inquirição…”, e que tal estado de dúvida não ocorre, tendo feito prova da pertença da “parcela” ao seu prédio.
Em abono da sua pretensão de alteração da decisão em matéria de facto no que respeita à al f), começa por invocar o depoimento da testemunha, MDMC, “…vizinha do prédio … desde finais de 2000, inícios de 2001…”, que criou porcos nas proximidades, a qual declarou que “… nessa altura já era possível visualizar uma mata densa e alta à esquerda e após o quinto cerrado, a qual ia até à Canada da ..., sendo que as árvores que existiam no quinto cerrado não eram da mesma tipologia das árvores que se visualizavam à esquerda e após o quinto cerrado.”, que se propõs “fazer” (explorar) “…os cinco cerrados…”, que, referindo-se as seus porcos,  “…isto tem paredes altas. Isto estava perfeitamente vedado, não dava para conseguirem entrar”.
No resumo deste depoimento que consta na motivação da decisão em matéria de facto da sentença recorrida, depois de referir que a testemunha declarou que não conseguia precisar onde terminava o terreno da A, exarou na motivação que “…em finais do ano de 2000/início do ano de 2001, e nesse altura já era possível visualizar uma mata densa e alta à esquerda e após o quinto serrado, a qual ia até à Canada da ..., sendo que as árvores que existiam no quinto cerrado não eram da mesma tipologia das árvores que se visualizavam à esquerda e após o quinto cerrado” e que “Por fim, afirmou que visualizou as máquinas de corte e que as árvores que existiam no quinto cerrado desapareceram”.
Tratando-se de uma testemunha com conhecimento pessoal e direto do prédio reportado à data do ano 2000 e também testemunha da presença e ação das máquinas e do “desaparecimento” das árvores, a asserção motivadora no sentido de que a testemunha não conseguia precisar onde terminava o prédio da A configura-se como desprovida das respetivas premissas.
Ouvido agora o depoimento da testemunha nos excertos a que se reporta a apelação e também na invocação que dele faz o tribunal a quo, constatamos que a testemunha, sendo vizinho e colega da A e conhecendo o R desde pequeno, demonstrou ter um conhecimento cuja aquisição se encontra justificada no tempo e que se mostar justificada em face da realidade rural a que se reporta.
Com efeito, em relação ao conhecimento que a sua memória registou do local em litigio, demonstrou ter conhecimento direto do prédio da A desde 1999, 2000, 2001, cuja parte final era mais funda, não tendo dúvidas que essa parte mais funda ainda era do prédio da A, tendo feito proposta para “fazer” parte do prédio, o qual era objeto de limpeza, tendo ouvido barulho de gente a cortar, a roçar.
Relativamente à identificação do prédio na data da sua inquirição refere a testemunha que nele foi feita terraplanagem, com derrube de muros e corte de vegetação  que dificultam a identificação do prédio da A após esses mesmos actos.
Esta testemunha demonstra um conhecimento directo e verosímil dos factos a que depôs, sendo que a sua demonstração ao tribunal a quo foi prejudicada pela referida ação sobre o local em litigio.
Em abono da sua pretensão de alteração da sentença no que respeita à matéria das als. e) e f)  da matéria de facto não provada, invoca também a apelante o depoimento da testemunha VM.
O tribunal a quo reporta-se longamente ao depoimento desta testemunha, registando a sua razão de ciência do local - “…desde os anos 80, quando ainda pertencia a outros proprietários, apesar de, naquela altura, ainda não ter a noção das estremas, pois era tudo dividido por paredões, o que é uma característica daquela mata/local”- e do prédio da A – “Descreveu o prédio que pertence à autora, afirmando que lá foi pela primeira vez em 1997/1998..” – considerou-o credível como decorre da expressão “…não é suficiente para retirar credibilidade ao referido depoimento, o qual foi prestado de forma desinteressada”, mas não explicita com clareza os termos em que o mesmo depoimenno não contribuiu para a ultrapassagem do estado de dúvida a que aportou em relação à matéria das als. e) e f).
Ouvido agora na íntegra o depoimento da testemunha, por tal se revelar necessário desde logo em face da apreciação que o tribunal a quo dele faz, constamos que a mesma, nascida em 1958, para além de conhecer as partes no litigio e a “mata”, esta a partir dos anos 80, “antes de ser destruída”, conhece também o “prédio” da A desde 98, 97, declarou que o mesmo seria constituído por 6 ou 7 “curraletas”, tinha uma zona mais funda onde havia um castanheiro, cuja solo ajudou a limpar (para os ratos não comerem as castanhas) de modo a que as castanhas pudessem ser apanhadas, o que também fez, que o terreno afundava e alargava, a tudo respondendo directamente e sem hesitações.
Relativamente a limpezas (rurais/florestais) com máquinas o depoimento da testamunha é elucidativo e convincente quando refere ser “de estilo”, introduzir máquinas para “ganhar terrenos…ganhar uns metros…” sendo público o receio de tal ato, de que a testemunha também comunga.
Também em relação a este depoimento a transmissão do conhecimento do local do litigio ao tribunal  a quo foi prejudicada pela ação de corte de vegetação e terraplanangem sobre o local em litigio como decorre das expressões com que a própria testemunha o declara, como sejam, “Não reconheço essas passagens…o castanheio estari aqui…Esta entrada não reconheço…muita pedra derrubada…”.
O depoimento desta testemunha é de grande valor para decisão sobre a matéria de facto agora em causa, quer pelo conhecimento directo, objetivo e isento que revela, quer pelo conhecimento que foi impedido de revelar atento o ato de “estilo” a que se reporta.
Em abono da sua pretensão de alteração da sentença no que respeita à matéria das als. e) e f)  da matéria de facto não provada, invoca também a apelante o depoimento da testemunha RB.
O depoimento desta testemunha encontra-se também longamente citado na motivação da decisão recorrida, em parte no seguimento das expressões “Confrontado com o requerimento datado de 27/04/2021 (ref.ª 4103159 do apenso A)”, “Confrontado com o requerimento datado de 27/05/2021 (ref.ª 4149891 do apenso A), “Confrontado com o requerimento datado de 27/05/2021 (ref.ª 4150211 do apenso A)”, sem que, contudo seja sopesada a sua credibilidade e valia na decisão de declarar não provada a matéria das al.s e) e f), da respectiva espécie.
Ouvido, pois, o seu depoimento relativamente a esta matéria constatamos que a testemunha demonstrou conhecer todo o “prédio” da apelante, “que lá para a ponta ficava mais largo”, sendo desde 97, 98, por nele ter feito trabalhos de reparações de casa de banho, limpeza de jardinagem/vegetação (cheguei a limpar quase como um quinteiro), esta em 1999 (na altura da independêbcia de Timor) e até o enterro de um cão (em zona baixinha lá ao fundo, quase para o fim das estremas … a pedido da dona G), indica as árvores existentes no local, castanheiros bravos, goiaba, e explicita sem hesitação e sem necessidade de perguntas toda a sua intervenção sobre o “prédio” da apelante - aqui o terreno era mais fundo… aqui era onde se descia… e aqui … e limpava até ao fundo… e empurei o dito cão por aqui…aqui descia um caminho - e defende o seu conhecimento com convição sem necessitar da ação do tribunal na condução da audiência - faça uma pergunta de modo que eu possa perceber …sei pouco protuguês.. mas…” e depõe assertivamente,  com autoconfiança e segurança - o mais perto da casa é o que está mais limpo em qualquer parte do mundo… se eu limpei o corredor que estava grande é porque o resto não estava limpo, embora quem anda na área, às vezes pensa que aqui nunca foi limpo
Também o depoimento desta testemunha, pelo conhecimento direto que revela ter do “prédio” da apelante é de grande valor para decisão sobre a matéria de facto agora em causa, que o local em conflito pertencia ao prédio da A e que esta o tratava como tal.
Também a testemunha ACccujo depoimento é invocado pela apelante em abono da sua pretensão, igualmente citado com profusão na motivação da decisão recorrida e que de modo algum é abalado pelo depoimento das testemunhas CC (seu pai) e CrC (sua ex-mulher), como em sede de análise de contraprova melhor se explicitará, assume grande relevãncia relativamente à matéria das als. e) e f), da matéria de facto não provada da sentença.
Sobre este depoimento, depois de referir que se trata da “pessoa que vendeu à autora o prédio…”,  aduziu o tribunal a quo, além do mais, que “…esclareceu que adquiriu uma casa e um prédio rústico, em 1989, a uma senhora chamada …, tendo sido esta quem lhe indicou as estremas do terreno que lhe havia adquirido, e descreveu o mesmo: partindo do prédio urbano que hoje pertence à autora, o terreno vai a descer, sendo composto por cinco parcelas que são vedadas com pedras. Existe uma parte que faz um fundão e depois ainda existe uma parte onde estava situado um castanheiro, do lado esquerdo, e logo a seguir ao castanheiro existia uma parede alta que fazia a divisão com o prédio dos réus, e no fim da quinta e última parcela existia uma divisão feita com barrotes de madeira”.
Compulsado o depoimento da testemunha constatamos que esta asserção do tribunal a quo, corresponde ao depoimento produzido em audiência.
Ante a descrição do depoimento pelo próprio tribunal a quo e a conclusão a que este também aporta ao exarar que “…o depoimento da testemunha CMAC veio confirmar as declarações prestada pela autora” e a credibilidade que o tribunal a quo lhe confere ao referir que a  “…apresentação de uma queixa-crime contra o réu, por si só, não é suficiente para que se possa afirmar que o depoimento desta testemunha seja totalmente desprovido de credibilidade”, não se vislumbra o caminho de valoração do depoimento que conduz à decisão que foi proferida relativamente às als. e) e f), agora em apreciação.
De facto, compulsado o depoimento da testemunha AC constatamos que a mesma declarou, de forma linear, espontânea, com resposta rápida e directa, ter adquirido, utilizado sem oposiçao de ninguém - … e o filho viu-os na parte deles - e vendido à apelante o local agora em litigio – quinto cerrado – e indicou os respectivos limites em face da realidade existente anteriormente aos actos descritos sob os n.ºs 12 a 15 da materia de facto provada, respondendo à pergunta do Tribunal - “onde é que ficavam esses barrotes” dizendo, “atravessavam aqui” acrescentando “até podia ter vedado na altura mas não havia necessidade”.
Sopesando a valia deste depoimento em face dos depoimentos das testemunhas CC e CrC expendeu o tribunal a quo que “O depoimento destas duas testemunhas entra em absoluta contradição com a depoimento prestado pela testemunha CMAC”, mas essa asserção peca por falta de precisão porque em vez de valorizar cada um dos depoimentos nos seus próprios termos e graduar o seu valor relativo se limita a constactar que as testemunhas depuseram diferentemente.
Ora, ouvido o depoimento da testemunha CC, constatamos que se trata de um depoimento caracaterizado por três vectores, em que o primeiro é o desprimor, declarado, assumido e ofensivo da personalidade e modo de condução de vida do filho, a testemunha AC (o Cinhos como se ouve nas declaraçoes da A apelante), e que nessa exata medida não devia ter sido permitido pelo tribunal apesar da avançada idade da testemunha e do vinculo de filiação,  em que o segundo vector é constituído pela razão de ciência do conhecimento declarado da testemunha, que é um conhecimento  indirecto uma vez que sobre a constituição e limites do “prédio” a testemunha declara o que o filho, AC lhe terá dito, e em que o terceiro vector é constituído por um conhecimento vago e impreciso da testemunha, a qual demonstra não estar a par dos factos provados sob o n.º 1, da matéria de facto provada da sentença, a saber, que o “prédio” pertença da apelante e que lhe foi vendido pelo seu filho, afinal, são dois prédios. 
Nos termos do seu próprio depoimento, tendo adquirido a casa que precisava de reparação,  o filho é que foi mostrar, estava tudo abandonado, passando de imediato para a abordagem que o R lhe fez quando surgiram os “problemas”, referindo-se ao conflito dos autos.
Em termos de conhecimento directo a testemunha demonstra nada saber sobre a constituição e limites do “prédio”, nomeadamente, quanto ao número de cerradinhos, apesar de se reporta a um paredão e que o filho nunca lhe falou além do paredão, referência conveniente na economia dos autos, nada sabendo de árvores, de limpezas - apesar de declarar, mais uma vez em desprimor do filho, que a nora, testemunha CrC, pegava em enxada e cavava -, de castanhas, de cães do filho e de pormenores que demonstrassem conhecimento prévio aos “problemas”.
Trata-se, pois, de um depoimento superficial, não espontãneo, estruturado em face do conflito dos autos, fazendo apelo ao que filho, AC, nunca lhe disse, imprestável para efeitos de contraprova dos factos sob as als. e) e f), agora em causa.
Ouvido o depoimento da testemunha CrC, constactamos que a mesma começando por referir que foi proprietária entre 89 e 94 e que esteve pouco tempo na casa (comprámos em 89 fui para lá em junho de 1992  saí em outubro de 1994 inicio de novembro) e assumindo em seguida que quando comprámos eu é que tratei sempre do negócio, demonstra ter um conhecimento superficial, inseguro - para tráz não posso garantir que eu nunca fui -  sem pormenor e dirigido sobre o “prédio” dos autos, uma vez que a declarada direção negocial - quem fez o negócio fui eu, a sra disse-me que era até aqui - nem sequer lhe permitiu reportar-se aos factos descritos sob o n.º 1, da matéria de facto da sentença e em que a ligeireza do conhecimento que se arroga a leva a repetir a asserção dubitativa  antes tinha árvores, agora cortaram eu perco a localização.
Os depoimentos das testemunhas CC e CrC, pai e ex-mulher da testemunha AC, respectivamente, não só não entram em contradição com o depoimento desta testemunha como realçam o seu valor pela credibilidade que este merece e àqueles falece.
E essa credibilidade também não é diminuida pela apresentação da queixa-crime a que o tribunal a quo se reporta e que a testemunha confirma - fiz por causa da minha segurança, não para fazer mal. ele veio com o carro para cima de mim, fiquei entalado entre ele e um carro estacionado - uma vez que esta corresponde ao exercicio de um direito de cidadania no âmbito do jus puniendi, que pertence ao Estado de Direito, não estando na titularidade de cada cidadão que se considere ofendido nos seus direitos.  
O depoimento da testemunha ER também invocado pela apelante em abono da sua pretensão de alteração da decisão em matéria de facto é também referenciado pelo tribunal a quo, quer na sua razão de ciência - foi quem … aconselhou (a A) a adquirir e a apresentou a CMAC (vendedor) – quer no conhecimento declarado - conhecia o terreno que hoje pertence à autora, … e que o mesmo (o terreno) é comprido e circula-se nele pela direita, tendo como referência do seu limite um castanheiro centenário… que não tinha bem a noção de onde era o fim do terreno, apenas que o castanheiro se situava no fundo do terreno, mas este não acabava onde o castanheiro se situava, não conseguindo precisar os metros que mediava entre o castanheiro e o fim do terreno. Todavia, assegurou que a zona que foi arrasada era onde se situava o referido castanheiro. – sem que contudo, se mostre realizada a sua valoração em face dos restantes depoimentos.
Em termos semelhantes ao anterior também o depoimento da testemunha RC é referenciado pelo tribunal a quo que sobre ele aduz, além do mais que “…referiu conhecer o prédio da autora desde o ano 2005/2006, descrevendo-o: a casa fica à beira da estrada e nas suas traseiras tem um terreno (“Quinta” como denominou), que tem a forma de um trapézio, vai descendo, é composto por cinco “curraletas”, existindo divisórias (“paredes de pedra”) entre as “curraletas”, e era delimitado à direita por um paredão (fazendo estrema com o prédio dos M) e à esquerda por outro paredão (fazendo estrema com o prédio do C), havendo uma passagem a pé, do lado direito, sendo possível entrar para o último cerrado através de uma escadas em pedra, que estavam cobertas de silvas”, sem que, do mesmo modo que no depoimento anterior, se mostre realizada a sua valoração em face dos restantes depoimentos, circunstância realçada pela apelante ao exarar na conclusão M que o tribunal “…não tirou todas as ilações devidas…”.
No âmbito dos fundamentos da sua pretensão de alteração da decisão recorrida em matéria de facto, a apelante invoca ainda os depoimentos das testemunhas MB, PP, BR e ML, fazendo-o, todavia, por remissão para a súmula que deles faz a motivação da decisão do tribunal a quo, que aceita e que invectiva apenas por não ter tirado “todas as ilações devidas”, o mesmo é dizer-se não ter considerado tais depoimentos na sua própria valia, tal como aduziu em relação às testemunhas antes referidas.
Nestas circunstâncias, afigura-se-nos dispensável qualquer outra referênbcia aos depoimentos destas quatro testemunhas para além da sumula que a própria sentença deles faz.
O Tribunal a quo, depois de resumir a prova pessoal produzida em audiência procedeu à sua valoração em face do conflito dos autos nos seguintes termos:
Ora, analisada toda a prova declarativa produzida em sede audiência de discussão e julgamento, temos que foram trazidas a Tribunal duas versões contraditórias dos factos em apreciação.
Por um lado, temos a versão da autora, no sentido de a parcela em discussão (o quinto cerrado), integrar o seu prédio rústico, tanto mais que desde que o adquiriu, em 1996, sempre cuidou da sua manutenção e limpeza, em toda a sua extensão e até ao limite do mesmo, próximo de um castanheiro centenário, usando e fruindo do mesmo, incluindo a parcela em discussão, na qualidade de dona e à vista de todas as pessoas, o que nunca foi posto em causa por ninguém.
Esta versão, trazida pela autora, foi corroborada, no essencial, pelas testemunhas MC, CAC, ER, VM, RC e MB, que identificaram um grande castanheiro, centenário ou, pelo menos, com largas dezenas de anos, como o extremo do terreno da autora, o qual se situava no canto superior esquerdo da parcela em discussão.
Por outro lado, temos a versão dos réus, de que a parcela em discussão integra os seus prédios rústicos, nunca tendo sido limpa, cultivada, usada ou usufruída pela autora, tanto mais que o aspeto daquela (da parcela em discussão) sempre foi idêntico ao aspeto do restante prédio que pertence aos réus, de mato fechado e denso, o que contrastava com o aspeto do terreno da autora, sempre limpo e cuidado.
Esta versão, trazida pelos réus, foi corroborada, no essencial, pelas testemunhas CSC, CrC, HS, NS, RO e VS”.
Como corolário dessa análise aportou o tribunal a quo à conclusão de que “Em face de tudo o que fica exposto, fica este Tribunal na dúvida sobre se a parcela que a autora designa pela letra A, e que se encontra identificada no documento junto com a ref.ª 51596171 do apenso A, integra o prédio da mesma, tendo sido limpa, cuidada, usada e usufruída pela autora, na qualidade da dona”.
Insurgindo-se a apelante contra esta declaração de estado de dúvida importa, antes de mais, analisar os depoimentos das testemunhas HS, NS, ROe VS, uma vez que os depoimentos das testemunhas CC e CrC foram já analisados em face do depoimento da testemunha AC.
Para o efeito, importa ter presente como elemento norteador, aliás, também vincado na sentença sob recurso, que a dicotomia de versões, da A e dos RR, a que o tribunal a quo se reporta na sua motivação, se insere numa ação em que a A pede, grosso modo, a declaração da sua propriedade e os RR se limitam a pedir a absolvição do pedido.  
E assim, relativamente aos factos sob as als. e) e f) em consideração, enquanto os depoimentos das testemunhas oferecidas pela A apelante se dirigem à prova  dos fundamentos da ação, nos  termos do disposto no n.º 1,  do art.º 342.º,do C. Civil, os depoimentos das testemunhas oferecidas pelos RR apelados dirigem-se à contraprova desses mesmos factos, nos termos do disposto no art.º 346.º, do C. Civil, circunscrevendo-se o ónus dos apelados a tornar tais factos duvidosos.
Apreciando, pois, os depoimentos em causa.
A testemunha HS, amigo dos RR, tendo declarado conhecer o prédio dos RR desde 1980, ano do sismo, não foi contudo capaz de materializar esse conhecimento para além de generalidades vagas como entulho que nele seria depositado pelo pai do R que era construtor e ter chegado a andar na máquina pelos seus dezassete anos, passando para a apanha de lenha para si próprio em data e circunstãncias não explicitadas, referindo o seu interesse em adquirir um lote em 1983, passando em seguida a um corte de árvores no prédio em 1993 por um tal ….  
A testemunha depõe sincopadamente, sem espontaneidade e sem convicção, associando um acidente de mota à época desse corte, usando a expressão “sim, sim” e até “sim, sim, sim”, generalizando mas particularizando em favor da parte - do outro lado a senhora teve sempre arranjado… quatro coisas pequenas - , em tudo revelando insegurança.
Acresce que o corte de árvores reportado a 1993 que referencia, para além da sua própria inconsistência, passou desapercebido à testemunha CrC, que se reportou a uma mata densa até novembro de 1994.
A testemunha NS declarou que comprou a “mata” em questão aos RR, expressão dos madeireiros para a compra da madeira nela existente, tendo procedido ao seu corte com máquinas e dez-doze homens, não localizando no tempo esse acto, referindo as árvores que cortou, entre elas, castanheiros que teriam entre quinze vinte anos, que não produziam castanhas, nada de concreto explicitando relativamente aos factos sob as als. e) e f), agora em causa.
A testemunha ROdeclarou ser irmão da R e relativamente à matéria das als. e) e f) agora em causa reportou que teria procedido à reparação de uma concela há cerca de trinta anos, configurando-se o seu depoimento como desprovido de qualquer valor no âmbito da matéria em causa.
A testemunha VS declarou que realizou um trabalho da sua especialidade para o R no seu prédio, dentro da estremas que este lhe indicou e que já tinha realizado um loteamento num prédio confinante, opinado sobre o que seria o prédio do apelante, sendo que o seu depoimento por este conjunto de circunstãncias, encimado pelo seu declarado conhecimento indirecto, em nada inquina os factos sob as als. e) e f), agora em causa.
Analisados no seu conjunto os depoimentos das testemunhas CC, CrC, HS, NS, ROe VS, que constituiriam a contraprova dos apelados á matéria das als. e) e f) agora em análise, pela desvalia intrinseca de cada um deles já referida e porque a mesma se mantém com a sua avaliação em conjunto. que faz sobressair essa falta de valia pela regra do adicionamento de numerais negativos, não podemos deixar de concluir que os apelados não lograram dar cumprimento ao ónus que para eles decorre do disposto no art.º 346.º, do C. Civil, não sendo de acompanhar e manter o estado de dúvida declarado pelo tribunal a quo na motivação da sua decisão.
Os depoimentos das testemunhas  M C, AC, ER, VM e RC acima ouvidos e analisados, mas também o depoimento da testemunha MB, em conjugação com as declarações da A apelante, constituem prova adequada, suficiente e a possível em face da ação dos RR para prova da matéria das als. e) e f) agora em causa.    
Em relação a esta matéria e no que respeita  às declarações da apelante, que o R nem sequer conhecia como proprietária confiante, importa referir que o seu conhecimento da constituição dos prédios adquiridos lhe não adveio só dos documentos pertinentes e da pessoa do vendedor AC mas também da ante proprietária, MC que falava com a mãe da declarante e ía contado histórias, nomeadamente quanto ao plantio e idade das árvores – o marido tinha plantado a laranjeira.
Procede, pois, a apelação quanto às als. e) e f) da matéria de facto não provada da sentença, a qual será revogada, eliminando-se tais alíneas  e aditando-se os respetivos factos à matéria de facto provada, com os seguintes números e conteúdo:
26. O prédio referido em 2. dos factos provados reveste-se de uma forma trapezoidal.
27. A parcela referida em 14. dos factos provados integra o prédio referido em 2. dos factos provados. 
Relativamente à al. g) da matéria de facto não provada da sentença, que a apelante pretende seja alterada, declarando-se provado que:
g) Os atos descritos em 5. a 9. dos factos provados foram praticados pela autora, também, na parcela referida em 14. dos factos provados.
Sob os n.ºs 5 a 9 da matéria de fato provada da sentença o tribunal a quo declarou provado que:
5. A autora cuidou do prédio referido em 2., realizando cortes de árvores, podas, limpezas do terreno, manutenção das respetivas paredes e portões, bem como passeios e piqueniques no mesmo.
6. Desde que adquiriu o prédio referido em 2., a autora sempre pagou o respetivo IMI e zelou pela sua manutenção e limpeza,
7. (...) contratando um jardineiro que cuidava das árvores e realizava as operações de corte e poda destas, bem como a manutenção das respetivas paredes.
8. Desde que adquiriu o prédio referido em 2., a autora e a sua família desfrutavam regularmente de passeios no mesmo, tendo este sido um refúgio de leitura e um lugar de brincadeiras para a filha da autora e para as amigas desta durante a sua infância.
9. O uso referido em 5. a 8. do prédio referido em 2., pela autora, foi à vista de todas as pessoas, nunca foi posto em causa por ninguém, e na qualidade de dona”.
Como decorre dos depoimento das testemunhas M C, RB, VMe  MB, em conjugação com as declarações da apelante, dúvidas não restam que esta cuidou também desta parte do seu prédio, fazendo-o à vista de todos, sem a oposição de ninguém e nos termos que, como proprietária, melhor achou adequados ou pôde, com isto não se olvidando a sabedoria popular e nessa medida comprovada e notória trazida à lide pela testemunha  RB, ao dizer que o mais perto da casa é o que está mais limpo em qualquer parte do mundo…
Este depoimento permitiria distinguir entre a propriedade da apelante mais perto de casa e a mais distante mas não permite distinguir entre os “cerrados” ou “cerradinhos” e logo não pemite distinguir entre o que o tribunal a quo já declarou pertencer à apelante e o que se prefigura relativamente à dita “parcela” a que se reportam os factos sob o n.º 14 e sob esta al. g), até por uma questão de coerência decisória.
Procede, pois, a apelação quanto a esta al. g) da matéria de facto não provada da sentença, a qual será revogada, eliminando-se esta alínea e aditando-se o respetivo facto à matéria de fato provada, com o seguinte número e conteúdo:
28. Os atos descritos em 5. a 9. dos factos provados foram praticados pela autora, também, na parcela referida em 14. dos factos provados.
Relativamente à al. h) da matéria de facto não provada da sentença, a saber,
h) A empresa NMGS, Unipessoal, Lda., a mando dos réus, procedeu ao derrube dos muros identificados em 12. dos factos provados.
As pormenorizadas declarações da apelante, em especial no que respeita à descrição da conversa tida com o R relativamente à ação deste sobre o seu prédio, conjugadas com o depoimento da testemunha VM relativamentre ao “estilo” da ação dos RR e com os factos já declarados provados sob os n.ºs 12 a 16 determinam que o facto sob a al. h) seja declarado provado, o que se fará, julgando-se procedente a apelação quanto a ele, eliminando-se esta alínea h) e aditando-se o respetivo facto à matéria de faco provada, com o seguinte número e conteúdo:
29. A empresa NMGS, Unipessoal, Lda., a mando dos réus, procedeu ao derrube dos muros identificados em 12. dos factos provados.
Procede, pois, parcialmente esta primeira questão da apelação, alterando-se a sentença relativamente às als.  d), e), f), g) e h) da matéria de facto que declarou não provada, as quais serão eliminadas, passando os respetivos factos a integrar a matéria de facto provada nos seguintes termos:
25. O referido em 5. a 9. dos factos provados foi também realizado pelo ante possuidor do prédio referido em 2. dos factos provados, CMAC, entre 1989 e 1996.   
26. O prédio referido em 2. dos factos provados reveste-se de uma forma trapezoidal.
27. A parcela referida em 14. dos factos provados integra o prédio referido em 2. dos factos provados. 
28. Os atos descritos em 5. a 9. dos factos provados foram praticados pela autora, também, na parcela referida em 14. dos factos provados.
29. A empresa NMGS, Unipessoal, Lda., a mando dos réus, procedeu ao derrube dos muros identificados em 12. dos factos provados.
2) Relativamente à segunda questão, a saber, se a ação deve proceder na sua totalidade.
Na petição inicial da ação pediu a A apelante que se declare o seu direito de propriedade sobre o prédio rústico inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Angra do Heroísmo sob o n.º ... da freguesia de São Pedro, concelho de Angra do Heroísmo por aquisição derivada e usucapião (pedidos sob as als. a) e b)) e que os RR apelados fossem condenados a não entrarem no mesmo, pessoalmente ou por interposta pessoa, com máquinas ou outros meios e a não estorvarem a sua posse (pedido sob a al. c)) e a não realizarem qualquer obra no prédio nem nos seus muros limítrofes (pedido sob a al. d)) e a pagarem-lhe o valor de € 13.112,60, correspondente aos prejuízos materiais causados acrescido de juros vincendos à taxa legal de 4% até integral reembolso (pedido sob a al. e)).
O primeiro desses pedidos, de declaração do seu direito de propriedade (als. a) e b)), atentos os factos provados acima descritos sob os n.ºs 1. b), 2 a 9, 25, 27 e 28 não pode deixar de proceder, quer nos termos do disposto no art.º 7.º e 28.º, do C. R. Predial e nos art.ºs 1316.º, n.º 1, 874.º 875.º, 879.º, al. a), 1294.º, al. a) e 1317.º, al. a), do C. Civil, uma vez que a A apelante adquiriu o direito de propriedade sobre o prédio por contrato de compra e venda celebrado com o anterior proprietário por escritura pública e devidamente registado, quer nos termos do disposto nos art.ºs 1316.º, n.º 1, 1287.º, 1259.º, n.º 1, 1294.º al. a), e 1317. al. c), do C. Civil, uma vez que após o título de aquisição e registo a A apelante exerceu a posse correspondente ao exercício do direito de propriedade sobre o prédio desde 1996.
Os pedidos deduzidos sob as als. c) e d), da parte correspondente da petição inicial, relativos ao uso e fruição do prédio, atento o disposto nos art.ºs 1305.º e 1311.º, do C. Civil não podem, também deixar de proceder.
O pedido de indemnização formulado sob a al. e), da parte correspondente da petição inicial, estando provados os danos sofridos pela A apelante com a ação dos RR apelados, como decorre dos factos provados sob os n.ºs 12 a 15 e 29, mas não estando provado o valor desses danos, como decorre do disposto nas als. i), j), k), l) e m), dos factos não provados, nos termos do disposto no n.º 2, do art.º 609.º, do C. P. Civil, procede apenas parcialmente, devendo os RR apelados ser condenados a indemnizar a A apelante no valor que vier a ser liquidado, nos termos do disposto no art.º 566.º, do C. Civil e nos limites desse mesmo pedido formulado na petição inicial, nos termos do disposto no n.º 1, do art.º 609.º, do C. P. Civil.
*
Procede, pois, parcialmente a apelação, devendo alterar-se a decisão do tribunal a quo em matéria de facto nos termos expostos na apreciação da primeira questão supra, declarando-se procedentes os pedidos formulados pela A apelante sob as als. a) a d) da parte correspondente da petição inicial, condenando-se os RR apelados nos termos peticionados sob as als. c) e d) e condenando-se os RR apelados relativamente ao pedido sob a al. e), a indemnizar a A apelante no valor que se vier a liquidar, revogando-se e confirmando-se a sentença recorrida em conformidade.
C) SUMÁRIO
1. Na ação em que a A pede, grosso modo, a declaração da sua propriedade sobre um prédio rústico e a condenação dos RR a não perturbarem o seu uso e fruição e em que estes se limitam a pedir a absolvição do pedido apesar de declararem que agiram sobre o seu próprio prédio, com aquele confinante, sobre a A impende o ónus da prova dos fundamentos da ação, nos termos do disposto no n.º 1, do art.º 342.º, do C. Civil, podendo os RR opor contraprova a esses mesmos factos, em ordem a torná-los duvidosos, nos termos do disposto no art.º 346.º, do C. Civil.
2. Pedindo a A apelante que se declare o seu direito de propriedade sobre o prédio por aquisição derivada e usucapião (pedidos sob as als. a) e b)) e que os RR apelados sejam condenados a não entrarem no mesmo, pessoalmente ou por interposta pessoa, com máquinas ou outros meios e a não estorvarem a sua posse (pedido sob a al. c)) e a não realizarem qualquer obra no prédio nem nos seus muros limítrofes (pedido sob a al. d)) e a pagarem-lhe o valor de € 13.112,60, correspondente aos prejuízos materiais causados acrescido de juros vincendos à taxa legal de 4% até integral reembolso (pedido sob a al. e)).
3. O primeiro desses pedidos, de declaração do seu direito de propriedade (als. a) e b)), estando provado que:
1. Por escritura pública intitulado “Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca”, datado de 01/07/1996, no Cartório Notarial de Angra do Heroísmo, perante a licenciada ACGMS, CMAC declarou vender e a autora declarou comprar:
b) o prédio rústico, sito na Canada do ..., na freguesia de São Pedro, do concelho de Angra do Heroísmo, que se compõe de 50 ares e 82 centiares de terreno de biscoito, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Angra do Heroísmo sob o n.º ....
2. Encontra-se inscrito na matriz predial rústica da freguesia de São Pedro, concelho de Angra do Heroísmo, sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Angra do Heroísmo, sob o n.º ..., o prédio rústico sito em Canada do ..., composto por terra de biscoito, que confronta a norte, sul e poente com proprietário e a nascente com herdeiros de ARB.
3. O prédio referido em 2. encontra-se inscrito na Conservatória do Registo Predial de Angra do Heroísmo a favor da autora, pela Ap. 2 de 1996/04/29, tendo como causa de aquisição compra, e como sujeito passivo CMAC.
4. Da matriz e da descrição predial consta que o prédio referido em 2. tem a área de 5082 metros quadrados.
5. A autora cuidou do prédio referido em 2., realizando cortes de árvores, podas, limpezas do terreno, manutenção das respetivas paredes e portões, bem como passeios e piqueniques no mesmo.
6. Desde que adquiriu o prédio referido em 2., a autora sempre pagou o respetivo IMI e zelou pela sua manutenção e limpeza,
7. (...) contratando um jardineiro que cuidava das árvores e realizava as operações de corte e poda destas, bem como a manutenção das respetivas paredes.
8. Desde que adquiriu o prédio referido em 2., a autora e a sua família desfrutavam regularmente de passeios no mesmo, tendo este sido um refúgio de leitura e um lugar de brincadeiras para a filha da autora e para as amigas desta durante a sua infância.
9. O uso referido em 5. a 8. do prédio referido em 2., pela autora, foi à vista de todas as pessoas, nunca foi posto em causa por ninguém, e na qualidade de dona.
25. O referido em 5. a 9. dos factos provados foi também realizado pelo ante possuidor do prédio referido em 2. dos factos provados, CMAC, entre 1989 e 1996.   
27. A parcela referida em 14. dos factos provados integra o prédio referido em 2. dos factos provados. 
28. Os atos descritos em 5. a 9. dos factos provados foram praticados pela autora, também, na parcela referida em 14. dos factos provados.
não pode deixar de proceder, quer nos termos do disposto no art.º 7.º e 28.º, do C. R. Predial e nos art.ºs 1316.º, n.º 1, 874.º 875.º, 879.º, al. a), 1294.º, al. a) e 1317.º, al. a), do C. Civil, uma vez que a A apelante adquiriu o direito de propriedade sobre o prédio por contrato de compra e venda celebrado com o anterior proprietário por escritura pública e levou essa aquisição ao registo predial, quer nos termos do disposto nos art.ºs 1316.º, n.º 1, 1287.º, 1259.º, n.º 1, 1294.º al. a), e 1317. al. c), do C. Civil, uma vez que, após o título de aquisição e seu registo, a A apelante exerceu a posse correspondente ao exercício do direito de propriedade sobre o prédio desde 1996.
4. Os pedidos deduzidos sob as als. c) e d), da parte correspondente da petição inicial, relativos ao uso e fruição do prédio, atento o disposto nos art.ºs 1305.º e 1311.º, do C. Civil não podem, também deixar de proceder.
5. O pedido de indemnização formulado sob a al. e), da parte correspondente da petição inicial, estando provados os danos sofridos pela A apelante com a ação dos RR apelados, como decorre dos factos provados sob os n.ºs 12 a 15 e 29, a saber,  
12. Em 07/01/2021, a autora detetou que havia sido feito, na sua ausência e sem o seu conhecimento, o derrube de parte do muro da estrema nascente, de parte do muro da estrema sudeste e muros de menor dimensão que formavam pequenos cerrados de pequena dimensão na parte mais elevada do terreno, a sudeste.
13. A empresa NMGS, Unipessoal, Lda., a mando dos réus, introduziu máquinas e caterpillar de lagartas com pá de remoção de terra,
14. (…) na parcela que a autora designa pela letra A, e que se encontra identificada no documento junto com a ref.ª 51596171 do apenso A,15. (...) e procedeu a movimentações de terras e ao corte e derrube de árvores.
15. (...) e procedeu a movimentações de terras e ao corte e derrube de árvores.
29. A empresa NMGS, Unipessoal, Lda., a mando dos réus, procedeu ao derrube dos muros identificados em 12. dos factos provados.
mas não estando provado o valor desses danos, como decorre do disposto nas als. i), j), k), l) e m), dos factos não provados, a saber,
i) Os réus venderam as árvores cortadas à empresa NMGS, Unipessoal, Lda., pelo valor de 10.000,00 €,
j) (...) e colocaram as que não tinham valor comercial, na parcela identificada em 14. dos factos provados, como entulho.
k) A reposição dos muros desfeitos importa um custo não inferior a 4.000,00 €, acrescido de IVA, no valor de 640,00 €.
l) A remoção das árvores cortadas que se encontram depositadas na parcela identificada em 14. dos factos provados e o plantio de novas árvores importa um custo não inferior a 6.472,60 €, acrescido de IVA, no valor de 666,90 €.
m) As árvores cortadas da parcela identificada em 14. dos factos provados, pela empresa NMGS, Unipessoal, Lda., a mando dos réus, possuíam um valor não inferior a 2.000,00 €.
nos termos do disposto no n.º 2, do art.º 609.º, do C. P. Civil, procede apenas parcialmente, devendo os RR apelados ser condenados a indemnizar a A apelante no valor que se vier a liquidar, nos termos do disposto no art.º 566.º, do C. Civil e nos limites desse mesmo pedido formulado na petição inicial, nos termos do disposto no n.º 1, do art.º 609.º, do C. P. Civil.

3. DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação parcialmente procedente, alterando-se a decisão do tribunal a quo em matéria de facto nos termos acima expostos, declarando-se procedentes os pedidos formulados pela apelante sob as als. a) a d) da parte correspondente da petição inicial, condenando-se os RR apelados nos termos peticionados sob as als. c) e d) e relativamente ao pedido sob a al. e) condenando-se os RR apelados a indemnizar a A apelante no valor que se vier a liquidar, revogando-se e confirmando-se a sentença recorrida em conformidade.
Custas pelas partes na proporção de ¾ pelos RR apelados e ¼ pela A apelante.

Lisboa, 06-06-2024,
Orlando Santos Nascimento
Laurinda Gemas
Vaz Gomes