Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6071/2007-6
Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO
Descritores: DOCUMENTO
FORÇA PROBATÓRIA
CONTRATO-PROMESSA
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/22/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Sumário: I - No que concerne ao valor probatório dos documentos considerados pelo tribunal da 1.ª instância, encontramo-nos perante três tipos de documentos, a saber, autênticos, particulares emitidos pelas partes e particulares emitidos por terceiros, sendo certo que somente os primeiros e o segundos se encontram sujeitos às regras contidas nos artigos 369.º e seguintes do Código Civil, em termos de impugnação, veracidade e força probatória do seu teor, caindo os últimos no campo de aplicação do disposto no artigo 366.º do mesmo diploma legal.
II – A Autora, culposamente, não marcou a data para celebração da escritura pública dentro do prazo de 120 dias – não havendo objectivamente razão para o prazo adicional de 30 dias –, apesar de ter acesso aos documentos necessários e a existência da hipoteca e penhora não a impedir de fixar e comunicar à outra contraente a data em questão, colocando-se, portanto, numa situação de incumprimento do contrato-promessa, incorrendo em mora e sujeitando-se à obrigação de pagar juros à taxa acordada.
III – Quer o facto da mesma se ter constituído em mora, assumindo o papel de contraente faltoso, como a posterior transmissão do imóvel, afasta desde logo a possibilidade da Autora recorrer ao mecanismo da execução específica previsto no artigo 830.º do Código Civil.
IV - Muito embora a Ré não tivesse dado conhecimento à Autora da penhora que a partir de meados de Fevereiro de 2002 passou a incidir sobre o dito imóvel, certo é que tal facto, só por si, não era impeditivo da marcação e realização do contrato definitivo, pois só nesse acto é que a aqui demandada e ali promitente – vendedora se encontrava obrigada a alienar o prédio livre de ónus e encargos, só aí incumprindo tal dever contratual.
V - O prazo de 5 dias concedido pela Ré à Autora não constitui, face ao disposto no artigo 808.º, número 1, do Código Civil, um prazo razoável de cumprimento, por se revelar muito curto para o efeito procurado – realização da escritura de compra e venda – face às regras da experiência comum, não se encontrando, por outro lado, minimamente enunciada em qualquer uma das duas cartas ou demonstrada nos autos a perda de interesse na prestação, que tem de ser apreciada objectivamente, o que não permite à interpelação admonitória de 11/10/2002 produzir os efeitos jurídicos perseguidos: considerar-se que a Autora não cumpriu definitivamente o negócio jurídico dos autos.
VI - Logo, não havendo lugar à conversão da mora da Autora em incumprimento definitivo, a Ré, ao contrário do que veio a fazer através da sua carta de 15/11/2002 – recusa de entrega da documentação e de celebração do contrato definitivo, com base em pressupostos errados –, dever-se-ia ter predisposto a fornecer os mencionados documentos e a viabilizar a marcação da data da escritura, tendo-se colocado igualmente, numa situação de incumprimento contratual.
VII - Encontramo-nos, portanto, perante duas situações de incumprimento contratual culposo e ilícito, imputáveis à Autora e à Ré (sendo o desta definitivo), sem que delas tenha decorrido a resolução do contrato-promessa dos autos (essa pretensão não é igualmente formulada pelas partes nos presentes autos), que, nessa medida, se mantém em vigor.
VIII - O direito ao recebimento do sinal em dobro ou à sua retenção, consoante a parte faltosa, depende da prévia resolução da relação contratual.
IX - Extravasa o pedido e a causa de pedir dos autos, bem como o objecto dos recursos interpostos pelas partes, conforme defende o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/10/2006 “a condenação do promitente-vendedor na restituição ao promitente-comprador do sinal, em singelo, quando os AA. haviam pedido o pagamento do sinal em dobro, porque os fundamentos de facto (resolução por incumprimento) e de direito (art. 442.º, n.º 2, do CC), são completamente distintos para a restituição em dobro e para a restituição em singelo.
(JES)
Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO

M, residente em Queluz, intentou esta acção de condenação, com processo ordinário, contra F, residente em Queluz, pedindo, em síntese, o seguinte:
a) Seja emitida sentença que substitua a declaração negocial em falta, isto é que declare ter a Autora, adquirido, por compra e venda e pelo preço de € 92.277,61 a fracção autónoma designada pela Letra " CT", correspondente ao 3.º andar, letra E, do prédio urbano sito em Queluz, descrito na Conservatória do Registo Predial de Queluz sob o n.º… e inscrita na matriz da freguesia de Queluz sob o artigo…;
b) Mais se requer a V. Exa. que, nos termos do disposto no n.º 4, do art.º 830.º do Código Civil, a Ré seja condenada a entregar a importância necessária para expurgar a hipoteca e penhora que recaem sobre a fracção autónoma prometida vender, devendo para o efeito o restante preço a pagar pela Autora à Ré, permanecer à ordem do Tribunal, até ser entregue ao credor hipotecário, caso o valor do restante preço seja insuficiente para efeitos de expurgação dos ónus hipotecários, deverá a Ré ser condenada a pagar a diferença mediante deposito dessa quantia;
c) Ou em alternativa, condenar-se a Ré a restituir à Autora as quantias recebidas a título de sinal, em dobro, no valor de Euros 70.829 52, em consequência do incumprimento e por força do disposto no art. 442.º, n.º 2 do C.C., acrescidas de juros legais à taxa legal de 7% ao ano desde a citação e até integral pagamento.
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Citada a Ré F, mediante carta registada com Aviso de Recepção (fls. 50 e 53) veio a mesma apresentar a contestação de fls. 54 e seguintes, onde, para além de impugnar parte da matéria invocada na petição inicial, alega o seguinte:
1) Nega ter-se verbalmente comprometido a proceder ao distrate da hipoteca e ao levantamento da penhora em data anterior à da celebração da escritura;
2) Afirma ter entregue na agência de imediação imobiliária, logo em Fevereiro de 2002, a documentação necessária à celebração daquela;
3) Foi a Autora quem desconsiderou os prazos contratualmente estabelecidos;
4) A dívida à CGD foi atempadamente liquidada e que, no limite, sempre poderia fazê-lo no momento da escritura;
5) Defendeu ainda que em face do incumprimento da Autora lhe assiste o direito a fazer suas as quantias entregues a título de sinal;
6) Pediu, a final, a condenação da Autora como litigante de má fé.
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Notificada a Autora da contestação da Ré, veio a mesma apresentar a réplica, que só foi junta, por razões que se ignora, a fls. 165 e seguintes dos autos, aí refutando a matéria da excepção peremptória de incumprimento alegadamente invocada em tal articulado e pedindo, por seu turno, a condenação da demandada como litigante de má fé, em multa não inferior a Euros 1.000,00 e uma indemnização de Euros 1.500,00 (valor dos honorários a liquidar à sua mandatária).
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A Autora veio responder, por requerimento somente junto a fls. 208, por razões que se ignora, ao pedido de condenação como litigante de má fé formulado pela Ré, tendo esta última vindo, a fls. 217 e 218, requerer o desentranhamento daquele articulado da Autora.
(…)
Foi proferida, a fls. 330 a 337 e com data de 21/12/2006, sentença que, em síntese, decidiu o seguinte:
“Pelo exposto, julgo improcedente o pedido de execução específica do contrato promessa, julgando parcialmente procedente o pedido de restituição das quantias entregues, condenando a Ré a pagar à Autora a quantia de €11 804,92 (onze mil oitocentos e quatro euros e noventa e dois cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a presente data até integral pagamento, absolvendo-a do mais pedido.
Mais absolvo Autora e Ré dos pedidos de condenação como litigantes de má fé.
Custas na proporção do decaimento, fixando em 2/3 a responsabilidade da Autora.
Registe e notifique.”
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A Autora, a fls. 342, interpôs desta sentença recurso de apelação, que foi correctamente admitido como apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com o efeito que vier a ser fixado a final (fls. 207), tendo a fls. 291 sido atribuído a tal recurso o efeito meramente devolutivo.  
(…)
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A Ré, a fls. 343, interpôs igualmente daquela sentença recurso de apelação, que foi correctamente admitido como apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com o efeito que vier a ser fixado a final (fls. 207), tendo a fls. 291 sido atribuído a tal recurso o efeito meramente devolutivo.
(…)
II – OS FACTOS
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III – OS FACTOS E O DIREITO
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A – RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
A1 – RECURSO DA AUTORA
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No que concerne ao valor probatório dos documentos considerados pelo tribunal da 1.ª instância, importa dizer que nos encontramos perante três tipos de documentos, a saber, autênticos, particulares emitidos pelas partes e particulares emitidos por terceiros, sendo certo que somente os primeiros e o segundos se encontram sujeitos às regras contidas nos artigos 369.º e seguintes do Código Civil, em termos de impugnação, veracidade e força probatória do seu teor, caindo os últimos no campo de aplicação do disposto no artigo 366.º do mesmo diploma legal (“a força probatória do documento escrito a que falte algum dos requisitos exigidos na lei é apreciada livremente pelo tribunal”).
Apreciando a actuação do tribunal a quo, nesta matéria, não nos parece que o mesmo tenha considerado documentos que não podia valorar e ponderar, em sede de decisão da matéria de facto, dado que os documentos emitidos pela CGD são insusceptíveis de impugnação pelas partes, à imagem do que acontece para os documentos particulares que tem origem nas partes, sendo, nessa medida, de livre apreciação probatória pelo julgador (diferente questão prende-se com a leitura desses documentos que foi efectuada pelo tribunal da 1.ª instância e que será analisada mais à frente).              
(…)
A2 – RECURSO DA RÉ
(…)
Chegados aqui, importa organizar a matéria de facto assente, de maneira a reflectir as alterações por este tribunal determinadas, que vão assinaladas a negrito:

1) Através de escrito de 7 de Janeiro de 2002, e pelo preço de € 92 277,61, F declarou prometer vender a M, que declarou prometer comprar, o 3.º Andar Esquerdo, Letra E, correspondente à fracção designada pela "CT", do prédio urbano, sito em Queluz, descrito na Conservatória de Registo Predial de Queluz, sob o n.º … e inscrito na matriz da freguesia respectiva sob o n.º … (Doc. de fls. 19 e 20 que aqui se dá por inteiramente reproduzido) – alínea A);
2) A 7 de Janeiro de 2002, a Autora entregou à Ré a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de €9. 975,96, tendo já antes, a 18 de Dezembro de 2001, entregue a quantia de €498,80 – alínea B);
3) Na mesma data as partes acordaram que o remanescente do preço, no valor de € 81. 802,86, seria pago na data da celebração da escritura – alínea C);
4) Acordaram ainda que a escritura seria celebrada no prazo de 120 dias após a celebração do contrato em causa, podendo tal prazo ser prorrogado por mais 30 dias, nos termos e condições previstas na cláusula Terceira que aqui se dá por inteiramente reproduzida – alínea D);
5) A 8 de Março de 2002 e em aditamento ao contrato referido supra, a ora Autora entregou à Ré a quantia de €24 940,00, a título de sinal e princípio de pagamento, acordando que o remanescente do preço, no valor de €56.863,00, seria pago no acto da escritura (Doc. de fls. 21-22 que aqui se dá por inteiramente reproduzido) – alínea E);
6) Na cláusula Terceira do aditamento referido em E) supra, foi acordado que caso não fosse possível à ora Autora celebrar a escritura de compra e venda no prazo estabelecido no "contrato de 07 de Janeiro de 2002, por causa alheia à sua vontade, poderá esse prazo ser dilatar-se por mais 30 dias" – alínea F);
7) Através do mesmo contrato e seu aditamento, as partes acordaram que caberia à ora Autora proceder à marcação da escritura e avisar a ora Ré por carta registada para a sua residência com 15 dias de antecedência – alínea G);
8) Mais acordaram que caberia à ora Ré entregar à ora Autora toda a documentação necessária – alínea H);
9) A 15 de Outubro de 2002, a ora Autora recebeu uma carta registada com aviso de recepção remetida pela Ré, dando-lhe conta de que tinha expirado o prazo para marcação da escritura, concedendo-lhe cinco dias para o fazer – alínea L);
10) A 17 de Outubro de 2002, a ora Autora remeteu à ora Ré a carta registada com aviso de recepção, de teor não apurado pelo tribunal – alínea M);
11) A carta em causa foi devolvida com a menção de "não reclamada" – alínea N);
12) A 13 de Novembro de 2002, a ora Ré recebeu a notificação judicial avulsa de fls. 37 e seguintes e que aqui se dá por inteiramente reproduzida – alínea O);
13) Remetendo a Ré à Autora, com data de 21/11/2002, uma carta onde dava conta do termo do prazo para a celebração da escritura bem como da sua prorrogação por mais 30 dias, tendo a Autora conhecimento da hipoteca, penhora do imóvel e liquidação da respectiva dívida, não sendo por tal motivo que não se realizou oportunamente a escritura de compra e venda, já não se justificando a entrega da documentação solicitada, que esteve desde o início do contrato à disposição da Autora na empresa imobiliária, por a Ré ter perdido o interesse no negócio (Doc. de fls. 47-48 que aqui se dá por inteiramente reproduzido).
 14) Para garantia de dívida à CGD a fracção em causa foi penhorada no âmbito da execução n.º que corre termos na 1.ª Vara deste Tribunal, estando a mesma penhora inscrita na Conservatória de Registo Predial a 11 de Outubro de 2002 – alínea Q);
15) Só em meados de Junho de 2002 é que a ora Autora tomou conhecimento que sobre a fracção em causa incidia penhora a favor da C.G.D. (Resposta ao artigo 1.º da Base Instrutória);
16) Nunca a ora Ré, ou a imobiliária que mediou o negócio, lhe deram conta da existência daquela penhora (Resposta ao artigo 2.º da Base Instrutória);
17) A ora Ré, quando abordada pela Autora quanto à penhora, assegurou-lhe que iria liquidar a dívida à C.G.D. (Resposta restritiva ao artigo 3.º da Base Instrutória); 
18) A Autora sabia que poderia levantar os documentos na imobiliária (Resposta restritiva ao artigo 9.º da Base Instrutória);
19) Quando a ora Autora se dirigiu a esta sociedade, em finais do mês Outubro ou no início de Novembro de 2002, foi informada de que a ora Ré já tinha levado a documentação em causa (Resposta ao artigo 10.º da Base Instrutória);
19-A) A Ré, face à Notificação Judicial Avulsa promovida pela Autora e junta a fls. 37 e seguintes, recusou-se a entregar os documentos necessários à realização da escritura, nos termos constantes da carta de fls. 47 e 48, invocando a perda de interesse na celebração do negócio prometido;
20) A ora Ré reuniu os elementos e documentos necessários à realização da escritura e procedeu à sua entrega, em princípios do mês de Fevereiro de 2002, à sociedade "P, Lda." que mediou o negócio (Resposta restritiva aos artigos 12.º e 13.º da Base Instrutória);
21) A dívida à C.G.D. referida supra, foi paga pela ora Ré (Resposta ao artigo 17.º da Base Instrutória);
23) Através da Apresentação 03/060308 foi inscrita, como provisória por natureza, a aquisição, por compra, da fracção em causa a favor de Olga.

B – RECURSOS DA AUTORA E DA RÉ (MATÉRIA DE DIREITO)

Chegados aqui, apreciemos juridicamente o litígio dos autos, tendo presente que o tribunal recorrido, entendendo que houve culpa de ambas as partes no incumprimento do contrato promessa dos autos, repartindo a mesma na proporção de 2/3 e 1/3, por Autora e Ré, respectivamente, condenou esta última a restituir 1/3 do sinal entregue pela primeira à segunda, acrescido de juros de mora à taxa legal.
Face ao teor do acordo escrito junto a fls. 19 e 20, bem como ao aditamento a que foi sujeito posteriormente e que se mostra junto a fls. 21 e 22, ao disposto no artigo 410.º e seguintes do Código Civil e à noção de contrato promessa que Antunes Varela, “Das Obrigações em geral”, I Volume, Almedina, 9.ª Edição, 1996, página 317 defende (“convenção pela qual ambas as partes, ou apenas uma delas, se obrigam, dentro de certo prazo ou verificados certos pressupostos, a celebrar determinado contrato”), não restam dúvidas de que no encontramos perante um genuíno e típico contrato-promessa.
Chegados aqui, verificamos que entre as partes foi fixado um prazo de 120 dias sobre a data da assinatura do dito contrato (7/01/2002), que, em dadas circunstâncias, podia ainda ser objecto de uma prorrogação por um período de 30 dias, o que implicava que o negócio prometido deveria ser concretizado até ao dia 8/5/2002 ou, com a dita prorrogação, até 8/6/2002.
O aditamento de 8/3/2002 não é muito claro no que a tal prazo respeita, dado não se perceber se aquele prazo de 120 dias, embora se mantendo, se conta agora a partir da data deste aditamento ou se, apesar do mesmo, continua a correr e a contar-se desde 7/1/2002 (muito embora haja uma referência no parágrafo primeiro da cláusula 1.ª a tal data, que sugere esta segunda interpretação, a acreditar na razão para a celebração deste acordo complementar, como parece ressaltar dos articulados das partes e do depoimento de algumas das testemunhas e que teria a ver com as dificuldades que a Autora estaria a ter na venda sua habitação, da qual dependeria a angariação de verbas para fazer face ao pagamento do preço do prédio objecto do contrato-promessa dos autos, tudo indicaria que o prazo original de 120 dias se teria interrompido, para começar a decorrer na íntegra desde 9/3/2002).
Esta questão, contudo, não tem grande relevância na economia dos autos, pois que tal prazo de 120 dias + 30 dias de prorrogação terminaria, no segundo cenário considerado, em 9/8/2002, ou seja, muito antes dos factos que iremos, de seguida, passar a abordar.
Importa recordar que a prorrogação do prazo de 120 dias só aconteceria numa situação de impossibilidade objectiva de celebração da escritura pública de compra e venda e que a violação de tais prazos por parte da Autora importaria o pagamento de juros de mora mensais, à taxa de 2%, até à realização daquele acto.
Finalmente, era à Autora que competia a marcação da mencionada escritura de compra e venda junto do respectivo Cartório Notarial, com a antecedência mínima de 15 dias, ao passo que a Ré, para o efeito, se comprometia a facultar à Autora a documentação necessária, bem como a transmitir o prédio livre de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades de qualquer natureza.
Ora, face a este cenário contratual e aos factos dados como provados, poder-se-á dizer que a promitente – compradora M incumpriu o contrato-promessa em questão?
Como a nossa apreciação anterior já deixa antever, a resposta tem de ser negativa, afigurando-se-nos claro que a Autora, culposamente, não marcou a data para celebração da escritura pública dentro do prazo de 120 dias – não havendo objectivamente razão para o prazo adicional de 30 dias –, apesar de ter acesso aos documentos necessários (o tribunal não compreende porque não foi a Autora buscar essa documentação à agência mediadora durante os 7 a 9 meses em que ali estiveram) e a existência da hipoteca e penhora não a impedir de fixar e comunicar à outra contraente a data em questão.
Logo, a Autora colocou-se numa situação de incumprimento do referido contrato, incorrendo em mora e sujeitando-se à obrigação de pagar juros à taxa acordada, conforme acima referenciado (esta cláusula de juros obsta à qualificação jurídica dos mencionados prazos como essenciais ou absolutos, não implicando a sua violação uma situação de imediato incumprimento definitivo)
É certo que a mesma desenvolveu algumas diligências – telefonema para a Ré com respeito ao recém – conhecimento da penhora e efectuado em Junho de 2002, carta de teor desconhecido remetida em 17/10/2002, deslocação à empresa mediadora em finais de Outubro, início de Novembro de 2002 e Notificação Judicial Avulsa de 7/11/2002 – mas essas actuações foram todas desenvolvidas para além do prazo de 120 dias, ou seja, quando a Autora já se encontrava em mora, por incumprimento contratual, sendo certo que as três últimas acontecem como reacção à carta da Ré de 11/10/2002 (ainda que se pretendesse invocar o prazo adicional de 30 dias ou esticar o mencionado prazo de 120 dias, com ou sem os outros 30 dias, até Julho ou Agosto de 2002, só a primeira conduta caberia dentro do seu campo temporal de aplicação e, em si, revela-se inócua em termos da obrigação de marcação da escritura que impendia sobre a demandante).
Esta conclusão, independentemente da posterior transmissão do imóvel, que só ocorreu em Março de 2006, conforme se mostra demonstrada nos autos (fls. 159) e que obsta também a essa pretensão, afasta desde logo a possibilidade da Autora recorrer ao mecanismo da execução específica previsto no artigo 830.º do Código Civil, dado a mesma se ter constituído em mora, assumindo o papel de contraente faltoso (cf., neste sentido, Carlos Ricardo Soares, “Contrato-promessa de compra e venda de fracção autónoma”, Almedina, 3.ª Edição, páginas 112 e seguintes).     
E quanto à Ré, poder-se-á afirmar que a mesma incumpriu o contrato-promessa em questão?
Face à matéria de facto dada como assente, a resposta tem de ser negativa, pois F não só disponibilizou a documentação pertinente em Fevereiro de 2002, como a deixou confiada à agência imobiliária que permitiu o contacto entre as partes, facto esse que era do conhecimento da Autora.
Por outro lado, muito embora não tivesse dado conhecimento à Autora da penhora que a partir de meados de Fevereiro de 2002 passou a incidir sobre o dito imóvel, certo é que tal facto, só por si, não era impeditivo da marcação e realização do contrato definitivo, pois só nesse acto é que a aqui demandada e ali promitente – vendedora se encontrava obrigada a alienar o prédio livre de ónus e encargos, só aí incumprindo tal dever contratual e não antes, tendo a mesma se comprometido em Junho de 2002 a solver o débito em questão e a permitir, dessa forma, o levantamento da dita apreensão judicial (cf., a este propósito, a jurisprudência citada por José Carlos Brandão Proença, em “A Resolução do contrato no direito civil – do enquadramento e do regime”, Coimbra Editora, 2006, página 109, nota 206, que tem entendido que o incumprimento (ou a impossibilidade de cumprimento) de um contrato-promessa se afere normalmente pelo momento da celebração do contrato prometido – ver, também, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22/03/2007, processo n.º 07A543, relator: Urbano Dias e de 27/11/2007, processo n.º 07A3717, relator: Alves Velho, que parecem ir também nesse sentido; em sentido diverso, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/01/2008, processo n.º 07B3813, relator: Santos Bernardino).
Importa realçar, finalmente, que a Autora não logrou demonstrar, como lhe competia, face ao disposto nos artigos 342.º e seguintes do Código Civil e 516.º do Código de Processo Civil, o tal acordo verbal entre ela e a Ré no sentido do adiamento da escritura até ao pagamento da dívida à CGD ou, pelo menos, ao levantamento da dita penhora, valendo portanto e tão somente o contrato-promessa e aditamento acima analisados.
Recorde-se aqui a existência de uma anterior hipoteca a favor da CGD sobre o prédio dos autos, que lhe garantia com muito maior eficácia qualquer crédito seu sobre a Ré, hipoteca essa que sempre foi do conhecimento da demandante e que tinha de ser igualmente cancelada até ao momento da celebração da escritura pública em questão, não constituindo, contudo, essa garantia obstáculo a esse negócio definitivo, sendo certo que a execução instaurada por essa entidade e no âmbito do qual foi efectuada a dita apreensão judicial visava executar os débitos juridicamente assegurados por aquela hipoteca.
Admitimos mesmo, conforme acontece muitas vezes, que a Ré pretendesse utilizar o preço pago pela Autora no momento da escritura como forma de liquidar a sua dívida para com a CGD, dessa maneira abrindo caminho ao cancelamento das ditas hipoteca e penhora.
Será que se pode entender a retirada dos documentos da agência mediadora como um incumprimento contratual por parte da Ré?
Tendo em atenção que o prazo máximo admissível para a celebração do contrato-promessa era Maio ou Julho, consoante se adopte uma ou outra das interpretações acima referenciadas para o aditamento ao contrato – promessa e que tais documentos estiveram acessíveis à Autora desde os primeiros dias de Fevereiro de 2002 até data não apurada nos autos mas que se situa em momento anterior aos finais de Outubro/princípios de Setembro de 2002, altura em que a Autora ali deslocou à empresa mediadora com uma amiga.
Ponderando devidamente as regras do ónus da prova e a sua repartição pelas partes (artigos 341.º e seguintes do Código Civil), entendemos que era à Autora que competia demonstrar que a Ré tinha retirado da agência, em violação do acordado, aqueles documentos (facto impeditivo ou modificativo – excepção peremptória, que pudesse ilidir suficientemente a presunção de culpa constante do artigo 799.º, número 1 do Código Civil), prova essa que, contudo, não logrou fazer (a única testemunha que se refere a esse aspecto é o mediador mobiliário, situando-o, sem grandes certezas em termos temporais, em Agosto/Setembro de 2002).
Nessa medida, os ditos documentos poderão ali ter estado até momento próximo da carta da Ré de 11/10/2002 (provavelmente, até ao 6.º dia após a sua recepção pela Autora, em consonância com o fim do prazo último fixado), por ser a data mais consentânea com os restantes elementos de facto e com as regras da experiência comum.
Logo, afigura-se-nos que nada de censurável pode ser apontado à Ré nessa matéria, atenta a situação de mora criada pela Autora e as demais circunstâncias do caso vertente.
Poder-se-á ainda dizer que a Ré, ao não receber a carta enviada pela Autora em 17/10/2002, se colocou numa situação de incumprimento contratual, mas, por um lado, ignoramos o exacto conteúdo da referida missiva como, por outro, desconhecemos as razões para a não recepção da dita carta, competindo a prova de cada um dos factos à Autora e Ré, respectivamente, sendo certo que nos movemos já, como referimos mais que uma vez, no quadro da violação das obrigações contratuais por parte da promitente-compradora, achando-se a Autora numa clara situação de mora.
Sendo assim, não vislumbramos qualquer violação por parte da Ré ao clausulado do contrato-promessa dos autos.     
Chegados aqui, convirá talvez ouvirmos o Prof. Antunes Varela com o peso da sua autoridade jurídica, obra citada, págs. 362 e 363, acerca do incumprimento no quadro do contrato-promessa: “ (...) c) Suponhamos agora que, uma vez verificada a mora do promitente vendedor (que não comparece culposamente ao acto de celebração da escritura no local e data para que foi regularmente notificado), o promitente comprador, não interessado na resolução do contrato, recorre à interpelação admonitória prevista no artigo 808.º. Notifica o promitente vendedor para que compareça, no mesmo ou outro local, em data posterior, ou no dia que o notificado preferir para o efeito, dentro de uma dilação razoável, sob a cominação de, no caso de nova falta de comparência, se ter o contrato-promessa por não cumprido (definitivamente não cumprido).
Se o notificado (promitente vendedor) voltar a não cumprir, dentro do prazo suplementar que para o efeito lhe foi concedido, é fora de dúvida que o promitente comprador pode resolver o contrato (artigos 808.º e 801.º, n.º 2) e exigir a aplicação de qualquer das duas sanções previstas no n.º 2 do artigo 442.º, consoante as circunstâncias.
Mas é igualmente certo que, apesar da falta definitiva de cumprimento por parte do promitente vendedor, por força do disposto no n.º 1 do artigo 808.º, o promitente comprador pode recorrer à execução específica do contrato-promessa, se o seu interesse na realização do contrato prometido persistir.
Não há, efectivamente, nenhuma contradição ou incompatibilidade, por parte do promitente-comprador, entre o facto de ter feito a interpelação admonitória do promitente vendedor e o de, malograda esta, recorrer à execução específica.
Ao efectuar essa interpelação, concedendo ao notificado um novo prazo para cumprir, o promitente comprador não quer necessariamente significar que, no caso de o interpelado voltar a não cumprir, ele se desinteressa definitivamente do contrato e dá este por resolvido, com as sanções adequadas.
Ele pode simplesmente querer dizer, com a interpelação admonitória, que pretende dar ao contraente faltoso a derradeira possibilidade de cumprir voluntariamente, sem a aplicação de qualquer sanção (exceptuando a do dano moratório, se este porventura tiver existido).
Para usar a terminologia do próprio artigo 808.º, n.º 1, o autor da interpelação admonitória declara apenas, em princípio, que, na hipótese de o interpelado voltar a não cumprir, dentro do prazo razoável que para o efeito lhe concede, ele (promitente comprador) considera a obrigação por não cumprida para todos os efeitos.
E entre esses efeitos, cabe naturalmente o do recurso à realização coactiva da prestação, prevista em termos genéricos nos artigos 817.º e seguintes”.
Logo, a Ré, ao enviar a carta de fls. 33, datada de 11/10/2002 (“Venho por este meio e nos termos e para os efeitos do disposto na cláusula terceira do contrato de promessa de compra e venda acima referido, bem como na cláusula segunda do aditamento ao mencionado contrato, e atendendo ao facto de se encontrar excedido o prazo para a realização da escritura pública, conceder-lhe o prazo máximo de cinco dias, a contar da data da recepção da presente carta, para proceder à realização da mesma. Findo tal prazo sem que o tenha feito, informo V. Exa. que deixo de estar interessada na celebração do negócio, considerando o contrato definitivamente incumprido por culpa única e exclusiva de V. Exa.”) veio interpelar admonatoriamente a Autora para cumprir as suas obrigações dentro do prazo de 5 dias, o que esta não fez, tendo então a Ré considerado definitivamente incumprido o mesmo, nos moldes da mencionada interpelação e da carta de 15/11/2002, posteriormente remetida à Autora.
Pensamos que o prazo de 5 dias concedido pela Ré à Autora não constitui, face ao disposto no artigo 808.º, número 1, do Código Civil, um prazo razoável de cumprimento, por se revelar muito curto para o efeito procurado – realização da escritura de compra e venda – face às regras da experiência comum, não se encontrando, por outro lado, minimamente enunciada em qualquer uma daquelas duas cartas ou demonstrada nos autos a perda de interesse na prestação, que tem de ser apreciada objectivamente, o que não permite à interpelação admonitória de 11/10/2002 produzir os efeitos jurídicos perseguidos: considerar-se que a Autora não cumpriu definitivamente o negócio jurídico dos autos.
Como bem se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2/05/1985, publicado em BMJ 347, 375:
VI – Também no contrato-promessa os dois casos previstos no artigo 808.º do Código Civil são equiparados ao não cumprimento definitivo.
VII – Assim, o mero interesse subjectivo do promitente – vendedor em não outorgar no negócio prometido, devido à inobservância dos prazos estabelecidos, não integra um caso de falta de interesse para os efeitos do artigo 808.º do Código Civil, do mesmo modo como não traduz um prazo especial razoável o intervalo de tempo de seis dias concedido ao promitente-comprador, quer para intervir na escritura e se apresentar no notário com os documentos indispensáveis, quer para reunir as somas em dinheiro necessárias para liquidar o devido à contraparte”. (cf. também os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 5/12/1995 e 12/1271995, publicados no BMJ n.º 352, páginas 405 e seguintes e 423 e seguintes e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/12/1986, publicado em CJ, Ano XI, Tomo 5, página 153).
Ora, não se achando o contrato-promessa dos autos numa situação de incumprimento definitivo por parte da Autora mas antes e ainda numa mera situação de mora, a Ré, ao negar-se a fornecer a documentação e a celebrar o mesmo, nessas circunstâncias, coloca-se ela também numa posição de incumprimento contratual, por falta dos pressupostos jurídicos legalmente exigidos para o efeito.
Não se ignora que a Autora se encontra, nesta fase da vida do contrato, numa situação de mora ou retardamento do cumprimento, com o direito da Ré ao recebimento de juros, à taxa de 2% sobre o preço em falta, mas tal facto não obsta a que aquela, dado se manter ainda o interesse na celebração do contrato, desenvolva diligências tendentes a pôr termo a essa mora, o que só acontecerá com a marcação e celebração da escritura pública em falta.
É nesse quadro de sanação da mora que se inserem as diligências desenvolvidas pela demandante e que se traduzem, pelo menos, na deslocação à agência mediadora, com vista ao levantamento da documentação, e no pedido de Notificação Judicial Avulsa, com desiderato mais ou menos similar.   
Logo, não havendo lugar à conversão da mora da Autora em incumprimento definitivo, a Ré, ao contrário do que veio a fazer através da sua carta de 15/11/2002 – recusa de entrega da documentação e de celebração do contrato definitivo, com base em pressupostos errados –, dever-se-ia ter predisposto a fornecer os mencionados documentos e a viabilizar a marcação da data da escritura.
Ao não actuar dessa forma, como já dissemos, colocou-se também numa situação de incumprimento contratual, inviabilizando as diligências da Autora tendentes a ultrapassar o impasse criado pela sua própria conduta. 
Muito embora tenhamos dúvidas quanto à possibilidade da Notificação Judicial Avulsa transformar essa mora da Ré em incumprimento definitivo, dado assentar em pressupostos incorrectos, que nunca passam pelo reconhecimento da prévia violação contratual levada a cabo pela Autora (cf., a este respeito, José Carlos Brandão Proença, em “Do Incumprimento do Contrato-Promessa Bilateral – A dualidade execução específica-resolução”, Separata especial do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, 1996, Almedina, páginas 95 e seguintes, Ana Prata, embora a propósito da resolução, em “O contrato-promessa e o seu regime civil”, Almedina, Agosto de 2001 (reimpressão), páginas 718 e seguintes e 801 e seguintes e também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/05/1998, BMJ n.º 477, páginas 460 e seguintes), certo é que a mesma se coloca, na carta de Novembro de 2002 (fls. 47-48), numa posição de recusa, radical e definitiva, relativamente à satisfação das suas obrigações contratuais, o que tem de ser equiparado, inevitavelmente, a esse incumprimento definitivo.    
Importa talvez levar a nossa análise um pouco mais longe e indagar se a Ré, nessa carta, aqui em apreço, não terá retirado todas as consequências jurídicas da sua declaração de perda de interesse contratual, ou seja, se não terá procedido à resolução do contrato – promessa dos autos.
A dúvida prende-se com a circunstância da demandada afirmar nas suas duas cartas que, caso não seja o contrato definitivo concretizado no prazo de 5 dias, deixa de estar interessada na celebração do negócio, considerando o contrato definitivamente incumprido por culpa única e exclusiva da Autora (fls. 33) e de que, como esta última não cumpriu, deixou a Ré de estar interessada na celebração do negócio, por o considerar definitivamente incumprido por culpa única e exclusiva daquela, tendo perdido o interesse na celebração do negócio prometido (fls. 47 e 48).
As partes não suscitam esta questão mas parece que nenhuma delas considera o dito contrato resolvido pela Ré, afigurando-se-nos que, à falta de mais elementos, à equivocidade das transcritas expressões, à excepção peremptória arguida pela demandada na sua contestação e aos efeitos por ela perseguidos (retenção do sinal) e ao disposto nos artigos 236.º e seguintes do Código Civil, afigura-se-nos que a melhor interpretação para tais menções é a de as não considerar de carácter resolutório (ainda que assim fosse, sendo tal resolução juridicamente eficaz mas ilícita, por falta de pressupostos legais, teria sempre de ser reconduzida a uma recusa culposa de cumprimento contratual – cf., por todos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25/06/1998, CJSTJ, Tomo II, páginas 138 e seguintes, de 26/9/1996, CJSTJ, Tomo III, páginas 24 e seguintes e de 21/05/1998, BMJ n.º 477, páginas 460 e seguintes, este último já acima referido).
Encontramo-nos, portanto, perante duas situações de incumprimento contratual culposo e ilícito, imputáveis à Autora e à Ré (sendo o desta definitivo), sem que delas tenha decorrido a resolução do contrato-promessa dos autos (essa pretensão não é igualmente formulada pelas partes nos presentes autos), que, nessa medida, se mantém em vigor.
Impõe-se averiguar se, neste enquadramento fáctico e jurídico, a Autora terá direito ao pedido subsidiário por ela formulado e que é o seguinte: “condenar-se a Ré a restituir à Autora as quantias recebidas a título de sinal, em dobro, no valor de Euros 70.829 52, em consequência do incumprimento e por força do disposto no art. 442°, n°2 do C.C., acrescidas de juros legais à taxa legal de 7% ao ano desde a citação e até integral pagamento.”
A resposta tem igualmente de ser negativa, dado uma parte da nossa doutrina e jurisprudência fazerem depender o direito ao recebimento do sinal em dobro ou à sua retenção, consoante a parte faltosa, da prévia resolução da relação contratual.
Ana Prata, na obra referida, página 800, afirma expressamente que “pode assim concluir-se que, nos contratos bilaterais, além de poder ser, deve ser, como regra, pressuposto do funcionamento penal do sinal a resolução do contrato em que ele se integra”, indo no mesmo sentido José Carlos Brandão Proença, obra citada, páginas 115 e seguintes, com especial relevância para as páginas 122 e 123 (com indicação de outra doutrina e jurisprudência, bem como de autores e arestos que defendem posição oposta), João Calvão da Silva, “Sinal e Contrato Promessa”, 2007 – 12.ª Edição – Revista e Aumentada, páginas 99 e seguintes e alguma da jurisprudência aí referenciada, bem como por Carlos Ricardo Soares, obra citada, páginas 119 e seguintes e ainda por Antunes Varela, obra acima referenciados, página 359, em nota de pé de página.
Esta interpretação do disposto nos artigos 442.º, números 2 a 4, 804.º e 808.º do Código Civil, à qual aderimos, parece-nos ser a mais consentânea com o espírito e a letra da lei, permitindo manter a unidade e a coerência interna do sistema.
Logo, também o pedido subsidiário da Autora acima transcrito não pode merecer deferimento, por falta de fundamento legal.
Chegados aqui, afigura-se-nos extravasar o pedido e a causa de pedir dos autos, bem como o objecto dos recursos interpostos pelas partes, ir mais além na apreciação e julgamento do litígio dos autos (cf., quanto a este ponto, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/10/2006, processo n.º 06A3251, em que foi relator Afonso Correia: “VI - É nula a condenação do promitente-vendedor na restituição ao promitente-comprador do sinal, em singelo, quando os AA. haviam pedido o pagamento do sinal em dobro, porque os fundamentos de facto (resolução por incumprimento) e de direito (art. 442.º, n.º 2, do CC), são completamente distintos para a restituição em dobro e para a restituição em singelo.”), muito embora se possa ainda dizer, em jeito de conclusão e sem que tal implique qualquer decisão sobre a matéria que a nossa doutrina e jurisprudência apontam, pelo menos, duas soluções possíveis para a o desbloqueio da situação que se deixou analisada neste Aresto e que passam, ou pela resolução do contrato-promessa por parte da promitente-compradora e posterior pedido de restituição do sinal em montante que se entender adequado e justo às culpas concorrentes da Ré e da própria Autora (cf., quanto a esta tese, Calvão da Silva, obra citada, páginas 146 e seguintes, bem como o Aresto acima referido e a jurisprudência por esse autor citada) ou, simplesmente, seguir a posição exposta por Ana Prata, obra citada, páginas 801 e seguintes e José Carlos Brandão Proença, obra citada, páginas 95 e seguintes, onde, não se admitindo a resolução, se concebe apenas a possibilidade da restituição do sinal em singelo, ao abrigo do artigo 442.º, número 1, 2.ª parte do Código Civil, sem prejuízo da intervenção do artigo 570.º do mesmo diploma legal, em termos de ponderação da culpa de cada um dos contraentes (cf., também, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/06/2004, processo n.º 04A1848, em que foi relator Silva Salazar, que parece apontar neste sentido).
Sendo assim, pelos fundamentos expostos, impõe-se julgar improcedente, nesta parte, o recurso de apelação interposto pela Autora M e procedente o recurso de apelação interposto por F, no que concerne à revogação da sentença recorrida, muito embora com fundamentos diversos.                    
    
IV – DECISÃO

Por todo o exposto e tendo em conta os artigos 713.º e 715.º do Código do Processo Civil, acorda-se neste Tribunal da Relação de Lisboa em determinar a alteração da decisão da matéria de facto nos termos acima expostos e ainda no seguinte:
a) Em julgar improcedente o recurso de apelação de M; 
b) Em julgar procedente o recurso de apelação de F;
c) Em revogar a sentença recorrida e absolver a Ré dos pedidos contra ela formulados pela Autora. 
                   
Custas da acção e das duas apelações a cargo da Autora – artigo 446.º do Código de Processo Civil.

Notifique e Registe.

Lisboa, 28 de Fevereiro de 2008

(José Eduardo Sapateiro)
(Teresa Soares)
(Carlos Valverde)