Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | VASCO FREITAS | ||
Descritores: | ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO CRIME DE TRATO SUCESSIVO CONCURSO REAL DE INFRACÇÕES | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/11/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | N | ||
Texto Parcial: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I-A dedução de acusação deve revestir-se do maior cuidado e obedecer, sob pena de nulidade (artº 119º, CPP), ás exigências de conteúdo estabelecidas no nº 3 do artº 283º, do CPP, exigindo-se algum grau de concretização na narração dos factos, de forma a que o arguido, previamente e com precisão, conheça os factos que lhe são imputados e a sua real dimensão, e lhe permita exercer eficazmente o seu direito de defesa e organizar convenientemente a sua estratégia de defesa.
II-Mas se o comportamento que vem imputado ao arguido por um longo período de tempo não é pautado pela ocasionalidade ou pela intermitência, antes constituindo um comportamento-tipo, repetidamente adoptado no relacionamento com as ofendidas, não é possível, nem exigível uma descriminação mais detalhada, havendo apenas de permitir ao arguido contextualizar no tempo e no espaço a conduta que lhe é imputada. III-O crime de trato sucessivo é recondutível à figura do crime habitual, sendo aquele em que a consumação se protrai no tempo (dura) por força da prática de uma multiplicidade de actos “reiterados”, que devem consubstanciar-se pelo menos em actos sucessivos no sentido de praticados em acto seguido. IV-A reiteração de actos homogéneos essencial para os crimes de trato sucessivo não há-de ser operada pela unidade de resolução, mas sim pela estrutura da norma incriminadora que há-de suportar tal reiteração. V-A realização plúrima do mesmo tipo de crime pode constituir um só crime se, ao longo de toda a realização, tiver persistido o mesmo dolo, a mesma resolução inicial. VI-Se cada um dos vários actos do arguido foi levado a cabo num diverso contexto situacional, necessariamente comandado por uma diversa resolução, traduzindo-se numa autónoma lesão do bem jurídico protegido, cada um desses actos não constituiu um momento ou parcela de um todo projectado nem um acto em que se tenha desdobrado uma actividade suposta no tipo, mas um “todo”, em si mesmo, um autónomo facto punível, sendo de concluir que, referentemente a cada grupo de actos, existe, «pluralidade de sentidos de ilicitude típica» e, portanto, de crimes”, cometendo, assim, o arguido vários crimes em concurso, e não um só crime de trato sucessivo. | ||
Decisão Texto Parcial: | Acordam, em conferência, do Tribunal da Relação de Lisboa
I RELATÓRIO Na secção única do Tribunal Judicial da Comarca de Sesimbra, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, foi submetido a julgamento o arguido ÁR.., devidamente identificado nos autos, tendo no final sido proferido acórdão, na qual se decidiu absolvê-lo da prática de um crime de coacção sexual agravada na forma tentada p. e p. pelos 163º nº 1 e 177º nº 5, e 22º, 23º e de um crime de actos sexuais com adolescentes p. e p. pelo artº 173º nº 1 todos do Cod. Penal e condená-lo, pela prática, em concurso, de um crime de violação na forma agravada, de trato sucessivo p. e p. pelos arts. 164° n° 1 al. a) e 177º nº 1 al. b) e nº 6 , e de um crime de coacção sexual, agravada, de trato sucessivo, p. e p. pelos arts. 163º nº 1 e 177º nº 1 al. b) e nº 6 , todos do mesmo diploma, nas penas parcelares de 9 anos de prisão e 6 anos de prisão, respectivamente, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 13 anos de prisão. Inconformado com o acórdão, dele interpôs recurso o arguido, pugnando para que seja revogado, e que substituído por outro em que afaste a existência de ameaças, coacções e violência por sua parte, devendo ser condenado pela prática de crimes sexuais simples em pena que a não exceder 5 anos deve ser suspensa na sua execução, para o que apresentou as seguintes conclusões: (...). * Na resposta, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da manutenção do acórdão recorrido e consequente improcedência do recurso, concluindo como segue: 1ª O recorrente “abre as hostilidades”, relativamente ao Acórdão de que diverge, através de “desabafos” e invocação de elementos “externos” ao Julgamento, desprezando a “regra de ouro” do art 355º, CPP. 2ª Assim é que se permitiu, após reproduzir parte da Deliberação, ora impugnada, justamente a enumeração dos factos provados e não provados e respectiva Motivação da matéria de facto (fls 5 a 11 das Motivações de Recurso), verter “considerandos genéricos” (fls 11 a 14, pontos 29 a 40), rematando com a “análise crítica” do 1º volume dos autos (fls 14, pontos 41 a 43, a 21, pontos 44 a 63), apelando a depoimentos das vítimas, que sequer localiza, a relatórios do OPC/PJ, debruçando-se sobre a cobertura noticiosa dada ao seu caso e fazendo uma incursão, pasme-se, sobre a actual vida afectiva de uma das ofendidas!… 3ª Diremos que agiu processualmente sem relevo, nessa medida. 4ª O arguido não evidenciou quaisquer “erros de julgamento” (art 412º,3, CPP) ou “de decisão” (art 410º,2, CPP), apesar do ensaio ou tentativa de demonstração. 5ª Na primeira modalidade (art 412º,3, CPP) não se antevê como e quando, especificadamente, impugnou respostas dadas pelo Colectivo, muito menos indicou contra-prova produzida que pudesse suportar essa “putativa” censura! 6ª Consequentemente, habilitou à fixação da matéria fáctica eleita pelo Tribunal “a quo” (enumeração dos factos: art 374º,2, CPP), de resto, amplamente sustentada na prova debatida em Audiência (art 355º, CPP), também divulgada, e que resultou do “crivo judicial” a que foi submetida. 7ª Consistentemente, assentou-se o respondido afirmativamente nos pontos 7, 10, 11, 14, 17, 19, 20, 22, 24, 25, 26, 30, 31 (atinente à menor/ofendida Ana Carolina), 32, 34, 35, 36, 37, 38, 40 a 51 (vítima, irmã daqueloutra, Betânia Silva, também menor), 69, 71, 72, 74, 77 e 71 (ambas as menores). 8ª Esse recorte da “realidade da vida” igualmente não sofre reparo válido aquando da mera imputação/alegação de “vícios de decisão” (art 410º,2, CPP), gizada pelo recorrente, uma vez que não demonstrou em que momento houve “défice investigatório” (capaz de inibir a decisão final, tal como elaborada, mormente a ausência de elementos/respostas integradores da tipologia criminal por que se optou: art 410º,2, a), CPP), incompatibilidade insuprível interna da fundamentação ou entre ela e a decisão (art 410º,2,b), CPP) e, por fim, ostensiva e grosseira má avaliação da prova (art 410º,2,c), CPP). 9ª Significa, pois, que é inatacável a Deliberação, a esse nível, por ser irrepreensível a formação da convicção do Colégio de Julgadores, se mostrar evidenciado o “iter lógico” do raciocínio que lhe subjaz, e emergir, afinal, um perfeito «silogismo judiciário», ancorado em, fundamentalmente, critérios de livre (mas objectiva) apreciação (art 127º, CPP), mas também em prova tarifada (exames forenses de natureza sexual, no que tange à menor Ana Carolina: fls 29, “in fine” e 30, parte inicial, do Acórdão). 10ª Irreleva qualquer pretensão de sobrepor à interpretação e convicção judiciais aquelas, diversas, que o recorrente intimamente formou, segundo a qual inexistiu domínio físico e intelectual sobre as enteadas, menores, geradores de constrangimento e irresistibilidade das vítimas; ao invés, alega, terá havido sedução e iniciativa daquelas sobre si, recorrente! 11ª Avisada e lucidamente, o Tribunal captou ascendente físico (força) e mental (experiência e intimidação) do arguido (factos provados 76 e 77) sobre as ofendidas (portadoras de vulnerabilidades próprias e potenciadas pelo “agressor”), quadro precludente da forma simples de violação ou de coacção sexual, como proposto pelo arguido (arts 164º, 1, 163º,1, por um lado, e 164º,2, e 163º,3, CP, por outro). 12ª Logrou ainda, na “motivação da matéria de facto”, o Colectivo isolar a tese da desresponsabilização desenhada pelo recorrente, atribuindo-lhe o “protagonismo criminoso”que, insustentadamente, rejeita, emblematicamente vertido na perícia comprovativa de sodomização passiva indesejada (fls 30). 13ª Pugna o recorrente pela forte atenuação punitiva, aventando que agiu numa lógica de “crime continuado” (arts 30º e 79º, CP), pelo menos num segmento da sua conduta, o contido temporalmente no período anterior à vigência da L 40/10, 3.09, sempre sem abdicar da forma “simples” dos ilícitos que lhe vêem imputados, já “de per si”, obviamente, de menor gravidade, ousando, nesse raciocínio, sugerir um “regime reeducativo e pedagógico”, porventura sob condições e deveres (arts 50º a 54º, CP). 14ª Acontece que ficciona, literalmente, um dos requisitos da «continuação criminosa», qual seja o da “circunstância externa” facilitante e impulsionadora da repetição delituosa, geradora da sucumbência criminosa, da inevitabilidade da acção plúrima, que, sem esforço, se percebe inexistir em toda linha! 15ª Obstaria a essa sugestão, a essa “engenharia jurídica”, a literalidade do art 30º,3, CP, na redacção imediatamente anterior à L 40/10, 3.09 e, mais ainda, após a vigência desta, pois que, desde logo, estendendo-se a sua conduta criminosa para lá de 3.10.10 ( art 5º, da L 40/10 citada), como flui das respostas 7 e 41, nunca (mesmo admitindo que existisse a “situação tentadora e exógena”, o que inocorreu, vimo-lo) poderia equacionar-se a aplicação desse regime “continuado”, o que foi bem sublinhado no Acórdão (fls 46, penúltimo parágrafo)! 16ª Recusando-se a “menor exigibilidade”, como bem deliberou o Tribunal, sobrepõe-se, sim, a agravativa de ter agido, invariavelmente, sob uma má formação da personalidade, uma “causa endógena”, por isso provocada e procurada pelo agente, ávido de satisfazer, a qualquer preço, os seus apetites libidinosos. 17ª Por outras palavras, aproveitou-se calculadamente de situações em que a reiteração é mais propícia e segura, revelando, nessa perspectiva, uma persistência da (mesma e inicial) resolução criminosa, uma culpa agravada, quantificada pelo número de actos cometidos e pela intensidade da ilicitude. 18ª Essa anti-sociabilidade, amoralidade, a reduzida motivação para a mudança, o primado da lascívia e a indiferença pela liberdade e auto-determinação sexual das vítimas, vêem bem expressos no relatório social a seu respeito, da DGRSP (vertido na enumeração de factos provados, entre pontos 92 a 100, e ponderado judicialmente, a fls 36 do Acórdão, 2º parágrafo), “confirmados” pela postura desculpabilizante, mesmo vitimizante, que ostentou processualmente! 19ª Contra a consolidada prova alcançada ergueu, não, como se esperaria e lhe seria vantajoso, um arrependimento, ainda que formal, muito menos genuíno, uma explicação provocatória e, até chocante, invertendo o “protagonismo”, atribuindo às menores, suas enteadas, a sedução, a iniciativa (que nunca relatou à mãe, sua mulher, note-se, durante 3 anos!), concebendo, inclusivamente, uma cilada engendrada contra si, por essa sua família! 20ª Esquecendo-se de que as outras 2 menores, M... e I... (factos 52 a 66), foram alvo das suas “abordagens eróticas”, menos intensas (fls 52 do Acórdão) é certo, mas reveladoras duma personalidade mal formada e com tendência e propensão para egoísmos libidinosos… 21ª Com absoluta lisura processual, o Colectivo, à luz dos critérios definidores da pena concreta (arts 40º, 71º e 77º,2, CP), atendendo às exigentes razões preventivas, gerais e especiais (aqui evidenciando-se a má formação da personalidade, propiciadora de recidiva comportamental) e aglutinando o desdobramento dos actos criminosos numa única resolução do arguido, ao abrigo do art 30º,1, CP, proferiu um juízo de censura ético-penal irredutível, garantindo os fins da punição, de modo e sob uma fórmula inatacáveis, porquanto abaixo do ponto médio, quanto às penas parcelares, e, após uma avaliação conjunta (art 77º,1, 2ª parte, CP), ligeiramente acima desse registo, relativamente à pena unitária. 22ª O que inviabiliza, claramente, a discussão do “direito penal reeducativo” (art 50º, CP), atento o limite formal estabelecido (pena concreta não superior a 5 anos). 23ª Em suma, por parcimonioso e conforme ao Direito, deverá manter-se o Deliberado”. * O recurso foi admitido. Nesta Relação, o Exmº Sr. Procurador-geral Adjunto limitou-se apôr o seu Visto * Colhidos os vistos, foram os autos submetidos à conferência. Cumpre decidir. * II FUNDAMENTAÇÃO No acórdão recorrido foram considerados como provados os seguintes factos: Discutida a causa e produzida a prova, resultaram assentes os seguintes factos: 1- Em 24/01/1995 nasceu A..., filha de AS.., já falecido, e de AA.... 2- Em 19/02/1997 nasceu B..., filha de AS..., já falecido, e de AA... 3- Em 17/04/1996 nasceu I..., filha de JS... e de JG... 4- Em 17/09/1996 nasceu M..., filha de JR... e de LS... 5- O arguido ÁR... e AA... casaram entre si em 12/06/2007. 6- Em 18/09/2007, as filhas de A... – Natália Silva, AA...e BS... – vieram do Brasil onde residiam e passaram a residir com a mãe e com o arguido ÁR... na habitação do casal, na Estrada da ..., Sesimbra. 7- Desde data não concretamente apurada, mas que se reporta, pelo menos, desde a Primavera do ano de 2008 até data indeterminada do primeiro semestre do ano de 2011, o arguido passou a procurar a ofendida A..., para com ela manter relações sexuais. 8- Assim, em data que não se logrou precisar, na Primavera de 2008, o arguido ÁR... conduziu o veículo de sua propriedade para transportar BS... e algumas amigas à praia, tendo A... decidido ficar em casa, sozinha. 9- Quando o arguido regressou a casa, entrou no quarto de A..., onde esta estava deitada a ver televisão e, acto contínuo, tirou a roupa que esta tinha vestida, e em seguida tirou os calções que ele próprio trazia vestido. 10- Então, o arguido ÁR... segurou A... na cama, agarrando-a pelo braço, e deitou-se sobre ela, introduzindo o seu pénis erecto na vagina dela, e friccionando. 11- Durante estes factos, A... afirmou que não queria, debateu-se e empurrou o arguido que a agarrava; e disse ao arguido para não fazer aquilo, que ele “tinha mulher na rua”, não precisava de lhe fazer aquilo, ao que o arguido respondeu “para que é que eu vou na rua se eu tenho aqui em casa?” 12- Por fim, o arguido ÁR... largou A..., que foi de imediato à casa de banho, onde se lavou. 13- Até essa data, A... nunca tinha mantido relações sexuais, motivo pelo qual a conduta do arguido já descrita lhe causou dor e sangramento. 14- Desde essa ocasião, o arguido ÁR... pretendeu manter a conduta que impôs a A..., e bem assim, o silêncio desta sobre a denúncia do sucedido, para o que dizia à menor que ela iria voltar para o Brasil e voltar para a miséria, e que seria capaz de matar a mãe delas, se AS... o confrontasse. 15- Em datas que não se logrou apurar, por várias ocasiões desde a Primavera de 2008 e durante o ano subsequente, o arguido transportou A... no seu veículo de marca Peugeot, modelo 106, cor vermelha e matrícula ...-...-AI, sob pretexto de esta o ajudar a cuidar da mãe do arguido. 16- E, em pelo menos uma ocasião, no percurso entre as duas habitações, o arguido ÁR... desviou o veículo em direcção à estrada da Assenta. 17- Nesse local, o arguido forçou A... a introduzir na boca o seu pénis erecto, sem usar preservativo, e a efectuar movimentos até que ele ejaculasse, limpando-se por fim a guardanapos de papel que mantinha no interior do carro. 18- Ainda com o mesmo pretexto, em data que não se logrou precisar dentro do mesmo lapso de tempo, o arguido ÁR... conduziu A... na mesma viatura até ao armazém propriedade do arguido, sito .... 19- Chegados a esse local, o arguido imobilizou a viatura em frente ao referido armazém, ordenou a A... que saísse do carro, e dirigiu-a para o interior do armazém. 20- Nesse local, o arguido ÁR... mantinha um colchão no chão, onde fez A... deitar-se, e agarrou-a firmemente pelo braço. 21- Aí, com um preservativo colocado no seu pénis erecto, introduziu o pénis na vagina de A..., friccionando até ejacular. 22- A certo ponto, o arguido apercebeu-se que um carro estacionava junto do armazém, momento em que o arguido tapou a boca de A... com a mão, impedindo-a de pedir auxílio. 23- Noutra ocasião, em data que não se logrou precisar, mas dentro do mesmo período temporal referido em 7 dos factos provados, o arguido transportou A... para o referido armazém, e no seu interior, sem usar preservativo e após retirar as roupas, introduziu o seu pénis erecto no ânus da jovem, friccionando. 24- Em data que não se logrou precisar, após a Primavera de 2008 e durante o ano subsequente, no interior da habitação da família, o arguido ÁR... agarrou com força no braço de A..., puxou-a para o interior do quarto dele e fechou a porta. 25- No interior do quarto que ÁR... partilhava com a mãe da menor, o arguido despiu A..., e a si próprio, e mantendo-a agarrada pelo braço, introduziu o seu pénis erecto na vagina dela, friccionando. 26- Em todas as ocasiões descritas, A... afirmou ao arguido que não queria, debateu-se e empurrou o arguido, que sempre a agarrava pelo braço. 27- Em datas que não se logrou apurar, entre 2009 e 2011, no interior da residência e na sua viatura automóvel, o arguido ÁR... apalpou os seios e a perna de A..., verbalizando que tinha saudades dela. 28- Entretanto, no ano lectivo de 2011, A... começou a frequentar a escola da ..., procurando, desta forma, afastar-se do contacto com o arguido, o que conseguiu por chegar a casa mais tarde do que era habitual, e a horas em que a sua mãe e irmãs já ali se encontrassem. 29- Em data que não se logrou precisar, no Carnaval de 2012, o arguido transportou A... no seu carro, com destino ao .... 30- Nessa ocasião, o arguido apalpou a perna de A..., e esta disse-lhe que já sabia o que se passava entre ele e a sua irmã B.... 31- ÁR... avisou-a que se o denunciassem as coisas iam piorar para ela e para as suas irmãs, que iriam voltar para o Brasil, para a miséria, e se a mãe dela o confrontasse, ia matá-la. E 32- Em datas que não se logrou determinar, mas no primeiro semestre de 2010 e no interior da residência da família, o arguido começou a abraçar de forma apertada B..., e a tocar-lhe nas pernas quando a transportava no carro. 33- Ainda em datas que não se logrou concretizar, mas no primeiro semestre de 2010, em várias ocasiões, e na habitação da família, quando o arguido ia acordar B..., tocava-lhe nos seios e nas pernas, o que sucedia quando a menor iniciava as aulas mais tarde, pelas 10.00 h ou pelas 13.30h. 34- Perante tais condutas do arguido, B... dizia ao arguido “para pára” e “não quero”, empurrando-o, ao que o arguido respondia “não estamos a fazer nada de mal”, que “era rápido” e que a mãe dela não tinha de saber de nada. 35- Alguns dias mais tarde o arguido ÁR... foi acordar B..., abraçou-a e agarrou-a mantendo-a na cama, apalpou-lhe os seios e as pernas e obrigou-a a manipular o seu pénis. 36- Nessas circunstâncias, o arguido tirou as calças, agarrou B... e prendeu a mão desta na sua, direccionando-a para o seu pénis, conduzindo a mão da menor em movimentos de fricção. 37- Entretanto, B... empurrava o arguido, mas ele agarrava-a e dizia que “era rápido”, “só cinco minutos”, para despachar e a ir levar à escola. 38- Do modo descrito, o arguido ÁR... forçava B... a friccionar-lhe o pénis com a mão, e mandava-a olhar nessa direcção e segurar a base do pénis, junto aos testículos com a outra mão. 39- Em simultâneo, com a mão que mantinha livre, o arguido apalpava as nádegas e os seios de B.... 40- E mantinha tal comportamento até ejacular, tentando B... sempre desviar o olhar do pénis do arguido. 41- Em datas não concretamente apuradas mas em três ocasiões, entre 2010 e 2011, o arguido ÁR... entrou no quarto de B..., que se encontrava deitada, e posicionou-se sobre ela, de pé, friccionando o pénis até ejacular sobre a barriga da menor, que desviava o rosto. 42- Numa dessas ocasiões, B... tentou levantar-se e o arguido empurrou-a, tendo esta caído sobre a cama da sua irmã, onde o arguido executou os actos já descritos. 43- Em data que não se logrou concretizar, entre 2010 e 2011, o arguido ÁR... aproximou-se de B..., que estava deitada, em casa, e despiu-se, posicionando-se em seguida sobre a menor, nú, e esfregou o seu corpo no dela, que se mantinha vestida. 44- Em seguida, o arguido agarrou a mão de B... e puxou-a para o seu pénis, conduzindo a mão da menor em movimentos de fricção até ejacular. 45- Em data que não se logrou precisar, situada entre 2010 e 2011, o arguido ÁR... aguardou que Be... saísse da casa de banho da habitação e, quando esta abriu a porta para sair, já vestida, o arguido entrou e obrigou-a a manipular o seu pénis, em movimentos de fricção. 46- Em datas que não se lograram apurar, mas desde o lapso de tempo já mencionado e até ao Carnaval do ano de 2102, o arguido ÁR... foi buscar B... à vila de ..., transportando-a de carro, ocasião em que tocava nas mãos e pernas da menor, e obrigava-a a friccionar-lhe o pénis, impondo a sua mão sobre a de B..., o que mantinha até ejacular. 47- Numa das ocasiões em que o arguido forçou B... a masturbá-lo, o arguido agarrou a cabeça de B..., direccionando-a para o seu pénis erecto, para que esta lhe fizesse sexo oral, mas B... logrou empurra-lo, enquanto dizia “não”. 48- Por duas ocasiões, em datas não concretamente apuradas, mas entre 2010 e 2011, o arguido transportou B... no seu veículo para o armazém de sua propriedade, na ...., área desta comarca. 49- Nesse local, projectou-a sobre o colchão que ali se encontrava e deitou-se sobre ela, esfregando e premindo o seu corpo contra o da menor. 50- Em seguida, forçou a mão de B... sobre o seu pénis, puxando-a com a sua própria mão, e conduzindo-a em movimentos de fricção, que manteve até ejacular, para o chão. 51- Desde a primeira vez que agarrou B... e a forçou a masturbá-lo, e com vista a manter as condutas descritas sobre B... e a evitar que esta o denunciasse pelo sucedido, o arguido ÁR... convenceu-a que se o contrariasse e denunciasse, ela e as suas irmãs, iriam ter de regressar ao Brasil, e a ter uma vida miserável, bem como que a sua mãe ia matá-lo, ou ele ia matar a mãe delas. 52- Em data não concretamente apurada, mas situada entre Abril de 2010 e Julho de 2011, à noite, no interior da residência do arguido e da família deste, I..., amiga de A... e B..., aguardava por esta, que se arranjava para irem sair, enquanto o arguido esperava para as conduzir ao local combinado para a festa. 53- I... estava sentada no sofá e o arguido ÁR... sentou-se junto dela, passou o braço pelo pescoço da menor e puxou a cabeça dela para ele, no intuito de a beijar na boca. 54- O arguido não logrou, porém, concretizar o seu objectivo porque I... baixou de imediato a cabeça, empurrou-o e levantou-se rapidamente, dirigindo-se para o quarto onde se encontrava B.... 55- Em data não concretamente apurada, mas do mês de Julho de 2011, o arguido ÁR... foi buscar I... a casa desta, para que fosse almoçar consigo e com B..., na casa do arguido. 56- Chegado ao local, o arguido aguardou por I... já fora do carro, e fez menção de a seguir quando esta voltou a reentrar em casa para fechar as janelas, dirigindo-lhe um olhar demorado antes de por fim reentrar no veículo. 57- Durante o percurso de carro até a casa do arguido, este disse a I... que estava muito magra e perguntou-lhe se tal sucedia por “transar” muito, esclarecendo a menor que “há umas que começam a namorar e ficam muito gordas, outras ficam muito magras”. 58- Nessa mesma ocasião, o arguido acariciou a perna de I..., acima do joelho, na parte superior da perna, parando porque I... afastou a mão do arguido com a sua. 59- No Verão de 2011, MS..., amiga de A... e de B..., passou alguns dias de férias na habitação do arguido e das amigas, na Estrada ...., área desta comarca. 60- Em data que não se logrou apurar, compreendida nesses dias de férias, MS... encontrava-se na sala da habitação, enquanto AA... passava a ferro no quarto, acompanhada de B..., e A... estava ausente. 61- Nessas circunstâncias, o arguido ÁR... apercebeu-se que M... estava a ver fotografias no computador e perguntou se se tratava do seu namorado, ao que a menor respondeu negativamente. 62- Acto contínuo, o arguido tocou-lhe no rosto, tendo a menor reagido, afastando a face. 63- Em seguida, o arguido acariciou a perna esquerda de M..., que nessa ocasião vestia calções curtos, tendo o arguido feito um gesto desde a parte exterior da coxa, em sentido transversal, até à parte interna do joelho. 64- O arguido, porém, parou a sua conduta porque M... dirigiu-lhe a expressão “tira a mão de mim”, e dirigiu-se apressadamente para o quarto onde se encontravam AA... e B.... 65- Dias depois, no mesmo período de férias, quando M..., vestindo calções, saiu do quarto das amigas e passou pelo quarto do arguido, onde este estava sentado na cama, ÁR... deu uma palmada nas nádegas da menor. 66- Em ocasiões em que o arguido ÁR... transportava as amigas de A... e B... de carro, designadamente I... e M..., o arguido ajustava o espelho retrovisor interior, por forma a poder observar as menores. 67- Sujeita a observação médica, em Março de 2012, A... apresentava hímen com solução de continuidade de etiologia traumática não recente e, na região anal, lesão traumática cicatricial não recente e laxidão do respectivo esfíncter anal, causados pela descrita conduta do arguido. 68- Sujeita a observação clínica de ginecologia em 09/03/2012, B... apresentava hímen íntegro e períneo sem alterações. 69- O arguido ÁR... sabia a idade das suas enteadas A... e B..., e bem assim as idades de I... e M..., que há muito privavam com a sua família. 70- Quando AA... veio para Portugal, no ano de 2005, deixou as suas filhas no Brasil, onde residia o seu marido e a sua mãe, pai e avó, respectivamente, de NS..., A... e B.... 71- Entretanto, o marido de AA, pai das ofendidas A... e B..., faleceu e, pouco tempo após, veio a falecer a mãe de AA..., avó das ofendidas. 72- Nessa altura, as ofendidas e a irmã destas, NS..., ficaram aos cuidados de uma tia, para quem AA... enviava regulamente dinheiro para o sustento das suas filhas. 73- Após o casamento de AA... com o arguido, por vontade de ambos e com a ajuda monetária deste, as filhas de AA... vieram para Portugal. 74- Desde essa data e perante o facto de terem perdido o seu pai e a sua avó e de voltarem ao convívio com a sua mãe, NS..., A...e B... não pretendiam regressar para o Brasil, facto de que o arguido tinha conhecimento. 75- O arguido estava também ciente de que mantinha com A... e B... uma vivência familiar, já que era casado com a mãe delas, e coabitavam na mesma casa. 76- Em cada uma das circunstâncias descritas, o arguido agiu com intenção lograda de satisfazer os seus instintos de desejo sexual para o que fez uso do ascendente, superioridade física, experiência e poder de intimidação sobre A... e B... e ciente que agia contra a vontade destas, suas enteadas, e ainda de I... e de M.... 77- Agiu ainda o arguido com intenção concretizada de condicionar A... e B... no exercício da sua vontade, para manterem consigo as condutas descritas, de cariz sexual e para não o denunciarem, usando para isso a intimidação, constrangimento e medo que instalou no espírito destas, quanto à sua vida e à vida da mãe das menores que temiam vir a perdê-la, logrando, deste modo, que as mesmas se submetessem e satisfizessem as suas vontades. 78- O arguido agiu, em todas as descritas circunstâncias, de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. 79- M... e I... apenas denunciaram as situações descritas em 52 a 66 dos factos provados após terem tido conhecimento da actuação do arguido relativamente às ofendidas A... e B..., tendo a menor M..., apenas após esse facto, relatado à sua mãe o facto descrito em 65. Das condições pessoais do arguido e dos seus antecedentes criminais 80- O arguido é casado com AA... mas desde 07/03/2012, data em que AA... tomou conhecimento dos factos de que as suas filhas foram vítimas na sequência de declarações por estas prestadas na Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de ...., vivem separados de facto. 81- O arguido é oriundo de um meio sociofamiliar piscatório, natural de ..., onde manteve uma forte ligação à comunidade ao longo da sua vida, quer através da sua actividade profissional na pesca, quer através da fixação da sua residência nesta zona geográfica. 82- Com apenas a 4ª classe, o arguido começou a jogar futebol aos 16 anos, desenvolvendo uma actividade futebolística profissional entre 1973 e 1985, integrando diversas equipas nacionais, como guarda-redes. 83- Aos 34 anos, finalizou a sua carreira como futebolista e regressou a ..., onde manteve a sua proximidade ao futebol através do treino regular, integrando torneios informais, prestando apoio a associações locais como treinador e, mais recentemente, nos últimos cinco anos, integrando a equipa de veteranos do ...., surgindo esta actividade desportiva como central nas motivações e interesses por si evidenciados 84- Em ..., o arguido manteve a sua ligação às pescas, através de uma sociedade num barco e estabelecendo-se no meio dos negócios locais, nomeadamente a exploração de um supermercado e de uma peixaria, dedicando-se também à pesca. 85- O arguido tem três filhos, dois deles fruto de um primeiro casamento, entretanto dissolvido por divórcio, e um outro fruto de uma relação marital que manteve durante treze anos. 86- Após os dois primeiros relacionamentos, o arguido antevê uma vida amorosa activa, envolvendo-se de forma descomprometida com várias mulheres, na maioria das situações sem coabitação, convivendo de perto com a comunidade brasileira local, por frequentar locais públicos de convívio onde estes cidadãos se reúnem de forma regular, sendo neste contexto que conheceu AA.... 87- À data dos factos, o arguido vivia da pesca, sendo proprietário de uma pequena embarcação e, nesta actividade, é considerado bom profissional, estando adequadamente inserido no meio comunitário piscatório. 88- No seu estilo de vida preocupava-se por manter uma boa condição física, através da prática desportiva regular e pelo descanso adequado face ao esforço do trabalho e, fisicamente, e em comparação com os homens da sua faixa etária, sente-se uma pessoa jovem, aspecto que integra positivamente no seu valor pessoal 89- Em termos interpessoais, o arguido apresenta-se um sujeito sedutor, assumindo uma imagem social influente, valorizando as suas capacidades desportivas e profissionais, numa postura pró-activa e prestável relativamente aos outros. 90- O seu funcionamento psicológico parece assentar num estilo tendencialmente egocêntrico e pouco expressivo dos seus sentimentos mais íntimos, organizando-se no plano relacional para objectivos/motivações pessoais concretas. 91- Em situação de conflito e resolução de problemas, tende a adoptar uma atitude rígida de defesa do seu ponto de vista, com incapacidade para a flexibilização e negociação, privilegiando a ruptura e o afastamento como forma de manter o seu estatuto no conflito, mesmo que à custa de fortes sentimentos de perda que ficam interiormente escondidos. 92- Face à comunidade brasileira, o arguido apresenta um conjunto de crenças e ideias esteriotipadas, partilhadas e reforçadas em determinados contextos sociais e culturais que, face aos factos aqui em apreço favorecem uma desvalorização da sua gravidade, bem como a diminuição da sua responsabilidade pessoal, mantendo-se alheado na realidade psíquica e física das vítimas e nos danos que nelas se poderão fazer sentir. 93- Em termos sexuais, o arguido assume uma postura activa e liberta de preconceitos, valorizando as mulheres com determinado perfil físico, que se envolvem nos jogos amorosos e práticas sexuais sem exigências morais ou outras do ponto de vista formal, justificando, assim, de forma esteriotipada, “o sucesso das mulheres brasileiras entre os homens portugueses”. 94- Também o seu comportamento sexual parece estar imbuído de inferências pessoais acerca da maturidade sexual das parceiras, do seu consentimento ou prazer na situação, sempre partindo de uma autoavaliação positiva do seu papel/desempenho enquanto parceiro sexual. 95- Ainda que reconhecendo com culpabilidade os limites ultrapassados no seu relacionamento com as vítimas, é com sentimentos de injustiça e de revolta que vivencia a prisão preventiva e contacta com os artigos de imprensa que se referem a esta situação, não se revendo na figura que neles surge descrita. 96- Do mesmo modo, sente-se vítima de uma situação que caracteriza como intencional e uma armadilha por parte da mulher, a quem atribui a intenção de instrumentalizar a sua pessoa para fins de legalização da autorização de residência em Portugal, situação da qual o arguido assume não ter sido capaz de se desvincular por sua própria iniciativa. 97- Na comunidade local, os acontecimentos que originaram a sua prisão preventiva tiveram um forte impacto na comunidade brasileira, com manifestações abertas de repulsa e condenação do comportamento do arguido. 98- Os filhos do arguido manifestaram uma atitude crítica relativamente ao comportamento do pai, manifestando directamente os seus sentimentos de vergonha e penalizando o pai, afastando-se do mesmo, mesmo no contexto da prisão preventiva. 99- A crítica e o afastamento dos filhos estão a ser vivenciados pelo arguido como uma consequência negativa, de forte impacto emocional, acentuando, por um lado, uma percepção de perda e de vitimização e, por outro, estimulando uma postura de maior autocrítica e assunção de culpa. 100- O arguido apresenta uma estrutura psicológica que facilita a probabilidade de ocorrência deste tipo de práticas sexuais, relativamente às quais necessita de desenvolver maior censura e crítica, maior consciência dos direitos dos outros e das necessidades das vítimas e das consequências que se podem antecipar neste tipo de prática criminal. 101- Não são conhecidos antecedentes criminais ao arguido. A convicção formada pelo tribunal recorrido foi assim explicada: A convicção do tribunal quanto aos factos provados formou-se com base no conjunto da prova produzida e respectiva apreciação crítica, à luz das regras da experiência comum. Concretizando. O arguido optou por prestar declarações, admitindo uma pequena parte dos factos que lhe eram imputados, mas negando outros, apresentando uma versão tendente a, pelo menos, atenuar a sua responsabilidade. Assim, em síntese, o arguido admitiu ter mantido relações sexuais com a menor A..., tendo a primeira vez ocorrido em Agosto/Setembro de 2010, na residência de ambos e, as restantes quatro ou cinco vezes, no armazém ..., tendo a última delas ocorrido ainda no primeiro semestre de 2011 (referindo que a 4ª vez que tal aconteceu foi em Janeiro/Fevereiro de 2011 e a última vez 2 ou 3 meses depois daquela data). Declarou, porém, que, embora consciente da idade de A... – que situa nos 14/15 anos de idade – manteve relações sexuais com a menor mas por iniciativa desta, que tomava a pílula desde os 14 anos de idade e que lhe disse já ter experiência sexual e saber que o arguido já não mantinha relações sexuais com a sua mãe. Mais declarou que, depois de todas as relações sexuais mantidas com A... lhe dava dinheiro (€ 100,00 na primeira vez e € 50,00 nas restantes), que aquela aceitava para poder gastar com os amigos em discotecas. Declarou ainda que A..., a certa altura, passou a frequentar a escola da ..., no ..., para estar mais próxima dos amigos brasileiros, passando várias noites fora de casa, sem que a mãe – AA... – se importasse com esse facto. Mostrou-se convencido de que A... já tinha experiência sexual com outros homens, e que é normal, na comunidade brasileira, as “miúdas” perderem a virgindade muito cedo. Relativamente à menor B... declarou que esta, na véspera do ano novo de 2011, o abordou e lhe pediu dinheiro, dizendo-lhe que sabia que o arguido mantinha relações sexuais com a irmã C... e que, se não lhe desse o dinheiro pretendido, iria queixar-se à mãe e denunciá-lo. Nessa ocasião, deu € 20,00 a B... a qual, por sua iniciativa, agarrou o seu pénis e começou a masturbá-lo no interior da sua viatura automóvel. Posteriormente, e no mesmo local, e por iniciativa de B..., ocorreram actos idênticos por mais duas vezes, uma delas na festa de Carnaval de 2012 e outra em Janeiro de 2012. Concretizou ainda que B... apenas o masturbava porquanto está convencido que a mesma, enquanto jogadora de futsal “gosta de mulheres”, tal como todas as colegas desta daquela modalidade desportiva. No que concerne às menores I... e M..., declarou conhecer os pais das mesmas, sendo frequentadores da sua casa. O arguido apresentou esta sua versão dos factos situando-os num contexto familiar complicado, decorrente do seu casamento forçado com AA... e unicamente celebrado para garantir a legalização desta em Portugal, descrevendo o seu casamento como “um inferno”, onde existiam discussões constantes entre o casal, tendo o arguido, a partir de certa altura, deixado de dormir em casa e passado a pernoitar no seu armazém, para poder descansar e ir à pesca, actividade a que se dedicava. Mais relatou que, com frequência, deslocava-se com a menor A... ao Café, circunstância que evidenciava, no seu entender, que A..., nos actos sexuais consigo praticados, não fora de alguma forma, obrigada a praticá-los, antes tendo sido ela a tomar a iniciativa de os praticar. Declarou, ainda que toda esta situação foi uma armadilha que lhe foi montada e que tudo não passe de uma vingança da sua esposa e das filhas desta para consigo, por pretenderem manter-se a residir em Portugal e para beneficiarem, até, em termos patrimoniais, com o seu casamento. Questionado sobre a razão de ainda manter o seu casamento com AA..., não logrou dar uma explicação para esse facto, relatando ter sido sempre sua preocupação, garantir o sustento da sua esposa e das filhas desta. Para a convicção do Tribunal foram ainda e essencialmente relevantes, desde logo, as declarações para memória futura prestadas pelas testemunhas e ofendidas A..., B..., I... e M..., que confirmaram os factos dados como provados, designadamente, os actos sexuais de que cada uma delas (A... e B...) foi alvo, bem como as palavras e gestos praticados pelo arguido (I... e M...). Não obstante o relato que foi efectuado, nas declarações para memória futura, pelas ofendidas A... e B..., e porque a imediação decorrente do julgamento é um auxiliar importante para a convicção do julgador, decidiu o Tribunal inquirir em julgamento estas duas ofendidas, tendo os esclarecimentos por estas prestados sido igualmente valorados. E, em julgamento, A... esclareceu, de forma sentida, chegando a ficar com os olhos lacrimejantes, que manteve relações sexuais com o arguido, e contra a sua vontade, durante um período de tempo que durou desde os seus 13 anos de idade e até ir para a escola da ..., ocorrendo as mesmas uma ou duas vezes por mês. Em todas as circunstâncias em que manteve esse contacto sexual com o arguido, o mesmo agarrava-lhe os braços e numa ocasião, no armazém, tapou-lhe a boca para não gritar. Referiu ainda que, sob o pretexto de estar mais próximo dos seus amigos, passou a frequentar a escola da ..., no ..., para evitar estar com o arguido, porquanto saía de casa cedo e chegada a casa já tarde, numa altura em que a sua mãe ou irmãs ali se encontrassem. Ao logo do tempo acabou por se ir submetendo, contra a sua vontade, aos desejos do arguido, embora este sempre soubesse que o fazia contrariada e, sempre que este lhe dava dinheiro, fazia-o sempre à frente da mãe ou das irmãs. Mais esclareceu que, embora tivesse a sua irmã NS..., mais velha, como a mesma já tinha namorado, sempre se sentiu mais próxima da sua irmã B... e que, não obstante todas as irmãs compartilharem o mesmo quarto na residência, nunca denunciou a situação a qualquer das irmãs por sentir receio que as mesmas fossem contar à sua mãe por ter medo da reacção da mesma contra o arguido, caracterizando a sua mãe como temperamental e com capacidade para, caso tomasse conhecimento da situação, se vingar do arguido. Esclareceu ainda que a sua mãe, por ter sido vítima, na infância, de abusos sexuais por parte do progenitor, sempre disse às filhas para, caso passassem pelo mesmo, lhe contarem, razão pela qual ficou com medo, caso a sua mãe ficasse a saber, de ela se vingar do arguido, podendo vir a ser presa por isso, facto que não queria para não ficar privada da companhia da mãe, já que havia perdido o pai e a avó, não pretendendo regressar ao Brasil – como o arguido a ameaçava - onde teve uma vida sofrida com a perda do seu pai e da sua avó e por passar necessidades dado que, antes de vir a Portugal, estava entregue aos cuidados de uma tia que recebia dinheiro que a sua mãe lhe enviava para o seu sustento e das suas irmãs mas que a tia não gastava com elas. Esclareceu ainda que começou a tomar a pílula muito cedo, para regularizar o ciclo menstrual e que, à data dos factos era virgem e, apenas recentemente, começou a ter relações sexuais com o seu namorado, mas nunca com este manteve sexo anal, tendo esta prática ocorrido apenas com o arguido, durante umas cinco vezes, relatando a primeira como muito dolorosa. Foram também relevantes os esclarecimentos prestados por B..., em julgamento, que começou por referir que, quando veio para Portugal tinha 10 anos de idade e que via o arguido como um pai, situação que se alterou quando fez 13 anos, altura em que o arguido praticou consigo, forçando-a, os actos sexuais já por si anteriormente relatados nas declarações para memória futura, situação que perdurou até a situação ter sido descoberta pela CPCJ, e que ocorria duas ou três vezes por semana. Mais declarou que nunca contou esta situação às suas irmãs por sentir receio que estas contassem à sua mãe, pessoa que já havia passado na infância por situações idênticas e que sempre disse às filhas para falarem consigo se lhes sucedesse o mesmo. Relatou ter medo que a sua mãe, caso soubesse do que se estava a passar, pudesse matar o arguido, ou ele a ela, e, aí, iria ficar sem a sua mãe, e até regressar ao Brasil, o que não pretendia, por ter já estado à guarda de uma tia que não lhe comprava, nem às suas irmãs, o que necessitava, com o dinheiro que a mãe lhes enviava de Portugal. Mais referiu que vai chumbar o ano lectivo e que está a ter acompanhamento com uma psicóloga da escola, mas que não consegue ultrapassar o que sente. Para a convicção do Tribunal foram também relevantes os depoimentos das testemunhas: - FS..., inspector da Polícia Judiciária, que descreveu as diligências de investigação por si efectuadas, designadamente buscas ao armazém e a recolha de vestígios, quer no interior do armazém, quer no interior da viatura automóvel do arguido, quer no exame de natureza sexual efectuado a Carolina Silva, que culminaram nos exames periciais realizados e cujos relatórios se encontram a fls. 180 a 187, 240 a 245 e 747 a 752 dos autos. Esta testemunha igualmente procedeu à inquirição das vítimas, e, fazendo apelo à sua experiência profissional, declarou que, em situações em que se investigam actos desta natureza sexual, sobretudo com adolescentes com mais de 13 anos de idade, existe particular cuidado na inquirição efectuada e na interpretação do que é relatado, para evitar situações camufladas, concretizando que, no presente caso, todos os depoimentos das menores inquiridas foram depoimentos prestados com “calor e emotividade”, não apresentando um discurso fluente (situação normal), o que, pela sua experiência, o levou a acreditar terem sido situações efectivamente vivenciadas pelas menores. - AA..., esposa do arguido e mãe de A... e de B..., que declarou, designadamente, ter vindo trabalhar para Portugal no ano de 2006 e, após ter conhecido o arguido, começou a namorar com o mesmo, vindo a viver em união de facto no ano de 2006, até ao momento em que ambos contraíram casamento, em 2007, altura em que já havia “sofrido duas perdas muito grandes”: a morte do seu marido no Brasil e da sua mãe. As suas filhas vieram para Portugal após o seu casamento com o arguido, com o auxílio monetário do mesmo, sempre tendo ensinado as suas filhas a respeitá-lo e a gostar dele. Relativamente à sua filha mais velha, NS.., o arguido sempre lhe disse não querer aproximações com a mesma “por ser muito arredia e apegada ao pai” mas, quanto às mais novas, sempre lhe disse que as criava como se fossem suas próprias filhas. Declarou ainda que trabalhava até tarde mas que começou a notar alterações no comportamento de A... – estava muito rebelde e muito agitada – mas que sempre o arguido a acalmou, dizendo-lhe que as filhas estavam a crescer e que, embora procurasse, junto de C..., saber o que se passava, sempre o arguido interrompia as conversas. Declarou ainda que A... começou a tomar contraceptivos por iniciativa da mãe, porque “estava muito rebelde” (dando a entender que procurava preveni-la de uma eventual gravidez, caso a mesma viesse a relacionar-se sexualmente com algum namorado) e que, a certa altura, A... convenceu-a a mudar de escola, indo para a ..., altura em que chegava a casa após as 20h30, pernoitando algumas noites fora de casa, em casa de uma amiga, e que lhe dizia que queria sair de casa quando fosse maior, pelo que a testemunha colocou a hipótese de ela já namorar, embora o arguido sempre lhe dissesse que não queria namorados em casa, mas apenas o namorado da NS..., sua filha mais velha. Declarou também apenas ter tomado conhecimento da situação quando as suas filhas foram prestar declarações à CPCJ, pois quando recebeu a carta remetida por esta Comissão a convocá-la e às filhas, falou com o arguido que ficou muito nervoso, dizendo-lhe que se trataria de algum problema que as suas filhas tivessem na escola. Porém, desde esse dia que recebeu a carta, o arguido não mais foi para o mar, permanecendo em casa e aparentando nervosismo. Mais declarou que, após ter tomado conhecimento da situação, confrontou as filhas A... e B..., tendo uma delas dito que pretendia contar mas que cada vez que o tentava fazer o arguido estava a abraçar a mãe, e tendo B... dito ter medo de contar-lhe e que, assim que tomou conhecimento dos factos, procurou ocultá-los de imediato do arguido até sair de casa com as suas filhas, no dia seguinte, numa altura e que o arguido já ali não se encontrava. Referiu ainda – a instâncias da defesa do arguido – que, no Brasil, a sexualidade “das meninas começa por volta dos 14/15 anos”. Relatou ainda que A..., actualmente, melhorou as notas escolares, mas que chora e grita à noite e que B... teve sete negativas na escola, e que não consegue dormir durante a noite, relatando ter medo que o arguido venha a ser libertado. Descreveu o seu casamento com o arguido como normal, ocorrendo zangas “corriqueiras” entre o casal, tendo numa ocasião o arguido falado em separação, mas o mesmo afastou logo essa ideia, sendo que, todos os anos se desloca ao Brasil para ir buscar o “dinheiro do falecido marido”, sempre tendo contribuído para as despesas da casa com o dinheiro do seu trabalho, embora o arguido sempre se disponibilizasse a “pagar tudo”. - AM, treinador de futsal feminino, que conhece A... e B... desde 2010/2011, altura em que foi treinador de ambas, embora presentemente seja apenas treinador de B.... Declarou, em síntese, que foi chamado à atenção por uma atleta das mais velhas, que B... – que caracterizou como uma criança extrovertida e brincalhona – estava muito instável e chorosa e, nessa sequência, combinou um jantar com B..., na sua residência, sob o pretexto de esta ir ajudar a sua filha, também conhecida de B.... Nesse jantar, teve uma conversa apenas com B..., para apurar o que se estava a passar, tendo-lhe esta referido que o padrasto abusava dela mas que ela tinha medo de ir para o Brasil e que não contou nada à sua mãe porque, com esta, já tinha acontecido o mesmo e sempre lhe disse que “cometia uma loucura se algum homem fizesse isso com elas”. Mais relatou que, dois dias depois, contactou com A... – que havia mudado o seu comportamento desde que a conheceu, passando a estar mais ausente e mudando de visual, pintando o cabelo - para a pôr ao corrente da situação da sua irmã B..., e que, quando lhe contou, esta, num primeiro impacto, “ficou exactamente igual, tipo mulher de gelo” e disse-lhe que não se tinha apercebido mas que tinha que dar apoio à irmã. De imediato comunicou a situação à CPCJ. Dias depois, B... telefona-lhe assustada a dizer-lhe que a irmã vai apresentar queixa do arguido pelo que telefonou a A... que lhe disse que “ele faz comigo o que um homem faz com uma mulher!”, procurando acalmá-la. Desde que a situação foi conhecida, começou a aperceber-se que B... chega sonolenta aos treinos e apresenta um comportamento inconstante, denotando um transtorno emocional grande, vivendo num pânico constante, com receio de estar sozinha. Referiu ainda que ... é um meio pequeno e que, desde que a situação foi relatada pela comunicação social, B... foi logo identificada na escola como sendo uma das vítimas, tendo esta, logo nos primeiros dias, evitado ir à escola. - NS..., irmã de A... e de B..., declarou, em síntese, apenas ter tido conhecimento da situação depois da sua mãe e irmãs terem ido à CPCJ, à noite, depois do arguido ter ido para a pesca. Descreveu as alterações no comportamento das suas irmãs, designadamente, da C..., que começou a ficar mais tempo fora de casa, e de B..., que se apresentava chorosa e triste e apenas queria ficar na escola, não querendo regressar a casa após as aulas. Mais referiu que sempre foi mais rebelde do que as suas irmãs e que, por essa razão, nunca teve grande aproximação com o arguido e que este, numa discussão que teve com a sua mãe, dirigiu-se a si e às suas irmãs dizendo-lhes que iriam regressar para a miséria no Brasil, tendo a testemunha ainda referido que, não obstante não terem tido uma vida de miséria no Brasil, não pretendiam regressar àquele País. Mais referiu que, desde que a situação foi conhecida, A... começou a subir as notas na escola e B...começou a ter mais negativas. - JL..., mãe de I..., relatou que a sua filha, numa ocasião, lhe contou que o arguido teve uma conversa consigo dizendo-lhe que estava muito magra porque “se calhar andava a transar demais”. Disse ainda que ficou chocada mas que não disse nada porque “era uma família normal e pensou que fosse um deslize dele”. Mais referiu que, quando a situação de B... e de A... foi descoberta, a sua filha lhe relatou que, noutra ocasião, o arguido colocou-lhe a mão no ombro, pretendendo beijá-la e que ela fugiu para o quarto das amigas. Relatou ainda que as duas irmãs mudaram muito, tendo A... ficado “mais dura e mais séria” e B... “tem medo de tudo e não dorme, assustada”. - LS..., mãe de M..., referiu que, por duas vezes a sua filha foi passar férias com as filhas de AA... e que, quando a situação destas foi descoberta, M... contou-lhe que numa ocasião o arguido pôs-lhe a mão na perna e, noutra ocasião, o arguido deu-lhe uma palmada nas nádegas. Mais referiu que notou diferenças no comportamento de A..., que ficou mais rebelde. - SR..., filho do arguido, que relatou ser frequentador da casa do pai, em acontecimentos festivos, e que não notou nada de anormal, referindo que, apesar de não ter concordado com o casamento do seu pai, apercebeu-se que A... era a sua enteada preferida mas que havia reciprocidade da menor. Mais referiu que, quando a situação foi descoberta, o seu pai “contou-lhe” e falou com AA... sobre o assunto, estando a mesma muito nervosa. - IC..., técnica da CPCJ, declarou terem recebido sinalização da situação através de AM..., treinador de futsal e, de imediato, marcaram uma entrevista para as menores e a mãe destas para duas semanas depois. Apercebeu-se que, na entrevista com AA... esta não conhecia a situação e que, após as suas filhas terem relatado os factos, AA... ficou em choque e confrontou as filhas, tendo A... referido que o arguido lhe tirara a virgindade e que “ele fez comigo o que um homem faz com uma mulher na cama”. Esta testemunha referiu que as menores apresentaram um discurso muito penoso, demonstrando receio que a mãe pudesse cometer alguma loucura. Mais relatou que as menores A... e B... tiveram acompanhamento, tendo cessado o de A... quando esta perfez os 18 anos, mas, relativamente a B..., a mesma irá continuar com acompanhamento psicológico porquanto tem obtido maus resultados escolares. O Tribunal igualmente valorou os depoimentos das testemunhas JJ... (amigo do arguido que declarou nunca ter visto alguém entrar para o interior do armazém com o arguido), FM (amigo do arguido que declarou ter visto as enteadas do arguido, algumas vezes, no armazém deste, durante o dia encontrando-se a porta aberta), AR... (amigo do arguido que referiu que o mesmo, por vezes pernoitava no armazém), ID... (amiga do arguido, que declaro que o arguido é frequentador da sua casa e que nunca se apercebeu de nenhum comportamento anormal do mesmo, relatando que, após a situação ter sido relatada pela comunicação social, encontrou AA... que lhe disse que, quando soube, apenas não matou o arguido “para não ter problemas”), AC... (amigo do arguido e frequentador da casa deste e que igualmente relatou nunca ter visto qualquer comportamento anormal por parte do arguido), AS... (amigo do arguido que relatou nunca ter visto a porta do armazém do arguido aberta durante o dia, não se apercebendo se o mesmo pernoitava no referido armazém), CC... (amiga do arguido, brasileira, que relatou ter sido namorada do mesmo, de 2004 a 2006, e que este lhe disse que “vivia num inferno”. Mais referiu que perdeu a virgindade aos 13 anos e que essa situação é normal com cidadãs brasileiras) e MS... (amiga do arguido que relatou que, há cerca de dois anos, o arguido lhe disse que dormia no armazém porque “faziam muito barulho” em casa). Foi igualmente relevante o teor dos autos de busca e apreensão de fls. 116/117 (cujo teor foi confirmado pela testemunha Francisco Simões, inspector da Polícia Judiciária que procedeu á diligência), o registo fotográfico de fls. 164 a 169, a documentação clínica de fls. 285 a 289 e de fls. 679 a 681, a ficha de sinalização da CPCJ de fls. 20 a 35 e a informação de fls. 364 a 367, bem como ainda o teor dos documentos juntos a fls. 343 (inscrição de A... na escola da Amora, em Julho de 2011), 392/393 (assento de casamento do arguido e de AA...), 54 a 56, e ainda o teor dos relatórios periciais de fls. 180 a 187 e 747 a 752 e de fls. 240 a 245 (sendo este último referente à perícia de natureza sexual realizada a A..., dele resultando que “na região anal foi encontrada uma lesão traumática cicatricial não recente (significando tal o facto de haver sido produzida há mais de dez dias), constatando-se, cumulativamente, alguma laxidão do respectivo esfíncter anal. Medico-legalmente, estes achados objectivos admitem, com elevada probabilidade, a sua produção por um pénis de adulto em erecção, situação que se harmoniza com a informação prestada pela examinada ao referir ter sido sujeita a actos de sodomia passiva”. Fazendo uma análise crítica de toda a prova produzida, ficou o Tribunal com o convencimento seguro da veracidade dos factos que foram considerados provados. Desde logo, o arguido admitiu, embora muito parcialmente, ter-se relacionado sexualmente com as menores A... e B..., concretizando, até o momento em que cessaram tais contactos de natureza sexual: relativamente a A... teriam cessado dois ou três meses depois de Janeiro de 2011 e, relativamente a B... teriam ocorrido na véspera do ano novo de 2011 (logo, em Dezembro de 2010, altura em que B... ainda tinha 13 anos de idade) e cessado (segundo acto de cariz sexual confessado) no Carnaval de 2012. Demonstrou com as declarações prestadas ter bem conhecimento dos factos que lhe eram imputados, contextualizando-os e situando-os no tempo, o que, desde logo, afasta a versão por si apresentada na contestação, de que não poderia exercer o seu direito de defesa em virtude de na acusação deduzida não resultar nem a data, hora e lugar das práticas dos actos sexuais, bem como as circunstâncias em que os factos foram cometidos. Por outro lado, as declarações para memória futura prestadas pelas menores e os esclarecimentos adicionais prestados por A... e B..., para além de terem descrito os factos de que foram vítimas de forma objectiva e circunstanciada – evidenciando em julgamento alguma vergonha e apresentando um discurso sentido e comovido -, encontraram suporte na restante prova produzida, e até, algum suporte também nas declarações prestadas pelo próprio arguido. É certo que, relativamente às declarações prestadas pelo arguido, o mesmo, apesar de admitir ter mantido relações sexuais com A... e actos de cariz sexual com B..., veio a referir que foram as menores quem tomaram a iniciativa de consigo se relacionarem desse modo, a troco de dinheiro e por vontade das mesmas. Negou o arguido alguma vez ter forçado as menores –fisicamente ou mediante ameaças - a consigo se submeterem aos actos de cariz sexual tidos como provados. Todavia, esta versão dos factos apresentada pelo arguido não mereceu qualquer credibilidade ao Tribunal, porque infirmada pela restante prova produzida, conjugada com as regras da experiência comum e da normalidade da vida. Na verdade, sempre as menores A... e B... afirmaram terem sido forçadas pelo arguido a submeterem-se a tais actos sexuais, chegando mesmo A... a afirmar que, ao longo do tempo, e perante a reiteração da conduta do arguido, foi-se submetendo embora contrariada. Referiram a força física utilizada pelo arguido para as submeter a tais actos e também a pressão psicológica sobre elas exercida. Ora, o arguido sabia da vivência das menores e do desgosto por estas sentido com a perda do pai e da avó no Brasil. Sabia igualmente da idade das menores quando as mesmas consigo vieram residir. Por sua vez, as menores relataram, de forma segura e sentida os actos de que foram vítimas bem como o medo sentido com as ameaças do arguido no caso destas denunciarem a sua actuação. E, pelas regras da experiência comum e da lógica, conjugadas com a tenra idade das menores à data da prática dos factos, é por demais evidente que as mesmas, tendo sido educadas pela sua mãe que sempre as alertou para o facto de também ela ter sido vítima de abusos sexuais na infância, manifestando repugnância por tais actos, e sabendo da impulsividade da sua mãe, sentiriam receio que caso a sua mãe viesse a descobrir o que com elas se estava a passar, algo de violento ela poderia fazer contra o arguido, ou este contra a mãe, ficando assim, privadas do convívio materno. E, não obstante o arguido, na defesa por si apresentada, pretendesse pôr em causa a credibilidade das menores, dando a entender não ter qualquer fundamento a alegada ameaça de que as mesmas iriam voltar para a miséria no Brasil, por essa miséria não existir, o que é certo é que, nem nesta parte, a sua versão mereceu credibilidade. Na verdade, esse tipo de ameaça foi também ouvido, numa ocasião e num contexto de discussão familiar, por NS... e, por outro lado, foi notório nas declarações prestadas pelas menores e pela sua irmã, que tiveram uma vida sofrida no Brasil, mesmo quando estiveram aos cuidados de uma tia, e que, nenhuma delas pretendia regressar ao seu País de origem. Ora, estas circunstâncias, aliadas à tenra idade das menores à data dos factos, tornava-as evidentemente vulneráveis a tais ameaças, ao ponto de nada denunciarem e ao ponto, até, de tentarem manter, pelo menos no seio familiar e junto da sua mãe, um comportamento aparentemente normal, designadamente, deslocações de A... com o arguido, a casa da mãe deste e ao café, sem que fosse oferecida qualquer resistência – o que queda por inverosímil a versão que o arguido procurou trazer ao Tribunal de que não era possível, com tais comportamentos, haver qualquer constrangimento da menor A.... Acresce ainda que da prova produzida apuraram-se elementos objectivos que, devidamente analisados no contexto da situação aqui em apreço, convenceram o Tribunal que as menores A... e B... foram coagidas a submeterem-se a tais actos de natureza sexual. Na verdade, A..., a partir de certa altura, convenceu a mãe a transferir-se para a escola da ..., para ficar mais ausente de casa e, assim, evitar maiores contactos com o arguido, tendo alterado o seu comportamento, tornando-se mais rebelde e procurando mudar a sua imagem, pintando o cabelo e, por sua vez, B... começou a apresentar-se chorosa e deprimida, piorando o seu rendimento escolar e passando noites sem dormir. Todo este circunstancialismo é bem revelador da situação traumatizante relatada pelas menores A... e B... bem como das sequelas dali resultantes. Por sua vez, A... referiu que perdera a virgindade com o arguido e que, embora actualmente, e há pouco tempo, tenha passado a manter relações sexuais com o seu namorado, sempre afirmou que relações anais apenas manteve com o arguido, e dolorosas. Ora, este relato é perfeitamente compatível com o relatório de exame pericial junto a fls. 283 a 245 dos autos, do qual resulta em A... uma lesão traumática cicatricial ao nível anal, compatível com os actos de que afirmou ter sido vítima por parte do arguido. Logo, tendo em conta na natureza das lesões e o facto de apenas com o arguido A... ter mantido relações anais, é por demais evidente que as lesões que lhe foram diagnosticadas são bem reveladoras dos actos de que a menor afirmou ter sido vítima. É certo que, dos restantes vestígios biológicos recolhidos nos locais indicados por estas vítimas, como tendo sido locais eleitos pelo arguido para as constranger a manterem consigo actos de natureza sexual, não foi possível obter qualquer amostra biológica que permitisse comprometer o arguido com a prática de tais actos. Todavia o lapso de tempo decorrido entre a data dos últimos cometimentos e a data das recolhas de tais vestígios não permitiu que os exames periciais fossem conclusivos nesse sentido, mas, nesta parte, também nenhuma relevância teriam para a prova produzida – senão, apenas, o seu reforço – tendo em conta que o próprio arguido admitiu ter praticado tais actos com as menores, nos locais pelas mesmas indicados. Por outro lado, pretendeu o arguido, descredibilizar os depoimentos das referidas menores, procurando convencer o Tribunal de que as mesmas já tinham experiência sexual antes dos actos consigo praticados, já que tem como seguro que as raparigas brasileiras iniciam a sua vida sexual muito cedo, e tanto assim é que, na sua perspectiva, A... já tomava anti-concepcionais por manter relações sexuais com os seus amigos. Ora, esta ideia pré-concebida do arguido -corroborada até pela testemunha por si arrolada, CC..., cidadã brasileira que afirmou ter perdido a virgindade aos 13 anos de idade, situação que considerou normal nas raparigas brasileiras -, no caso concreto, não se mostrou corroborada pelas declarações prestadas por A..., quando afirmou, de forma credível, que era virgem da primeira vez que foi constrangida a ter relações sexuais com o arguido e que começou a tomar a pílula para regularizar o seu ciclo menstrual. Pretendeu também o arguido convencer o Tribunal de que toda esta situação foi denunciada mas como forma de vingança da sua esposa, AA..., e das filhas destas, por pretenderem manter-se em Portugal e até obter algum benefício económico com o casamento. Todavia, também nesta parte a versão apresentada pelo arguido não convenceu o Tribunal porque infirmada pela restante prova produzida. Basta atentar ao facto de A... e B... desconhecerem o que se passava com a outra, o facto de a situação ter sido denunciada, não por iniciativa das menores ou da mãe destas, mas pela testemunha AM..., alertado que foi pela alteração do comportamento de B..., e ainda a circunstância de AA... ser também ela desconhecedora de toda esta situação, vindo apenas a dela tomar conhecimento após a sinalização das menores pela CPCJ e perante as declarações por estas prestadas naquela Comissão. Relativamente ao número de vezes em que A... e B... se submeteram aos actos sexuais impostos pelo arguido, não logrou o Tribunal apurá-las com rigor, tanto mais que A... referiu uma periodicidade mensal (uma a duas vezes por mês) e B... uma periodicidade semanal (duas a três vezes por semana). Todavia, perante a prova que foi produzida, o Tribunal não teve dúvidas de que, pelo menos as situações descritas no despacho de pronúncia ocorreram nos termos tidos como provados. Esta actuação do arguido foi reiterada no tempo e, seguramente, não era exigível a vítimas com a idade de A... e de B..., que viessem a recordar-se, em concreto, das datas exactas em que tais actos ocorreram, mas, tão só, e apenas, o período temporal em que perdurou tal situação. Tudo indica, pela credibilidade que mereceu o depoimento destas menores, que o arguido as constrangeu a submeterem-se a tais actos de natureza sexual, um maior número de vezes do que aquelas descritas no despacho de pronúncia. Porém, optou o Tribunal por não efectuar, nesta parte, qualquer alteração substancial de factos tendo em conta que não era possível também, pelas declarações das próprias menores, contextualizar no espaço e no tempo (datas concretas) essas mesmas situações. O que antecede é, quanto a nós, bastante para fundar a convicção do tribunal relativamente aos correspondentes factos. Conjugado todo o conjunto de prova directa e indirecta, relativamente à participação do arguido, criou o tribunal a convicção de que este praticou os factos da forma como foram descritos, pois todos os elementos apurados, apreciados no seu conjunto, afastaram qualquer dúvida razoável que pudesse existir. Para a prova dos factos atinente ao dolo do arguido, foram determinantes as regras da experiência comum e da normalidade da vida, em face da actuação do arguido, nos termos que resultaram apurados. Os factos referentes às condições de vida do arguido provaram-se a partir das suas declarações e do teor do relatório social junto a fls. 1038 a 1046. A ausência de antecedentes criminais do arguido mostra-se certificada a fls. 946 dos presentes autos.” O Direito O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[ii], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[iii]. No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recurso, as questões essenciais que importa decidir são as seguintes: - Vícios do artº 410º nº do Cod. Proc. Penal: insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, e erro notório na apreciação da prova, - impugnação da matéria de facto - violação do direito de defesa; - qualificação jurídica dos factos; - medida da pena e suspensão da sua execução. a) Dos vícios do artº 410º nº do Cod. Proc. Penal: Embora o recorrente não esclareça nem indique com clareza os fundamentos da invocação que faz da violação do nº 2 do art. 410º do C.P.P., iremos de qualquer modo apreciar da sua eventual existência na decisão recorrida, vícios esses aliás que como se sabe, são de conhecimento oficioso, começando por definir os respectivos contornos. Uma das vias para provar a sindicância da matéria de facto consiste na invocação dos vícios da decisão ( desta, e não do julgamento ) Esses vícios, os três que vêm enumerados nas alíneas do nº 2 do artº 410º do C.P.P. terão de ser ostensivos e passíveis de detecção através do mero exame do texto da decisão recorrida ( sem recurso a quaisquer outros elementos constantes do processo ), por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum. Centraremos a nossa atenção, em primeiro lugar, no erro notório na apreciação da prova, vício que frequentemente ( e o presente recurso não é excepção) é confundido com o erro de julgamento, e que também nada tem a ver com uma diferente convicção em termos probatórios e uma diversa valoração da prova produzida em audiência que o recorrente entenda serem as correctas. Mas existe igualmente erro notório na apreciação da prova quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras da experiência ou as legis artis .....” [iv]. Desdobra-se, pois, em erro na apreciação dos factos e em erro na valoração da prova produzida. Verifica-se, igualmente, quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. O outro vício que também vem invocado, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, tanto pode existir ao nível da factualidade, como ao nível do direito que é apreciado na decisão proferida; pode reportar-se quer à fundamentação da matéria de facto, quer à contradição na matéria de facto com o consequente reflexo no fundamento da decisão de direito, quer aos meios de prova que serviram para formar a convicção do juiz. Há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os provados e os não provados se contradigam entre si ou de forma a excluírem-se mutuamente . Finalmente a insuficiência da matéria de facto para a decisão verifica-se quando, da factualidade vertida na decisão em recurso se colhe que faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou absolvição, ou seja, quando os factos provados são insuficientes para justificar a decisão assumida ou quando o Tribunal recorrido, podendo e devendo fazê-lo, deixou e investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que a dada por assente não permite, por insuficiente, a aplicação do direito ao caso. Tendo em atenção o exposto, apreciemos de seguida os fundamentos nesta parte do recurso: a.1) Da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão Revertendo ao caso sub judice, verificamos, desde logo, e no que a este vício se refere verificamos que o recorrente não fundamenta o vício alegado, não apontando quais os factos que em sua opinião estariam em contradição, limitando-se a arguir o vício em si, pelo que assim nada haverá a apreciar relativamente a esta questão. Para fundamentar as supostas contradições que o recorrente alega, vai socorrer-se de elementos constantes nos autos, elementos estes que advém do disposto no artº 355º do CPP não podem ser tidas em conta, não se verificando dos autos que tivessem ocorrido o circunstancialismo previsto no artº 356º do mesmo diploma. Por outro lado, também não se infere no vício em apreço as eventuais contradições que as testemunhas ou ofendidas tenham prestado durante o julgamento, já que tal matéria se insere no erro de julgamento É que com efeito e conforme supra se referiu o vício em questão terá que se percepcionar da própria decisão recorrida, o que não ocorre nem o recorrente nesse âmbito indica contradição relevante no acórdão ora sindicado. Assim não se verifica a nosso ver o vício invocado. a. 2) Da insuficiência para a decisão da matéria de facto Para invocar este vício, “é necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada”[vi]. Existirá, assim, insuficiência da matéria de facto para a decisão se esta não contiver todos os elementos subjectivos e objectivos do tipo legal de crime(s) cuja prática se imputa ao recorrente. Esta insuficiência não se confunde, porém, com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida, a qual já cai no âmbito do princípio da livre apreciação da prova, ultrapassando os limites do reexame da matéria de direito. De facto, “o vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão não tem a ver, e não se confunde, com as provas que suportam ou devam suportar a matéria de facto, antes, com o elenco desta, que poderá ser insuficiente, não por assentar em provas nulas ou deficientes, antes, por não encerrar o imprescindível núcleo de factos que o concreto objecto do processo reclama face à equação jurídica a resolver no caso.” [vii] Tão-pouco integra este vício “o facto de o recorrente pretender “contrapor às conclusões fácticas do Tribunal a sua própria versão dos acontecimentos, o que desejaria ter visto provado e não o foi”. [viii] Ora, no caso sub judice, constata-se que na decisão recorrida foram apreciados todos os factos que formavam o objecto do processo, sendo que os factos provados permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento, sendo suficientes e adequados para que fosse proferida decisão condenatória relativamente aos crimes de violação e de coacção sexual na forma agravada, na medida em que deles resulta o preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos correspondentes ao tipo legal de crime em causa. Com efeito, foi dado como provado que o arguido na Primavera de 2008, o arguido ÁR... entrou no quarto de A..., onde esta estava deitada a ver televisão e, acto contínuo, tirou a roupa que esta tinha vestida, e em seguida tirou os calções que ele próprio trazia vestido, segurando aquela na cama, agarrando-a pelo braço, e deitou-se sobre ela, introduzindo o seu pénis erecto na vagina dela, e friccionando, enquanto a A... afirmava que não queria, debatendo-se e empurrando-o enquanto o recorrente o arguido que a agarrava; que a A... disse ao arguido para não fazer aquilo, que ele “tinha mulher na rua”, não precisava de lhe fazer aquilo, ao que o arguido respondeu “para que é que eu vou na rua se eu tenho aqui em casa?”, sendo que até essa data, A... nunca tinha mantido relações sexuais, motivo pelo qual a conduta do arguido já descrita lhe causou dor e sangramento; que desde essa ocasião, o arguido pretendeu manter a conduta que impôs a A..., e bem assim, o silêncio desta sobre a denúncia do sucedido, para o que dizia à menor que ela iria voltar para o Brasil e voltar para a miséria, e que seria capaz de matar a mãe delas, se AA... o confrontasse; que por várias ocasiões desde a Primavera de 2008 e durante o ano subsequente, o arguido transportou A... no seu veículo de marca ...., modelo ..., cor vermelha e matrícula ...-...-..., sob pretexto de esta o ajudar a cuidar da mãe do arguido, e em pelo menos uma ocasião, no percurso entre as duas habitações, o arguido desviou o veículo em direcção à estrada da Assenta, local aonde forçou A... a introduzir na boca o seu pénis erecto, sem usar preservativo, e a efectuar movimentos até que ele ejaculasse, limpando-se por fim a guardanapos de papel que mantinha no interior do carro; que em data que não se logrou precisar dentro do mesmo lapso de tempo, o arguido ÁR... conduziu A... na mesma viatura até ao armazém propriedade do arguido, sito na ...., no interior do qual onde fez A... deitar-se num colchão que tinha no chão, e agarrando-a firmemente pelo braço e após ter colocado um preservativo no seu pénis erecto, introduziu o pénis na vagina de A..., friccionando até ejacular; que o arguido apercebeu-se que um carro estacionava junto do armazém, momento em que o arguido tapou a boca de A... com a mão, impedindo-a de pedir auxílio; que dentro do mesmo período temporal, o arguido transportou A... para o referido armazém, e no seu interior, sem usar preservativo e após retirar as roupas, introduziu o seu pénis erecto no ânus da jovem, friccionando; que após a Primavera de 2008 e durante o ano subsequente, no interior da habitação da família, o arguido ÁR... agarrou com força no braço de A..., puxou-a para o interior do quarto dele e fechou a porta e aí despiu aquela, e a si próprio, e mantendo-a agarrada pelo braço, introduziu o seu pénis erecto na vagina dela, friccionando; que em todas as ocasiões descritas, A... afirmou ao arguido que não queria, debateu-se e empurrou o arguido, que sempre a agarrava pelo braço; que entre 2009 e 2011, no interior da residência e na sua viatura automóvel, o arguido ÁR... apalpou os seios e a perna de A..., verbalizando que tinha saudades dela; que no Carnaval de 2012, o arguido transportou A... no seu carro, com destino ao ..., tendo nessa ocasião, apalpado a perna daquela a qual lhe disse, que já sabia o que se passava entre ele e a sua irmã B..., tendo então o arguido avisando-a que se o denunciassem as coisas iam piorar para ela e para as suas irmãs, que iriam voltar para o Brasil, para a miséria, e se a mãe dela o confrontasse, ia matá-la; que no primeiro semestre de 2010 e no interior da residência da família, o arguido começou a abraçar de forma apertada B..., e a tocar-lhe nas pernas quando a transportava no carro e no mesmo período temporal em várias ocasiões, e na habitação da família, quando o arguido ia acordar B..., tocava-lhe nos seios e nas pernas, o que sucedia quando a menor iniciava as aulas mais tarde, pelas 10.00 h ou pelas 13.30h, enquanto aquela lhe dizia “pára pára” e “não quero”, empurrando-o, ao que o arguido respondia “não estamos a fazer nada de mal”, que “era rápido” e que a mãe dela não tinha de saber de nada; que uns dias mais tarde o arguido foi acordar B..., abraçou-a e agarrou-a mantendo-a na cama, apalpou-lhe os seios e as pernas e obrigou-a a manipular o seu pénis, tendo tirado as calças, agarrado a B... e prendendo a mão desta na sua, direccionou-a para o seu pénis, conduzindo a mão da menor em movimentos de fricção, enquanto a B... empurrava o arguido, mas ele agarrava-a e dizia que “era rápido”, “só cinco minutos”, para despachar e a ir levar à escola; que o arguido forçava B... a friccionar-lhe o pénis com a mão, e mandava-a olhar nessa direcção e segurar a base do pénis, junto aos testículos com a outra e em simultâneo, com a mão que mantinha livre, apalpava as nádegas e os seios de B..., mantendo tal comportamento até ejacular, tentando B... sempre desviar o olhar do pénis do arguido; que em três ocasiões, entre 2010 e 2011, o arguido entrou no quarto de B..., que se encontrava deitada, e posicionou-se sobre ela, de pé, friccionando o pénis até ejacular sobre a barriga da menor, que desviava o rosto; que numa dessas ocasiões, B... tentou levantar-se e o arguido empurrou-a, tendo esta caído sobre a cama da sua irmã, onde o arguido executou os actos já descritos; que entre 2010 e 2011, o arguido aproximou-se de B..., que estava deitada, em casa, e despiu-se, posicionando-se em seguida sobre a menor, nú, e esfregou o seu corpo no dela, que se mantinha vestida e de seguida, agarrou a mão daquela e puxou-a para o seu pénis, conduzindo a mão da menor em movimentos de fricção até ejacular; que entre 2010 e 2011, o arguido aguardou que B... saísse da casa de banho da habitação e, quando esta abriu a porta para sair, já vestida, o arguido entrou e obrigou-a a manipular o seu pénis, em movimentos de fricção; que datas que não se lograram apurar, mas desde o lapso de tempo já mencionado e até ao Carnaval do ano de 2102, o arguido foi buscar B.... à vila de ..., transportando-a de carro, ocasião em que tocava nas mãos e pernas da menor, e obrigava-a a friccionar-lhe o pénis, impondo a sua mão sobre a de B..., o que mantinha até ejacular; que numa das ocasiões em que o arguido forçou B...a masturbá-lo, o arguido agarrou a cabeça de B..., direccionando-a para o seu pénis erecto, para que esta lhe fizesse sexo oral, mas B... logrou empurra-lo, enquanto dizia “não”; que por duas ocasiões, em datas não concretamente apuradas, mas entre 2010 e 2011, o arguido transportou B... no seu veículo para o armazém de sua propriedade, em..., área desta comarca e nesse local, projectou-a sobre o colchão que ali se encontrava e deitou-se sobre ela, esfregando e premindo o seu corpo contra o da menor e em seguida, forçou a mão daquela sobre o seu pénis, puxando-a com a sua própria mão, e conduzindo-a em movimentos de fricção, que manteve até ejacular, para o chão; que desde a primeira vez que agarrou B... e a forçou a masturbá-lo, e com vista a manter as condutas descritas sobre B... e a evitar que esta o denunciasse pelo sucedido, o arguido convenceu-a que se o contrariasse e denunciasse, ela e as suas irmãs, iriam ter de regressar ao Brasil, e a ter uma vida miserável, bem como que a sua mãe ia matá-lo, ou ele ia matar a mãe delas; que o arguido sabia a idade das suas enteadas A...e B..., e bem assim as idades de I... e M..., que há muito privavam com a sua família; que desde a altura que vieram do Brasil, e perante o facto de terem perdido o seu pai e a sua avó e de voltarem ao convívio com a sua mãe, NS..., A... e B... não pretendiam regressar para o Brasil, facto de que o arguido tinha conhecimento que o arguido estava também ciente de que mantinha com A... e B... uma vivência familiar, já que era casado com a mãe delas, e coabitavam na mesma casa; que em cada uma das circunstâncias descritas, o arguido agiu com intenção lograda de satisfazer os seus instintos de desejo sexual para o que fez uso do ascendente, superioridade física, experiência e poder de intimidação sobre A... e B... e ciente que agia contra a vontade destas, suas enteadas; que o arguido agiu com intenção concretizada de condicionar A... e B... no exercício da sua vontade, para manterem consigo as condutas descritas, de cariz sexual e para não o denunciarem, usando para isso a intimidação, constrangimento e medo que instalou no espírito destas, quanto à sua vida e à vida da mãe das menores que temiam vir a perdê-la, logrando, deste modo, que as mesmas se submetessem e satisfizessem as suas vontades, agindo em todas as descritas circunstâncias, de forma livre, voluntária e consciente, e bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. Em suma a conduta do recorrente, tal como descrita na matéria de facto dada como provada não suscita dúvidas de que preenche inequivocamente a previsão legal pela qual foi condenado Conclui-se, assim, pela não verificação do apontado vício, que é manifesta a. 3) Do erro notório de prova A invocação que o recorrente faz deste erro-vício e a que alude a al. c) do nº 2 do art. 410º do C.P.P. é perfeitamente despropositada e infundada. De facto, o texto da decisão recorrida não evidencia qualquer erro dessa natureza, e nem o recorrente concretiza em que passo da mesma ele pretensamente se verifica. Todos os factos provados e não provados se harmonizam, não se detecta qualquer conclusão arbitrária ou contrária às regras da experiência comum e não foi valorada qualquer prova proibida. O julgador explicitou com clareza quais os motivos que o levaram a não credibilizar a versão depoimento do recorrente, nomeadamente quanto ao facto de terem sido as ofendidas quem teriam por iniciativa própria dado origem aos contactos e relações sexuais ocorridos, e a optar pela versão apresentada pelas ofendidas e sustentada quer pela prova documental existente nos autos[ix] ( pelos depoimentos de memória futura e os prestados pelas mesmas em audiência, conjugados com a prova testemunhal produzida em julgamento nomeadamente das testemunhas FS... (inspector da Judiciária), AA... (mãe das ofendidas A... e B...), AM... (treinador de futsal feminino e que treinou aquelas), NS... (irmã das ofendidas A... e B...), JL... (mãe da ofendida I...), LS... (mãe da ofendida M...) IC... (técnica da CPCJ). O tribunal teve de igual modo em conta as declarações do arguido, admitindo embora parcialmente, ter tido relações com a A... e a B..., demonstrando estar ciente dos factos que lhe eram imputados e contextualizando-os e situando-os no tempo, embora negando que alguma vez as tivesse forçado a praticar os actos de cariz sexual em causa. Assim da leitura da decisão recorrida afere-se que o tribunal recorrido apoiou-se na confissão parcial feita pelo recorrente e, no demais, nos depoimentos das ofendidas, que considerou credível e coerente, conjugando-o ainda com o que extraiu dos depoimentos das testemunhas bem como das regras de experiência comum explicitando de um modo claro e coerente os fundamentos do seu raciocínio. Tudo permitindo concluir que as provas valoradas são, todas elas, permitidas e que, na sua apreciação, não foi feito qualquer atropelo das regras da experiência comum. Aliás diga-se que na sua exposição o Tribunal “ a quo” desmonta de um modo que não levanta dúvidas as várias objecções que o recorrente alega e que já teriam sido referidas na contestação, quer quanto à ausência de violência ou de ameaça, quer quanto à suposta maturidade sexual da ofendida A..., quer da existência de uma cilada por parte da mãe, ou mesmo da impossibilidade de exercer os seu direito de defesa. Refira-se, no entanto, que a motivação do recurso evidencia que o recorrente, mais do que o erro notório na apreciação da prova, o que pretendia verdadeiramente invocar era o erro de julgamento. Para impugnar a decisão da matéria de facto pela via do nº 3 do art. 412º do C.P.P., é necessário especificar os concretos pontos de facto que o recorrente considera terem sido incorrectamente julgados e as concretas provas que, em seu entender, impõem decisão diversa da recorrida, e, quando se tate de prova gravada, há, ainda, que observar o disposto no nº 4 do mesmo preceito e que de seguida passaremos a analisar. b) Da impugnação da matéria de facto A matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: uma, através dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º2, do C.P.P., e que supra já se analisaram; a outra através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.º3, 4 e 6, do mesmo diploma. No segundo caso, e que será agora objecto da nossa análise, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.º 3 e 4 do art. 412.º do C.P. Penal. Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. O recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto “não visa a prolação de uma segunda decisão de facto, antes e tão só a sindicação da já proferida, e o tribunal de recurso em matéria de exame crítico das provas apenas está obrigado a verificar se o tribunal recorrido valorou e apreciou correctamente as provas”.[x] De facto, “o Tribunal de segunda jurisdição não vai à procura de uma nova convicção, mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova pode exibir perante si”.[xi] Assim a impugnação ampla da matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa . Precisamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, impõe-se a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, estabelecendo o artigo 412.º, n.º3, do C.P.Penal: «3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas.» A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados. A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida. Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1.ª instância cuja renovação se pretenda e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. artigo 430.º do C.P.P.). Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.º 4 e 6 do artigo 412º do C.P.P.). É nesta exigência que se justifica, materialmente, o alargamento do prazo de recurso de 20 para 30 dias, nos termos do artigo 411.º, n.º4. Analisando a motivação de recurso verifica-se que o recorrente que o recorrente não satisfaz a exigência do nº 4 citado, pois não indica as concretas passagens das gravações em que se funda a impugnação que impõem decisão diversa (faz um resumo das mesmas e remete para a globalidade da gravação), uma vez que o que a lei pretende é que o recorrente indique o facto incorrectamente julgado, indique que a prova X…, (que identifica com o inicio e fim da parte do depoimento no caso de a prova ser testemunhal) impunha decisão diversa e porquê, e diga qual era essa decisão; não cumpre os requisitos legais referidos uma vez que não indica ali o facto incorrectamente julgado, indica as provas que imporiam decisão diversa e sem transcrever o que terão dito remete para toda a gravação das declarações e depoimentos das ofendidas e testemunhas. Nas conclusões ( supra transcritas) nada disto é feito. Ora as indicações exigidas pela lei são essenciais, não se tratando de mero capricho, pois “…à Relação não cumpre proceder a um novo julgamento em matéria de facto, apreciando a globalidade das «provas» produzidas em audiência, antes lhe competindo, atenta a forma como se encontra estruturado o recurso… (cfr. Damião da Cunha, O Caso Julgado Parcial, 2002, pág. 37), emitir juízos de censura crítica”, face á forma de impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto (passível de modificação se, havendo documentação, a prova tiver sido impugnada, nos termos do artigo 412º, n.º 3, a) e b), - art. 431º b) CPP - aí se impondo a especificação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados bem como as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida ( a expressão “concreta” é nova sendo introduzida pela nova Lei que alterou o CPP, e traduz o que já era Jurisprudência e Doutrina assente). E como se refere no Ac. TC 140/04 cit. “a indicação exigida pela alínea b) do n.º 3 e pelo n.º 4 do artigo 412° do Código de Processo Penal ...- é imprescindível logo para a delimitação do âmbito da impugnação da matéria de facto, e não um ónus meramente formal. O cumprimento destas exigências condiciona a própria possibilidade de se entender e delimitar a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, exigindo-se, pois, referências específicas,…”, ora concretas o que está de acordo com o facto de “… o recurso não é tudo, é um remédio para os erros, não é novo julgamento” (G. Marques da Silva, Conferência parlamentar sobre a revisão do C.P.P., A.R., Cod. Proc. Penal, vol. II, tomo II, Lisboa 1999, pág. 65), e constituindo apenas um remédio para os vícios, o tribunal ad quem verifica apenas da legalidade da decisão recorrida tendo em conta todos os elementos de que se serviu o tribunal que proferiu a decisão e daí a importância da indicação dos pontos “incorrectamente julgados”, porque o recurso em matéria de facto, destina-se apenas à apreciação em pontos concretos e determinados. Assim está a Relação impossibilitada de apreciar a decisão proferida sobre a matéria de facto – cfr. Ac. R. G. 25/6/07 in www.dgsi.pt, dado que não está em causa apenas uma insuficiência ou deficiência das conclusões, caso em que o Tribunal deveria mandar completar ou corrigir as mesmas – artº 417º3 CPP e ac. STJ de 5/6/08 in www.dgsi.pt/jstj proc. nº 08P1884, - sob pena de ser rejeitado ou não ser conhecido nessa parte (T. C. Ac. nº 140/2004, de 10 de Março, proc. nº 565/2003, DR, II série, de 17 de Abril de 2004), mas apresenta uma motivação com deficiências de fundo já que contra o que expressamente impõe a lei, não se preocupa em satisfazer as suas exigências, O cumprimento destas exigências condiciona a própria possibilidade de se entender e delimitar a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, exigindo-se, pois, referências especificas, e não apenas uma impugnação genérica da decisão preferida em matéria de facto” sendo que, “ no caso das exigências constantes do artigo 412º nºs 3, alínea b) e 4 do Código de Processo Penal, cujo cumprimento não é desproporcionado e antes serve uma finalidade de ordenamento processual claramente justificada, sendo que a indicação que o recorrente faz das provas em que se baseia, não o faz em conformidade com a lei, pois que ao fazer referência aos depoimentos fá-lo de acordo com o que consta na gravação do CD, como se o tribunal tivesse de ouvir toda a prova, (e não tem) e tal indicação, não satisfaz a exigência de especificação (ou indicação exacta) do artº 412º 4, CPC (a parte do depoimento que impõe decisão diversa). Improcede assim este fundamento do recurso c) Da violação do direito de defesa; O recorrente considera nem dos autos nem da acusação existe qualquer referência com precisão a datas, hora e lugares das práticas dos actos sexuais, assim como as circunstâncias em que os crimes foram cometidos, e, por isso, insusceptíveis de sustentar uma condenação penal por inviabilizarem o exercício do direito de defesa e constituírem uma grave ofensa dos direitos assegurados pelo art. 32º da C.R.P. De acordo com o disposto no nº 1 do art. 32º da C.R.P., “o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso”. Este preceito consagra uma cláusula geral que inclui, para além das garantias explicitadas nos números seguintes, todas as demais que decorrem da necessidade de efectiva defesa do arguido em processo penal[xii]. Para que o arguido possa organizar convenientemente a sua estratégia de defesa de molde a poder exercer eficazmente o seu direito de defesa, é, pois, indispensável que conheça previamente e com precisão os factos que lhe são imputados, bem como os respectivos contornos jurídicos. A acusação, desempenha, assim, um papel fulcral, com repercussões na ulterior tramitação do processo, devendo a sua dedução revestir-se do maior cuidado e obedecer, sob pena de nulidade ( dependente de arguição, porque não abrangida na enumeração taxativa do art. 119º ) às exigências de conteúdo estabelecidas no nº 3 do art. 283º, nomeadamente as constantes da al. b) deste preceito, a saber, “a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada”. Exige-se, pois, neste preceito (e vem-no exigindo também a jurisprudência[xvi]),algum grau de concretização na narração dos factos, de forma a permitir que o arguido os conheça na sua real dimensão para que deles se possa defender. Revertendo ao caso sub judice, salientar-se-á, em primeiro lugar, que conforme se afere quer da contestação, quer das declarações prestadas em audiência quer do recurso, o recorrente estava ciente de todos os factos dados que lhe eram imputados, não tendo dificuldades em, como refere aliás o Tribunal “a quo”, contextualiza-los no tempo e no espaço (não existem dúvidas sobre os locais aonde os mesmo terão ocorrido (em casa das ofendidas, estrada da ..., armazém do arguido em..., estrada em direcção ao ...,) e que o período temporal decorreu entre a Primavera de 2008 e o carnaval de 2012, sendo de realçar, conforme se afere da fundamentação da decisão recorrida que teria sido o próprio arguido a concretizar o momento em que cessaram os contactos de natureza sexual, ou seja, “relativamente a A... teriam cessado dois ou três meses depois de Janeiro de 2011 e, relativamente a B... teriam ocorrido na véspera do ano novo de 2011 (logo, em Dezembro de 2010, altura em que B... ainda tinha 13 anos de idade) e cessado (segundo acto de cariz sexual confessado) no Carnaval de 2012”. Por outro lado haverá que ter em conta que o que vinha imputado ao recorrente e foi objecto de julgamento não se resumia nem a um simples episódio isolado, nem a uns quantos episódios localizados em momentos temporais bem definidos. Não era, de todo, esse o caso. De facto, tal como vinha descrito na acusação e, no essencial, passou para a decisão recorrida, o comportamento do recorrente foi-se repetindo ao longo das semanas, dos meses e de pelo menos 4 anos. Assim, atento o longo período temporal a que se reportam e sendo certo que as condutas imputadas ao recorrente não eram pautadas pela ocasionalidade ou pela intermitência, antes constituíam um comportamento-tipo, repetidamente adoptado por ele no relacionamento com as ofendidas não era possível, nem exigível uma discriminação mais detalhada da sua imputação, sendo certo que o recorrente dela teve conhecimento adequado e atempado e, por isso, ampla oportunidade para organizar convenientemente a sua defesa e exercer o seu direito de defesa. Direito que, aliás, e como bem o demonstram os autos, exerceu efectivamente, da forma que considerou ser a mais adequada. Improcede assim este fundamento do recurso d) Da qualificação jurídica dos factos; Também a qualificação jurídica dos factos feita no acórdão recorrido não merece a concordância do recorrente. Este entende que os factos consubstanciariam a prática de crimes de violação e de coacção sexual não agravados ao que acresce que a solução jurídica seria a de reconduzir a sua conduta à figura da continuação criminosa, não sendo correcta a qualificação de um único crime de violação e de coacção sexual de trato sucessivo pelos quais foi condenado. Relativamente à primeira questão há que referir que conforme supra se expôs não sofre dúvidas, que os factos praticados pelo recorrente, e que se consideram como definitivamente assentes. Ora assim sendo e tendo em atenção os factos provados descritos sob os nºs 26 e 31, 47, 51 e 76/77 para, conforme refere o MP na sua acertada resposta junto da 1ª instância, “se extrair que o arguido, conhecedor da idade e condicionalismo familiar dessas vítimas (fls factos 69 e 74), valendo-se da sua superior compleição física, maior vivência e capacidade persuasiva, em todas as vezes que delas se aproveitou, logrou assegurar a inércia e o silêncio das suas enteadas, por largo tempo, obtendo “favores sexuais” compulsivamente.” Assim sendo e tendo presente a factualidade dada como provada forçoso se torna concluir que a mesma preenche os elementos típicos dos crimes de coacção sexual e de violação pelos quais foi condenado. Resta determinar se a integração das várias condutas apuradas na figura do crime continuado se mostra, ou não, conforme com as disposições legais aplicáveis. Comecemos por conferir o tratamento que à questão foi dado na fundamentação de direito constante do acórdão recorrido: Estando assente que a maior parte dos factos praticados pelo arguido na pessoa da ofendida A... ocorreram desde a Primavera do ano de 2008 até ao ano de 2011 (e, posteriormente, no Carnaval de 2012, altura em que, uma vez mais, a coagiu para não denunciar os actos por si praticados), coloca-se, desde logo, a questão de saber se estamos perante a figura do crime continuado, como pretende o arguido na contestação por si deduzida. Vejamos: Dispõe o artigo 30º do Código Penal, na parte que nos interessa aqui considerar, que: “O número de crimes determina-se (...) pelo número de vezes que o mesmo tipo for preenchido pela conduta do agente”. Por sua vez, estatui o nº 2 do citado dispositivo legal que: “ Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”. O nº. 3 deste dispositivo legal, aditado pela Lei nº. 59/2007, de 4 de Setembro, estipulava (antes da redacção que lhe foi dada pela Lei nº. 40/2010, de 3 de Setembro) que: “O disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais, salvo tratando-se da mesma vítima”. Actualmente, com a entrada em vigor da norma do nº. 3 do artigo 30º do Código Penal, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº. 40/2010, de 3 de Setembro, exclui-se a figura do crime continuado relativamente a crimes desta natureza. Assim sendo, a realização plúrima do mesmo tipo de crime constituirá, em princípio, um concurso de infracções, mas pode constituir um só crime, se ao longo de toda a realização tiver persistido o dolo ou resolução inicial; um só crime na forma continuada, se toda a actuação não obedecer ao mesmo dolo, mas estiver interligada por factores externos que arrastam o agente para a reiteração da sua conduta, ou um concurso de infracções, se não se verificar nenhum dos casos anteriores (cfr. Ac. do S.T.J., de 25/06/1986, in BMJ, nº 358, pág. 267). Deste modo, para que se verifique um crime único, mesmo que traduzido em diversas condutas semelhantes, é necessário que estas últimas resultem de uma só e única resolução criminosa (cfr. Ac. do S.T.J., de 05/05/1993, in C.J.-Ac. do S.T.J., 1993, t. 2, pág. 222). E para optar pelo crime continuado, é necessário que, além do mais, a reiteração advenha de uma mesma situação externa que diminua consideravelmente a culpa do agente. Temos pois que, tratando-se ‘do mesmo tipo de crime’, «o número de vezes que ele é preenchido’, conta-se pelo número de resoluções criminosas. E, havendo mais do que uma resolução, a regra será a do concurso real de crimes; a continuação criminosa será uma excepção, a aceitar quando a culpa do agente se mostre consideravelmente diminuída, mercê de factores exógenos que facilitem a recaída ou recaídas. Revertendo ao caso dos autos diremos que o facto de o arguido residir juntamente com a sua enteada A... na mesma casa, aliado ao facto de aproveitar as circunstâncias em que a sua esposa, mãe da menor, se encontrava ausente da residência para abordar a menor ou de, sob o pretexto de a levar para dar assistência à mãe do arguido que se encontrava acamada, a transportar na sua viatura automóvel e a encaminhar para o seu armazém, e com ela, nesses locais, praticar os descritos actos sexuais, todo este elenco dos factos provados não converge, a nosso ver, para circunstâncias facilitadoras da sua conduta e para uma redução substancial da sua culpa. Na verdade, o facto de o arguido ter a residir consigo a filha da sua esposa, e que, portanto, teria consigo alguma relação afectiva, não constitui, por si, “uma situação exterior” inusitada. Não se trata de uma relação que facilite de fora o crime, porque o arguido era parte dessa relação, vivia com ela e era-lhe exigível, nela, outro comportamento. Por outro lado, o arguido teve que fazer um aproveitamento calculado da situação, aproveitando situações em que a mãe da menor se encontrava ausente, ou levando a menor consigo na sua viatura automóvel e, quanto à eventual menor ou maior resistência oferecida por esta, tudo se esvai, para efeitos de diminuição sensível do agente, face ao ascendente e diferenças de idade entre os dois. De cada vez que agia o arguido renovava os seus propósitos libidinosos. Por outro lado, resultou antes provado que a reiteração criminosa do arguido foi fruto de razões endógenas relacionadas com a personalidade do mesmo, personalidade esta deformada, capaz de actos que, em elevado grau, ferem os sentimentos gerais de pudor sexual. Aliás, o que se sublinha é que o arguido, tendo cometido um tão grave erro, não é capaz de fazer o seu “mea culpa” e antes, não interiorizando o desvalor ético da sua conduta, a repete. A reiteração da conduta do arguido foi, assim, devida a qualidades desvaliosas da sua personalidade, ou seja, a uma propensão para a prática de actos desta natureza, revelada no elevado número de situações. A repetição das condutas do arguido resultou muito mais da sua manifesta compulsão para a prática de actos sexuais com a menor e com a sua irmã, ainda que com recurso a ameaças intimidatórias, do que pela facilidade permanecer sozinho com a menor, que possa ter resultado de circunstâncias exteriores. Não se verificam assim, por isso, os requisitos do artigo 30º, nº. 2, do Código Penal. Mas, mesmo se assim não fosse, sempre diríamos que, atento o preceituado no nº. 3 do artigo 30º do Código Penal, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº. 40/2010, de 3 de Setembro, em vigor à data do último acto cometido pelo arguido, nunca o mesmo poderia ser punido pelo crime continuado Aqui chegados, impõe-se ainda assim apurar por quantos crimes de violação deverá o arguido ser punido, dado que os crimes sexuais cometidos por este envolveram uma repetitiva actividade que se prolongou no tempo, tornando difícil proceder quer à sua contagem, quer até à sua contextualização em datas precisas no tempo. A doutrina e a jurisprudência – sobretudo a do STJ que tem vindo a ser publicada e que cremos maioritária - têm vindo, em alguns casos a entender haver lugar a uma unificação de condutas ilícitas sucessivas, desde que essencialmente homogéneas e temporalmente próximas, quando existe uma só resolução criminosa, desde o início, assumida pelo agente, enquadrando assim as actuações reiteradas na figura do crime único de trato sucessivo. É essa unidade de resolução, a par da homogeneidade da actuação e da proximidade temporal, que constitui a razão de ser da unificação dos vários actos sucessivos num só crime. O dolo do agente abarca ab initio uma pluralidade de actos sucessivos que ele se dispõe logo a praticar, para tanto preparando as condições da sua realização, estando-se no plano da unidade criminosa A reiteração, revelando uma resolução determinada e persistente do agente, traduz uma culpa agravada do mesmo, existindo ainda um único dolo a abranger todas as condutas sucessivamente praticadas e essa unidade de resolução, a par da homogeneidade das condutas e da sua proximidade temporal, configura o trato sucessivo. Vejam-se, neste sentido, designadamente: Ac. do STJ de 02/10/2003, in CJSTJ, 2003, T. 3, p. 194; Ac. do STJ de 14/06/2007, in CJSTJ, 2007, T. 2, p. 220; Ac. do STJ, de 07/10/2010, in CJSTJ, 2010, T. 1, p. 176; Ac. do STJ, de 29/11/2012, in www.dgst.pt, Proc. nº. 862/11.6 TAPFR.S1, entre outros. E sufragamos de perto esta corrente jurisprudencial, citando, a propósito de um caso de abuso sexual de crianças, o Ac. do STJ, de 23/01/2008, in www.dgsi.pt, Proc. nº. 48307/07, o qual resume o seguinte: “O fundamento da unificação criminosa consiste na diminuição da culpa do agente, resultante da cedência a uma solicitação exterior, e não na unidade de resolução criminosa ou na homogeneidade da actuação delitiva. Esta última, assim como a proximidade temporal das condutas, é um elemento meramente indiciário da continuação criminosa, que deverá ser confirmada pela verificação de uma solicitação exterior mitigadora da culpa. Por sua vez, a unidade de resolução criminosa nem sequer existe no crime continuado, pois o que caracteriza esta figura é precisamente a renovação de tal resolução perante as solicitações externas exercidas sobre o agente. Por isso, sempre que a repetição da conduta criminosa seja devida a uma tendência da personalidade do agente, a quaisquer razões de natureza endógena, que ocorra independentemente de qualquer solicitação externa, ou que decorra de oportunidade provocada ou procurada pelo próprio agente, haverá pluralidade de crimes e não crime continuado. Estando em causa um, crime de abuso sexual de crianças agravado, não pode aceitar-se que o êxito da primeira operação e das seguintes possa determinar a diminuição da culpa do arguido: este agiu determinado pela vontade de satisfazer os seus instintos libidinosos e, para tanto, aproveitou as situações mais favoráveis para esse efeito (…). O aproveitamento calculado de situações em que a reiteração é mais propícia exclui, porque não diminui a culpa, o crime continuado (…). Em todo o caso, essas três condutas, se não podem ser unificadas em termos de continuação criminosa, podem sê-lo como crime de trato sucessivo, que se caracteriza pela repetição de condutas essencialmente homogéneas unificadas por uma mesma resolução criminosa, sendo que qualquer das condutas é suficiente para preencher o tipo legal de crime. Contrariamente ao que acontece no crime continuado, não há aqui qualquer diminuição de culpa, antes a reiteração criminosa, revelando uma persistência da resolução criminosa, encerra uma culpa agravada que será medida de acordo com o número de condutas” e respectiva ilicitude”. Ora, revertendo ao caso dos autos, e perante a factualidade tida como provada, temos por seguro que, quanto à ofendida A..., existiu por parte do arguido um dolo inicial suficientemente intenso para dar cobertura aos factos que, de modo homogéneo, o arguido praticou ao longo do tempo, perdurando a sua actuação desde a Primavera de 2008 até parte do ano de 2011. Somos assim do entendimento existir um único crime de trato sucessivo. Resta, assim, apurar a tipificação aplicável, tendo em conta que, como supra foi referido, cada uma das actuações do arguido, integra, isoladamente, um crime, quer de violação agravada, quer de coacção sexual agravada, quer de coacção agravada, p. e p. pelas disposições legais supra citadas. E aqui há que atender que as ameaças graves que o arguido exerceu sobre a ofendida A... foram anteriores aos actos sexuais sobre ela praticados, atemorizando-a ao ponto de a constranger a sofrer os comportamentos em causa. E a coacção exercida pelo arguido no Carnaval de 2012 serviu para a silenciar em relação ao que já se havia passado. Atentas estas considerações, impõe-se concluir que, como o crime de trato sucessivo é punido pelo facto mais grave, o arguido cometeu, relativamente à menor A..., um crime de violação agravada, de trato sucessivo, p. e p. pelos artigos 164º, nº. 1, al. a), 177º, nº. 1, al. b) e nº. 6, ambos do Código Penal. Relativamente aos factos de que foi vítima B...: Perante o contexto jurídico que se deixa enunciado, e confrontando a matéria factual provada vertida sob os nºs. 32 a 51, 69 e 74 a 78 resulta manifesto ter o arguido preenchido nos seus elementos objectivos e subjectivos o crime de coacção sexual agravada, p. e p. pelos artigos 163º, nº. 1 e 177º, nº. 1, al. b) e nº. 5, ambos do Código Penal, na pessoa da ofendida A..., bem como também o crime de coacção agravada, p. e p. pelos artigos 154º e 155º, nº. 1, al. a), do Código Penal. Também relativamente aos factos praticados pelo arguido de que foi vítima B..., somos do entendimento, atentas as considerações jurídicas supra explanadas e que aqui damos por reproduzidas, que os vários actos criminosos apurados constituem um único crime de trato sucessivo, apesar da actuação do arguido se desdobrar em várias condutas que, isoladamente, constituiriam um só crime e tanto mais grave quanto mais repetido. Assim, também relativamente à actuação do arguido sobre a menor B..., existiu uma unidade resolutiva consubstanciada numa conexão temporal, “que em regra e de harmonia com os dados da experiência psicológica, leva a aceitar que o agente executou toda a sua actividade sem ter de renovar o respectivo processo de motivação” (cfr. Eduardo Correia, citado por Paulo P. Albuquerque, in “Código Penal Anotado”, p. 201/202), bem, como ainda uma homogeneidade na sua conduta que se prolongou no tempo. E também relativamente a esta ofendida há que atender que as ameaças graves que o arguido exerceu sobre a mesma foram anteriores aos actos sexuais sobre ela praticados, atemorizando-a ao ponto de a constranger a suportar os comportamentos sexuais tidos como provados. E a coacção exercida pelo arguido e descrita em 51 dos factos provados serviu para a silenciar em relação ao que já se havia passado, tendo os primeiros actos de cariz sexual mantidos com a menor sido praticados quando esta ainda tinha 13 anos de idade. Atentas estas considerações, impõe-se concluir também que, como o crime de trato sucessivo é punido pelo facto mais grave, o arguido cometeu, relativamente à menor B..., um crime de coacção sexual agravada, de trato sucessivo, p. e p. pelos artigos 163º, nº. 1 e 177º, nº. 1, al. b) e nº. 6, ambos do Código Penal.” Vejamos, em seguida, a problemática do crime continuado do ponto de vista jurídico. A ocorrência de múltiplos factos criminalmente relevantes permite equacionar três hipóteses: - Crime único, decorrente de uma só resolução criminosa; - Realização plúrima (concurso real de crimes); - Crime continuado. É no âmbito do foro subjectivo, que se irá averiguar, à luz do critério legal e por via da análise dos factos provados passíveis de juízos de censura, se estes podem e devem ser considerados como fruto de uma só intenção estruturada ou se, pelo contrário, traduzem uma renovação da intenção e vontade de agir. No concurso de crimes, tal como no crime único, o critério da sua determinação é o do art. 30º, nº 1, do Código Penal: o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime foi preenchido pela conduta do agente. Por fim, o crime continuado determina-se pelo critério consagrado no nº 2 do art. 30º, estatuindo que “constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”. Assim o crime continuado verifica-se quando uma série de actividades que preenchem o mesmo tipo legal de crime, ou diversos tipos legais de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, e às quais presidiram resoluções criminosas distintas - e que, por isso, deveriam ser tratadas nos quadros da pluralidade de infracções – num único crime encontra justificação quer em razões de economia processual, quer em razões de justiça, quando o menor grau de culpa do agente lhes confere uma gravidade diminuída em face do concurso real de infracções. Para além da realização plúrima de violações típicas do mesmo bem jurídico, são pressupostos do crime continuado a execução essencialmente homogénea das violações e o quadro de solicitação do agente que diminui consideravelmente a sua culpa. “A execução de forma essencialmente homogénea supõe a similitude do modus operandi do agente e, designadamente, dos meios utilizados na prática do crime” enquanto que “A execução no quadro de solicitação de uma mesma situação exterior supõe a proximidade espacio-temporal das violações plúrimas” – que necessariamente hão de ter sido objecto de distintas resoluções criminosas, pois caso contrário não haverá crime continuado, mas um só crime -. “(…) A mediação de um período de tempo (…) dilatado entre os factos criminosos permite ao agente mobilizar os factores críticos da sua personalidade para avaliar a sua anterior conduta de acordo com o Direito e distanciar-se da mesma. Não o fazendo, já não se depara com uma culpa sensivelmente diminuída, mas com um dolo empedernido no crime.”[xvii] Quanto à diminuição considerável da culpa, o seu fundamento será, a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito. “A diminuição sensível da culpa só tem lugar quando a ocasião favorável à prática do crime se repete sem que o agente tenha contribuído para essa repetição. Isto é, quando a ocasião se proporciona ao agente e não quando ele activamente a provoca. No caso de o agente provocar a repetição da ocasião criminosa (…), não há diminuição sensível da culpa (…). Ao invés, a culpa pode até ser mais grave, por revelar firmeza e persistência do propósito criminoso.”[xviii] Não basta, portanto, uma mera diminuição da culpa para se poder falar em crime continuado. Se a sua última ratio reside na diminuição da culpa do agente, apenas se justifica este tratamento de favor em relação ao agente - fazendo cair apenas numa única incriminação todo um conjunto de condutas que por assentarem em múltiplas resoluções criminosas estariam fadadas para serem vistas como uma multiplicidade de infracções - se tal diminuição for considerável, o que quer dizer que o núcleo da questão terá de radicar, precisamente, no circunstancialismo exterior ao agente que lhe facilita a continuação da actividade delitiva. Por outras palavras, o que é fundamental, é que as múltiplas actividades criminosas tenham sido determinadas na disposição exterior das coisas, as quais, facilitam a repetição, sendo cada vez menos exigível ao agente que actue de acordo com os comandos legais. Esta disposição exterior das coisas para o facto, esta oportunidade favorável - que se pode traduzir na perpetuidade do objecto da acção, na disponibilidade sucessiva dos meios de execução, na possibilidade de alargar o âmbito da sua actividade criminosa, na relação que se estabelece entre o agente e a vítima, entre outros exemplos que a Doutrina e a Jurisprudência avança para a caracterização da figura - torna o fim criminoso mais facilmente atingível pelo arguido e foi-lhe criada, fundamentalmente, por factores externos, pelo quadro da solicitação exterior de que fala o nº2 do Artº 30 do C. Penal. Este é que é o factor decisivo para que se justifique uma diminuição considerável do juízo de reprovação do agente, unificando-se todas as condutas criminosas numa só. Ao contrário, se a realização plúrima do mesmo tipo de crime se deve a um desígnio inicialmente formado pelo agente de, através de actos sucessivos, violar o respectivo comando legal, a consumação dessas actividades parcelares não pode integrar a figura do crime continuado, como bem se referiu no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 04/05/83, in B.M.J. 327/447. Também nesse sentido, ou seja, de o crime continuado estar afastado nos casos em que o agente actua, ainda que de forma homogénea, no desenvolvimento de um plano que traçou previamente, o Ac. do S.T.J. de 07/12/93, no Proc. 437779 da 3ªSecção. Ora, cotejando a factualidade apurada, desde logo, com o requisito em análise, desde logo se constata que o mesmo é, ali, inexistente. Com efeito e ao contrário do que defende o recorrente, não se vislumbra a configuração de qualquer situação que lhe seja exterior, para a qual nada tenha contribuído e que o tenha determinado à repetida prática dos crimes de abuso sexual de crianças e abuso sexual de menores dependentes. Nada se provou neste domínio, nenhum factor ou circunstância exógena ao agente que o tenha levado à configuração material do cenário em que se desenvolveu a actividade criminosa. Ao contrário, a mesma, tal como foi apurada pelo Tribunal ad quem, foi criada, desenvolvida, mantida e paulatinamente utilizada pelo arguido, no âmbito das suas intenções criminosas, sem ter sido minimamente condicionada ou provocada por factores que lhes fossem alheios. Na verdade, como decorre da factualidade acima descrita, era o arguido quem procurava as menores, quer no quarto quer no carro ou no armazém da ... para aí, com o à vontade resultante dessa circunstância, ter relações e actos de cariz sexual com as mesmas, assim concretizando o cenário delituoso que congeminou. Aqui não haverá diminuição sensível da culpa, uma vez que esta só tem lugar quando a ocasião favorável à prática do crime se repete sem que o agente tenha contribuído para essa repetição. Isto é, quando a ocasião se proporciona ao agente e não quando ele activamente a provoca. No caso de o agente provocar a repetição da ocasião criminosa (…), não há diminuição sensível da culpa (…). Ao invés, a culpa pode até ser mais grave, por revelar firmeza e persistência do propósito criminoso.”[xix] Assim sendo haverá que concluir que não se encontram integralmente preenchidos todos os pressupostos da continuação criminosa. Acresce que atento o momento temporal dos últimos actos praticados pelo arguido 2011 e 2012 e conforme o Tribunal “ a quo”, referiu atento o preceituado no nº. 3 do artigo 30º do Código Penal, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº. 40/2010, de 3 de Setembro, nunca o mesmo poderia ser punido pelo crime continuado. Demonstrada que ficou a incorrecção da subsunção dos factos provados à figura do crime continuado, sendo inequívoco que estamos perante uma pluralidade de crimes, há que retirar daí as devidas consequências. Como supra se referiu realização plúrima do mesmo tipo de crime pode constituir um só crime se, ao longo de toda a realização, tiver persistido o mesmo dolo, a mesma resolução inicial. O tribunal recorrido concluiu que foi o que sucedeu no caso em apreço. A prova porém de que o arguido agiu, formulando, ou não, nova resolução criminosa, há-de ser efectuada só pela consideração de factos objetivos e concretos que nos demonstrem essa realidade subjetiva. Diz a lei – cfr artigo 30º nº 1 do Código Penal – que o número de crimes se determina pelo número de tipos de crime efetivamente cometidos (concurso heterogéneo), ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente (concurso homogéneo). Atento o disposto no artº 30 nº 1 do Cod. Penal a regra, é (no concurso homogéneo) que o arguido comete tantos crimes quantas as vezes que o pratica. Vejamos o que decidiu o Supremo Tribunal de Justiça em Acórdão proferido em 12/07/2012, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral [xx]: “ (…) Por vezes o momento psicológico, correspondente à realização de uma série de actividades subsumíveis a um mesmo tipo legal, estrutura-se de tal forma que esse concreto juízo de reprovação tenha de ser formulado várias vezes. Consequentemente, o todo formado por tais actividades, enquanto encarnam a violação do mesmo bem jurídico, fragmenta-se na medida em que algumas das suas partes são objecto de um juízo autónomo de censura, adquirindo, portanto, dessa maneira independência e individualidade. Assim, a consideração da «culpa», elemento essencial ao conceito de crime, constitui um limite do critério segundo o qual se determinaria a unidade ou pluralidade de infracções pela unidade ou pluralidade de tipos realizados. Na verdade, a unidade de tipo legal preenchido não importará definitivamente a unidade das condutas correspondentes, na medida em que, sendo vários os juízos de censura que as ligam à personalidade do seu agente, outras tantas vezes esse mesmo tipo legal se torna aplicável, e deverá por conseguinte considerar-se existente uma pluralidade de crimes. A questão subsistente será, então, a aferição da existência de vários juízos de censura incidindo sobre actividades unificadas do ponto de vista do valor jurídico que negam. A esta aspiração de concretização de critérios responde Eduardo Correia reafirmando o postulado de que o direito criminal pode ser encarado antes de tudo como um complexo de normas de valoração objectiva, ou seja, de normas do ponto de vista das quais se retira objectivamente a licitude ou ilicitude do comportamento humano. Com o olhar este aspecto do direito não se esgota, porém, a sua essência pois que, paralelamente, citando Mezger «em derivação desta, uma outra função não menos significativa é exigida pelo seu conceito: a de determinação». Repristinando a força das palavras de Eduardo Correia “o direito penal não valora negativamente certas condutas apenas por valorar. Valora-as para, emprestando-lhes a força desta sua avaliação, alcançar no processo de motivação dos indivíduos um papel decisivo: valora-as para determinar. Quer dizer: o direito é também um conjunto de normas de determinação subjectiva (Bestimmungsnormen), isto é, um conjunto de imperativos dirigidos aos indivíduos que querem funcionar como motivos que obstem à formação de resoluções tendo por conteúdo a realização de actividades criminosas,- que querem, como diz GOLDSCHMIDT, «que os indivíduos orientem a sua conduta interior de tal forma que possam corresponder às exigências postas pelas normas jurídicas no respeitante à sua conduta exterior». Ora é precisamente a violação concreta das normas nesta sua função de determinação, é precisamente a falta da sua eficácia querida, devida e, portanto, possível no domínio da representação e do processo de motivação do agente, que faz nascer aquele juízo de censura em que se estrutura a culpa. Necessariamente que tais juízos de reprovação têm de ser desdobrados, e repetidos, sempre que uma pluralidade de resoluções, e de resoluções no sentido de determinações de vontade, tiver iluminado o desenvolvimento da actividade do agente. Com efeito, afirma o mesmo Mestre, a resolução neste sentido é o termo daquele especifico momento do processo volitivo em que o «eu» pondera o valor, ou desvalor, os prós e os contras dum projecto concebido. É o termo daquela específica fase da volição que, metafisicamente se costuma descrever como constituída por uma luta de motivos e contra motivos, em que o próprio «em intervém numa afirmação da sua personalidade. Deste modo, quando se trate de um projecto criminoso que entra em execução, é precisamente no momento em que o agente toma a resolução de o realizar que a ineficácia da norma, na sua função de determinação, se verifica. Se, pois, diversas resoluções foram tomadas para o desenvolvimento da actividade criminosa, diversas vezes deixa a norma de alcançar concretamente a eficácia determinadora a que aspirava e vários serão os juízos de censura a formular ao agente. O índice da unidade, ou pluralidade, de determinações volitivas apenas se pode consubstanciar na forma como o acontecimento exterior se desenvolveu, olhando fundamentalmente à conexão temporal que liga os vários momentos da conduta do agente A experiência, e as leis da psicologia, referem que, se entre diversos actos medeia um largo espaço de tempo, a resolução que porventura inicialmente os abrangia a todo se esgota no intervalo da execução, de tal sorte que os últimos não são a sua mera descarga, mas supõem um novo processo deliberativo. Daqui resulta que se deve considerar existente uma pluralidade de resoluções sempre que se não verifique, entre as actividades efectuadas pelo agente, uma conexão de tempo tal que, de harmonia com a experiência normal e as leis psicológicas conhecidas, se possa e deva aceitar que ele as executou a todas sem ter de renovar o respectivo processo de motivação. Igualmente Jeschek aponta no sentido de que, em algumas situações, a simples realização do tipo não é suficiente para a determinação da distinção entre a unidade e pluralidade de infracções e deverá fazer-se apelo a critérios como o da unidade natural de acção. Situação típica é a realização repetida do mesmo tipo legal de crime num curto espaço de tempo. O requisito para apreciar a unidade de acção nestes casos é a circunstância de que, com a repetição plural do tipo, a lesão do bem jurídico só experimenta uma progressão quantitativa e que o facto responda, além do mais, a uma situação motivacional unitária. Uma pluralidade de factos externamente separáveis deve conformar uma acção unitária quando os diversos actos parciais, que respondem a uma única resolução volitiva, se encontram tão ligados no tempo e espaço que, para um observador não interveniente são percepcionados como uma unidade natural. No mínimo, dir-se-ia que a autonomização tem como pressuposto um processo de renovação da vontade e não é incorrecto, à luz dos princípios, considerar uma renovação de propósito criminoso a sustentar uma renovação da formulação de um juízo de culpa. A construção dogmática desenhada constitui o prius lógico do artigo 30 do actual Código Penal que é o critério á luz do qual se deverá examinar a pretensão do recorrente. Face à mesma não oferece qualquer dúvida a existência de uma renovação de decisão de violar a lei penal e os bens jurídicos que lhe estão subjacente (…)” Ora da materialidade assente resulta claramente distintos momentos temporais, atuações diversas, contextos situacionais diferentes procurados pelo arguido, tudo isto patentemente evidenciando renovação do desígnio criminoso. Lendo a decisão proferida, vamos tomando conhecimento das diversas vezes, das diferentes situações, nas quais o arguido logrou o contacto de cariz sexual com as menores A... e B..., mas vezes praticando com elas atos sexuais de relevo (beijando-a, apalpando-lhe os seios e a vagina…), outras tendo com ela relações de cópula completa e deparamos, no final, no enquadramento jurídico feito destes comportamentos criminosos, com a conclusão de que o arguido cometeu um crime único (de trato sucessivo) de violação agravada e de coacção sexual agravada. Ora esta conclusão de direito, a que o tribunal alude quando trata do enquadramento jurídico dos factos provados não encontra neles sustentação e, ao invés, é por eles desmentida. Embora a categoria de crime de trato sucessivo, não vem, com essa designação, contemplada na lei, conforme refere Lobo Moutinho, o mesmo será reconduzível à figura do crime habitual[xxi] que classifica como sendo aquele em que a consumação se protrai no tempo (dura) por força da prática de uma multiplicidade de actos “reiterados”. A sua consumação não se dá mediante um só acto, mas, como aliás supra já se referiu, através de uma multiplicidade deles, reiterando-se no tempo, já que se os mesmos fossem sucessivos estaríamos perante um crime contínuo. Assim sendo o ponto central da definição do crime habitual é, por isso, o que deve entender-se por “actos reiterados”, sendo certo que estes devem consubstanciar-se pelo menos em actos homogéneos e que são opostos pela própria lei, aos “actos sucessivos” no sentido de praticados em acto seguido. Para Figueiredo Dias define crimes habituais como sendo «aqueles em que a realização do tipo incriminador supõe que o agente pratique determinado comportamento de uma forma reiterada», dando como exemplo os crimes de lenocínio e de aborto agravado do artº 141º, nº 2, do CP. (Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, página 314).[xxii] Assim a reiteração de actos homogéneos essencial para os crimes de trato sucessivo, não há-de ser aferido pela unidade da resolução, mas sim pela estrutura da norma incriminadora que há-de supor tal reiteração. Ora no caso em apreço cada um dos vários actos do arguido foi levado a cabo num diverso contexto situacional, necessariamente comandado por uma diversa resolução e traduziu-se numa autónoma lesão do bem jurídico protegido. Cada um desses actos não constituiu um momento ou parcela de um todo projectado nem um acto em que se tenha desdobrado uma actividade suposta no tipo, mas um “todo”, em si mesmo, um autónomo facto punível. Ou seja, deve concluir-se que, referentemente a cada grupo de actos, existe, usando palavras de Figueiredo Dias, «pluralidade de sentidos de ilicitude típica» e, portanto, de crimes.[xxiii] Com efeito, como já acima se disse, a variedade da atuação do arguido, a busca de contextos situacionais diversos, o lapso temporal existente entre as concretas atuações, e a inexistência de qualquer elemento que conduza a uma unicidade de resolução, conduzem à inelutável conclusão de que o arguido cometeu vários crimes em concurso. Assim feito o enquadramento jurídico da conduta do arguido e atenta a matéria de facto provada há que concluir ter este cometido, em concurso real, de um crime de violação agravada, p. e p. pelos artigos 164º n.º1, al. a) e 177º n.º 1, b) e nº. 6 do Código Penal, no qual é ofendida A..., de quatro crimes de violação agravada, p. e p. pelos artigos 164º, n.º1 al. a), e 177º n.º 1 b) e nº. 5 do Código Penal, nos quais é ofendida A..., de um crime de coacção sexual agravada, p. e p. pelos artigos. 163º, n.º1, e 177º n.º1, b) e n.º 6 do Código Penal, no qual é ofendida A..., de sete crimes de coacção sexual agravada, p. e p. pelos artigos 163º n.º1 e 177º n.º1, b) e n.º 5 do Código Penal, nos quais é ofendida B..., de dois crimes de coacção agravada, p. e p. pelos artigos 154º e 155º n.º1, al. a), e nº. 6 do Código Penal, nos quais são respectivamente ofendidas A... e B...; Assim sendo, há que proceder à correspondente alteração da qualificação jurídica dos factos sem que daí - e porque, só tendo sido interposto recurso pelo arguido, há que ter em atenção a proibição da reformatio in pejus constante do nº 1 do art. 409º -, se possam retirar consequências desfavoráveis em termos de medida da pena. e) Da medida da pena e suspensão da sua execução. A última questão que o recorrente veio suscitar prende-se com a medida em que a pena foi fixada e que ele considera como exagerada, desproporcional e desadequada, e pretendendo, pois, que a pena seja reduzida e suspensa na sua execução. Antes do mais convirá referir que o recorrente tinha como fundamento para a sua pretensão a não verificação dos crimes de violação e de coação sexual na sua foram agravada, o que permitiria diminuir as penas aplicadas e eventualmente permitir mesmo a sua suspensão. Dado que se manteve pelas razões supra expostas os ilícitos criminais na forma agravada, fica prejudicada de imediato tal pretensão. Haverá no entanto que apurar a medida da pena a aplicar ao arguido tendo em atenção a alteração quanto ao número de ilícitos praticados e que supra se descreveram. As finalidades das penas vêm indicadas no nº 1 do art. 40º do C. Penal: a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. São, pois, finalidades relativas de prevenção, geral e especial, que justificam a intervenção do sistema penal e conferem fundamento e sentido às suas reacções específicas. A prevenção geral, enquanto prevenção positiva ou de integração, i. e. “como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida”, assume o primeiro lugar como finalidade da pena[xxiv]. No entanto, o equilíbrio desejável entre as finalidades relativas à prevenção geral e à prevenção especial não obsta a que, perante as especificidades do caso concreto, uma dessas finalidades haja de prevalecer sobre a outra. Por outro lado, o princípio da culpa, acolhido no nosso ordenamento jurídico-penal e cujo fundamento axiológico radica no princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal, implica que a culpa seja condição necessária da aplicação da pena e, simultaneamente, que a medida da pena não possa ultrapassar a medida da culpa[xxv]. Limite este que vem expressamente consagrado no nº 2 do referido art. 40º. Também o nº 1 do art. 71º do C. Penal manda atender, na determinação da medida concreta da pena dentro da moldura penal aplicável, à culpa do agente e às exigências de prevenção, contendo o nº 2 do mesmo preceito uma enumeração exemplificativa das circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, e que devem ser levadas em consideração pelo tribunal. Importa, neste momento, proceder à determinação da medida da pena dentro da moldura abstracta cominada para estes ilícitos. Ao crime de violação agravada praticado pelo arguido corresponde pena abstracta de prisão de 4 (quatro) e 6 (seis) meses a 15 (quinze) anos – cfr. Artigos 164º, nº. 1, al. a) e 177º, nºs. 1, al. b) e 6, do Código Penal. Ao crime de coacção sexual agravada igualmente praticado pelo arguido corresponde pena abstracta de prisão de 2 (dois) a 12 (doze) anos – cfr. Artigos 163º, nº. 1 e 177º, nºs. 1, al. b) e 6, do Código Penal. Importa determinar a medida concreta das penas a aplicar ao arguido, penas essas que são limitadas pela sua culpa revelada nos factos (cfr. artigo 40º, n.º 2, do Código Penal), e terão de se mostrar adequadas a assegurar exigências de prevenção geral e especial, nos termos do disposto nos artigos 40º, n.º 1 e 71º, n.º 1 do Código Penal, havendo que ponderar na determinação daquela medida, todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o arguido, nomeadamente as enumeradas no citado artigo 71º, n.º 2, do Código Penal. A culpa jurídico-penal traduz-se num juízo de censura que funciona, ao mesmo tempo, como um fundamento e limite inultrapassável da medida da pena (cfr. Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – Das Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 215), sendo tal princípio expressamente afirmado no n.º 2 do artigo 40º do C.P.. Com o recurso à prevenção geral procurou dar-se satisfação à necessidade comunitária da punição do caso concreto, tendo-se em consideração, de igual modo, a premência da tutela dos respectivos bens jurídicos (cfr. Ac. do STJ, de 04/06/1996, in CJ-STJ, Ano IV, t. 2, pág. 225), Com o recurso à prevenção especial pretende dar-se resposta às exigências de socialização do agente, com vista à sua integração na comunidade (cfr. Ac. do STJ, supra citado). Com vista à determinação da medida concreta da pena a aplicar ao arguido, importa, assim, valorar as seguintes circunstâncias: O grau da ilicitude do facto, que se afigura muito elevado, considerando, designadamente: a idade das ofendidas que contavam apenas com 13 anos de idade, quando o arguido começou a praticar com elas os actos sexuais que resultaram apurados; o modo de execução dos factos e as circunstâncias que os qualificam; a variedade e gravidade dos actos perpetrados, bem como as consequências resultantes da conduta do arguido; a duração da conduta do arguido e a reiteração da mesma, que perdurou durante, pelo menos, quatro anos. O dolo do arguido, que reveste a modalidade de dolo directo, cuja intensidade se revela muito acentuada, pela persistência dos actos criminosos, tendo o arguido agido com o fim, censurável, de satisfazer a sua lascívia e os seus desejos sexuais com as menores, suas enteadas. As condições pessoais do arguido, que resultaram provadas e que aqui se dão por reproduzidas. A ausência de antecedentes criminais do arguido tem diminuto significado, atento o tipo de crime. Contra o arguido milita a sua personalidade que denota traços de alguma anti-sociabilidade, vindo a desenvolver um estilo de vida com forte componente amoral e com uma reduzida motivação para a mudança, e que dificilmente aceitará os benefícios da reeducação e da correcção, podendo dissimular, durante algum tempo, as características anti-sociais e promiscuidade sexual mas havendo fortes probabilidades de voltar ao mesmo padrão comportamental. Contra o arguido depõe ainda o facto de, não obstante ter admitido parte dos factos, negou a maior parte dos mesmos, apresentando um discurso vitimizante, revelador de que não interiorizou o desvalor das suas condutas, denotando ainda pela sua postura durante o julgamento uma total indiferença e ausência de sentimentos durante a produção de prova. Os factos praticados pelo arguido revelam uma personalidade mal formada, que se manifesta no seu modo de actuar, na lascívia e consequente perturbação da autodeterminação sexual das menores (A... e B...), condutas estas que ofendem, em elevado grau, os sentimentos gerais de pudor sexual. Por último, há que ponderar as exigências de prevenção, sendo prementes as de prevenção geral, atenta a objectiva gravidade jurídica dos crimes praticados e a necessidade de defesa da sociedade perante este tipo de ilícito, que coloca em causa a liberdade e a autodeterminação sexual das crianças e jovens associadas ao seu próprio aproveitamento para práticas de auto-satisfação sexual do agente, existindo um sentimento de grande repugnância social pelos indivíduos que cometem tal tipo de actos. Por outro lado, crimes desta natureza constituem hoje, fruto da mediatização veiculada pelos meios de comunicação social de situações similares – e do qual o presente processo não foi excepção – uma proeminente preocupação social, dado que a sociedade se consciencializou da problemática em causa, como assumiu uma firme atitude crítica e de rejeição dos abusos sexuais de crianças e de violações, dentro e fora do meio familiar, repudiando firmemente tais situações. As exigências de prevenção especial revelam-se, igualmente, elevadas, denotando o arguido, em julgamento, pela postura supra descrita, não ter interiorizado a gravidade e censurabilidade dos actos praticados. Ponderando todos estes elementos, julgamos adequado aplicar as penas de: » 9 (nove) anos de prisão, para o crime de violação agravada, de trato sucessivo, p. e p. pelos artigos 164º, nº. 1,al. a) e 177º, nº. 1, al. b) e nº. 6, do C.P., referente à conduta do arguido sobre a ofendida A...; » 6 (seis) anos de prisão, para o crime de coacção sexual agravada, de trato sucessivo, p. e p. pelos artigos 163º, nº. 1 e 177º, nº. 1, al. b) e nº. 6, do C.P., referente à conduta do arguido sobre a ofendida B.... Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas ao arguido, sendo a moldura penal abstracta correspondente aos crimes em concurso, a de 9 (nove) anos de prisão a 15 (quinze) anos de prisão (cfr. artigo 41º, nºs. 2 e 3, do Código Penal) e, ponderando, em conjunto, os factos, a sua gravidade e as suas consequências, a personalidade do arguido, decidem os juízes que compõem este tribunal colectivo, condená-lo na pena única de 13 (treze) anos de prisão.” Fruto da alteração da qualificação jurídica dos factos assente no ponto anterior, há que reponderar ( sem contudo poder agravar ) as medidas parcelares e única correspondentes aos ilícitos criminais praticados pelo recorrente que, de dois, passaram para quinze. As molduras penais abstractas correspondentes ao crime de coacção sexual agravado, ao de violação agravada e ao de coacção agravada são, respectivamente, pena de prisão de 1 ano e 4 meses a 9 anos e 8 meses, de 4 anos a 13 anos e 4 meses e de 1 a 5 anos de prisão respectivamente Mantendo, no essencial, toda a relevância as circunstâncias expressamente referidas no segmento do acórdão recorrido acima transcrito, sem que as circunstâncias atenuativas a que o recorrente se arrima tenham, no caso, grande peso, já que existiam na data dos factos e não evitaram o cometimento dos ilícitos em causa, e tomando ainda como referência as penas que vêm sendo aplicadas em casos de contornos semelhantes, consideramos ajustado fixar as penas parcelares em 5 anos quanto a cada um dos oito crimes de coacção sexual, e em 8 anos relativamente a cada um dos cinco crimes de violação, e de 3 anos relativamente a cada um dos dois crimes de coacção agravada, penas estas que consideramos equilibradas, proporcionais e razoáveis, contendo-se dentro da medida da culpa sem, do mesmo passo, comprometerem a crença da comunidade na validade das normas incriminadoras violadas. Quanto à fixação da pena única, que agora havia de ser encontrada dentro da moldura abstracta que vai de 8 anos a 25 anos de prisão - mas que, na prática e pelo que já atrás deixámos referido, não pode ser fixada em medida superior àquela que foi fixada na decisão recorrida -, e retomando as considerações feitas no acórdão recorrido a este propósito, consideramos que a sua fixação em 13 anos de prisão se peca, não é seguramente por severidade. Donde que, excepção feita às penas parcelares, que têm de ser alteradas pelas razões acima indicadas, deva ser mantida intocada a pena única fixada naquele acórdão. E, tendo em conta a medida em que a pena única foi fixada, não é admissível, desde logo face ao disposto no nº 1 do art. 50º do C. Penal, a sua substituição por uma pena com execução suspensa. Com o que terá de improceder, no essencial, mais este fundamento do recurso. * III DECISÃO Por todo o exposto, julgam o recurso parcialmente procedente, embora por razões distintas das invocadas, e, em consequência, procedem à alteração da qualificação jurídica dos factos praticados pelo arguido/recorrente de forma a integrarem oito crimes de coacção sexual agravada, ps. e ps. pelos arts. 163º nº 1 e 177º nº 1 al. a) cinco crimes de violação agravada, ps. e ps. pelos arts. 164º nº 1 al. a) e 177º nº 1 al. a), e dois crimes de coacção agravada ps. e ps. Pelos artºs 154º e 155º nº 1 al. a) todos preceitos do Cod. Penal, indo ele condenado, pela prática de cada um dos primeiros em 5 (cinco) anos de prisão, pela prática de cada um dos segundos em 8 (oito) anos de prisão e pela prática de cada um dos terceiros em 3 (três) anos de prisão Em tudo o mais, julgam o recurso improcedente, mantendo na íntegra o acórdão recorrido, nomeadamente no que concerne à medida em que a pena única foi fixada. Fixam em 5 UC a taxa de justiça devida pelo recorrente (processado por computador e revisto pelo 1º signatário- artº 64º nº 2 do Cod. Proc. Penal) Lisboa, 11 de Setembro de 2013 Vasco Freitas Rui Gonçalves
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