Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | JOÃO NOVAIS | ||
Descritores: | DISCRIMINAÇÃO EM RAZÃO DO SEXO DISCRIMINAÇÃO EM RAZÃO DA NACIONALIDADE ARRENDAMENTO RESPONSABILIDADE CIVIL DANO DECLARAÇÕES DE PARTE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/15/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | Sumário: I - Nos termos do artigo 466 n.º 3 do Cod. Proc. Civil, o tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão, existindo três teses essenciais: (i) tese do caráter supletivo e vinculado à esfera restrita de conhecimento dos factos; (ii) tese do princípio de prova; e (iii) tese da autossuficiência das declarações de parte. II - Mesmo na tese menos exigente no sentido de poder conferir relevante valor probatório às declarações de parte (a tese da auto-suficiência), sustentando-se, no caso, a prova dos danos sofridos exclusivamente nas declarações de parte da lesada, as mesmas não podem ser contrariadas por outros elementos resultantes do processo, designadamente quando a possível lesada adotou um comportamento contrário ao de uma pessoa que sofre vergonha humilhação e sofrimento psicológico em virtude da pergunta que lhe foi feita, não revelando exteriormente qualquer distúrbio ou perturbação pela pergunta, reagindo no sentido de pretender manter uma relação contratual duradoura com aquele que teria proferido o comportamento lesivo. III – A pergunta feita pelo proprietário de um imóvel a um potencial arrendatário que insiste na possibilidade de sub-arrendamento, procurando saber “que tipo de subarrendamento será? Amigas? Estudantes? Prostituição?” é apta, à luz dos dados da experiência, a provocar danos não patrimoniais. Todavia, a mesma pergunta, especialmente se feita nesse contexto pré-negocial, não permite estabelecer um efeito necessário no sentido de provocar um dano, podendo o recetor da mesma pergunta avaliar que a mesma não contém qualquer valor negativo sobre a sua pessoa, mas sim que constitui o comportamento do proprietário cauteloso e zelador do seu património, que pretende saber que utilização do mesmo vai ser feita, não ficando ofendido com a mesma, até porque também a faria terceiros, caso se estivesse no papel do proprietário. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acórdão da 7ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório A A. instaurou ação declarativa de condenação contra a R. , deduzindo o pedido de condenação no pagamento da quantia de €16.000,00 a título indenização pelos danos extra-patrimoniais causados, e o pedido de condenação na celebração do contrato de arrendamento, com fundamento no art.1067.º-A do Código Civil. Alegou que encetou negociações no sentido de celebrar um contrato de arrendamento com a R. por intermédio de um representante da R. (F J) e que nesse processo, ao expressar a vontade de sub-arrendar quartos desse imóvel, foi questionada se planeava utilizar os quartos para fins de prostituição, apesar de se ter identificado como advogada, defendendo por isso que ocorreu discriminação no acesso ao arrendamento, por se tratar de jovem mulher brasileira, que culminou numa minuta, com exigências e limitações desmedidas e injustificadas. Citada a R. veio a mesma apresentar contestação na qual alegou que o F J atuou em nome próprio e não da R., desconhecendo os procedimentos levados a cabo por este para procura e obtenção de interessado, porquanto o mesmo actuou com toda autonomia, liberdade e independência. Impugnou ainda os factos alegados na petição inicial. Realizado julgamento, foi proferida sentença a qual condenou a R. no pagamento à A. da quantia de 4.000,00 € (quatro mil euros), a título de danos não patrimoniais, absolvendo-a dos demais pedidos. 2. Inconformada, a R. apelou desta decisão, concluindo: 1º. (…). 8º. O facto nº. 17 da matéria provada com o teor “Em Novembro de 2021, após comunicação com a ré, ante a insistência na proposta/cláusula de subarrendamento por parte da autora, a sua idade, sexo e nacionalidade, F.J remeteu a seguinte mensagem à autora: Bom dia. Como está? Os subarrendamentos criam algumas dúvidas e reticências sobre os mesmos. Da fundação perguntaram que tipo de subarrendamento será? Amigas? Estudantes? Prostituição? Desculpe a minha franqueza mas é para que fique tudo bem transparente.(…)”, deve ser alterado nos termos seguintes: “Facto nº. 17- Em Novembro de 2021, ante a proposta/cláusula de subarrendamento por parte da autora, F.J remeteu a seguinte mensagem à autora: Bom dia. Como está? Os subarrendamentos criam algumas dúvidas e reticências sobre os mesmos. Da fundação perguntaram que tipo de subarrendamento será? Amigas? Estudantes? Prostituição? Desculpe a minha franqueza mas é para que fique tudo bem transparente.(…)” pois, como a própria testemunha F. J. afirma e foi corroborado pelas declarações de parte dos legais representantes da ré, a pergunta não teve subjacente a idade, nacionalidade e género da autora, mas sim, garantir que o arrendatário angariado não constituiria fonte de problemas para a ré no (in)cumprimento de obrigações contratuais, atenta a tipologia T4 do imóvel e o facto do agregado familiar da autora ser composto apenas pela própria, nunca tendo havido quaisquer instruções para tal pergunta, nem restrições, por parte da ré, quanto à nacionalidade, género ou idade dos arrendatários a angariar para os seus imóveis. Neste sentido, depoimento prestado por F. J. (…), declarações prestadas pelo legal representante da ré L.A. (…) declarações de parte prestadas pelo legal representante da ré, R.P.. 9º. Mais se apurou nos autos, quer por confissão da própria autora em sede de articulado superveniente e documentos que o instruíam, quer por declarações de parte prestadas na sessão de audiência final a 30.05.2023 que o seu objectivo, ao tomar de arrendamento o imóvel da ré, era destiná- lo à exploração comercial do subarrendamento do mesmo, actividade à qual passou a dedicar-se profissionalmente, constituindo, inclusivamente, uma sociedade comercial com o objecto social de exploração comercial e gestão de subarrendamento de imóveis para habitação, a qual lhe proporciona uma receita mensal superior a €5.000,00, fundamentando a indemnização do dano não-patrimonial reclamado na presente acção, com a privação dos rendimentos que lhe poderiam ser proporcionados com o subarrendamento do imóvel da ré. 10º. Pelo que, o facto nº. 18 da matéria de facto provada com o teor: “(…) deve ser alterado nos seguintes termos: “Em resposta, a autora, receosa de não conseguir autorização para subarrendar o imóvel e, em consequência, perder a importante vantagem patrimonial que esperava obter com o mesmo, referiu que: (…)” (…) O subarrendamento respeitará as regras do contrato de arrendamento. Como expliquei, sou advogada, tenho escritório próprio e trabalho em home office. O apartamento será arrendado para minha própria residência. Como eu prefiro morar em um apartamento amplo, para não ficar com quartos ociosos, pretendo subarrendar os quartos, com a finalidade exclusiva de habitação. Acho inclusive preferível, já que essa questão está suscitando dúvidas e receios por parte do(s) proprietários), que os termos de permissão do subarrendamento constem expressamente no contrato de arrendamento (posso elaborar uma cláusula com essa finalidade e enviar para sua aprovação). E para ser bastante explícita e transparente com relação a isso: não pretendo fazer mau uso do apartamento nem muito menos violar as cláusulas do contrato de arrendamento ou as normas de convivência do condomínio. Então não: o subarrendamento não se destina à prostituição nem nenhuma outra prática controversa, muito menos ilegal. Eu vou residir e trabalhar no apartamento, então serei bastante criteriosa com as pessoas para quem vou subarrendar, dando preferência a amigas e pessoas com o perfil de convivência similares ao meu (ou seja, pessoas calmas e organizadas, que trabalhem e/ou estudem, etc.).(…)”, concorrendo para tal alteração os seguintes meios de prova: confissão da autora no articulado superveniente apresentado aos autos a 11.01.2023 sob referência citius nº. 44370988, cfr. artºs. 21º. e 22º. do mesmo; e confissão da autora em declarações de parte prestadas na sessão de audiência final de julgamento de 30.05.2023, gravadas aos (…; 11º. Os factos nº.s 23 e 26 da matéria dada por provada devem ser completados no sentido de se fazer constar que foi a autora que rejeitou o contrato de arrendamento proposto pela ré, por não aceitar as condições contratuais propostas, tendo apresentado condições contratuais distintas que a ré, por sua vez, não aceitou(…) 12º. A matéria constante do Facto nº. 28 com o seguinte teor: “Ante a actuação da ré, a Autora sentiu vergonha, humilhação e sofrimento psicológico (psíquico), sentindo receio de não conseguir celebrar o acordo de arrendamento da aludida fracção e de não conseguir aceder a outra habitação.” não resulta da prova produzida, pelo contrário, o que se constata das declarações de parte prestadas pela própria autora a 30.05.2023 gravadas aos 22m:28segs até 24m:42 segs é a insatisfação da mesma pelo facto de não ter logrado alcançar um acordo com a ré, no sentido de ver contemplado no contrato de arrendamento uma cláusula que lhe autorizasse o subarrendamento do imóvel, vendo, assim, frustrado o seu objectivo de poder destinar o imóvel da ré ao fim comercial ao qual se dedica profissionalmente, através de uma empresa constituída para gestão e subarrendamento de imóveis, destinada à obtenção de lucro com tal actividade. Pelo que, atento o exposto, deverá tal facto ser substituído nos termos seguintes: Facto nº. 18 (novo) “Ante a recusa da ré em conceder autorização para o subarrendamento do imóvel, a autora sentiu-se desgostosa por ver frustrado o seu objectivo de obtenção de lucro com o subarrendamento dos quartos do imóvel.” 13º. Das declarações de parte prestadas pela autora na audiência final de julgamento realizada a 30.05.2023, gravadas, concretamente aos 00m:46segs até 8m:45 segs resulta demonstrado que a autora sofreu danos morais por ter sido vítima de condutas xenófobas e discriminatórias enquanto emigrante em Portugal, para os quais a ré em nada contribuiu, as quais lhe causaram humilhação e sofrimento psicológico, negando qualquer tipo de discriminação no tratamento que lhe foi dispensado pela testemunha F. J. , conforme declarações da autora gravadas aos 24m:41 segs até 25m:56segs; 27m:39 segs até 28m:45segs; 30m:41 segs até 32m:04 segs; aos 38m:11segs até 39:13; 13m:01 segs até 13m:16 segs e 44m:49 segs até 45m:57 segs; devendo pois aditar-se à matéria de facto provada o seguinte Facto nº. 30 (novo): “A Autora sentiu vergonha, humilhação e sofrimento psicológico (psíquico), por circunstâncias anteriores enquanto emigrante em Portugal” 14º. Da instrução da causa, resultou, ainda, demonstrado o seguinte Facto nº. 31 (Novo): “- os contratos de arrendamento para habitação habitualmente celebrados pela ré não admitem subarrendamento, nem hospedagem, exigindo a prestação de fiança e caução de uma renda mensal.” com base no depoimento prestado pela testemunha F. J. concretamente aos 40m:30segs até 42m:51 segs que reconheceu que o tratamento e condições contratuais oferecidas à autora foram iguais às apresentadas a outros interessados no arrendamento, bem como, nas declarações prestadas pelo legal representante da ré L. A. aos 38m:49segs até aos 39m:40segs e as declarações de parte prestadas pelo legal representante da ré R.P. gravados aos 25m:26segs até 26m:14 segs com continuação na audiência final de julgamento a 30.05.2023 gravadas aos 10m:35 segs até aos 12m:34 segs, bem como, declarações prestadas pela testemunha M. L., gravadas aos 11m:49segs até aos 13m:28 segs. 15º. A prova documental junta à P.I. a fls. 9 (mensagem enviada pela testemunha F. J. à autora) conjugada com as declarações prestadas pela testemunha F. J. a 30.05.2023, gravadas aos 22m:21 segs até 22m:49 segs; aos 27m:15 segs até 27m:47 segs permite aditar à matéria de facto provada, o Facto nº. 32 (Novo) com o seguinte teor: “- F. J. informou a autora que submeteria as propostas contratuais desta à Fundação para que esta última se pronunciasse se as aprovaria ou não.” e dar por não provado “que F. J. tenha transmitido à autora que as suas condições/propostas contratuais tinham sido aceites pela ré.” bem como “que F. J. se tenha apresentado como parte da Fundação e com poder decisório.” 16º. Devem, ainda, alinhar-se na matéria de facto não provada os factos julgados enquanto tal, constantes da decisão recorrida: “- que F. J. tenha remetido uma minuta de acordo de arrendamento à autora com conhecimento da ré” (Pag. 10 da fundamentação da sentença);“- que a ré tenha aceite as condições contratuais propostas pela autora;” (Pag. 10 da fundamentação da sentença). 17º. A decisão recorrida condena a ré a indemnizar a autora por danos não -patrimoniais decorrentes de vergonha, humilhação, perturbação emocional e ser destinatária de uma formulação ofensiva, na quantia de €4.000,00, atento um acto ilícito consubstanciado na formulação de uma pergunta ofensiva da honra e consideração da destinatária autora, que se revela, por isso discriminatória, pela qual a ré responde objectivamente, atenta a relação comissário/comitente com o autor da mesma. 18º Sucede, porém, que a causa de pedir da presente acção é uma alegada conduta discriminatória da ré, no tratamento dado à autora no acesso ao arrendamento para habitação de um dos seus imóveis, fundado na sua nacionalidade, género e idade, legalmente vedado nos termos do disposto pelo artº. 1067- A do Código Civil, consubstanciado no facto de, segundo alegado em síntese no artº. 86º. da P.I., a ré ter alterado os termos contratualmente acordados por um seu legal representante- F.J - para o arrendamento do imóvel, criando, propositadamente, entraves às pretensões previamente aceites, apresentadas pela autora, entraves esses, que teriam tido por único fundamento, o facto da autora ser uma jovem mulher brasileira, o que alegadamente se demonstraria pelo facto do legal representante da ré, lhe ter perguntado se pretendia subarrendar o imóvel para efeitos de prostituição. 19º. Sendo que o pedido indemnizatório formulado pela autora, tem por fundamento a reparação dos danos resultantes da obstrução ao seu direito de acesso a uma casa de habitação- Cfr. arº.s 116º., 118º. e 119º. da P.I. 20º. Resulta do supra exposto, que a autora não peticiona na presenta acção qualquer indemnização por ofensa à honra e consideração em consequência da pergunta que lhe foi formulada por F. J. , o que poderia ter cabimento nos tribunais criminais, em sede de reparação associada à condenação por ilícito criminal de injúria, mas sim, a reparação dos danos causados pelo acto ilícito, alegadamente perpetrado pela ré, de discriminação da autora no direito que esta tem a aceder ao arrendamento de uma habitação. 21º. Contudo, conforme matéria de facto adquirida em consequência da procedência da impugnação da decisão nessa matéria, a ré não pode ser objectivamente responsabilizada pela pergunta que a testemunha F. J. dirigiu à autora, dado que, entre este e a ré, não se demonstrou existir qualquer relação comissário/comitente, conforme resulta do teor dos factos nº.s 7, 8, 8- A); 8-B); 8-C); e 9), pois a aludida testemunha foi contratada para a prestação de um serviço de angariar um arrendatário para o imóvel da ré, actuando nos termos e condições que entendesse convenientes, sem qualquer sujeição, ou subordinação à ré, ou à direcção desta, como, de resto, é próprio de qualquer contrato de prestação de serviços, nos termos prescritos pelo artº. 1154º. do Código Civil, sendo remunerado pela obtenção do aludido resultado, caso e quando, este se verificasse. 22º. Nos termos do artº. 500º. do Código Civil, a existência da relação comissário/comitente pressupõe que o comitente possa dar ordens ou instruções ao comissário, estabelecendo-se, pois, uma relação de dependência, em que o primeiro dirige o segundo, e por isso, é justo que responda pelos actos ilícitos por este praticados, o que, no caso em apreço, não se verifica, dado que a testemunha F. J. actuava autonomamente, no prosseguimento do resultado para o qual havia sido incumbido que, ao contrário do concluído na decisão recorrida, não era a celebração de um contrato de arrendamento, mas sim, a angariação de um potencial interessado que revelasse dispor de condições para ser um bom cumpridor das obrigações a assumir contratualmente. 23º. Impõe-se, ainda, que o comissário pratique, culposamente, um acto ilícito, pelo qual responda objectivamente o comitente, sendo que quanto a este requisito, a autora fundamenta a acção num acto ilícito de discriminação no acesso à habitação e a decisão recorrida centra o acto ilícito na pergunta ofensiva da honra e consideração da autora, formulada pela testemunha F. J. . 24º. O pretenso acto ilícito que é causa de pedir da presente acção-discriminação da autora no direito de acesso à habitação- não se verificou, pois, o tratamento dispensado à autora, enquanto interessada no arrendamento do imóvel foi exactamente igual ao de outros arrendatários da ré, dado que as condições contratuais exigidas pela ré, em geral, são as mesmas que foram apresentadas à autora: a proibição do subarrendamento, a prestação de fiança e caução e o prazo de um ano de duração do contrato- Cfr facto provado nº. 31 (novo) e Facto nº. 29. 25º- Tendo-se demonstrado em sede de produção de prova que em momento algum a ré aceitou as propostas contratuais apresentadas pela autora, sendo que esta estava ciente que F. J. não dispunha de poder decisório para as aceitar e que as mesmas seriam sujeitas à consideração da ré, as quais não vieram a ser aceites, pelo que nunca se verificou a regressão por parte da ré quanto à aceitação das condições contratuais apresentadas pela autora, pois estas nunca chegaram a ser aprovadas, o que sempre foi do conhecimento da autora- Cfr. facto provado nº. 32 (novo) e factos não provados nºs. 1,2, 3 e 4. 26º. Acresce que, foi a autora que decidiu não aceitar o contrato de arrendamento que lhe foi proposto pela ré, considerando que esta não acedeu às proposta de cláusulas contratuais apresentadas pela autora, porque de facto e em geral, os seus contratos de arrendamento não as contemplam, contudo, a frustração do acordo entre as partes, não consubstancia qualquer acto ilícito de discriminação da autora no acesso à habitação, mas a normalidade da liberdade contratual na celebração de negócios jurídicos, sendo que a autora poderia ter aceite o contrato proposto pela ré e aceder, assim, ao arrendamento da habitação, não o tendo feito por decisão própria que apenas a ela lhe é imputável. – Cfr. factos provados sob os nº.s 23º. e 26 da matéria assente na procedência da impugnação da matéria de facto. 27º. Também a pergunta dirigida à autora pela testemunha F. J. , foi no âmbito da autonomia e liberdade do mesmo, no cumprimento do resultado que se havia comprometido com a ré de obtenção de um interessado no arrendamento e não no quadro de uma relação jurídica de comitente/comissário, não responsabilizando, por isso, a ré, sendo certo que, de todo o modo não se apresenta como discriminatória no acesso ao arrendamento, dado que teve por fundamento, como a própria testemunha esclareceu, o facto de esta estar incumbida de angariar um arrendatário que se mostrasse um bom cumpridor das obrigações contratuais, tendo-se afigurado estranho que, constituindo-se o agregado familiar da autora de um único elemento, esta pretendesse arrendar um imóvel de tipologia T4. 28º.Ainda que valorando a natureza, porventura, injuriosa da aludida pergunta, a autora não fundamenta o seu pedido indemnizatório em danos decorrentes da mesma, até porque é a própria autora que sublinha nunca ter sido tratada indevidamente pela aludida testemunha, alega-se, sim, em sede de P.I. que a mesma comprovava que estava a ser discriminada no acesso ao direito à habitação por ser uma jovem mulher brasileira, o que não se demonstrou. 29º. Acresce que, da prova produzida, e dos factos assentes na procedência da impugnação da decisão da matéria de facto, decorre que a autora respondeu à aludida pergunta de F. J. , sem qualquer manifestação de estar ofendida ou se sentir discriminada, mas sim, receosa de não conseguir obter autorização para subarrendar o imóvel da ré e, assim, perder uma importante vantagem patrimonial que esperava obter com o mesmo, tendo-se sentido desgostosa por ver frustrado tal objectivo, conforme teor dos factos nº.s 18 e 28 (novo). 30º. O descontentamento e frustração da autora por não ter logrado obter acordo na celebração do negócio jurídico do arrendamento não resulta de qualquer acto ilícito, pelo que não é, obviamente, susceptível de indemnização que incumba à ré. 31º.É certo que se apurou no âmbito do Facto nº. 30 (Novo) que a autora sentiu vergonha, humilhação e sofrimento psicológico por outras situações vivenciadas enquanto emigrante em Portugal, contudo, tais danos não apresentam qualquer nexo causal com a actuação da ré, pelo que não pode a ré ser responsabilizada pelos mesmos. 32º.- Nem, sequer, argumentar-se que a pretensa conduta da ré teria servido de ignição para o despoletar de tais danos, por acumulação de vivências anteriores pois, o autor do facto só está obrigado a indemnizar os danos que não se teriam verificado sem esse facto e que, abstraindo deste, seria de prever que não se tivessem produzido, num juízo de normalidade, sendo que no caso em apreço, nunca seria exigível à autora que respondesse por danos decorrentes de situações vivenciadas pela autora que a ré desconhecia em absoluto e não eram previsíveis, nem adequadas à sua conduta. 33º. Pelo que, inexistem quaisquer danos sofridos pela autora que cumpra á ré indemnizar, sendo certo que, de todo o modo, sempre se sublinha, a título subsidiário, caso assim não se entendesse, o que só por mera equacionação lógica se admite, que o montante fixado para ressarcimento dos mesmos se apresenta excessivo e desadequado, devendo ser reduzido por observação de critérios de equidade a que alude o artº. 496º. Nº.s 1 e 4 e artº. 494º. do Código Civil, atendendo ao facto da ré ser uma Instituição Particular de Solidariedade Social sem fins lucrativos e a autora ter uma situação económico- financeira substancialmente superior, atenta a matéria provada no âmbito do facto nº.1 da decisão da matéria de facto. 34º. Decorre do que se vem expondo que a decisão recorrida desrespeitou por errada interpretação e por isso “à contrario” o disposto pelos artº.s 500, 562º., 563º., 564º., 496º. Nº.1 e 4 e artº. 494º. do Código Civil, impondo-se, pois, a sua revogação e absolvição da ré/recorrente do pedido. II – Questões a decidir aa) Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do Cod. Proc. Civil, é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. b) No caso dos autos, são as seguintes as questões a decidir: - impugnação da matéria de facto; - relação jurídica estabelecida entre a R. e F. J. , no sentido de permitir imputar àquela os comportamentos deste na negociação do contrato - verificação dos requisitos dos quais depende a responsabilidade civil. * III – Fundamentação de Facto: (transcrição da decisão recorrida, na parte que importa para o conhecimento do recurso) Da matéria relevante para o juízo jurisdicional a proferir resultaram provados os seguintes factos: 1. A Autora nasceu em … , tendo nacionalidade brasileira, exercendo as funções de advogada. 2. A Ré é uma Fundação privada de solidariedade social com sede na … , cujo acervo patrimonial, em parte, se localiza no concelho de Lisboa e outros concelhos limítrofes. 3. Do referido património faz parte o segundo andar “C” destinado a habitação, com utilização independente do prédio urbano sito à Avenida … para a Rua … , (Lote), nº., em Lisboa, da freguesia de… , concelho de Lisboa, inscrito na respectiva matriz predial sob o nº. … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº. … , aí inscrito a favor da, ora ré, pela apresentação … 4. Em Novembro de 2021, com a finalidade de rentabilizar o património, a Ré, respectivo Conselho de Administração, decidiu dá-lo de arrendamento. 5. Para o efeito e considerando a distância geográfica entre a sede, sita em Tábua, e Lisboa, a Ré decidiu incumbir F. J. , pessoa conhecida de um dos membros do conselho de administração e residente no distrito de Lisboa, de obter um arrendatário para o referido imóvel. 6. O contacto foi estabelecido verbalmente entre L. A, vogal do Conselho de Administração da ré, em representação desta e F. J. , seu conhecido, o qual, aceitou. 7. Nessa ocasião, foi transmitido a F. J. que o imóvel era de tipologia T4, com renda de 1.200,00 € mensais, ficando aquele incumbindo de angariar um arrendatário que oferecesse garantias de ser bom cumpridor das obrigações a assumir e que, obtido um potencial interessado, deveriam ser remetidos à Ré os documentos de identificação e respectivo fiador. 8. Para tanto foram confiadas as chaves do imóvel a F. J., a fim de este promover a publicitação e realização de visitas ao imóvel com vista a encontrar potenciais interessados. 9. Em 19 de Novembro de 2021 a Autora entrou em contacto com F. J. através do número de telemóvel associado a um anúncio no site OLX para proceder a visita ao imóvel sito na Avenida …, Lisboa, disponível para arrendamento habitacional. 10. Durante a visita a Autora foi informada que haviam dois apartamentos disponíveis para arrendamento no mesmo prédio, o apartamento do 2º andar, identificado como 2º D, e um no Rés de Chão, ambos de tipologia T4, disponíveis para arrendamento habitacional e pelo mesmo valor (1.200,00 €), tendo sido informada que os imóveis pertenciam a uma Fundação (Ré). 11. A Autora declarou interesse no apartamento do 2.º andar tendo declarado a F. J. que era advogada, residia em Lisboa, e tinha intenção de arrendar o referido apartamento para a sua própria habitação e que pretendia proceder ao subarrendamento dos restantes quartos e que pretendia que tal fosse expressamente permitido. 12. F. J. referiu à Autora que a Ré pretendia iniciar o arrendamento da fracção no dia 1 de Dezembro de 2021, o que Autora acedeu. 13. Após visita, na aludida data, a Autora entrou em contacto com F. J. solicitando-lhe o envio de minuta do acordo para sua análise, bem como a indicação dos documentos necessários, tendo F. J. solicitado a remessa da última declaração de IRS, de recibo / ordenado ou qualquer meio de comprovar rendimentos, o que a Autora fez 14. Após recepção dos aludidos elementos, F. J. solicitou esclarecimentos à Autora relativo à possibilidade de subarrendamento, bem como ao número de quartos que a Autora pretendia subarrendar, mais referiu que iria transmitir o que lhe foi indicado à fundação para que eles aprovassem. 15. F. J. remeteu à Autora minuta por ele elaborada com vista a ser apreciada / analisada pela Autora, sendo que da aludida minuta constam, entre outras, as seguintes referências: Esta clausula se calhar tenho que tirar certo? Cláusula Segunda O local arrendado destina-se exclusivamente à habitação da Arrendatária, não podendo ser utilizado para outros fins nem sendo permitida a utilização por hóspedes. – Cláusula Terceira O presente contrato é celebrado pelo prazo de duração efectiva de 2 (dois) anos, tendo início a 1 de Junho de 2021 e termo a 30 de Junho de 2023, período após o qual passará a ser renovável automática e sucessivamente por períodos de igual duração, salvo vontade em contrário de alguma das Partes. ---- 16. F. J. comunicou à Ré, por intermédio de L. A., que tinha sido contactado por uma potencial interessada em tomar de arrendamento o imóvel, a Autora; mais informando da solicitada possibilidade de hospedar um colega e subarrendar os restantes quartos e que a data de início seria 1 de Dezembro de 2021, por dois anos, renováveis. 17. Em 20 de Novembro de 2021, após comunicação com a Ré, ante a insistência na proposta /cláusula de subarrendamento por parte da Autora, a sua idade, sexo e nacionalidade, F. J. remeteu a seguinte mensagem à Autora: Bom dia. Como está? Os subarrendamentos criam algumas dúvidas e reticências sobre os mesmos. Da fundação perguntaram que tipo de subarrendamento será? Amigas? Estudantes? Prostituição? Desculpe a minha franqueza mas é para que fique tudo bem transparente. (…) 18. Em resposta a Autora, com receio de não conseguir concluir o negócio e de obter a aludida habitação, referiu que: (…) O subarrendamento respeitará as regras do contrato de arrendamento. Como expliquei, sou advogada, tenho escritório próprio e trabalho em home office. O apartamento será arrendado para minha própria residência. Como eu prefiro morar em um apartamento amplo, para não ficar com quartos ociosos, pretendo subarrendar os quartos, com a finalidade exclusiva de habitação. Acho inclusive preferível, já que essa questão está suscitando dúvidas e receios por parte do(s) proprietário(s), que os termos de permissão do subarrendamento constem expressamente no contrato de arrendamento (posso elaborar uma cláusula com essa finalidade e enviar para sua aprovação). E para ser bastante explicita e transparente com relação a isso: não pretendo fazer mau uso do apartamento nem muito menos violar as cláusulas do contrato de arrendamento ou as normas de convivência do condomínio. Então não: o subarrendamento não se destina à prostituição nem nenhuma outra prática controversa, muito menos ilegal. Eu vou residir e trabalhar no apartamento, então serei bastante criteriosa com as pessoas para quem vou subarrendar, dando preferência a amigas e pessoas com o perfil de convivência similares ao meu (ou seja, pessoas calmas e organizadas, que trabalhem e/ou estudem, etc.). (…) 19. F. J., em resposta, declarou que: Muito obrigado pela sua resposta fácil, sincera e extremamente explicativa. Se não der muito trabalho pedia lhe o envio dessa tal cláusula para ir assim preparando o contrato (…). 20. Subsequentemente, na mesma data, F. J. remeteu mensagem à Autora, na qual referiu que: Afinal por agora não é preciso enviar a cláusula. O contrato vai ser elaborado pela Fundação. Depois lemos pois eu também não conheço e falaremos. Estão é a pedir um fiador… não é preciso ter rendimentos importantes… consegue? (…). 21. A Autora perguntou a F. J. se o Fiador poderia ser brasileiro, tendo o mesmo respondido que “Penso que sim… tentamos…”, subsequentemente, F. J. , após contacto com a Fundação, remeteu mensagem à Autora referindo que: “Estive em contacto com a Fundação e pode ser cidadão brasileiro como tinha dito mas com morada em Portugal (…)”, ao que a Autora respondeu não conhecer ninguém em Portugal que pudesse indicar como Fiador. 22. F. J. remeteu os elementos para a Ré, que foi recebida pelos serviços administrativos em 23 de Novembro de 2021. 23. O Conselho de Administração aceitou a proposta de autorização para hospedagem de um colega e não aceitou a proposta de subarrendamento e hospedagem dos demais quartos, mais indicou o prazo de um ano não renovável, tendo sido elaborada minuta do acordo, por parte dos serviços de assessoria jurídica da Ré, e remetido, nesse dia, por correio electrónico à Autora. 24. Da aludida minuta constam entre outras as seguintes menções: 3ª. (prazo) O presente contrato de arrendamento urbano é celebrado pelo prazo certo e determinado de um ano não renovável, com início a 01.12.2021 e termo a 30.11.2022. 6ª. O destino do arrendado é exclusivamente o de habitação, não lhe podendo ser dado outro fim ou uso, sob pena de resolução contratual, ficando autorizada a hospedagem no máximo de um hóspede, o que se acorda nos termos do disposto pelo artº. 1093º. N.º.1 al.b) do Código Civil, autorização que caducará com a cessação do presente contrato, mais se acordando que fica expressamente proibido o exercício da actividade de alojamento local no arrendado. 8ª. A arrendatária não pode sublocar ou ceder, no todo ou em parte, onerosa ou gratuitamente, o local arrendado, salvo a hospedagem autorizada na cláusula 6ª., sem consentimento expresso e por escrito da senhoria, bem como, não pode destiná-lo a alojamento local, nem realizar quaisquer obras que não sejam previamente autorizadas por escrito pela senhoria e devidamente licenciadas que, quando de conservação, ordinárias ou extraordinárias, ficarão a cargo da arrendatária e ficam a fazer parte integrante do arrendado, sem direito de retenção ou indemnização seja a que título for. 25. A Autora contactou R.P., que exerce funções na Ré, com vista à obtenção de esclarecimentos, tendo ambos encetado uma discussão relativo aos termos da minuta remetida. 26. Em 24-11-2021, a Autora transmitiu à Ré que a minuta não correspondia ao acordado com F. J. , exigindo alteração quanto ao prazo (dois anos renovável), autorização para subarrendamento de todos os quartos de imóvel, dispensa de fiança ou caução, e aceitação de fiador com residência no Brasil., ao que a Ré não respondeu. 27. Em 30-11-2021, a Ré remeteu à Autora missiva, na qual referiu, além do mais, que: 28. Ante a actuação da Ré, a Autora sentiu vergonha, humilhação e sofrimento psicológico (psíquico), sentindo receio de não conseguir celebrar o acordo de arrendamento da aludida fracção e de não conseguir aceder a outra habitação. 29. Relativamente ao aludido prédio, a Ré acordou, além do mais: a) A cedência da fracção “C/V”, mediante a entrega da contrapartida mensal de 600,00 €, com MS., nacionalidade brasileira, na qualidade de inquilina, e FS., na qualidade de fiadora, com autorização de residência, pelo período de um ano, renovável, sem possibilidade de subarrendamento, sem prévia autorização da Ré. b) A cedência da fracção “R/v” cave, mediante a entrega da contrapartida mensal de 650,00 €, com JA., nacionalidade brasileira, na qualidade de inquilina, e com MF., na qualidade de Fiadora, pelo período de um ano, renovável, sem possibilidade de subarrendamento, sem prévia autorização da Ré. c) A cedência da fracção “2.ª-A”, mediante a entrega da contrapartida mensal de 700,00 €, com RM., pelo período de um ano renovável, sem possibilidade de subarrendamento, sem prévia autorização da Ré. Não se lograram provar quaisquer outros factos, não foram considerados as circunstâncias conclusivas alegadas, as alegações de direito, e as circunstâncias fácticas irrelevantes para o presente juízo jurisdicional. * A convicção do Tribunal, com vista à formulação de juízo de verificação e falsificação das restantes circunstâncias fácticas alegadas pelas partes fundou-se na análise crítica e reflexiva da prova documental carreada aos autos, da livre apreciação da prova testemunhal e das declarações de parte, à luz de critérios de lógica e de experiência. Não merece controvérsia a circunstância de as Partes terem negociado a possibilidade de arrendamento de fracção de prédio pertencente à Ré [aqui, veja-se certidão de registo predial], nem merece controvérsia as comunicações encetadas entre a Ré e a Autora, documento n.º 7 e 11 ou a circunstância de ter ocorrido a quebra das negociações. O punctum crucis do caso judicando radica na actuação de F. J. , respectivo âmbito, objecto e extensão, e a sua relação com a Ré. Explicite-se, desde logo, que resultaram demonstrado as comunicações encetadas entre a Autora e F. J. , vide, respectivo depoimento, em correlação, com documento n.º 2 e 3. Em sede de declarações de parte, L.A. e R.P., referiram a relação de amizade entre aquele primeiro e F. J. , a circunstância de terem acordado o auxílio na obtenção de interessados para o arrendamento de fracções do imóvel em apreço, a circunstância de, em caso de concretização de negócio, F. J. receber compensação monetária. Contudo, nega-se qualquer interacção ou ordem no modo de actuação, no modo como F. J. diligenciaria na procura de interessados e na respectiva interacção, sendo que F. J. , em sede de depoimento alude, por um lado, à circunstância de ir perguntando à Função as condições para o negócio por outro, de forma ambígua e vaga, no que concerne à mensagem a que alude ao objecto do subarrendamento pretendido por parte da Autora, refere que não se recorda de ter interagido, v.g. com L.A.. Tal circunstância não se desvela crível, coerente ou concordante com os próprios elementos objectivos apurados, ou seja, hic et nunc, sopesa-se crítica e reflexivamente o teor, o significante e significado das mensagens remetidas, a referência à interacção com a Fundação, o interesse do negócio (da própria Fundação). Explicite-se que na valoração das declarações de parte da Ré não está em causa a assunção do eventual carácter supletivo e vinculativo à esfera de conhecimento dos factos ou até da tese de princípio de prova. Eis que, em verdade, na avaliação da sua auto-suficiência / valor probatório autónomo, elas não permitam alcançar o standard de prova exigível para dar as aludidas circunstâncias fácticas como provadas, ante a respectiva ambiguidade e vaguidade. Padece de sentido ou razoabilidade fáctica que F. J. mobilizasse a referência e o contacto com a Fundação, aquando das comunicações com a Autora e, a final, não o tivesse efectuado e / ou que os membros da Ré, ante a relação de amizade e proximidade, v.g. com L.A., não tenham solicitado que aquele primeiro procurasse obter mais informações sobre o subarrendamento pretendido e projectado por parte da Autora. Mais, padece de sentido ou razoabilidade fáctica que estivéssemos perante uma actuação em nome próprio até por que o próprio F. J. , nas aludidas mensagens, refere não só a aludida comunicação com a Fundação, mas também alerta a Autora de que é necessária resposta e confirmação junto da Fundação. Alega-se que a Fundação assume a regra de não permitir o subarrendamento e esta seria a justificação da actuação de F. J. que extravasava o acordo (para procura e obtenção de interessados), uma vez mais, padeceria de sentido que F. J. mencionasse que contactou a Ré com vista a esclarecer o objecto do subarrendamento e / ou que solicitasse a elaboração de cláusula nesse sentido e subsequentemente (por vontade própria?) referisse que já não seria necessária porque a Ré trataria da elaboração da minuta do acordo. Conclui-se, pois, facticamente que a relação entre a Ré e F. J. reconduzia-se não só a uma prestação de um serviço, mas sobretudo a uma actividade realizada por conta, interesse e direcção da Ré, actividade, essa, que não se traduzia num acto isolado e que apenas findou quando foram concretizados os negócios relativos ao prédio (quando as fracções foram arrendadas); mais, torna-se evidente a relação de dependência, a circunstância de F. J. não poder decidir o tipo de acordo, solicitando e socorrendo-se necessariamente da Ré. Correlativamente, atendendo ao teor da mensagem remetida, não estamos perante mera discórdia quanto a certa proposta em ordem e em função de uma impossibilidade de a Ré aceitar o subarrendamento (a proposta seria apreciada e analisada pela Fundação), analisado o respectivo conteúdo escrito – crítica e reflexivamente – verifica-se que a procura de informação sobre o objecto do subarrendamento projectado / proposto atendeu ao destinatário da comunicação (a Autora, jovem mulher brasileira). É perante a essencialidade declarada, a insistência no subarrendamento, correlacionado com os aludidos factores (insistência na proposta, idade, sexo, nacionalidade) que surge a aludida mensagem. Posto isto, Ao contrário do alegado por parte da Autora inexiste elemento probatório epistemicamente relevante que permita concluir que F. J. remeteu uma minuta já “elaborada” ou com conhecimento da Ré (documento n.º 6, junto em anexo à petição inicial). É certo que F. J. remeteu a aludida minuta, mas não só resulta das mensagens remetidas que tal minuta não teve intervenção da Ré, demonstrando-se que se tratava da discussão negocial inicial e minuta elaborada pelo próprio, vide, neste sentido, o próprio depoimento. Resulta, pois, que a Ré apenas enviou uma minuta (documento n.º 8, ainda, comunicações com os respectivos serviços administrativos e depoimento de M. L.), minuta, essa, elaborada pela jurista da Fundação. Refira-se, ainda, que inexiste elemento probatório carreado ou produzido que permita concluir por qualquer aceitação prévia de certa cláusula (v.g. subarrendamento) por parte da Ré. No que concerne aos estados subjectivos da Autora atendeu-se ao teor da expressão proferida, à luz de critérios de experiência, o contexto em que foi proferida e, ainda, as declarações de parte da Autora, resultando a humilhação, vergonha e perturbação emocional (não se olvida, é certo, o contexto das declarações de parte, nem a referência a situações exógenas à própria Ré e a F. J. ). Apenas com o fito de perscrutar todos os elementos probatórios carreados e produzidos, refira-se que os depoimentos de RM. e JA., resulta a celebração de outros acordos de arrendamento de fracções pertencentes ao mesmo prédio (documentos n.º 4 a 6, juntos em anexo à contestação), contudo tal não significa nem consubstancia per si realidade excludente quanto à actuação apurada relativamente à Autora; ainda, atendeu-se ao documento n.º 1, junto em anexo à petição inicial (referente ao anúncio publicado por parte de F. J. . Não se logrou fazer prova em contrário. *** DO DIREITO A Autora formula, por um lado, pretensão ressarcitória ante a imputação de comportamento ilícito à Ré no acesso a arrendamento (artigo 1067.º-A e 483.º e seguintes do Código Civil) – responsabilidade civil) e, por outro, que, ante tal conduta, seja celebrado o contrato de arrendamento que foi colocado em crise. Por precedência lógica e normativa importa atender, desde logo, ao âmbito da actuação, objecto e extensão, e à conduta de F. J. em relação à Ré. Ante a matéria de facto apurada resulta a existência de uma relação de comissão entre F. J. e a Ré, porquanto estamos perante um serviço/actividade realizada por conta, interesse e sob a direcção de outrem; actividade, essa, que não se traduzia num acto isolado, mas sim na obtenção de interessados no arrendamento das várias fracções disponíveis em imóvel pertencente à Ré. Acresce a relação de dependência da actuação, porquanto F. J. não podia dar de arrendamento a(s) fracção (fracções) nem acordar os termos do negócio por si, socorrendo-se necessariamente da Ré. Nesse conspecto a Ré dispunha da faculdade de controlar a actuação de F. J. , através da emissão de ordens ou instruções, e tal constitui o eixo da sua responsabilização. Veja-se que se verifica a liberdade de escolha do comissário, ou se se quiser, a aceitação voluntária dos serviços de terceiro por parte da Ré; a circunstância de aquele actuar no interesse da Ré (obtenção de interessados com vista ao arrendamento); ainda, a própria responsabilidade do comissário que, não podendo ignorar os termos da sua conduta, nos contactos encetados com a Autora procede ao envio de mensagem, com cariz ofensivo / discriminatório, como infra se especificará; responsabilidade, essa, que surge no âmbito do serviço / das funções que lhe foram cometidas (note-se que mesmo que se adopte uma concepção restritiva quanto aos actos praticados, entenda-se, a necessidade de um nexo instrumental, desde que compreendido no poder que o comissário desfrute no exercício da comissão, no seu quadro geral de competência, tal circunstância verifica-se no caso judicando). Atentemos, pois, ao acto praticado, enquanto dado objectivo apurado, ante o respectivo contexto comunicacional e relacional, porquanto o punctum crucis do caso judicando radica na mensagem remetida: “Da fundação perguntaram que tipo de subarrendamento será? Amigas? Estudantes? Prostituição? Desculpe a minha franqueza mas é para que fique tudo bem transparente” Refira-se, desde logo, a inadequação normativa da aludida actuação, enquanto comunicação negocial. Não é este o modo correcto de negociar, no ser-com-o-outro, porquanto tal comunicação, o seu significante e fundamentante, extravasa a mera tentativa de obtenção de informação com vista à aceitação / rejeição de certa cláusula. Não estamos perante mera discórdia quanto a certa proposta (exclusão da possibilidade de subarrendamento) nem tão pouco, à luz de um qualquer dever de informação (boa fé), da procura de esclarecimento quanto ao âmbito e objecto da proposta, quanto à essencialidade de subarrendamento. O núcleo mobilizado – significante e fundamentante do conteúdo escrito – apresenta-se excessivo e afecta o destinatário da comunicação, em detrimento da sua honra e consideração, o que já se apresentaria suficiente para ajuizar pelo respectivo carácter ilícito. Não se apresenta despiciendo o destinatário da comunicação (a Autora, jovem mulher brasileira) e, aqui, não releva fáctica ou normativamente o modo de actuação da Ré, no âmbito de outras relações contratuais/negociais. Isto é tais factores (idade, sexo, nacionalidade) não podem ser analisados atomisticamente, nem tão pouco extrair-se uma regra de actuação, uma ideia comezinha de que como foram celebrados contratos de arrendamento com outras pessoas de nacionalidade brasileira então inexiste possibilidade de actuação discriminatória. É perante a essencialidade / insistência no subarrendamento, que surge a mensagem; é perante a conjugação dos aludidos factores - insistência na proposta, idade, sexo, nacionalidade-, que surge a comunicação. Inexiste, pois, dúvida fáctica ou normativa quanto à existência de um comportamento voluntário; ainda, que o significante e fundamentante do conteúdo escrito é reconduzível (é apto) a ofender a honra e consideração do seu destinatário, no âmbito das negociações encetadas e no contexto relacional em apreço, o que se apresenta suficiente para concluir pela actuação ilícita e por uma conduta discriminatória, que, por sua vez, ante a relação de comissão, responsabiliza a Ré, na qualidade de comitente (artigo 483.º, 487.º, 499.º e 500.º do Código Civil). Aqui chegados, Importa atender às consequências normativas de tal acto ilícito. Inexiste qualquer sanção específica para a discriminação do arrendamento [o critério normativo em apreço não é mais do que uma repetição de outros diplomas referentes à proibição de discriminação, v.g. Lei n.º 93/2017, Lei n.º 14/2008], razão pela qual a mesma se reconduz ao direito da indemnização da lesada, por danos não patrimoniais, a título de responsabilidade civil extracontratual nos termos gerais (artigo 483.º e seguintes do Código Civil). Nesse conspecto a pretensão de celebração do contrato de arrendamento entre as partes, nos termos e condições estabelecidas, rectius projectado / proposto pela Autora não possui, pois, fundamento normativo. Sem prejuízo da pretensão ressarcitória, obrigar certa entidade a contratar com outrem apresentar-se-ia uma quebra na autonomia privada, estranha ao sistema normativo. Veja-se, exemplarmente, que, mesmo no âmbito da responsabilidade pré-contratual, que, a tutela positiva (interesse contratual positivo ou tutela positiva da confiança) se encontrará excluída normativamente, sem prejuízo de mecanismos correctivos de certa actuação que se repute abusiva, enquanto válvula de escape. Explicite-se que, no caso judicando, não está em causa aquela responsabilidade pré-contratual, porquanto não se retira do circunstancialismo fáctico apurado que a Fundação se tivesse vinculado a qualquer quadro negocial, nem qualquer actuação abusiva, que implique irrelevar do ponto de vista jurídico o efeito de certo comportamento abusivo (isto, por referência ao artigo 334.º do Código Civil). Normativamente visa-se salvaguardar o espaço de liberdade dos sujeitos, sem simultaneamente deixar de atender ao lesado, mas aqui, admitindo-se o ressarcimento (tutela indemnizatória). Ergo, sem necessidade de maiores considerandos, tal pretensão (celebração do contrato de arrendamento projectado e proposto por parte da Autora) não se apresenta procedente. Prosseguindo. Quanto à tutela indemnizatória dos danos não patrimoniais, ou seja, referentes aos males sofridos com a actuação lesiva de outrem, sendo que aqueles só são compensáveis, através de um critério objectivo de gravidade e determináveis através da consideração de critérios jurisprudenciais vigentes e mobilizáveis em casos análogos, conforme n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil, e através de um juízo equitativo, tendo em conta as especificidades do caso judicando, nos termos do n.º 1 do artigo 496º do mesmo diploma. Está em causa a tutela do sujeito, nas várias dimensões da sua concreta existência e do desenvolvimento da sua personalidade, em ordem e em função do princípio da dignidade da pessoa humana e de protecção civil da personalidade, ante a ocorrência de prejuízo insusceptível de avaliação pecuniária. Importa, pois, atender às perturbações emocionais resultantes do acto ilícito em apreço, sendo que estamos perante dano grave, merecedor da tutela do direito, aquele que sai da mediania, ultrapassa as fronteiras da banalidade, segundo um critério objectivo concordante com um padrão de valoração ético cultural aceite numa determinada communitas, num certo momento histórico e atendendo ao circunstancialismo do caso judicando. Volvendo ao caso judicando, Ante a matéria de facto apurada, não se pode concluir que estamos perante uma hiperbolização da percepção subjectiva da própria lesada (Autora) nem que se trate de mera contrariedade ou prejuízo que não assuma significado; a contrario, a humilhação, vergonha e perturbação emocional sentida assumem a requerida gravidade objectiva. Resta, pois, ajuizar pelo respectivo quantum. O montante de indemnização é fixado, segundo um critério de equidade, o que implica que se atenda ao condicionalismo do caso judicando, com vista a alcançar uma solução equilibrada, através das regras de boa prudência, de bom senso, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, no ser-se e no ser-com-o-outro, onde regem critérios referentes à natureza, intensidade e gravidade do dano, com vista à compensação do lesado e uma satisfação que que atenue ou diminua sofrido - função compensatória. Mobilizando-se, ainda, critérios referentes ao grau de culpabilidade / censurabilidade, situação económica do agente e do lesado, função sancionatória, esta, que visa complementar aquela primeira função [compensatória]. Considera-se, pois, as restrições comportamentais descritas (vergonha, humilhação, perturbação emocional), a necessidade imposta de justificar uma pretensão negocial (mesmo que não fosse aceite) através de formulação ofensiva, a circunstância de a Ré ser proprietária do aludido prédio e correlativos frutos (rendimentos retirados), ajuizando-se, equitativamente, uma indemnização de 4.000,00 €. Conforme os critérios e fundamentos normativos supra-referidos: Condeno a Ré, ao pagamento à Autora da quantia de 4.000,00 € (quatro mil euros), a título de danos não patrimoniais. No mais, absolvo do(s) pedido(s) a Ré. * IV – Fundamentação de Direito a) Iniciando a apreciação do recurso, saliente-se que o que está em causa nos presentes autos é a responsabilidade civil (extra-contratual) por facto ilícito da R., que encontra fonte primordial no art.º 483º e ss. do Cod. Civil. A principal função da responsabilidade civil é ressarcitória; visa reparar os danos sofridos pelo lesado; baseia-se numa ideia de justiça comutativa, pretendendo restabelecer o equilíbrio patrimonial posto em causa com a prática de um facto ilícito e culpa – cfr. Elsa Vaz Sequeira, Cod. Civil da UCP, anotação ao art.º. 483º Na conceção mais comum, são os seguintes pressupostos fundamentais em que assenta a responsabilidade civil extracontratual: o facto ilícito, o dolo ou a culpa, o nexo de causalidade(para que exista obrigação de indemnizar é necessário que o facto ilícito se ligue ao agente através de um nexo de imputação de natureza subjectiva (culpa) e que o dano se ligue ao facto por um nexo de causalidade) e o dano. b) O facto ilícito resulta, na tese da decisão recorrida, da circunstância de a R. (ou melhor, aquele que a decisão recorrida concluiu como sendo seu representante), nas negociações preliminares à celebração de um contrato de arrendamento, ter escrito à A. uma mensagem perguntando (facto provado 17): (…) Os subarrendamentos criam algumas dúvidas e reticências sobre os mesmos. Da fundação perguntaram que tipo de subarrendamento será? Amigas? Estudantes? Prostituição? Desculpe a minha franqueza mas é para que fique tudo bem transparente. (…) Todavia, a consideração daquela atuação como facto ilícito, constitui neste recurso apenas matéria de direito, uma vez que os factos que a sustentam terão sido praticados mediante documentos escritos (as mensagens trocadas entre a A. e a aquele que a sentença considerou representante da R.), não exigindo por isso a aferição da impugnação da matéria de facto. Já quanto para a verificação do requisito “dano”, a factualidade que o sustenta está contida exclusivamente no facto provado 28, o qual é alvo de impugnação por parte da R., nas conclusões 12ª e 13ª. c) Também fica (por ora) por apreciar, a questão de saber se a pessoa que interveio nas negociações com a A. (F. J. ), e que praticou o facto avaliado como ilícito pela sentença, mantinha uma relação fáctico-jurídica com a R., que permitiu à decisão recorrida imputar o seu comportamento à R.; todavia, por razões de facilidade na exposição, iremos nesta fase considerar que o mesmo F. J. atuou como comissário, no interesse da R., pelo que sempre que nos referirmos aos comportamentos praticados pelo mesmo F. J. como tendo sido praticados pela R., procederemos de forma hipotética (isto como dissemos, apenas por razões de simplicidade, ainda sem tomar posição definitiva sobre a questão). d) Assim sendo, iremos começar por apreciar a impugnação da matéria de facto, quanto ao facto provado n.º 28 (apreciar o recurso (conclusões 12ª e 13ª), regressando posteriormente se necessário às restantes questões (e conclusões). Recorde-se que é o seguinte o teor do facto provado 28: 28 - Ante a actuação da ré, a Autora sentiu vergonha, humilhação e sofrimento psicológico (psíquico), sentindo receio de não conseguir celebrar o acordo de arrendamento da aludida fracção e de não conseguir aceder a outra habitação.” Para a fundamentação deste facto como provado, escreveu a decisão recorrida, numa única frase, que “No que concerne aos estados subjectivos da Autora atendeu-se ao teor da expressão proferida, à luz de critérios de experiência, o contexto em que foi proferida e, ainda, as declarações de parte da Autora, resultando a humilhação, vergonha e perturbação emocional (não se olvida, é certo, o contexto das declarações de parte, nem a referência a situações exógenas à própria Ré e a F. J. ). e) A fundamentação da sentença quanto a este facto surge como escassa, se tivermos em conta a essencialidade deste facto provado n.º 28 (uma vez que é o único que permite configurar o dano), que as declarações da A. constituem a única prova produzida relativamente ao mesmo facto, e ainda comparativamente com o raciocínio desenvolvido pela sentença para não valorar as declarações de parte dos representantes da R., ali revelando mais completo raciocínio, e concluindo que as mesmas não alcançam “o standard de prova exigível”; a sentença deveria ter sido ser desenvolvido um esforço acrescido no sentido de fundamentar de forma mais completa porque razão as declarações de parte atingiram esse “standard de prova”, não reconhecido aos representantes da R. f) Continuando, justifica então em primeiro lugar a sentença ter considerado como verificados os “estados subjectivos” da A. face “ao teor da expressão proferida, à luz de critérios de experiência”, A sentença não desenvolve nem que “critérios” considerou nem de que “experiência” se trata, tornando mais árdua a sua avaliação. Aparentemente, pretenderá a decisão recorrida defender que os dados da experiência nos revelam que a pergunta colocada sobre se o sub-arrendamnto seria para prostituição, provoca danos no recetor. Ora, uma coisa é considerar que determinada conduta é em si mesmo desadequada, e mesmo ilícita “por atuar o destinatário da comunicação em detrimento do da sua honra e consideração”; outra é afirmar que os “critérios da experiência” nos dizem que essa conduta (ainda que desadequada ou mesmo ilícita, ilegal, etc.) provocou um dano. g) O que os dados da experiência nos dizem, é que na fase pre-contratual, as partes naturalmente querem conhecer-se, e procuram obter o maior número possível de informações sobre o outro, designadamente no caso do arrendamento, em que o contrato tem uma duração prolongada no tempo, e implica a utilização por um terceiro (normalmente, como no caso, um desconhecido) de uma coisa que pertence ao património do locador. Em especial, se o interessado na celebração do contrato de arrendamento afirma que pretende sub-arrendar a outras pessoas, o que será mais comum é o proprietário do imóvel desenvolver um conjunto de perguntas para saber em que condições (de que forma, a quem, com que finalidade, etc.) se destinará esse “sub-arrendamento”, uma vez que – a conferir tal faculdade - irão ocupar imóvel outras pessoas ainda mais desconhecidas do proprietário (uma vez que não serão por si escolhidas, mas sim pelo arrendatário). E sendo esse o comportamento normal e mais comum entre 2 possíveis contraentes, pode ocorrer perfeitamente uma conversa (repete-se, pré-negocial) entre duas partes tendo em vista a celebração de um contrato de arrendamento, em que se procuram saber quais as finalidades que a outra parte tem em vista (por exemplo, como no caso, se é para amigos, estudantes, ou até prostituição). E é perfeitamente possível que o recetor considere perfeitamente natural e aceitável que sejam feitas todas aquelas perguntas, sem que se sinta minimamente ofendido, percebendo que a pergunta não contém qualquer valor negativo sobre a sua pessoa, mas sim constituindo o comportamento do proprietário cauteloso e zelador do seu património que pretende saber que utilização do mesmo vai ser feita, não ficando minimamente ofendido com a mesma, até porque também a faria terceiros, caso se estivesse no papel de possível futuro proprietário. Assim, não se pode fundamentar a conclusão de que a pergunta “é para prostituição?” provoca danos à “luz de critérios de experiência”, uma vez que esta não permite estabelecer um efeito necessário entre a afirmação proferida e o dano; admite-se que o possa provocar (isto é, seja apta para o efeito), mas não que inevitavelmente o produza. h) E quanto à referência ao “contexto”, que a decisão recorrida também convoca para considerar (fundamentar) que aquela afirmação produziu um dano, discordamos da mesma, uma vez que concluímos precisamente pelo contrário; o contexto parece é levar a concluir que a afirmação produzida, no contexto em que ocorreu, não produziu dano no recetor (no caso a A.). Recorde-se que no caso, à pergunta que constituirá o facto ilícito “é para prostituição” não surge de modo gratuito; o inquirido (que se considerou representante da R.) não faz aquela pergunta se a A. se se dedica à prostituição sem qualquer propósito (por exemplo por a A. ter determinado sexo ou nacionalidade); o contexto que deve ser considerado, é aquele que considerámos acima como normalmente adotado quando o proprietário de um imóvel o coloca no mercado para arrendamento: procura assegurar-se que a utilização do locado se processa com normalidade, sem a criação de problemas. A pergunta do “negociador” do contrato de arrendamento surge na sequência dos contactos mantidos com a A., nos quais esta insiste na questão do sub-arrendamento, (factos provado 11, e 14), tendo a A. perguntado à R. sobre a possibilidade de hospedar um colega e subarrendar os restantes quartos (facto provado 16); a pergunta que a decisão recorrida considerou como provocadora de danos à A., surgiu “ante a insistência na proposta /cláusula de subarrendamento por parte da Autora” – facto provado 17. i) Aliás, a A. percebeu isso mesmo; tanto que ao invés de se mostrar ofendida (como é natural quando se sente “vergonha, humilhação e sofrimento psicológico” ), respondeu “pretendo subarrendar quartos, com a finalidade exclusiva de habitação”, e ainda que “Acho inclusive preferível, já que essa questão está suscitando dúvidas e receios por parte do(s) proprietário(s), que os termos de permissão do subarrendamento constem expressamente no contrato de arrendamento (posso elaborar uma cláusula com essa finalidade e enviar para sua aprovação). E para ser bastante explicita e transparente com relação a isso: não pretendo fazer mau uso do apartamento nem muito menos violar as cláusulas do contrato de arrendamento ou as normas de convivência do condomínio. Então não: o subarrendamento não se destina à prostituição nem nenhuma outra prática controversa, muito menos ilegal. Eu vou residir e trabalhar no apartamento, então serei bastante criteriosa com as pessoas para quem vou subarrendar, dando preferência a amigas e pessoas com o perfil de convivência similares ao meu (ou seja, pessoas calmas e organizadas, que trabalhem e/ou estudem, etc.). j) Ou seja, a A. não só não revela, na 1ª reação àquela pergunta, qualquer ofensa (isto é, um comportamento exterior do qual se possa inferir que ficou humilhada, vexada, em sofrimento), como parece avaliar as perguntas feitas como perfeitamente naturais, no assinalado quadro pré-negocial de um contrato de arrendamento, escrevendo palavras nas quais expressa compreensão pelas preocupações resultantes das mesmas perguntas quanto ao fim do sub-arrendamento, procurando tranquilizar o futuro locador quanto ao bom uso que tenciona dar ao imóvel. Em suma, o contexto em que ocorreu a pergunta não determina (nem sequer favorece) a conclusão de que aquela pergunta tenha provocado danos à A. k) Resta, apreciar, como prova da qual resulta a existência dos danos, as declarações de parte prestadas pela A., sendo essa a única prova efetivamente produzida quanto ao art. facto provado 28º. Preliminarmente recorde-se que, nos termos do artigo 466 n.º 3 do Cod. Proc. Civil, o tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão. Como se compila e resume no Ac. deste HYPERLINK "https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/cb9177d619e94c5e8025812a003ee850?OpenDocument&Highlight=0,18591%2F15" deste TRL de 26.4.2017, proc. n.º 18591/15 (relator Luís Filipe Sousa), no que tange à função e valoração das declarações de parte existem três teses essenciais: (i) tese do caráter supletivo e vinculado à esfera restrita de conhecimento dos factos; (ii) tese do princípio de prova e (iii) tese da autossuficiência das declarações de parte (para uma resenha completa destas posições cfr., o artigo disponível online, da autoria do identificado relator daquele acórdão, com título “Declarações de parte. Uma síntese, Abril de 2017”. No caso, o tribunal retira a prova do facto provado n.º 28 somente das declarações de parte, não tendo sido produzida qualquer outra prova que o confirmasse, pelo que o depoimento da A. em julgamento não poderia sustentar, por si só, a mesma factualidade, quer na (i) tese do caráter supletivo e vinculado, que na tese (ii) do princípio de prova. l) Mas mesmo na tese acima menos exigente no sentido de conferir relevante valor probatório às declarações de parte (a referida tese da auto-suficiência, por exemplo defendida por Geraldes, Pimenta e Sousa, no comentário 11. ao art.º 466º no Cod. Proc. Civil anotado, vol. I, p. 574), é evidente que, para além do cuidado que deve presidir a sua avaliação, as mesmas declarações não podem ser contrariadas por outros elementos resultantes do processo. m) Vejamos então a essa luz, as declarações de parte da A. A R., no seu recurso, dos trechos que indica, retira a conclusão de que do depoimento prestado pela autora em julgamento, não é que tenha ficado magoada com as perguntas formuladas pela R. no sentido de apurar a finalidade do julgamento (em especial, se era para prostituição) mas sim que a A. ficou insatisfeita por ver as suas expectativas defraudadas, ao não ter conseguido chegar a acordo com a R, quanto ao clausulado do contrato de arrendamento, concretamente, a autorização para o subarrendamento e a possibilidade de renovação do prazo contratual. E é efetivamente isso que resulta não só das declarações de parte, como do contexto que rodeia estes autos Para já, diga-se que – quanto à discriminação – apesar de ser inevitável a imediata constatação que a A., para além de mulher, tinha a nacionalidade brasileira (que terá surgido logo na 1ª visita, atenta a evidente forma de falar português pelos naturais do Brasil que a A. revela na audição das suas declarações), nem por isso cessaram as negociações entre as partes, que se prolongaram por vários dias, com sucessivas apresentações de propostas e contra-propostas; se a R. quisesse discriminar a A. por ser mulher e brasileira, então teria dado por terminadas as negociações logo após a visita (momento em que repete-se – necessariamente se ficou a conhecer o sexo e a nacionalidade da A.); não foi isso que manifestamente ocorreu, como resulta da matéria de facto provada. n) E essa tese da A., no sentido de que as negociações não se concluíram por causa da “discriminação” (é isso, e não propriamente o vexame ou humilhação provocadas pelas perguntas da R., que defende nestes autos, mormente na petição inicial) é especialmente rebatida por resultar com evidência dos autos que a R. seguramente não discrimina os seu arrendatários com base no sexo nem na nacionalidade, em especial quando os mesmos são mulheres e têm nacionalidade brasileira! Tal o revela a circunstância de a R. ter outros 2 imóveis arrendados a cidadãs da mesma nacionalidade – facto provado 29. o) E em relação ao próprio negociador do contrato (F. J. ), a A. declara expressamente que o mesmo, num primeiro o meu contacto pessoal (momento em que este inevitavelmente se apercebeu pelo sotaque a nacionalidade da A.), foi sempre amistoso, que não teve nenhum problema, que foi gentil, que nunca não actou de forma, pessoalmente discriminatória em relação a mim, nenhum momento. As negociações não chegaram a bom termo por causa do sexo e nacionalidade da A., mas sim porque as partes não acordaram quanto ao prazo mínimo de celebração do contrato, sendo as explicações apresentadas pela R. na missiva constante do facto provado 27, perfeitamente compreensíveis aceitáveis: as alterações ao Código Civil - designadamente o novo prazo de 3 anos para a oposição pelo senhorio à renovação do contrato (art.º 1097º, 3, introduzido em 2019), fizeram com que modificasse a sua anterior prática quanto ao período mínimo de arrendamento para os novos arrendatários, de forma a poder avaliar o comportamento desse arrendatário no 1º ano; assim como, pela parte da A., percebe-se perfeitamente que o prazo de 1 ano não lhe convinha, porque para efeitos do rendimento comercial que pretendia retirar dos sub-arrendamento, necessitaria de investir em obras, cujo valor poderia não recuperar num tão curto espaço de tempo (precisava de ter garantia que o contrato seria por mais tempo para ter retorno financeiro). p) Por outro lado, como referimos supra, mesmo na tese da auto-suficiência das declarações de parte, é necessário que as mesmas não sejam de algum modo contrariadas por outros elementos recolhidos no processo. No caso, o que resulta dos factos provados, é que a A. adotou um comportamento contrário ao de uma pessoa que sofre vergonha humilhação e sofrimento psicológico em virtude da pergunta que lhe foi feita. Como já resulta do que escrevemos supra, quando alguém é envergonhado, humilhado por um terceiro, que assim lhe provoca sofrimento psicológico, procura afastar-se do ofensor. A A., não revelou exteriormente qualquer distúrbio ou perturbação pela pergunta; bem pelo contrário, como já referimos supra, reagiu no sentido de a compreender face ao contexto pre-negocial do contrato de arrendamento, procurando tranquilizar a R. especificamente quanto à questão da utilização dos espaços que pretendia sub-arrendar. E ainda desenvolveu todos os esforços para manter uma relação contratual duradoura (o contrato de arrendamento) com o pretenso ofensor. Esse propósito é revelado não só na manutenção dos contactos com a R. (sem revelar em nenhum momento - anterior ao fracasso das negociações - a mínima perturbação pela pergunta feita), como ainda na circunstância de a A. pretender nestes autos retirar de uma pretensa discriminação (a qual concluímos supra como não tendo ocorrido), a condenação da R. a celebrar o mesmo contrato nas condições por ela pretendidas. Note-se que logo no 31-11-21 (isto é, no dia seguinte à R. declarar que não estava interessada em celebrar nas condições pretendidas pela A.) a A. instaurou procedimento cautelar não especificado pedindo que, sem audiência prévia da Requerida, “seja ordenado que esta se abstenha de firmar qualquer contrato de arrendamento relativo ao imóvel em questão” (de forma a garantir que o imóvel se mantinha para a própria disponível, o qual foi indeferido liminarmente). q) E quanto ao 2º segmento do facto provado n.º 28, se se admite que a A. tenha sentido “receio de não conseguir celebrar o acordo de arrendamento da aludida fração”, já a parte em que se afirma no mesmo facto provado “receio (….) não conseguir aceder a outra habitação”, surge contrariado por outros elementos constantes dos autos, os quais afastam até que o fim primordial pretendido pela A. fosse sequer a sua habitação; Assim, o que a A. afirmou no articulado de 11-2-2023 (ref citius 443700988) e em sede de julgamento, é que a para além da sua atividade como advogada, tem uma sociedade unipessoal (N. D. Lda) que se dedica à atividade de arrendamento de quatros ou partes de imóveis (designadamente por sub-arrendamento). Daqueles elementos não resulta que a A. tenha sentido receio de não “conseguir aceder a outra habitação”, até porque, como declara naquele articulado, já vivia num quarto de outro imóvel cujos sub-arrendamentos de outros espaços são explorados pela referida empresa; A A teve receio é de perder uma fonte de rendimento para a sua empresa, o que não constitui um dano não patrimonial indemnizável nos termos do art.º 496º do Cod. Civil. r) Em suma, considera-se procedente a matéria de impugnação da matéria de facto quanto ao facto provado n.º 28 que passará a ter a seguinte redação: “Ante a actuação da Ré, a Autora sentiu receio de não conseguir celebrar o acordo de arrendamento da aludida fracção”. s) O que resulta da avaliação global que fazemos do processo, é que a ação instaurada pela A. não visa que seja sancionada (e assim reprimida) a alegada descriminação por parte da R. por causa do sexo ou nacionalidade (a qual consideramos que não ocorreu), nem sequer o ressarcimento de danos morais provocados pela mesma pergunta. E independentemente de termos considerado os danos considerados pela sentença como não provados, os mesmos nem sequer foram alegados pela A. no sentido considerado pela sentença; os danos que a A. peticiona na p.i. são os resultantes da não realização do contrato, com uma a obstrução do direito à habitação, e não como resultado direto da pergunta que a decisão recorrida considerou ofensiva – cfr. arts 116º a 119º da p.i. A A - tanto na ação como no procedimento cautelar - o que pretende primordialmente é invocar uma suposta discriminação para obrigar a R. a celebrar um contrato de arrendamento, permitindo assim alargar a sua atividade comercial de sub-arrendamento; os danos realmente sofridos pela A., e sentidos como tal, são a perda dos rendimentos que teria obtido caso tivesse sido celebrado o contrato nas condições que pretendia. Assim, se a A. tivesse aceite as condições propostas pela R. (designadamente quanto ao prazo do contrato e à residência, mas não à nacionalidade, do fiador) o contrato de arrendamento teria sido celebrado. E se tivesse sido celebrado o contrato de arrendamento nas condições pretendidas pela A., com toda a probabilidade, não teria instaurado nem o procedimento cautelar, nem esta ação; o fito e foco da R. não é reagir contra uma discriminação, nem ser indemnizada por um dano não patrimonial; foi conseguir um negócio nas condições que pretendia, tentando impor um contrato com um conteúdo que a parte contrária não desejava. t) A decisão recorrida condenou a R. numa indemnização no valor de 4.0000,00 € para ressarcimento dos danos não patrimoniais causados pela R. Não resultando provado que a A. tenha sofrido “em consequência da atuação a humilhação, vergonha e perturbação”, nem ainda “receio de não conseguir aceder a outra habitação”, falha a verificação do requisito “dano” exigido para que possa nascer a obrigação de indemnizar prevista no art.º 483º e ss. do Cod. Civil. E assim sendo, sem necessidade de apreciação do restante recurso (designadamente quanto à questão de se imputar à R. o comportamento do referido F. J. , e de avaliar se os factos provados permitem concluir pela prática de um facto ilícito), a R. será absolvida do pedido. O recurso é assim procedente. V – Dispositivo Face ao exposto, acordam os juízes da secção cível deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso, e em consequência absolver a Recorrente e R.. da obrigação de pagamento à A. e Recorrida quantia de 4.000,00 € (quatro mil euros), a título de danos não patrimoniais Custas de parte pela A., pela aqui Recorrida. Lisboa, 15 de Julho de 2025 João Novais Cristina Maximiano Micaela Sousa |