Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2938/07.5TTLSB.L1-4
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO
DECLARAÇÃO
EFICÁCIA
DESPEDIMENTO TÁCITO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/21/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: I. É pressuposto da licitude do despedimento, para além do mais, que a declaração de vontade da entidade empregadora de pôr termo ao contrato de trabalho seja expressa e que obedeça ao formalismo legalmente exigido para as diferentes formas de despedimento, mais concretamente para a decisão de despedimento.
II. A declaração de vontade do empregador, destinada a fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro, só é eficaz depois de ter sido recebida pelo destinatário, isto é, o trabalhador. Até esse momento não se pode falar de cessação do contrato de trabalho, mantendo este a plenitude dos seus efeitos relativamente a ambas as partes.
III. Sendo facto assente que o recebimento pelo A. da decisão de despedimento por extinção do posto de trabalho apenas ocorreu a 16 de Fevereiro de 2007, não tem qualquer sustento legal pretender a recorrente que a mesma produza efeitos na data que consta na carta como sendo a da cessação do contrato, em concreto a 9 de Fevereiro de 2007.
IV. O despedimento é uma declaração de vontade do empregador, dirigida ao trabalhador, destinada a fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro.
V. À luz do disposto no n.º1 do art.º 217.º, do CPC, essa declaração negocial pode ser expressa ou tácita. Diz-se que é expressa, quando “(..) feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação de vontade” ; e, admite-se a possibilidade de ser tácita, “(..) quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam”.
VI. Para que exista um despedimento, embora ilícito, porque não precedido do procedimento legalmente previsto, basta que ocorra uma declaração de vontade tácita, isto é, um comportamento concludente do empregador de onde se deduza, com toda a probabilidade, a sua vontade de fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro
VII. Essa declaração deve ser dotada de sentido inequívoco de pôr termo ao contrato, o qual é apurado segundo a capacidade de entender e diligência de um normal declaratário, colocado na posição do real declaratário, isto é, o sentido normal da declaração, conforme o disposto no n.º1 do art.º 236.º do CC, e como tal ser entendida pelo trabalhador.
VIII. Consubstancia um despedimento de facto, a conduta da entidade empregadora que, por decisão da sua administração, proibiu o acesso do trabalhador às instalações da empresa, assim o impedindo de prestar a sua actividade laboral e, também, de aceder ao seu local de trabalho, situação que se verificou em dias sucessivos, fazendo-o sem lhe oferecer qualquer explicação, por mínima que fosse, para justificar essa decisão.
IX. Para que haja lugar ao direito a indemnização por danos não patrimoniais, com a consequente condenação da entidade empregadora, é necessário que se considerem reunidos os pressupostos da responsabilidade civil, ou seja, um comportamento ilícito da entidade patronal causador de dano não patrimonial de relevo, ou seja, um dano suficientemente grave para merecer a tutela do direito, a culpa e o nexo de causalidade entre o dano e o facto ilícito (art.ºs 483.º e 496.º do CC).
X. O direito a indemnização por danos não patrimoniais não tem que reportar-se exclusiva e necessariamente aos efeitos de despedimento ilícito, podendo também sustentar-se na violação culposa dos deveres contratuais por parte da entidade patronal durante a vigência do contrato.
(Elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I. RELATÓRIO
I.1 No Tribunal do Trabalho de Lisboa, AA intentou a presente acção declarativa de condenação com processo comum contra BB, SA, que veio a ser distribuída ao 2º Juízo - 2ª Secção, formulando os pedidos seguintes:
1. Seja declarado ilícito o despedimento do A., efectivamente ocorrido em 12 de Fevereiro de 2007.
2. Seja a R. condenada a reintegrar o A. no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade ou, em alternativa, ao pagamento de uma indemnização no montante de 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade.
3. Seja a R. condenada a pagar ao A. os salários vencidos desde 12 de Fevereiro de 2007 até ao trânsito em julgado da decisão.
4. Seja a R. condenada a pagar ao A. o montante de € 50.000 a título de indemnização por danos morais.
5. Seja a R. condenada ao pagamento de juros de mora, relativos às importâncias que lhe são devidas, já vencidas e vincendas, calculados à taxa legal em vigor.
6. Caso o A. opte pela reintegração, seja a R. condenada a ocupar efectivamente o A., em funções compatíveis com a sua categoria e estatuto profissional.
7. Mais peticiona que a Ré seja condenada a pagar ao A. a quantia de € 500,00 (quinhentos euros) por cada dia de atraso no efectivo cumprimento da condenação da prestação peticionada no ponto antecedente, após o trânsito em julgado da sentença, nos termos do art. 829.º A do Código Civil.
(…)
Procedeu-se a audiência de partes, mas sem que tenha sido obtida uma solução para o litígio por acordo.
A Ré contestou impugnando os factos alegados pela A. e defendendo a licitude e oportunidade das decisões tomadas, nomeadamente quanto à extinção do posto de trabalho.
Termina solicitando a sua absolvição dos pedidos deduzidos pelo A.
O A. respondeu.
Concluídos os articulados, o A. foi convidado a liquidar os seus pedidos (fls. 314), o que fez (fls. 317) nos seguintes termos:
- € 16.169,49 pelas retribuições que deixou de auferir desde 12.02.2007 a 24.06.2007 (30 dias anteriores à entrada da acção), valor que corrigiu no requerimento de fls. 332, passando a solicitar o pagamento das retribuições vencidas desde os 30 dias anteriores à entrada da acção, 24.06.2007, até ao trânsito da decisão.
- € 118.358,62 pelas retribuições que deixou de auferir desde aquela data até ao trânsito da sentença, conforme requerimento de fls. 333.
- € 136.882,28 a título de indemnização em substituição da retribuição.
- € 50.000 a título de danos não patrimoniais.
Foi proferido despacho saneador e, na consideração de que a simplicidade da causa o permitia, dispensada a selecção de matéria de facto (fls. 344).
Procedeu-se ao julgamento, realizado ao longo de 5 sessões.
Na sessão de 25.02.2011 o A. optou (cfr. fls. 617) pela indemnização em substituição da reintegração, caso proceda o seu pedido de declaração da ilicitude do despedimento.
I.2 Subsequentemente foi proferida sentença, decidindo nos termos seguintes:
- “Pelos exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:
a) Declaro a ilicitude do despedimento do A. ocorrido a 12.02.2007.
b) Condeno a Ré a pagar ao A. as retribuições que o mesmo deixou de auferir desde os 30 dias anteriores à propositura da acção até ao trânsito em julgado da decisão, devendo deduzir-se o montante que o A. tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, incluindo o subsídio de desemprego.
c) Condeno a Ré a pagar ao A. uma indemnização em substituição da reintegração que se fixa em 30 dias de retribuição por cada ano ou fracção de antiguidade.
d) Condeno a Ré a pagar ao A. uma indemnização de € 35.000 (trinta e cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais.
e) Condeno a Ré a pagar ao A. os juros legais civis sobre todos os valores em dívida desde o seu vencimento e desde a citação no caso da indemnização em substituição da reintegração e da indemnização por danos não patrimoniais, até integral pagamento.
f) e absolvo a Ré do demais peticionado”.
I.3 Inconformado com essa decisão, a Ré apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito próprios.
Com as alegações apresentou as respectivas conclusões, delas constando o seguinte:
(…)
I.4 Pelo A. foram apresentadas contra-alegações, as quais condensou nas conclusões seguintes:
(…)
I.5 O ilustre magistrado do Ministério Público proferiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
I.6 Foram colhidos os vistos legais.

I.7 Delimitação do objecto do recurso

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso (artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 690.º, 684.º n.º 3 e 660.º n.º 2 do Código de Processo Civil, na redacção anterior às alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto), as questões que se colocam para apreciação (dependendo de ficarem ou não prejudicadas), são as seguintes:
i) Se o contrato de trabalho do A. cessou a 9 de Fevereiro de 2007, na sequência da carta que a R. lhe remeteu a 7 de Fevereiro de 2007, registada e com aviso de recepção, comunicando-lhe a decisão final do procedimento por extinção do posto de trabalho e indicando aquela data como a da cessação do contrato (conclusões 5, 6 e 7 da recorrente e 11 e 12 do recorrido);
ii) Caso se conclua pela afirmativa, a de saber se o despedimento por extinção do posto de trabalho é lícito (conclusões 1 a 5 da recorrente e 1 a 8 do recorrido);
iii) Caso se conclua o contrário, a de saber se há um despedimento ilícito, resultante de despedimento de facto, concretizado a 12 de Fevereiro de 2012 (conclusões 7 da recorrente e 9 a 13 do recorrido);
iv) Caso se conclua que não houve o despedimento de facto, a de saber se o despedimento por extinção do posto de trabalho, comunicado pela R. ao A. na carta referida em i), e por este recebida a 16 de Fevereiro de 2007, é lícito (conclusões 1 a 5 da recorrente e 1 a 8 do recorrido).
v) Caso o despedimento seja ilícito (despedimento de facto ou por extinção do posto de trabalho) a de saber se estão verificados os requisitos da responsabilidade civil para a condenação da R. em indemnização ao A. por danos não patrimoniais (conclusões 8 a 12 da recorrente e 16 do recorrido).

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
Na decisão recorrida consideraram-se assentes os factos adiante descritos:
(…)

II.2 MOTIVAÇÃO DE DIREITO
Como nota prévia, cabe assinalar que os factos em apreciação ocorreram depois de 1 de Dezembro de 2003 e são anteriores à publicação da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro. Assim, tal como foi considerado na 1.ª instância e invocado pelas partes, aplicam-se ao caso as disposições que, no Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, disciplinam a matéria, atento o disposto nos artigos 3.º, n.º 1, e 8.º, n.º 1, 1.ª parte, desta última Lei, e no artigo 7.º, n.º 1, da Lei n.º 7/2009, que procedeu à revisão do Código do Trabalho.
II.2.1 A primeira questão a apreciar, porque prejudicial a todas as demais, é a de saber se o contrato de trabalho do A. cessou a 9 de Fevereiro de 2007, na sequência da carta que a R. lhe remeteu a 7 de Fevereiro de 2007, registada e com aviso de recepção, comunicando-lhe a decisão final do procedimento por extinção do posto de trabalho e indicando aquela data como a da cessação do contrato (conclusões 5, 6 e 7 da recorrente e 11 e 12 do recorrido).
Para que melhor se entenda de onde emerge a relevância da questão, vejamos brevemente as posições em confronto.
O A. alegou ter sido despedido ilicitamente a 12 de Fevereiro de 2007 e pediu que tal fosse declarado, com as consequências dai decorrentes.
Por seu turno, a R. defende que nessa data já o A. não era seu trabalhador, invocando que “A carta de despedimento por extinção do posto de trabalho já tinha sido colocada nos CTT cinco dias antes”, constando dela “que o contrato terminava irreversivelmente em 9 de Fevereiro de 2007” [cfr. titulo IV, art.º 9.º das alegações].
O Tribunal a quo veio a concluir que a decisão de despedimento por extinção do posto de trabalho, comunicada ao A. pela carta datada de 5 de Fevereiro de 2007, remetida com aviso de recepção em 7 de Fevereiro de 2007 e recebida por este a 16 de Fevereiro de 2007, só foi eficaz nesta última data, por ser a do recebimento. Na sentença argumenta-se, ainda, que a Ré não alegou, nem demonstrou, que só por culpa do A. é que este não a recebeu em data anterior.
Atentemos agora nos factos relevantes para a apreciação da questão.
O facto essencial é assente na alínea [AS], onde consta que “No dia 16 de Fevereiro de 2007, o A. recebeu uma carta da R., datada de 5 de Fevereiro de 2007, e colocada pela Ré no correio a 7/02/2007 (tudo conforme aviso de recepção de fls. 3 do processo de extinção apenso aos autos).
Para além desse, interessa ainda ter em conta, no que respeita ao conteúdo em concreto da carta, que nela «(..) lhe era comunicado que tinha “culminado o processo de Extinção do Posto de Trabalho” e que a “empresa decidiu decretar a imediata extinção do posto de trabalho, com efeitos a partir do próximo dia 9 do corrente», referindo-se que ficava à disposição do A. a compensação legal» [facto AT], em concreto, “a quantia de € 101 153,45” (facto CG).
Vejamos, então, se assiste razão à recorrente.
O Código do Trabalho (03) não contém, assim como não continha a legislação anterior nem a oferece o actual Código do Trabalho revisto (09), a definição de despedimento.
Porém, segundo o entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, o despedimento é uma declaração de vontade do empregador, dirigida ao trabalhador, destinada a fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro.
Por outras palavras, define-se como ruptura da relação laboral, por acto unilateral da entidade empregadora, consubstanciado em manifestação de vontade de fazer cessar o contrato de trabalho. O despedimento “(..) é estruturalmente um acto unilateral do tipo do negócio jurídico, de carácter receptício (o que significa que deve ser obrigatoriamente levado ao conhecimento da outra parte), tendente à extinção para o futuro do contrato de trabalho [cfr. Bernardo da Gama Lobo Xavier, Iniciação ao Direito do Trabalho, 2.ª Edição, Editorial Verbo, Lisboa, 1999, p. 299].
O art.º 384º do Código do Trabalho (03) refere as formas de cessação do contrato de trabalho, depois concretizando, no que respeita à cessação por iniciativa do empregador, o despedimento por facto imputável ao trabalhador (art.º 396.º), o despedimento colectivo (art.º 397.º), o despedimento por extinção do posto de trabalho (art.º 402.º) e o despedimento por inadaptação (art.º 405.º). O procedimento próprio a ser observado pela entidade empregadora em cada um desses casos é regulado nos artigos 396.º a 440.º.
Nestes casos de despedimento lícito, é pressuposto da licitude, para além do mais, que aquela declaração de vontade da entidade empregadora de pôr termo ao contrato de trabalho seja expressa e que obedeça ao formalismo legalmente exigido para as diferentes formas de despedimento, mais concretamente para a decisão de despedimento.

No que aqui interessa, isto é, quanto ao despedimento por extinção do posto de trabalho, decorre do art.º 425.º, que o procedimento culmina com a decisão do empregador, por escrito e fundamentada, na qual devem constar determinadas menções indicadas nas alíneas do n.º1, entre elas a data da cessação do contrato.
A comunicação do despedimento tem um destinatário: o trabalhador. É, por isso, uma declaração negocial recipienda (ou receptícia), na terminologia da doutrina, sujeita à disciplina do art.º 224.º n.º1, do Código Civil, onde se dispõe que “A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida; (..)”.
Dito de outro modo, a declaração de vontade do empregador, destinada a fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro, só é eficaz depois de ter sido recebida pelo destinatário, isto é, o trabalhador. Significa isto, então, que até esse momento não se pode falar de cessação do contrato de trabalho, mantendo este a plenitude dos seus efeitos relativamente a ambas as partes.
Revertendo ao caso, sendo facto assente que o recebimento pelo A. da decisão de despedimento por extinção do posto de trabalho apenas ocorreu a 16 de Fevereiro de 2007, não tem qualquer sustento legal pretender a recorrente que a mesma produza efeitos na data que consta na carta como sendo a da cessação do contrato, em concreto a 9 de Fevereiro de 2007. Para assim ser, era necessário que a carta contendo a comunicação de despedimento tivesse sido recebida pelo A. até essa data, o que não aconteceu.
Para contornar esse facto, argumenta a recorrente que o A., sabedor da existência da carta e do seu conteúdo, deveria ter ido levantá-la, mas não o fez senão naquela data, questionando “O que vale? A declaração, a comunicação da R. recorrente com a sua respectiva data de produção de efeitos do termo contratual, ou a data em que o R. recorrido se decide a ir levantar a carta, ademais, de má-fé, por saber antecipadamente o conteúdo? (Título IV, art.º 15.º das alegações). Para além disso, à consideração da sentença de que não alegou nem demonstrou que só por culpa do A. é que este não a recebeu em data anterior, opõe “Então como poderia a R. provar tal asserção? O A. é que devia ter feito prova que só recebeu nessa data por culpa da ora recorrente. Ora toda a gente sabe como essas coisas se fazem. Não vale a pena tentar justificar o injustificável” (titulo IV, art.º 18 das alegações).
Não se encontra argumentos jurídicos para sustentar estas posições. Apenas surge invocado que a decisão recorrida violou o n.º3 do art.º 224.º, do CC (cfr. conclusão 13), o que certamente envolve até um lapso, querendo a recorrente referir-se ao n.º2.
É certo que o n.º2, do art.º 224.º do CC, vem dizer “Que é também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida”, estabelecendo uma “medida de protecção do declarante”, para os casos, por exemplo, em que o declaratário se ausenta para parte incerta, ou se recusa a receber a carta, ou não a vai levantar ao correio (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol.I, 4.ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1987, pp. 214).
Porém, e salvo o devido respeito, não pode a recorrente ignorá-lo, nenhum dos pressupostos conclusivos em que assenta a sua posição tem qualquer apoio nos factos assentes.
Que o A. sabia da intenção da sua entidade empregadora de proceder ao seu despedimento com fundamento na extinção do posto de trabalho é indiscutível, desde logo porque lhe foi feita a comunicação para esse efeito, em 30 de Novembro de 2006 (facto U), à qual respondeu opondo-se aos fundamentos invocados (facto X).
Mas, para além disso, nada mais consta provado que permita concluir que o A. sabia ter sido já tomada a decisão, ou que existia uma carta contendo-a para lhe ser entregue, nem tão pouco qual a data que nela constaria como sendo a da cessação do contrato de trabalho, e muito menos que actuou intencionalmente de má-fé.
Acresce, que o A. recebeu a carta, mais precisamente, essa primeira e única carta que lhe foi dirigida, o que tão pouco consubstancia uma atitude de recusa no recebimento, significando pelo contrário que diligenciou por a ir levantar aos CTT.
Na verdade, trata-se de uma carta registada com A/R e, como se sabe, dado ser do conhecimento geral, quando não é feita a entrega ao próprio destinatário, é deixado um aviso para levantamento na estação dos CTT a partir de determinada data e até ao termo de um certo prazo, a partir do qual, caso não seja reclamada, será devolvida ao remetente. É nestes casos que, em regra, é mais demorado o recebimento da correspondência registada com A/R.
Porque só a recebeu a 16 e não antes, não se sabe, assim como também se desconhece a partir de quando teve o A. conhecimento de que a poderia levantar. Mas mesmo que tenha ido recebê-la dias após o conhecimento dela estar disponível, tal só por si não é suficiente para consubstanciar uma conduta censurável, nem reveladora de qualquer de qualquer intenção dolosa, tanto mais que nem sequer está provado que o A. sabia qual a data que a recorrente fixara para a cessação do contrato de trabalho e que bem poderia ser para além de dia 12 de Fevereiro.
Seja como for, caso a recorrente pretendesse socorrer-se do disposto no n.º2, do art.º 224.º do CC, de acordo com as regras sobre o ónus de prova, competia-lhe alegar e demonstrar os factos necessários para que se pudesse concluir pela aplicação do ai disposto (art.º 342.º n.º1, do CC).
Nenhum fundamento legal lhe assiste, nem de resto o logrou indicar, para pretender uma inversão do ónus de prova, pretendendo fazer recair sobre o A. o encargo de alegar e provar que só recebeu a carta naquela data por culpa da recorrente, presumindo-se uma data de recepção anterior. De resto, data que a recorrente também não concretiza precisamente.
Na verdade, não há qualquer previsão legal de onde resulte qualquer presunção legal sobre a data de recebimento de notificação feita através de correspondência registada com aviso de recepção. Nesta modalidade, o que vale é a data em que é efectivamente entregue ao destinatário, ou no seu domicílio ou na estação dos CTT.
Assim como não é argumento válido, dado não dispor de qualquer base jurídica, vir a recorrente dizer “que toda a gente sabe como essas coisas se fazem”, e que não vale a pena tentar “justificar” o injustificável.
Conclui-se, pois, que não é de acolher a argumentação da recorrente e, logo, que nessa parte não merece censura a decisão recorrida.
II.2.2 Dada a conclusão a que se chegou, isto é, que contrariamente ao sustentado pela recorrente, a sua comunicação do despedimento não produziu efeitos a 9 de fevereiro de 2007, coloca-se então a questão de saber se há um despedimento ilícito do A, resultante de despedimento de facto, concretizado a 12 de Fevereiro de 2012 (conclusões 7 da recorrente e 9 a 13 do recorrido).
Concluiu-se na sentença recorrida que o A. foi despedido ilicitamente a 12 de Fevereiro de 2012, na consideração de que “(..) a proibição de entrada e permanência do A. nas instalações da Ré, no dia 12.02.2007, foi eficaz na data em que teve lugar.Com a sua inequívoca conduta, a Ré despediu o A.”.
Para se chegar a essa conclusão, argumenta-se na sentença, para além do mais, que a R. ao impedir o A. de entrar nas instalações, no dia 12.02.2007, e nos dias que se seguiam, “(..) manifestou de forma clara e inequívoca que já não o considerava seu trabalhador, e que não pretendia mais a contrapartida do A. consubstanciada no seu trabalho”, bem assim que “(..) a Ré é a primeira a admitir na sua contestação que proibiu o A. de entrar no dia 12.02.2007: arts. 54 e 55 da contestação a fls. 265.”
Contrapõe a Recorrente que “O contrato de trabalho cessou pois em 9 de Fevereiro de 2007 e não em 12 de Fevereiro, quando o A por já não ter acesso directo ao edifício da R., nele foi impedido de entrar, por o seu cartão ter sido desactivado em 9-2-07. Não houve qualquer despedimento verbal ou de facto” (conclusão 7).
Passemos à apreciação, sendo certo, desde logo, e como já o dissemos, que o contrato não cessou a 9 de Fevereiro de 2007.
Como decorre do ponto anterior, o despedimento é uma declaração de vontade do empregador, dirigida ao trabalhador, destinada a fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro.
À luz do disposto no n.º1 do art.º 217.º, do CPC, essa declaração negocial pode ser expressa ou tácita. Diz-se que é expressa, quando “(..) feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação de vontade” ; e, admite-se a possibilidade de ser tácita, “(..) quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam”.
Assim, como é entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, para que exista um despedimento, embora ilícito, porque não precedido do procedimento legalmente previsto, basta que ocorra uma declaração de vontade tácita, isto é, um comportamento concludente do empregador de onde se deduza, com toda a probabilidade, a sua vontade de fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro [Cfr, Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 2.ª Edição revista e actualizada, Principia, 2002, pp. 74; e, na jurisprudência publicada e mais recente do STJ, os acórdãos de 05.4.2006, proc.º 05S3822, Vasques Dinis; de 14.03.2007, prc.º 06S2844, Mário Pereira; de 12.09.2009, proc.º 08S3617, Sousa Grandão; de 16.01.2008, proc.º 07S535, Mário Pereira; de 27.02.2008, proc.º 07S4479, Pinto Hespanhol; de 23.04.2008, proc.º 07S4101, Bravo Serra; de 16.06.2008, proc.º 08S1249, Bravo Serra; de 3.06.2009, proc.º 08S3696, Sousa Grandão; de 17.06.2009, proc.º 08S3717, Sousa Grandão; e, 21.10.2009, proc.º 272/09.5YFLSB, Vasques Dinis, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj].
Pelas razões que se referiram no ponto anterior, isto é, por se tratar de uma declaração recipienda (ou receptícia), aquela comunicação torna-se eficaz quando chega ao seu destinatário, o trabalhador (art.º 224.º 1 do CC).
E, conforme é igualmente entendimento pacífico, tratando-se de declaração tácita, para que possa ser deduzida de actos que com toda a probabilidade a revelam (2.º parte do n.º1 do art.º 217.º do CC), deve ser dotada de sentido inequívoco de pôr termo ao contrato, o qual deve ser apurado segundo a capacidade de entender e diligência de um normal declaratário, colocado na posição do real declaratário, isto é, o sentido normal da declaração, conforme o disposto no n.º1 do art.º 236.º do CC, e como tal ser entendida pelo trabalhador [cfr. jurisprudência citada].
Essa inequivocidade visa “(..) tanto evitar o abuso de despedimentos efectuados com dificuldade de prova pelo trabalhador, como obstar ao desencadear das suas consequências legais, quando não se mostre claramente ter havido ruptura indevida do vínculo laboral por parte da entidade empregadora” [Ac. STJ de 7 de Março de 1986, proc.º 001255, Miguel Caeiro, disponível http://www.dgsi.pt/jstj].
Finalmente, importa referir que de acordo com as regras sobre o ónus de prova, sobre o trabalhador recai o ónus de alegar e provar o acto de despedimento promovido pela entidade patronal – art.º 342º nº1 do Cód. Civil.
Revertendo ao caso, com base no alegado pelo A,m resultou provado que este, no dia 12 de Fevereiro de 2007 (segunda-feira), sem que nada lhe tivesse sido dito na sexta-feira anterior, quando saiu da empresa, ao pretender entrar nas instalações, em ..., cerca das 09h30 m, foi impedido de aceder aos elevadores que dão acesso aos vários pisos do edifício, dado o seu cartão de acesso estar desactivado (factos AC e AD). Procurando saber se haveria alguma avaria, questionou tal na recepção, tendo então sido informado pelo funcionário da segurança “que tinha ordens da Administração” para não lhe permitir o acesso ao edifício e às garagens, mostrando-lhe um papel com os dizeres “E... ... não tem acesso ao edifício e à garagem” (factos AF e AG).
A situação repetiu-se nos dias seguintes, mais precisamente, a 13 e 14 de Fevereiro, isto é, continuava a não ter acesso com o cartão, nem lhe era permitida a entrada pelos serviços de segurança, informando-o nos termos acima referidos (factos AN a AR).
Vale isto por dizer, que a entidade empregadora, por decisão da administração, não só impediu a prestação da actividade laboral pelo A, como também lhe vedou totalmente o acesso às instalações e, logo, ao seu local de trabalho, fazendo-o sem lhe oferecer qualquer explicação, por mínima que fosse, para justificar essa decisão.
Na verdade, a única explicação que o A. obteve foi através do funcionário de segurança, limitada à informação de “que tinha ordens da Administração” para não lhe permitir o acesso ao edifício e às garagens.
Consubstanciarão estes factos uma situação de despedimento? Por outras palavras, resultará deles inequivocamente que a R. já não considerava o A. seu trabalhador, por entender o contrato extinto para o futuro?
A resposta só pode ser afirmativa. De resto, é a própria Recorrente que aqui o admite expressa e inequivocamente, quando alega “O A não foi despedido por ninguém em 12-2-2007, e nessa data, é verdade, a empresa R. já não o considerava seu trabalhador (..) o termo contratual já comunicado era 9 de Fevereiro e não 12 ou 16 de Fevereiro” [Titulo IV, artigo 16].
O que releva aqui é a parte em que a Recorrente reconhece ser verdade que nessa data já não considerava o A. seu trabalhador. E, por isso mesmo que actuou como tal.
É certo que a R. partiu do pressuposto de que o contrato de trabalho estava extinto desde 9 de Fevereiro de 2007, por entender que estando mencionada na carta essa data como a da cessação do contrato de trabalho, tal bastaria para assegurar a eficácia da declaração.
Porém, como decorre do que já se expôs antes, partiu erradamente desse pressuposto e sem qualquer fundamento que o justifique. Na verdade, a R. não podia ignorar que a comunicação de despedimento por extinção do posto de trabalho só seria eficaz a partir da recepção da carta pelo A. e que até lá não poderia de todo considerar o contrato de trabalho cessado e actuar nesse pressuposto, como o fez e reconhece.
O procedimento que iniciara para despedimento do A. por extinção do posto de trabalho só se completaria após a comunicação da decisão ser eficaz.
Justamente por isso, tendo a comunicação sido feita através de carta registada com aviso de recepção, no mínimo deveria a R. ter aguardado a devolução do aviso de recepção assinado; ou, para a hipótese de não haver recebimento – que tanto poderia ser imputável ao A. como a resultar de qualquer circunstância alheia, eventualidade que também não podia ser desprezada - aguardar a devolução da carta, com a informação de que não fora recebida pelo motivo que nela constasse indicado.
Mas não foi essa a conduta da recorrente. E, por isso mesmo, efectivamente logrou obter a extinção do contrato de trabalho, mas através de um despedimento de facto e, logo, ilícito.
A Recorrente tece duras críticas à decisão recorrida - e, diga-se até, num tom que raia o limite do aceitável- nomeadamente a propósito desta questão, mas a razão assiste ao Senhor Juiz, quando diz que “Em qualquer caso, impunha a mais elementar prudência que, no caso da Ré pretender impedir a entrada do A. nas suas instalações, após o seu despedimento, o fizesse quando já tivesse a certeza de que o A. tinha sido notificado, de forma expressa, fundamentada, da decisão de despedimento”.
Por conseguinte, bem decidiu o Senhor Juiz ao concluir que o A. foi despedido ilicitamente a 12 de Fevereiro de 2012, na consideração de que “(..) a proibição de entrada e permanência do A. nas instalações da Ré, no dia 12.02.2007, foi eficaz na data em que teve lugar.Com a sua inequívoca conduta, a Ré despediu o A.”.
II.2.3 Tendo-se concluído que houve um despedimento de facto, o que se traduz num despedimento ilícito, concretizado a 12 de Fevereiro de 2007, fica necessariamente prejudicada a apreciação da ilicitude do despedimento por extinção do posto de trabalho.
Com efeito, a partir do momento em que o contrato de trabalho cessou em consequência daquele despedimento, a decisão que o A. veio a receber a 16 de Fevereiro, comunicando-lhe a decisão de despedimento por extinção do posto de trabalho, já não produziu qualquer efeito, na medida em que o contrato já estava extinto.
Justamente por isso, não tem qualquer relevância apreciar se o procedimento para despedimento do A. por extinção do posto de trabalho era, ou não, ilícito.
II.2.4 Assim, a derradeira questão consiste em saber se estão verificados os requisitos da responsabilidade civil para a condenação da R. em indemnização ao A. por danos não patrimoniais (conclusões 8 a 12 da recorrente e 16 do recorrido).
Estabelece a al. a) do n.º 1 do art.º 436º do CT (03), que “sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado a indemnizar o trabalhador por todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais, causados”.
Porém, para que haja lugar a essa condenação, é necessário que se considerem reunidos os pressupostos da responsabilidade civil, ou seja, um comportamento ilícito da entidade patronal causador de dano não patrimonial de relevo, ou seja, um dano suficientemente grave para merecer a tutela do direito, a culpa e o nexo de causalidade entre o dano e o facto ilícito (art.ºs 483.º e 496.º do CC).
O direito a indemnização por danos não patrimoniais não tem que reportar-se exclusiva e necessariamente aos efeitos de despedimento ilícito, podendo também sustentar-se na violação culposa dos deveres contratuais por parte da entidade patronal durante a vigência do contrato.
Em qualquer caso, de acordo com as regras sobre o ónus de prova (art.º 342.º 1, do CC), cabe ao trabalhador alegar e demonstrar os factos necessários à verificação do direito a ser indemnizado pelos prejuízos sofridos a título de danos não patrimoniais graves, nos termos dos aludidos artº 483º artº496º do Código Civil.
Como melhor elucida o Ac. do STJ de 15.11.20011, “Em direito laboral, para haver direito à indemnização com fundamento em danos não patrimoniais, terá o trabalhador de provar que houve violação culposa dos seus direitos, causadora de danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, o que se verificará, em termos gerais, naqueles casos em que a culpa do empregador seja manifesta, os danos sofridos pelo trabalhador se configurem como objectivamente graves e o nexo de causalidade não mereça discussão razoável” [Proc.º n.º 588/08.87TTVNG.P1.S1, Pereira Rodrigues, disponível em sumários de acórdãos de 2011,www.stj.pt; no mesmo sentido o Acórdão do STJ de 19 de Abril de 2012, Proc.º 1210/06.2TTLSB.L1.S, Gonçalves Rocha, este disponível em http://www.dgsi.pt/jstj].
Para sustentar o pedido de condenação da R. em danos não patrimoniais, o A. alegou, no essencial, que em Setembro de 2005, aquela colocou-o numas instalações onde se encontrava o arquivo morto e material fora de serviço, o “Armazém ...”, sem lhe dar trabalho nem instrumentos para tal. Posteriormente veio a transferi-lo para a sede, mas continuou a não lhe dar trabalho, nem a por ao seu dispor instrumentos. Para além disso, sujeitou-o a controlo de pontualidade e assiduidade, o que nunca tinha antes sido feito nem o era relativamente aos quadros superiores, sendo que a sua categoria era de director. Procedeu ao seu despedimento ilícito e sujeitou-o à situação de não lhe permitir o acesso ao seu local de trabalho, onde tinha haveres pessoais para os poder recolher.
Concluiu, que foi alvo de um processo de perseguição e humilhação, perdeu a auto estima e entrou em depressão profunda e incapacitante, provocando-lhe danos não patrimoniais de relevo, pedindo a condenação da R. em indemnização no valor de € 50 000,00.
O Tribunal a quo veio a atender parcialmente o pedido, condenando a R. no pagamento de uma indemnização no valor de € 35 000,00, a título de danos morais.
A decisão em causa estriba-se na argumentação seguinte:
- «Não restam dúvidas que a Ré, podendo actuar de outra forma, objectivamente, sujeitou o A. a diversas situações vexatórias.
Além de não lhe atribuir qualquer função, de não lhe dar qualquer perspectiva de trabalho, de não lhe dar alguns instrumentos de trabalho, colocou-o numas instalações desadequadas, conhecidas como “Armazém ...”. Mais tarde, sujeitou o A. ao controlo da pontualidade e assiduidade, como nunca tinha feito e como não fazia, por regra, a quadros superiores. Controlo este tanto mais incompreensível na medida em que a Ré não dava trabalho ao A. E como se não bastasse, os episódios finais são de uma humilhação tamanha, incompreensíveis, e até desprestigiantes para a Ré (mesmo que não se tenha apurado que tal actuação decorreu de um dolo vexatório). De facto, não tendo a Ré qualquer motivo para suspeitar de qualquer actuação do A., seu funcionário superior desde 1977, sabendo, ou devendo saber, que o mesmo ainda tinha objectos pessoais no gabinete, proíbe-o de entrar, sem qualquer comunicação prévia (a qual, com um mínimo de prudência deveria ter sido feita ou deveria ter sido assegurado que tinha chegado previamente ao conhecimento do A.).
Acresce que os pormenores dos episódios finais são mesmo degradantes: o segurança exibe-lhe um papel manuscrito descrito no facto AG referindo “AA não tem acesso ao edifício e garagem”. Após insistência do A., o segurança “concede” ao A. (funcionário superior da Ré, do quadro, desde 1977, sobre o qual não incidiam, nem havia qualquer razão para incidirem, suspeitas da prática qualquer acto prejudicial à Ré) a possibilidade de ir ao seu gabinete, mas só pelas escadas...: factos AG, AI e AL.
E a situação repetiu-se: factos AN, AO, AP, AQ e AR.
Mais tarde o A. consegue acesso, mas só (e mais uma vez) pelas escadas: factos AU, AV e AZ.
Todos estes factos, a que acresce o próprio despedimento, causaram danos ao A.: factos BH e BI».
Insurgindo-se contra esta apreciação, sustenta a recorrente, no essencial, que a colocação do A. no Armazém ..., não foi objectivamente direcionada para o A., resultando de normas já existentes, abstractas, genéricas e impessoais. Não houve qualquer actuação culposa sua e não existem quaisquer danos sofridos pelo A., que justifiquem a indemnização de € 35 000,00.
Vejamos então, recorrendo aos factos relevantes, quer aos essenciais quer aos instrumentais, estes para contextualizar aqueles primeiros.
O A. desempenhou sucessivamente várias funções e cargos de chefia e Direcção nas áreas do Planeamento e Controlo de Gestão, nomeadamente, Técnico economista, Chefe do Gabinete de Planeamento e Estudos Económicos, Director do Departamento de Planeamento e Controlo de Gestão, Director Coordenador do Departamento de Planeamento e Controlo de Gestão, Responsável pelo Gabinete de Estudos no âmbito do Projecto de Gás Natural; em 01.01.2000, foi requisitado pela IPE – Águas de Portugal, SA, para desempenhar as funções de administrador em empresas suas participadas; de 1 de Janeiro de 2000 a 31 de Dezembro de 2002, exerceu, em regime de requisição, funções de Administrador Executivo de empresas do Grupo Águas de Portugal, SGPS, SA; e, desde 01.01.2003 e até à cessação do contrato que o A. tinha a categoria de “Director” (factos E e F).
Para além disso, é um académico, leccionando várias disciplinas no Instituto Superior de Gestão e Economia (Universidade Técnica de Lisboa) e na Universidade Lusíada de Lisboa (factos H e I); possui o grau de Mestre e é doutorando; publicou várias obras e artigos em várias Revistas conceituadas, intimamente associados à prática profissional e foi orador e apresentou comunicações em várias jornadas e seminários (factos G a M).
Daqui se retira, sem que suscite dúvida, que o A. tinha um curriculum profissional bem acima da média, mesmo que considerado, como deve ser, atendendo ao nível de funções de quadro de direcção empresarial.
Acontece que esse percurso foi interrompido por um período de doença prolongada, durante os anos de 2004 e 2005 (facto G).
É na sequência desse período de baixa médica que regressa à Ré, a 14 de Setembro de 2005 (facto N) e é instalado nas antigas instalações da T..., em ..., conhecidas como “Armazém n.º ...” onde se encontrava depositado o arquivo morto da empresa e material fora de serviço e, também, outros trabalhadores, nomeadamente, administrativos, que de uma forma geral não desenvolviam qualquer projecto específico, aguardando colocação em outras funções do Grupo da Ré (factos O, P e Q).
Esteve nessa situação, e sem que lhe fossem atribuídas funções, até 19 de Outubro de 2005, data em que foi transferido para a sede da empresa, na sequência de ter formulado vários pedidos para lhe serem atribuídas funções de acordo com a sua categoria profissional de economista e com os cargos de direcção que exercera (factos R, S e BO).
Foi transferido, mas sem que lhe tenham sido atribuídas funções (facto T e BQ). E, nessa situação se manteve até á cessação do contrato de trabalho (facto BX).
Entretanto, a 30 de Novembro de 2006, o A. recebera uma comunicação, informando-o da intenção de extinção do posto de trabalho (facto U).
Entre o dia imediatamente seguinte ao da apresentação do A., isto é, desde 15 de Setembro de 2005, até 30 de Novembro de 2006, data em que lhe foi enviada aquela comunicação, houve conversações no sentido de se obter uma solução amigável para a cessação do contrato de trabalho (facto CF).
No período que mediou entre Novembro de 2005 e a cessação do contrato de trabalho, apesar do A. não estar efectivamente a exercer quaisquer funções, a R. passou a controlar o seu horário de trabalho, o que não acontecia antes consigo, dadas as funções de director, nem continuava a acontecer com os Directores, exigindo-lhe que reportasse qualquer ocorrência relativa ao horário de trabalho através de um impresso modelo e a tratar as questões relativas ao horário de trabalho com um técnico administrativo generalista (factos BR, BS, BU e BV).
E, como já se concluiu, o A veio a ser despedido ilicitamente a 12 de Fevereiro de 2007, nas circunstâncias que se descreveram. A acrescer, deverá considerar-se, ainda, que quando foi buscar os seus haveres, não lhe foi permitido usar o elevador, mas apenas as escadas de serviço (AV). Os seus pertences vieram de elevador, mas trazidos por um colega de trabalho (AX).
Provou-se, ainda, reportado a esses factos anteriores ao despedimento, que os mesmos causaram forte abalo físico e psicológico ao A. e seu agregado familiar (facto BZ), bem assim que o A. ficou muito consternado com o despedimento e os seus planos de vida sofreram um forte revés, perdeu a sua auto-estima e entrou em depressão profunda e incapacitante (factos BH e BI).
Pois bem, deste elenco retira-se e, salvo o devido respeito, sem que suscite dúvida, que a R. actuou intencionalmente de modo a pressionar o A., fazendo-lhe sentir claramente que deixara ali de ter lugar e que, até que a situação se resolvesse, o que passaria sempre pela extinção do posto de trabalho, não o reconhecia como Director. Só assim se explica que o tenha colocado no “Armazém ...”, que não lhe tenha atribuído a mínima função e, não obstante, ainda lhe impusesse o cumprimento do horário de trabalho e a verificação de tal em termos diferentes dos utilizados para os Directores.
Mais, a nosso ver é dessa atitude que acaba por resultar, no seu expoente máximo, o circunstancialismo de facto que consubstancia o despedimento a 12 de Fevereiro de 2007, sendo o A. praticamente escorraçado da empresa, bem assim a conduta posterior, impedindo -o de aceder normalmente às instalações para recolher os seus pertences.
Admite-se, até com respaldo em factos provados, que a R. tenha sido objecto de uma reestruturação, implicando tal a redução de trabalhadores e a mudança de instalações, e que nesse contexto entendesse não precisar dos serviços do A., porventura até justificadamente (sendo aqui irrelevante dilucidar essa questão), mas tudo isso não justifica que tenha enveredado por condutas com o propósito de o pressionar, para tanto sujeitando-o a um tratamento ofensivo da sua dignidade e humilhando-o perante os demais trabalhadores, desde o primeiro dia em que regressou à empresa e até ao último momento em que recolheu os seus pertences.
Que essa intenção esteve presente na conduta da R, revela-o também a contradição que se passa a apontar.
A recorrente justifica a não atribuição de funções ao A. com o facto de não as ter, devido à reestruturação da empresa, realizada enquanto este estava de baixa. Dai que, mesmo que não se ponha tal em causa, então teria sido razoável e lógico que o procedimento para despedimento por extinção do posto de trabalho, assente justamente nesse facto, tivesse sido iniciado muito antes. Na verdade, a 15 de Setembro de 2005, já a R. considerava não ter lugar para o A. na sua estrutura e deparava-se com a necessidade de fazer extinguir o contrato de trabalho.
Ora, a verdade é que a R. andou mais de um ano – entre 15 de Setembro de 2005 e 30 de Novembro de 2006 – sem tomar a iniciativa de proceder ao despedimento por extinção do posto de trabalho, não servindo de justificação o facto de entretanto terem decorrido negociações, já que não decorre dos factos que tivesse sequer e em qualquer momento havido alguma aproximação de vontades, sendo certo que paralelamente sujeitava o A. àquelas condições acima referidas.
Deve ter-se presente que o empregador, tal como o trabalhador, está sujeito ao dever de proceder de boa-fé no cumprimento das suas obrigações decorrentes do contrato de trabalho [art.º 119.º do CT 03].
E, entre as suas obrigações, encontram-se, o dever de tratar o trabalhador com respeito e urbanidade, bem como o de lhe proporcionar boas condições de trabalho, quer do ponto de vista físico quer moral [art.º 120.º n.º1 al. a) e c), do CT 03].
Não suscitando dúvida afirmar que aquele dever geral de boa-fé e estes deveres específicos do empregador, foram manifestamente postos em causa face à conduta que adoptou para com o A.
Por conseguinte, perante esta factualidade é de concluir que se configura um comportamento ilícito e culposo por parte da recorrente, através do qual atentou contra a dignidade do A. e humilhou-o, desde logo, perante os demais trabalhadores, sendo o mesmo causa adequada para o abalo físico e psicológico que aquele sentiu, bem assim para se sentir consternado com o despedimento, ter perdido a auto-estima e entrado em depressão profunda e incapacitante.
Assim, há seguramente danos que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito e devem ser indemnizados, com base na equidade, nos termos do disposto nos conjugados artigos 483.º e 496.º 1 e 3, do Código Civil.
Como elucidam Pires de Lima e Antunes Varela, “O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do responsável) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica è às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações da moeda, etc. E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, da justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida [Op. cit, p. 501].
Perante o quadro factual a atender, é de considerar que a recorrente actuou dolosamente.
A recorrente é uma grande empresa, na medida em que emprega mais de 200 trabalhadores, como decorre do facto CH [art.º 91.º n.º1, al.d), do CT 03]. E, no que respeita ao A., poderá considerar-se que tinha uma condição económica média alta, dado auferir a retribuição mensal base de € 3 114,50, acrescida de € 793,52.
Finalmente, no que respeita à gravidade do dano, deverá ponderar-se que até ao despedimento o A. foi sujeito continuamente àquelas condições durante um ano e cinco meses, o que leva a considerar esse facto como causador de um assinalável desgaste psicológico. Já no que tange ao despedimento e à fase posterior, que o A. tenha ficado consternado e que os seus planos de vida tenham sofrido um revés, são danos que merecem a tutela do direito, atentas as circunstâncias em particular do caso, mas ainda assim não são de considerar especialmente graves se tomarmos em conta que são a consequência normal e típica para qualquer trabalhador que passe por um despedimento ilícito. Maior gravidade reconhece-se ao dano resultante da perda de auto-estima e da depressão profunda e incapacitante, embora seja de assinalar, que não resultou provado algo mais que melhor concretizasse esta última realidade, desde logo, durante quanto tempo perdurou.
Neste balanço, afigura-se-nos equilibrada e ajustada uma indemnização no montante de € 15 000,00.
Por conseguinte, nessa parte deve ser alterada a sentença, substituindo-se o valor da indemnização por danos não patrimoniais nela fixado, pelo valor acima mencionado, isto é, € 15 000,00.

***

Considerando o disposto no art.º 446.º n.º1 e 2, do CPC, as custas serão suportadas pela recorrente e pelo recorrido, na proporção das respectivas responsabilidades atenta a proporção no decaimento.


III.DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação, em consequência:
-alterando a sentença recorrida na parte respeitante ao valor da indemnização por danos morais, que se fixam em € 15 000,00 (quinze mil euros);
- mantendo-a em tudo o mais.

Custas pela recorrente e pelo recorrido, na proporção do decaimento.

Lisboa, 21 de Novembro de 2012

Jerónimo Freitas
Paula Sá Fernandes
Francisca Mendes
Decisão Texto Integral: