Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | FRANCISCA MENDES | ||
Descritores: | EXECUÇÃO QUANTIA EXEQUENDA PENHORA IMÓVEL | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/24/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | No âmbito do processo executivo é permitida a penhora de bem imóvel que não se adeque, por excesso, ao montante do crédito exequendo, desde que a penhora de outros bens presumivelmente não permita a satisfação integral do credor no prazo de seis meses. (Elaborado pela relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa Relatório BBB, na qualidade de executada, deduziu oposição à penhora nos autos de execução em que exequente AAA, pedindo que seja ordenado o cancelamento da penhora constante do auto de penhora datado de 10.01.2020, por violação do princípio da proporcionalidade decorrente do nº 3, do artigo 735º do CPC. Como fundamento do seu pedido a executada alegou, em síntese, que o imóvel penhorado tem um valor patrimonial mais de dez vezes superior ao montante da quantia exequenda, o que constitui violação da norma do nº 3 do artigo 735º do CPC e violação do princípio da proporcionalidade que deve presidir entre o valor dos bens penhorados e o do valor da execução. A oposição foi liminarmente admitida e, notificado o exequente, este deduziu contestação. Na contestação o exequente alegou, em síntese, que tendo sido realizadas diversas diligências de penhora, foi apurada a existência de contas bancárias tituladas pela executada, assim como a existência de diversos imóveis e veículos automóveis propriedade da devedora, sendo que todos os bens ou não tinham valor comercial ou sobre eles incidiam penhoras ou arrestos anteriores em processos judiciais em curso. Por isso, o exequente optou pela penhora do bem que mais facilmente e rapidamente poderá satisfazer o cumprimento da quantia peticionada, no caso o imóvel identificado nos autos. Sustentou ainda o exequente que a executada, tendo alegado excesso de penhora, se limitou a invocar o valor patrimonial do imóvel penhorado e o valor da quantia exequenda, não indicando outros bens passíveis de penhora, em alternativa ao bem efectivamente penhorado. O contestante concluiu pela improcedência da oposição, devendo a execução prosseguir os seus termos. * O Tribunal a quo proferiu decisão de mérito no despacho saneador. Para tanto, considerou provados os seguintes factos : a) Por sentença judicial homologatória de acordo alcançado entre a Executada e o Exequente, proferida no processo principal nº 9364/18.9T8SNT, deste Juízo do Trabalho (Juiz 3), transitada em julgado, foi a ora Executada condenada no pagamento da quantia de € 42.261,98 (quarenta e dois mil duzentos e sessenta e um euros e noventa e oito cêntimos), a título de capital, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal aplicada. b) Na transação homologada por sentença, as partes acordaram que a quantia global de € 42.261,98 deveria ser paga em 12 prestações mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira prestação no dia 01/04/2019. c) A Executada nada pagou. d) Interpelada para proceder ao pagamento acordado, a Executada não fez, nem justificou o não pagamento. e) O Exequente intentou contra a Executada a ação executiva de que esta oposição é um apenso. f) Na execução foram efetuadas pesquisas pelo Sr. Agente de Execução, de bens suscetíveis de penhora. g) Das referidas pesquisas resultou a existência de depósitos bancários, em nome da Executada. h) Contudo, face à existência de penhoras anteriores, a penhora dos respetivos saldos bancários foi sustada, tendo sido penhorada a quantia global de € 202,84 (duzentos e dois euros e oitenta e quatro cêntimos), referente a um saldo bancário existente numa conta sediada no Banco (….), no valor de 5,00 €, e outro sediado no Banco (…) no valor de 197,84 €. i) Foi ainda apurada na execução a existência de 31 imóveis e 46 veículos automóveis propriedade da Executada. j) No que concerne aos veículos constatou-se que alguns não têm qualquer valor comercial e outros têm já registadas penhoras ou arrestos em outros processos judiciais em curso. l) No dia 10.01.2010, foi penhorado nos autos de execução o prédio urbano denominado por lote (…), destinado a Terreno para construção, com a área total de 1620,5m², confrontado (…) concelho do Porto, inscrito na respetiva matriz predial com o artigo (…) da freguesia e do concelho mencionados, e descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º (…) Campanhã, de que é proprietária a Executada. m) O valor patrimonial atual do referido prédio, nos termos do CIMI, determinado em 2019, é de € 466.757,90 (quatrocentos e sessenta e seis mil setecentos e cinquenta e sete euros e noventa cêntimos). n) De todos os imóveis apurados junto da AT, todos se encontram onerados com hipotecas, sendo que os demais, que não o imóvel aqui penhorado, se encontram com penhoras registadas. * Com base nos factos provados, foi proferida a seguinte decisão: « Pelo exposto, julgo totalmente improcedente, por não provada, a presente oposição à penhora e, em consequência, determino o prosseguimento dos autos de execução. Fixo à ação o valor da execução - € 42.572,34. Custas pela Executada.» * A oponente recorreu desta decisão e formulou as seguintes conclusões : 1.ª O Tribunal a quo ao analisar a questão jurídica da inadmissibilidade da penhora realizada ao prédio da ora Recorrente entendeu que a mesma seria “perfeitamente admissível já que no presente é a única possibilidade de o Exequente ver satisfeito o seu crédito a curto/médio prazo”, julgando, consequentemente “totalmente improcedente, por não provada, a presente oposição à penhora” e determinando “o prosseguimento dos autos de execução”. 2.ª No entendimento do Tribunal a quo, não obstante resultar provado que o bem penhorado é de valor superior ao valor da execução, a penhora seria admissível ao abrigo do disposto no artigo 751.º n.º 3 do CPC. 3.ª Sucede que, e salvo o devido respeito - que é muito -, a decisão de direito aplicada pelo Tribunal a quo não se coaduna com a factualidade que foi dada como assente pela própria sentença recorrida, existindo erro de direito e sendo a decisão injusta. 4.ª Não pode a Recorrente conformar-se com a sentença aqui recorrida, que, salvo o devido respeito, põe em causa princípios basilares do Estado de Direito, em particular o Princípio da Proporcionalidade, violando por errada interpretação e aplicação o disposto no artigo 735.º n.º 3 do CPC. 5.ª Os atos executivos de penhora, pela sua natureza gravosa e lesiva do direito de propriedade, devem limitar-se aos estritamente adequados a satisfazer a pretensão do credor, estabelecendo o artigo 735.º n.º 3 do CPC um limite para o valor dos bens a penhorar. 6.ª O agente de execução tem o dever de promover a penhora dos bens apenas na medida do necessário e suficiente para atingir os limites estabelecidos nesse preceito legal, afigurando-se manifestamente excessiva, e por isso desproporcional a Penhora de um prédio com o valor € 466.757,90, para a satisfação de uma execução no valor de € 42.572,34 (de valor 10 vezes superior ao valor da execução). 7.ª Não obstante o artigo 751.º n.º 3 do CPC admitir que, em certas circunstâncias, possam ser penhorados bens imóveis de valor superior ao valor da execução, tal regime excecional, por consubstanciar uma limitação a direitos/princípios fundamentais, deverá ser interpretado restritivamente e em conformidade com as restantes norma e princípios do ordenamento jurídico, não devendo ser aplicado ao caso sub judice, sob pena de se colocar em causa a própria constitucionalidade do preceito legal. 8.ª O Tribunal a quo faz uma errada interpretação do artigo 751.º n.º 3 do CPC, afigurando-se a manutenção da penhora do prédio em causa objetivamente excessiva e manifestamente desproporcionada, violando o Princípio da Proporcionalidade e o artigo 735.º n.º 3 do CPC. 9.ª A sentença recorrida andou mal ao decidir pela admissibilidade da penhora, devendo a mesma ser revogada. Terminou, pugnando pela procedência do recurso e pela revogação da decisão recorrida, com as legais consequências. O exequente contra-alegou e formulou as seguintes conclusões : a) Vem a Apelante interpor recurso de apelação da douta Sentença proferida, a 18 de Maio de 2020, pelo Meritíssimo Juiz que julgou:“ (…) Pelo exposto, julgo totalmente improcedente, por não provada, a presente oposição à penhora e, em consequência, determino o prosseguimento dos autos de execução”. b) A apelante conclui que salvo o devido respeito - que é muito -, a decisão de direito aplicada pelo Tribunal a quo não se coaduna com a factualidade que foi dada como assente pela própria sentença recorrida, existindo erro de direito e sendo a decisão injusta. c) Não pode a Recorrente conformar-se com a sentença aqui recorrida, que, salvo o devido respeito, põe em causa princípios basilares do Estado de Direito, em particular o Princípio da Proporcionalidade, violando por errada interpretação e aplicação o disposto no artigo 735.º n.º 3 do CPC. d) Salvo o devido respeito pela construção jurídica invocada pelo apelante, o recurso não procederá, por não poder merecer acolhimento a tese propugnada pelo mesmo, como se vai demonstrar. e) A Apelante na sua oposição não impugnou os factos, quer nas diligências realizadas e documentadas na acção executiva. f) O Apelante não indicou nos autos outros bens passíveis de penhora, susceptíveis de satisfazer o crédito do exequente. g) No que concerne ao “erro de direito”, do qual enferma a Douta Decisão, conforme dita o Apelante, não se consegue perceber em que se baseia o mesmo para tal desiderato. h) À luz do artigo 735.º cuja epigrafe “Objecto da Execução”, o nº3 prevê: “A penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, as quais se presumem, para o efeito de realização da penhora e sem prejuízo de ulterior liquidação, no valor de 20 %, 10 % e 5 % do valor da execução, consoante, respetivamente, este caiba na alçada do tribunal da comarca, a exceda, sem exceder o valor de quatro vezes a alçada do tribunal da Relação, ou seja superior a este último valor”. i) O princípio da proporcionalidade da penhora, pressupõe uma adequação entre meios e fins, o que significa que não devem ser penhorados mais bens do que os necessários para a satisfação da pretensão exequenda. j) Ora, conforme já fora dito, o Agente de Execução excutiu todos os meios que tinha ao seu dispor para encontrar bens suscetíveis de penhora que possibilitassem a satisfação do crédito do exequente. k) Existindo apenas e só o imóvel penhorado nos autos de execução, livre de ónus e encargos. l) Posto isto, o Exequente não pode ficar, mais uma vez prejudicado, por o Apelante não ter outro bem penhorável suscetível de satisfazer o seu crédito. m) Bem andou o Douto Tribunal ao considerar que o direito de crédito do trabalhador prevalece sobre o direito de propriedade do Apelante. n) Sem mais delongas, e tendo em consideração o explanado, encontra-se mais que justificada a penhora do imóvel. Terminou, pugnando pela improcedência do recurso e pela confirmação da decisão recorrida. O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. * II- Importa solucionar no âmbito do recurso se a penhora do bem imóvel acima identificado ofendeu o princípio da proporcionalidade. * III- Apreciação Os factos provados são os acima indicados. Ocorre manifesto lapso na alínea l) dos factos provados : Onde consta “No dia 10.01.2010 “ dever-se-á ler : “No dia 10.01.2020”. Em sede de fundamentação de direito, refere a sentença recorrida : « (…) Da inadmissibilidade da penhora realizada Atenta a matéria de facto dada como provada não vemos necessidade de nos alongar em grandes considerações. Na verdade, e conforme referido pelo Exequente, pelo cumprimento das obrigações respondem todos os bens suscetíveis de penhora (cfr. artigo 601º do Código Civil), visando a ação executiva assegurar ao credor a satisfação da prestação que o devedor não cumpriu voluntariamente através do produto da venda executiva de bens do devedor (cfr. artigo 817º do Código Civil). O princípio da proporcionalidade impõe que apenas devam penhorados os bens suficientes para satisfazer a prestação exequenda e as despesas previsíveis da execução, as quais se presumem, para efeito da realização da penhora, no valor de 20%, 10% e 5% do valor da execução, consoante, respetivamente, esta caiba na alçada do tribunal da comarca, a exceda, sem exceder o valor de quatro vezes a alçada do tribunal da Relação, ou seja superior a este último valor (cfr. artigo 735º, nº 3 do CPC). Dispõe ainda o artigo 751º do CPC, com a epigrafe “Ordem de realização da penhora”, que: “1 - A penhora começa pelos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostrem adequados ao montante do crédito do exequente. 2 - O agente de execução deve respeitar as indicações do exequente sobre os bens que pretende ver prioritariamente penhorados, salvo se elas violarem norma legal imperativa, ofenderem o princípio da proporcionalidade da penhora ou infringirem manifestamente a regra estabelecida no número anterior. 3 - Ainda que não se adeque, por excesso, ao montante do crédito exequendo, é admissível a penhora de bens imóveis que não sejam a habitação própria permanente do executado, ou de estabelecimento comercial, desde que a penhora de outros bens presumivelmente não permita a satisfação integral do credor no prazo de seis meses”. No caso vertente, tendo a execução o valor de € 42.572,34, a penhora deveria ser limitada a valor tal valor, acrescido de 10%, situação que tornaria inadmissível a penhora do imóvel identificado nos autos, porquanto este tem um valor patrimonial de € 466.757,90 (quatrocentos e sessenta e seis mil setecentos e cinquenta e sete euros e noventa cêntimos), dez vezes mais o valor da quantia exequenda. Sucede que, realizadas diversas diligências pelo agente de execução, este não encontrou bens suscetíveis de garantirem ao exequente a satisfação integral do seu crédito no prazo máximo de seis meses. Efetivamente, dos bens suscetíveis de penhora, uns não tinham qualquer valor comercial, outros encontravam-se onerados com penhoras ou arrestos, o que necessariamente determinaria – como determinou em alguns casos – a sustação da execução, nos termos do disposto no artigo 794º do CPC. Neste contexto, a penhora do imóvel afigura-se-nos perfeitamente admissível já que no presente é a única possibilidade de o Exequente ver satisfeito o seu crédito a curto/médio prazo. Por outro lado, não podemos deixar de reforçar a ideia do Exequente de que a Executada, tendo alegado a inadmissibilidade da penhora, por excesso, não indicou outros bens passíveis de penhora, em alternativa ao bem penhorado. A acolher-se a posição da Executada, o trabalhador ficaria desprovido de qualquer garantia que lhe permitisse tentar obter o pagamento da dívida, o que seria injusto e desproporcional. Na ponderação dos dois direitos em confronto, o direito de crédito do trabalhador e o direito de propriedade da ex-empregadora, este tem que ceder perante aquele. Nestes termos e sem necessidade de mais argumentos, importa julgar a oposição à penhora improcedente.» Vejamos. De acordo com o citado art. 735º, nº3 do CPC, a penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução. No caso concreto o valor do bem imóvel penhorado excede dez vezes mais o valor da quantia exequenda. O acto de penhora em causa ofendeu o princípio da proporcionalidade? De acordo com o referido princípio, a penhora dever-se-á limitar aquilo que seja necessário para satisfação do crédito do exequente. A obrigação de respeito deste princípio decorre ainda do nº 2 do art. 751º do CPC. E o nº1 do mesmo preceito legal consagra ainda o princípio da adequação. Conforme referem Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo in “A Ação Executiva Anotada e Comentada”, 2015, pág. 334 : « Na prática, o que se pretende é que o crédito exequendo seja satisfeito pela via mais simples e rápida, sem prejudicar desnecessariamente os interesse patrimoniais de executado». É permitida, contudo, a penhora de bens imóveis ainda que tal acto não se não se adeqúe, por excesso, ao montante do crédito exequendo, desde que a penhora de outros bens presumivelmente não permita a satisfação integral do credor no prazo de seis meses ( art. 751º, nº3, c) do CPC na redacção anterior à lei nº 117/2019, de 13/09- aplicável aos presentes autos- vide art. 11º do citado diploma legal). No caso em apreço, verificamos que a execução foi sustada relativamente às contas bancárias indicadas sob a alínea h) dos factos provados que manifestamente não permitem a satisfação do crédito do exequente. No que concerne aos veículos constatou-se que alguns não têm qualquer valor comercial e outros têm já registadas penhoras ou arrestos em outros processos judiciais em curso ( alínea j) dos factos provados) De todos os imóveis apurados junto da AT, todos se encontram onerados com hipotecas sendo que os demais, que não o imóvel aqui penhorado, se encontram com penhoras registadas ( alínea n) dos factos provados). De tais factos poderemos presumir que a penhora de outros bens não permite a satisfação integral do credor no prazo de seis meses. Acresce ainda que a executada não indicou, como lhe competia, a existência de outros bens que assegurem os fins da execução. Concluímos, por isso, que no caso concreto é permitida a penhora do bem imóvel identificado sob a alínea f) dos factos provados. Esta interpretação não constitui uma ofensa ao direito constitucional à propriedade privada (consagrado no art. 62º, nº1, da CRP), porque, conforme refere a sentença recorria, deverá prevalecer o direito do credor que a execução pretende satisfazer e acautelar. Improcede, desta forma, o recurso de apelação. * IV- Decisão Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida. Custas pela recorrente. Registe e notifique. Lisboa, 24 de Março de 2021 Francisca Mendes Maria Celina de Jesus de Nóbrega Paula de Jesus Jorge dos Santos |