Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ANTÓNIO VALENTE | ||
Descritores: | ARRENDAMENTO DESPEJO MORA INDEMNIZAÇÃO CLÁUSULA PENAL IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/17/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | ALTERADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | – O inquilino que, findo o prazo estipulado, não entrega o andar locado ao senhorio, devoluto de pessoas e bens, incorre na situação de mora prevista no art. 1045º nºs 1 e 2 do Código Civil. – Estando obrigado a pagar, a título de indemnização, uma verba correspondente ao valor mensal da renda, em dobro. – O senhorio, face a tal situação de mora na restituição do locado, não pode cumular a indemnização legal com uma cláusula penal moratória. (sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa J intentou acção declarativa de condenação, com processo sumário contra N e M, invocando que na data acordada para o termo do contrato de arrendamento celebrado entre o A. e os RR referente ao primeiro andar do prédio urbano, se encontravam por pagar as rendas vencidas em Setembro e Outubro de 2004, no valor de € 648,44. Por outro lado, refere que o imóvel só foi entregue em 09/12/2004, entendendo o A. ter direito ao valor correspondente ao das rendas, elevado ao dobro referente ao período de Novembro e Dezembro de 2004, no valor global de € 2.593,76, bem como a quantia de € 3.000,00, a título de cláusula penal fixada no contrato de arrendamento, em caso de incumprimento. Pede assim a condenação dos RR. a pagarem-lhe a quantia total de € 6.242,20, acrescida dos respectivos juros de mora sobre a quantia de € 3.242,20 (€ 648,44 + € 2.593,76). Regularmente citados, ambos os RR. contestaram. E assim, a R. N alegou a anulabilidade da cláusula penal moratória ou, em alternativa, a sua modificabilidade segundo juízos de equidade, considerando que o contrato foi celebrado por um ano, mas não se especificou a finalidade desse gozo temporário. O contrato foi celebrado em virtude da realização de umas obras na casa da R. que a impediram de aí permanecer, bem como à sua mãe e irmã deficiente, factos estes que eram do conhecimento do A.. Previsivelmente, as referidas obras demorariam 3 a 4 meses para estarem concluídas, tendo sido aceite entre A e R. que assim que tais obras ficassem prontas, a R. desocuparia o andar imediatamente. As obras de reparação terminaram em finais de Setembro de 2003 e em 1 de Outubro de 2003, a R. começou a retirar os seus bens do andar, o que ficou concluído uma semana depois. Neste mês, a R. contactou o A para proceder à denúncia antecipada do contrato, mas este não aceitou por ter sido acordado que o contrato teria a vigência de 1 ano. Refere assim que em 1 de Outubro de 2003 não tinha efectivamente entregue o andar, só o tendo feito em 11 de Novembro de 2003, através de um mandatário do A. A R. refere ainda que durante os meses de 2003 contactou o A para pagar as rendas dos meses de Setembro e Outubro de 2003 e ainda alguma indemnização, o que o A não aceitou. Entende assim a R. que o A ao pedir o pagamento em dobro das rendas em dobro, bem como o pagamento da cláusula penal, pretende obter um benefício superior ao normal cumprimento do contrato, entendendo ser injusta tal situação e nula a cláusula penal. Conclui pela procedência parcial da acção na parte referente ao pagamento das rendas de Setembro a Outubro de 2003, respectivos juros e indemnização correspondente a Novembro e Dezembro de 2003. Quanto à cláusula penal considera ser inexigível a quantia de € 3.000,00, ou caso assim não se entenda, deve a mesma ser reduzida a € 650. No mesmo sentido pronunciou-se o co-R. M invocando a nulidade da cláusula penal inserta no contrato de arrendamento face ao disposto no art. 1045° do Código Civil. Por outro lado, refere que apenas teve conhecimento da situação pela carta que o A lhe enviou em 12 de Dezembro de 2003, uma vez que mora em Loulé. O processo seguiu os seus termos, vindo a realizar-se o julgamento. A seu tempo, foi proferida sentença julgando a acção parcialmente provada e procedente, condenando os RR a pagarem ao A. a quantia de € 1.296,88. * Inconformado, recorre o A, concluindo que: - Com base na matéria de facto dada como provada, a Meritíssima Juiz a quo, julgou a presente acção parcialmente procedente, não podendo o Apelante concordar e conformar-se com tal entendimento; - A Meritíssima Juiz a quo, assim conclui porque ... foi estabelecido que o contrato terminava em 30 de Outubro de 2003, sabendo o A que o contrato de arrendamento foi celebrado porque a R. necessitou de fazer obras de reparação urgentes ... Ora considerando que a R. telefonou ao A, em Outubro de 2003 para lhe entregar o andar e pagar as rendas de Setembro e Outubro de 2003, o que o A recusou por ainda não ter terminado o prazo do contrato, entende-se que tal motivo não justifica a sua recusa, tanto mais que o contrato cessava nesse mesmo mês ...h - Pelo que, no seu douto entendimento, a Meritíssima Juiz a quo, considerou existir mora do credor e, nessa medida, apenas serão devidas ao Apelante as rendas de Setembro e Outubro de 2003. - Ora, seguindo este raciocínio, dever-se-ia também concluir que, no termo do prazo do contrato, o arrendado foi entregue ao ora Apelante ou que, pelo menos, a Apelada tenha pretendido entregá-lo. - Ora, ,tal prova não resulta da matéria de facto considerada provada. - Da matéria de facto provada e, nomeadamente da resposta ao artigo 1º da Base Instrutória consta "Provado apenas que o andar objecto do contrato foi entregue em Dezembro de 2003". - Quanto ao artigo 2º, que perguntava se "a 2ª. R. entregou o referido andar ao A. no dia 11 de Novembro de 2003, que o aceitou através de um seu mandatário, o Sr. G", respondeu a Meritíssima Juiz a quo "Não provado". - Ainda assim, como pode constatar-se da fundamentação da resposta à matéria de facto, a Meritíssima Juiz a quo, refere ainda que ... o Tribunal teve em consideração o depoimento da testemunha ouvida, L, amigo do Autor e que referiu que em Novembro contactou o Autor no sentido de saber se este terá alguma casa para arrendar, sendo que tinha casado em Setembro desse ano, vivendo em casa dos avós o e estava interessado em mudar de casa. Nessa altura foi com o Autor visitar o andar a que se referem estes autos, mas nessa altura a casa encontrava-se ocupada com uma senhora e um senhor. Mais tarde, cerca de 3 a 4 semanas a testemunha foi novamente contactada pelo Autor que lhe disse que a casa tinha ficado paga e se ele continuava interessado na mesma. Nessa altura foram ver novamente a casa, mas a testemunha referiu então que tinha deixado de estar interessada na mesma, e que a testemunha referiu ainda que esta última visita ocorreu em Dezembro de 2003, não sabendo precisar no entanto a data certa, tendo nessa visita sido entregue a chave ao Autor por uma senhora que lá se encontrava. - Mais refere a Meritíssima Juiz que “a testemunha depôs com isenção revelando conhecimento directo e pessoal dos factos”. - Ora, ao contrário do entendimento expendido na douta sentença, o que se conclui, face à matéria de facto dada como provada, é que o arrendado apenas foi entregue em Dezembro de 2003. - Com efeito, apesar de resultar provado nos autos que a Apelada quis entregar o arrendado em data anterior ao termo do contrato, resultou também provado que esta apenas entregou o arrendado em Dezembro de 2003. - Nem resulta provado que a Apelada tenha pretendido entregar o arrendado no termo do contrato (30 de Outubro de 2003). - Ora, no caso presente, terá que questionar-se se a Meritíssima juiz a quo teve em consideração a prova testemunhal produzida, que segundo a própria afirma, A testemunha depôs com isenção revelando conhecimento directo e pessoal dos factos. - S omos obrigados a concluir que, a Meritíssima Juiz a quo, efectivamente, não fez a valoração crítica de todos os elementos de prova que foram submetidos à sua apreciação. - Desta forma, face à prova produzida nos autos, resultam inquinadas todas as premissas que levaram a Meritíssima Juiz a quo a concluir pela mora do Apelante e, consequentemente a julgar a acção parcialmente procedente, condenando os Apelados a apenas pagar as rendas de Setembro e Outubro de 2003. - Ainda assim, tendo em conta que resulta provado que a Apelada pretendeu, em Outubro de 2003, pagar a renda de Setembro de 2003 (vd. alíneas I) e J) da Matéria de Facto Assente), haveremos de concluir que, nesse momento já se verifica mora, mas da sua parte. - Pelo que, ainda que se considere, como o fez a Meritíssima Juiz a quo, que o Apelante incorreu em mora, esta é ultrapassada, perdendo por isso o seu efeito, pela mora da Apelada, uma vez que, esta, apenas entregou o arrendado em Dezembro de 2003. - Por outro lado, dos autos não resulta que a entrega do arrendado tenha ocorrido em Dezembro de 2003, por causa imputável ao Apelante, pelo que, não pode concluir-se pela existência de mora da parte deste. - Efectivamente, apenas poderia concluir-se pela mora do credor, o ora Apelante, caso, no termo do prazo do contrato, este, confrontado com a entrega das chaves do arrendado se recusasse a recebê-las. - Assim sendo, a decisão em recurso não faz qualquer sentido, devendo ser substituída por outra que condene os Apelados nos termos requeridos pelo Apelante. Foi dado como provado que: 1. A propriedade da fracção autónoma "B" correspondente ao 1° andar do prédio urbano, e inscrito na encontra-se registada a favor do A. 2. Por escrito datado de 24/10/2002, assinado pelo A., na qualidade de Primeiro Outorgante/senhorio, pela 1ª Ré na qualidade de Segunda Outorgante/Arrendatária e pelo 2° R, na qualidade de Terceiro Outorgante/Fiador, intitulado "Contrato de Arrendamento" foi declarado que "( ... ) é celebrado o presente contrato de arrendamento urbano para habitação no regime livre, nos termos da aI. B) do n02 do RA.U., aprovado pelo Decreto-Lei n° 321-B/90 de 15/10, que se rege e subordina aos termos, cláusulas e condições seguintes: Primeira: O Primeiro Outorgante/Senhorio é dono e legítimo proprietário da fracção "B" correspondente ao 1° andar do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, Segunda: Pelo presente contrato, o Primeiro Outorgante/Senhorio, dá de arrendamento à Segunda Outorgante /Arrendatária, que aceita, o 1 ° andar do prédio identificado na cláusula anterior. Terceira: O prazo de duração do presente contrato é de 1 (um) ano, tem o seu início em 1 de Novembro de 2002 e o seu termo em 30 de Outubro de 2003. ( ... ) Nos termos da al. B) do nº 2 do art. 5° do R.A. U., aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-8/90 de 15 de Outubro, o arrendamento é feito pelo prazo de 1 (um) ano não renovável, em virtude da Segunda Outorgante/Arrendatária ter manifestado expressamente essa vontade. Quarta: A renda anual é de € 7.781,28, a pagar pelo Segundo Outorgante/Arrendatária, em duodécimos mensais de € 64844, ao Primeiro Outorgante/Senhorio, sempre no primeiro dia útil do mês anterior aquele a que a mesma respeitar, no domicilio do senhorio, ou no local e a quem por este for indicado. - Parágrafo Primeiro: Na data da assinatura do contrato, a segunda outorgante/arrendatária entrega ao primeiro outorgante/senhorio € 1.296,88. Quinta: O local arrendado destina-se exclusivamente a habitação da Segunda outorgante/Arrendatária, reconhecendo esta que o mesmo realiza cabalmente o fim a que é destinado, não podendo sublocá-lo, no todo ou em parte, sem a prévia autorização escrita do Primeiro Outorgante/Senhorio. ( ... ) Décima Terceira: Dada a natureza temporária deste contrato, fica desde já estabelecida a cláusula penal de € 3.000,00, a acrescer à indemnização a fixar em atenção ao tempo de ilícita ocupação, no caso de incumprimento pela Arrendatária na entrega atempada do arrendado, livre e devoluto. Décima Quarta: O Terceiro Outorgante/Fiador, que declara renunciar ao benefício de excussão prévia, assume solidariamente com o Segundo Outorgante/Arrendatário, o cumprimento de todas as cláusulas deste contrato, seus aditamentos e eventuais renovações, até à efectiva restituição do arrendado livre e devoluto, pelo que declara que a fiança agora prestada subsistirá ainda que haja alteração da renda agora fixada. ( ...)". 3. A 1ª R. efectuou o pagamento das rendas até Setembro de 2003, inclusive. 4. O A. enviou à R. N carta registada, datada de 19/11/2003, com o seguinte teor: "( ... ) Assunto: Contrato de arrendamento para habitação relativo ao 1º andar do prédio urbano Exma. Senhora, Em 11.11.2003, pessoa que se identificou como representante da Sra. D. N esteve no meu escritório tendo entregue uma chave da fracção em referência. Mais informou que o locado se encontrava devoluto. Tendo-me deslocado à referida fracção, em 15.11.2003, constatei que a mesma se mantinha ocupada. Esta fracção foi-lhe dada de arrendamento em 24 de Outubro de 2002, pelo prazo de 1 ano, tendo o respectivo contrato tido início em 01 de Novembro de 2002 e o seu termo em 30 de Outubro de 2003. Nos termos da cláusula Décima Terceira do Contrato de Arrendamento outorgado em 24 de Outubro de 2002, ficou estipulado o seguinte: Dada a natureza temporária deste contrato, fica desde já estabelecida a cláusula penal de € 3.000, a acrescer à indemnização a fixar em atenção ao tempo de ilícita ocupação, no caso de incumprimento pela Arrendatária na entrega atempada do arrendado, livre e devoluto. Ora, V. Exa., não cumpriu, tal como se comprometeu, os prazos para a entrega do arrendado, pelo que sou credor dos 3.000 € estipulados no contrato como cláusula penal pela não entrega atempada do locado. Por outro lado, sou também credor das rendas vencidas no mês de Setembro, relativa a Outubro de 2003, da renda vencida em Outubro relativa a Novembro de 2003 e da renda vencida em Novembro relativa a Dezembro de 2003, ou seja, deve-me V. Exa. a título de rendas a quantia de 1.945,32 € e demais acréscimos legais. Assim sendo, deverá V. Exa. marcar dia e hora para a entrega das chaves da fracção que será feita no local arrendado e, nesse mesmo dia efectuar o pagamento das quantias em dívida, vencidas até essa data ( ... ). 5. O A. enviou ao R. M carta registada datada de 12/12/2003, com o seguinte teor: "( ... ) Assunto: Contrato de arrendamento para habitação relativo ao 1° andar do prédio urbano Exmo. Senhor, Foi V. Exa. Fiador no contrato de arrendamento em referência, pelo que nessa qualidade, é solidariamente responsável por todas as obrigações assumidas pela arrendatária. Em 11.11.2003, pessoa que se identificou como representante da Sra. D. N, esteve no meu escritório tendo entregue uma chave da fracção em referência. Mais informou que o locado se encontrava devoluto. Tendo-me deslocado à referida fracção, em 15.11.2003, constatei que a mesma se mantinha ocupada. Entretanto, tive conhecimento que em 16 e 17 de Novembro foram retirados alguns objectos da fracção. Finalmente, em 09.12.2003, foi-me entregue a casa livre e devoluta. Esta fracção foi dada de arrendamento à Sra. D. N em 24 de Outubro de 2002, pelo prazo de 1 ano, tendo o respectivo contrato tido início em 1 de Novembro de 2002 e o seu termo em 30 de Outubro de 2003. Nos termos da cláusula Décima Terceira do Contrato de Arrendamento outorgado em 24 de Outubro de 2002, ficou estipulado o seguinte: Dada a natureza temporária deste contrato, fica desde já estabelecida a cláusula penal de € 3.000 (Três mil euros), a acrescer à indemnização a fixar em atenção ao tempo de ilícita ocupação, no caso de incumprimento pela Arrendatária na entrega atempada do arrendado, livre e devoluto. Ora, a Sra. D. N, não cumpriu, tal como se comprometeu, os prazos para a entrega do arrendado, pelo que sou credor dos 3.000€ estipulados no contrato como cláusula penal pela não entrega atempada do locado. Por outro lado, sou também credor das rendas vencidas no mês de Setembro, relativa a Outubro de 2003, da renda vencida em Outubro relativa a Novembro de 2003 e da renda vencida em Novembro relativa a Dezembro de 2003, ou seja, deve-me V. Exa. a título de rendas a quantia de 1.945,32 € e demais acréscimos legais. De notar que a Sra. D. N apenas me entregou a casa livre e devoluta em 09.12.2003. V. Exa., na qualidade de fiador, é devedor solidário, pelo que o pagamento desta quantia pode ser-lhe, também, exigido. Caso V. Exa. ou a Sra. D. N não procedam ao pagamento das quantias em dívida, no prazo de 10 dias, ver-me-ei forçado a entregar o assunto aos meus advogados a fim de obter judicialmente o pagamento da quantia em dívida, situação que lhes acarretará maiores gastos e incómodos”. 6. O A. enviou à R. N Ramos carta registada, com aviso de recepção, datada de 12/12/2003, com o seguinte teor: "( ... ) Assunto: Contrato de arrendamento para habitação relativo ao 1º andar do prédio urbano Exma. Senhora, Em 11.11.2003, pessoa que se identificou como representante da Sra. D. N, esteve no meu escritório tendo entregue uma chave da fracção em referência. Mais informou que o locado se encontrava devoluto. Tendo-me deslocado à referida fracção, em 15.11 .2003, constatei que a mesma se mantinha ocupada. Entretanto, tive conhecimento que em 16 e 17 de Novembro foram retirados alguns objectos da fracção. Finalmente, em 09.12.2003, foi-me entregue a casa livre e devoluta. Esta fracção foi dada de arrendamento à Sra. D. N em 24 de Outubro de 2002, pelo prazo de 1 ano, tendo o respectivo contrato tido início em 1 de Novembro de 2002 e o seu termo em 30 de Outubro de 2003. Nos termos da cláusula Décima Terceira do Contrato de Arrendamento outorgado em 24 de Outubro de 2002, ficou estipulado o seguinte: Dada a natureza temporária deste contrato, fica desde já estabelecida a cláusula penal de € 3.000 (Três mil euros), a acrescer à indemnização a fixar em atenção ao tempo de ilícita ocupação, no caso de incumprimento pela Arrendatária na entrega atempada do arrendado, livre e devoluto. Ora, V. Exa., não cumpriu, tal como se comprometeu, os prazos para a entrega do arrendado, pelo que sou credor dos 3.000€ estipulados no contrato como cláusula penal pela não entrega atempada do locado. Por outro lado, sou também credor das rendas vencidas no mês de Setembro, relativa a Outubro de 2003, da renda vencida em Outubro relativa a Novembro de 2003 e da renda vencida em Novembro relativa a Dezembro de 2003, ou seja, deve-me V. Exa. a título de rendas a quantia de 1.945,32 € e demais acréscimos legais. De notar que V. Exa. apenas me entregou a casa livre e devoluta em 09.12.2003. Assim sendo, deverá V. Exa. proceder ao pagamento das quantias supra discriminadas no prazo de 10 dias. Findo este prazo, entregarei o assunto aos meus advogados a fim de obter judicialmente o pagamento da quantia em dívida, situação que lhes acarretará maiores gastos e incómodos. Hoje mesmo farei também seguir uma cópia desta carta para o Exmo. Sr. M que outorgou no contrato de arrendamento como fiador ( ... )". 7. A 1a R. celebrou o contrato de arrendamento com o A porque necessitou de fazer obras de reparação urgentes na sua casa, onde vivia com a sua mãe e irmão, facto este que era do conhecimento do A. 8. As obras de reparação referidas terminaram em finais de Setembro de 2003 e em 01 de Outubro de 2003 a R. começou a mudar as suas mobílias do locado do A para a sua morada, tendo terminado uma semana depois. 9. A 1ª R., em Outubro de 2003 comunicou com o A, pelo telefone, para lhe entregar o andar antes do final do contrato, o que o A não aceitou uma vez que a duração do contrato era de um ano. 10. No mesmo período referido em 9), a 1ª R. contactou o A. para pagar-lhe as duas rendas de Setembro e Outubro de 2003 e ainda alguma indemnização, o que o não foi aceite por este. 11. O andar objecto do contrato foi entregue ao A. em Dezembro de 2003. Cumpre apreciar. O que está em causa no presente recurso é a de saber se ocorreu uma situação de mora, ou do arrendatário, como pretende o recorrente, ou do senhorio como se entendeu na sentença recorrida. Antes do mais, cabe salientar que o recorrente não deu cumprimento ao disposto no art. 690º-A nº 1 b) e nº 2 do CPC, pelo que terá de ser rejeitada a parte do recurso relativa à matéria de facto em tudo o que se relacione com prova produzida em audiência, nomeadamente testemunhal. Dito isto, temos de aceitar a decisão fáctica, nomeadamente no que toca a três aspectos cruciais: – A Ré arrendatária comunicou ao A, em Outubro de 2003, por telefone, que pretendia entregar o andar antes do final do contrato, o que o A não aceitou. – Nessa mesma altura a Ré contactou o A para lhe pagar as rendas de Setembro e Outubro de 2003 e ainda alguma indemnização, o que não foi aceite pelo A. – A Ré entregou o andar ao A em Dezembro de 2003. Devemos dizer que temos alguma dificuldade em entender o douto raciocínio expresso na sentença recorrida. O contrato tinha o seu termo em 31/10/2003. Independentemente das razões que motivaram as partes a celebrar um contrato de arrendamento temporário por um ano, o certo é que não consta nem do contrato nem da matéria dada como provada terem as partes acordado em que o contrato cessaria logo que as obras na outra casa da Ré estivessem concluídas e esta pudesse regressar. Assim, o contrato cessava a 31/10/2003. Pretendendo a Ré pôr-lhe termo antecipadamente, é lícito ao A recusar tal proposta. Não compreendemos a afirmação feita na sentença de que existe mora do credor. O que está aqui em causa – salvo no tocante às rendas – não é a recusa de receber a prestação, mas sim a recusa de pôr termo ao contrato antes do prazo estipulado, o que constitui uma atitude inteiramente legítima do A, não enquanto credor mas enquanto contraente. Seria absurdo considerar-se censurável a conduta de um contraente que pretende apenas que se cumpram na totalidade os termos do contrato livremente celebrado pelas partes. Mas, pior que isso, é o facto de a Ré, apesar de ter feito a proposta de pôr termo ao contrato antecipadamente, só ter entregue a fracção em Dezembro de 2003. Fica-se com a sensação de que para o Mº Juiz a quo desde que o senhorio recuse pôr termo ao contrato antecipadamente, insistindo em que este vigore até ao termo contratualmente estipulado, tal legitima o arrendatário a só entregar o locado quase dois meses depois de tal termo. Salvo o devido respeito, tal entendimento não faz sentido, não existindo qualquer relação de causa e efeito entre a a recusa de aceitar a cessação antecipada do contrato e o facto de a inquilina só entregar o locado muito depois de ocorrer o termo contratualmente acordado. Consta da matéria de facto dada como assente que o A insistiu – em 19/11/2003 - junto da Ré, por escrito, para que lhe entregasse a fracção. Não se entende a razão que levou a Ré a protelar a entrega da fracção até Dezembro de 2003, isto quando propusera ao A a cessação antecipada do contrato em Outubro de 2003. * De salientar ainda que é a própria Ré que confessa, no art. 10º da sua contestação que quando propôs ao A o pagamento das rendas de Setembro e Outubro de 2003, estas já se encontravam em atraso. Contudo, foi o senhorio que recusou aceitar tal pagamento. Como não invocou qualquer fundamento para tal recusa, nem mesmo a exigência de pagamento do acréscimo legal, não o tendo feito igualmente nas comunicações dirigidas aos RR de 19/11/2003 e 12/12/2003 e na própria petição inicial, temos de considerar, aqui sim, a existência de mora do credor, nos termos previstos no art. 813º do Código Civil. Isto, contudo, respeita apenas às focadas rendas, e não ao problema da mora da Ré na desocupação da casa. Atenta a mora da Ré, só entregando a fracção ao senhorio em Dezembro de 2003, quando estava obrigada a fazê-lo, contratualmente, a 30/10/2003, a Ré deverá pagar ao A a título de indemnização o montante equivalente ao das rendas relativas a Novembro e Dezembro de 2003, elevado ao dobro – art. 1045º nºs 1 e 2 do Código Civil. Coloca-se ainda a questão da cláusula penal, estabelecida na cláusula 13ª do contrato de arrendamento e que tem o seguinte teor: “Dada a natureza temporária deste contrato, fica desde já estabelecida a cláusula penal de € 3.000 (três mil euros) a acrescer à indemnização a fixar em atenção ao tempo de ilícita ocupação, no caso de incumprimento da Arrendatária na entrega atempada do arrendado, livre e devoluto”. Em relação à contestação dos RR, há que sublinhar que nada permite afirmar estarmos perante cláusulas contratuais gerais, no sentido definido pelo art. 1º do DL 446/85. Com efeito, não existe na matéria dada como provado e nos próprios articulados das partes indicação de que as cláusulas do presente contrato de arrendamento tenham sido elaboradas sem prévia negociação individual ou que a arrendatária não tenha podido influenciar o conteúdo do contrato. Vem peticionado – e decorre da lei, como vimos – o pagamento a título de indemnização do valor correspondente ao dobro das rendas de Novembro e Dezembro de 2003. Como refere Menezes Cordeiro - “Direito das Obrigações”, 2º, pág. 426 - “podemos definir a cláusula penal como o acordo pelo qual as partes estipulam determinadas regras destinadas a terem aplicação na eventualidade do incumprimento das suas obrigações e em substituição do regime normal da responsabilidade civil”. Sendo aplicável, caso seja essa a vontade dos contraentes, a situações de mora, de incumprimento ou incumprimento parcial, a cláusula penal visa não só delimitar antecipadamente o montante da indemnização devida ao credor como pressionar o devedor a cumprir. Daí que não se possa aceitar que o valor da cláusula penal tenha de coincidir com o montante dos danos que a mora ou incumprimento definitivo do devedor causaram ao credor. Nem sequer depende, em termos da sua validade, da verificação da existência de prejuízos para o credor, pela mora ou incumprimento. Contudo, no caso dos presentes autos, deparamos com uma situação em que, para lá da cláusula penal, é estipulada a indemnização prevista no art. 1045º nº 2 do Código Civil. A indemnização prevista neste preceito não se reporta igualmente a qualquer apuramento de prejuízos concretos para o credor, já que é fixada antecipadamente e tem como único critério o montante da renda que vigorava durante a execução do contrato. A cláusula penal em apreço tem uma natureza moratória, uma vez que foi acordada para o caso de atraso no cumprimento da obrigação de devolução do locado. Como refere Inocêncio Galvão Teles - “Direito das Obrigações”, pág. 351 - “a pena propriamente dita é cumulável com a indemnização. A cláusula penal não o é, visto que se confunde com ela, cujo montante antecipadamente fixa”. O problema que se coloca nestes autos é que são peticionadas duas indemnizações, uma decorrente directamente da previsão normativa, a outra da cláusula penal que se reportam à mesma situação jurídica, ou seja, a mora na entrega do locado. Entendemos que não é admissível que, pelo mesmo facto, se cumulem duas indemnizações que nem sequer são aferidas pelo prejuízo concreto, mas antes pré-fixadas. Contudo, o ora recorrente vem pedir, cumulativamente, tais indemnizações: o montante equivalente às rendas de Novembro e Dezembro, em dobro, e o valor estabelecido na cláusula penal. Seria abusivo e contrário aos princípios da boa fé que o devedor, pelo mesmo facto jurídico fosse penalizado duas vezes. Por outro lado, o prejuízo do A resultante do atraso da Ré na entrega do locado é o mesmo e não justifica, em nosso entender, que gere o direito a duas indemnizações, a legal e a convencional. Por isso, deveremos levar em conta apenas a indemnização legal prevista no art. 1045º. Existindo uma previsão normativa que estabelece a indemnização devida em caso de mora, não pode convencionar-se uma cláusula penal cujo montante acresça a tal indemnização legal. Quanto muito, a cláusula penal poderia substituir a indemnização legal, o que não é o caso dos presentes autos. * Conclui-se assim que: – O inquilino que, findo o prazo estipulado, não entrega o andar locado ao senhorio, devoluto de pessoas e bens, incorre na situação de mora prevista no art. 1045º nºs 1 e 2 do Código Civil. – Estando obrigado a pagar, a título de indemnização, uma verba correspondente ao valor mensal da renda, em dobro. – O senhorio, face a tal situação de mora na restituição do locado, não pode cumular a indemnização legal com uma cláusula penal moratória. Assim e pelo exposto, julga-se o presente recurso parcialmente procedente, condenando os RR a pagarem ao Autor a renda relativa a Outubro de 2003, e o montante correspondente ao dobro das rendas de Novembro e Dezembro de 2003, num total de € 3.242,20. São devidos ainda juros de mora à taxa legal, vencidos desde: 31/10/2003, relativamente à renda de € 648,44; 30/11/2003 e 31/12/2003 relativamente aos montantes de € 1.296,88 + € 1.296,88. Os juros são devidos até integral pagamento. Custas por recorrente e recorridos na proporção do respectivo decaimento. Lisboa, 17 de Junho de 2010 António Valente Ilídio Sacarrão Martins Teresa Prazeres Pais |