Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CARLA CRISTINA FIGUEIRA MATOS | ||
Descritores: | EXECUÇÃO ALIMENTOS NOTA DE HONORÁRIOS E DESPESAS PROVISÓRIA AGENTE DE EXECUÇÃO DECISÕES NÃO RECLAMAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/05/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I. A estabilização/consolidação das decisões do AE que não sejam objeto de reclamação pelas partes no prazo legalmente previsto, tem vindo a ser tratado jurisprudencialmente como caso estabilizado (veja-se a titulo de exemplo, o Ac. do TRL de 04.07.2023 proferido no Proc. 9761/10.8YYLSB-A.L1-7) e não como caso julgado, desde logo porque inexiste qualquer decisão judicial. II. A nota provisória de honorários e despesas elaborada pelo AE não substitui a apreciação jurisdicional de questões prévias que nela influem e cuja resolução está abrangida na reserva de competência decisória jurisdicional, pelo que não produz caso estabilizado relativamente ao valor da divida exequenda. III. O art.º 846º é uma norma do processo executivo ordinário para pagamento de quantia certa, que não é expressamente afastada por qualquer norma específica da execução por alimentos. E, portanto, aplica-se à execução por alimentos, nos termos que vêm previstos no art.º 551 nº 4 do CPC, que manda aplicar subsidiariamente às execuções especiais as disposições do processo ordinário de execução. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam neste Tribunal da Relação de lisboa: I. Relatório: A intentou, por requerimento executivo com data de apresentação de 08.07.2019, contra B execução de Decisão judicial condenatória com a finalidade de pagamento de quantia certa, com vista ao pagamento do valor de €3.072,79 € e dos juros vencidos e vincendos até integral pagamento. Para tanto alegou que por ata de conferência de pais homologada em 25 de Outubro de 2018, ficou o Executado de pagar a titulo de pensão de alimentos devidos aos seus 3 filhos menores a quantia de €100,00/mês a cada um, perfazendo a quantia total de € 300,00 /mês, a qual deveria ser entregue à mãe , nos termos fixados na referida ata; no entanto, até ao momento, o Executado nada pagou, pelo que vem a Exequente , em representação dos seus filhos, exigir o pagamento dos valores em divida, € 300,00/mês, entre Outubro/18 e Julho/19, no valor global de 3.000,00 € + juros entre 01/11/2018 e 04/07/2019 (72,79 € (246 dias a 4,00%). Em 27.08.2020 apresentou novo requerimento executivo, requerendo o pagamento das pensões de alimentos que o Executado deveria ter pago e nunca pagou desde Agosto de 2019 a Dezembro de 2019 , i.e. € 300,00 X 5 meses = € 1.500,00 + juros entre 01/08/2019 e 03/08/2020 (60,66 € (369 dias a 4,00%), num total de € 1.560,66; e de Janeiro de 2020 a Agosto de 2020 (inclusive), i.e., € 312,00 X 8 meses = € 2.496,00 + juros entre 01/01/2020 e 03/08/2020 (59,08 € (216 dias a 4,00%), num total de € 2.555,08, tudo no total de € 4.115,74 (Quatro mil cento e quinze euros e setenta e quatro cêntimos ), mais peticionando o pagamento de juros vencidos e vincendos até integral. Em 26.05.2021 o executado juntou aos autos requerimento dirigido ao Agente de Execução e assinado por exequente e executado onde se refere, entre o mais, que o executado procedeu ao pagamento integral à exequente do pagamento da quantia exequenda devida nos autos, dando a exequente quitação ao referido pagamento. Ainda a 26.05.2021, por requerimento dirigido ao Tribunal, a exequente veio requerer o desentranhamento do acordo junto pelo executado, bem como a cópia do documento de identificação da Exequente; caso assim não se entenda, deve declarar-se a nulidade do acordo junto, nos termos do disposto nos artigos 244º e 240º nº 2 do Código Civil; por ter feito do processo e dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, requer-se a condenação do Executado como litigante de má-fé. Arrolou uma testemunha. Em 08.06.2021, o executado respondeu, também por requerimento dirigido ao Tribunal, pugnando que deve ser o pedido de desentranhamento do acordo e da cópia do documento de identificação da exequente indeferido por não se comprovar qualquer atuação ilegítima do executado ao juntar os mesmos; improceder o pedido de nulidade do acordo junto por não se verificar qualquer pressuposto objetivo ou subjetivo dessa invalidade; Ser a exequente condenada como litigante de má-fé. Arrolou 3 testemunhas, juntou documentos, entre os quais um acordo extrajudicial datado de 24 de Maio de 2021, assinado por exequente e executado, no qual se refere que ambos reconhecem que o filho mais velho atingiu a maioridade, não sendo devida a partir dessa data a pensão fixada, e encontrarem-se em divida, por contas das pensões de alimentos transatas, a quantia global de €5.300,00 referente aos meses de Agosto de 2019 a Maio de 2021, inclusive, que será paga em 18 prestações mensais, iguais e sucessivas, no valor de 294,44, com inicio em Julho de 2021, juntamente com a prestação de alimentos de cada mês, aceitando a exequente os termos do acordo, e declarando nada mais ter a haver do executado por conta de pensões de alimentos ou quantias análogas. Em 14.06.2021 o executado, notificado da cumulação à Execução requerida pela Exequente, apresentou requerimento que denomina como reclamação, dirigido ao tribunal, no qual conclui que deve a presente execução ser considerada improcedente por não ser exigível a obrigação exequenda nos termos da 729.º alínea e) do CPC e deve a exequente condenada como litigante de má-fé. Juntou o acordo extrajudicial que já havia apresentado com o req. de 08.06.2021. Em 18.06.2021 a exequente apresenta novo requerimento executivo onde exige o pagamento dos valores em divida desde Setembro /2020 até à presente, ou seja o valor de pensão de alimentos no valor de 3.000,00 € (Setembro /2020 a Junho /2021 = 10 meses X 300,00/mês) + juros entre 01/09/2020 e 17/06/2021 (95,34 € (290 dias a 4,00%) no valor de 95,34 €, pedindo ainda o pagamento de juros vencidos e vincendos até integral pagamento. Em 17.02.2022 o executado veio requerer ao Tribunal que sejam apreciados todos os requerimentos que deram entrada nos presentes autos, nomeadamente os que deram entrada a 26 de maio, 08 de junho e a 14 de junho todos de 2021, e que ainda não foram objeto de apreciação, por conterem matéria de facto e de direito que põe em causa de forma direta a prossecução da execução, porquanto, a apreciação por parte do Tribunal põe em causa a prossecução da venda do imóvel penhorado, que a sê-lo, sem que haja decisão sobre o requerido, poderá causar graves prejuízos patrimoniais ao aqui executado. Em 17.02.2022 o AE, aludindo ao Requerimento a AE – Extinção por Pagamento com a referência 38982219 de 26/05/2021, tendo a exequente informado não ter recebido qualquer pagamento, e ao Requerimento Para Outras Questões com a referência 39118410 que junta acordo extrajudicial de pagamento em prestações, que não foi confirmado pela exequente, e referindo ainda ter sido contactado telefonicamente pela ilustre mandatária do executado, que se demonstrou indignada em que se esteja a prosseguir com a venda do imóvel sem que as questões suscitadas se encontrem decididas, veio requerer ao Tribunal, atenta a situação de litígio entre as partes e por mera cautela processual, decisão sobre se deve o aqui AE prosseguir com as diligências de venda ou se deve aguardar pela decisão do Tribunal quanto às questões em causa. Em 21.06.2022 o AE insistiu por resposta ao seu pedido de 17.02.2022. Em 30.09.2022 o Tribunal proferiu despacho a notificar a Exequente para, no prazo de 10 dias, informar quais os valores que, na sua opinião, ainda se encontram em dívida, e prestada tal informação, deverá o Executado, no prazo de 10 dias, pronunciar-se quanto à mesma e, se for o caso, apresentar proposta de pagamento do valor em dívida ou comprovar o pagamento integral. Em 21.11.2022 a Exequente nos autos à margem identificados veio dizer que o Executado iniciou o pagamento de pensão de alimentos em julho de 2021 e desde essa data que paga cerca de €189 euros/mês para pagamento das pensões em atraso, tendo pago € 3.225,95 de pensões em atraso até à presente data. Assim, o total de pensões em cobrança é de € 10.187,74 e o pagamento é de € 3.225, pelo que deve o Requerido € 6.961,79, calculados sem juros e sem honorários e despesas de Agente de Execução. Em 23.03.2023 veio o executado refutar que deva 6.961,79, referindo que a exequente recebeu todos os meses, entre julho de 2021 e dezembro de 2022 a quantia de € 294,44, e que as pensões de alimentos desde setembro de 2020 a junho de 2021 foram incluídas no acordo que o executado cumpriu integralmente, requerendo novamente que a exequente seja condenada como litigante de má-fé. Juntou talões de pagamentos. Em 28.08.2023 a exequente apresentou novo requerimento executivo, pedindo o pagamento da pensão de alimentos devida nos meses de Janeiro a Agosto de 2023, inclusive, num total de € 2.400 (300 x 8 meses), acrescido de juros vencidos e vincendos ate integral pagamento. Em 07.12.2023 o executado respondeu que o mês de janeiro de 2023 se encontra pago, que a exequente requer o pagamento da quantia de € 300,00 mensais a título de pensão de alimentos quando bem sabe que apenas é devida a quantia de € 100,00 por cada menor, e que atualmente só dois filhos são menores, pelo que a quantia devida é de € 200,00/mensais, € 100,00 (cem euros) por cada um, devendo a quantia peticionada ser corrigida para a quantia de € 1.400,00, referente aos meses de fevereiro de 2023 a agosto de 2023, e consequentemente ser o executado absolvido da restante quantia peticionada por, em parte não ser devido, e por já se encontrar em parte paga. A exequente respondeu a 20.02.2024, considerando que o requerimento apresentado configura apenas mais uma tentativa dilatória para entorpecer a ação da justiça e impedir a exequente de viver condignamente com os 3 filhos. No mesmo dia enviou comunicação ao AE, onde conclui que não havendo qualquer motivo para a suspensão da execução, requer-se ao AE se digne prosseguir os autos para venda do imóvel penhorado. Em 04.03.2024 o Agente de Execução notificou as partes de que se encontra designada a data do leilão eletrónico, referência L01212762024 decorrendo de 04/03/2024 (00:00h) a 10/04/2024, (10:30h), quanto à fração autónoma melhor descrita na referida notificação do AE. Em 06.03.2024 veio o executado requerer que até existir apreciação de todos os requerimentos juntos aos autos pela exequente e executado, deverá o leilão eletrónico ser suspenso, para apuramento da quantia exequenda e “acrescidos”, e caso assim não se entenda, deverá ser indicado valor da quantia exequenda e “acrescidos” para prestação de caução idónea à suspensão da presente execução, e consequentemente do leilão eletrónico, valor que o senhor agente de execução não disponibiliza. Em 13.03.2024 o AE notificou as partes da NOTA DE HONORÁRIOS E DESPESAS PROVISÓRIA, com cálculos efetuados até 13/03/2024, tendo em consideração os pedidos formulados nos autos (inicial e cumulações) e a informação do pagamento efetuado pelo executado à exequente de 3.225,00 €. Liquidando o valor que o executado ainda tem de entregar à exequente em 12.388,04 €. Em 15.03.2024 foi proferido o despacho (o despacho recorrido): “Compulsados os presentes autos e os que se encontram em apenso, verifica-se o seguinte: Por acordo homologado por sentença de 25 de outubro de 2018, foi regulado o exercício das responsabilidades parentais quanto aos filhos comuns da Exequente A e do Executado B, C, D e E, nascidos, respetivamente, a 9 de abril de 2002, 24 de março de 2009 e 27 de março de 2014. A 12 de julho de 2019, a Exequente instaurou a presente ação executiva, com fundamento na falta de pagamento das pensões de alimentos dos filhos, indicando a quantia exequenda de € 3.072,79, relativa às prestações vencidas até julho de 2019. Efetuadas penhoras de imóveis do Executado em 22/08/2019 e 17/07/2020, foi o mesmo notificado e, no prazo legal, não deduziu oposição à execução, nem à penhora. Posteriormente, a Exequente apresentou novo requerimento executivo, indicando a quantia exequenda de € 4.115,74, por alimentos vencidos entre agosto de 2019 e agosto de 2020. A 26 de maio de 2021, o Executado juntou aos autos um documento assinado por si e pela Exequente, contendo um acordo para extinção da instância. Porém, na mesma data, a Exequente veio arguir a nulidade de tal acordo. Foi igualmente junto aos autos um acordo, datado de 24 de maio de 2021, mediante o qual o Executado reconhece uma dívida no valor total de € 5.300, relativa a alimentos vencidos entre agosto de 2019 e maio de 2021 e do qual consta um plano de pagamento a iniciar em julho de 2021, com prestações mensais de € 294,44, em acréscimo ao valor das pensões de alimentos vincendas, devidas aos filhos então menores de idade. Do mesmo documento consta que ambas as partes reconhecem não ser devida pensão de alimentos ao filho C, com efeitos a partir de abril de 2020, altura em que o mesmo atingiu a maioridade. A Exequente remeteu novo requerimento executivo aos autos, indicando a quantia exequenda de € 3.095,34, por alimentos vencidos entre setembro de 2020 e junho de 2021. Posteriormente, o Executado juntou aos autos documentos comprovativos de pagamentos efetuados em conformidade com o acordo atrás mencionado, entre julho de 2021 e fevereiro de 2022, no valor de € 494,44 mensais e, em janeiro de 2023, de € 200. Finalmente, a Exequente apresentou novo requerimento executivo, indicando a quantia exequenda de € 2.400, relativos a prestações alimentícias vencidas e supostamente devidas aos três filhos, entre janeiro e agosto de 2023, tendo o Executado alegado que aceita uma dívida de € 1.400, relativa às pensões dos dois filhos ainda menores de idade. Ora, perante a síntese dos autos apresentada e face à venda anunciada de um bem imóvel pertencente ao Executado, há que encontrar soluções justas que, para além da forma, ponderem os interesses aqui conflituantes – o interesse do Executado em evitar o ataque ao seu património, eventualmente, injusto ou, pelo menos, excessivo, e o interesse da Exequente em não ver paralisada a execução em consequência de uma arguição da inexigibilidade da obrigação exequenda. Para tal há que ter presente que o título (sentença homologatória do acordo de exercício das responsabilidades parentais) com base no qual foi instaurada a execução por alimentos, encontra-se dotado de trato sucessivo, ou seja, possui força bastante para servir de base a execuções sucessivas, sempre que deixe de ser paga uma prestação que se vencer e confere a possibilidade de a ação executiva se renovar no mesmo processo. Tal entendimento dá, assim, cobertura aos princípios da celeridade, simplificação e economia processual e evitará a prática de atos inúteis, mas ao mesmo tempo, não fica prejudicado o princípio do contraditório. São, por isso, legalmente admissíveis os sucessivos requerimentos executivos que a Exequente apresentou nos autos. Por outro lado, verifica-se que o Executado não lançou não do mecanismo legal de dedução de embargos e/ou oposição à penhora. Não obstante, procurou demonstrar a celebração de um acordo com a Exequente para pôr termo à presente ação – cuja validade a mesma impugnou na mesma data em que foi apresentado nos autos. E, para além disso, juntou ainda um acordo com reconhecimento de dívida e um plano de pagamento. Ora, quanto a este e independentemente das circunstâncias em que tenha sido ou não livremente aceite pelas partes, a verdade é que o Executado comprovou documentalmente nos autos pagamentos efetivamente efetuados em conformidade com o que consta do mencionado acordo e que a Exequente veio até confirmar terem sido recebidos. Perante isto, impõe-se, pois, apurar se se encontram ainda quantias em dívida e, em caso afirmativo, de que montante – o que pressupõe, desde logo, apurar desde quando cessou a obrigação de o Executado pagar alimentos ao filho C. Face, pois, ao exposto: 1. Susto a presente execução, até que seja apurado se ainda se encontra algum valor em dívida e, em caso afirmativo, em que montante; 2. Caso se apure que ainda subsiste algum valor em dívida e o Executado não efetue o pagamento no prazo que lhe for concedido, a instância executiva renovar-se-á de imediato, com o prosseguimento da venda; 3. Notifique a Exequente para, no prazo de 10 dias, declarar se aceita que a obrigação de o Executado pagar pensão de alimentos ao filho C cessou em abril de 2020; 4. Caso a sua resposta seja negativa, deverá juntar aos autos documento comprovativo da frequência escolar do filho no ano letivo 2019/2020 e, se for o caso, nos seguintes. Notifique, incluindo o Sr. Agente de Execução.” * Inconformada, a exequente em 18.04.2024 intentou recurso de apelação do referido despacho, apresentando alegações que contêm as seguintes concussões: “A) 5 anos depois de andar a tentar cobrar alimentos, a Exequente viu a execução sustada pelo douto despacho recorrido; B) Refere o douto despacho que a execução fica sustada “até que seja apurado se ainda se encontra algum valor em divida e, em caso afirmativo, em que montante”. C) Trata-se, a nosso ver e s.m.o. do apuramento (ou da falta do mesmo) da quantia exequenda. D) No entanto, trata-se de uma falsa questão, uma vez que o Executado pode lançar mão do pedido de nota descriminativa provisória, tal como fez em 5 de Março de 2024, tendo o Senhor Agente de Execução procedido à notificaçao da referida nota descriminativa em 13 de Março de 2024, não tendo o executado reclamado da mesma. E) Temos, assim, a quantia exequenda devidamente apurada e, segundo a jurisprudência mais recente, a falta de reclamação do acto praticado pelo Agente de Execução significa que o acto “transitou em julgado”. F) Ademais, o legislador vedou a atribuição de efeito suspensivo da execução aos embargos de executado e à oposição à penhora, pelo que muito menos será admissível atribuir esse efeito aos sucessivos requerimentos apresentados pelo executado (vidé artigo 933º, nº 5 do Código de Processo Civil). G) O douto despacho em crise é nulo por não estar fundamentado de Direito (art.º 615º, nº 1, al. b) do CPC) e viola o disposto no nº 5 do artigo 933º do Código de Processo Civil. Nestes termos, e nos melhores de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência, ser o despacho recorrido ser declarado nulo e sem nenhum efeito, ordenando-se o prosseguimento da execução. Caso assim não se entenda, deve o mesmo ser revogado e substituído por outro que ordene o prosseguimento da execução, como é de JUSTIÇA!” * O recurso foi admitido por despacho de 28.05.2024, com o seguinte teor: “Para efeitos do previsto no artigo 641º, nº 1 do CPC, mantenho na íntegra o despacho recorrido, o qual, a meu ver, se encontra devidamente e claramente fundamentado de facto. Com efeito, nesta fase processual e conforme o descrito naquele despacho, importa apurar se se encontram ainda quantias em dívida e, em caso afirmativo, em que montante, devendo para o efeito considerar-se o disposto no artigo 846º, nº 4 do CPC. * Assim, por ser legal e tempestivo e por ter sido interposto por quem para tal tem legitimidade, admito o recurso da Exequente, o qual é de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito devolutivo (cfr. artigos 644º, nº 2, al. c), 645º, nº 1, al. b), 852º e 853º, nº 2, al. b) do CPC). Notifique e, após, remeta os autos ao Tribunal da Relação de Lisboa, para melhor apreciação do objeto do recurso.” * O Ministério Publico apresentou contra-alegações cujas conclusões são as seguintes: “1. Da questão prévia O Ministério Público não teve qualquer intervenção nos autos de Execução e não foi notificado do despacho objecto deste recurso. 2. Por despacho datado de 15.03.2024 (cfr. Refª Citius 433684786), foi sustada a execução até ser apurado se ainda se encontra em divida algum valor e, em caso afirmativo qual o montante efectivamente em divida: 3. Tal decisão tem como fundamento os requerimentos dirigidos aos autos, quer pela Exequente (exigindo o pagamento de pensões de alimentos e despesas dos filhos de ambos) quer pelo Executado (alegando pagamentos parciais); 4. O Executado fez prova de alguns pagamentos, sendo que a Exequente não reconheceu alguns alegados pagamentos feitos pelo Executado; 5. Não se mostra claro até que data é exigível o pagamento da pensão de alimentos ao filho de ambos, C, que atingiu a maioridade em Abril de 2020, não se encontrando comprovado que tenha continuado a estudar; 6. O bem imóvel penhorado tem um valor muito superior à divida do Executado, ainda que se considerasse que o mesmo nada pagou, pelo que a exigência de justiça material impõe cautela na decisão de venda do bem penhorado; 7. O douto despacho ora recorrido não merece, assim, qualquer reparo ou censura, tendo feito uma correcta avaliação e ponderação dos elementos constantes dos autos e encontrando-se devidamente fundamentado, pelo que deverá manter-se nos seus precisos termos. V. Exas., no entanto, decidirão como for de JUSTIÇA!” * Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. * II. Objeto do recurso: Atento o teor das conclusões do recurso de recurso, as quais, nos termos do disposto no art.º 639 nº 1 do CPC, delimitam o objeto do recurso, são as seguintes as questões a apreciar no âmbito do recurso: - Da nulidade do despacho recorrido por falta de fundamentação de direito; - Da existência de “caso julgado” por falta de reclamação da nota discriminativa elaborada pelo AE a 13.03.2024; - Da violação do disposto no nº 5 do art.º 933 do CPC. * III. Fundamentação de Facto: Os factos a considerar são os referidos em sede de Relatório. * IV. Fundamentação de Direito: Tal como resulta da enunciação do objeto do recurso, importa aferir se o despacho recorrido enferma de nulidade por falta de fundamentação, se existe “caso julgado” por falta de reclamação da nota discriminativa elaborada pelo AE a 13.03.2024, e se o despacho recorrido viola o disposto no nº 5 do art.º 933 do CPC. Apreciemos: Da nulidade do despacho recorrido por falta de fundamentação de direito: Da al. b) do nº 1 do art.º 615º do CPC decorre ser nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Como tem sido comummente entendido pela jurisprudência, só a absoluta falta de fundamentação (e não a fundamentação alegadamente errada, incompleta ou insuficiente) origina a nulidade da sentença – veja-se, entre outros, o AC do STJ de 03.03.2021 proferido no Proc. 3157/17.8T8VFX.L1.S1 ou o Ac. do ST de 18.02.2021 proferido no Proc. 1695/17.1T8PDL-A.L2.S1 - esclarecendo-se aliás neste último que só a falta absoluta de fundamentação que torne de todo incompreensível a decisão é que releva para efeitos da sobredita nulidade. Ora, a decisão recorrida explica o raciocínio subjacente à decisão de sustação da execução, descrevendo as sucessivas peças processuais apresentadas pelas partes, designadamente os diversos requerimentos executivos, por se tratar de execução cujo título tem trato sucessivo, e os acordos de exequente e executado que foram juntos aos autos pelo executado, um para extinção da execução, cuja validade a exequente impugnou, e outro que contém plano de pagamentos, sendo que o executado juntou comprovativos de diversos pagamentos. Concluindo pela necessidade de apurar se se encontram ainda quantias em dívida e, em caso afirmativo, de que montante. Os fundamentos de sustação da execução são, pois, o acordo para extinção da execução e o acordo de reconhecimento de divida com plano de pagamentos, e os documentos comprovativos de diversos pagamentos. É certo que o despacho não recorrido não refere expressamente o normativo onde integra tais fundamentos, normativo que apenas veio a ser identificado como sendo o art.º 846 nº 4 do CPC no despacho de 28.05.2024 que admite o recurso e se pronuncia sobre a nulidade invocada. Ora, tendo sido explicados os fundamentos da decisão de sustação da execução, que correspondem à previsão de norma legal (art.º 846º do CPC), a não identificação no despacho dessa concreta norma legal constitui incompletude/deficiência da fundamentação, mas não falta absoluta de fundamentação. Repete-se que só a falta absoluta de fundamentação que torne de todo incompreensível a decisão é que releva para efeitos da nulidade prevista no art.º 615º do CPC, e esse não é o caso dos autos. Veja-se a este propósito o Ac. do TRG de 22.11.2018 proferido no Proc. 851/12.3TBPRG-C.G1, cujo sumário, na parte que aqui revela, passamos a reproduzir: “1. O facto de a decisão (um despacho interlocutório) não citar nenhuma disposição legal, em questão que não se reveste de qualquer dificuldade técnica, não impede as partes de perceber a decisão e o seu fundamento. A necessidade de citar disposições legais varia na mesma proporção da complexidade da questão em apreciação. Donde, não se verifica a nulidade prevista no art.º 615°, 1, b do CPC. (…)”. Improcede, pois, a arguição de nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação. Da existência de “caso julgado” por falta de reclamação da nota discriminativa elaborada pelo AE a 13.03.2024: Conforme resulta do relatório supra o Sr. AE em 13.03.2024 notificou as partes da NOTA DE HONORÁRIOS E DESPESAS PROVISÓRIA, com cálculos efetuados até 13/03/2024, tendo em consideração os pedidos formulados nos autos (inicial e cumulações) e a informação do pagamento efetuado pelo executado à exequente de 3225,00 €. Liquidando o valor que o executado ainda tem de entregar à exequente em 12 388,04 €. Defende a recorrente que tal nota formou “caso julgado”. Antes de mais, cumpre referir que a estabilização/consolidação das decisões do AE que não sejam objeto de reclamação pelas partes no prazo legalmente previsto, tem vindo a ser tratado jurisprudencialmente como caso estabilizado (veja-se a titulo de exemplo, o Ac. do TRL de 04.07.2023 proferido no Proc. 9761/10.8YYLSB-A.L1-7) e não como caso julgado, desde logo porque inexiste qualquer decisão judicial. Ora, olvida a exequente que nos termos do art.º 723 nº 1 al. c) do CPC os atos e decisões do AE podem ser objeto de reclamação e impugnação perante o Juiz no prazo de dez dias, pelo que na data do despacho recorrido (15.03.2024), ainda não havia decorrido tal prazo, e como tal não poderia haver caso estabilizado. Por outro lado, também não se pode olvidar que o SR AE elaborou a nota apesar de estar pendente desde 26.05.2021 questão prévia à liquidação da responsabilidade do executado, questão que se prende com a apreciação da validade do requerimento então junto aos autos pelo executado, assinado por exequente e executado, onde se refere, entre o mais, que o executado procedeu ao pagamento integral à exequente do pagamento da quantia exequenda devida nos autos, dando a exequente quitação ao referido pagamento, sendo que logo no mesmo dia 26.05.2021 a exequente veio arguir perante o Tribunal a nulidade desse acordo. Tal arguição de nulidade consubstancia questão da reserva de competência do Juiz do processo nos termos previstos no art.º 723º nº 1 al. d) do CPC, preceito que refere que cabe ao Juiz decidir outras questões suscitadas pelo agente de execução, pelas partes ou por terceiros intervenientes. Veja-se aliás que foram arroladas testemunhas quer pela exequente no requerimento que apresentou a 26.05.2021 quer pelo executado na sua resposta de 08.06.2021. Executado que juntou também à sua resposta um acordo extrajudicial datado de 24 de Maio de 2021, assinado por exequente e executado, no qual se refere que ambos reconhecem que o filho mais velho atingiu a maioridade, não sendo devida a partir dessa data a pensão fixada, e encontrarem-se em divida, por contas das pensões de alimentos transatas, a quantia global de €5.300,00 referente aos meses de Agosto de 2019 a Maio de 2021, inclusive, que será paga em 18 prestações mensais, iguais e sucessivas, no valor de 294,44, com inicio em Julho de 2021, juntamente com a prestação de alimentos de cada mês, aceitando a exequente os termos do acordo, e declarando nada mais ter a haver do executado por conta de pensões de alimentos ou quantias análogas. E que mais tarde veio a juntar comprovativos de diversos pagamentos, sendo que a exequente por requerimento de 21.11.2022 admitiu o pagamento de €3.225,95 de pensões em atraso até à presente data. Foram, portanto, juntos aos autos acordos em que a exequente dá quitação de pagamentos e/ou aceita fixar a divida em determinado montante e o respetivo plano de pagamentos, o que inequivocamente releva para o apuramento da responsabilidade do executado, tanto mais que do art.º 846 nºs 1 a 5 do CPC resulta exatamente que em caso de ocorrência de pagamento voluntário durante a execução, ou de apresentação de documento comprovativo de quitação, perdão ou renúncia por parte do exequente ou qualquer outro título extintivo há lugar à suspensão da execução e à liquidação da responsabilidade do executado. Logo, a apreciação da validade ou nulidade da quitação de pagamento constante do requerimento apresentado pelo executado a 26.05.2021, bem como a fixação do valor da divida e o respetivo plano de pagamentos constantes do requerimento apresentado pelo executado a 08.06.2021 (sem olvidar os comprovativos de pagamentos entretanto juntos aos autos) constituem questões prévias a apreciar pelo Tribunal relativamente ao cálculo da responsabilidade do executado a efetuar pelo AE. Tal cálculo terá que observar as premissas que resultarão da decisão do Tribunal sobre as referidas questões. Veja-se que o próprio AE em 17.02.2022 veio requerer ao Tribunal decisão sobre se deve o aqui AE prosseguir com as diligências de venda ou se deve aguardar pela decisão do Tribunal quanto às questões em causa, reconhecendo assim expressamente que cabe ao Tribunal decidir tais questões. Requerimento que renovou a 21.06.2022. E, não tendo ainda havido decisão jurisdicional sobre tais questões, acabou o AE por em 13.03.2024 elaborar a nota de honorários, tendo o cuidado de a qualificar como provisória e informar que na mesma foi atendida a informação do pagamento efetuado pelo executado à exequente de 3225,00 € (relevou, pois, apenas o que foi expressamente admitido pela exequente no requerimento de 21.11.2022). Tal nota provisória não substitui a apreciação jurisdicional de questões prévias que nela influem (apreciação que se encontra pendente desde momento anterior à elaboração da nota discriminativa) e cuja resolução está abrangida na reserva de competência decisória jurisdicional, questões que urgem efetivamente ser decididas pelo Tribunal. Pelo exposto, a nota discriminativa do Senhor AE datada de 13.03.2024 não produz caso estabilizado relativamente ao valor da divida exequenda (por referência a essa data), como pretende a exequente, nem qualquer outra nota discriminativa o poderá fazer enquanto as questões prévias supra aludidas não forem decididas pelo Tribunal, o que, repete-se, urge fazer. Improcede, pois, este fundamento do recurso. Da violação do disposto no nº5 do art.º 933 do CPC: O art.º 933º do CPC respeita à execução por alimentos e o seu nº 5 dispõe que: “O executado é sempre citado depois de efetuada a penhora e a sua oposição à execução ou à penhora não suspende a execução.” Do referido normativo resulta, no que toca à suspensão da execução, que a oposição à execução ou à penhora não suspendem a execução. Tal não significa, todavia, que não haja lugar à suspensão da execução para apuramento da responsabilidade do executado quando haja pagamento na pendência da execução ou quando seja apresentado documento de quitação de pagamento nos termos previstos no art.º 846º do CPC. O art.º 846º é uma norma do processo executivo ordinário para pagamento de quantia certa, que não é expressamente afastada por qualquer norma específica da execução por alimentos. E, portanto, aplica-se à execução por alimentos, nos termos que vêm previstos no art.º 551 nº4 do CPC, que manda aplicar subsidiariamente às execuções especiais as disposições do processo ordinário de execução. Daí que a sustação da execução por alimentos para apuramento da responsabilidade do executado nos casos de ocorrência de pagamentos na pendência de execução ou de apresentação de declaração de quitação de pagamento nos termos previstos no art.º 846º do CPC não viole o disposto no art.º 933 nº5, 2º parte, do CPC, preceito que regula apenas os efeitos da apresentação de embargos de executado e de oposição à penhora. Improcede também este fundamento de recurso. Atenta a improcedência dos concretos fundamentos invocados pela recorrente nas suas conclusões, impõe-se manter a decisão recorrida. E, também face à improcedência do recurso, as custas do mesmo são a cargo da apelante, por ter ficado vencida (art.º 527 nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil). *** V. Decisão: Pelo exposto acordam os Juízes desta 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a apelação, mantendo-se, em consequência, a decisão recorrida. Custas do recurso pela apelante. Notifique. Lisboa, 05.12.2024 Carla Cristina Figueira Matos Cristina Pires Lourenço Carla Figueiredo |