Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | JERÓNIMO FREITAS | ||
Descritores: | TRABALHADORA GRÁVIDA JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/08/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Parcial: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | I. A noção de justa causa de despedimento exige a verificação cumulativa dos requisitos seguintes: i) um comportamento ilícito e culposo do trabalhador, por acção ou omissão, violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, grave em si mesmo e nas suas consequências (elemento subjectivo da justa causa); ii) que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral (elemento objectivo da justa causa); iii) a verificação de um nexo de causalidade entre aquele comportamento ilícito, culposo e grave e a impossibilidade prática e imediata da manutenção da relação laboral, na medida em que esta tem que decorrer, efectivamente, do comportamento do trabalhador. II. Comete uma infracção disciplinar grave, consubstanciando a violação dos deveres de obediência e lealdade, a trabalhadora que, no seu local de trabalho, apropria-se do cartão de multibanco propriedade de uma outra trabalhadora sua colega, sem o conhecimento e contra a vontade desta, para no dia seguinte, fazendo uso do mesmo numa caixa de multibanco, sempre contra a vontade daquela, proceder ao levantamento da quantia de € 200,00. III. A conduta da trabalhadora não só pôs em causa a necessária relação de confiança, como a comprometeu definitivamente. Com efeito, tal como concluiu a empregadora, o seu comportamento “(..)foi revelador de uma profunda falta de lealdade, honestidade e fidelidade à A., valores estes que são basilares para a subsistência da confiança por parte da entidade patronal”. IV. Assim, não é de todo exigível à recorrida, como não o seria a qualquer outra entidade empregadora colocada perante o mesmo circunstancialismo, que creia na idoneidade futura do comportamento da trabalhadora, ou seja, que tenha como provável que no futuro vá ser uma trabalhadora cumpridora dos seus deveres, nomeadamente, não pondo em causa as condições do local de trabalho, do ponto de vista físico e moral, isenta de comportamentos desleais quer para aquela quer para as suas colegas de trabalho, e capaz de assumir as responsabilidades por eventuais erros que viesse a cometer. (Elaborado pelo Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I. RELATÓRIO I.1 No Tribunal do Trabalho de Loures, AA, S.A., intentou a presente acção declarativa comum, de simples apreciação contra BB, que veio a ser distribuída ao 1.º Juízo, pedindo seja reconhecida a existência de justa causa para despedimento da Ré. Alega, em síntese, que: - A A. é uma sociedade comercial que, na prossecução do seu escopo social, se dedica designadamente, ao comércio a retalho de medicamentos não sujeitos a receita médica, artigos e equipamentos médicos, veterinários, de fisioterapia e ortopédicos, em que se incluem o calçado e o vestuário, vestuário infantil hipoalergénico e vestuário de protecção específico e aquecimento, artigos de cosméticos, perfumaria, higiene, puericultura, drogaria, produtos naturais e dietéticos e de nutrição infantil. - A R. foi admitida ao serviço da A. mediante contrato de trabalho celebrado em 13-10-2008 e, actualmente, tem a categoria profissional de Operador 1 e exerce as suas funções no estabelecimento da A. denominado “W” sito em sito em (…) Loures. - A A. instaurou um processo disciplinar à R., tendo esta recebido a nota de culpa em 05-06-2012, pela prática dos seguintes factos: - No dia 15-04-2012, a Ré encontrava-se ao serviço da A. e efectuou o turno da noite juntamente com a colaboradora CC, que também estava ao serviço. - No mesmo dia, antes de sair do trabalho, a Ré apropriou-se do cartão multibanco da colaboradora CC, sem que esta se apercebesse e levou-o na sua posse, com intenção de o fazer seu. - No dia seguinte, dia de folga, por volta das 07.37 horas, munida do referido cartão multibanco, a Ré dirigiu-se a uma caixa multibanco e levantou a quantia de €200, com intenção de fazer sua tal quantia, à revelia da colaboradora CC. - Mais tarde passou pela loja e disse às colegas DD e EE que lhe tinha desaparecido o multibanco e o cartão de cidadão e que havia encontrado o cartão multibanco da colaboradora CC perto do Montepio da .... - Por volta das 12 h a R. enviou à colaboradora CC uma mensagem com o seguinte teor: “Qual o teu nome completo? Eu encontrei um cartão multibanco e entreguei no balcão lá em cima … Perdeste o teu? Quando puderes liga-me” - Como a R. se apercebeu que as colegas estavam a desconfiar da sua conduta, no sentido de camuflar a sua actuação, dirigiu-se ao balcão do Montepio de Odivelas Parque e devolveu os €200 em numerário para a conta da CC. - No dia 17-04-2012 a Ré, que se encontrava grávida de aproximadamente 36 semanas, deslocou-se à loja da ... para entregar a sua baixa que iniciou no dia 17-04 e terminava no dia 28-04. - No dia 18-04-2012 a Ré enviou a seguinte mensagem às colegas: “Cometi o maior erro da minha vida ao roubar a CC. Assumo-o!! Sei que o que fiz não foi certo e que é sinal que não estou bem, já estou a ser ajudada por um profissional .. esta semana ainda vou falar com o chefe e contar-lhe o que se passou.. eu não mereço estar numa equipa como esta.. uma equipa amiga, sincera e acima de tudo leal!! desculpem ter manchado o nome dessa equipa maravilhosa que são, é tudo o que posso dizer neste momento.. estou a ter a pior consequência, que é o meu filho estar a sofrer com o que fiz e querer nascer.. não tenho coragem de vos enfrentar pessoalmente, nem a CC, porque sou cobarde!! Espero um dia conseguir fazê-lo pois quero que todas conheçam o meu filho e que não o culpem pelos erros da mãe!! Adoraria que ele fosse sobrinho da “w”..não stou a espera que me rsp ou que me liguem apenas que um dia consigam, se me encontrarem, olharem para mim e sorrirem..não como se nada se tivesse passado, mas sim com um sorriso de que apesar de tudo a amizade, apesar de com pouca ou falta de confiança, está lé.. obrigada e desculpem, mais uma vez por o que fiz.” - No dia 19 de Abril, nasceu o filho da Ré. - O comportamento da Ré foi revelador de uma profunda falta de lealdade, honestidade e fidelidade à A. e consubstancia justa causa de despedimento, de acordo com o disposto no artº 396º, nºs 1 e 2, als. a), d) e e) e 3 do C.T. - Estando a Ré grávida, a A. remeteu o processo disciplinar à CITE para emissão do respectivo parecer. - A CITE emitiu parecer no sentido de inexistência de justa causa, sustentando que a A. não ilidiu a presunção de despedimento da R. sem justa causa, posto que a A. não logrou demonstrar a impossibilidade de subsistência da relação de trabalho, e que a sanção é desproporcional à gravidade dos factos. - Tal parecer padece de vícios já que não cabe à CITE pronunciar-se acerca da proporcionalidade de uma decisão disciplinar, tendo apenas que emitir parecer fundamentado se existe ou não discriminação num determinado despedimento, o que aquela não fez. Conclui pela procedência da presente acção e, consequentemente, reconhecida a existência de justa causa para despedimento da R. I.2 Procedeu-se à realização de audiência de partes se refere o artigo 55º do Código de Processo do Trabalho, mas sem que tenha sido obtida a conciliação entre as partes. A Ré, notificada para contestar a acção, já após decorrido o prazo para esse efeito veio apresentar nos autos comprovativo de ter requerido a concessão de apoio judiciário, além do mais, na modalidade de pagamento da compensação de defensor oficioso para contestar a acção. Foi-lhe nomeado patrono oficioso, mas a Ré não apresentou contestação. I.3 Subsequentemente procedeu-se ao saneamento dos autos, no âmbito do qual, na ponderação de que a Ré foi regularmente citada para a acção e notificada para considerados confessados os factos articulados pela A. e proferida sentença, invocando-se o n.º1, do artigo 57º do CPT. Iniciando a sentença, consta o seguinte: - «De acordo com o número 2 do citado artº 57º do C.P.T., a sentença poderá limitar-se à parte decisória, precedida da identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado, quando a causa se revestir de manifesta simplicidade, podendo a referida fundamentação, caso os factos confessados conduzam à procedência da acção, ser feita mediante simples adesão ao alegado pelo autor. Não obstante o parecer negativo do CITE, os factos confessados conduzem à procedência da acção, pelo que adere-se à fundamentação de facto e de direito alegada pela A. e supra transcrita, com algumas considerações relativamente ao referido parecer». Feitas as considerações a propósito do parecer do CITE, o tribunal a quo consignou as respectivas conclusões e decidiu nos termos seguintes: -«(..) Deste modo, à entidade administrativa apenas compete, diante dos elementos disponíveis no processo disciplinar, averiguar se eles, de algum modo, revelam que o eventual despedimento radica em tratamento discriminatório, em função do sexo; não lhe compete, para além disso, emitir opinião sobre a existência de justa causa, no caso concreto, a não ser que o motivo justificativo patente no mesmo processo constitua, ele próprio, uma discriminação; nem lhe compete pronunciar-se sobre ilegalidades ou irregularidades do processo disciplinar, a menos que estas sejam, por si, reveladoras de prática discriminatória (cfr. Pedro Furtado Martins, obra e local supra citados). Disto decorre que o parecer, favorável ou desfavorável, não transporta qualquer presunção quanto à existência ou inexistência de justa causa, não havendo fundamento, na expressão ou no espírito da lei, para se conferir à acção a desencadear, no caso de parecer desfavorável, a finalidade de infirmar ou confirmar tal parecer, pois, como já se deixou referido a acção visa reconhecer a existência de justa causa”. Assim, e conforme atrás referimos, a pretensão da A. procede, não obstante o parecer desfavorável da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego. DECISÃO Pelo explanado, julgo provada e procedente a presente acção e, em consequência, reconhece-se judicialmente a existência de motivo justificativo para o despedimento». I.4 Inconformada com a sentença, a R. apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito próprios. Com as alegações a recorrente apresentou as respectivas alegações, delas constando o seguinte: (…) I.5 A Recorrida respondeu, e conclui as suas alegações sintetizando-as nas conclusões seguintes: (…) I.6 O ilustre magistrado do Ministério Público proferiu parecer no sentido da improcedência do recurso. I.7 Foram colhidos os vistos legais. I.8 Delimitação do objecto do recurso I. Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso (artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 685.º-A e 684.º n.º 3 e artigo 660.º n.º 2 do Código de Processo Civil), a questão colocadas pela recorrente para apreciação é exclusivamente a de saber se face aos factos provados, o tribunal a quo errou o julgamento na aplicação do direito, ao reconhecer “(..) judicialmente a existência de motivo justificativo para o despedimento» da Ré. II. FUNDAMENTAÇÃO II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO Os factos a considerar são os que foram atendidos na sentença recorrida, os quais constam descritos no relatório, no ponto I.1. II.2 MOTIVAÇÃO DE DIREITO Começamos por deixar duas breves notas prévias. A primeira, que apenas se deixa pelo facto da recorrente invocar expressamente o Código do Trabalho de 2003 (conclusão IX), cabe deixar consignado que na apreciação do presente recurso aplica-se o Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12/02, vigente desde 17/02/2009, dado estarem em causa factos ocorridos já após a vigência deste diploma - art.º 7.º n.º1 - e que não respeitam a qualquer uma das situações previstas nas alíneas a) a d), do n.º5, daquele mesmo artigo. Com efeito, os factos imputados à recorrente iniciam-se a 15-04-2012. A segunda, apenas para afastar qualquer dúvida, para assinalar que ao Tribunal a quo cumpria apenas verificar se, face aos factos imputados à R. e provados por confissão, era de reconhecer o motivo justificativo invocado pela A. para proceder ao despedimento com justa causa, isto é, está-se no domínio da acção prevista no n.º7, do art.º 63.º do CT/09. Justifica-se este esclarecimento dado que a R, apesar de até fazer essa menção nas conclusões [Concl. V e XXXI], depois acaba por alegar que deve concluir pela “(..) inexistência de justa causa, tendo, pois, a recorrente direito à reintegração no seu posto de trabalho”, quando é certo que não foi despedida nem se está a apreciar a regularidade e licitude do despedimento. II.3.1 A questão que se coloca é a de saber se há erro de julgamento, ao ter o Tribunal a quo decidido reconhecer “a existência de motivo justificativo para o despedimento”, alegadamente violando o art.º 351.º n.º1 do Código do Trabalho. Comecemos, então, por atentar nos factos provados, bem assim no essencial das posições assumidas pela recorrente trabalhadora e pela recorrida empregadora. Como a própria Recorrente reconhece, resulta claro dos factos que se “apropriou do cartão multibanco de uma sua colega”, no local de trabalho onde ambas prestam a sua actividade à empregadora, bem assim que, fazendo uso do mesmo cartão, no dia seguinte “levantou a quantia de € 200,00” , a qual a veio a devolver neste mesmo dia, fazendo um depósito na conta bancária da legítima proprietária [conclusão XVII]. Com base nestes factos a recorrida empregadora considerou que a trabalhadora cometeu um crime de furto no local de trabalho, sendo essa a imputação que sustenta o procedimento disciplinar. Vem a recorrente neste recurso defender que esses factos não comprovam a prática a de um crime de furto, sustentando-se na ausência de queixa por parte da vítima (conclusão XIX]. O crime de furto é tipificado no Código Penal nos termos seguintes “Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa” [n.º1, do art.º 203.º] É certo que o procedimento criminal depende de queixa (n.º3, do mesmo artigo), dado não estarem em causa factos susceptíveis de integrarem a previsão do art.º 204.º, do mesmo diploma, isto é, de constituírem a prática de um crime de furto qualificado. Porém, o facto de a trabalhadora vítima do furto não ter apresentado queixa e, logo, ter evitado que houvesse procedimento criminal contra a R., não apaga a prática dos factos nem a possibilidade da sua integração jurídica à luz da lei criminal e da ponderação da sua gravidade e relevância no âmbito da relação laboral, para efeitos do procedimento disciplinar e da presente acção. Assim sendo, os factos em causa consubstanciam a prática continuada de um crime de furto a título doloso, dado estarmos perante a apropriação do cartão de multibanco, seguida da apropriação da quantia de € 200,00, fazendo a trabalhadora recorrente uso do mesmo, agindo contra a vontade da legítima proprietária do cartão e daquele dinheiro, querendo esse resultado e ciente de que a sua conduta não lhe era permitida por lei, sendo até penalmente punida [art.ºs 203.º1, 14.º n.º1 e 30.º do C. Penal]. Não assiste, pois, razão à recorrente quanto a este ponto. Outra base da sua argumentação assenta na ideia, ainda que não afirmada expressamente, de que ao devolver o dinheiro agiu arrependida dos actos praticados. É certo que a recorrente, no mesmo dia em que fez o levantamento do dinheiro usando o cartão da sua colega de trabalho, veio a devolver o dinheiro, fazendo um depósito autónomo em numerário para a conta daquela. Contudo, daí não se pode retirar, sem mais, que o tenha feito por arrependimento, pois é necessário atender às circunstâncias que a levaram a determinar-se para assim proceder. Veja-se que a trabalhadora só agiu daquele modo após ter procurado desviar as suspeitas sobre si, passando na loja e dizendo às colegas DD e EE que lhe tinha desaparecido o seu cartão de multibanco e o cartão de cidadão e que havia encontrado o cartão da CC, a proprietária do cartão do qual a R. se apropriara, perto do Montepio da .... Para além disso, por volta das 12h00, dirigiu uma mensagem a esta última, dizendo “Qual o teu nome completo? Eu encontrei um cartão multibanco e entreguei no balcão lá em cima … Perdeste o teu? Quando puderes liga-me”. É nesse contexto, como a própria aceitou ao não contestar a imputação feita pela empregadora, que apercebendo-se da desconfiança das colegas, foi devolver o dinheiro através daquele depósito. Por conseguinte, o único efeito que daqui se pode retirar em seu benefício é o de não existir o prejuízo para a colega CC, no valor dos € 200,00 de que a R. se apropriara. Mais, também contrariamente ao que pretende a recorrente trabalhadora, não releva minimamente o facto de não estar “demonstrado no processo disciplinar e no processo judicial que se lhe seguiu, qual o modus operandi praticado pela recorrente, pois não se provou como conseguiu levantar o dinheiro com o cartão multibanco da sua colega numa caixa multibanco (..)” [concl. XXVIII]. Aliás, com o devido respeito, é um argumento absurdo. Não há qualquer dúvida de que a R. se apoderou do cartão e fazendo uso dele levantou os € 200,00, nem tão pouco que agiu sem o conhecimento e contra a vontade da legítima proprietária. Não só a R. não negou esses factos, como até os admite aqui expressamente. Significa isto, como já se deixou dito, que estão preenchidos os elementos típicos do crime de furto. Por isso mesmo, saber como procedeu para conseguir fazer o levantamento com o cartão de multibanco, sabendo-se que é necessário introduzir um código secreto que, em princípio só seria do conhecimento da legítima proprietária do cartão, não é, questão que contenda com aquela conclusão, já que da resposta à mesma não depende a verificação e preenchimento dos elementos típicos do ilícito criminal que lhe é imputado. Não obstante esta realidade incontornável, defende a recorrente que destes factos não pode resultar “(..) que se tenha furtado ao cumprimento dos seus deveres gerais de como trabalhadora, ou seja, os deveres de obediência e lealdade á entidade patronal e de velar pelos objectos que lhe são confiados por esta nem que tenha desvirtuado as suas funções de operadora” [Conclusão XX]. Prende-se esta conclusão, no que respeita aos deveres mencionados, com o alegado pela empregadora na petição inicial e, em parte, reafirmado nas conclusões, como de seguida melhor se compreenderá. Nos artigos 78.º e 79.º da PI é alegado, respectivamente, que a “(..) a R violou frontal e ostensivamente diversos deveres laborais aos quais se encontrava adstrita (alíneas a), c), d), e), f) e g) do artigo 121º do Código do Trabalho)”, “Designadamente, os deveres de respeito, lealdade, honestidade, zelo e obediência, de velar pela conservação dos bens que lhe foram confiados pelo seu empregador, de promover a produtividade da empresa”. Como se vê, nessa parte da PI é imputada à trabalhadora a violação de cinco dos diferentes deveres dos trabalhadores que têm referência expressa no art.º 121.º do Código do Trabalho. Porém, se bem atentarmos na PI, o que ai consta, como factos imputados à trabalhadora, não vai além do que acima referimos e que resulta do que foi considerado assente na sentença sob recurso. Por outro lado, como também se retira da PI, esses mesmos factos conduziram a uma conclusão prévia, mais precisamente, que “O comportamento da R. foi revelador de uma profunda falta de lealdade, honestidade e fidelidade à A., valores estes que são basilares para a subsistência da confiança por parte da entidade patronal” [art.º 71.º]. Não se percebe assim com que base, sem mais qualquer explicação, depois é feita a imputação da violação de todos aqueles deveres. Mais, se confrontarmos o que consta naqueles artigos 78.º e 79.º com a conclusão final do art.º 81.º, onde se lê que tais comportamentos, isto é, os imputados à A. na PI, integram “justa causa de despedimento, de acordo com o disposto no artigo n.º 396º n.º 1, 2 als. a), d) e e) e 3 do Código do Trabalho”, contata-se persistir alguma incoerência da alegação. Não nos referimos sequer ao erro quanto à indicação do art.º 396.º, que respeita ao CT de 2003 e não ao CT de 2009, sendo que é este último o aqui aplicável e, logo, a norma correcta a ser invocada é o art.º 351.º, que neste diploma mais recente correspondente àquela primeira. Tratar-se-á de um lapso de somenos importância, dado que, salvo alterações de redacção, o conteúdo substantivo mantém-se inalterado, bem como a própria estrutura do artigo. O que reclama atenção é o facto de nesta última conclusão da PI (art.º 81.º), ser imputado à trabalhadora que a alegada justa causa assenta na verificação de comportamentos que traduzem a violação de deveres, mas não se referindo todos aqueles que antes tinham sido mencionados nos artigos 78.º e 79.º. Com efeito, atendendo às alíneas mencionadas, os deveres cuja violação agora é invocada consistem nos seguintes: desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores [al.a), do n.º2]; desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afecto [al. d), do n.º2]; e, lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa [al. e), do n.º2]. Em suma, acaba por não se perceber qual a linha de raciocínio da A., para a partir dos factos imputados e duma primeira consideração onde se lê que “O comportamento da R. foi revelador de uma profunda falta de lealdade, honestidade e fidelidade à A., valores estes que são basilares para a subsistência da confiança por parte da entidade patronal”, depois passar a imputar a violação dos deveres de “deveres de respeito, lealdade, honestidade, zelo e obediência, de velar pela conservação dos bens que lhe foram confiados pelo seu empregador, de promover a produtividade da empresa”, entendimento que logo de seguida altera, invocando as alíneas a), d) e ), do n.º2, do art.º 351.º, para se reconduzir agora apenas à violação dos deveres de desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores, desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está e, lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa. Importa, pois, procurar uma resposta para essa incoerência, recorrendo às contra-alegações de recurso, com o propósito de sabermos quais são, afinal, no entender da recorrida, os deveres do trabalhador que a recorrente terá violado. Para o efeito relevam as conclusões 7, 14 e 17, sendo que esta última condensa o que vêm sendo afirmado atrás, aí se lendo o seguinte: “No caso dos autos, a recorrente não só violou o dever de lealdade como simultaneamente agiu contra as regras da empresa, bem sabendo que o fazia, violando por conseguinte o dever de obediência – cf. Art.º 128.º n.º2, do Código do Trabalho”. Por conseguinte, na perspectiva da empregadora, a A. terá violado os deveres de obediência e de lealdade. II.3.2 Com a celebração do contrato de trabalho o trabalhador assume uma obrigação principal, a de prestar a sua actividade ao empregador, executando o trabalho de harmonia com as instruções daquele a quem compete o poder de direcção, ou seja, o de «(..) estabelecer os termos em que o trabalho deve ser prestado, dentro dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem» [art.º 97.º do CT 09]. Mas para além dessa obrigação principal, sobre o trabalhador recaem ainda outras obrigações «(..) conexas à sua integração no complexo de meios pré-ordenados pelo empregador” [António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 14.ª Ed., Almedina, 2009, pag. 236]. Esses deveres acessórios estão previstos nas diversas alíneas do art.º 128.º do CT 09, em enumeração exemplificativa, entre eles constando, no que ao caso importa, os deveres de obediência e de lealdade, a que se referem, respectivamente, as alíneas e) e f) do n.º 1, daquele artigo. Começa o n.º 1 por dizer que “Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve”, para depois naquelas alíneas constarem os deveres de “Cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes á execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, que não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias” [al.e)]; e, “Guardar lealdade ao empregador (..)” [al.f)]. Subjacente a esses deveres está o princípio orientador geral da boa fé no cumprimento dos contratos, no Código do Trabalho constante do art.º 126.º n.º1, nos termos seguintes: -“O empregador e o trabalhador devem proceder de boa fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respectivas obrigações”. A Professora Maria do Rosário Palma Ramalho, a par de parte da doutrina nacional a esse propósito - como assinala - distingue entre os “deveres acessórios integrantes da prestação principal e os deveres acessórios independentes da prestação principal”. Na primeira dessas categorias, inclui “aqueles deveres do trabalhador que estão estreitamente ligados á prestação principal”, entre eles destacando “(..) o dever de obediência, os deveres de assiduidade e pontualidade, o dever de zelo e diligência na realização do trabalho e o dever de promover a melhoria da produtividade da empresa”. E, na segunda, que também designa por “deveres acessórios autónomos”, por não dependerem da prestação de trabalho, assinala merecerem especial referência “(..) o dever de lealdade, em geral e nas manifestações específicas do dever de sigilo e de não concorrência, os deveres de respeito e urbanidade, o dever de custódia e os deveres atinentes à disciplina na organização, em geral e especificamente em matéria de higiene, segurança e saúde” [Direito do Trabalho, Parte II, 3.ª Ed., Almedina, 2010, pp. 412]. Prossegue a mesma autora, assinalando que em sede de apresentação geral dos deveres acessórios do trabalhador deve ter-se em conta a dimensão pessoal de alguns desses deveres, bem como a dimensão organizacional, o que se aplica, entre outros, aos deveres de lealdade e de respeito e urbanidade, para depois explicar que “A dimensão pessoal de alguns deveres dos trabalhadores decorre do envolvimento integral da sua personalidade no contrato de trabalho e explica também a imposição ou limitação de condutas pessoais ao trabalhador, em determinados parâmetros, bem como o relevo geral da confiança pessoal entre as partes no contrato de trabalho” [op. cit. pp.413]. Mais adiante, debruçando-se em concreto sobre o dever de obediência a mesma autora escreve “Apesar de não ter merecido um destaque especial na lei (art.º 128.º n.º1 al. e) e n.º2 do CT), o dever de obediência é o dever acessório mais importante do trabalhador, a par do dever de lealdade”, mais adiante concretizando que o “(..) trabalhador deve obediência não apenas às directrizes do empregador sobre o modo de desenvolvimento da sua actividade labora (ou seja, ao poder directivo), mas também às directrizes emanadas do poder disciplinar prescrito, em matéria de organização da empresa, de comportamento no seu seio, de segurança, higiene e saúde no trabalho, ou outras [Op. cit. pp.414/ 415]. E, quanto ao dever de lealdade, faz notar que “Embora seja referido na lei sem particular destaque [art.º 128.º n.º 1 al. f], o dever de lealdade é, a par do dever de obediência, o mais importante dos deveres acessórios do trabalhador”. Prossegue a análise deste dever, escrevendo que “Em sentido amplo, o dever de lealdade é o dever geral de conduta do trabalhador no cumprimento do contrato. (…) O dever de lealdade do trabalhador entronca, em primeiro lugar, no dever geral de cumprimento pontual dos contratos. Nesta perspectiva, o dever de lealdade do trabalhador tem como destinatário o empregador, contraparte no contrato de trabalho, e não é mais do que a concretização laboral do princípio da boa-fé, na sua aplicação ao cumprimento dos negócios jurídicos, tal como está vertido no art.º 762.º n.º 2 do CC. É também neste sentido que deve ser compreendida a referência ao dever de comportamento do trabalhador e do empregador segundo as regras da boa fé no cumprimento dos seus deveres e no exercício dos seus direitos, que consta do art.º 126.º, n.º 1 do CT». Assinalando, ainda, que para além dessa dimensão obrigacional, o dever de lealdade tem uma outra “(..) que decorre dos dois elementos do contrato de trabalho que o tornam singular no panorama dos contratos obrigacionais: o elemento do envolvimento pessoal do trabalhador no vínculo; e a componente organizacional do contrato”, e concluir que “(..) a componente organizacional do contrato de trabalho justifica que o dever de lealdade do trabalhador não se cifre apenas em regras de comportamento para com a contraparte mas também na exigência de um comportamento correcto do ponto de vista dos interesses da organização (..) para além da lealdade ao empregador, enquanto contraparte num negócio jurídico, releva também a lealdade à empresa ou à organização do empregador” [Op. Cit. pp. 420/424]. Considerados estes princípios, pode afirmar-se que a conduta da trabalhadora reconduz-se, tal como é defendido pela recorrida nas alegações, à violação dos deveres de obediência e lealdade, o que decorre de uma conduta voluntária e com um elevado grau de culpa, praticada a título doloso. Como é evidente, não é necessário que haja uma regra expressa da empresa dizendo que é proibido aos trabalhadores, no seio da empresa apropriarem-se de bens de outros trabalhadores. É uma regra implícita e válida em qualquer organização empresaria, decorrente dos princípios gerais mais elementares da vivência em sociedade, já que não pode ser ignorado seja por quem for, salvo se fora das capacidades normais de compreensão, que não lhe é permitido, constituindo até ilícito penalmente punido, apropriar-se dos bens de outrem, sem o conhecimento e autorização do legítimo proprietário, com intenção de os fazer seus. Dito de outro modo, se de entre o elenco legal das condutas tipificadas como ilícitas e penalmente sancionadas há um leque que são do conhecimento geral de qualquer pessoa de normal diligência e compreensão, seguramente que o crime de furto é uma delas. Para além disso, não podia a A. ignorar que ao apropriar-se do cartão de multibanco da sua colega, praticando essa conduta no local de trabalho, não estava apenas a cometer o crime de furto, mas também a agir manifestamente em contrário aos seus deveres de trabalhadora. Por um lado pondo em causa as boas condições do local de trabalho; e, por outro, praticando um comportamento manifestamente incorrecto no seio da organização onde esta inserida. Com efeito, qualquer trabalhador espera que o local de trabalho onde presta a sua actividade para determinado empregador reúna boas condições de trabalho, quer do pondo de vista físico quer moral, tendo noção que tal é um direito que lhe assiste, bem assim que sobre o empregador o empregador recai o dever de diligenciar por assegurar esse direito, intervindo quando necessário e de modo adequado a eliminar qualquer situação que o ponha em risco, se disso for caso exercendo o poder disciplinar relativamente a trabalhadores que pela sua conduta ponham em causa “as boas condições de trabalho”. Como se sabe, tal dever do empregador é expressamente consagrado no artigo 127.º do CT/09, nomeadamente na alínea c) do n.º1, daí decorrendo que entre os deveres que lhe são impostos, consta o de “Proporcionar boas condições de trabalho, do ponto de vista físico e moral”. Noutra linha de argumentação, a trabalhadora vem defender que o acto não foi praticado contra o empregador, mas antes contra a colega e que esta nem sequer apresentou queixa crime, para dizer que aquela “resolveu substituir-se à verdadeira ofendida” e classificar o seu comportamento não só como furto, mas também como determinante para o despedimento com justa causa quando, em rigor, os interesses patrimoniais da recorrida não foram violados [conclusão XXVI]. Adiante veremos se a conduta em causa deve ser reconhecida como suficientemente grave e com tais consequências, que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral [n.º1, do art.º 351.º CT/09]. Por ora interessa apenas que nos debrucemos sobre a primeira parte daquela alegação, de onde decorre que a trabalhadora pretende defender a ideia de que a empregadora não teria sequer fundamento para exercer poder disciplinar contra si. Como se retira do que antes se disse, o argumento não merece qualquer acolhimento. Não obstante, não é despiciendo assinalar que esta argumentação é até contraditória com a conduta da própria A., subsequente à prática dos factos. Senão vejamos. Decorre dos factos assentes que no dia 18-04-2012, a recorrente enviou uma mensagem às colegas, na qual, para além do mais, dizia o seguinte: “Cometi o maior erro da minha vida ao roubar a CC. Assumo-o!! Sei que o que fiz não foi certo e que é sinal que não estou bem, já estou a ser ajudada por um profissional .. esta semana ainda vou falar com o chefe e contar-lhe o que se passou.. eu não mereço estar numa equipa como esta.. uma equipa amiga, sincera e acima de tudo leal!! desculpem ter manchado o nome dessa equipa maravilhosa que são, é tudo o que posso dizer neste momento». Pois bem, deste extracto resulta com evidência que a trabalhadora teve a perfeita noção de que com a sua conduta não só tinha violado o direito de propriedade da colega CC, como também tinha posto em causa o direito das trabalhadoras suas colegas naquele local de trabalho a terem um ambiente seguro e leal. Concluindo-se que a A. violou os deveres de obediência e lealdade, cabe agora indagar se a sua conduta justifica que a empregadora, ao exercer o poder disciplinar, tenha optado pela aplicação da sanção mais grave do elenco legal, isto é, o despedimento sem indemnização ou compensação [art.º 328.º n.º 1 al. f), CT/09]. II.3.3 Como é sabido, a CRP, no seu art.º 53.º, estabelece o princípio da segurança no emprego, que se traduz, antes de mais, na proibição do despedimento sem justa causa, isto é, “(..) os despedimentos arbitrários, sem razão suficiente e socialmente adequada” [Bernardo da Gama Lobo Xavier, Iniciação ao Direito do Trabalho, 2.ª Edição, Editorial Verbo, Lisboa, 1999, p. 281]. O trabalhador perderá essa protecção se tiver dado origem, por falta disciplinar grave, ao despedimento, nesse caso podendo o empregador, no exercício do poder disciplinar, aplicar-lhe a sanção de “Despedimento sem indemnização ou compensação” [art.º 328.º n.º1, al. d), do CT 09]. Como explica Monteiro Fernandes, “Daí a deslocação do problema da determinação da justa causa para o terreno da valoração disciplinar e da correlativa graduação das sanções. Certa infracção poderá constituir justa causa quando, em concreto, se não possa exigir, segundo as regras da boa-fé, que o empregador se limite a aplicar ao trabalhador faltoso uma sanção disciplinar propriamente dita, quer dizer, uma medida punitiva que não afecte, antes viabilize, a permanência do vínculo” [Op. cit. p. 610]. Atentemos, então, nos aspectos essenciais da figura da justa causa por facto imputável ao trabalhador (subjectiva). Dispõe o n.º 1 do art.º 351.º do CT 09: “Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”. Daí que, tal como era defendido nos anteriores regimes perante idênticas normas, nomeadamente, no Decreto-lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (LCCT) o art.º 9º n.º1 e, no Código do Trabalho de 2003, o art.º 396.º n.º1, continua a entender-se quer na doutrina quer na jurisprudência, que a noção de justa causa de despedimento exige a verificação cumulativa dos requisitos seguintes: i) um comportamento ilícito e culposo do trabalhador, por acção ou omissão, violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, grave em si mesmo e nas suas consequências (elemento subjectivo da justa causa); ii) que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral (elemento objectivo da justa causa); iii) a verificação de um nexo de causalidade entre aquele comportamento ilícito, culposo e grave e a impossibilidade prática e imediata da manutenção da relação laboral, na medida em que esta tem que decorrer, efectivamente, do comportamento do trabalhador. Igualmente à semelhança das anteriores normas, o legislador complementa o conceito de justa causa com uma enumeração meramente exemplificativa de comportamentos susceptíveis de integrarem justa causa de despedimento [n.º2, do art.º 351]. O que vale por dizer que os comportamentos susceptíveis de constituírem justa causa de despedimento não se esgotam naquele elenco, antes abrangendo qualquer outro comportamento do trabalhador, desde que ilícito, culposo e violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, grave em si mesmo e nas suas consequências. Contudo, não basta a verificação de um ou mais comportamentos assim qualificáveis para se concluir que há justa causa, sendo necessário apreciá-los à luz do conceito de justa causa, para determinar a sua gravidade e consequências, atendendo ao «(..) quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão do interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus trabalhadores e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes” [n.º 3, do art.º 351.º]. A jurisprudência dos tribunais superiores é unânime no entendimento de que a ponderação sobre a gravidade da culpa e das suas consequências deve considerar o entendimento de um “bonus pater famíliae” e de um “empregador razoável” segundo critérios de objectividade e de razoabilidade, em função das circunstâncias de cada caso concreto. Outro aspecto relevante a considerar na apreciação da justa causa consiste na formulação de um juízo de prognose sobre a viabilidade futura da relação de trabalho. Nas palavras de Bernardo da Gama Lobo Xavier, “Este é sem dúvida um aspecto de extrema relevância para compreender a essência da justa causa de despedimento: o juízo sobre a impossibilidade das relações contratuais refere-se ao futuro («a subsistência da relação de trabalho», no dizer da própria lei)” [Op. cit., p. 306]. Dito por outras palavras, e como aponta Maria do Rosário Palma Ramalho, tem sido entendimento unânime da doutrina e da jurisprudência que qualquer situação de justa causa tem que se subsumir à cláusula geral de justa causa estabelecida no n.º1 do art.º 351.º, para efeitos dos respectivos elementos integrativos, ou seja, para que o comportamento do trabalhador consubstancie uma situação de justa causa de despedimento não é suficiente que seja ilícito, culposo e grave, sendo também condição de verificação necessária, que dele resulte a impossibilidade prática e imediata da subsistência do contrato de trabalho. Em suma, “(..) perante o comportamento do trabalhador, objectivamente considerado (..) é sempre necessário um juízo de valor para determinar, em concreto, a gravidade desse comportamento, o grau de culpa do trabalhador e em que medida é que ele compromete o vínculo laboral” [Op. cit., p. 910]. Para Bernardo da Gama Lobo Xavier, a verificação da justa causa passa, assim, pelo recurso a um critério operacional, que se traduz no seguinte: “A ideia de impossibilidade imediata refere-se essencialmente à posição do empregador que faz valer a rescisão por justa causa, libertando-se de todos os obstáculos postos pela lei à desvinculação das relações de trabalho. A desvinculação torna-se tão valiosa juridicamente que a ela não pode obstar a protecção da lei à continuidade tendencial do contrato nem a defesa da especial situação do trabalhador. A justa causa representa exactamente uma situação em que esses interesses deixam de valer, ou melhor, são afastados” [Op. cit., p. 308]. Num entendimento convergente, Monteiro Fernandes defende que «(..) não se trata, evidentemente, de uma impossibilidade material, mas de uma inexigibilidade, determinada mediante um balanço em concreto dos interesses em presença - fundamentalmente o da urgência da desvinculação e o da conservação do vínculo (..). Basicamente, preenche-se a justa causa com situações que, em concreto (isto é, perante realidade das relações de trabalho em que incidam e as circunstâncias específicas que rodeiem tais situações), tornem inexigível ao contraente interessado na desvinculação o respeito pelas garantias de estabilidade do vínculo (termo aposto ao contrato, sanções disciplinares conservatórias)”. E, mais adiante, após mais desenvolvido tratamento da figura, vem a concluir dizendo “Em suma: a cessação do contrato imputada a falta disciplinar só é legítima quando tal falta gere uma situação de imediata impossibilidade de subsistência da relação laboral, ou seja, quando a crise disciplinar determine uma crise contratual irremediável, não havendo espaço para o uso de providência de índole conservatória. Na sua essência, a justa causa consiste exactamente nessa situação de inviabilidade do vínculo, a determinar em concreto (arts.351.º/3 e 357.º/4, através do balanço de interesses atrás referido” [Op. Cit., pp. 589 e 613]. Nessa linha de entendimento, a jurisprudência dos tribunais superiores vem reafirmando que a impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação laboral, verifica-se quando perante um comportamento ilícito, culposo e com consequências gravosas na relação laboral, ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, susceptível de criar no espírito da primeira a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral. Nesse sentido, vejam-se, entre outros e na jurisprudência mais recente, os Acórdãos do STJ de 29.04.2009, Proc. nº 08S3081; de 17.06. 2009, Proc.º 08S3698; de 03.6.2009, Proc.º n.º 08S3085; de 15.09.2010, Proc.º 254/07.1TTVLG.P1.S1; de 7.10.2010, Proc.º 439/07.0TTFAR.E1.S1; e, de 13.10.2010, Proc.º n.º 142/06.9//LRS.L1.S1, todos eles disponíveis em www.dgsi.pt/jstj. Passemos então a apreciar se os factos imputados à recorrente, mais precisamente aqueles acima apreciados, preenchem ou não a noção de “justa causa de despedimento”. Dito de outro modo, se é de concluir pela impossibilidade prática e imediata da relação de trabalho em concreto, reconduzida à ideia de “inexigibilidade da manutenção vinculística”, no sentido de comprometer, desde logo, e sem mais o futuro do contrato [AC STJ de 29.4.2009, Conselheiro Sousa Grandão, acima citado]. Importando aqui assinalar, de novo através das palavras do Senhor Conselheiro Sousa Grandão, que “A diminuição de confiança, resultante da violação do dever de lealdade não está dependente da verificação de prejuízos nem da existência de culpa grave do trabalhador, já que a simples materialidade desse comportamento, aliado a um moderado grau de culpa, pode em determinado contexto levar razoavelmente a um efeito redutor das expectativas de confiança” [Acórdão citado, de 29.4.2009]. De resto, entendimento que desde há muito vem sendo seguido pela jurisprudência dos Tribunais superiores, como o ilustra o Acórdão de 22-01-1992, Conselheiro Castelo Paulo [Nº Convencional: JSTJ00013348, disponível em www.dgsi.pt/jstj]. O que vale por dizer, que não merece também acolhimento a posição da A de que seria necessária a existência de prejuízos para que a sua conduta fosse suficientemente grave para justificar o despedimento, entendimento subjacente à conclusão XXX, ao dizer que o seu comportamento “embora susceptível de censura, não pode ser taxado de tão grave , nem em si mesmo, nem quanto ás suas consequências. Tratou-se de uma leviandade sim, sem prejuízos conhecidos para a recorrida, nem para terceiros, já que o dinheiro foi devolvido (..)” . Como vimos no ponto II.3.2, a trabalhadora violou os deveres de obediência e de lealdade, a título doloso, merecendo a sua conduta um elevado grau de censura, ou seja, sem que ofereça dúvida, estamos perante uma conduta inequivocamente grave. Aplicando os critérios enunciados, significa isto que no balanço das posições das partes devemos começar por ter presente que o despedimento, face à tutela constitucional do princípio da segurança no emprego, só é juridicamente aceitável quando nenhuma outra medida se mostre adequada a salvaguardar a preservação e o equilíbrio da relação contratual. Porém, tudo ponderado, não cremos estar perante um caso susceptível de ser sanado através da aplicação de uma medida sancionatória não expulsiva, mas antes perante uma crise contratual irremediável. Numa perspectiva subjectiva, aqueles deveres estão intrinsecamente relacionados com a necessidade de existir uma relação de confiança entre as partes, exigindo do trabalhador que paute a sua conduta de modo a não comprometer essa confiança. E, numa perspectiva objectiva, reconduzem-se à necessidade do ajustamento do comportamento do trabalhador ao princípio da boa-fé no cumprimento das suas obrigações. Ora, atento o quadro factual na sua globalidade, é forçoso concluir que a conduta da trabalhadora não só pôs em causa a necessária relação de confiança, como a comprometeu definitivamente. Com efeito, tal como concluiu a empregadora na petição inicial, o seu comportamento “(..)foi revelador de uma profunda falta de lealdade, honestidade e fidelidade à A., valores estes que são basilares para a subsistência da confiança por parte da entidade patronal”. Assim, não é de todo exigível à recorrida, como não o seria a qualquer outra entidade empregadora colocada perante o mesmo circunstancialismo, que creia na idoneidade futura do comportamento da trabalhadora, ou seja, que tenha como provável que no futuro vá ser uma trabalhadora cumpridora dos seus deveres, nomeadamente, não pondo em causa as condições do local de trabalho, do ponto de vista físico e moral, isenta de comportamentos desleais quer para aquela quer para as suas colegas de trabalho, e capaz de assumir as responsabilidades por eventuais erros que viesse a cometer. Por conseguinte, pese embora não tenha antecedentes disciplinares, não merece acolhimento a posição da trabalhadora recorrente. Isto é, no confronto dos interesses antagónicos das partes, não vemos fundamento bastante para dar prevalência ao seu interesse na conservação do contrato de trabalho, em detrimento do interesse da empregadora, considerando-se como razoável e justificada, a alegada perda de confiança no seu comportamento futuro, de tal modo que torna inexigível a manutenção daquele ao seu serviço. Concluímos, pois, estarem preenchidos os requisitos necessários para se reconhecer a existência de motivo justificativo para o despedimento e, logo, que a sentença recorrida não merece qualquer censura. *** Considerando o disposto no art.º 446.º n.º1 e 2, do CPC, a responsabilidade pelas custas recai sobre a recorrente que, atento o decaimento, a elas deu causa. III. DECISÃO Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso de apelação, mantendo a decisão recorrida. Custas pela recorrente. Lisboa, 8 de Maio de 2013 Jerónimo Freitas Francisca Mendes Maria Celina de Jesus Nóbrega | ||
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