Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | A. AUGUSTO LOURENÇO | ||
Descritores: | CRIMINALIDADE ORGANIZADA APREENSÃO DE DINHEIRO PARA EFEITOS DE PROVA RESTITUIÇÃO VARIAÇÃO CAMBIAL | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/08/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | 1. Tendo sido apreendido ao abrigo do disposto no artº 181º, nº 1 do cód. proc. penal, a quantia de 2.300.000,00 USD, (dois milhões e trezentos mil dólares), mediante transferência para conta autónoma, à ordem do Tribunal e convertendo-se aquele montante em euros, a que corresponderam à data, de acordo com a taxa cambial, o valor preciso de € 1.947.945,90, (um milhão novecentos e quarenta e sete mil novecentos e quarenta e cinco euros e noventa cêntimos) por haver no caso concreto impossibilidade de emissão de Documento Único de Cobrança (DUC), para valores expressos em moeda diferente do euro, a restituição posterior do dinheiro deve ser feita no mesmo valor exacto da moeda, em euros. 2. Não compete ao Estado suportar os custos da variação cambial entre moedas, uma vez que o desvalor ou a valorização, ocorreriam sempre, quer o dinheiro estivesse na posse efectiva do titular da conta ou apreendido à ordem do Tribunal. 3. No caso concreto é relevante o facto da necessidade de conversão dos dólares em euros, ter ocorrido por razões alheias às próprias autoridades e órgãos de investigação, sendo fruto das regras do sistema financeiro internacional. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes da 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO No âmbito do processo nº 627/16.9TELSB, que corre termos no Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa, veio a N... S... Corp requerer a restituição adicional de USD 76.224,96, para conta bancária sediada no Lichenstein, alegando que tal valor lhe é devido pela aplicação da taxa de câmbio (conversão de euros para dólares) “vigente à data de 25.10.2018, data da restituição da quantia de USD 2.300.000,00”. Acolhendo a promoção do Ministério Público de fls. 581 a 583, o Sr. Juiz de Instrução, por despacho de 16.11.2018, (cfr. fls. 586), indeferiu a pretensão da recorrente, rejeitando a devolução daquele montante adicional, por entender não ser devido. * Promoção do Ministério Público: «Remetam-se os autos à Mmª Juiz de Instrução Criminal, para apreciação do requerimento que antecede, consignando-se o seguinte: - Veio a N... S... Corp. enquanto dona e legítima titular do montante de USD 2.300.000,00, que se encontrava apreendido à ordem dos presentes autos, requerer a restituição adicional do valor de € 76.224,96, para conta bancária sedeada no Lichenstein, alegando, em suma, que tal valor lhe é devido pela aplicação da taxa de câmbio (de conversão de euros para dólares) vigente à data de 25 de Outubro de 2018, data da restituição, ao referido valor de USD 2.300.000,00. Não podemos, porém, deixar de discordar do requerido. Compulsados os autos e conforme decorre dos despachos judiciais de fls. 75 a 85, 272, 299, 331 e 364, foi determinada a suspensão da concretização da operação de transferência do montante de 2.300.000,00 USD, pendente sobre a conta nº 0001 7961 9363, para uma conta sedeada no estrangeiro e titulada pela entidade "L… T… Corp", por existirem dúvidas quanto à origem de tais fundos. Tal suspensão foi determinada, e sendo prorrogada, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 17º, nº 1 a 4 e 63º, da Lei nº 25/08, de 5 de Junho. No decurso dos autos, por requerimento datado de 23 de Novembro de 2017, veio a "P… & Co Limited", titular da conta bancária na qual se encontrava depositado o mencionado valor de 2.300.000,00 USD, requerer que o mesmo fosse depositado em conta bancária à ordem deste Tribunal, alegando estar a ser constantemente pressionada pelos seus clientes "N... S... Corp" e "L... T... Corp", para desbloquear a situação - cfr. fls. 407 a 409. Atentos os motivos invocados pela "Premier & Co Limited" e uma vez que importava ainda proceder a diligências de investigação, com vista ao apuramento da verdadeira origem dos fundos cativos, foi determinada a convolação da quantia de 2.300.000,00 USD, pendente sobre a conta nº 0001 --- ---, em apreensão, mediante transferência para conta autónoma, à ordem do Tribunal - conforme douto despacho judicial de fls. 416 e 417, antecedido de promoção de fls. 413 e 415. Tudo nos termos e ao abrigo do disposto no art. 181º, nº 1 do Código de Processo Penal. Na sequência do determinado, veio o Novo Banco informar, por ofício datado de 11 de Dezembro de 2017, ter procedido à apreensão da quantia de 2.300.000,00 USD. No entanto, mais informou da impossibilidade de emissão de Documento Único de Cobrança (DUC) para valores expressos em moeda diferente do euro, sendo que a única possibilidade processualmente admissível era a de emissão de DUC pelo contravalor em moeda euros, no câmbio à data - cfr. fls. 439. Nestes termos, foi aplicado o câmbio à data, sendo o contravalor obtido de € 1.947.945,90 - cfr. ofício de fls. 450. A requerente teve conhecimento desta apreensão e conversão através da "P… & Co Limited", assim como pela "L… T… Corp", conforme resulta claramente dos requerimentos constantes de fls. 523 a 525 dos autos. Nada foi então requerido e reclamado. Assim sendo, e sendo certo que não estamos perante um investimento, que deva ser apreciado à luz da taxa de câmbio mais favorável, o montante a devolver é o que estava efectivamente apreendido à ordem dos atos, cristalizado em Dezembro de 2017, de € 1.947.945,90, conforme DUC que consta do inquérito. É este o valor que se estava apreendido e que efectivamente já foi devolvido, não assistindo assim, em nossa opinião, razão à requerente. Compreende-se que a referência constante à quantia expressa em dólares, nas promoções aduzidas no inquérito, possa ter levado a requerente a criar a convicção que, podendo o montante apreendido ser ainda expresso em dólares, a taxa de câmbio a aplicar seria a da data actual. No entanto, como não deve ignorar, este valor cristalizou-se na data da apreensão efectiva do dinheiro, tendo como referência a taxa de câmbio então aplicável. Assim sendo, nada mais há a restituir nos presentes autos. Quanto à efectiva concretização da devolução da quantia, determinada por despacho datado de 21 de Maio de 2018, e da sua alegada demora, a qual foi concretizada a 25 de Setembro de 2018 (cfr. nota de depósito autónomo de fls. 538), e não a 25 de Outubro de 2018, como alega requerente, a mesma deveu-se à circunstância de não terem as sociedades envolvidas "P… & Co. Limited", "L… T… Corp" e "N… S…Corp" logrado identificar conta bancária sedeada em território nacional, tendo a mesma apenas sido possível mediante transferência para conta bancária sedeada no Lichenstein. Nenhum atraso injustificado se verificou, in casu». * Na sequência desta promoção foi proferido o seguinte despacho judicial, datado de 16.11.2018 e objecto do presente recurso: - «Pelas razões referidas pelo Ministério Público na promoção que antecede, indefiro o pretendido. Notifique enviando cópia da promoção que antecede». * Inconformada com este despacho, dele recorreu a N... S... Corp, nos termos de fls. 639 a 671, tendo apresentado a respectiva motivação e as seguintes conclusões: a) Objecto do recurso «1. Vem o presente recurso interposto do despacho de 16.11.2018, através do qual o Tribunal a quo indeferiu o pedido apresentado pela ora Recorrente, em 07.11.2018, para que lhe fosse devolvido o montante de USD 76.224,96 e, assim, pudesse receber a quantia integral de USD 2.300.000,00 a que tem direito; 2. O objecto do presente recurso - o despacho de 16.11.2018 - é recorrível, ao abrigo do disposto no artigo 399º do cód. procº penal, visto que a lei não restringe, sob qualquer forma, a sua recorribilidade; b) Legitimidade e interesse em agir 3. A ora Recorrente tem legitimidade e interesse em agir para interpor o presente recurso do despacho de 16.11.2018, ao abrigo do disposto no artigo 401º do cód. proc. penal, uma vez que, através da decisão recorrida, o Tribunal a quo indeferiu o pedido para que o Estado Português lhe restitua o montante de USD 76.224,96, violando assim o seu direito de propriedade; c) Momento e modo de subida e efeito do presente recurso 4. O presente recurso tem subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo, ao abrigo do disposto nos artigos 406º, 407º e 408º do cód. proc. penal; d) O despacho recorrido 5. A situação em causa no presente recurso é absolutamente aviltante e constitui um erro grave não reconhecido e suprido pelo Estado Português, o que coloca legitimamente em dúvida a sua qualificação como um verdadeiro Estado de Direito Democrático; 6. De facto, o montante de USD 2.300.000,00 - actualmente, propriedade da ora Recorrente que se encontrava depositado numa conta no Novo Banco - foi, em Dezembro de 2017, apreendido e depositado junto do Estado Português no âmbito de uma investigação criminal, que correu termos sob o inquérito-crime nº 627/16.9TELSB; 7. Para efeitos da apreensão do montante de USD 2.300.000,00, o Tribunal a quo ordenou ao Novo Banco - sem que a ora Recorrente fosse ouvida ou sequer informada - que convertesse o aludido montante de USD 2.300.000,00 em Euros para, posteriormente, efectuar o depósito junto do Estado Português através de Documento Único de Cobrança; 8. Findo o inquérito-crime com a natural decisão de arquivamento (decorridos mais de um ano e sete meses desde o seu inicio...), o Estado Português foi obrigado a devolver o aludido montante de USD 2.300.000,00 à ora Recorrente, conforme despacho do Tribunal a quo de 11.07.2018; 9. Contudo, e em total violação das mais elementares regras de Direito e do próprio despacho de 11.07.2018, que transitou em julgado, o Estado Português apenas devolveu à ora Recorrente a quantia de € 1.947.945,90, equivalente a USD 2.233.775,04 (à taxa de câmbio de 25.10.2018 - cfr. requerimento apresentado pela ora Recorrente em 07.11.2018), pelo que a ora Recorrente tem o direito de receber o montante remanescente de USD 76.224,96 (USD 2.300.000,00-USD 2.233.775,04); 10. Inconformada, a ora Recorrente apresentou, em 07.11.2018, um requerimento ao Tribunal a quo, solicitando que lhe fosse restituído o montante de USD 76.224,96, por forma a receber a quantia integral de USD 2.300.000,00 a que tem direito; 11. Contudo, em 16.11.2018, o Tribunal a quo indeferiu o pedido de restituição formulado pela ora Recorrente, tendo aderido - na plenitude - à argumentação expendida pelo Ministério Público na sua promoção de fls. 581 a 583 dos autos; e) As premissas factuais do despacho recorrido são manifestamente tendenciosas e incompletas 12. As premissas factuais utilizadas pelo Ministério Público na sua promoção de fls. 581 a 583 dos autos (a que o despacho recorrido aderiu integralmente) são manifestamente tendenciosas e incompletas, tal como resulta claro da prova documental junta aos autos; 13. Em primeiro lugar, o Ministério Público transmite, de forma insidiosa, a falsa ideia de que teria sido a ora Recorrente a pressionar a P… & Co Limited para que o montante de USD 2.300.000,00 fosse "depositado em conta bancária à ordem deste Tribunal” 14. Naturalmente que esta insidiosa ideia, habilmente veiculada pelo Ministério Público na sua promoção, encontra-se totalmente errada, na medida em que a ora Recorrente limitou-se a indagar junto da P… & Co Limited acerca da situação de suspensão da operação bancária em causa, pretendendo, com toda a naturalidade, que a mesma fosse desbloqueada o mais rapidamente possível, mas jamais que o montante de USD 2.300.000,00 fosse apreendido e depositado junto do Estado Português (cfr. fls. 407 dos autos); 15. Assim, deve ser dado como provado, com base em prova documental, que a ora Recorrente não exerceu qualquer pressão para que o montante de USD 2.300.000,00 fosse apreendido e depositado junto do Estado Português, tendo simplesmente procurado junto da P… & Co Limited o desbloqueio rápido da situação de suspensão da operação bancária em causa; 16. Em segundo lugar deve ser dado como provado, com base em prova documental, que, em 11.12.2017, o Novo Banco apresentou ao Tribunal a quo duas alternativas distintas para se proceder ao depósito da quantia de USD 2.300.000,00 junto do Estado Português, sendo que uma delas não passava pela conversão do aludido montante de USD em EUROS e pela posterior emissão de um Documento Único de Cobrança, mas antes por processar a operação à semelhança de uma transferência internacional em USD (cfr. fls. 439 dos autos),... 17. ...e que, após ter apresentado estas duas alternativas, o Novo Banco solicitou ao Tribunal a quo que efectuasse o necessário "aclaramento" sobre a forma de realização do depósito, por forma a possibilitar o "cumprimento do pretendido" (cfr. fls. 439 dos autos); 18. Este facto - apresentação de duas alternativas pelo Novo Banco - foi, pura e simplesmente, omitido do despacho de promoção do Ministério Público de fls. 581 a 583 dos autos; 19. Em terceiro lugar deve ficar provado, com base igualmente em prova documental, que o Tribunal a quo ordenou ao Novo Banco, na sequência da promoção do Ministério Público, que convertesse o montante de USD 2.300.000,00 em Euros e depositasse o montante convertido junto do Estado Português através da emissão de DUC pelo contravalor em euros da quantia equivalente a USD 2.300.000,00 (cfr. fls. 444 e 446 dos autos); 20. Em quarto lugar e ao contrário do que o Ministério Público insinua na sua promoção a fls. 582, deve ficar igualmente provado, com base em prova documental, que a ora Recorrente não foi tida nem achada quando, em Dezembro de 2017, o montante de USD 2.300.000,00 foi convertido em Euros (€ 1.947.945,90) pelo Novo Banco e depositado junto do Estado Português; 21. Prova disso mesmo é que, em 05.01.2018, isto é, já após o montante de USD 2.300.000,00 ter sido, em Dezembro de 2017, convertido em Euros (€ 1.947.945,90) e depositado junto do Estado Português, é que a P… & Co. Limited apresentou um requerimento ao Tribunal a quo a solicitar autorização para "informar a sociedade N... S... Corp que, por determinação da autoridade judiciária competente, o dinheiro já não está na sua conta, tendo o mesmo sido transferido para o Estado" (cfr. fls. 459 e 460 dos autos); 22. Acresce que a L… T… Corporation apenas teve acesso aos autos - através dos seus advogados - em 09.03.2018, isto é, também já depois de o montante de USD 2.300.000,00 ter sido, em Dezembro de 2017, convertido em Euros (€ 1.947.945,90) e depositado junto do Estado Português (cfr. fls. 480 dos autos); 23. Em quinto lugar, deve ficar igualmente demonstrado, com base em prova documental, que a ora Recorrente jamais foi informada de que o montante de USD 2.300.000,00 não lhe viria a ser devolvido; 24. Aliás, e como bem antecipa o Ministério Público a fls. 583, todas as promoções e decisões do inquérito apontavam no sentido de que lhe iria ser devolvido o montante de USD 2,300.000,00, como, aliás, seria de esperar por parte de um Estado de Direito Democrático; 25. Em sexto lugar, e ao contrário do que sustenta o Ministério Público, deve ficar igualmente demonstrado, com base em prova documental, que o montante de apenas € 1.947.945,90 foi efectivamente devolvido à ora Recorrente somente em Outubro de 2018 (cfr. Doc. 2 junto com o requerimento apresentado pela ora Recorrente em 07.11.2018); 26. Por último e ao contrário do sustenta o Ministério Público, não se compreende em que medida é que o facto de a ora Recorrente não ter conta bancária sedeada em território nacional teria provocado um atraso na devolução da quantia de apenas € 1.947.945,90 à ora Recorrente; 27. É que, no caso concreto, já desde, pelo menos, Junho de 2018 que o Tribunal a quo tem conhecimento que a ora Recorrente não tem conta bancária em Portugal e que o montante de USD 2.300.000,00 deveria ser transferido para a sua conta bancária sedeada no Lichenstein (cfr. fls. 523 dos autos); 28. Posteriormente, em 09.07.2018, o Ministério Público promoveu a transferência do montante de USD 2.300.000,00 para a conta bancária da ora Recorrente no Lichenstein (cfr. fls. 530 dos autos), tendo o Tribunal a quo concordado, em 11.07.2018, com essa promoção (cfr. fls. 532 dos autos); 29. Assim sendo, é evidente que o facto de a ora Recorrente não ter conta bancária sedeada em território nacional jamais poderia constituir motivo para provocar um atraso na devolução da quantia de apenas € 1.947.945,90, pelo que deve ser dado como não provado que o atraso na devolução da quantia de apenas € 1.947.945,90 se tenha devido ao facto de a ora Recorrente não possuir conta bancária em território nacional; 30. Concomitantemente, deve ficar demonstrado que o atraso na devolução da quantia de apenas € 1.947.945,90 à ora Recorrente se ficou a dever inteiramente ao Estado Português f) (Em qualquer caso) O despacho recorrido é manifestamente ilegal, inconstitucional e violador das mais elementares regras de Direito 31. Em todo o caso, a verdade é que, mesmo partindo das premissas factuais assumidas pelo Tribunal a quo (por adesão à promoção do Ministério Público de fls. 581 a 583 dos autos), o despacho recorrido é, em qualquer caso, manifestamente ilegal, inconstitucional e violador das mais elementares regras de Direito; 32. Em primeiro lugar, o despacho recorrido - proferido em 16.11.2018 - é, desde logo, violador do despacho de 11.07.2018, já transitado em julgado, através do qual o Tribunal a quo ordenou que o montante de USD 2.300.000,00 fosse transferido pelo Estado Português para a conta bancária da ora Recorrente localizada no Lichenstein; 33. De facto, e ao abrigo do disposto nos artigos 619º e 620º do cód. procº civil, aplicáveis ex vi artigo 4º do cód. proc. penal, é evidente que o despacho de 11.07.2018 tem força obrigatória fora (ou, pelo menos) dentro do processo, pelo que deve ser integralmente respeitado e cumprido; 34. Sucede, porém, que o despacho recorrido é manifestamente contraditório com o despacho de 11.07.2018 (já transitado em julgado); 35. Com efeito, o despacho de 11.07.2018 ordenou que o montante de USD 2.300.000,00 fosse integralmente devolvido á ora Recorrente; ao passo que o despacho recorrido indeferiu a devolução de USD 76.224,96 à ora Recorrente, a qual é essencial para dar integral cumprimento ao despacho de 11.07.2018 e, assim, efectuar a devolução à ora Recorrente do montante total de USD 2.300.000,00; 36. Assim sendo, é manifesto que a decisão recorrida viola, desde logo, o despacho de 11.07.2018 - já transitado em julgado -, infringindo, por isso, o artigo 619º ou, pelo menos, o 620º do cód. procº civil, aplicáveis ex vi artigo 4º do cód. proc. penal, pelo que, por este motivo, deve a mesma ser anulada e substituída por outra que ordene a realização da devolução de USD 76.224,96 à ora Recorrente; 37. Em segundo lugar, no caso concreto, o objecto apreendido à ora Recorrente para efeitos do disposto no nº 1 do artigo 186º do cód. proc. penal foi o montante de USD 2.300.000,00, pois era esta a quantia que a ora Recorrente detinha no Novo Banco; 38. Apenas posteriormente, e por indicação do Tribunal a quo, é que se converteu o aludido montante apreendido, que se encontrava em USD, para Euros, por forma a concretizar o depósito junto do Estado Português, através da emissão de um Documento Único de Cobrança; 39. É que, conforme consta de fls. 582 da promoção do Ministério Público, a única possibilidade processualmente admissível de realizar depósitos junto do Estado Português - através da emissão de um Documento Único de Cobrança - é a de converter eventuais valores expressos em moeda estrangeira em Euros; 40. Com a conversão, em Dezembro de 2017, do montante de USD 2.300.000,00 em Euros, mais concretamente em € 1.947.945,90, passou a existir um risco cambial em Euros, que, não fosse a apreensão, não existiria; 41. No caso concreto, esse risco cambial veio a concretizar-se, na medida em que, face à desvalorização do Euro face ao dólar Estado-Unidense entre Dezembro de 2017 e Outubro de 2018, o mesmo montante em Euros em Dezembro de 2017, isto é, € 1.947.945,90 (que então valia USD 2.300.000,00), passou a valer apenas USD 2.233.775,04 em Outubro de 2018; 42. Ora, como é evidente, não há qualquer fundamento jurídico - ou mesmo ético... - para que seja a ora Recorrente a ter de suportar o risco cambial pelo facto de o Estado Português não dispor de um sistema que permita, do ponto de vista técnico, realizar depósitos autónomos em moeda estrangeira através da emissão de um Documento Único de Cobrança e, consequentemente obrigue à conversão em Euros de montantes denominados em moeda estrangeira para efeitos de emissão de Documento Único de Cobrança; 43. Na verdade, caso o Estado Português não tivesse ordenado ao Novo Banco que convertesse, em Dezembro de 2017, o montante de USD 2.300.000,00 em Euros, não existiria este risco cambial e, consequentemente, a ora Recorrida teria recebido essa mesma quantia e não apenas USD 2.233.775,04 (o equivalente a € 1.947.945,90 em USD à taxa de câmbio de Outubro de 2018); 44. Tanto mais que a actividade económica da ora Recorrente é baseada em USD e não em Euros, pelo que toda esta situação se torna ainda mais gravosa; 45. Assim sendo, é evidente que a ora Recorrente tem direito a receber o montante de USD 2.300.000,00, pois esse foi o objecto apreendido e é esse que lhe tem de ser restituído, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 186º do cód. proc. penal; 46. Por conseguinte, o despacho recorrido - ao indeferir o reembolso do montante de USD 76.224,96, necessário para que seja restituída à ora Recorrente a quantia integral de USD 2.300.000,00 - viola a obrigação de restituição prevista no nº 1 do artigo 186º do cód. proc. penal; 47. De resto, a interpretação do disposto no nº 1 do artigo 186º do cód. proc. penal no sentido de que o dever de restituição aí previsto não obriga o Estado Português a devolver o objecto efectivamente apreendido ao seu titular nas condições originais em que se encontrava é manifestamente inconstitucional por violação do direito de propriedade previsto no artigo 62º da Constituição da República Portuguesa; 48. Em terceiro lugar e sem prejuízo da violação do caso julgado inerente ao despacho de 11.07.2018 e do disposto no nº 1 do artigo 186º do cód. proc. penal, a verdade é que a decisão recorrida viola, em qualquer caso, o direito de propriedade da ora Recorrente; 49. De facto, o despacho recorrido - ao indeferir a devolução de USD 76.224,96 à ora Recorrente - acabou por "expropriá-la" do montante de USD 76.224,96, violando o seu direito de propriedade, previsto e tutelado, desde logo, no artigo 62º da Constituição; 50. Para efeitos constitucionais, o objecto do direito de propriedade não se limita ao universo das coisas, mas abrange também direitos de valor patrimonial (como, por exemplo, direitos de autor, direitos de crédito, partes sociais, etc.); 51. Assim sendo, é manifesto que o direito de a ora Recorrente ser reembolsada do montante de USD 2.300.000,00, que foi apreendido pelo Estado Português, constitui um direito de crédito incluído na noção de direito de propriedade para efeitos constitucionais; 52. Por outro lado, e para efeitos do presente recurso, é fundamental ter em consideração o direito constitucionalmente garantido de não se ser privado da propriedade (nem do uso); 53. No caso concreto, o Estado Português apreendeu o montante de USD 2.300.000,00 pertencente à ora Recorrente -, tendo ordenado ao Novo Banco que o convertesse em Euros em Dezembro de 2017 (€ 1.947.945,90) e o depositasse junto do Estado Português através da emissão de um Documento Único de Cobrança enquanto durasse o inquérito-criminal; 54. Após o arquivamento do inquérito-criminal (mais de um ano e meio após a suspensão da operação bancária!), o Estado Português devolveu à ora Recorrente o montante de € 1.947.945,90, equivalente, em 25.10.2018, à quantia de apenas USD 2.233.775,04, isto é, USD 76.224,96 inferior ao montante total de USD 2.300.000,00; 55. Por conseguinte, o Estado Português continua a ser obrigado a reembolsar a ora Recorrente no montante de USD 76.224,96, por forma a que a ora Recorrente receba a quantia integral de USD 2.300.000,00, a que tem direito; 56. Deste modo, o despacho recorrido - ao indeferir o reembolso do montante de USD 76.224,96 - viola o direito de propriedade da ora Recorrente tutelado pelo artigo 62º da Constituição da República Portuguesa, pelo artigo 17º da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia e pelo artigo 17º da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Normas jurídicas violadas: O douto despacho de que se recorre violou o disposto nos artigos 619º e 620º do cód. procº civil (aplicáveis ex vi artigo 4º do cód. proc. penal); artigo 186º do cód. proc. penal; artigos 29º e 62º da Constituição da República Portuguesa; o artigo 17º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia; e artigo 17º da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho recorrido nos termos supra expostos, e, consequentemente, reconhecer-se à ora recorrente o direito de receber do estado português a quantia de usd 76.224,96 (por forma a que lhe seja integralmente devolvido o montante apreendido de usd 2.300.000,00), pois só assim se fará a tão costumada justiça!» * O Magistrado do Ministério Público em 1ª instância, respondeu ao recurso interposto, nos termos de fls. 751 a 770, tendo defendido a improcedência do mesmo e a confirmação do despacho recorrido e concluído: «1. Concorda-se plenamente com o douto despacho ora recorrido, tanto mais que o mesmo aderiu integralmente aos argumentos apresentados pelo Ministério Público na sua promoção de fls. 581 a 583, datado de 12.11.2018. 2. Na promoção de 12.11.2018 (vide fls. 581 a 583), o Ministério Público manifestou de forma clara, explícita e motivada a sua posição relativamente ao pedido efectuado em 08.11.2018 pela ora recorrente (cf. fls. 566 a 569) relativamente à entrega da quantia de USD 76.224,96. 3. Não se compreende como é possível a ora recorrente referir que as premissas factuais utilizadas pelo Ministério Público na mencionada promoção sejam manifestamente tendenciosas e incompletas. 4. Contrariamente ao referido pela ora recorrente ao referir que apenas "indagou" e não "pressionou", tal como consta do documento de fls. 407 a 409, remetido aos autos pela "P… & Co, Limited", documento esse com data de entrada neste DIAP em 23.11.2017, a ora recorrente pressionou. 5. Tal resulta do próprio documento onde consta: «(...) Assim, porque valores não são seus estão bloqueados em conta bancária da sua titularidade, sendo isso um pretexto para que a Requerente seja constantemente pressionada pelos seus clientes, verdadeiros interessados em tais verbas e na sua libertação(...)»; 6. Relativamente à questão levantada pela ora recorrente de que não foi por si efectuada pressão para que o valor em causa fosse depositado junto do Estado Português, resulta da leitura da citada promoção que, face à pressão efectuada pela ora recorrente, a P... & Co Limited solicitou/requereu que o valor em causa fosse depositado em conta bancária à ordem deste Tribunal. 7. Não se compreende o alegado pela ora recorrente quando refere que o Ministério Público, na promoção tenha usado premissas factuais manifestamente tendenciosas e incompletas, uma vez que as mesmas resultam directamente dos documentos que constam dos autos e se limitou a narrar, não fazendo qualquer tipo de juízo de valor quanto aos factos que teve em conta no documento por si subscrito (promoção). 8. Tal como ficou explicitado na promoção do Ministério Público, face aos motivos invocados pela P... & Co Limited e uma vez que importava ainda proceder a diligências de investigação, com vista ao apuramento da verdadeira origem dos fundos cativos, foi necessário proceder-se, nos termos previstos no artº 181º, nº 1 do Código de Processo Penal, a uma apreensão em estabelecimento bancário. 9. Em face das duas opções apresentadas, o Ministério Público, através de promoção de fls. 442, optou por uma. 10. A qual considerou ser a mais adequada, exequível e habitual, pelo que requereu a emissão de DUC pelo contravalor em euros da quantia equivalente a USD 2.300.000,00, de forma a concretizar tal apreensão, a qual já tinha sido determinada a fls. 416. 11. Na sequência de tal promoção, o tribunal a quo, determinou a convolação da quantia de 2.300.000.00 USD, pendente sobre a conta nº 0001 7961 9363, em apreensão, mediante transferência para conta autónoma, à ordem do Tribunal - conforme douto despacho judicial de fls. 416 e 417. 12. Em cumprimento do doutamente determinado, veio o NOVO BANCO, em 11.12.2017, através de ofício que consta a fls. 450 e 451 dos autos, informar, ter procedido à apreensão da quantia de 2.300.000,00 USD, sendo que a única possibilidade processualmente admissível era a de emissão de DUC pelo contravalor em moeda euros, no câmbio à data em que foi efectuada a operação em causa. 13. Ou seja, o valor que efectivamente foi apreendido é de € 1.947.945,90. 14. De facto não foi dado a conhecer à ora recorrente a operação em causa, tanto mais que a mesma apenas se limitou a ser uma operação normal de conversão do valor em USD para EUR e a sua efectiva apreensão através da emissão de um DUC, pelo que não era necessário proceder-se necessariamente a tal comunicação. 15. Contudo, tal como resulta dos requerimentos de fls. 523 a 525, a ora recorrente veio a ter conhecimento da apreensão e conversão através da "P… & Co Limited", assim como pela "L… T… Corp", sendo que nessa altura nada requereu ou reclamou. 16. Quanto ao facto de a ora recorrente nunca ter sido informada de que nunca viria a ser devolvido o montante de USD 2.300.000,00, tal nunca poderia ocorrer. 17. Conforme resulta dos autos, a apreensão foi efectuada e houve necessidade de se proceder a diligências de investigação e, consoante o resultado das mesmas, o montante apreendido (€ 1.947.945,90) poderia vir a ser devolvido, montante esse que tinha sido convertido de USD para EUR. 18. Embora em todas as promoções e despachos se faça a referência a USD 2.300.000,00, o certo é que se pretendia referir ao valor apreendido e que tinha sido convertido em euros (€ 1.947.945,90). 19. Em 17.05.2018 o Ministério Público promoveu a devolução da quantia apreendida, ou seja, € 1.947.945.90; 20. A devolução em causa foi determinada em 21.05.2018 (vide fls. 508). 21. Contudo, conforme consta de informação de fls. 511, datada de 08.06.2018, não foi possível proceder-se à devolução do montante em causa porque foi obtida informação de que "o banco encerrou a relação com o cliente não havendo, presentemente, quaisquer contas activas". 22. Foram efectuadas diversas diligências no sentido de se apurar em concreto qual a conta para onde poderia ser efectuada a transferência do valor apreendido, conforme resulta de fls. 514, 517, 518, 519. 23. A informação acerca da conta para onde poderia ser efectuada a transferência apenas foi apresentada em 25.06.2018 (vide fls. 523), promovido em 09.07.2018 (fls. 530) e determinado em 11.07.2018 (cfr. fls. 532). 24. O atraso na efectiva concretização da devolução da quantia, determinada por despacho datado de 21.05.2018, deveu-se à circunstância de não terem as sociedades envolvidas "P… & Co Limited", "L… T… Corp." e "N… S… Corp" logrado identificar conta bancária sedeada em território nacional, tendo a mesma apenas sido possível mediante transferência para conta bancária sedeada no Lichenstein. 25. Tal como resulta da informação de fls. 533, apenas em 25.09.2018 é que foi cumprido o determinado "em virtude de se estar a aguardar esclarecimentos da forma de cumprir a nota" (vide fls. 546 e 547). 26. Não poderá dar-se como provado que o montante apreendido apenas tivesse sido entregue à recorrente em Outubro de 2018, mas sim em Setembro desse mesmo ano, conforme resulta de fls. 534 a 536. 27. O próprio recorrente é que informa que o seu mandatário foi notificado, em Outubro de 2018, da transferência. 28. Contudo, a mesma já se encontrava devidamente efectuada em 25.09.2018. 29. Não pode ser atribuída à actuação do Estado Português o atraso na devolução do montante apreendido. 30. Pese embora se fizesse sempre referência ao montante em USD, o montante a devolver era o que estava efectivamente apreendido à ordem dos actos, cristalizado em Dezembro de 2017, de € 1.947.945,90, conforme DUC que consta do inquérito. 31. Era este o valor que se estava apreendido e que efectivamente já foi devolvido, não assistindo assim razão à ora recorrente. 32. Compreende-se que a referência constante à quantia expressa em dólares, nas promoções aduzidas no inquérito, possa ter levado a requerente a criar a convicção que, podendo o montante apreendido ser ainda expresso em dólares, a taxa de câmbio a aplicar seria a da data actual. 33. No entanto, como não deve ignorar, este valor cristalizou-se na data da apreensão efectiva do dinheiro, tendo como referência a taxa de câmbio então aplicável, pelo que se concorda em que nada mais há a restituir nos presentes autos. 34. Face aos argumentos supra mencionado, não foi violado o previsto no nº 1, do artº 186º, do Código de Processo Penal dado que o valor devolvido foi o mesmo que tinha sido apreendido € 1.947.945,90 35. Não foi violado o direito de propriedade, previsto no artº 62º, da Constituição da República Portuguesa, tal como o previsto no artº 17º da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia e pelo artº 17º da Declaração Universal dos Direitos do Homem. 36. Não assiste razão à ora recorrente quanto à suposta violação do previsto nos artº 619º e 620º, do Código de Processo Civil (aplicáveis ex vi artº 4º do Código de Processo Penal), porquanto no douto despacho de fls. 508 de refere: «(...) Como se promove levanto a apreensão do montante referido a fls. 506 dos autos (...)»; 37. Na promoção de fls. 506 refere-se expressamente: «(...) Assim sendo e atento o disposto no artigo 186º, nº 1, do Código de Processo Penal, importa agora devolver a quantia em causa à "P… & Co Limited", a quem foi apreendida, mediante transferência do montante cativo em depósito autónomo para a conta daquela entidade com o nº 0001 7961 9363, sedeada no Novo Banco, o que ora respeitosamente se promove à Mmº Juiz de Instrução Criminal (...)»; 38. Conforme resulta do despacho elaborado pela Mmª Juiz, foi determinado o levantamento da apreensão do montante, reportando-se ao que fora anteriormente referido na promoção do Ministério Público que se referia à quantia em causa e que tinha sido apreendida. 39. Não foram violadas as disposições que constam dos artigos 619º e 620º, do Código de Processo Civil (aplicáveis ex vi artº 4º do Código de Processo Penal), porquanto foi dado cumprimento ao determinado pela Tribunal, salvaguardando-se o caso julgado formal. Nestes termos e nos demais de Direito, deve o recurso interposto por N… S…Corp ser julgado improcedente, devendo a decisão recorrida ser confirmada, na íntegra». * Neste Tribunal, o Digno Procurador-Geral Adjunto, acolheu a posição do Magistrado do Ministério Público em 1ª instância e no Douto Parecer de fls. 778 a 782, defendeu a improcedência do recurso. * O recurso foi tempestivo, legítimo e corrrectamente admitido. Colhidos os vistos, cumpre decidir. * FUNDAMENTOS Objecto do recurso O recurso, tal como foi delimitado pela recorrente nas suas conclusões consiste em saber se a quantia de USD de 2.3000.000,00 (dois milhões e trezentos mil dólares) apreendida em Dezembro de 2017 e colocada à ordem do Estado Português, após conversão em euros, que à taxa cambial então vigente corresponderam a € 1.947.945,90, (um milhão novecentos e quarenta e sete mil novecentos e quarenta e cinco euros e noventa cêntimos) deverá ser devolvida por este mesmo valor em euros, ou se deveria corresponder ao montante efectivo de USD 2.300.000,00, que à data devolução (25.09.2018) teria um valor acrescido por força da oscilação cambial então verificada. * DO DIREITO Delimitado o objecto do recurso, importa ter em conta os factos relevantes que em nosso entender determinarão a procedência ou improcedência da pretensão da recorrente, N... S... Corp. Com efeito, resulta dos autos que na sequência de investigações levadas a cabo pelo Ministério Público (cfr. fls. 75 a 85, 272, 299, 331 e 364), foi determinada a suspensão da operação de transferência do montante de 2.300.000,00 USD, pendente sobre a conta nº 0001 ---- ----, para uma conta sedeada no estrangeiro e titulada pela entidade "L… T… Corp", por existirem dúvidas quanto à origem de tais fundos. Tal decisão obedeceu ao cumprimento das disposições legais constantes dos artigos 17º, nº 1 a 4 e 63º, da Lei nº 25/08, de 5 de Junho. Dos documentos juntos, resulta também que a titular da conta, onde se encontrava depositado o montante de 2.300.000,00 USD, por requerimento datado de 23 de Novembro de 2017, requereu que o mesmo fosse depositado em conta bancária à ordem deste Tribunal, alegando estar a ser constantemente pressionada pelos seus clientes "N... S... Corp" e "L... T... Corp", para desbloquear a situação, tal como se lê dos documentos de fls. 407 a 409: - «Assim, porque valores não são seus, estão bloqueados em conta bancária da sua titularidade, sendo isso um pretexto para que a Requerente seja constantemente pressionada pelos seus clientes, verdadeiros interessados em tais verbas e na sua libertação (...)»; Foi neste contexto que ao abrigo do disposto no artº 181º, nº 1 do cód. proc. penal, foi determinada a apreensão da quantia de 2.300.000,00 USD, pendente sobre a conta nº 000179619363, mediante transferência para conta autónoma, à ordem do Tribunal conforme se alcança do despacho judicial de fls. 416 e 417, proferido na sequência da promoção de fls. 413 e 415, convertendo-se aquele montante em euros a que corresponderam à data o preciso velor de € 1.947.945,90, (um milhão novecentos e quarenta e sete mil novecentos e quarenta e cinco euros e noventa cêntimos) E porque se operou a conversão? De acordo com as informações constantes dos autos, o Novo Banco informou, por ofício datado de 11 de Dezembro de 2017, ter procedido à apreensão da quantia de 2.300.000,00 USD, mas que havia impossibilidade de emissão de Documento Único de Cobrança (DUC) para valores expressos em moeda diferente do euro, sendo que a única possibilidade processualmente admissível era a de emissão de DUC pelo contravalor em moeda euros, no câmbio à data - cfr. fls. 439. O valor correspondente à data (Dezembro/2017) da apreensão e colocação em conta à ordem do Tribunal, do montante de USD 2.300.000,00 foi precisamente o acima referido de € 1.947.945,90 de acordo com a taxa de câmbio respectiva - cfr. ofício de fls. 450. Os documentos de fls. 523 a 525, indicam o contrário do referido pela recorrente, ou seja a N… S… Corp teve conhecimento da operação de aprensão e consequente conversão em euros, através da "P… & Co Limited", tal como o teve a "L… T… Corp.". De acordo com a alegação do Ministério Público e da análise que fizemos da documentação do processo, não houve então qualquer reclamação por parte da requerente. Aliás, a conversão daquele montante em euros, que aparentemente terá redundado num “prejuízo” para a requerente, em virtude da oscilação cambial verificada, poderia muito bem ter tido o resultado inverso! A recorrente só numa análise ligeira e superficial da questão pode invocar prejuízo efectivo e em nenhuma circunstância, mesmo que ele existisse o poderia imputar ao Estado Português, pois o montante efectivamente apreendido, resultante da conversão de dolares em euros em Dezembro de 2017, foi excatamente o que lhe foi devolvido em 25.09.2018, nem mais, nem menos - € 1.947.945,90. Pretender que o Estado, ao fazer a devolução fizesse a reconversão em dolares, seria pretender que o Estado suportasse às suas custas as oscilações do mercado cambial, que tanto aconteceriam quer o dinheiro estivesse apreendido, quer na posse efectiva da requerente. Ocorre perguntar: caso aquele valor em euros tivesse agora um valor superior em dólares ao que tinha na data da apreensão e reconversão, a requerente exigiria ou devolveria algo ao Estado? O valor efectivamente apreeendido foi o mesmo que foi devolvido à requerente. Entendemos não ter o Estado que suportar o diferencial ocorrido por causa do mercado cambial. Tal contigência é uma factor externo à acção da Justiça. Quanto aos alegados atrasos, não se vislumbram quaisquer actos das entidades judiciárias e do Ministério Público que permitam imputar responsabilidade directa no retardar da devolução. A devolução foi ordenada em 21.05.2018 e na verdade, segundo a informação de fls. 533 a 536, apenas em 25.09.2018[1] é que foi cumprido o determinado "em virtude de se estar a aguardar esclarecimentos da forma de cumprir a nota" (cfr. fls. 546 e 547). Tanto assim é que a fls. 511 consta uma informação datada de 08.06.2018, de que não foi possível proceder-se à devolução do montante em causa porque “o banco encerrou a relação com o cliente não havendo, presentemente, quaisquer contas activas”. A documentação de fls. 514, 517, 518, 519, demonstra que foram feitas diversas diligências no sentido de se apurar qual a conta para onde poderia ser efectuada a transferência do valor apreendido. Tal informação foi apresentada em 25.06.2018 (cfr. fls. 523), o Ministério Público promoveu a transferência em 09.07.2018 (fls. 530) e a decisão foi proferida em 11.07.2018 (cfr. fls. 532). De acordo com o que é referido nos autos, o atraso na concretização da devolução da quantia, deveu-se em grande parte ao facto de as sociedades envolvidas "P… & Co Limited", "L… T… Corp" e "N… S… Corp" não terem à data conta bancária sedeada em território nacional, tendo a mesma apenas sido possível mediante transferência para conta bancária sedeada no Lichenstein. Em nosso entender, tendo em conta a natureza dos factos, a legalidade e legitimidade da apreensão do montante em causa e porque todos os actos obedeceram a critérios legais que foram respeitados, não existe qualquer fundamento legal para que o Estado tenha de devolver à requerente, montante diferente daquele que apreendeu, por força de uma factor externo a que foi alheio que é a variação da taxa cambial entre moedas diferentes. Concluímos assim pela inexistência de qualquer violação das normas invocadas pela recorrente, nomeadamente os artº 186º nº 1 do cód. proc. penal e muito menos o artº 62º, da Constituição da República Portuguesa. Afigura-se-nos no entanto que, no tocante ao despacho recorrido, ainda que a jurisprudência venha aceitando como suficiente a adesão do despacho judicial à promoção do Ministério Público, desde que esteja devidamente explícita, concordamos que se impunha por parte da srª Juíza uma fundamentação mais consistente, em obediência ao disposto no artº 97º do cód. proc. penal. Todavia, não estamos perante nenhuma situação de nulidade por falta de fundamentação, dado que a mesma aderiu ipsis verbis à fundamentação do promovido pelo Ministério Público, devendo por isso considerar-se para todos os efeitos a argumentação aí expendida. Também não existe qualquer contradição entre o despacho que ordena a devolução do dinheiro apreendido e a circunstância de a devolução não ser feita em dolares, pois o montante devolvido correspondia exactamente à quantia apreendida à data da conversão dos dólares em euros. Se o valor à data da restituição é diferente por força da taxa de câmbio, o Estado não tem responsabilidade nesse facto, pois limitou-se a devolver o que apreendeu. Sobre a apreensão, ainda que atempadamente e logo que se dissiparam os indícios de suspeição quanto à origem do dinheiro, convém não esquecer que nos termos do art. 181º nº 1 do cód. procº penal o Juiz de Instrução pode determinar a apreensão dos valores, que se encontram em estabelecimentos bancários, nomeadamente depósitos bancários, “quando tiver fundadas razões para crer que eles estão relacionados com um crime e se revelarão de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova”. A manutenção de uma apreensão sem finalidade probatória, aparentemente, contrariaria o disposto no artigo 186º, nº 1 do cód. procº penal, que refere “logo que se tomar desnecessário manter a apreensão para efeito de prova, os objectos apreendidos são restituído, a quem de direito”. E neste caso assim sucedeu. Mas, como bem se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23.10.2007[2], “(...) a manutenção da apreensão do depósito bancário, não se justifica, apenas, como meio de prova dos respetivos montantes, mas também como forma de serem alcançados os fins previstos pela lei”. Ou seja, não se podem considerar, apenas, as regras gerais do cód. procº penal mas, também, as regras especiais da criminalidade organizada e económico-financeira. Neste sentido acrescenta-se ainda: - “Estando em causa crimes abrangidos pela Lei nº 5/02, de 11/01, diploma que criou um regime especial visando combater a criminalidade organizada e económido-financeira – a qual, em regra, usa o sistema financeiro para a sua atividade -, só a manutenção da apreensão dos depósitos bancários até uma decisão de mérito permite alcançar os fins pretendidos por esse regime jurídico, o que se apresenta proporcional, atentos os meios que os agentes deste tipo de criminalidade colocam ao serviço da sua atividade ilícita e adequado, de outro modo os agentes facilmente colocariam os meios financeiros relacionados com a atividade ilícita fora do alcance de uma execução, co prejuízo para a descoberta da verdade, ou seja, para a realização da justiça. A manutenção da apreensão não é desproporcionada, atentos os meios que os agentes deste tipo de crimes colocam ao serviço da sua atividade ilícita, nem desadequada, antes se apresentando como a única suscetível de permitir alcançar os fins pretendidos por legislação aprovada com intenção de combater esta específica criminalidade. Esta limitação ao direito de propriedade, em nada viola o princípio da presunção de inocência, uma vez que não representa qualquer antecipação da pena e visa, apenas, alcançar outras finalidades relacionadas com a boa administração da justiça, recaindo sobre a acusação o ónus de provar em julgamento os elementos típicos dos crimes que vierem a ser imputados aos arguidos”. Serve isto para concluir que, estamos perante uma apreensão legítima, porque efectuada na sequência de dúvidas sobre a origem do dinheiro cuja transferência se pretendia fazer, mas as mesmas entidades levantaram tal apreensão logo que as suspeitas diminuíram ou deixaram de existir, cumprindo assim a salvaguarda dos direitos dos intervenientes. Não se tratando de um negócio nem de um investimento não compete ao Estado devolver aquilo que não reteve, nem compensar a desvalorização ocorrida por factores externos, que sempre ocorreriam quer o dinheiro estivesse aprendido ou não. Por outro lado e por último, refira-se que a necessidade de conversão dos dólares em euros, também ocorreu por razões alheias às próprias autoridades e órgãos de investigação, sendo fruto das regras do sistema financeiro. Pelo exposto, se conclui pela improcedência do presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos. * * * DECISÃO: Nestes termos, acordam os Juízes da 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto, pela N... S... Corp. * Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC (seis unidades de conta). * Lisboa 8 de Maio de 2019 A. Augusto Lourenço João Lee Ferreira [1] - E não em 25.10.2018, como refere a recorrente. [2] - Cfr. Arresto datado de 23.10.2007 do Processo nº 7123/2007-5, disponível em www.dgsi.pt. |