Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1100/12.0TXLSB-N.L2-5
Relator: SANDRA FERREIRA
Descritores: LICENÇA DE SAÍDA JURISDICIONAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL EM SEPARADO
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário: I–Em matéria de prevenção geral é inquestionável a gravidade dos crimes em apreço e os inerentes desassossegos a eles associadas.

II–Todavia estes desassossegos, concernentes à gravidade objetiva dos crimes cometidos, tiveram já a sua avaliação aquando da análise da culpa e das penas concretamente aplicadas.

III–O recluso está em cumprimento ininterrupto de pena há 14 anos, decorrendo dos autos a evolução da sua personalidade num sentido favorável quanto à sua capacidade para cumprir a medida de flexibilização da pena em apreço.

IV–Deste modo, as exigências de prevenção geral não poderão impedir, por si só, verificados os requisitos previstos nos arts. 78º e 79º do CEPMPL, a concessão de uma saída jurisdicional por 3 dias, consideradas, além do mais, as concretas obrigações fixadas na decisão recorrida.

V–Embora não seja vinculativo para o tribunal, todos os intervenientes no Conselho Técnico expressaram o seu voto favorável à concessão da saída Jurisdicional, o que não deixa de ser sintomático da sua evolução positiva e consequente expectativa de que o mesmo terá já condições para dela beneficiar, sendo possível, assim, efetuar um juízo de prognose favorável, mo sentido de que o recluso se comportará de modo socialmente responsável sem cometer crimes e que a sua saída é compatível, nas condições em que foi decidida, com a ordem e paz social.

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(Sumário da responsabilidade da relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:


I–RELATÓRIO


I.1No âmbito do processo 1100/12.0TXLSB-N que corre termos Juízo de Execução de Penas – Juiz 5, do Tribunal de Execução de Penas de Lisboa, a 19.10.2023 foi proferido despacho concedendo uma licença de saída jurisdicional ao recluso pelo período de 3 (três) dias, a executar de uma só vez, subordinada às condições ali indicadas.
Desse despacho interpôs recurso o Mº Público, tendo sido proferido acórdão a 20.02.2024 que julgou verificada a irregularidade do art. 123º, nº 2 do Código de Processo Penal, por omissão dos concretos fundamentos da decisão de conceder licença de saída jurisdicional ao arguido, e, em consequência, declara-se inválida a decisão recorrida e determina-se a descida dos autos à 1ª instância, devendo aquela decisão ser substituída por outra a elaborar de acordo com o decidido.

Recebidos os autos na 1ª Instância, apesar do determinado por este Tribunal, foi decidido, atento o tempo decorrido, convocar novo Conselho Técnico e proferir nova decisão, tendo sido elaborado o seguinte despacho a 01.04.2024: “Face ao decidido no Acórdão que antecede, e atendendo ao tempo entretanto decorrido, decidimos convocar novo conselho técnico para o dia 5 de Abril de 2024, às 09:30h, a realizar no Estabelecimento Prisional da ..., para apreciação e decisão do presente pedido de licença de saída jurisdicional.
Notifique e comunique (artigo 190.º, n.º 3 do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade)”.
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Realizado o mencionado Conselho Técnico foi proferido o seguinte despacho:
IO recluso supra identificado requereu a concessão de uma licença de saída jurisdicional, nos termos do artigo 189.º n.ºs 1 e 2 do código da execução das penas e medidas privativas da liberdade, de ora em diante designado CEPMPL.
O requerimento foi instruído com os elementos previstos no n.º 3 do referido preceito e dos mesmos não resulta a não verificação dos requisitos previstos no artigo 79.º do citado diploma.
Designou-se dia e hora para a reunião do conselho técnico e o despacho foi notificado ao ministério público e comunicado ao estabelecimento prisional e aos serviços de reinserção social (artigo 190.º do CEPMPL).
Realizou-se hoje a reunião do Conselho Técnico, onde foram prestados os esclarecimentos indispensáveis à apreciação do pedido.
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II– O tribunal é o competente.
O processo é o próprio e mostra-se isento de nulidades, exceções ou quaisquer questões prévias que obstem ao conhecimento do pedido formulado pelo requerente.
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III– Discutido o pedido no conselho técnico hoje realizado, foi por este emitido
parecer:
Favorável, por maioria.
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IV–Assim, considerando o parecer do conselho técnico, os elementos dos autos, os esclarecimentos prestados e os requisitos e critérios legais (artigos 78.º e 79.º do CEPMPL), decide-se:
Conceder a licença de saída jurisdicional ao recluso pelo período de 3 (três) dias, a executar de uma só vez, atendendo ao momento da execução da pena – atinge os 2/3 em Novembro de 2024 –, ao bom comportamento que vem evidenciando, ao acompanhamento psicológico a que adere no Estabelecimento Prisional, ir gozar a licença de saída jurisdicional em zona distante daquela onde cometeu os crimes e provocou mais alarme social e ao facto de estar ocupado, estudando no ensino superior.
Esta licença fica subordinada às seguintes obrigações:
a)-Ir residir, durante o período da licença jurisdicional, na morada que indicou no seu requerimento;
b)-Regressar ao estabelecimento prisional dentro do prazo determinado;
Tribunal de Execução das Penas de Lisboa
c)-Manter conduta social adequada, com observância dos padrões normativos vigentes, nomeadamente sem incorrer na prática de quaisquer crimes;
d)-Não frequentar zonas ou locais conotados com atividades delituosas, nem acompanhar com pessoas relacionadas com tais atividades;
e)-Não consumir estupefacientes nem ingerir bebidas alcoólicas;
f)-Não sair, durante o tempo da concessão, da área do concelho onde se situa a morada indicada, salvo se for por motivo ponderoso e justificado.
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Notifique a presente decisão ao Ministério Público e ao recluso.
Após trânsito, passe mandado de saída.”

I.II–Recurso

Inconformado com tal despacho o Mº Público interpôs dele recurso de onde extraiu as seguintes conclusões [transcrição]:

“CONCLUSÕES
1-Analisados e ponderados todos estes elementos, à luz do disposto no art.° 78.° do CEPMPL. impõe-se concluir que é prematura a concessão de uma licença de saída ao recluso.
2-As licenças de saída (jurisdicionais ou outras) integram uma fase muito relevante da execução da própria medida privativa de liberdade e carecem de uma cuidada avaliação dos seus pressupostos para serem concedidas, pelo que a sua concessão têm de ser fundamentada nos requisitos e critérios legais antes referidos.
3-Ora, salvo o devido respeito e melhor opinião, no caso dos autos verifica-se que a decisão judicial ora recorrida não fez uma avaliação correta de tais requisitos e critérios legais, não se descortinando o motivo conducente a um voto de confiança ao recluso neste momento de execução da pena, quando afinal a gravidade da sua conduta criminosa se revela muito elevada, e dos autos não resultam elementos probatórios que revelam que tenha tido uma grande evolução ao nível da sua atitude face ao crime, e quando também as razões de prevenção geral se apresentam muito elevadas.
4-O recluso apesar de apresentar uma visão menos instrumentalizada das vítimas, ainda reflete, ainda assim, uma restrita capacidade de descentração e está ainda condicionado nas suas escolhas de comportamentos mais adequados no âmbito da sexualidade.
5-Identificaram-se como fragilidades pessoais o seu egocentrismo e falta de empatia, fatores que tendem a subsistir como elementos de risco de reincidência criminal.
6-Mais se apurou que, AA concluiu o programa de intervenção técnica direcionada para as suas necessidades criminógenas, conseguindo avaliar criticamente o seu comportamento criminal denotando uma evolução no desenvolvimento de recursos psicológicos que lhe poderão possibilitar a alteração desse comportamento, embora ainda subsistam fragilidades ao nível da capacidade de descentração e da empatia.
7-É verdade que o recluso, beneficia do apoio afetivo, económico e habitacional por parte do pai que se constitui como um elemento facilitador do seu processo de reintegração social, sendo que a licença foi concedida para ser gozada junto do pai em localidade rural onde presume a DGRSP, não existirá alarme social local.
8-Porém a compatibilidade da LSJ com a defesa da ordem e da paz social referida na al. b) do nº2 do art. 61º C. Penal, não deve ser aferida apenas por referência ao meio social onde o crime foi cometido, ou onde vivia o agente, ou onde se prevê que o agente passe a viver ou, mesmo, onde vivia ou vive a vítima ou outras pessoas relacionadas com o crime.
9-Pois que a compatibilidade da saída com a defesa da ordem e da paz social, deve ter em linha de conta todo o tecido social, não se afastando o risco apenas pelo local do gozo da LSJ e tendo-se ainda em linha de conta que nesta fase de cumprimento de pena estão ainda marcadas as necessidades de prevenção geral.
10-A tudo acresce no caso vertente, ainda não atingidos os dois terços da pena, as necessidades de prevenção geral – positiva e negativa – que são atualmente elevadas, dada a verificação da persistente dificuldade da capacidade de descentração.
11-Ainda que o recluso beneficie de bom comportamento prisional e do apoio familiar, são muito elevadas as necessidades de prevenção geral e alarme social
12-Como referimos, as razões que subjazem à concessão desta licença de saída jurisdicional são, essencialmente, o comportamento adequado, sem registos disciplinares e o percurso prisional sem problemas conhecidos.
13-Porém apurou-se recentemente que, apesar de apresentar uma visão menos instrumentalizada das vítimas, ainda reflete, ainda assim, uma restrita capacidade de descentração e está ainda condicionado nas suas escolhas de comportamentos mais adequados no âmbito da sexualidade.
14-Identificaram-se como fragilidades pessoais o seu egocentrismo e falta de empatia, fatores que tendem a subsistir como elementos de risco de reincidência criminal.
15- Essas razões não bastam e é arriscada, e pode ser muito perigosa, a saída do recluso... Pelo que o despacho recorrido viola o disposto nos artigos 76 º e 78 º do código da execução das penas e medidas privativas da liberdade.
16-A decisão recorrida, ao conceder ao recluso uma licença de saída jurisdicional pelo período de 3 dias, incorreu em violação do disposto nos arts. 146.º, n.º 1 do CEPMPL e 78.°,1 e 2 do CEPMPL, pelo que, não sendo declarada nula, deve ser revogada e substituída por outra que não conceda tal licença. (...)".
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Assim sendo revogada decisão ora recorrida farão Vª Exºs a costumada Justiça.
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Devendo o recurso ser instruído com os relatórios da DGRSP, com a sentença da LC
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Pelo despacho de 22.04.2024 foi o recurso admitido e fixado o respetivo regime de subida.
Está já junta aos autos a certidão da sentença proferida no apenso B, em 24.05.2023, que não concedeu ao recluso a liberdade condicional; e do relatório elaborado pela Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais para o mesmo fim, junto sob a referência 1822391, do apenso B.
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I.1.–Resposta
A este recurso o arguido não respondeu.
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I.2–Parecer do Ministério Público

Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, nesta instância o Exmº. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, nos seguintes termos [transcrição]:
1.-Inexiste circunstância que obste ao conhecimento do Recurso, tempestivamente interposto por quem, para tanto, tem legitimidade e interesse em agir, sendo de manter o regime e efeito fixado nos autos e deve ser julgado em conferência, nos termos do disposto no art. 419.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
2.-Delimitação do objecto do recurso.
É pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
No essencial no recurso interposto pelo Ministério Público sustenta-se que a douta Decisão de 5/4/2024 do Juíz 5 do Juízo de Execução de Penas de Lisboa deve ser revogada e substituída por outra que não conceda a licença de saída jurisdicional pelo período de 3 dias.
Analisados os fundamentos do recurso, acompanhamos o recurso apresentado pela digno Magistrado do Ministério Público junto da 1.ª instância, aderindo-se à argumentação oferecida, que se subscreve e aqui se dá por transcrita.
Com efeito, consideramos que o Digno Magistrado do Ministério Público junto da 1.ª Instância, identificou corretamente o objeto do recurso, argumentou com clareza e correção jurídica, o que merece o nosso acolhimento, dispensando-nos, assim, porque de todo desnecessário e redundante, de aduzir outros considerandos no que ao objeto do recurso em análise diz respeito.
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Pelo exposto, somos do parecer de que o Recurso interposto pelo Ministério Público junto da 1ª Instância deve ser julgado procedente e, consequentemente, a Decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que não conceda ao recluso AA a licença de saída jurisdicional pelo período de 3 dias.
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Dado cumprimento ao disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta pelo arguido.
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Concluído o exame preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento do recurso em conferência, nos termos do artigo 419.º do Código de Processo Penal.

Cumpre, agora, apreciar e decidir:
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II–FUNDAMENTAÇÃO

II.1–Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objeto do recurso:
Conforme decorre do disposto no n.º 1 do art.º 412.º do Código de Processo Penal, bem como da jurisprudência pacífica e constante [designadamente, do STJ], são as conclusões apresentadas pelo recorrente que definem e delimitam o âmbito do recurso e, consequentemente, os poderes de cognição do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

Assim, as questões a apreciar e decidir são as seguintes:
-A incorreta avaliação dos requisitos e critérios legais de concessão ao arguido de uma licença de saída jurisdicional, com violação do disposto nos arts. 78º e 79º do Código de Execução de Penas e Medidas privativas da Liberdade (CEPMPL).
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II.1–Apreciação do recurso

Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art.419º, nº3, al. c), do diploma citado.
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II.–Fundamentação

A Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro (CEPML), prevê as “licenças de saída do estabelecimento prisional” no seu artigo 76.º (Tipos de licenças de saída) em dois tipos básicos, as licenças de saída jurisdicionais ou administrativas, visando aquelas - as licenças de saída jurisdicionais - a manutenção e promoção dos laços familiares e sociais e a preparação para a vida em liberdade (nº 1 e 2 do preceito).

Nos termos do disposto no art. 78º do CEPMPL sob a epígrafe requisitos gerais prevê que:
- Podem ser concedidas licenças de saída quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a)- Fundada expectativa de que o recluso se comportará de modo socialmente responsável, sem cometer crimes;
b)-Compatibilidade da saída com a defesa da ordem e da paz social; e
c)-Fundada expectativa de que o recluso não se subtrairá à execução da pena ou medida privativa da liberdade.
2Tendo em conta as finalidades das licenças de saída, ponderam-se na sua concessão:
a)-A evolução da execução da pena ou medida privativa da liberdade;
b)-As necessidades de protecção da vítima;
c)-O ambiente social ou familiar em que o recluso se vai integrar;
d)-As circunstâncias do caso; e
e)-Os antecedentes conhecidos da vida do recluso.
3Na concessão de licenças de saída podem ser fixadas condições, adequadas ao caso concreto, a observar pelo recluso.

O artigo 79.º do referido diploma estatui que as licenças de saída jurisdicionais podem ser concedidas quando cumulativamente se verifiquem os pressupostos previstos no nº 2 do preceito, que são:
a)-O cumprimento de um sexto da pena e no mínimo seis meses, tratando-se de pena não superior a cinco anos, ou o cumprimento de um quarto da pena, tratando-se de pena superior a cinco anos;
b)-A execução da pena em regime comum ou aberto;
c)-A inexistência de outro processo pendente em que esteja determinada prisão preventiva;
d)-A inexistência de evasão, ausência ilegítima ou revogação da liberdade condicional nos 12 meses que antecederem o pedido”.

Da documentação junta aos autos decorre que:
O recluso cumpre a pena única de 22 anos de prisão, à ordem do Processo nº 456/08.3PTLSB, da extinta 8ª Vara Criminal de Lisboa, mostrando-se averbada no seu CRC a prática de 8 crimes de coação grave na forma tentada, 8 crimes de coação sexual, 3 crimes de coação sexual agravada, 2 crimes de pornografia de menores, 13 crimes de rapto, 2 crimes de abuso sexual de crianças, 2 crimes de coação sexual agravada na forma tentada, 4 crimes de sequestro, 2 crimes de roubo qualificado, 1 crime de coação, 4 crimes de coação na forma tentada, 6 crimes de roubo, 2 crime de ofensa à integridade física simples, 6 crimes de roubo na forma tentada, 1 crime de gravações e fotografias ilícitas, 6 crimes de violação e 1 crime de violação agravada.
O recluso encontra-se ininterruptamente privado da liberdade desde 06.03.2010, o meio da pena operou-se a 06.03.2021, os dois terços serão atingidos em 06.11.2024, os cinco sextos em 06.07.2028 e termo em 06.03.2032.

Na sentença que em 24.05.2023, que apreciou a concessão de liberdade condicional ao recluso, no apenso B, foram considerados provados ainda os seguintes factos:
“O recluso tem 43 anos de idade; natural de …; é o mais novo de dois irmãos, tendo o seu processo de desenvolvimento decorrido, até aos doze anos de idade (altura em que os pais se separaram) no agregado familiar nuclear, de condição socioeconómica modesta; após a separação permaneceu a viver com a mãe e o irmão, em ..., mantendo contactos regulares com o progenitor, os quais permitiram a preservação de uma vinculação familiar; o percurso escolar do recluso decorreu normalmente de uma forma investida, tendo concluído em 2004 a Licenciatura em... no ...; a nível profissional desenvolveu várias atividades indiferenciadas que conciliava com os estudos, designadamente na distribuição de publicidade, como ..., como ... em ..., como ..., como ... e como operador num “...”, passando depois de licenciado, com 25 anos de idade, a integrar o, então, grupo “...”, como..., com cariz estável e vinculativo.
à “Personalidade do recluso e evolução durante o cumprimento da pena: atitude face ao crime, escreveu-se: “o arguido assume os crimes pelos quais se encontra condenado, verbalizando arrependimento; demonstra consciência da gravidade dos crimes praticados, aos quais, no entanto, se refere com algum distanciamento e sem ressonância; atribui o seu comportamento às suas características intrínsecas, como alguma frustração com a vida – não objectivamente fundada, mas muito subjectivamente sentida – e a ambição desmedida, manifestações de uma personalidade egocentrada; tem vindo a desenvolver estratégias de empatia, referindo-se às “minhas vítimas”; saúde - não foram identificadas patologias condicionantes do processo de reinserção; entre 2009 a 2016, acompanhamento psiquiátrico e psicofarmacológico de um médico psiquiatra particular, tendo cessado a medicação e o respetivo suporte clínico por iniciativa própria, alegadamente devido aos efeitos secundários associados à toma medicamentosa; beneficia de consultas de psicologia regulares, acompanhamento que refere irá manter em liberdade, “se sentir necessidade” (sic); comportamento – mantém comportamento adequado e normativo; apresenta duas sanções disciplinares averbadas, sendo a última por factos praticados em janeiro de 2012; atividade ocupacional/profissional/ensino/formação – habilitado com a licenciatura em ... no ..., em meio prisional concluiu em 17/05/2019, a licenciatura em Línguas, Literaturas e Culturas na ...; no corrente ano lectivo suspendeu a matricula na ..., na Licenciatura em Ciências Sociais, por questões relacionadas com os custos com propinas; integrou o ... entre 16.06.2012 e 12.05.2021; no período de 13.05.2021 a 17.11.2021 exerceu funções na ...), tendo retomado atividade no ... a 18.11.2021; actualmente frequenta o atelier de Teatro; programas específicos e/ou outras atividades socioculturais - frequentou o Programa … entre 19.01.2022 e 23.01.2023, o qual concluiu com avaliação final global elevada de 16 valores; não se encontra inscrito em atividades ocupacionais; medidas de flexibilização da pena – não gozou, até ao momento de qualquer medida de flexibilização da pena.
5.-Rede exterior: enquadramento/apoio familiar – perspetiva residir com o pai, que habita sozinho em casa própria, a qual se situa numa pequena aldeia rural da região de ..., caraterizada pelo isolamento social, onde residem cerca de 20 idosos, na maioria, familiares entre si (tios e primos); beneficia ainda de apoio por parte de amigos e da ex-sogra; o progenitor e os primeiros visitam-no regularmente no EP; em termos profissionais não apresenta projectos concretos.”

No relatório da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais ali elaborado a 24.04.2023, consta:
2. Inserção e recetividade no meio comunitário
AA é conhecido no contexto residencial em que perspetiva habitar, uma vez que era a localidade para onde se deslocava para passar os fins-de-semana/férias e onde a maioria dos habitantes tem conhecimento da sua situação jurídico-penitenciária. Da informação recolhida, antecipam-se sentimentos de recetividade positiva por parte da comunidade local e por parte dos seus familiares, tendo a família de origem uma imagem favorável no meio comunitário. Conta também com o apoio dos presidentes da Junta da Freguesia da área de futura inserção comunitária, sendo um meio percecionado como protetor e onde não possui uma imagem negativizada. Porém, o crime foi gerador de elevado alarme social, tratando-se de um processo judicial com impacto mediático até à atualidade, envolvendo a divulgação da imagem pessoal do recluso ao público em geral. Com efeito, aguarda-se que o recluso beneficie de Licenças de Saída Jurisdicionais, que nos permitam aferir a sua capacidade de adaptação sociocomunitária e familiar e a ponderação das consequências que uma eventual libertação do recluso possa vir a ter para as vítimas.
(…)

3.SAÚDE
No plano da saúde, assinala-se que manteve, de 2009 a 2016, acompanhamento psiquiátrico e psicofarmacológico de um médico psiquiatra particular, tendo cessado a medicação e o respetivo suporte clínico por iniciativa própria, alegadamente devido aos efeitos secundários associados à toma medicamentosa.
AA concluiu o Programa de intervenção técnica “Conter”, o qual em termos de avaliação remete para um incremento da consciência relativamente aos danos causados às vítimas e para a redução de pensamentos facilitadores de comportamentos de agressão sexual.
No E. P. Carregueira mantém acompanhamento na consulta de Psicologia, sendo um suporte que valoriza, designadamente para “para se conhecer melhor a si próprio e para lidar melhor com os impulsos sexuais, caso eles surjam” (sic). Equaciona como importante, o recurso a meios de suporte clínico, tendencialmente na emergência de situações de dificuldade de regulação sexual, parecendo, no entanto, pouco sensibilizado para a manutenção de um apoio psicoterapêutico estruturado ao longo do tempo e para a eventual toma de medicação psicofarmacológica que possa atuar na incidência do comportamento sexual disruptivo.
Na área de residência, poderá recorrer à extensão de ... e/ou .... Não existe consulta de sexologia no ..., em ..., sendo o acompanhamento especializado realizado na área da Psiquiatria.

4.CARACTERÍSTICAS PESSOAIS, ATITUDES E MOTIVAÇÃO PARA A MUDANÇA
O recluso verbaliza uma atitude crítica relativamente ao seu comportamento sexualmente disruptivo, num enquadramento discursivo predominantemente marcado pela intelectualização e pela parca ressonância emocional. Presentemente, apresenta uma visão menos instrumentalizada das vítimas, refletindo, ainda assim, uma restrita capacidade de descentração o que poderá condicionar as suas escolhas de comportamentos mais adequados no âmbito da sexualidade.
Identificou como fragilidades pessoais o seu egocentrismo e falta de empatia, fatores que tendem a subsistir como elementos de risco de reincidência criminal.
(…)

6.CONCLUSÃO
AA concluiu o programa de intervenção técnica direcionada para as suas necessidades criminógenas, conseguindo avaliar criticamente o seu comportamento criminal denotando uma evolução no desenvolvimento de recursos psicológicos que lhe poderão possibilitar a alteração desse comportamento, embora ainda subsistam fragilidades ao nível da capacidade de descentração e da empatia.
No regresso à liberdade, beneficia do apoio afetivo, económico e habitacional por parte do pai que se constitui como um elemento facilitador do seu processo de reintegração social. Porém, ainda não beneficiou de medidas de flexibilização da pena que nos permitam avaliar o seu comportamento no exterior e a reação da comunidade, nomeadamente das vítimas, face à sua presença em meio livre, uma vez que o crime foi gerador de alarme social.
O impacto pessoal da presente situação de privação de liberdade e o sólido apoio familiar e comunitário constituem-se como fatores favoráveis ao regresso do recluso ao exterior, no entanto, no atual quadro de vida do recluso persistem necessidades de reinserção social centradas na esfera pessoal que devem ser trabalhadas.
Trata-se de um recluso cujos fatores de risco se centram nos deficits das competências internas e no reduzido reconhecimento da necessidade de manter acompanhamento médico regular e estruturado que vise a prevenção de recaída em novos comportamentos sexualmente violentos. Assim, será relevante que continue a desenvolver inibidores endógenos que permitam o controle dos impulsos sexuais violentos, evitando, desta forma, uma eventual reincidência criminal.
Face ao exposto, entendemos que o recluso não reúne, por ora, condições para a execução da medida de flexibilização da pena em apreciação, pelo que somos de parecer desfavorável à sua concessão”.

Na ata da reunião do Conselho Técnico [art. 191º, nº 3 do CEPMPL realizado a 05.04.2024 (refª 10881968)] foram ouvidos os membros do Conselho Técnico sobre os aspetos relevantes para a apreciação da licença de saída jurisdicional requerida pelo recluso, designadamente sobre o respetivo percurso prisional, o comportamento institucional, a evolução da personalidade ao longo do cumprimento da pena, a sua posição relativamente à conduta criminosa, a capacidade para cumprir a medida de flexibilização da execução da pena e as condições de reinserção social. resulta que findo o debate, o conselho técnico emitiu parecer favorável à concessão da licença de saída jurisdicional ao recluso, com os seguintes votos:
- Serviço de Vigilância e Segurança: Favorável;
- Área do Tratamento Prisional: Favorável;
- Serviços de Reinserção Social: Favorável;
- Diretor do Estabelecimento Prisional: Favorável.

No Conselho Técnico ocorrido a 19.10.2023 a Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais havia emitido parecer desfavorável [cf. ata da respetiva reunião (refª 10431077)].
Analisando os elementos constantes dos autos verificamos que se encontra cumprida parte da pena em medida suficiente para a concessão do pedido formulado (o arguido já cumpriu 14 anos de uma pena de 22 anos, portanto mais de ¼ da pena), inexiste qualquer outro processo pendente no qual esteja determinada prisão preventiva, verifica-se a inexistência de evasão, ausência ilegítima ou revogação de liberdade condicional (que não lhe foi ainda concedida).

Realizado o Conselho Técnico resulta da ata que nele foram ouvidos os respetivos membros sobre os aspetos relevantes para a apreciação da licença de saída jurisdicional requerida pelo recluso, designadamente sobre o respetivo percurso prisional, o comportamento institucional, a evolução da personalidade ao longo do cumprimento da pena, a sua posição relativamente à conduta criminosa, a capacidade para cumprir a medida de flexibilização da execução da pena e as condições de reinserção social, tendo todos emitido parecer favorável.

Refere o recorrente que a decisão não fez uma avaliação correta dos requisitos de concessão da saída Jurisdicional.

Ora, na decisão em apreço fez-se referência aos pareceres favoráveis por maioria obtidos, verificando-se, como acima se referiu que, no referido conselho técnico foi discutido o pedido formulado nas vertentes do respetivo percurso prisional, do comportamento institucional, da evolução da personalidade do recluso (ora requerente) ao longo do cumprimento da pena; da sua postura relativamente à conduta criminosa e da capacidade para cumprir medida de flexibilização da execução da pena e condições de reinserção social, tendo todo os membros votado favoravelmente à concessão da requerida licença, fundamentando o tribunal a quo ainda com o bom comportamento que o arguido vem evidenciando, o acompanhamento psicológico de que beneficia e a que adere, bem como a circunstância de ir gozar a licença em zona distante daquela onde cometeu os crimes e provocou mais alarme social e ao facto de estar ocupado e a estar ocupado, estudando no ensino superior.

Invoca o Mº Público, para defesa da sua posição, o relatório da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, elaborado no apenso B relativo à decisão de concessão de liberdade condicional, que, como já acima se referiu, data de há mais de um ano atrás, e foi elaborado num contexto diverso do que ora se aprecia.

Porém, é de realçar que se na reunião do Conselho Técnico de 19.10.2023 a Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais votou desfavoravelmente à concessão da requerida saída jurisdicional, mas, na reunião do mesmo Conselho Técnico ocorrida em 05.04.2024 votou já favoravelmente (sendo que conforme daquela ata resulta foi ponderada a evolução da personalidade do recluso ao longo do cumprimento da pena a sua postura face à conduta criminosa e a sua capacidade para cumprir a medida de flexibilização e condições de reinserção social).

Se analisarmos cuidadosamente aquele relatório da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais junto ao referido apenso B, verificamos que uma das razões invocadas no sentido de não ser concedida liberdade condicional foi precisamente a questão do recluso não ter ainda beneficiado “de medidas de flexibilização da pena que nos permitam avaliar o seu comportamento no exterior e a reação da comunidade, nomeadamente das vítimas, face à sua presença em meio livre, uma vez que o crime foi gerador de alarme social”.

Cremos, pois, que tendo a Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, na ponderação dos critérios definidos no CEPMPL produzido parecer favorável à concessão da saída jurisdicional requerida, não poderá ser invocado como fundamento válido para a sua não concessão um relatório produzido há mais de uma ano no apenso relativo à concessão da liberdade condicional, cujos pressupostos não se confundem com os da saída jurisdicional.

Reitera-se que na decisão que se aprecia o Mmº Juiz para além de considerar o parecer favorável por maioria emitido na referida reunião do Conselho Técnico, fez menção expressa ao momento da execução da pena e designadamente que serão atingidos os 2/3 da mesma em novembro de 2024, ao bom comportamento que vem evidenciando, ao acompanhamento psicológico a que adere no Estabelecimento Prisional, ao facto de estar ocupado estudando no ensino superior e muito relevante também de ir gozar a licença de saída Jurisdicional longe daquela onde cometeu os crimes e provocou mais alarme social.

Não refutamos que em matéria de prevenção geral é inquestionável a gravidade dos crimes aqui em apreço e as inerentes apreensões a eles associadas. Porém, estas preocupações centradas na gravidade objetiva dos crimes cometidos, tiveram já a sua avaliação em sede própria, isto é, aquando da análise da culpa e das penas concretamente aplicadas, decorrendo dos autos a evolução da personalidade do arguido num sentido favorável quanto à sua capacidade para cumprir a medida de flexibilização da pena em apreço.

Repare-se que, apesar do recorrente invocar o disposto no art. 61º, nº 2 al. b) do Código Penal, não estamos perante uma decisão de concessão de liberdade condicional, mas antes e apenas perante uma decisão de concessão de uma saída jurisdicional, ao abrigo do disposto no art. 79º do CEPMPL, com características, ainda assim, um pouco diferentes.

Cremos, pois, que as exigências de prevenção geral, não poderão impedir, decorridos que estão mais de 14 anos, a concessão da saída jurisdicional por 3 dias, consideradas, além do mais, as concretas obrigações fixadas na decisão recorrida.

Na verdade, na decisão recorrida, após a ponderação dos requisitos concretos ali mencionados, foram fixadas obrigações - designadamente a de o recluso ir residir, durante o período da licença jurisdicional, na morada que indicou no seu requerimento; manter conduta social adequada, com observância dos padrões normativos vigentes, nomeadamente sem incorrer na prática de quaisquer crimes; não frequentar zonas ou locais conotados com atividades delituosas, nem acompanhar com pessoas relacionadas com tais atividades; não consumir estupefacientes nem ingerir bebidas alcoólicas e não sair, durante o tempo da concessão, da área do concelho onde se situa a morada indicada, salvo se for por motivo ponderoso e justificado – obrigações estas, que são adequadas a salvaguardar a compatibilidade da saída jurisdicional com a defesa da ordem e da paz social e às necessidades de proteção da vítima.

Em suma, dos autos resulta uma evolução positiva do recluso a vários níveis, não nos parecendo que as particulares exigências de prevenção geral e de prevenção especial fiquem frustradas com a concessão da saída jurisdicional, nos termos definidos pelo Tribunal a quo.

De resto, reitera-se, embora não seja vinculativo para o tribunal, todos os intervenientes com assento na reunião do Conselho Técnico expressaram o seu coletivo voto favorável à concessão da saída Jurisdicional do arguido, o que não deixa de ser sintomático da sua franca evolução positiva e associada expectativa de que o mesmo terá já condições para dela beneficiar, sendo possível, assim, efetuar um juízo de prognose favorável, no sentido de que o recluso se comportará de modo socialmente responsável sem cometer crimes e que a sua saída é compatível, nas condições em que foi decidida, com a ordem e paz social.

IIIDISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os Juízes da 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto pelo Mº Público e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Sem custas.
Notifique.


[Acórdão elaborado e revisto pela relatora - artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal]


Sandra Ferreira
Luísa Oliveira Alvoeiro
João Ferreira