Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7362/19.4T9SNT.L1-5
Relator: JORGE GONÇALVES
Descritores: FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO
EXAME CRÍTICO DA PROVA
PROVA INDICIÁRIA
AUTORIA
ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: DECLARADA NULA A DECISÃO
Sumário: - Não basta indicar os meios de prova utilizados, tornando-se necessário explicitar o processo de formação da convicção do tribunal, a partir desses meios de prova, com apelo às regras de experiência e aos critérios lógicos e racionais que conduziram a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido, pois só assim será possível comprovar se foi seguido um processo lógico e racional na apreciação da prova ou se esta se fundou num subjectivismo incomunicável que abre as portas ao arbítrio.
- A nulidade, resultante da falta ou insuficiência da fundamentação, só ocorre quando não existir o exame crítico das provas e não também quando forem incorrectas ou passíveis de censura as conclusões a que o tribunal a quo chegou, posto que, percebidas as razões do julgador, podem os sujeitos processuais, com recurso, quando tal for necessário, ao registo da prova, argumentar para que o tribunal de recurso altere a matéria de facto fixada.
- A eficácia probatória da prova indiciária está dependente da verificação de quatro requisitos, a saber: a prova dos indícios; concorrência de uma pluralidade de indícios; raciocínio dedutivo entre os indícios provados e os factos que deles se inferem, devendo existir um nexo preciso, directo, coerente, lógico e racional.
- A falta de concordância ou irracionalidade deste nexo entre o facto base e o facto deduzido tanto pode ter por fundamento a falta de lógica ou de coerência na inferência, como o carácter não concludente por excessivamente aberto, débil ou indeterminado, impondo-se que o  tribunal explicite na sentença o raciocínio em virtude do qual, partindo dos indícios provados, chega à conclusão da culpabilidade do arguido.
- A defesa do arguido deve contemplar todas as expectativas admissíveis, tanto relativamente aos factos a apreciar, como à qualificação jurídica dos factos, cujo direito de a discutir e dela discordar deverá ser assegurado, através do exercício pleno do contraditório.
- A requalificação da participação do agente, de co-autor para autor, não traduz qualquer alteração não substancial dos factos, e “em nada atropela direitos do arguido, não havendo lugar ao cumprimento do formalismo legal do art. 358.º, n.º1, do C.P.P.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório
1. No processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 7362/19.4T9SNT, procedeu-se ao julgamento dos arguidos LF, conhecido pela alcunha de “Rato”, EF , conhecido pela alcunha de “Pacheco”, RS , AF  , e VS , todos melhor identificados nos auros, acusados pelo Ministério Público da prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-C anexa a esse diploma legal.
Ao arguido LF  foi também imputada a prática, em co-autoria, de um crime de coacção agravada, p. e p. pelos artigos 154.º, n.° 1, e 155.°, n.° 1, al. a), do Código Penal.
Realizado o julgamento, foi proferido acórdão que decidiu nos seguintes termos:
«Julga este Tribunal Colectivo parcialmente procedente a acusação deduzida pelo Ministério Público e, consequentemente, decide:
Condenar LF  pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. peio art. 21.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela l-C anexa a esse diploma legal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;
Não suspender a execução desta pena de prisão.
Condenar EF  pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. peio art. 21.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela l-C anexa a esse diploma legal, na pena de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão:
Não suspender a execução desta pena de prisão.
Condenar RS  pela prática, em autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. peio art. 21.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela l-C anexa a esse diploma legal, na pena de 4 (quatri anos e 6 (seis) meses de prisão:
Não suspender a execução desta pena de prisão.
Condenar AF   pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.°, al. a), do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, com referência ao respectivo art. 21.°, n.° 1, e à tabela l-C anexa a esse diploma legal, na pena de 1 (um) ano e 7 (sete) meses de prisão:
Suspender a execucão desta pena de prisão por um período de 1 (um) ano e 7 (sete) meses, acompanhado de regime de prova, devendo a arguida cumprir o piano de reinserção social a efectuar, e ainda responder a convocatórias do magistrado responsável pela execução e do técnico de reinserção social, receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência, e informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego.
Condenar VS  pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.°, al. a), do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, com referência ao respectivo art. 21°, n.°1,e à tabela l-C anexa a esse diploma legal, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão;
Suspender a execucão desta pena de prisão por um período de 1 (um) ano e 3 (três) meses, acompanhado de regime de prova, devendo a arguida cumprir o plano de reinserção social a efectuar, e ainda responder a convocatórias do magistrado responsável pela execução e do técnico de reinserção social, receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência, e informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego.
Absolver LF  da prática, em co-autoria, de um crime de coacção agravada, p. e p. pelos arts. 154.°, n.° 1, e 155.°, n.° 1, al. a), do Código Penal.
Absolver AF   da prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela l-C anexa a esse diploma legal.
Absolver VS  da prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-C anexa a esse diploma legal.
(…)»
2. Os arguidos LF , EF  e RS  recorreram do referido acórdão, finalizando as suas motivações com as seguintes conclusões (transcrição das conclusões):
2.1. Recurso de LF :
1. Enferma em nosso modesto entendimento o douto acórdão de nulidade por falta de fundamentação.
2. Fazendo a leitura da motivação do douto acórdão recorrido vislumbramos (com todo o respeito que nos merece o douto tribunal a quo) um texto de motivação confuso e pouco claro, que de per si não permite objectivamente concluir porque meios e com que objectivos critérios chegou o douto tribunal a quo à conclusão de onde resultou a condenação do recorrente pelos crimes porque veio a ser condenado.
3. Ora, de acordo com o art.° 374°, n° 2, CPP, a fundamentação da sentença penal, é composta por dois grandes segmentos, um consiste na enumeração dos factos provados e não provados, outro na exposição, concisa, mas completa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que contribuíram para a formação da convicção do tribunal.
4. Esse mesmo exame crítico deve consistir na explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizado na indicação das razões pelas quais, e em que medida, determinado meio de prova ou determinados meios de prova, foram valorados num certo sentido e outros não o foram, ou seja, a explicação dos motivos que levaram o tribunal a considerar certos meios de prova como idóneos e/ou credíveis e a considerar outros meios de prova como inidóneos e/ou não credíveis, e ainda na exposição e explicação dos critérios, lógicos e racionais, utilizados na apreciação efectuada.
5. O douto tribunal a quo limita-se a fazer referencia a nomes de testemunhas, sem que sequer enuncie claramente a forma como esses depoimentos conduziram à formação da convicção, faltando o exame crítico das provas.
6. Faz referência a mensagens transcritas sem que também indique em concreto a factualidade que deu como assente na ponderação daquelas mensagens.
7. Veja-se a título de exemplo que de toda a motivação não se alcança por exemplo com que fundamentos foram dados como provados os factos 26° e 34° da matéria de facto dada como assente, sendo de todo omissa a fundamentação quanto àqueles.
8. Assim a exigência normativa do exame crítico das provas torna insuficiente a referência àquilo em que o tribunal se baseou, tornando-se necessário saber o porquê, a razão de ser da formação da convicção do tribunal.
9. O dever de indicação e exame crítico das provas, na fundamentação da decisão de facto, exige que o tribunal explicite o processo lógico e racional que seguiu na apreciação das provas que fez (que seja transparente, que se perceba o juízo decisório que fez sobre as provas submetidas à sua apreciação, explicando os motivos pelos quais determinadas provas e não outras - por exemplo, de sentido contrário - o convenceram).
10. Não tendo o tribunal indicado completamente as provas que serviram para formar a sua convicção, nem tendo efectuado o exame crítico de tais provas, existe insuficiente fundamentação da sentença, o que determina a sua nulidade, nos termos do art.° 379°, n° 1, al. a), com referência ao art.° 374°, n° 2, ambos do CPP, o que expressamente se argúi.
11. Destarte, a factualidade dada como provada deverá ser sempre objectiva, concretizando os factos objectivamente imputados bem como posteriormente os meios de prova onde assenta essa factualidade objectivada, sob pena de violação dos mais elementares direitos de defesa do arguido, bem como sob pena de violação e subversão das mais elementares garantias de defesa do arguido em processo penal, violando-se assim o n.° 1 do art° 32° da CRP.
12. Com efeito, a factualidade descrita nos pontos 3°, 5° a 19°, 24° a 26° e 34° dos factos provados, corresponde não propriamente a factos, mas antes a uma imputação genérica, com utilização de fórmulas vagas, imprecisas, nebulosas, difusas, obscuras, que é de evitar de todo em sede de fundamentação de facto, como vem sendo acentuado pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.
13. As afirmações genéricas, contidas no elenco desses "factos" provados do acórdão recorrido, não são susceptíveis de contradita, pois não se sabe em que locais os citados arguidos venderam os estupefacientes, quando o fizeram, a quem; o que foi efectivamente vendido, se era mesmo heroína ou cocaína, etc. Por isso a aceitação dessas afirmações como "factos" inviabiliza o direito de defesa que aos mesmos assiste e, assim, constitui uma grave ofensa aos direitos constitucionais previstos no artigo 32° da CRP.
14. Como vem sendo afirmado pela jurisprudência dominante do STJ, as imputações genéricas, designadamente no domínio do tráfico de estupefacientes, sem qualquer especificação das condutas em que se concretizou o aludido comércio e do tempo e lugar em que tal aconteceu, por não serem passíveis de um efectivo contraditório e, portanto, do direito de defesa constitucionalmente consagrado, não podem servir de suporte à qualificação da conduta do agente".
15. Pelo que fica dito será de ter por não escritas aquelas imputações genéricas constante dos art. ° 3°, 5° a 19°, 24° a 26° e 34° dos factos provados
16. Acresce que dos autos não resulta que o arguido vivesse sozinho em sua casa, antes pelo contrário, resultando que vivia com várias outras pessoas em sua casa.
17. Assim sendo, não justifica o douto Acórdão ora recorrido com que fundamentos considera como provado que os bens apreendidos em casa do Recorrente (art.°19° dos factos dados como provados) e que não fossem de qualquer outra pessoa aí residente.
18. Não podendo assim ser imputados ao Recorrente os artigos apreendidos descritos no art.° 19° da factualidade dada como assente.
19. Mas relativamente ao valor probatório das intercepções e reprodução de SMS sempre diremos que o ora Recorrente não se conforma, nem se poderia conformar, com o entendimento do Tribunal a quo, no tocante a esta matéria, perfilhando entendimento diverso levado a cabo por alguma Doutrina e Jurisprudência.
20. O legislador processual-penal intitula as «escutas telefónicas» como um dos «meios de obtenção da prova», sendo assim as mesmas meios de obtenção da prova, não constituindo elas em si a prova do crime.
21. A mera transcrição das intercepções telefónicas não constituem de per si prova documental, pois isso seria fazer “entrar pela janela o que não entra pela porta", subvertendo o espirito da lei processual penal.
22. Mas, ainda assim, admitindo que as transcrições das intercepções telefónicas processualmente válidas constituem em si um meio de prova documental apto a ser valorado pelo Tribunal e assim um instrumento idóneo de convencimento do Tribunal, sempre diremos que esse instrumento apenas deverá ser utilizado quando corroboradas/sustentadas por qualquer outra prova. 
23. Pois, como meio de prova documental, a transcrição de intercepção telefónica, apenas prova que num preciso dia e hora uma certa pessoa proferiu uma determinada locução.
24. A transcrição de uma intercepção telefónica ou SMS, não prova de modo algum, que o facto a que esta se refere tenha efectivamente ocorrido, e muito menos, prova, que tenha sucedido nos precisos termos/circunstâncias, indicados pelo autor da locução.
25. Desta forma, a conversa em si, gravada validamente e transcrita, apenas poderá valer como elemento de prova quando valorado em confronto e sustentado com os demais elementos de prova.
26. E apenas, nesses termos, quando valorada em confronto com os demais elementos de prova, a transcrição de uma intercepção telefónica ou SMS, ou a localização e activação de células, é susceptível de constituir uma das premissas atendíveis na prova indirecta.
27. Por outro lado, e em relação às transcrições de SMS, ou localizações, estas são ainda mais fragilizadas quando comparadas com as intercepção telefónicas, uma vez que apenas atestam que aquela mensagem escrita foi envida através daquele determinado numero, ou que o telefone se encontrava naquele local, não atestando de forma alguma, sequer, qual o autor daquela concreta mensagem, ao contrário do que acontece com a intercepção telefónica, através da qual se poderá eventualmente identificar a voz.
28. Não atestando também que se trata de um facto consumado e não apenas de um acto preparatório não punível aos olhos da lei.
29. Nenhuma prova foi carreada para os autos que corrobore suficientemente a participação do Arguido ora Recorrente nos factos em apreço.
30. Nomeadamente nenhuma testemunha assistiu aos factos.
31. Não foram recolhidas imagens de vigilância, não foram efectuadas provas por reconhecimento ou reconstituição.
32. Mais acresce que, não foi recolhido nenhum vestígio identificativo do Arguido ora Recorrente nos locais onde alegadamente praticou os factos.
33. Ora, o salto lógico, que o Tribunal a quo deu não era de todo permitido.
34. Não tendo sido produzida qualquer prova directa de que o Arguido praticou os factos ou qualquer outra prova que corrobore o teor das localizações, jamais o Tribunal a quo poderia ter condenado o Arguido ora Recorrente da forma como o fez!
35. É, pois, de concluir no sentido de se verificar, no que ao recorrente respeita, uma ausência de provas válidas e admissíveis - ausência essa impeditiva do exercício dos direitos constitucionais previstos no artigo 32° da CRP, desde logo do seu direito de defesa.
36. Por outro lado, verificando-se a ausência de tal concretização e, mesmo assim, havendo condenação do Recorrente, entende-se, com todo o respeito por melhor opinião, que o Tribunal recorrido, violou, ainda, o principio constitucional de presunção de inocência previsto no art. ° 32°, n° 2 da CRP.
37. Com a violação de tais normativos constitucionais, o Tribunal a quo, e quanto ao ora Recorrente, fez uma interpretação inconstitucional do princípio consagrado no art.° 127° do CPP (livre apreciação da prova).
38. Interpretou-o no sentido de que apesar de não ter conseguido reunir prova suficiente, válida e admissível, de suportar um juízo seguro sobre a responsabilidade jurídico-penal do Recorrente, mesmo assim, e porque o Julgador aprecia livremente a prova segundo a sua convicção e as regras da experiência, e tudo é justificado com base neste principio aparentemente inatacável, o Tribunal condenou o Recorrente.
39. Termos em que deveria ser alterada a factualidade dada como provada nos pontos 3°, 5° a 19°, 24° a 26° e 34° dos factos dados como assentes, devendo daquela factualidade serem retirados os factos de onde se afere ter o Recorrente praticado aquela factualidade, assim se impondo a sua Absolvição.
40. Destarte, e em caso de condenação, entendemos que deveria o Recorrente ter sido condenado pelo crime de tyráfico de menor gravidade.
41. Ora, no caso que nos ocupa, tendo presente a concreta factualidade apurada quanto ao Recorrente, verifica-se que o mesmo não vendeu durante um período temporal muito elevado e que o que fazia em área circunscrita do bairro onde residia. 
42. No que tange às concretas vendas, não refere os factos dados como provados uma única venda concreta.
43. Por tudo quanto se deixou exposto, e o concreto circunstancialismo apurado quanto à prática dos factos, aliado ao facto de o arguido ser consumidor há vários anos, entende-se que a conduta do Recorrente deverá ser subsumida ao crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25. °, e não ao crime previsto no artigo 21. ° do Decreto-Lei n. ° 15/93.
44. Nestes termos, em caso de condenação do Recorrente entendemos que sempre o deverá ser por um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 25°, alínea a) do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22/01, pelo que nesse caso impõe-se a condenação do Recorrente pela prática de tal ilícito criminal, incorrendo em pena de 1 a 5 anos de prisão, devendo ser absolvido o mesmo do crime previsto no artigo 21° do mencionado diploma legal.
45. Ora, a não se atender pela reclamada JUSTIÇA com a absolvição do Recorrente, o que apenas por mero dever de patrocínio neste momento se concebe, sempre se deverá então aferir da justiça da medida e espécie da pena aplicada ao Recorrente.
46. Devemos atender à idade do recorrente, à sua ausência de antecedentes criminais, à sua condição social, económica e cultural, à sua modesta formação e fracos recursos económicos bem como devemos atender a que a medida da pena deve ser atribuída em função da culpa do agente, sob pena de se violar o disposto no 1 e 2 do art.° 40.º e n.° 1 do art.° 71.º, ambos do Cód. Penal, pelo que deve a pena de prisão a aplicar ao recorrente ser mais próxima dos seus limites mínimos, como adiante se argumentará.
47. O recorrente considera a pena em que foi condenado excessiva e prejudicial à sua ressocializaçao.
48. Pela conjugação do n.° 1 do art.° 71° e n.° 2° do art.° 40.º, ambos do Código Penal, verificamos que a medida da pena é feita em função da culpa do agente, bem como das necessidades de prevenção, não podendo a pena aplicada ser superior à culpa.
49. Discordamos que essa posição da prevenção geral incorpore a medida concreta da pena a aplicar, cf. art. ° 71° n° 1 do Cód. Penal.
50. Nos termos do disposto no art.° 71° n° 2 do Código Penal, para a medida concreta da pena concorre por um lado a culpa e grau de ilicitude e por outro lado o escopo da ressocialização do agente.
51. Não será de esquecer que o recorrente é uma pessoa socialmente, familiarmente e profissionalmente inserida, que estava a trabalhar antes destes factos e que não registava quaisquer antecedentes criminais.
52. Por todas estas razões, estamos em crer que deverá ser inferior a pena a ser imposta ao recorrente, não devendo a mesma ultrapassar os limites mínimos legais.
53. Destarte, deveria a pena do Recorrente ter sido suspensa na sua execução. 
54. Estamos em crer que, no recorrente se encontram reunidas as condições necessárias para a aplicação da suspensão da execução da pena, atenta a sua interiorização das consequências da prática de crimes.
55. Certo é que se o recorrente nunca havia experimentado a consequência da prática de crimes, os largos meses de prisão preventiva que já sofreu seguramente já o levaram a experimentar e conhecer outra realidade, demonstrando-lhe o que lhe reserva o futuro caso volte a delinquir.
56. Até porque estamos em crer que com a verdadeira ameaça de prisão que lhe foi feita agora, com uma condenação efectiva, já este ponderará (sem qualquer dúvida) de futuro sobre a prática de qualquer crime, pois certo é que já se apercebeu que ainda que lhe suspendam a pena desta vez, para uma próxima (a haver próxima) já essa pena nunca será suspensa.
57. Mas outra questão existe que nos leva a ponderar pela suficiência da execução da pena de prisão a aplicar ao recorrente, pois se certo é que a finalidade das penas é a ressocialização do arguido, cremos que não apenas essa ressocialização se encontra já em parte cumprida, como no restante poderá ser mais eficaz numa suspensão da execução da pena.
58. Não devemos esquecer que a suspensão da pena de prisão permite a sujeição a um regime de prova, dando assim uma oportunidade ao recorrente, e retirando essa mesma oportunidade se o recorrente não se demonstrar digno da confiança depositada, e sendo certo que em caso de suspensão dessa pena, por ser a mesma superior a 1 ano, sempre obrigaria a um regime de prova.
59. Estamos em crer que um rígido regime de prova se poderia no caso sub judice demonstrar bem mais ressocializador do que a aplicação de uma pena de prisão efectiva.
60. Sendo certo que o regime de prova implicaria necessariamente o acompanhamento por parte das técnicas de reinserção social mas também a imposição de condutas.
61. Pelo que cremos ser o recorrente merecedor do instituto da suspensão da execução da pena que lhe vier a ser aplicada.
62. Violados se revelam, em consequência, salvo melhor opinião, os preceitos legais invocados nas presentes alegações de recurso.
2.2. Recurso de EF :
1.O produto estupefaciente comercializado pelo arguido, ora recorrente era exclusivamente haxixe.
2. Dos factos provados constata-se que o tráfico do arguido ora recorrente era exercido por contacto pessoal com os consumidores, e de pequenas quantidades.
3. Não menos verdade que o haxixe é considerada «droga leve» e, por isso, é menor a sua danosidade social, o que significa que o desvalor de ação não é acentuado, sendo, como era, para ser distribuída por consumidores, o Recorrente, em concreto, não pôs, em causa a saúde das pessoas mais do que o próprio consumo do tabaco poria, o que torna também diminuto o desvalor de resultado.
4. Neste processo, este douto Tribunal Superior, COM MAIS EXPERIÊNCIA, e mesmo mantendo a qualificação jurídica do artigo 21° da «Lei da Droga», expectou uma pena de prisão não efetiva na sua execução, no pressuposto de que, não se alterou, com a acusação e acórdão final, «desconhecendo-se outros factos em concreto que indiciem uma atividade mais significativa por parte dos recorrentes na cadeia de tráfico estabelecida» (cf. Recurso em separado).
5. Aliás, consta da matéria assente HABITOS DE TRABALHO, que se espelham nos vertidos artigos 55° e 59°, sendo certo que em período de pandemia continua com vinculo laboral no referido hospital.
6. Neste particular e atendendo a que o arguido, não tem antecedentes criminais, e se encontra ativo laboralmente, podemos admitir que existe, em concreto, salvo melhor opinião, um juízo de prognose favorável à suspensão da pena de prisão (cf. Decisão de recurso neste processo e AC. Do STJ acima indicado).
7. Pelo exposto e salvo opinião em contrário, deveria o arguido ora recorrente ser condenado pelo crime previsto e punido pelo artigo 25° e não pelo 21° do DL. N° 15/93 de 22.01 numa pena de prisão de 2 anos e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução.
8. Violou-se o disposto nos artigos, 21° e 25° do D.L 15/93 de 22-01, 40n° 1, 71° e 72° do CP, pelo que, deve, a aliás, douta decisão ser revogada nos termos sobreditos.
Nestes termos e nos mais de direito, deve o presente recurso ser considerado procedente por provado, e por via disso, revogar-se o aliás, douto acórdão recorrido, por outro, ainda mais douto, que concedendo provimento ao recurso, pelo menos suspenda a execução da sua pena de prisão, nos termos supra expostos e faça a sã e costumada Justiça.
2.2. Recurso de RS :
1. A alteração no acórdão recorrido da figura da coautoria para a autoria imediata, alterando factos e o elemento subjetivo do tipo do crime, faz incorrer o mesmo em nulidade.
2. Na verdade, alteração no acórdão recorrido da participação do agente constante da acusação, de coautor, para autor, traduz alteração não substancial dos factos, havendo que cumprir o preceituado no n° 1 do art° 358° CPP.
3. A não notificação do arguido da referida alteração da qualificação jurídica antes da prolação do acórdão consubstancia a nulidade da sentença prevista na alínea b) do n° 1 do art° 379° CPP, o que se requer seja reconhecido.
4. Além disso, foi frontalmente contra, sem fundamentar a divergência, da jurisprudência constante no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n° 11/2013 publicado no Diário da República n.° 138/2013, Série I de 2013-07-19.
5. Na verdade, os factos 33° a 37° referem-se a vendas efetuadas e a efetuar a consumidores de haxixe que o procurassem, e que desde 27 de Março de 2019, que fazia essa atividade de venda, sem que para tal fundamentasse quais as provas (para além da guarda e detenção), que consubstanciaram essa decisão fatica.
6. Para já não falar que a investigação ao arguido ora recorrente começou a ser investigada em Junho/Julho de 2019...
7. Quer dizer, não constam explicitadas na decisão, como se impunha, as razões de se ter dado como provada a mencionada factualidade e certo é que o Tribunal Superior tem de conhecer o modo e o processo de formulação do juízo lógico nela contido que determinou o sentido da decisão (os fundamentos) para, sobre tais fundamentos, formular o seu próprio juízo - cfr. Ac. do STJ de 16/01/2008, Proc. n° 07P4565, disponível em www.dgsi.pt.
8. Não o tendo feito, o tribunal recorrido impede o tribunal "ad quem" de sindicar se efetuou (ou não) uma apreciação objetiva da prova produzida, em conformidade com as regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos.
9. Entendemos assim ressalvada melhor opinião, que não se extrai do acórdão revidendo qual o iter lógico e racional prosseguido pelo tribunal a quo no seu processo de decisão, não permitindo, por isso, o aludido controlo sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da mesma, ou seja, o exame do processo lógico-mental subjacente à formação da convicção do julgador não é possível, sendo certo que se exige que os destinatários das sentenças (e o homem médio suposto pela ordem jurídica, estranho aos autos e dotado de uma experiência razoável da vida e das coisas), mormente o ora recorrente, fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido e das razões de uma determinada convicção e que, efetivamente, como salienta Sérgio Poças, "a comunidade tem o direito de saber as razões que sustentam uma decisão judicial, concretamente saber do modo como foi apreciada a prova - questão essencial para a realização da justiça".
10. Face ao exposto, a decisão recorrida também por esta via é nula, considerando o disposto no artigo 379°, n° 1, alínea a), do CPP, pois que não contém todas as menções exigidas no n° 2, do artigo 374°, desse diploma, designadamente a fundamentação, com exame crítico das provas quanto à materialidade supra mencionada, cumprindo ao tribunal a quo a reparação desse vício, o que se requer.
11. Assim se constata, conforme se motivou, e para aí integralmente se remete, que relativamente à atividade de venda direta a consumidores desde 27 de Março de 2019, nenhuma prova existe nos autos mormente escutas telefónicas, para dar como provados estes factos, tanto mais, que o tribunal como acima se arguiu, substituiu a figura da coautoria , pela da autoria.
12. Ou seja: até se poderia admitir em sede de coautoria a venda imputada aos coautores, que fosse transversal ao ora recorrente, posto que por um plano previamente acordado, mas já não assim através da operada alteração não substancial dos factos e qualificação jurídica.
13. Pelo que foram os artigos 21°, 27° 33° a 37°, incorretamente julgados e devem ser eliminados da matéria assente, no que concerne à alegada venda de haxixe desde 27 de Março de 2019.
14. O produto estupefaciente comercializado pelo arguido, ora recorrente era exclusivamente haxixe.
15. Dos factos provados constata-se que o tráfico do arguido ora recorrente era exercido por contacto pessoal com os consumidores, e de pequenas quantidades.
16. Não menos verdade que o haxixe é considerada «droga leve» e, por isso, é menor a sua danosidade social, o que significa que o desvalor de ação não é acentuado, sendo, como era, para ser distribuída por consumidores, o Recorrente, em concreto, não pôs, em causa a saúde das pessoas mais do que o próprio consumo do tabaco poria, o que torna também diminuto o desvalor de resultado.
17. Pelo exposto e salvo opinião em contrário, deveria o arguido ora recorrente ser condenado pelo crime previsto e punido pelo artigo 25° e não pelo 21° do DL. N° 15/93 de 22.01 numa pena de prisão de 2 anos e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução.
18. Ou caso assim não se entende, mesmo sem a alteração da qualificação jurídica, a medida da pena reduzida para os 4 anos e 3 meses de prisão, o que em ambos os casos desde já se requer, mas sempre suspensa com regime de prova.
19. Violou-se o disposto nos artigos, 21° e 25° do D.L 15/93 de 22-01, 121° 358° n° 3, 374° n° 2 e 379° n° 1 do CPP C.P, 18° n.° 2 e 62° da C.R.P pelo que, deve, a aliás, douta decisão ser revogada nos termos sobreditos.
Nestes termos e nos mais de direito, deve o presente recurso ser considerado procedente por provado, e por via disso, revogar-se o aliás, douto acórdão recorrido, por outro, ainda mais douto, que concedendo provimento ao recurso, nos termos supra expostos faça a sã e costumada Justiça.           
3. O Ministério Público junto da 1.ª instância apresentou resposta no sentido de que os recursos não merecem provimento, concluindo (transcrição das conclusões):
A) Alega o arguido RS  que a alteração feita no acórdão recorrido da figura da coautoria para a autoria imediata, alterando factos e o elemento subjectivo do crime, sem que tenha sido cumprido o disposto no n°. 1 do artigo 358°., do Código de Processo Penal, consubstancia a nulidade da sentença prevista na alínea b) do n°. 1 do artigo 379°., do Código de Processo Penal.
B) O artigo 358°, n°. 1, do Código de Processo Penal dispõe que, se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, com relevo para a decisão da causa, o Presidente comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.
C) O mesmo sucede quanto à alteração da qualificação jurídica dos factos descritos, por força do disposto no n°. 3 do mencionado preceito.
D) Ressalva, no entanto, o n° 2 do mesmo artigo, que esta comunicação não tem lugar quando derivar de factos alegados pela defesa.
E) E foi o que sucedeu, in casu.
F) O rol dos factos dados como provados e não provados, com referência para a acusação, resultou da prova produzida em julgamento, mormente da defesa do arguido.
G) Na verdade, não houve alteração dos factos da acusação, mas apenas factos provados e não provados, com referência para a mesma, resultante da prova produzida em julgamento e das defesas exercidas.
H) O arguido, ora recorrente, teve oportunidade, ao longo de todo o julgamento, de se pronunciar sobre os factos que lhe foram imputados, pelo que não foi, de forma alguma, surpreendido com a decisão, que é que os que os referidos preceitos pretendem evitar.
I) Como se constata das actas da audiência de julgamento, a prova produzida durante o julgamento foi gravada, em observância do estatuído no art.° 363.° do C.P.Penal, pelo que os poderes de cognição do tribunal de recurso abrangem a matéria de facto e a matéria de direito - art.° 428.° do C.P.Penal.
J) Os arguidos RS  e LF impugnaram, nos seus recursos, a matéria de facto, invocando erro de julgamento.
K) No entanto, o que se vislumbra nas conclusões das suas motivações de recurso, é uma indemonstrada alegação de erro de julgamento do tribunal colectivo, limitando-se os arguidos a contestar de uma forma genérica a convicção adquirida pelo tribunal recorrido sobre os factos dados como provados, sustentando que este não ponderou adequadamente a prova produzida, fazendo uma incorrecta aplicação do princípio consignado no art.° 127.° do C.P.P.
L) Na verdade, quanto ao recurso do arguido LF, o recorrente não especificou, nem no texto da motivação nem nas conclusões, os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as provas que em relação a cada um deles impõem decisão diversa da recorrida e não indicou concretamente as passagens da gravação em que se funda a impugnação, assim ignorando em absoluto as imposições constantes do art.° 412.°, nos 3, als. a) e b) e 4 do C.P.Penal.
M) Esta omissão do recorrente é susceptível de inviabilizar a possibilidade de apreciação da matéria de facto, visto até o estatuído no art.° 431.°, al. b), do C.P.P.
N) A prova produzida em audiência foi de molde a permitir sustentar a decisão condenatória proferida, como resulta à evidência da indicação e do exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal recorrido, indicação e exame esses que constam do acórdão condenatório em termos tão claros que para ele nos limitamos a remeter.
O) O acórdão recorrido dá suficiente cumprimento ao estatuído no art.° 374.°, n.° 2, do CPP, pois faz a indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal e procede ao seu exame crítico de forma a permitir a apreensão do raciocínio do tribunal na decisão sobre a matéria de facto.
P) As razões e os elementos probatórios apontados no douto acórdão recorrido impunham que o tribunal, de acordo com as regras da lógica e da experiência, concluísse sem margem para dúvidas, como concluiu, estarem provados tais factos.
Q) E porque nada permite afirmar que o tribunal recorrido tenha dado como provados os factos que como tal especificou tendo ou devendo ter dúvidas sobre algum ou alguns deles, é óbvio que não pode invocar-se no caso em apreço a violação do princípio in dubio pro reo.
R) Aliás, analisada a argumentação dos recorrentes nesta parte, o que se constata é que se limitam a pôr em causa a livre convicção do julgador quanto a tal matéria, pretendendo que em lugar dela se coloquem as suas, fazendo uma análise individualizada, “espartilhada” ou estanque da prova produzida, como lhes convém, esquecendo porém, ou parecendo esquecer, que a condenação resultou da análise conjunta de toda a prova produzida, mormente das declarações prestadas pelos agentes da PSP responsáveis pela investigação e pelas apreensões efectuadas, do teor das intercepções telefónicas e das próprias apreensões feitas aos arguidos, vertidas nos respectivos autos.
S) Todos os arguidos recorrentes sustentam que a sua conduta não será subsumível ao artigo 21.° do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, mas ao artigo 25.° do mesmo diploma legal.
T) Cremos que também aqui lhes não assiste razão.
U) O crime de tráfico privilegiado, previsto no artigo 25.° do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, exige, por referência ao tipo do artigo 21.°, n.° 1, do mesmo diploma, que a ilicitude do facto se mostre consideravelmente diminuída em razão de circunstâncias objectivas, designadamente aos meios utilizados pelo agente, a modalidade e circunstâncias da acção e a quantidade e qualidade dos produtos.
V) Mas sempre a ilicitude tem de resultar “consideravelmente” diminuída. O advérbio “consideravelmente” não foi aqui utilizado pelo legislador por acaso. Para o preenchimento da previsão normativa em causa, é essencial que a diminuição da ilicitude possa, de facto, reputar-se de “considerável”, ou seja, de “digna de consideração”, de “notável”, de “grande”, de “importante”, de “avultada”.
W) Ora, da apreciação global do facto, que nos permitirá chegar a esta diminuição da ilicitude “digna de consideração”, por ser notável, grande ou importante, não podem resultar quaisquer circunstâncias decisivamente desfavoráveis ao arguido.
X) Analisando os factos provados, há a salientar a elevada quantidade de estupefaciente aprendido aos arguidos, o qual estes destinavam a venda e o tempo durante o qual se dedicaram, em exclusivo a tal actividade, da qual subsistiram.
Y) Finalmente, escusado será também aqui esgrimir com a propalada “leveza” do haxixe, por contraposição às drogas “pesadas” como a heroína ou a cocaína. A cannabis é, em termos de prevalência de consumo, a droga ilícita mais consumida; é, para muitos, a primeira e única droga consumida; e é ela que, na esmagadora maioria dos casos, abre a porta ao consumo das chamadas drogas “pesadas”.
Z) Assim, a ponderação de todos estes elementos objectivos impõe a conclusão de que, nas circunstâncias do caso, a ilicitude não pode ter-se por consideravelmente diminuída, o que, portanto, afasta possibilidade de subsunção das suas condutas ao art. 25.°, al. a) citado.
AA) Considerando que a moldura penal abstracta do crime de tráfico de estupefacientes em que os arguidos incorreram oscila entre quatro e doze anos de prisão, não nos parece que mereça censura a medida concreta das penas aplicadas - quatro anos e seis meses de prisão, no caso dos arguidos RS  e LF, e quatro anos e três meses de prisão, quanto ao arguido EF .
BB) Estas penas respeitam os limites impostos pela culpa e as necessidades de prevenção, geral e especial, a que se deve atender por força do art. 40.° do Código Penal.
CC) E é manifesto que o tribunal deu adequado cumprimento ao disposto no art. 71.° do Código Penal, pois ponderou, na determinação da medida concreta das penas, as circunstâncias que depunham a favor dos recorrentes e contra eles, designadamente a gravidade da ilicitude do facto típico, o dolo directo com que actuaram, a natureza e quantidade da substância estupefaciente detida, com vista a posterior venda, o período de tempo durante o qual o fizeram, consistindo esta actividade na sua única forma de sustento, assim como a ausência de arrependimento e juízo crítico.
DD) Atento o exposto, e vistas as circunstâncias ponderadas no douto acórdão recorrido, há-de convir-se que as penas concretamente aplicadas aos recorrentes está longe de ultrapassar a medida da sua culpa, corresponderá sensivelmente ao mínimo de pena imprescindível à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias e só na medida fixada se revela adequada a satisfazer a sua função de socialização.
EE) Ou seja, cremos que a redução dessas penas não será sustentável, pois é susceptível de pôr em causa a crença da comunidade na validade das normas jurídicas violadas e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais.
FF) Sustentam também os arguidos-recorrentes que as penas em que foram condenados deviam ter sido suspensas na sua execução, por ser possível, no caso em apreço, formular relativamente a eles um juízo de prognose social favorável.
GG) A pena de prisão fixada em medida não superior a cinco anos deve ser suspensa na sua execução se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, se concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição - art.° 50.°, n.° 1, do C.Penal.
HH) Todavia, para além de tudo o que já acima se referiu, salientamos que se deu como provado no acórdão condenatório, relativamente aos arguidos, terem fraco juízo crítico e não terem mostrado qualquer arrependimento.
II) Não se vislumbra, assim, como fosse possível fazer um juízo de prognose social favorável relativamente aos arguidos, como eles pretendem.
JJ) Acresce que, também à pretendida suspensão se opõem exigências de prevenção geral, pelo alarme geral que os ilícitos de tráfico causam na sociedade e pela intensa lesão dos bens jurídicos que lhes está associada.
Concluindo, dir-se-á, pois, que se nos afigura que os recursos dos arguidos não merecem provimento em nenhuma das suas vertentes.  
4. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que se reporta o artigo 416.º do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de C.P.P.), emitiu o parecer de fls. 1913 e segs, no qual sustentou que os recursos não merecem provimento.
5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º2, do C.P.P. e tendo sido apresentada resposta pelos arguidos EF  e RS  ao parecer referido no ponto anterior, procedeu-se a exame preliminar, após o que, colhidos os vistos, os autos foram à conferência, por deverem ser os recursos aí julgados, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, do mesmo diploma.
II – Fundamentação
1. Dispõe o artigo 412.º, n.º 1, do C.P.P., que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Constitui entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2.ª ed. 2000, p. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 2007, p. 103; entre muitos, os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271; de 28.04.1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, p. 196).
Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem de forma condensada as razões de divergência dos recorrentes com a decisão impugnada, identificamos como questões colocadas nos recursos as seguintes:
Recurso de LF :
- da nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação:
- da pretensão de que se tenham por não escritas as imputações constantes dos n.ºs 3.º, 5.º a 19.º, 24.º a 26.º e 34.º dos factos provados;
- da alegada incorrecta valoração das intercepções telefónicas e da violação do princípio da presunção de inocência;
- da qualificação jurídico-penal dos factos, pretendendo o arguido a sua subsunção ao tipo de crime de tráfico de menor gravidade;
- da determinação da medida da pena e pretendida suspensão da execução da pena de prisão.
Recurso de EF :
- da qualificação jurídico-penal dos factos, pretendendo o arguido a sua subsunção ao tipo de crime de tráfico de menor gravidade;
- da determinação da medida da pena e pretendida suspensão da execução da pena de prisão.
Recurso de RS :
- da nulidade do acórdão recorrido por ter operado uma alteração da qualificação jurídica dos factos sem prévia comunicação ao arguido/recorrente;
- da nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação;
- da incorrecção do julgamento quanto aos pontos de facto provados 21.º, 27.º, 33.º a 37.º;
- da qualificação jurídico-penal dos factos, pretendendo o arguido a sua subsunção ao tipo de crime de tráfico de menor gravidade;
- da determinação da medida da pena e pretendida suspensão da execução da pena de prisão.
2. Do acórdão recorrido
2.1. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
1.º No dia 05 de Março de 2019, pelas 20h15m, na Gare do Oriente, em Lisboa, RC e BP tinham na sua posse 15,400 gramas de canabis (fís./sumidades) e 285,433 gramas de canabis (resina).
2.º OH foi detido e em 27 de Março de 2019 sujeito à medida de coacção de prisão preventiva, à ordem do Proc. n.° 476/19.2GLSNT.
3.º Posteriormente a 27 de Março de 2019, o arguido LF contou com a colaboração dos arguidos EF  - seu cunhado e companheiro da arguida AF   -, AF   - sua irmã -, e VS  - sua prima -, na venda, na localidade de Lisboa, de haxixe que o arguido LF , para tal fim, com a colaboração do arguido EF , adquiria.
Assim,
4.º o arguido EF era contactado, através do telemóvel, por indivíduos, consumidores desse tipo de estupefaciente, que pretendiam adquirir haxixe e, quando não podia proceder o próprio à respectiva entrega, servia-se das arguidas AF e VS  para o entregar aos seus clientes.
5.º Desde 30 de Abril de 2019, o arguido LF encetou contactos com um indivíduo de nome AZ para que este lhe fornecesse bolotas e placas de haxixe, para posterior venda a outros indivíduos.
6.º No dia 30 de Abril de 2019, o arguido LF perguntou a tal AZ se lhe conseguia fornecer 2,5 Kg (dois mil e quinhentos gramas),
7.º e se conseguia colocar uma marca personalizada, sua, com o símbolo do clube de futebol "Juventus", nas bolotas de haxixe que pretendia adquirir.
8.º Ainda nesse dia, tal AZ indicou-lhe que lhe conseguia vender quatro quilogramas por 7.200,00 € (sete mil e duzentos euros).
9.º Esse AZ inicialmente pretendia que o arguido LF  fosse a Granada, em Espanha, para ir buscar o estupefaciente.
10.º No entanto, o arguido LF  indicou-lhe que Granada era muito longe e, a 02 de Maio de 2019, combinaram encontrar-se em Madrid, Espanha.
11.º O referido AZ indicou-lhe que a bolota ia estar em Madrid.
12.º No dia 03 de Maio de 2019, o arguido LF  deslocou-se a Madrid e informou tal AZ de que já se encontrava a caminho.
13.º No dia 05 de Maio de 2019, o arguido LF  indicou a tal AZ que necessitava de 2 quilogramas de haxixe de boa qualidade, do tipo "AMNÉSIA" (o haxixe era subdividido em qualidades, sendo que cada tipo era identificado por um código; no caso das bolotas apreendidas no dia 04.09.2019 aos arguidos LF  e EF , eram identificáveis pelo símbolo "NIKE", aposto como se de um selo se tratasse).
14.º No dia 08 de Maio de 2019, LF  insistiu com o referido AZ que necessitava de 2 quilogramas de haxixe de boa qualidade.
15.º No dia 20 de Maio de 2019, o arguido LF  solicitou a esse AZ mais 2 quilogramas para levar para França, a fim de entregar o produto estupefaciente a outrem e, assim, auferir contrapartidas monetárias não apuradas.
16.º No dia 13 de Junho de 2019, o arguido LF  solicitou 30 quilogramas de haxixe ao referido Azíz e este indicou-lhe que cada quilograma de placa de haxixe ficaria a 2.000,00 € (dois mil euros).
17.º Ainda no dia 13 de Junho de 2019, o arguido LF  indicou a esse Azíz que se encontrava em Portugal, mas que na semana seguinte iria a Paris, em França, e necessitava de produto estupefaciente para transportar.
18.º No dia 08 de Agosto de 2019, o arguido LF solicitou novamente a tal AZ cerca de 10 quilogramas de placa de haxixe, para transportar novamente para Paris.
19.º No dia 04 de Setembro de 2019, o arguido LF  detinha, no interior do quarto onde pernoitava, sito na Rua ... Bairro da Boavista, em Lisboa:
• 1 (uma) bolota de canabis (resina), com o peso líquido de 8,892 gramas, com o grau de pureza de 21,1%, que correspondia a 37 doses individuais;
• 29 (vinte e nove) bolotas de canabis (resina), com o peso líquido de 273,491 gramas, com o grau de pureza de 20,6%, que correspondia a 1126 doses individuais;
• um telemóvel de marca Samsung, com os IMEI … e …
• um Passaporte emitido em seu nome e onde constavam diversas saídas de território nacional para Marrocos, por curtos períodos temporais. 
20.º No seu quarto de dormir, sito na mesma residência, o arguido EF  detinha:
• 5 (cinco) bolotas de canabis (resina), com o peso líquido de 47,175 gramas, com o grau de pureza de 21,8%, que correspondia a 205 doses individuais;
• um telemóvel Samsung, com os IMEI …e…,
• a quantia monetária de 320,00 € (trezentos e vinte euros), em numerário, fraccionado em notas com o valor facial de 50,00 €, de 20,00 €e de 10,00 €.
21.º No dia 04 de Setembro de 2019, pelas 18h20m, junto à sua residência sita na Rua …, na Ajuda, em Lisboa, o arguido RS , que se dedicava à venda de haxixe a indivíduos consumidores desse tipo de estupefaciente, detinha:
• 2,403 gramas de canabis (resina), com o grau de pureza de 18,1%, que correspondia a 8 doses individuais, e
• um telemóvel Samsung com os …e….
22.º O arguido RS  detinha, ainda, no interior da sua residência:
• diversas "línguas" de canabis (resina), com o peso líquido de 33,513 gramas, com o grau de pureza de 18,4%, que correspondia a 123 doses individuais;
• 1 (uma) balança de precisão, com a inscrição "Mini2-200", e 
• 3 (três) rolos de celofane.
23.º Num quarto usado pelo arguido RS  para guardar os seus cães de raça Buli Terrier, o mesmo detinha ainda:
• 2 (duas) placas de canabis (resina), com o peso líquido de 172,762 gramas, com o grau de pureza de 18,2%, que correspondia a 628 doses individuais, e
• um Passaporte emitido em seu nome e onde consta uma saída do território nacional, com passagem por Amesterdão e com destino às Filipinas, onde permaneceu e de onde, dias depois, efectuou o percurso inverso.
24.º Os arguidos LF , EF e RS  dedicavam-se, como supra referido, à venda de haxixe, a indivíduos consumidores desse tipo de estupefaciente, auferindo valores monetários.
25.º Recebido o haxixe, os arguidos LF e EF  vendiam-no em doses individuais aos seus clientes.
Para tanto,
26.º o arguido EF  procedeu, desde 27 de Março de 2019, à venda, aos consumidores deste tipo de produto, de bolotas de haxixe que lhe eram entregues pelo arguido LF  para esse fim.
27.º No dia 28 de Junho de 2019, o arguido EF  avisou RL , consumidor de bolota de haxixe, que já tinha consigo a substância que aquele queria comprar.
28.º No dia 06 de Julho de 2019, o arguido EF  teve, atenta a má qualidade do produto, de trocar haxixe que havia vendido a um indivíduo.
29.º Nos dias 08 e 16 de Julho de 2019, o arguido EF  vendeu haxixe a um indivíduo que, para o efeito, o contactou telefonicamente e se dirigiu a sua casa para ir buscar tal produto.
30.º As arguidas AF  e VS  procediam à entrega do haxixe aos clientes que contactavam o arguido EF , sempre que tal arguido não estivesse disponível para proceder à respectiva entrega.
Assim fizeram,
31.º a arguida AF   nos dias 30 de Junho de 2019, 06 de Julho de 2019, 09 de Julho de 2019 e 12 de Julho de 2019,
32 .º e a arguida VS  no dia 10 de Julho de 2019.
33.º No dia 01 de Julho de 2019 um cliente foi ter com a arguida AF  , a quem, com vista à respectiva troca, uma vez que não tinha boa qualidade, entregou produto estupefaciente que lhe havia sido vendido pelo arguido EF .
34.º Aquando do supra descrito nos pontos 3.° a 33.°, os arguidos LF e RS não desenvolviam qualquer actividade profissional remunerada e o arguido EF  Fernandos deixou de a desenvolver no decurso desse período de tempo, vivendo tais arguidos dos proventos que lhes advinham da actividade de venda de haxixe a indivíduos consumidores desse tipo de estupefaciente.
35.º Posteriormente a 27 de Março de 2019, o arguido RS  cortava em doses individuais o haxixe, em placa, que recebia, doses essas que pesava, com recurso a balança digital, e embalava, com papel celofane, para vender a consumidores desse tipo de produto.
36.º Os arguidos LF , EF , RS , AF   e VS , destinando-o à venda a indivíduos consumidores do mesmo, conheciam as características estupefacientes do produto/haxixe que, de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a respectiva detenção os fazia incorrer em crime, guardavam e detinham, nas circunstâncias que se lhes referem supra descritas.
37.º Os arguidos LF , EF , RS , AF   e VS  agiram sempre, nas circunstâncias que se lhes referem supra descritas, de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei penal e tendo a capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento.
38.º Nada consta do CRC do arguido LF .
39.º Nada consta do CRC do arguido EF .
40.º O arguido RS  já foi condenado pela prática, em 27.112014, de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.°, a!, a), do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 1 (um) ano de prisão, suspensa na sua execução, por igual período de tempo, por sentença proferida em 01.07.2015, transitada em julgado em 16.09.2015; esta pena foi declarada extinta, com fundamento no disposto no art. 57.° do Código Penai, no dia 16.09.2016 (processo n.° 127/14.1SHLSB, do Juízo Local Criminal de Lisboa - Juiz 2).
41.º Nada consta do CRC da arguida AF  .
42.º Nada consta do CRC da arguida VS .
43.º O ora arguido LF  nasceu em 08.07.1990, em Lisboa, é o mais velho de uma fratria de quatro e o seu processo de socialização decorreu no agregado dos progenitores, num contexto familiar afectuoso, coeso e sem restrições económicas, residindo em apartamento T4 atribuído pela Câmara Municipal de Lisboa.
44.º A sua mãe trabalhava como empregada doméstica em casas particulares e o seu pai era pintor da construção civil - entretanto reformado, por invalidez, por ser doente renaí -, o que lhes permitia assegurar as despesas do agregado.
45.º O arguido iniciou o seu percurso escolar com a idade regulamentada e teve um percurso pouco investido nos estudos, registando várias retenções, por falta de assiduidade e de interesse pelas matérias de estudo; com 15 anos de idade, e após concluir o 5.° ano de escolaridade, integrou o Programa Integrado de Educação e Formação de Benfica, tendo frequentado um curso de pastelaria de dupla certificação, onde se manteve durante três anos, mas que não terminou, tendo, no entanto, concluído o 2.° ciclo.
46.º Após, com 18 anos de idade, desistir do percurso académico, trabalhou em limpezas, temporariamente nas vindimas, apanha de fruta e sucata, tendo também trabalhado como mecânico e comprado e vendido veículos usados, que o próprio restaurava para revenda.
47.º Em termos afectivos, teve alguns relacionamentos efémeros e nunca constituiu agregado; é solteiro.
48.º À data dos factos acima descritos a que se refere este processo, integrava o agregado dos seus pais, também constituído pela irmã AF   - ora arguida -, pela irmã NF e por outro irmão, pelo ora arguido EF  - companheiro de AF   -, por duas sobrinhas, pela prima VS  e pelo filho desta, e comparticipava nas despesas do agregado.
49.º O arguido LF  deu entrada no Estabelecimento Prisional de Caxias em 06.09.2019, à ordem dos presentes autos.
50.º Continua a beneficiar do apoio incondicional dos pais, que o visitam regularmente e que lhe disponibilizam apoio económico; recebe também visitas regulares dos irmãos, primos e avó.
51.º Em meio prisional o arguido tem mantido um comportamento adequado às regras instituídas, não registando qualquer medida disciplinar.
52.º O arguido LF  tem fraco juízo crítico quanto aos factos acima descritos a que se refere este processo. 
53.º O ora arguido EF  nasceu em Lisboa, em 29.05.1989, é um de sete filhos de um casal de modesta condição económica e o seu processo de desenvolvimento decorreu no núcleo familiar de origem, existindo forte coesão entre os seus elementos; o seu pai era trabalhador da construção civil e a sua mãe empregada de limpeza; o quotidiano familiar foi marcado por algumas limitações económicas.
54.º EF  ingressou no sistema educativo na idade normal; sofreu algumas retenções nos 5.° e 7.° anos, devido ao desinteresse pelas actividades escolares e ao elevado absentismo; posteriormente ingressou numa acção formativa em marcenaria, que completou com sucesso.
55.ºA sua primeira experiência laboral foi como bagageiro no aeroporto de Lisboa, com vínculo contratual com a empresa “PH”, actividade que manteve durante cerca de dois anos e meio; trabalhou, depois, durante cerca de um ano, como ajudante numa drogaria em Algés; subsequentemente, realizou, durante cerca de seis meses, trabalhos como jardineiro, para particulares, na zona de Algés, que intercalava com tarefas em ferros-velhos; por fim, trabalhou, durante cerca de seis meses, na recolha de resíduos hospitalares, vindo a beneficiar de contrato laborai por tempo indeterminado, actividade de que foi depois dispensado; deixou de desenvolver actividade laboral no decurso do período de tempo em que se verificaram os factos acima descritos a que se refere este processo.
56.º No âmbito da suspensão provisória do Processo n.° 92/13.2T3MFR, cumpriu, na entidade Clube …, em Lisboa, no apoio na área de manutenção, a injunção de prestação de oitenta horas de trabalho cívico, de 21.11.2014 a 27.02.2015.
57.º Com agregado familiar constituído pela companheira de há aproximadamente doze anos - a ora arguida AF   e por dois filhos, actualmente com oito e cinco anos, partilhava habitação com os pais e irmãos da companheira - entre os quais o arguido LF e a irmã NF -, com VS  - ora arguida, prima da companheira e com o respectivo filho, existindo sempre apoio dos vários familiares residentes na habitação.
58.º Esteve preso preventivamente à ordem destes autos, no Estabelecimento Prisional de Caxias, desde 06.09.2019 até 25.11.2019, data em que foi revogada tal medida de coacção, tendo ficado sujeito à obrigação de apresentações diárias na PSP de Alcântara, obrigação que tem cumprido sem registo de situação anómala.
59.º Subsequentemente àquela revogação, voltou a trabalhar na recolha de resíduos hospitalares, na empresa S., com o respectivo contrato a tempo indeterminado.
60.º Mantém a situação familiar já anteriormente registada.
61.º O arguido EF  tem fraco juízo crítico quanto aos factos acima descritos a que se refere este processo.
62.º O ora arguido RS  nasceu em Lisboa, em 19.05.1994, e foi criado com a sua madrinha, que considera como mãe, uma vez que sua a mãe, toxicodependente, faleceu quando era recém-nascido e que com o seu pai, também toxicodependente, teve poucos contactos.
63.º Passou a viver definitivamente com a madrinha a partir dos 16 anos; até lá, viveu momentos de instabilidade e desorganização, uma vez que a avó materna, a quem foi atribuída a sua custódia, mantinha relações conflituosas com a madrinha e frequentemente o retirava da casa desta; na casa da avó, passou dificuldades ao nível das
necessidades básicas e as relações afectivas eram pautadas por agressividade e conflituosidade.
64.º Nesse contexto, apenas concluiu o 5.° ano, acabando por desistir da frequência escolar, durante a qual manifestou problemas comportamentais, como absentismo e conflitos com pares e adultos.
65.º No âmbito de processos tutelares de menores, foi-lhe aplicada a medida de internamento de 4 fins-de-semana em centro educativo, que cumpriu no Centro Educativo da ….
66.º Depois de várias relações afectivas, começou a namorar, há cerca de 8 meses, com a actual namorada, que não habita no bairro onde reside o arguido, mas tem familiares que lá residem.
67.º Nunca desenvolveu actividade laboral e não tem qualquer experiência profissional; cria cães da raça BullTerrier.
68.º Vive com a sua madrinha e com o companheiro da mesma, no Bairro 2 de Maio, na Ajuda.
69.º Não obstante apresente uma postura cordata, o arguido RS  é um indivíduo imaturo, dotado de fraco sentido de responsabilidade, facilmente influenciável, sem hábitos de trabalho e com fracas capacidades para avaliar as situações sociais em que se envolve.
70.º A sua madrinha, com quem mantém uma forte relação afectiva e que tem condições afectivas e socioeconómicas para o apoiar, apresenta uma postura desculpabilizante relativamente ao mesmo, atribuindo a terceiros a responsabilidade pelos seus comportamentos.
71.º O arguido RS  tem uma postura desculpabilizante face ao seu percurso crimina! e revela fraca capacidade crítica relativamente aos seus comportamentos, assumindo uma postura de vitimização e desresponsabilização.
72.º A arguida AF  , nascida em 28.08.1993, em Lisboa, é a segunda de quatro irmãos germanos - entre os quais o arguido LF  e cresceu no seio de uma família de nível socíoeconómíco e cultural modesto, com uma dinâmica coesa e pautada por laços afectivos entre todos os elementos.
73.º Após os pais terem constituído o agregado familiar, permaneceram a residir na habitação de uma avó até há cerca de treze anos, altura em que lhes foi atribuída uma habitação social, T4, no Bairro da Boavista - conotado com problemáticas sociais e criminais -, com condições para alojar todos os elementos da família.
74.º O pai era pintor da construção civil e a mãe era empregada de limpeza, sendo as despesas básicas da família asseguradas sem constrangimentos relevantes até o pai adoecer com doença renal grave, que o impediu de continuar a trabalhar; a situação financeira agravou- -se, posteriormente, pela situação de prisão da mãe, em cumprimento de pena, contexto em que o agregado beneficiou de apoios familiares, tendo aquela prisão ocorrido durante a primeira infância de AF  .
75.º A arguida AF   ingressou no ensino em idade normal e, com várias retenções, completou o 5.° ano de escolaridade aos quinze anos, vendo a família como natural o seu abandono escolar sem completar o ensino obrigatório, não valorizando a elevação das suas competências académicas; por falta de motivação para estudar, a arguida não concluiu cursos de via profissional em que se inseriu.
76.º Após desistir de prosseguir os estudos, a arguida permaneceu sem ocupação socialmente útil até aos dezoito anos de idade, altura em que iniciou o seu percurso laborai, como empregada de limpeza numa escola, com vínculos contratuais, onde permaneceu cerca de um ano, após o que esteve desempregada durante dois anos, tendo recorrido a apoios do Estado, nomeadamente RSI, para prover às suas despesas básicas, tendo-lhe sido atribuído e ao filho o valor de 370 euros mensais; o seu percurso laborai tem sido caracterizado pela não especialização e precariedade laborai, subsistindo a arguida com apoios do Estado e da família e recorrendo a ocupações que não lhe conferem estabilidade profissional.
77.º No domínio afectivo, aos quinze anos de idade iniciou uma relação de namoro e passados dois anos vida marital; sem condições para se manterem independentes, a arguida e o companheiro - ora arguido EF  permaneceram, com os dois filhos de ambos, no agregado dos ascendentes de AF  ; a arguida considera tal relação gratificante, sendo o seu companheiro um pai atento e preocupado com as necessidades da família.
78.º A arguida ocupava os tempos livres convivendo com o núcleo familiar e com amigos.
79.º À data dos factos acima descritos a que se refere este processo, a arguida AF beneficiava do RSI e permanecia integrada, juntamente com a família constituída, no agregado dos pais, que albergava, como actualmente, a prima VS  - ora arguida e o filho desta, menor de idade, três irmãos - entre os quais o ora arguido LF e NF -, encontrando-se a habitação sobreiotada.
80.º O pai da arguida recebe uma pensão e o seu irmão de vinte anos de idade ainda frequenta o ensino; o numeroso agregado familiar não revela dificuldades na satisfação das despesas básicas.
81.º Ao nível das características pessoais, AF apresenta uma postura colaborante e sociável, reconhece e identifica emoções positivas  e negativas em si e nos outros e denota boa capacidade de comunicação interpessoal.
82.ºA arguida AF revela fraco juízo crítico quanto aos factos acima descritos a que se refere este processo.
83.º A arguida VS , nascida em 10.06.1984, em Lisboa, é filha única e não conheceu a mãe, que morreu durante o seu parto; foi criada pelos familiares maternos, nomeadamente avó e tios, com os quais sempre teve um relacionamento muito próximo, inclusive com coabitação, que se mantém actualmente.
84.º Estabeleceu uma relação marital de curta duração, da qual tem um filho de 13 anos de idade; o ex-companheiro encontra-se actualmente a cumprir uma pena de prisão por crime violento, mantendo algum relacionamento com o filho, através de visitas deste no estabelecimento prisional.
85.º A arguida teve um percurso escolar sem sanções disciplinares, tendo concluído o 9.° ano de escolaridade.
86.º A nível profissional, a sua experiência mais relevante foi na área da cozinha, tendo sido cozinheira em vários restaurantes; depois, exerceu actividade laborai na área das limpezas; desde há um ano trabalha como “trabalhadora de limpeza hospitalar", à conta da empresa FS, S.A., com contratos de trabalho de 6 meses, que têm sido renovados sucessivamente, o mais recente efectuado a 24.03.2020, auferindo o salário de cerca de 594 € líquidos.
87.º À data dos factos acima descritos a que se refere este processo, a arguida VS  e o seu filho mantinham-se integrados num agregado familiar numeroso, composto também pelos tios maternos, por seis primos - entre eles, os arguidos LF  e AF -, e peio companheiro da arguida AF - arguido EF -, sendo o respectivo relacionamento próximo e de entreajuda; tal agregado, inserido num bairro conotado com problemáticas a nível social, económico e criminal, mantém-se actualmente, apenas não o integrando agora o arguido LF , preso preventivamente à ordem dos presentes autos.
88.º Em termos económicos, a condição pessoal e familiar da arguida VS  é modesta, assente no salário desta e noutros rendimentos recebidos pelos elementos do agregado familiar, nomeadamente subsídios sociais (RSI), havendo partilha das principais despesas comuns, nomeadamente renda de casa - 159,99 € -, gás, electricidade e água, assim como da alimentação.
89.º A arguida não padeceu, nem padece, de problemáticas aditivas relativas a estupefacientes ou álcool.
90.º Na família da arguida, inclusive no seu agregado familiar, existem antecedentes de condenações pela prática de crimes de tráfico de estupefacientes, nomeadamente por dois tios maternos, que cumpriram penas de prisão.
91.º Embora a arguida VS  esteja adequadamente inserida no mercado de trabalho, a nível económico não tem independência suficiente para se autonomizar do agregado familiar que integra há vários anos.
92.º A arguida VS  revela fraco juízo crítico quanto aos factos acima descritos a que se refere este processo.
93.º Os arguidos LF , EF , RS , AF   e VS  não manifestaram arrependimento relativamente à factualidade acima descrita nos pontos 3.° a 37.°, na parte em que se lhes refere. 
2.2. Quanto a factos não provados ficou consignado no acórdão recorrido (transcrição):
Não se provou que:
a) em data anterior ao dia 25 de Marco de 2019, o arguido LF  se dedicava com os indivíduos OH, AZ , AL e NR à venda de haxixe, auferindo contrapartidas monetárias;
b) o arguido LF  e os indivíduos referidos na al. a) se organizaram entre si e estabeleceram, de comum acordo, as atribuições de cada um deíes para conseguirem vender haxixe;
c) em data anterior ao mês de Marco de 2019, o arguido LF  se dedicava à venda de haxixe, recorrendo a OH e a AZ e no sentido de lhe fornecerem tal produto estupefaciente, pagando contrapartidas monetárias não apuradas,
d) haxixe que depois vendia, em forma de bolotas ou placas, a indivíduos de identidade não apurada, auferindo contrapartidas monetárias não apuradas;
e) em data anterior a Janeiro de 2019, o arguido LF  veio a saber que RC e BP passavam dificuldades financeiras e propôs emprestar-lhes 1.200,00 € (mil e duzentos euros) para que adquirissem umas cabras e iniciassem um negócio de compra e venda de carne de cabra e seus derivados;
f) assim, em Janeiro de 2019, e depois de o arguido LF  falar consigo, OH emprestou-lhes o valor referido, indicando-lhes que podiam pagar posteriormente, sem indicar um prazo;
g) posteriormente, RC e BP vieram a tomar conhecimento, por intermédio do arguido LF , de que desconhecidos teriam furtado cerca de 80 Kg de haxixe a OH e de que este necessitava da devolução do valor em dívida;
h) aproveitando uma visita de RC e BP à Eríceira, combinaram encontrar-se com o arguido LF  e com OH , que se encontravam na referida localidade;
i) assim, no dia 04 de Março de 2019, RC e BP foram levados pelo arguido LF  ao condomínio fechado denominado "GEF ", sito na Rua …, na Ericeira;
j) no interior do bungalow ali existente, OH , com recurso a um revólver Smith & Wesson, de calibre .38 e punho em madrepérola, e na presença do arguido LF , exigiu a RC e a BP que pagassem a dívida - o que aqueles não conseguiam -, ou efectuassem transportes de droga, tendo-lhes dito que teriam de efectuar o transporte de 3 (três) placas de haxixe, pelo valor de 150,00 € e, em data a definir, teriam de efectuar o transporte de 10 Kg de haxixe para o Porto e a dívida ficaria paga, o que foi por estes aceite;
k) combinaram que o produto estupefaciente lhes seria entregue junto do supermercado Intermarché, sito na Ericeira;
l) lhes foi ainda proposto que RC fosse a Marrocos engolir 100 bolotas de haxixe, após o que as traria para Portugal, o que este recusou por receio de ficar preso num país estrangeiro;
m) nessa sequência, no dia 05 de Março de 2019, a hora não apurada, mas durante a tarde, RC e BP se encontravam na esplanada do supermercado Intermarché, na Ericeira;
n) nas mesmas circunstâncias de tempo e de lugar, ali se deslocou o arguido LF , ao volante da viatura, da marca BMW, com a matrícula 77…, acompanhado por um outro indivíduo de identidade não apurada, conhecido pela alcunha “Cueca”;
o) o arguido LF  parou o carro junto à passadeira ali existente e RC recebeu, pela janela do passageiro, um saco contendo 15,400 gramas de canabis (fls./sumid.) e 285,433 de canabis (resina);
p) após efectuarem a venda do haxixe, e como combinado, o dinheiro deveria ser entregue a OH ;
q) os 15,400 gramas de canabis (fls./sumid.) e 285,433 de canabis (resina) referidos no ponto 1.° dos factos provados haviam sido entregues pelo arguido LF e por OH ;
r) posteriormente a 27 de Março de 2019, o arguido LF  passou a contar com a colaboração do arguido RS  na aquisição e venda de haxixe;
s) posteriormente a 27 de Março de 2019, o arguido LF  passou a contar com a colaboração das arguidas AF   e VS  na aquisição de haxixe;
t) os arguidos LF e EF guardavam produto estupefaciente na residência do arguido RS ;
u) o indivíduo de nome AZ referido nos pontos 5.°, 6.°, 8.°, 9.° e 11.° a 18.° dos factos provados também tinha o nome J.;
v) as 5 (cinco) bolotas de canabis (resina) referidas no ponto 20.° dos factos provados tinham o peso líquido de 50,92 gramas;
w) a canabis (resina) a que se refere o ponto 21° dos factos provados tinha o peso de 2,45 gramas;
x) a canabis (resina) a que se refere o ponto 22.° dos factos provados tinha o peso líquido de 34,44 gramas;
y) a canabis (resina) a que se refere o ponto 23.° dos factos provados tinha o peso liquido de 179,12 gramas;
z) desde 27 de Março de 2019, o arguido RS vendeu a consumidores desse tipo de produto, haxixe em placa que, para esse fim lhe era entregue pelo arguido LF ;
aa) aquando do quanto às mesmas descrito na factuaiidade provada, as arguidas AF e VS não desenvolviam qualquer actividade profissional remunerada, vivendo apenas dos proventos que lhes advinham da actividade de venda de haxixe a indivíduos consumidores desse tipo de estupefaciente;
bb) o arguido LF  exibiu, em conjunto com OH , uma arma de fogo a RC e BP , e sabia que a mesma era apta a causar-lhes receio peia sua vida e integridade física e que, dessa forma, os mesmos acederiam a levar o produto estupefaciente consigo, para posterior venda a terceiros, o que conseguiu.
2.3. O tribunal recorrido fundamentou a sua convicção nos seguintes termos (transcrição):
(…)
Os arguidos fizeram uso do seu direito de não prestar declarações, apenas tendo os arguidos LF  e RS  prestado últimas declarações (cfr. art. 361°, n.° 1, do Código de Processo Penal), nas quais, em suma, sustentaram que o estupefaciente que cada um deles detinha se destinava a consumo próprio e, o arguido LF , que sempre trabalhou.
A convicção do tribunal quanto à matéria de facto provada resultou da análise crítica e conjugada, de acordo com as regras da lógica e da experiência, de toda a prova produzida, como se passa a expor:
O facto provado no ponto 1.º provou-se com base na análise naqueles termos feita:
- do teor do auto de notícia por detenção elaborado no âmbito do Proc. n.° 4/19.0SOLSB - auto a que o tribunal atendeu apenas quanto à data, à hora e ao local da ocorrência, à identidade das pessoas e aos objectos à ocorrência associados ali mencionados -, constando, por apenso ao presente processo, a respectiva cópia certificada, a fls. 2 e 3;
- do teor dos autos de apreensão elaborados e das fotografias captadas no âmbito daquele processo, constando, por apenso aos presentes autos, a respectiva cópia certificada, a fls. 10 e 11 e a fls. 12 e 13;
- do teor dos exames toxicológicos, realizados no âmbito daquele processo, cuja certidão consta de fls. 842 e 844 do presente, reveladores da qualidade e quantidade dos produtos estupefacientes a que se reportam os mencionados autos de apreensão.
O facto provado no ponto 2.° provou-se com base na cópia certificada constante do presente processo ( qual resultou de separação do Proc. n.° 476/19.2GLSNT - cfr. fls. 2) de fls. 83 a 97, cujo teor foi considerado apenas no que tange ao descrito no ponto em referência.
Não foi produzida prova apta a demonstrar o vertido nas a!s. a) a q) e bb) dos factos não provados, sendo de realçar que RC e BP , ao abrigo do disposto no art 133.°, n.° 2, do Código de Processo Penai - atenta a evidente conexão de tal factualidade em causa no Proc. n.° 4/19.0SOLSB, onde foram constituídos arguidos, e no presente processo não consentiram em prestar os respectivos depoimentos. Uma vez que validamente se recusaram a depor, não pôde o tribunal considerar, atento o disposto no n.° 7, por referência ao n.° 6, do art. 356.° daquele diploma legal, as referências feitas pelas testemunhas RC e Nuno Miguei Ferreira da Silva - respectivamente, agente principal e agente da P.S.P., desempenhando funções na Esquadra de Investigação Criminal da Divisão Policial de Cascais -, às declarações prestadas por RC e BP , na qualidade de arguidos, no âmbito do Proc. n.° 4/19.0SOLSB; consequentemente, nada de relevante foi possível extrair da diligência externa cujo relatório consta de fls. 695 e 696, daquela cujo relatório consta de fls. 1075 a 1082, dos documentos juntos de fls. 819 e 820, dos autos de reconhecimento de objectos de fls. 1005 a 1012, dos autos de reconhecimento de pessoas de fls. 1018 a 1029 dos autos principais e do auto de interrogatório a que se referem fls. 49 a 52 do apenso relativo ao Proc. n.° 4/19.0SOLSB.
Quanto à factualidade provada vertida nos pontos 3.° a 37.°, a convicção do tribunal resultou da análise crítica e conjugada, de acordo com as regras da lógica e da experiência, de toda a prova a respeito produzida, nos termos infra expostos, nomeadamente:
- das comunicações telefónicas cuja transcrição consta do apenso A e de fls. 1315 a 1323 dos autos principais, a que o tribunal atendeu no que tange aos respectivos intervenientes, ao conteúdo e à sequência temporal que revelam;
- das comunicações que, na sequência da declaração constante de fls. 1037, feita peio arguido LF  em 05.09.2019, estando registadas no seu telemóvel aquando da apreensão de tal objecto - cfr. auto de busca e apreensão de fls. 930 e 931 ficaram documentadas de fls. 1039 a 1074 (cfr. fls. 1073; fls. 1074 tem o mesmo teor de fls. 1059), tendo estes documentos sido traduzidos em audiência de julgamento;
- dos depoimentos das mencionadas testemunhas RC e NS - sem consideração, como resulta do acima exposto, das referências neles feitas a declarações prestadas por RC e BP -, e das testemunhas RBL , TSF , NF e IAF ;
- do auto de busca e apreensão de fls. 930 e 931, relativo a tais diligências realizadas, em 04.09.2019, no domicílio do arguido LF , onde também residiam, como adiante exposto, os arguidos EF , AF   e VS ;
- dos documentos constantes de fls. 1030 a 1036;
- dos documentos de fls. 992 a 996;
- dos autos de exame e avaliação de fls. 997 e 998 e de fls. 999 e 1000, referentes aos telemóveis apreendidos nos quartos dos arguidos LF  e EF ;
- do auto de apreensão de fls. 939, relativo a tal diligência realizada quanto ao que o arguido RS trazia consigo, em 04.09.2019*junto à sua residência;
- do auto de exame e avaliação, incluindo imagem fotográfica, constante de fls. 1003 e 1004;
- do auto de busca e apreensão de fls. 942 e 943, relativo às diligências de busca e apreensão realizadas, em 04.09.2019, no domicílio do arguido RS , revelador de que as “línguas” de canabis (resinai - cfr. fls. 1510 -, a balança de precisão e os 3 rolos de celofane nele mencionados se encontravam guardados numa gaveta da cómoda do quarto do arguido RS  e de que as 2 “placas” de canabis (resina - cfr. fls. 1510 se encontravam guardadas no quarto onde tal arguido mantinha os seus cães:
- do documento constante de fls. 990;
- do auto de exame e avaliação, incluindo imagem fotográfica, constante de fls. 1001 e 1002;
- do teor do exame toxicológico de fls. 1388 - referente às 30 “bolotas” apreendidas, na sequência da busca a que se refere o auto de fls. 930 e 931, no quarto do arguido LF , cuja imagem/fotografia consta de fls. 937;
- do teor do exame toxicológico de fls. 1339 - referente às 5 “bolotas” apreendidas, na sequência da busca a que se refere o auto de fls. 930 e 931, no quarto do arguido EF , cuja imagem/fotografia consta de fls. 938;
- do teor do exame toxicológico de fís. 1510 - referente ao que, para além do telemóvel, da balança de precisão e dos rolos de celofane, foi apreendido ao arguido RS  em 04.09.2019, cujas imagens/fotografias constam de fls. 948 e 949 a 951.
A testemunha RL , de modo isento, afirmou ser consumidora de haxixe há 15 anos, ser conhecida por “o Alentejano” e, em face dos arguidos, conhecer:
- o arguido LF  por “Rato”, há cerca de 2 anos;
- o arguido EF  por “Pacheco”, há, pelo menos, 2/3 anos, e
- as arguidas AF e VS, respectivamente como “esposa” e “familiar" do “Pacheco”/arguido EF .
Sustentou não conhecer o arguido RS .
Revelou, também, que:
- adquiria haxixe habitualmente ao arguido EF , com frequência semanal, 1 a 3 “bolotas" de cada vez;
- tal substância lhe chegou a ser entregue tanto pela arguida AF, como pela arguida VS , a pedido do arguido EF , em situações em que este não tinha disponibilidade para lha entregar directamente;
- chegou a adquirir haxixe ao arguido LF .
Resultando evidente pela análise global do seu depoimento - quer por si só, quer em conjugação com a restante prova produzida que RL  não quis com o mesmo causar prejuízo a qualquer dos arguidos - e não o quis nomeadamente por ter sido e continuar a ser consumidor daquela substância e pelos contactos que com os arguidos EF, AF, VS e LF, por isso, estabeleceu para a adquirir, com interesse mútuo na concretização das correspondentes transacções o que é justificação para as pretensas falhas de memória que pontuaram o seu depoimento (nos momentos, claramente identificáveis com a expressão ´”é possível” em que aquele interesse e a afinidade nesse contexto criada entre RL  e os arguidos se sobrepuseram à devida isenção da testemunha em referência), resultou igualmente claro que RL  costumava adquirir haxixe, com a referida frequência, ao arguido EF  - com quem para o efeito contactava telefonicamente -, tendo chegado a adquiri-lo, também, ao arguido LF e que, quando o arguido EF lhe deu indicação para tal, adquiriu tal substância por intermédio das arguidas AF   e VS .
A testemunha TSF, de modo isento, revelou conhecer o arguido EF  por "Pacheco”, há cerca de 4 anos, e que, pouco depois de o ter conhecido, tendo em conta que tinha sido enganada por outrem no que tange à aquisição de haxixe, produto de que era consumidora, e por lhe ter sido perguntado se o queria, passou a adquirir-lho, com uma frequência de 2 a 3 vezes por mês, despendendo de cada vez cerca de 25/30€, sendo excepção as situações em que, quando não havia “bolota” ou "sabonete", lhe comprava cerca de 10/15 € de “bocadinhos” de tal substância; revelou, também, que, inicialmente, não tinha qualquer contacto de tal arguido, adquirindo-lhe o haxixe, em Caseias, na zona do ringue de futebol onde o conheceu, quando (TSF) para ali foi morar, e que depois “o Pacheco", a quem veio a adquirir haxixe também nas imediações do Hospital São Francisco Xavier, lhe deu o seu n.° de telefone.
Não existe, por conseguinte, dúvida de que o arguido EF  era conhecido por “Pacheco” e de que era o utilizador do telemóvel n.° … - cfr., nomeadamente, os depoimentos de RL  e de TSF, no tocante àquela alcunha, e o apenso A no que tange às sessões 110. 394 e 775.
Não existe, também pelo exposto, dúvida de que o arguido LF  era conhecido por “Rato” e de que vivia na mesma casa do arguido EF , dormindo em quarto distinto deste - cfr., nomeadamente, os depoimentos de RL , no tocante àquela alcunha, de NF e IAF, no tocante ao facto de aqueles arguidos e as arguidas viverem, à data dos factos, na mesma morada, o apenso A no que tange às sessões 81, 133. 499 e 500 e, nos autos principais, a fls. 1318 e 1318-A, a sessão 1404. com referência da arguida AF - vide o infra mencionado quanto ao n.° de telefone por esta utilizado -, a “EF ", a “Rato”, a “o mandato era para ele" e a “bolotas”.
A este respeito, importa referir que, na parte em que depuseram com isenção:
- a testemunha NF revelou ser irmã dos arguidos LF e AF   e prima da arguida VS  e residir com os mesmos, e com o arguido EF , tanto aquando da factualidade quanto a tais arguidos descrita nos factos provados, como, com excepção do arguido LF, actualmente;
- a testemunha IAF revelou ser prima do arguido EF  e, por há 10 anos ser companheira de um primo do arguido LF , frequentar regularmente a casa onde este residia com os arguidos EF , AF e VS  aquando da factualidade quanto aos mesmos descrita nos factos provados.
Não existe dúvida, em face do supra e infra exposto, de que a arguida AF   era e é companheira do arguido EF  “Pacheco", de que era a utilizadora do telemóvel n.° …, de que a mesma estava ciente da actividade de venda de haxixe/canabis desenvolvida pelos arguidos LF  e EF  e de que, quando este não podia proceder à entrega de tal produto, recorria às arguidas para o entregar - como se extraiu, nomeadamente, dos depoimentos de RL , NF e IAF, quanto ao contexto dos contactos e das relações pessoais estabelecidas, do apenso A no que tange às sessões 127 (com referência à “minha mulher”), 133 (cfr. o n.° de destino da chamada em causa e a sequência temporal dessa comunicação relativamente à correspondente à sessão 127), 151 (com referência à "minha mulher”), 152 (cfr, o n.° de destino da chamada em causa e a sequência temporal dessa comunicação relativamente à correspondente à sessão 152), 162 (com referência à "minha mulher"), 163 (cfr. o n.° de destino da chamada em causa e a sequência temporal dessa comunicação relativamente à correspondente à sessão 163), 394 (com referência, por oposição à ausência de actividade laboral do arguido EF  “Pacheco”, ao facto de a sua "mulher” trabalhar, recebendo mensalmente 500 €), 395 (com referência à “minha mulher"), 456 (cfr. o n.° de destino da chamada em causa e a sequência temporal dessa comunicação relativamente à correspondente à sessão 457), 457 (com referência à “minha mulher”), 567 (com referência à “minha mulher"), 568 (cfr. o n.° de destino da chamada em causa e a sequência temporal dessa comunicação relativamente à correspondente à sessão 567), 569 (cfr. o n.° de destino da chamada em causa e a sequência temporal dessa comunicação relativamente às correspondentes às sessões 567 e 568), 573 (cfr. o n.° de origem da chamada em causa e a sequência temporal dessa comunicação relativamente às correspondentes às sessões 567, 568 e 569) e, nos autos principais, a fis. 1315, da sessão 1338 (cfr. o n.° de origem da chamada em causa e a referência a “mulher do Pacheco”), a fls. 1317, da sessão 1346 (cfr. o n.° de origem da chamada em causa e a referência ao nome “AF”) e de fls. 1319 a 1323, da sessão 1487 (cfr. o n.° de origem da chamada em causa - referido como INI 2 até fls. 1322 e, a partir da conversa depois iniciada com uma terceira pessoa do sexo feminino, como INI 1 a referência ao facto de terem apanhado “5" ao EF , a que “ele era um encosto para a gente todos lá para casa”, a “AF" e, para esta, a afirmação de que “ele anda muito com o teu irmão pensam que ele seja sócio ou qualquer coisa, percebes, só pode ó AF", a “20 bolotas”, a “marroquinos” e a “depois daqui a bocado o RL”).
Não existe dúvida, em face do supra e infra exposto, de que RL , conhecido por “Alentejano”, era o utilizador do telemóvel n.° …, nem acerca da periodicidade semanal com que se verificavam contactos entre si e o arguido EF  com vista à aquisição de canabis (resina) por aquele a este - como se extraiu, nomeadamente, do depoimento de RL , no tocante àquela alcunha, à regularidade dos contactos estabelecidos e ao respectivo fim, e do apenso A no que tange às sessões 162 (cfr. o n.° de destino da chamada em causa, datada de 30.06.2019, às 21H19) e 163 (cfr. a sequência temporal desta comunicação, datada de 30.06.2019, às 21H20, relativamente à correspondente à sessão 162 e a referência a “o Alentejano"), 17 (cfr. o n.° de destino da mensagem em causa, datada de 28.06.2019, às 10H31), 20 (cfr. o n.° de destino da mensagem em causa, datada de 28.06.2019, às 10H37), 395 (cfr. o n.° de destino da chamada em causa, datada de 06.07.2019, às 19H23) e 567 (cfr. o n.° de origem da chamada em causa, datada de 12.07.2019, às 17H38).
Não existe dúvida, em face do supra e infra exposto, de que a arguida VS  é prima da companheira (arguida AF  ) do arguido EF/“Pacheco", de que aquela estava ciente da actividade de venda de haxixe/canabis desenvolvida pelos arguidos LF  e EF , de que, quando este não podia proceder à entrega de tal produto, recorria às arguidas para o entregar e de que era a utilizadora do telemóvel n.° … - como se extraiu, nomeadamente, dos depoimentos de RL , NF e IAF, quanto ao contexto dos contactos e das relações pessoais estabelecidas, e do apenso A no que tange às sessões 152 (datada de 30.06.2019, com a referência de que "vai iá a VS sabe onde é que está), 478 (datada de 10.07.2019, às 13H06, com referência à “minha prima"), 480 (cfr. o n.° de destino da chamada em causa e a sequência temporal desta comunicação, datada de 10.07,2019, às 13H08, com referência ao “cliente”, relativamente à correspondente à sessão 478), 499 (cfr. o n.° de destino da chamada em causa, datada de 10.07.2019, às 16H41, com referência ao “Rato”) e 500 (cfr. o n.° de destino da chamada em causa, datada de 10.07.2019, às 16H42, a sequência temporal desta comunicação relativamente à correspondente à sessão 499, com referência aos “truques americanos" do “Rato”/arguido LF  - vide sessão antecedente -, aos 500 € que este queria que o arguido EF  lhe entregasse, ao "cliente” daquele, a “20 bolotas” para o seu “cliente”, ao “Ricardinho”, aos 300 € com que o arguido EF  tinha contribuído para perfazer os 1.800 € ali mencionados, ao "putoTcliente” com que o “Rato" quis ficar e ao desagrado que o comportamento deste provocou no arguido EF , para além do desagrado que também lhe provocou o comportamento, de diferente natureza, da interlocutora - arguida VS  no que tange ao arguido LF ).
Não existe dúvida, em face do supra e infra exposto, de que, no âmbito da actividade de venda de haxixe/canabis desenvolvida pelos arguidos LF  e EF , estes tinham, para além dos demais “clientes”/compradores, “clientes” regulares
- como se extraiu, nomeadamente, dos depoimentos de RL  e de TSF, do apenso A no que tange às sessões 15 (mensagem datada de 28.06.2019, às 10H30, e dirigida ao utilizador do telemóvel n.° 931837307), 16 (mensagem datada de 28.06.2019, às 10H31, e remetida pelo utilizador do telemóvel n.° 931837307), 151, 421, 478, 814, 815 e 816 (telefonemas e mensagens feitos/remetidas, em 30.06.2019, 08.07.2019, 10.07.2019 e 16.07.2019 pelo utilizador do telemóvel n.° 931837307), às acima referidas sessões 17, 20, 162, 163, 395 e 567 (cfr. o acima mencionado quanto a RL ), à sessão 18 (mensagem datada de 28.06.2019, às 10H33, e dirigida ao utilizador de teíemóvei n.° 916757280, n.° distinto dos já referidos), às sessões 127 (telefonema feito, em 30.06.2019, às 12h28, pelo utilizador do telemóvel n.° 933960223) e 133 (cfr. a sequência temporal desta comunicação, datada de 30.06.2019, às 12h47, com referência ao assunto mencionado na sessão 127, ao “João”, ao “Marinho”, ao “Espanhol”, ao “Alentejano", à “Verónica”, ao “puto do Rato”, ao “Paulo” e às “pessoas certas” que o arguido EF  não podia “perder”, como clientes, o que poderia acontecer se lhes entregasse as cerca de 9 “bolotas” de haxixe/canabis de “fraca qualidade” que o “João" pretendia que tal arguido voltasse a receber para as trocar), à sessão 152 (telefonema datado de 30.06.2019, referente ao “Paulo da Carrinha”, que ia “ficar a dever 20 €’’), às sessões 456 (telefonema, datado de 09.07.2019, com referência ao “Espanhol” - sendo esta, como se extraí pela sequência das comunicações transcritas nas sessões 456 e 457, a alcunha do utilizador do n.° 966956337), 22 e 457 (telefonemas feitos, em 28.06.2019 e 09.07.2019, para o utilizador do n.° acabado de referir, o "Espanhol"), à sessão 19 e, nos autos principais, a fis. 1315, da sessão 1338 (telefonemas feitos, em 28.06.2019 e 04.09.2019, pelo e para o utilizador do n.° 935093395, que esta última sessão revela tratar-se do “Marinho”) e, também nos autos principais, de fis. 1317 a 1323, das sessões 1346, 1404 e 1487 (telefonemas datados de 04.09.2019) -,
o que motivou o desagrado do arguido EF  relativamente aos “truques americanos” do arguido LF /“Rato”, por este ter querido “levar vantagem” sobre aquele nesse negócio por ambos habitualmente desenvolvido.
Não existe dúvida, em face do explanado, de que as comunicações documentadas de fís. 1039 a 1074 foram feitas entre o arguido LF  e AZ, entre 24.03.2019 e 29.08.2019, com vista, pelo menos - e só nesta medida o tribunal as considera -, a fornecer o haxixe/canabis necessário ao negócio de venda desenvolvido, de modo concertado, como descrito na factualidade provada, com os arguidos EF, AF e VS, negócio esse no qual investiam financeiramente o arguido LF /“Rato” e o arguido EF  - cfr. o supra exposto e, em especial, no apenso A, a mencionada sessão 500 - e do qual, habitualmente, todos esses arguidos e os restantes familiares que com eles viviam, tiravam proveito - cfr. o supra exposto e, em especial: no apenso A. para além das já mencionadas com referência aos arguidos LF , EF , AF e VS , a sessão 81; nos autos principais a fls. 1318 e 1318-A, a sessão 1404, e de fls. 1319 a 1223, a mencionada sessão 1487, com a referência ao facto de terem apanhado “5" ao EF , a que “ele era um encosto para a gente todos lá para casa", a "Af” e, para esta, a afirmação de que “ele anda muito com o teu irmão pensam que ele seja sócio ou qualquer coisa, percebes, só pode ó AF” e a “bolotas” e, ainda, em audiência de Julgamento, os depoimentos das testemunhas NF e IAF, a evidenciar os verificados laços de união e apoio constantes no seio da família integrada por aqueles arguidos - não fazendo qualquer sentido, de acordo com as regras da experiência e da lógica, que normalmente desenvolvessem tal actividade em concorrência.
Daí o desagrado manifestado pelo arguido EF  relativamente ao excepcíonal/fora da regra comportamento do arguido LF /“Rato" com “os truques americanos” deste e o relevante “cliente/puto" que quis só para si, querendo, ainda, apesar disso, outro investimento de 500 € por parte do arguido EF  (cfr, a mencionada sessão 500 no apenso A).
Não fazia qualquer sentido que usualmente desenvolvessem tal actividade em concorrência, explica o tribunal - como era entendido também pelos arguidos EF , AF   e VS  e no que tange ao arguido LF  uma vez que viviam todos na mesma casa, todos colaboravam no desenvolvimento da actividade em referência, todos dela tiravam proveito, sendo que era justamente por a família beneficiar de tal “negócio” que se verificava a colaboração evidenciada nos termos acima expostos. Também nesse contexto de proximidade familiar se compreende o empenho das testemunhas NF e IAF nos respectivos depoimentos, centrando-se os seus juízos nas correspondentes relações pessoais e de afinidade e não, como resultou manifesto - pela conjugação do que afirmaram com a atitude, nitidamente concertada, com que o fizeram -, na vontade de, com isenção, peia qual não se pautaram, contribuir para a descoberta da verdade e boa decisão da causa.
Assim sendo, como foi, em face do que vai exposto, também nenhuma dúvida existe de que foram bem sucedidas comunicações, documentadas de fls. 1039 a 1074, feitas entre o arguido LF  e AZ, no período compreendido entre 24.03.2019 e 29.08.2019, com vista, nomeadamente, a fornecer o haxixe/canabis necessário ao negócio de venda desenvolvido, de modo concertado, como descrito na factualidade provada, com os arguidos EF , AF   e VS , uma vez que, evidentemente, concretizaram regularmente tal negócio, nos termos supra explanados.
Relativamente ao plasmado:
- nos pontos 5.° a 9.° da factualidade provada, o tribunal atendeu, em especial, ao teor das comunicações visíveis de fls. 1039 a 1042;
- nos pontos 10.° e 11°, o tribunal atendeu, em especial, ao teor das comunicações visíveis de fls. 1040 a 1048;
- no ponto 12.°, o tribunal atendeu, em especial, ao teor das comunicações visíveis a fls. 1048 e 1049;
- nos pontos 13.° e 14.°, o tribunal atendeu, em especial, ao teor das comunicações visíveis de fls. 1050 a 1052;
- no ponto 15.°, o tribunal atendeu, em especial, ao teor das comunicações visíveis de fls.1054 a 1059, sendo também esclarecedor o das visíveis de fls. 1060 a 1063;
- nos pontos 16.° e 17.°, o tribunal atendeu, em especial, ao teor das comunicações visíveis a fls. 1064 e 1065, sendo também esclarecedor o das visíveis a fls. 1062, 1063 e 1066;
- no ponto 18.°, o tribunal atendeu, em especial, ao teor das comunicações visíveis a fls. 1071 e 1072;
- no ponto 27.°, o tribunal atendeu, em especial, ao depoimento de RL  e ao teor da comunicação telefónica interceptada e identificada como sessão 17 do alvo 107457040, transcrita no apenso A;
- no ponto 28.°, o tribunal atendeu, em especial, ao teor das comunicações telefónicas interceptadas e identificadas como sessões 389, 391 e 392 do alvo 107457040, transcritas no apenso A;
“ no ponto 29.°, o tribunal atendeu, em especial, ao teor das comunicações telefónicas interceptadas e identificadas como sessões 421 e 816 do alvo 107457040, transcritas no apenso A;
- nos pontos 30.° e 31°, o tribunal atendeu, em especial, ao teor das comunicações telefónicas feitas em 30.06.2019, 06.07.2019, 09.07.2019 e 12.07.2019, com o número de telefone do arguido EF  e com a arguida AF  , interceptadas e identificadas como sessões 151, 152, 153 e 163 (referentes às comunicações de 30.06.2019), 395 (referente à comunicação de 06.07.2019), 457 (referente à comunicação de 09.07.2019) e 567 (referente à comunicação de 12.07.2019) do alvo 107457040, transcritas no apenso A;
- nos pontos 30.° e 32.°, o tribunal atendeu, em especial, ao teor da comunicação telefónica feita em 10.07.2019, com o número de telefone do arguido EF  e com a arguida VS , interceptada e identificada como sessão 478 do alvo 107457040, transcrita no apenso A;
- no ponto 33.°, o tribunal atendeu, em especial, ao teor das comunicações telefónicas feitas em 01.07.2019, com o número de telefone do arguido EF  e com a arguida AF  , interceptadas e identificadas como sessões 127 e 133 do alvo 107457040, transcritas no apenso A.
Em face do que vai exposto, com destaque para as comunicações documentadas de fís. 1039 a 1074 feitas entre o arguido LF  e AZ, para a sessão 567 transcrita no apenso A e para as imagens fotográficas constantes de fls. 937 e 938, resultou claro o que, quanto ao modo como era referenciado o haxixe, relativamente à qualidade de tal produto, na perspectiva de quem o comercializava e adquiria, ficou vertido no ponto 13.° dos factos provados. 
Importa realçar que:
- no que tange às intercepções telefónicas a que se referem o auto de gravação e o relatório de fls. 734 e 735 e de fis. 736 a 742 (cfr. fls. 550 e 578), referente ao alvo 107457040 - telemóvel n.° 965681668 utilizado pelo ora arguido EF , o tribunal, atento o disposto no art. 188.°, n.° 9, al. a), do Código de Processo Penal, apenas considerou, de entre as ali identificadas, as sessões transcritas no apenso A (cfr. fls. 759 dos autos principais);
As comunicações transcritas no apenso A foram estabelecidas em 28.06.2019, 29.06.2019 (com referência ao “Rato", alcunha pela qual era tratado o arguido LF , como, com isenção, revelou a testemunha RL ), 30.06.2019 (com referências à “mulher" do arguido EF , a “VS ” e ao “Alentejano”, alcunha pela qual era e é conhecida a testemunha RL , como, com isenção, pela mesma revelado), 03.07.2019, 06.07.2019 (com referência à “mulher" do arguido EF ), 08.07.2019, 09.07.2019, 10.07.2019 (com referência ao "Rato" e a “bolotas"), 12.07.2019 (com referência a “daquelas da Nike”, ao “Alentejano" e à interlocutora com o nome “AF"), 15.07.2019 (com referência ao n.° do cartão do cidadão de arguido EF  - cfr. o respectivo termo de identidade e residência a fls. 975) e 16.07.2019.
- as comunicações documentadas de fls. 1039 a 1074 foram feitas entre o arguido LF  e AZ, entre 24.03.2019 e 29.08.2019, especificamente em: 24.03.2019, 30.04.2019, 01.05.2019, 02.05.2019, 03.05.2019, 05.05.2019, 08.05.2019, 10.05.2019, 20.05.2019, 21.05.2019, 23.05.2019, 24.05.2019, 26.05.2019, 28.05.2019, 03.06.2019, 04.06.2019, 09.06.2019, 11.06.2019, 12.06.2019, 13.06.2019, 14.06.2019, 15.06.2019, 16.06.2019, 18.06.2019, 22.06.2019, 25.06.2019, 19.07.2019, 08.08.2019 e 29.08.2019;
 - no que tange às intercepções telefónicas a que se referem o auto de gravação e o relatório de fls. 1169 e 1170 e de fls. 1209 e 1210 (fls. 1178 e 1224), o tribunal atendeu às comunicações transcritas de fls. 1315 a 1323 dos autos principais, ocorridas em 04.09.2019.
A testemunha Rc, de modo isento, confirmou a sua intervenção, na sequência da audição das intercepções telefónicas transcritas no apenso A, na realização da busca e apreensão a que se reporta o auto de fls. 930 e 931.
A testemunha NS, de modo isento, confirmou a sua intervenção, naquela sequência, na realização da apreensão e da busca e apreensão a que se reportam os autos de fls. 939 e de fls. 942 e 943.
O teor dos exames toxicológicos de ffs. 1388, 1339 e 1510 é revelador da qualidade e quantidade do produto estupefaciente e do número de doses individuais correspondentes à quantidade de tal produto apreendido.
Os documentos constantes de fls. 1030 a 1036 demonstram o que quanto ao conteúdo do passaporte do arguido LF  consta do ponto 19.° dos factos provados.
De fls. 993 a 996 constam as imagens dos cartões SIM e respectivas embalagens apreendidos no quarto do arguido LF  (cfr. fls. 930 e 931 e fis. 992).
O documento constante de fls. 990 demonstra o que quanto ao conteúdo do passaporte do arguido RS  consta do ponto 23.° dos factos provados.
Pela análise crítica e conjugada, de acordo com as regras da experiência e da lógica, de toda a prova produzida, como supra exposto, o tribunal concluiu, sem qualquer dúvida, que se verificou o plasmado nos pontos 3.°, 4.°, 5.° a 18.°, 19.°, 20.°, 21.° a 23.°, 24.° a 34.°, 35.°, 36.° e 37.°.
Os factos descritos nos pontos 38.° a 42.° resultaram provados com base no teor dos CRC juntos aos autos a fls. 1582 (o do arguido LF), 1585 (o do arguido EF ), 1583 e 1584 (o do arguido RS ), 1586 (o da arguida AF  ) e 1587 (o da arguida VS ), respectivamente.
Especificamente quanto aos factos provados vertidos nos pontos 43.° a 93.°, relativos à situação pessoal dos arguidos, o tribunal atendeu ao teor dos respectivos relatórios sociais, constantes de fls. 1649 a 1653 (o do arguido LF), 1678 a 1682 (o do arguido EF ), 1689 a 1692 (o do arguido RS ), 1633 a 1637 (o da arguida AF  ) e 1640 e 1641 (o da arguida VS ), e aos depoimentos das testemunhas NF e IAF, apenas na medida em que se revelaram credíveis, em face dos meios de prova que suportaram a elaboração daqueles documentos e do conteúdo de tais depoimentos, uns e outros analisados critica e conjugadamente, de acordo com as regras da lógica e da experiência, com toda a restante prova produzida, nos termos supra expostos, resultando evidente, em face de toda a prova, o reduzido juízo crítico dos arguidos relativamente às correspondentes condutas em causa nos presentes autos, encaradas, pelos mesmos e no respectivo contexto familiar e social, com naturalidade, sem arrependimento, tendo as mesmas sido levadas a cabo, com claro desprezo pela lei que as proíbe e pela saúde alheia, com vista à obtenção de lucro, e não ao consumo de estupefaciente/s por qualquer dos arguidos, como resultou manifesto daquela análise, com destaque, no que tange ao arguido RS , para tudo o que lhe foi apreendido e para o modo como se encontrava acondicionado e, no que se refere aos demais arguidos, para além das apreensões referidas nos pontos 19.° e 20.° dos factos provados, para o teor das comunicações documentadas de fis. 1039 a 1074 e das transcritas no apenso A e de fls. 1315 a 1323 dos autos principais.
No que concerne aos factos não provados nas als. a) a u) e z) a bb), assim foram considerados por não ter sido produzida prova apta a demonstrá-los e, no que tange aos vertidos nas ais. v) a y), pelo que de modo distinto, peias razões supra expostas, se provou.
Cabe realçar que o que quanto ao arguido RS  se provou não permite, com a certeza que nesta sede se impõe, afirmar a relação da sua actividade provada com a actividade provada dos demais arguidos, sendo certo que as referências a “Ricardinho", na mencionada sessão 500 transcrita no apenso A, e a “RS", na referida sessão 1487 transcrita de fls. 1319 a 1323 dos autos principais, não possibilitam a afirmação, sem margem para qualquer dúvida, de que respeitam ao arguido RS , pelo que, não tendo sido produzida prova cabal do vertido nas ais. ais. r), t) e z), o tribunal considerou não provado o que nelas consta.
Nada de relevante foi possível extrair dos documentos juntos a fls. 543 e de fls. 1324 a 1329.
A restante matéria alegada é conclusiva, genérica ou referente a elementos probatórios, razão pela qual não foi considerada como factualidade provada ou não provada.
3. Apreciando
Passamos, agora, a apreciar as questões colocadas nos recursos, seguindo uma ordem de precedência lógica que atende ao efeito do conhecimento de umas em relação às outras.
3.1. Alegam os recorrentes LF  e RS  que o acórdão recorrido enferma de nulidade por falta de fundamentação e, no caso do arguido/recorrente RS , também por alegadamnente ter operado uma alteração da qualificação jurídica dos factos sem prévia comunicação nos termos do artigo 358.º, n.º3, do C.P.P.
Vejamos.
Dispõe o artigo 205.º, n.º1, da Constituição da República, que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
O artigo 97.º, n.º5, do C.P.P., prescreve, em relação aos actos decisórios em geral, que «são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão».
O acto da sentença, nos termos do disposto no artigo 374.º, do C.P.P., exige uma fundamentação especial.
A exigência de fundamentação das sentenças constitui um elemento essencial do Estado de Direito Democrático. Como refere Germano Marques da Silva, a fundamentação é imposta pelos sistemas democráticos tendo em vista diversas finalidades. Permite a sindicância da legalidade do acto, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decisora a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando por isso como meio de autodisciplina (Curso de Processo Penal, III, 2.ª edição, Verbo, p. 294).
A fundamentação constitui, por conseguinte, um factor de transparência da justiça, explicitando, de forma que se pretende clara, os processos intelectuais que conduziram à decisão e permitindo, consequentemente, uma maior fiscalização das decisões judiciais por parte da colectividade, constituindo entendimento dominante do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) que o direito a um processo equitativo pressupõe a exigência de motivação das decisões judiciais (cfr. Irineu Cabral Barreto, A Convenção Europeia dos Direito do Homem, 3.ª edição, Coimbra Editora, p. 137).
De harmonia com o disposto no artigo 374.º, n.º2, do C.P.P., ao relatório da sentença segue-se a fundamentação que consta da «enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».
Por sua vez, estabelece o artigo 379.º, n.º1, alínea a), do C.P.P., que é nula a sentença que não contiver as menções referidas no n.º2 e na alínea b) do n.º3 do referido artigo 374.º.
Exige-se, pois, uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto (que, naturalmente, hão-se ser seleccionados de entre os factos provados e não provados) e de direito, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
O exame crítico da provas situa-se nos limites propostos, entre outros, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional 680/98, de 2 de Dezembro de 1998, D.R., 2ª Série, de 5 de Março de 1999, que julgou inconstitucional a norma do n.º2 do artigo 374.º do C.P.P. de 1987, na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1.ª instância, não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção do tribunal, por violação do dever de fundamentação das decisões dos tribunais previsto no n.º1 do artigo 205.º da Constituição, bem como, quando conjugado com a norma das alíneas b) e c) do n.º2 do artigo 410.º do mesmo Código, por violação do direito ao recurso consagrado no n.º1 do artigo 32.º, também da Constituição.
Não basta, por conseguinte, indicar os meios de prova utilizados, tornando-se necessário explicitar o processo de formação da convicção do tribunal, a partir desses meios de prova, com apelo às regras de experiência e aos critérios lógicos e racionais que conduziram a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido. Só assim será possível comprovar se foi seguido um processo lógico e racional na apreciação da prova ou se esta se fundou num subjectivismo incomunicável que abre as portas ao arbítrio.
Mais detidamente sobre o “exame crítico” das provas, disse o Supremo Tribunal de Justiça: «O “exame crítico” das provas constitui uma noção com dimensão normativa, com saliente projecção no campo que pretende regular – a fundamentação em matéria de facto –, mas cuja densificação e integração faz apelo a uma complexidade de elementos que se retiram, não da interpretação de princípios jurídicos ou de normas legais, mas da realidade das coisas, da mundividência dos homens e das regras da experiência; a noção de “exame crítico” apresenta-se, nesta perspectiva fundamental, como categoria complexa, em que são salientes espaços prudenciais fora do âmbito de apreciação próprio das questões de direito. (…) O exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos de credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pela ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção» (Acórdão de 16 de Março de 2005, Processo:05P662, www.dgsi.pt).
A fundamentação, na parte que respeita à indicação e exame crítico das provas, não tem de ser uma espécie de assentada em que o tribunal reproduza os depoimentos das testemunhas inquiridas, ainda que de forma sintética. O exame crítico deve ser aferido com critérios de razoabilidade, não indo ao ponto de exigir uma explanação fastidiosa, com escalpelização descritiva de todas as provas produzidas, o que transformaria o processo oral em escrito, pois o que importa é explicitar o porquê da decisão tomada relativamente aos factos, de modo a permitir aos destinatários da decisão e ao tribunal superior uma avaliação do processo lógico-mental que serviu de base ao respectivo conteúdo (cfr., sobre esta matéria, o Acórdão do STJ, de 26 de Março de 2008, Processo: 07P4833, www.dsgi.pt; também com interesse, Sérgio Poças, Da sentença penal – Fundamentação de facto, Revista “Julgar”, n.º3, p. 21 e segs.).
Não devemos confundir ausência ou deficiência de fundamentação com uma fundamentação que não convença o arguido quanto às razões de convicção apresentadas pelo tribunal.
A fundamentação visa permitir a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial e não promover, necessariamente, o convencimento do destinatário da decisão quanto ao bem fundado dessas razões.
Perante as provas cada pessoa formará a sua convicção. O que importa é que o julgador dê a conhecer, de forma clara e no quadro do que é razoável exigir, as razões da sua convicção, de forma que possam ser compreendidas, e não que logre convencer todos da sua razão, pois à convicção do tribunal sempre se contrapõem as convicções divergentes de outros sujeitos processuais.
É por isso que a nulidade, resultante da falta ou insuficiência da fundamentação, só ocorre quando não existir o exame crítico das provas e não também quando forem incorrectas ou passíveis de censura as conclusões a que o tribunal a quo chegou, posto que, percebidas as razões do julgador, podem os sujeitos processuais, com recurso, quando tal for necessário, ao registo da prova, argumentar para que o tribunal de recurso altere a matéria de facto fixada. Aqui, porém, já se está em sede de impugnação da matéria de facto e não de qualquer vício da decisão.
No caso em análise, a motivação da decisão de facto do acórdão recorrido é extensa, mas nem por isso é elucidativa em termos satisfatórios das razões que lhe assistem.
O cumprimento do dever de fundamentar não se afere pela extensão da fundamentação.
Fundamentalmente importa que através da leitura da peça decisória se alcance porque razão o tribunal decidiu num sentido e não noutro, também possível. Trata-se de garantir que na decisão se seguiu um procedimento de convicção lógico e racional na apreciação das provas e que a decisão sobre a matéria de facto não é arbitrária, dominada pelas impressões, ou afastada do sentido determinado pelas regras da experiência.
A nosso ver, o texto da motivação é pouco claro e até mesmo algo confuso na explicitação dos meios e dos critérios objectivos em função dos quais o tribunal logrou firmar a sua convicção e fixar a matéria de facto nos termos em que o fez.
Assim, por exemplo, relativamente ao arguido/recorrente RS , não identificamos na motivaçao da decisão de facto a indicação das provas que alicerçam os pontos de facto provados 21, 24, 34 a 37.
Lê-se na motivação, no que concerne a essa matéria de facto:
« Os arguidos fizeram uso do seu direito de não prestar declarações, apenas tendo os arguidos LF  e RS  prestado últimas declarações (cfr. art. 361°, n.° 1, do Código de Processo Penal), nas quais, em suma, sustentaram que o estupefaciente que cada um deles detinha se destinava a consumo próprio e, o arguido LF , que sempre trabalhou.
A convicção do tribunal quanto à matéria de facto provada resultou da análise crítica e conjugada, de acordo com as regras da lógica e da experiência, de toda a prova produzida, como se passa a expor
Mais adiante:
«O documento constante de fls. 990 demonstra o que quanto ao conteúdo do passaporte do arguido RS  consta do ponto 23.° dos factos provados.
Pela análise crítica e conjugada, de acordo com as regras da experiência e da lógica, de toda a prova produzida, como supra exposto, o tribunal conclui, sem qualquer dúvida, que se verificou o plasmado nos pontos 3.º, 4.º. 5.° a 18.°, 20.°, 21.º a 23. º, 24.° a 34°.º, 35.°, 36.° e 37.º».
(…)
«de acordo com as regras da lógica e da experiência, com toda a restante prova produzida, nos termos supra expostos, resultando evidente, em face de toda a prova, o reduzido juízo crítico dos arguidos relativa mente às correspondentes condutas em causa nos presentes autos, encaradas, pelos mesmos e no respectivo contexto familiar e social, com naturalidade, sem arrependimento tendo as mesmas sido levadas a cabo, com claro desprezo pela lei que as proíbe e peia saúde alheia, com vista à obtenção de lucro, e não ao consumo de estupefaciente/s por qualquer dos arguidos, como resultou manifesto daquela análise, com destaque, no que tange ao arguido RS , para tudo o que lhe foi apreendido e para o modo como se encontrava acondicionado e, no que se refere aos demais arguidos, para alem das apreensões referidas nos pontos 19. ° e 20.° dos factos provados, para o teor das comunicações documentadas de fis. 1039 a 1074 e das transcritas no apenso A e de fís 1315 a 1323 dos autos principais
Nas menções à prova testemunhal e documental não identificamos minimamente quais as concretas provas – nem, como é óbvio, a que “análise crítica e conjugada, de acordo com as regras da experiência e da lógica” foram sujeitas - que alicerçaram a convicção do tribunal em relação àqueles mencionados pontos de facto, no respeitante ao arguido/recorrente RS .
Como é que se chegou à conclusão de que o referido arguido procedeu à venda directa de haxixe a consumidores? Os factos 33.º a 37.º referem-se a vendas efectuadas e a efectuar a consumidores de haxixe que o procurassem, e que desde 27 de Março de 2019 fazia essa actividade de venda, mas sem que se indiquem quais as provas que conduziram a essa convicção.
É sabido que o tribunal a quo pode prevalecer-se da prova indirecta ou indiciária para chegar à convicção que formou, pois esta prova (que se distingue da prova directa) é admissível pelo nosso ordenamento jurídico (cfr. nesse sentido, Acs. do STJ de 11/12/2003, Proc. n.º 03P3375; 07/01/2004, Proc. n.º 03P3213; 09/02/2005, Proc. n.º 04P4721; 04/12/2008, Proc. n.º 08P3456; 12/03/2009, Proc. n.º 09P0395 e de 18/06/2009, Proc. n.º 81/04PBBGC.S1, todos em www.dgsi.pt, como outros que sejam citados sem diversa indicação).
A prova indirecta ou indiciária reporta-se a factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência (sendo estas “definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentemente do caso concreto sub judice, assentes na experiência comum e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade - Cavaleiro Ferreira, Curso de Processo Penal, reimpressão da Universidade Católica, Lisboa, 1981, pag. 300), uma ilação quanto ao tema da prova.
Como se salienta no Acórdão da R. de Guimarães de 17/05/2010, Proc. n.º 368/06.5GACBC.G1, reportando-se à jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Tribunal Supremo de Espanha, a eficácia probatória da prova indiciária está dependente da verificação de quatro requisitos, a saber: a prova dos indícios; concorrência de uma pluralidade de indícios; raciocínio dedutivo entre os indícios provados e os factos que deles se inferem, devendo existir um nexo preciso, directo, coerente, lógico e racional.
A falta de concordância ou irracionalidade deste nexo entre o facto base e o facto deduzido tanto pode ter por fundamento a falta de lógica ou de coerência na inferência, como o carácter não concludente por excessivamente aberto, débil ou indeterminado, impondo-se que o  tribunal explicite na sentença o raciocínio em virtude do qual partindo dos indícios provados chega à conclusão da culpabilidade do arguido.
Partindo do pressuposto de que, na falta de prova directa, o tribunal recorreu a prova indirecta para firmar a sua convicção quanto aos aludidos pontos de facto, no tocante ao arguido/recorrente RS , verificamos que, analisada a motivação da decisão de facto relativamente ao mencionado arguido e aos referidos pontos de facto, o tribunal a quo não fundamenta o seu juízo sobre a prova, pois não explicita, de forma minimamente perceptível, em que consistiram e como funcionaram as presunções e juízos de experiência comum a que tenha lançado mão.
Dito de outro modo: se o tribunal recorrido concluiu nos termos em que o fez, porque recorreu a presunções e juízos de experiência, tem de explicitar o seu raciocínio dedutivo ou indutivo, o que se mostra omitido.
Quais são as presunções naturais, fundadas nas regras da experiência comum, que permitiram ao tribunal firmar a sua  convicção?
Não se sabe.
Quer dizer, não se retira do acórdão recorrido qual o processo de raciocínio do tribunal na formação da sua convicção quanto aos factos mencionados e certo é que o Tribunal Superior tem de conhecer o modo e o processo de formulação do juízo lógico nela contido que determinou o sentido da decisão (os fundamentos) para, sobre tais fundamentos, formular o seu próprio juízo - cfr. Ac. do STJ de 16/01/2008, Proc. n.º 07P4565, disponível em www.dgsi.pt. Não o tendo feito, o tribunal recorrido impede esta Relação de sindicar se efectuou (ou não) uma apreciação objectiva da prova produzida, em conformidade com as regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos.
Porém, a nosso ver, o vício de falta de fundamentação, que consideramos particularmente evidente quanto ao arguido RS , não se circunscreve à matéria atinente a este arguido/recorrente.
Como já dissemos, o cumprimento do dever de fundamentar não se afere pela extensão da fundamentação.
Ora, a nosso ver, o texto da motivação, ainda que extenso, é pouco claro e até mesmo algo confuso na explicitação das razões do tribunal para firmar a sua convicção e fixar a matéria de facto nos termos em que o fez.
Para  além de longos parágrafos com menções a transcrições sem explicitação dos pontos de facto provados a que se reportam, diz-se amiúde na motivação de facto, que as testemunhas, “de modo isento” ou “na parte em que depuseram com isenção”.
Mas, pergunta-se: quais foram os critérios que o tribunal seguiu para determinar quando e em que medida cada uma das testemunhas depuseram com isenção ou sem isenção?
Quanto à apreciação da credibilidade das declarações e depoimentos, em que se atende a uma vasta multiplicidade de factores - as razões de ciência, a espontaneidade, a linguagem (verbal e não verbal), as hesitações, o tom de voz, as contradições, etc. -, afirma-se, correntemente, que as razões pelas quais se confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem do juízo de valoração realizado pelo juiz de 1.ª instância, com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum.
Insiste-se, por isso, em que a atribuição de credibilidade, ou não, a uma fonte de prova testemunhal ou por declarações, tem por base uma valoração do julgador que é fundada na imediação e na oralidade, que o tribunal de recurso, em rigor, só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum  . 
Porém, certo é que na motivação da decisão de facto o tribunal de 1.ª instância deve explicitar as razões pelas quais deu credibilidade a um depoimento e a margem de insindicabilidade desse juízo pela Relação, em rigor, respeitará àqueles elementos desse juízo que estejam estritamente dependentes da imediação.
A convicção judicial não é fruto de uma epifania, de uma intuição inexplicável, mas antes o resultado de um processo de conhecimento desenvolvido de acordo com os instrumentos próprios do processo, constituindo uma exigência ineludível de fundamentação que o juiz explicite as razões pelas quais deu credibilidade a determinados depoimentos e não deu a outros, por que lhe mereceram crédito ou não as declarações prestadas e em que medida, não havendo lugar, nesta sede, para meras impressões ou intuições insusceptíveis de motivação racional.
A nosso ver, não se percebe com clareza a forma como os depoimentos referidos na motivação conduziram à formação da convicção, faltando um verdadeiro exame crítico dessas provas.
Como se disse no acórdão desta Relação proferido no RECURSO N.º 4/08.5GBALQ.L1 (Relator: Artur Vargues, que subscrevemos como adjunto, não publicado), a motivação da decisão de facto constante da sentença recorrida «revela insuficiências que tornam opaco o processo de decisão, sendo que a fundamentação da decisão do tribunal a quo, no quadro integral das exigências que lhe são impostas por lei, tem de permitir ao tribunal superior uma avaliação segura e cabal da racionalidade e coerência do juízo ou do processo lógico que conduziu à formação da convicção no tocante aos aludidos factos, passando o exame crítico da prova nos presentes autos, necessariamente, por uma explicação quanto a esse processo.»
Face ao que dissemos, considerando o estabelecido nos artigos 379.º, n.º 1, alínea a) e 374.º, n.º 2, ambos do C.P.P., o acórdão recorrido enferma de nulidade por falta de fundamentação, nos termos mencionados.
3.2. Considerada esta nulidade, fica prejudicado o conhecimento da generalidade das demais questões.
Não assim quanto à nulidade também invocada pelo arguido RS , traduzida na circunstância de o acórdão recorrido ter operado uma alteração da qualificação jurídica dos factos sem prévia comunicação ao arguido/recorrente, matéria que julgamos desde já poder/dever apreciar.
O arguido RS  foi acusado da co-autoria de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 21.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22/01, com referência à Tabela I-C, anexa a esse diploma, tendo sido a final condenado como autor material do aludido crime, porquanto o tribunal deu como não provada a matéria atinente à co-autoria.
Invoca o arguido a seu favor, além de jurisprudência das Relações, o Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 11/2013.
Estabelece o artigo 358.º do C.P. Penal:
Alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia
1 - Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.
2 - Ressalva-se do disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa.
3 - O disposto no n.º 1 é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia.”
A condenação por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º, determina a nulidade da sentença, nos termos do artigo 379.º, n.º1, al. b), do C.P.P.
De acordo com o regime do artigo 358.º, à mera alteração da qualificação jurídica é aplicável o regime da alteração não substancial dos factos, havendo que dar oportunidade ao arguido para salvaguardar os seus direitos de defesa e lhe ser proporcionado o exercício do direito ao contraditório - no sentido, no que ao caso interessa, de que nenhuma decisão deve ser proferida sem que previamente tenha sido precedida de ampla e efectiva possibilidade de ser contestada ou valorada pelo sujeito processual contra o qual é dirigida -, o que se impõe mesmo na fase de recurso, como decorre do artigo 424.º, n.ºs 1 e 3, do C.P.P.
Quer isto dizer que a defesa do arguido deve contemplar todas as expectativas admissíveis, tanto relativamente aos factos a apreciar, como à qualificação jurídica dos factos, cujo direito de a discutir e dela discordar deverá ser assegurado, através do exercício pleno do contraditório.
Lê-se em Código de Processo Penal Comentado por Conselheiros do S.T.J., 2016, 2.ª edição revista (comentário do Juiz Conselheiro Oliveira Mendes), p. 1084:
« (…) atenta a ratio do instituto, vem-se entendendo que só nos casos e situações em que as garantias de defesa do arguido – artigo 32.º, n.º1, da Constituição da República – o exijam (possam estar em causa), está o tribunal obrigado a comunicar ao arguido a alteração da qualificação jurídica dos factos e a conceder-lhe prazo para a preparação da defesa. Por isso, se considera que a alteração resultante da imputação de um crime simples ou “menos agravado”, quando da acusação ou da pronúncia resultava a atribuição do mesmo crime, mas em forma qualificada ou mais grave, por afastamento do elemento quualificador ou agravador inicialmente imputado, não deve ser comunicada, visto que o arguido ao defender-se do crime qualificado ou mais grave se defendeu, necessariamente, do crime simples ou “menos agravado”, ou seja, defendeu-se em relação a todos os eleementos de facto e normativos pelos quais vai ser julgado – a jurisprudência do Supremo Tribunal tem-se orientado, de forma pacífica, neste preciso sentido, como se vê, entre outros, dos acórdãos de 02.07.17, 03.11.12, 04.03.10, 06.04.06, 06.05.10, 06.06.14 e 07.10.31, proferidos nos Processos n.ºs 3158/02, 1216/03, 4024/03, 658/0, 1290/06, 1415/06 e 3271/07.
O mesmo sucede quando a alteração resulta na imputação de um crime menos grave do que o da acusação ou da pronúncia em consequência da redução da matéria de facto na sentença, quando esta redução não constituir, obviamente, uma alteração essencial do sentido da ilicitude típica do comportamento do arguido, ou seja, quando não consubstanciar uma alteração substancial dos factos da acusação – neste sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 91.04.03, publicado na CJ, XVI, II, 17 e o acórdão do Tribunal Constitucional de 94.04.17, proferido no Processo n.º 254/95. Tal acontece, ainda, face a alteraçao decorrente da requalificação da participação do agente de co-autoria para autoria (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.11.09, publicado na CJ (STJ), XIII, III, 205), bem como perante alteração resultante da requalificação da culpa do agente de dolo directo para dolo eventual (acórdão do Tribunal  Constitucional n.º 72/05)
Também Paulo Pinto de Albuquerque, em Comentário do Código de Processo Penal, 3.ª edição actualizada, p. 908, defende não haver necessidade de comunicação da alteração não substancial dos factos e da alteração da qualificação jurídica dos factos no caso de condenação como autor de um arguido acusado em co-autoria.
O S.T.J., no seu acórdão de 9 de Novembro de  2005, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano XIII, t. III, p. 205, sustentou que a requalificação da participação do agente, de co-autor para autor, não traduz qualquer alteração não substancial dos factos, e “em nada atropela direitos do arguido, não havendo lugar ao cumprimento do formalismo legal do art. 358.º, n.º1, do C.P.P.”, e “o afastamento da comparticipação se demarca do conceito de requalificação jurídico-penal”.
Este aresto vem citado no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 7/2008, publicado no Diário da República n.º 146/2008, Série I, de 30 de Julho de 2008, em cuja fundamentação se defende que a alteração decorrente da requalificação da participação do agente de co-autoria para autoria não carece de comunicação.
O mesmo acontece no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º11/2013, publicado no Diário da República n.º 138, 1.ª série, de 19 de Julho de 2013.
A nosso ver, o arguido/recorrente RS  faz uma leitura equivocada deste Acórdão.
A questão que aí se colocava consistia em saber se, após a prolação do despacho a que se reportam os artigos 311.º e 313.º do C.P.P., depois de iniciada a audiência de julgamento, pode o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos antes da produção de prova.
Entendeu o S.T.J. que, sendo indiscutível que o tribunal é totalmente livre de qualificar os factos pelos quais condena o arguido, o momento próprio para o fazer ocorre após haver produção de prova, isto é, quando está a julgar o mérito do caso concreto.
Por isso, fixou jurisprudência nos seguintes termos:
«A alteração, em audiência de discussão e julgamento, da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação, ou da pronúncia, não pode ocorrer sem que haja produção de prova, de harmonia com o disposto no artigo 358.º n.os 1 e 3 do CPP»
Ora, não há qualquer dúvida de que requalificação da participação do arguido, de co-autor para autor, verificou-se no acórdão recorrido e, por conseguinte, depois da produção de prova.
Saber se a prova produzida foi ou não bem valorada é coisa diversa e do domínio da apreciação da decisão de facto.
Acresce que o mesmo Acórdão n.º 11/2013, na linha da jurisprudência já assinalada, reafirma no corpo da sua fundamentação que a alteração decorrente da requalificação da participação do agente de co-autoria para autoria não carece de comunicação – posição contrária à agora defendida pelo recorrente com base naquele aresto.
Assim, independentemente do juízo que se faça sobre a valoração da prova, a alteração em causa verificou-se depois de decorrida a fase da produção de prova e resultou de o tribunal ter considerado não provados os factos integrantes da co-autoria, restando, por redução da matéria de facto, a autoria singular que, na linha da posição que temos vindo a citar e a que aderimos, não traduz alteração que devesse ser previamente comunicada, razão por que não se verifica a invocada nulidade.
Em consequência da supra referida nulidade do acórdão nos termos dos artigos 379.º, n.º 1, alínea a) e 374.º, n.º 2, ambos do C.P.P., fica prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas nas conclusões das motivações de recurso, sendo que, proferido novo acórdão, caso se pretenda que tais questões sejam apreciadas por este Tribunal da Relação, terá(ão) de ser interposto(s) novo(s) recurso(s).    
*
III – Dispositivo
Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em:
A) Declarar nulo o acórdão recorrido recorrido, por inobservância do disposto nos artigos 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, alínea a), ambos do C.P.P., o qual deve ser reformulada pelo mesmo tribunal, proferindo nova decisão onde se supra o apontado vício de falta de fundamentação;
B) Julgar desde já inverificada a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 379.º C.P.P. invocada pelo arguido RS  e, nessa parte, não provido o seu recurso;
C) Não conhecer das demais questões suscitadas, por se mostrarem prejudicadas,
Sem tributação.

Lisboa, 10 de Novembro de  2020
(o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator, seu primeiro signatário – artigo 94.º, n.º2, do C.P.P.)
Jorge Gonçalves
Maria José Machado