Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CARLOS CASTELO BRANCO (VICE-PRESIDENTE) | ||
Descritores: | SUSPEIÇÃO JUIZ ACTOS PROCESSUAIS | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/18/2024 | ||
Votação: | DECISÃO INDIVIDUAL | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | SUSPEIÇÃO | ||
Decisão: | INDEFERIMENTO | ||
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Sumário: | I. A formulação do incidente de suspeição não é o meio adequado para questionar a conduta processual operada pelo juiz. II. Não se insere no âmbito ou na finalidade do incidente de suspeição, a apreciação sobre a observância/inobservância, pelo julgador, dos deveres a seu cargo (em particular do dever de diligência, a que se reporta o artigo 7.º-C do Estatuto dos Magistrados Judiciais, na tramitação processual), aspeto relativamente ao qual, o ordenamento jurídico estabelece meios próprios para colocar em crise uma tal conduta (ou omissão) do juiz, desde logo, de índole disciplinar. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | * I. 1. “A”, requerente nos presentes autos de inventário subsequente a divórcio, que, com o n.º 1276/12.6TMLSB-A corre termos no Juízo de Família e Menores de Lisboa – Juiz “X” veio, por requerimento apresentado em juízo em 09-12-2024, deduzir incidente de suspeição, relativamente à Sra. Juíza de Direito “B”, alegando, em suma, que: “(…) - A presente suspeição foi surgindo cumulativamente ao longo do processo, tendo-se consolidado com a sessão marcada como «Conferência de interessados, ocorrida no dia 27/11/2024 (…)- Ao longo do processo, a Mma Juiz não se pronunciou sobre várias matérias, fazendo avançar os trâmites dos autos, em prejuízo do Requerente, não cumprindo o determinado no art.° 152.º 1 do CPC, sobre a decisão de matérias pendentes. (…) - Desde logo, na causa de pedir da acção, e nos pedidos formulados, figuram créditos compensatórios, de valor relevante a favor do Requerente, e a Mma. Juiz só agora, em Despacho ditado para acta, nesta sessão de 27/112024, lhes faz pela primeira vez uma breve alusão. (…) - Porém, em conjugação com o restante passado, pode-se concluir, para lá da aparência, que pretende não tomar conhecimento dos créditos, omitir a pronúncia sobre essa matéria. (…) - Aliás, na sessão referida de 27/11/2024, chegou a dizer, já abertamente, que já estamos na fase da «conferência de interessados», e que a audiência de julgamento não está prevista no processo de inventário. (…)- Porém estamos nessa fase por determinação da mesma, ignorando as invocações, e até uma invocada nulidade, sobre que não se pronunciou e é determinante para a prossecução e trâmites subsequentes dos autos. (…)- Prejudicando o Requerente em termos processuais com reflexo relevante e notório no resultado da acção. (…)- O supra mencionado Despacho de 27/11/2024, a final, refere: «II - Considerando os requerimentos apresentados pelo cabeça de casal e por entender necessário, nos termos dos art.° 7.°, 417.° e 436.°, do CPC, determino a notificação do cabeça de casal para, no prazo de 10 dias, juntar aos autos documentos comprovativos dos alegados créditos compensatórios, na presente data». (…)- Pela primeira vez faz expressa menção a créditos compensatórios, apesar de o Requerente os referir na petição inicial, e em diversos requerimentos e oralmente. (…)- Bem sabendo que silenciando-os, não tomando posição sobre esse aspecto, o Requerente fica sem qualquer base, para exercer contraditório, nomeadamente reclamar, ou requerer o que quer que seja. (…)- Ora esta referência aos «documentos comprovativos dos alegados créditos compensatórios», podia indiciar que o Tribunal solicita meios de prova, além dos meios de prova abundantemente oferecidos, documentais e incluindo prova testemunhal e declarações de parte solicitadas, para serem apreciados em audiência de julgamento, mas por toda a conduta até ao presente, pretende a Mma Juiz comprovativos acabados, ao nível dos títulos executivos. (…)- Sendo que todos os créditos estão intrinsecamente ligados ao bem comum a partilhar, essencialmente, e quase na totalidade, ao custo da aquisição do mesmo, e à liberação das hipotecas que o oneram. (…)- O bem comum a partilhar é só um, mas se o Requerente invoca que só ele custeou a compra, com a entrada, e amortizou os empréstimos com todos os encargos, até ao presente, tem que ser o Tribunal a dizer em audiência de julgamento, e apreciação das provas, se é assim ou não, ou em que medida, ou se há ou não outros factores ponderáveis e em que medida, para determinar o montante dos mesmos. (…)- De facto, a audiência de Julgamento é indispensável face aos direitos invocados, e aos vastos meios de prova já oferecidos, e necessária a ambas as partes para justa composição do litígio. (…)- A Mma Juiz não está a ser imparcial (…) (…) a «Conferência de interessados», marcada é inadmissível, por prejudicada por omissões e decisões jurisdicionais pendentes, conforme o Requerente mais de uma vez invocou” [referindo que não foi apreciada a extemporaneidade da contestação]. (…) por despacho de 18/12/2024, a Mma Juiz concede um prazo extra à Requerida, para apresentar a sua forma de partilha, tendo já decorrido mais de 2 meses, sobre o prazo legal previsto, e cumprido pelo Requerente. (…)- Tendo-lhe depois concedido sucessivos prazos extra para o efeito, e por Despacho de 24/4/2024, decidiu simplesmente condenar a Requerida em multa, mas não concluindo que, em princípio, valia a forma de partilha do Requerente. (…)- Assim, concedendo benesses de prazo à outra parte, injustificadas, e mostrando discordar das propostas do Requerente, mesmo sem oposição da requerida. (…)- Por Despacho 10-07-2024, a Mma Juiz determina a forma de partilha, e aí logo marca «Conferência de interessados». (…)- A 2/09/2024, O Requerente argui de Nulidade esse Despacho, nomeadamente por na forma de organizar a partilha determinada, estarem omissos os créditos compensatórios invocados pelo Requerente. (…)- Esta nulidade arguida não foi apreciada até ao presente. (…)- O Requerente já duas vezes invocou nos autos, a prejudicialidade da apreciação desta nulidade para o prosseguimento dos autos, nomeadamente para admissibilidade de «conferência de interessados». (…)- A Mma Juiz com as suas iniciativas de prosseguimento dos autos, prejudica notoriamente o Requerente e as suas apreensões expressamente formuladas. (…)- Favorecimento da parte contrária, foi ainda a não rejeição dos seus requerimentos, por falta de notificação repetida do mandatário do Requerente. (…)- Assim, por sucessivos Despachos de 13/01/2023, 31/01/2023, 9/2/2023, e 1/3/2023, é à Requerida concedido prazo para notificar o mandatário do Requerente. (…)- Atrasando-se os autos sucessivamente, e concedendo essa benesse repetida, e injustificada, e aliás também sem resultado. (…)- Claramente o processo está forçadamente, e também com subtileza bem visível direccionada a prejudicar o Requerente, de forma gravosa, pois está em causa um imóvel, casa de habitação, cujo esforço de aquisição varia entre a totalidade de uma parte, e nenhum esforço ou quase da outra parte, tudo desde o início dos autos invocado (…)”. 2. Na sequência do referido em 1., a Sra. Juíza de Direito visada, por despacho de 13-12-2024, veio responder – nos presentes autos – pugnando pelo indeferimento do incidente, tendo invocado, nomeadamente, que: “(…) No âmbito do processo de inventário supra identificado, em todas as decisões proferidas, bem como no decurso das diligências a que presidiu, (…) sempre agiu tendo em vista o cumprimento da sua função jurisdicional constitucionalmente consagrada, e sempre respeitou os princípios fundamentais do processo civil, designadamente os princípios da igualdade das partes e de cooperação com todos os intervenientes processuais. (…) Da leitura do requerimento em que se deduz o incidente de suspeição não se retiram factos concretos imputáveis à signatária em que se funde o pedido (…) (…) Trata-se, a nosso ver, de meros juízos de valor e impressões subjetivas sobre a atuação da signatária, que em todo o caso se refutam veementemente, por se considerarem totalmente infundadas. (…) Relativamente às questões pendentes, as mesmas serão objecto de despacho no momento oportuno, após a realização das diligências probatórias determinadas pelo Tribunal, sendo que, nesta fase processual ainda não foi proferida decisão de mérito sobre as pretensões do Requerente e da Requerida, pelo que inexiste prejuízo e/ ou benefício para qualquer das partes. (…) As partes têm ao seu dispor todos os mecanismos legais de impugnação, caso não se conformem com as decisões judiciais, sendo que os autos de inventário tiveram início em 09.11.2021 e até 12.12.2024, nenhuma das decisões proferidas pela signatária foi objecto de impugnação por meio de recurso (…)”. 3. Nos autos referidos em 1. teve lugar, em 27-11-2024, conferência de interessados, constando da respetiva ata, nomeadamente, escrito o seguinte: “(…) Logo pela Mm. ª Juiz de Direito foi concedida a palavra ao Ilustre Mandatário do Cabeça de Casal, o qual disse, em suma: - O CC tem interessa em que lhe seja adjudicado o imóvel. - E mais não disse; (…) De seguida pela Mm. ª Juiz foi dada a palavra ao Ilustre Mandatária da Interessada, Ilma Bentes Guimarães Figueiredo, o qual disse, em suma: - Tem interesse em vender o imóvel; - E mais não disse; (…) De seguida pela Mm. ª Juiz de Direito foi proferido o seguinte: =DESPACHO= I - Face à posição divergente das partes, não tendo sido possível uma solução amigável para a partilha, ainda que parcial, dos bens descritos na relação de bens, antes de mais, por entender necessário, ao abrigo dos artºs 417º, 467º, 476º, 477º, todos do CPC, determino que se proceda à avaliação pericial do imóvel melhor descrito nos autos, com vista a determinar o respetivo valor atual de mercado para venda. Indique a secção pessoa idónea, a fim de ser designado como perito, o qual desde já se nomeia, por razões de economia e celeridade processual. Fixo em 30 dias o prazo de apresentação do relatório pericial. (…) II – Considerando os requerimentos apresentados pelo cabeça de casal e por entender necessário, nos termos dos artºs 7.º, 417.º e 436º, do CPC, determino a notificação do cabeça de casal para, no prazo de 10 dias, juntar aos autos documentos comprovativos dos alegados créditos compensatórios, na presente data. (…) Notifique e D.N.. (…) Do despacho ora proferido, foram todos os presentes devidamente notificados, tendo a diligência sido declarada encerrada quando eram 14 horas e 21 minutos (…)”. * II. Mostram-se pertinentes para a resolução do incidente os factos acima identificados, de acordo com o que resulta documentado dos autos. * III. Nos termos do disposto no nº. 1 do artigo 120.º do CPC, as partes podem opôr suspeição ao juiz quando ocorrer motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, o que ocorrerá, nomeadamente, nas situações elencadas nas suas alíneas a) a g). Com efeito, o juiz natural, consagrado na CRP (cfr. artigos 32.º, n.º 9 e 203.º), só pode ser recusado quando se verifiquem circunstâncias assertivas, sérias e graves. E os motivos sérios e graves, tendentes a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do julgador, resultarão da avaliação das circunstâncias invocadas. O TEDH – na interpretação do segmento inicial do §1 do art.º 6.º da CEDH, (“qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei”) - desde o acórdão Piersack v. Bélgica (8692/79), de 01-10-82 (https://hudoc.echr.coe.int/fre?i=001-57557) tem trilhado o caminho da determinação da imparcialidade pela sujeição a um “teste subjetivo”, incidindo sobre a convicção pessoal e o comportamento do concreto juiz, sobre a existência de preconceito (na expressão anglo-saxónica, “bias”) face a determinado caso, e a um “teste objetivo” que atenda à perceção ou dúvida externa legítima sobre a garantia de imparcialidade (cfr., também, os acórdãos Cubber v. Bélgica, de 26-10-84 (https://hudoc.echr.coe.int/ukr?i=001-57465), Borgers v. Bélgica, de 30-10-91, (https://hudoc.echr.coe.int/fre?i=001-57720) e Micallef v. Malte, de 15-10-2009 (https://hudoc.echr.coe.int/fre?i=001-95031) ). Assim, o TEDH tem vindo a entender que um juiz deve ser e parecer imparcial, devendo abster-se de intervir num assunto, quando existam dúvidas razoáveis da sua imparcialidade, ou porque tenha exteriorizado relativamente ao demandante, juízos antecipados desfavoráveis, ou no processo, tenha emitido algum juízo antecipado de culpabilidade. A dedução de um incidente de suspeição, pelo que sugere ou implica, deve ser resguardado para casos evidentes que o legislador espelhou no artigo 120.º do CPC, em reforço dos motivos de escusa do juiz, a que se refere o artigo 119.º do CPC. A imparcialidade do Tribunal constitui um requisito fundamental do processo justo. “A imparcialidade, como exigência específica de uma verdadeira decisão judicial, define-se, por via de regra, como ausência de qualquer prejuízo ou preconceito, em relação à matéria a decidir ou às pessoas afectadas pela decisão” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-02-2013, Pº 1475/11.8TAMTS.P1-A.S1, rel. SANTOS CABRAL). O direito a um julgamento justo, não se trata de uma prerrogativa concedida no interesse dos juízes, mas antes, uma garantia de respeito pelos direitos e liberdades fundamentais, de modo a que, qualquer pessoa tenha confiança no sistema de Justiça. Do ponto de vista dos intervenientes nos processos, é relevante saber da neutralidade dos juízes face ao objeto da causa. Com efeito, os motivos sérios e válidos atinentes à imparcialidade de um juiz terão de ser apreciados de um ponto de vista subjetivo e objetivo. “De acordo com o entendimento uniforme da jurisprudência (…), a imparcialidade pode ser avaliada sob duas vertentes, a subjetiva e a objetiva, radicando a primeira na posição pessoal do juiz perante a causa, caracterizada pela inexistência de qualquer predisposição no sentido de beneficiar ou de prejudicar qualquer das partes, e consistindo a segunda na ausência de circunstâncias externas, no sentido de aparentes, que revelem que o juiz tem um pendor a favor ou contra qualquer das partes, afectando a confiança que os cidadãos depositam nos tribunais” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08-05-2024, Pº 5423/22.1JAPRT-A.P1, rel. PAULA PIRES). Por outra parte, a consideração da existência de motivo sério e grave adequado a pôr em causa a imparcialidade do julgador, há-de fundar-se em concretas circunstâncias e não em juízos ou conjeturas genéricas e imprecisas. Conforme se referiu na decisão do Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Évora de 08-05-2024 (Pº 254/22.1T8LGS.E1, rel. TOMÉ DE CARVALHO): “Para que se possa suscitar eficazmente a suspeição de um juiz não basta invocar o receio da existência de uma falta de imparcialidade é necessário que esse receio nasça de alguma das circunstâncias integradas na esfera de protecção da norma. A aferição da suspeição deve ser extraída de factos ou eventos concretos, inequívocos e concludentes que sejam susceptíveis de colocar em causa a independência e a imparcialidade do julgador e a objectividade do julgamento”. * IV. Colocados os parâmetros enunciados que importa observar, analisemos a situação concreta, apreciando se o incidente de suspeição deverá proceder ou improceder. Previamente, porém, cumpre aferir da respetiva tempestividade na sua dedução, questão de oficioso conhecimento. Vejamos: No requerimento de suspeição em apreço, o respetivo requerente invocou diversas circunstâncias inerentes à tramitação do processo em questão e às vicissitudes do mesmo, concluindo que, em face de tal exposição, se verifica fundamento para a suspeição do julgador. Enunciou, em particular, o requerente da suspeição que: “(…) - A presente suspeição foi surgindo cumulativamente ao longo do processo, tendo-se consolidado com a sessão marcada como «Conferência de interessados, ocorrida no dia 27/11/2024 (…)- Ao longo do processo, a Mma Juiz não se pronunciou sobre várias matérias, fazendo avançar os trâmites dos autos, em prejuízo do Requerente, não cumprindo o determinado no art.° 152.° 1 do CPC, sobre a decisão de matérias pendentes. (…) por despacho de 18/12/202[3], a Mma Juiz concede um prazo extra à Requerida, para apresentar a sua forma de partilha, tendo já decorrido mais de 2 meses, sobre o prazo legal previsto, e cumprido pelo Requerente. (…)- Tendo-lhe depois concedido sucessivos prazos extra para o efeito, e por Despacho de 24/4/2024, decidiu simplesmente condenar a Requerida em multa, mas não concluindo que, em princípio, valia a forma de partilha do Requerente. (…)- Assim, concedendo benesses de prazo à outra parte, injustificadas, e mostrando discordar das propostas do Requerente, mesmo sem oposição da requerida. (…)- Por Despacho 10-07-2024, a Mma Juiz determina a forma de partilha, e aí logo marca «Conferência de interessados». (…)- A 2/09/2024, O Requerente argui de Nulidade esse Despacho, nomeadamente por na forma de organizar a partilha determinada, estarem omissos os créditos compensatórios invocados pelo Requerente. (…)- Esta nulidade arguida não foi apreciada até ao presente. (…)- O Requerente já duas vezes invocou nos autos, a prejudicialidade da apreciação desta nulidade para o prosseguimento dos autos, nomeadamente para admissibilidade de «conferência de interessados». (…)- A Mma Juiz com as suas iniciativas de prosseguimento dos autos, prejudica notoriamente o Requerente e as suas apreensões expressamente formuladas. (…)- Favorecimento da parte contrária, foi ainda a não rejeição dos seus requerimentos, por falta de notificação repetida do mandatário do Requerente. (…)- Assim, por sucessivos Despachos de 13/01/2023, 31/01/2023, 9/2/2023, e 1/3/2023, é à Requerida concedido prazo para notificar o mandatário do Requerente. (…)- Atrasando-se os autos sucessivamente, e concedendo essa benesse repetida, e injustificada, e aliás também sem resultado. (…)- Claramente o processo está forçadamente, e também com subtileza bem visível direccionada a prejudicar o Requerente, de forma gravosa, pois está em causa um imóvel, casa de habitação, cujo esforço de aquisição varia entre a totalidade de uma parte, e nenhum esforço ou quase da outra parte, tudo desde o início dos autos invocado (…)”. Conforme decorre do que vem sendo referido, em particular dos trechos sublinhados, no caso em apreço, a suspeição deduzida sobre a Sra. Juíza respeita, em assinalável medida (conforme deriva do respetivo requerimento) à intervenção desta na tramitação que tem vindo a efetuar, em diversos momentos, no processo acima identificado, designadamente, em momentos anteriores ao da conferência de interessados que teve lugar em 27-11-2024. Ora, relativamente a todos os atos processuais levados a efeito antes de tal data - que foram dados a conhecer ao requerente da suspeição ou que, o mesmo (ou o seu advogado) neles teve participação e deles conheceu - o requerente da suspeição, tomando conhecimento dos factos que, em seu entender, justificariam a suspeição, determinaria que o incidente de suspeição que tivesse por pertinente, devesse ser deduzido até 10 dias após o conhecimento dos referidos atos processuais ou, então, em conformidade com o disposto no artigo 139.º, n.º 5, do CPC, até 3 dias úteis posteriores ao termos dos referidos prazos, o que, contudo, não ocorreu. De facto, o presente incidente de suspeição apenas foi deduzido em 09-12-2024, ou seja, muito depois de decorrido o prazo em que tal dedução poderia, tempestivamente, ser efetuada, relativamente aos mencionados atos processuais que, em momento anterior ao da prática dos atos processuais que tiveram lugar em 27-11-2024. Ora, o decurso do prazo perentório – salvo situação de justo impedimento, a que se reporta o artigo 140.º do CPC (não invocada) – extingue o direito de praticar o ato (cfr. artigo 139.º, n.º 3, do CPC) – pelo que, atento igualmente o disposto no artigo 121.º, n.º 3, do CPC, terá de considerar-se, neste conspecto, extemporânea a dedução da suspeição com arrimo na prática de atos processuais pela Sra. Juíza em momento anterior a 27-11-2024. * V. Já quanto aos factos ocorridos em 27-11-2024, haverá que apreciar o mérito do incidente deduzido, uma vez que, em 09-12-2024, o requerente se aprestou a deduzir a suspeição. Importa considerar que, de acordo com os elementos constantes dos autos, não se justificam, nem se mostram pertinentes ou necessárias outras diligências, cumprindo julgar o incidente – cfr. artigo 123.º, n.º 3, do CPC. O requerente da suspeição invocou, no requerimento de suspeição que apresentou relativamente à Sra. Juíza visada, designadamente, que: - A Sra. Juíza “pretende não tomar conhecimento dos créditos, omitir a pronúncia sobre essa matéria”, tendo, na sessão de 27-11-2024, dito “que já estamos na fase da «conferência de interessados», e que a audiência de julgamento não está prevista no processo de inventário”; - A mesma ignora “as invocações, e até uma invocada nulidade, sobre que não se pronunciou e é determinante para a prossecução e trâmites subsequentes dos autos” considerando prejudicar “o Requerente em termos processuais com reflexo relevante e notório no resultado da acção”; - Não toma a Sra. Juíza posição sobre os créditos compensatórios ficando o requerente “sem qualquer base, para exercer contraditório, nomeadamente reclamar, ou requerer o que quer que seja”; - Invocando o requerente que “só ele custeou a compra, com a entrada, e amortizou os empréstimos com todos os encargos, até ao presente, tem que ser o Tribunal a dizer em audiência de julgamento, e apreciação das provas, se é assim ou não, ou em que medida, ou se há ou não outros factores ponderáveis e em que medida, para determinar o montante dos mesmos”, sendo indispensável a audiência de julgamento “face aos direitos invocados, e aos vastos meios de prova já oferecidos, e necessária a ambas as partes para justa composição do litígio”, concluindo que a Sra. Juíza não está a ser imparcial, considerando que “(…) a «Conferência de interessados», marcada é inadmissível, por prejudicada por omissões e decisões jurisdicionais pendentes, conforme o Requerente mais de uma vez invocou”. Vejamos: O princípio da independência dos tribunais, consagrado no artigo 203.º da Constituição (“os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei”), implica uma exigência de imparcialidade. A Justiça é feita caso a caso, tendo em consideração a real e objetiva situação a dirimir. O Juiz não é parte nos processos, devendo exercer as suas funções com a maior objetividade e imparcialidade. Com efeito, os juízes têm por função ser imparciais e objetivos, fundando as suas decisões na lei e na sua consciência. Como dispõe o artigo 4.º, n.º 1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais, os juízes julgam apenas segundo a Constituição e a lei e não estão sujeitos a ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento pelos tribunais inferiores das decisões proferidas, em via de recurso, pelos tribunais superiores. De acordo com o n.º 2 do artigo 4.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, a independência dos magistrados judiciais manifesta-se na função de julgar, na direção da marcha do processo e na gestão dos processos que lhes forem aleatoriamente atribuídos. Liminarmente, importa salientar que a apreciação sobre se a situação invocada pelo requerente da suspeição se enquadra, ou não, na previsão legal do artigo 120.º do CPC, prende-se, tão só, com a materialização - ou não - dos requisitos do incidente, e não, com qualquer apreciação de natureza jurisdicional ou substantiva, relativamente ao mérito da pretensão esgrimida por qualquer dos sujeitos processuais do processo em questão, a qual, não nos incumbe decidir, nem poderemos efetuar. Depois, cumpre salientar que não se patenteia qualquer das circunstâncias a que se referem as alíneas a) a f) do n.º 1, do artigo 120.º do CPC, como justificativas de suspeição do julgador. Quanto à alínea g) – existência de inimizade grave ou grande intimidade entre o juiz e alguma das partes ou seus mandatários – tem-se entendido que “não constitui fundamento específico de suspeição o mero indeferimento de requerimento probatório (RL, 7-11-12, 5275/09) nem a inoportuna expressão pelo juiz sobre a credibilidade das testemunhas (RG 20-3-06, 458/06)” (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 148). No seu requerimento, o requerente da suspeição invoca questões de natureza jurisdicional, manifestando a sua discordância com as decisões jurisdicionais tomadas no processo que elenca (tendo, nomeadamente, arguido a nulidade processual que identifica), mas, este descontentamento, não pode ser apreciado em incidente de suspeição, cujo escopo não se destina a apreciar questões técnicas relacionadas com o mérito de uma pretensão apresentada em juízo. Efetivamente, conforme decorre da pretensão do requerente da suspeição, este incidente vem fundado na intervenção levada a efeito pela Sra. Juíza visada no âmbito do processo a seu cargo e, mais propriamente, em razão da sua intervenção na conferência de interessados realizada. Discorda o requerente, desde logo, da forma como a Sra. Juíza de Direito tem tramitado o processo, imputando-lhe omissões de pronúncia/decisão e considerando que se impunha realizar audiência de julgamento para decisão dos créditos compensatórios invocados. Ora, do facto de um juiz ter proferido decisões desfavoráveis a uma das partes não pode extrair-se qualquer ilação quanto a eventuais sentimentos de amizade ou inimizade ou, até, de mera simpatia ou antipatia por uma delas, ou ainda de parcialidade (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-05-2002, Pº 01P3914, rel. SIMAS SANTOS). Efetivamente, a função jurisdicional “implica, pela sua própria natureza e quase sem excepções, a necessidade de dar razão a uma das partes e negá-la à outra, rejeitando as suas pretensões e sacrificando os seus interesses concretos. Daí que não seja possível retirar do facto de alguma, ou algumas, das pretensões formuladas por uma das partes terem sido rejeitadas a conclusão de que o julgador está a ser parcial ou a revelar qualquer inimizade contra a parte que viu tais pretensões indeferidas" (despacho do Presidente da Relação de Lisboa de 14-06-1999, in CJ, XXIV, 3.º, p. 75). Não se conformando com as decisões judiciais proferidas, o requerente da suspeição tem ao seu dispor todos os mecanismos legais de impugnação que sejam processualmente admissíveis, mas não, o incidente de suspeição. De facto, os recursos (ou as reclamações ou outros meios impugnatórios), a interpôr nos termos e segundo os pressupostos legalmente previstos, são os mecanismos legais para se poder reagir em tais situações e para se aquilatar da correta ou incorreta aplicação da lei. O incidente de suspeição não é, de facto, o mecanismo adequado para expressar a discordância jurídica ou processual de uma parte sobre o curso processual de uma diligência ou sobre os atos jurisdicionais levados a efeito pelo julgador. A jurisprudência dos nossos tribunais superiores tem, de forma constante, evidenciado esta asserção (disso são exemplo as decisões expressas nos seguintes acórdãos: STJ de 09-12-2004, Pº 04P4308, rel. SIMAS SANTOS; STJ de 09-03-2022, Pº 5/22.0YFLSB, rel. HELENA FAZENDA; STJ de 23-09-2020, Pº 685/13.8JACBR.C1-A.S1, rel. MANUEL AUGUSTO DE MATOS; TRL de 11-10-2017, Pº 6300/12.0TDLSB-A-3, rel. JOÃO LEE FERREIRA; TRP de 21-02-2018, Pº 406/15.0GAVFR-A.P1, rel. ELSA PAIXÃO; TRP de 11-11-2020, Pº 1155/18.3T9AVR-A.P1, rel. JOSÉ CARRETO; TRE de 07-01-2014, Pº91/10.6TDEVR-A.E1, rel. MARIA LEONOR ESTEVES; TRE de 08-03-2018, Pº 13/18.6YREVR, rel. JOÃO AMARO). Podemos entender que o requerente da suspeição não se reveja no conteúdo de posições tomadas, em exercício da jurisdição pela Sra. Juíza, mas tal descontentamento não implica a constatação de alguma parcialidade do julgador, que, aliás, é negada pela Sra. Juíza na resposta formulada. Certo é que, não logramos descortinar na invocação do requerente da suspeição, a respeito das decisões tomadas em 27-11-2024, nenhuma circunstância que possa conduzir ao afastamento da Sra. Juíza, não se demonstrando, o por si alegado, envolver a existência de motivo – muito menos, sério e grave - adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do julgador. Em particular, a circunstância invocada pelo requerente da suspeição, no sentido de que a Sra. Juíza não viabiliza uma determinada condução do processo ou não toma posição sobre nulidade processual invocada, não determina fundamento justificativo para a concessão de suspeição sobre o julgador. Poderia estar-se perante uma nulidade processual, mas cuja apreciação não poderá, como é lógico, ser objeto do presente incidente de suspeição, dirigido a diferente escopo. Relativamente ao modo de condução dos trabalhos pelo julgador, à prolação das respetivas decisões tomadas na conferência de interessados, o requerente – por intermédio do seu advogado – poderia invocar os meios impugnatórios ao seu dispôr e que ao caso coubessem (v.g., a arguição de nulidade, o protesto, a reclamação, o recurso). A formulação do incidente de suspeição não é, contudo, o meio adequado para questionar a conduta processual operada pelo juiz. Conforme se referenciou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-07-2022 (Pº 101/12.2TAVRM-F.G1-A.S1, rel. PEDRO BRANQUINHO DIAS), “um requerimento em que se requer a recusa de um juiz não é a sede própria para se arguir também nulidades/irregularidades de despachos judiciais”. Por outro lado – e no que, em particular, respeita à invocação do requerente de que a Senhora Juíza não se pronunciou sobre nulidade processual e demais pontos que o requerente considera relevantes para a decisão (como seja a realização da audiência de julgamento), a Sra. Juíza visada assinalou que, em seu entender, as mesmas serão objeto de despacho após a realização de diligências probatórias determinadas pelo Tribunal, sem que exista, por ora, por ausência de decisão de mérito, prejuízo e/ou benefício para qualquer das partes, referindo que as mesmas têm ao seu dispor os mecanismos de impugnação das decisões com que não se conformem, sendo que, desde o início do processo até 12-12-2024, nenhuma das decisões proferidas foi impugnada por meio de recurso. Relativamente a este ponto, cumpre tão só afirmar que o curso processual da tramitação dos apensos em curso encontra-se a ser devidamente assegurado, não se revelando qualquer comportamento da Senhora Juíza no sentido de qualquer parcialidade. A ausência de seguimento de tramitação ou de resposta a solicitações de uma das partes (questões que, aliás, mereceram pronúncia da Senhora Juíza na resposta formulada no presente incidente) nunca representariam, em si mesmo, qualquer quebra da imparcialidade devida, mas, no limite, o incumprimento do dever de decisão ou de atempada decisão. De facto, não se insere no âmbito ou na finalidade do incidente de suspeição, a apreciação sobre a observância/inobservância, pelo julgador, dos deveres a seu cargo (em particular do dever de diligência, a que se reporta o artigo 7.º-C do Estatuto dos Magistrados Judiciais, na tramitação processual), aspeto relativamente ao qual, o ordenamento jurídico estabelece meios próprios para colocar em crise uma tal conduta (ou omissão) do juiz, desde logo, de índole disciplinar. Observando os factos tal como o faria um cidadão médio, não se deteta no ato processual da conferência de interessados, em que teve intervenção a Sra. Juíza visada, qualquer atitude pessoal reveladora de suspeita de quebra da sua imparcialidade ou reveladora de alguma inimizade grave para com o requerente da suspeição. Assim sendo, entendemos não se encontrarem reunidos os pressupostos que materializam o incidente, o que conduz à sua improcedência. A responsabilidade tributária incidirá sobre o requerente – vencido (cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC) – da suspeição. Não obstante o decaimento relativamente ao suscitado incidente, não se nos afigura a existência de litigância de má-fé do requerente da suspeição, não se patenteando alguma das circunstâncias a que se reporta o n.º 2 do artigo 542.º do CPC (cfr. artigo 123.º, n.º 3, do CPC). * VI. Face ao exposto, indefiro a suspeição deduzida relativamente à Sra. Juíza de Direito “B”. Custas a cargo do requerente do incidente. Notifique. Lisboa, 18-12-2024, Carlos Castelo Branco. (Vice-Presidente, com poderes delegados – cfr. Despacho 2577/2024, de 16-02-2024, D.R., 2.ª Série, n.º 51/2024, de 12 de março). |