Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
232/24.6YHLSB.L1-PICRS
Relator: BERNARDINO TAVARES
Descritores: MARCA
REGISTO
NULIDADE
PROCEDIMENTO CAUTELAR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/27/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: (elaborado pelo Relator):
- O registo da marca confere ao seu titular o direito de impedir terceiros de usar, no exercício de atividades económicas, qualquer sinal se esse sinal for idêntico à marca e for usado em relação a produtos ou serviços idênticos aos produtos ou serviços abrangidos pelo registo, tal como decorre do artigo 249.º do CPI;
- O pedido de nulidade do registo da marca, efetuado junto do INPI, enquanto não se mostrar definitivamente deferido não obsta àquele efeito do registo;
- Nessa medida, a junção do certificado a que alude o artigo 7.º do CPI, no âmbito de processo cautelar, é quanto basta para prova (indiciária) da titularidade do direito a que alude o artigo 345.º.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I - Relatório
PR, M, AN, AT e Associados – Sociedade de Advogados, SP, RL, intentou o presente procedimento cautelar contra a requerida J. A. PR & Associados, Sociedade de Advogados, RL, tendo formulado os seguintes pedidos:
I – Ordenar, sem audiência prévia da Requerida, a cessação imediata de toda e qualquer utilização do sinal “JA PR SOCIEDADE DE ADVOGADOS” ou equivalente para oferecer serviços jurídicos ou afins, obrigando à remoção das placas, sinalética e quaisquer outras utilizações desse sinal ou equivalente no contexto da atividade da Requerida, independentemente do formato — com a advertência expressa de que a violação dessa ordem constitui crime de desobediência qualificada, nos termos do art.º 375º do Código de Processo Civil;
II – Proibir, sem audiência prévia da Requerida, a utilização do sinal “JA PR SOCIEDADE DE ADVOGADOS” ou equivalente por parte da Requerida para prestar serviços jurídicos ou afins, ficando impedida a aposição do sinal em produtos ou outros bens, a oferta ou a prestação dos serviços que ostentem o sinal e a utilização do sinal em documentos comerciais e na publicidade — com a advertência expressa de que a violação dessa ordem constitui crime de desobediência qualificada, nos termos do art.º 375º do Código de Processo Civil;
III - Subsidiariamente, caso se entenda que deve existir audiência prévia da Requerida, decretar o pedido em I e II, bem como o pedido seguinte.
IV - Proibir a Requerida de interferir, direta ou indiretamente, em negócios concorrentes com os da Requerente ou prestar serviços a clientes atuais ou potenciais da Requerente — com a advertência expressa de que a violação dessa ordem constitui crime de desobediência qualificada, nos termos do art.º 375º do Código de Processo Civil;
V - Fixar como sanção pecuniária compulsória a quantia de 2.000,00€ (dois mil euros) a pagar pela Requerida à Requerente, por cada dia que se mantenha em infração de cada uma das proibições referidas.”
Como fundamento das referidas pretensões, alegou, em síntese, que é titular da marca nacional mista n.º 601819 “PR ADVOGADOS”, concedida por despacho de 17 de outubro de 2018, para assinalar serviços de advocacia e serviços jurídicos (Classificação de Nice 45).
A Requerente, até meados de abril de 2014, desenvolveu a sua atividade no mesmo local onde, desde maio de 2024, a Requerida afixou placas com o sinal “JA PR SOCIEDADE DE ADVOGADOS”, sendo que até 6 de abril de 2024 existiam duas placas com os dizeres: “PR ADVOGADOS
que, aliás, passaram a existir, desde esta data, na sua nova sede social.
O comportamento da Requerida, que é sócia fundadora da Requerente, desde 2018, revela má-fé e implica uma lesão irremediável à imagem, reputação e aviamento desta.
A marca registada goza de um grau elevado de conhecimento, reputação e prestígio junto dos consumidores de serviços jurídicos e no mercado da advocacia, em geral, quer nacional quer internacional.
 A Requerida está  a fazer uma utilização não autorizada do referido sinal na prestação de serviços de advocacia em concorrência com a Requerente, sendo que é suscetível de lhe provocar prejuízos graves e irreparáveis, ao criar situações de confundibilidade junto dos seus clientes, fornecedores e parceiros, o que provoca prejuízos reputacionais e torna muito provável o desvio de clientela por meios contrários às normas e usos honestos de comércio.
A Requerida viola o direito exclusivo conferido à Requerente pelo registo da marca e prática de atos de concorrência desleal.
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A Requerida/Recorrida deduziu contestação, tendo concluído que deverá:
“a) Ser declarado o indeferimento da providência cautelar, por manifesta falta dos seus requisitos legais, que nem sequer se encontram factualmente alegados (art.ºs 362.º e 368.º, n.º 1 a contrario, do Código de Processo Civil).
b) Ser declarado a nulidade do processo, por ininteligibilidade dos pedidos formulados acima melhor indicados, e ainda a verificada a excepção dilatória inominada decorrente da ilegalidade do pedido formulado sob o ponto IV, o que conduz à ineptidão do requerimento inicial e à nulidade insuprível do processo (nulidade principal), e, por via disso, conduz à absolvição da Requerida da instância (cfr. arts. 186º/1 e 2, 196º, 278º/1b), 576º/2 e 577º/b) do Código de Processo Civil.
c) E, quando assim não se entenda, o que sem conceder se concebe por cautela de patrocínio, em qualquer caso, deve ser dado como não provado o procedimento cautelar, sendo a Requerida absolvida do(s) pedido(s).”
Como fundamento das referidas pretensões, alegou, em síntese, que requereu, junto do IRN e do INPI, a nulidade do registo/ inscrição da Requerida e o registo da marca mista n.º 601819, por, entre outros, manifestar má-fé no respetivo pedido de registo.
Mais alegou que faltam os pressupostos para a providência cautelar, designadamente o periculum in mora.
Alegou ainda que o requerimento inicial é, pelo menos, parcialmente inepto.
Mais alegou que a sociedade Requerida existe formalmente desde 1986, sendo que desde 1975 já labora, e que o seu principal elemento distintivo “PR” constitui parte integrante do seu nome, por referência ao nome do seu administrador, Advogado que usa o nome profissional “JA PR”.  
Finalmente, alegou que jamais autorizou o uso do seu nome profissional; sendo que o nome constante do registo da marca não pertence em exclusivo à Requerente e que é suscetível de gerar confusão com o nome e/ ou sinal já utilizado pela Requerida e que não existe concorrência desleal.
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O Tribunal a quo, não tendo realizado audiência final, proferiu a decisão final pela qual decretou o seguinte:
“Por tudo o exposto, conclui-se que não se mostram preenchidos os pressupostos para o decretamento das providências cautelares requeridas, pelo que se indefere liminarmente o presente procedimento cautelar e absolve-se a Requerida do pedido.”
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A Requerente/Recorrente, inconformada, interpôs recurso de apelação da decisão final, em que apresenta a seguintes conclusões:
“A. A decisão recorrida incorre num erro manifesto ao ignorar a regra básica da Propriedade Industrial: a presunção de validade decorrente do art.º 4º/2 do CPI.
B. O presente procedimento cautelar foi intentado pela ora Recorrente contra a Requerida com base na violação do seu direito de marca (registada desde 2018 e cuja certidão de registo consta dos autos).
C. O Requerimento Inicial foi apresentado dia 28 de maio. A citação fez-se no dia 21 de junho. Só depois de ter sido citada é que a Requerida apresentou junto do INPI um pedido de declaração de nulidade da marca invocada.
D. Após vários despachos e requerimentos, a 11 de Outubro, em três páginas, das quais apenas cinco parágrafos se aproximam de uma fundamentação, o tribunal indeferiu liminarmente o procedimento cautelar, afirmando:
“No caso sub judice foi posto em causa o registo da marca da Requerente estando a decorrer o respetivo processo de nulidade junto do Instituto Nacional de Propriedade Industrial, nos termos dos artigos 32º e seguintes do CPI, pelo que não se mostra ainda definitiva a sua titularidade.
Ora, decorre do artigo 345º, nº 2 do CPI que o decretamento da providencia depende do Requerente provar ser titular do respetivo direito, determinando que o tribunal exige que o requerente forneça os elementos de prova para demonstrar que é titular do direito de propriedade industrial ou do segredo comercial, ou que está autorizado a utilizá-lo, e que se verifica ou está iminente uma violação.
No caso em apreço falece o primeiro pressuposto, condição sine qua non da viabilidade do deferimento da providência cautelar, uma vez que o direito à titularidade da marca que a Requerente invoca não é certo. Com efeito, caso proceda o pedido formulado pela Requerida junto do INPI, a Requerente não pode impedir o uso da marca pela Requerida. Deste modo, não se pode falar da violação do direito da Requerente por parte da Requerida enquanto esse direito não for certo na esfera jurídica desta”
E. A afirmação “não se mostra ainda definitiva a sua titularidade” é evidentemente errada. A titularidade do direito de marca nunca esteve em causa. O que foi posto em causa foi, antes, a sua validade.
F. No entanto, como decorre do artigo 4.º/2 do Código da Propriedade Industrial, a validade do direito presume-se desde o momento do registo. O tribunal ignorou esta presunção legal numa manifesta interpretação contra legem.
G. Por outro lado, o n.º 2 do art.º 345º do CPI torna claro que o decretamento da providência depende apenas da prova da titularidade do direito.
H. A prova desde registo foi feita nos termos legais – art.º 7.º do CPI – e não foi impugnada.
I. O direito invocado é certo desde 2018, tal como é a sua titularidade.
J. A vingar a tese inédita do tribunal a quo, bastaria a qualquer requerido numa providência cautelar vir invocar, num momento qualquer, a invalidade de um direito de propriedade intelectual para impedir o decretamento de providências cautelares requeridas.
K. O que não se pode admitir. Como explicita o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19 de Outubro de 2017, no processo 341/17.8YHLSB-A.L1-6: “O pedido de anulação de registo, em acção interposta pela requerida contra a requerente não obsta à decretação da providência, com fundamento na eventual anulação deste registo, nem constitui causa prejudicial da mesma, mas apenas da acção principal onde a titularidade do direito é invocada.
L. A decisão recorrida viola claramente, no Direito Interno, os artigos 260.º e 368.º do CPC, arts. 4.º/2, 7.º, 210.º, 249.º, 345.º e 358.º do CPI e os arts. 8.º, 9.º e 350.º do Código Civil e, além disso, as normas constitucionais que consagram direitos fundamentais dos quais decorre a proteção conferida pelo direito da propriedade intelectual e acesso aos tribunais (arts. 17.º, 18.º, 20.º, 42.º, 61.º e 62.º da Constituição).
M. No Direito Internacional, aplicável ex vi art.º 8.º CRP, a decisão recorrida contraria os arts. 16.º/1, 41.º e 50.º do Acordo TRIPS/ADPIC, o art.º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) e o art.º 1.º do Protocolo n.º 1 à CEDH.
N. A decisão recorrida viola ainda os arts. 3.º e 9.º da Diretiva 2004/48, os princípios da cooperação leal (art.º 4.º/3 do Tratado da União Europeia), do primado, do efeito direito, e da efetividade do Direito da União Europeia”
Tendo concluído que:
“TERMOS EM QUE DEVE A SENTENÇA RECORRIDA SER REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE MARQUE A AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO.”
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A Requerida/ Recorrida ofereceu contra-alegações, em que apresenta a seguintes conclusões:
“1. Veio a Apelante intentar recurso da decisão da decisão de indeferimento da providência cautelar, por sentença datada em 11.10.2024, que decidiu que, in casu, não se encontra preenchido o primeiro pressuposto para o decretamento da providência, condição sine qua non da viabilidade do deferimento da providência cautelar, uma vez que o direito à titularidade da marca que a Requerente invoca não é certo. Com efeito, caso proceda o pedido formulado pela Requerida junto do INPI, a Requerente não pode impedir o uso da marca pela Requerida. Deste modo, não se pode falar da violação do direito da Requerente por parte da Requerida enquanto esse direito não for certo na esfera jurídica desta.
2. Inconformada, veio a Apelante apresentar recurso, argumentando que a decisão viola a presunção de validade dos direitos registados, e ainda a suficiência da prova da titularidade do direito para efeitos cautelares.
3. Como primeiro argumento, a Apelante pugna pela existência da titularidade do direito à marca, em virtude da presunção estabelecida pelo registo da mesma.
4. Contudo, desde o primeiro momento que é precisamente a titularidade do direito à marca que está em causa, por conta da invalidade da constituição do contrato de sociedade da Apelante, que é totalmente irregular e nula, razão pela qual tal identidade é inexistente por violação do disposto no artigo 53.º do Regime Jurídico do Registo Nacional de Pessoas Coletivas.
5. Isto porque não foi celebrado qualquer ato constitutivo com a intervenção de nenhuma das quatro pessoas singulares que o referido certificado de admissibilidade de denominação legitimava, e que, por isso, teriam obrigatoriamente que intervir naquele ato, o que viola inúmeros dispositivos legais, nomeadamente os artigos 5º, 19º n.º 1 n.º 2, 21º da Lei 53/2015, de 11/06; artigos 213º n.º 8, 214º, 215º n.º 2, 216º e 222º do Estatuto da Ordem dos Advogados; artigos 42º, 50º-A, 53º n.º 3, 54º n.º 1, 55º n.º 1 al. a) do Regime Jurídico do Registo Nacional de Pessoas Coletivas.
6. Tendo tal situação dado origem a um processo junto do RNPC, no qual se requereu a declaração de nulidade do ato constitutivo da Sociedade Apelante e consequente cancelamento da sua inscrição no Ficheiro Central de Pessoas Coletivas.
7. Razão pela qual entendeu o douto tribunal de 1.ª instância que, logo que venha ser declarada nula a constituição de tal sociedade - como se espera na medida em que é a única solução plausível de direito –, está absolutamente posta em causa a titularidade do direito da marca da Apelante, que se entende ser juridicamente inexistente.
8. Estando assim em causa a legitimidade ativa da Apelante, na medida em que qualquer decisão que venha a ser proferida no âmbito do pedido de nulidade da constituição da Sociedade Apelante importará a inutilidade da decisão no âmbito desta providência cautelar.
9. Quanto ao segundo argumento respeitante à presunção da validade do direito, só assim não é pois que tal presunção se mostra ilidida face à irregularidade demonstrada na constituição da Sociedade Apelante e, como tal, a titularidade da mesma no registo da marca.
10. No mais, também resulta da documentação junta aos autos que a validade do direito invocado, contrariamente ao que defende a Apelante, resulta dos pedidos de nulidade submetidos juntos do Instituto Nacional de Registos em 15-01-2024, ou seja, em momento muito anterior ao início da presente providência cautelar.
11. De tal forma que o Instituto de Registos e Notariado veio, em resposta ao ofício do tribunal, concluir que, por estar em causa a nulidade da constituição da sociedade Apelante, cabe ao Ministério Público instaurar a presente ação de nulidade que, no entender do IRN, deverá ser judicialmente declarada.
12. Para além do mais, vem a Apelante indicar na sua peça recursiva que a ação de nulidade da marca apresentada junto do INPI não é causa prejudicial da presente providência cautelar.
13. Ora, como bem resulta da decisão final do tribunal a quo, o indeferimento da providencia cautelar encontra-se motivado, não pela existência de uma qualquer causa prejudicial, mas pelo facto de não se encontrar preenchido um dos pressupostos para o decretamento da referida providência – a probabilidade séria da existência do direito invocado.
14. A Apelada veio ilidir presunção da titularidade do direito à marca que a Apelante invoca, tendo demonstrado que a Sociedade Apelante que agora se arroga detentora da marca, do nome, dos clientes, do imobilizado e do know-how, foi “criada” de forma astuciosa e fraudulenta, por incorporação completa de uma Sociedade, a Apelada, essa sim constituída décadas, com uma vasta carteira de clientes, que faturava milhares de euros anualmente, que detinha instalações completamente mobiladas e em funcionamento (para onde, aliás, a Apelada se mudou), e que sempre existiu e continua a existir - em virtude do nome e mérito alcançado e reconhecido do advogado PR, sócio da Requerida.
15. De tal forma que a Apelante procura deliberadamente criar uma confusão entre a marca por si registada e o nome do sócio da Apelada.
16. A Apelante, bem sabendo que a sociedade por si inscrita e registada é absolutamente nula, pretendeu e logrou registar a denominação “PR ADVOGADOS” para a utilizar como se do nome da sociedade se tratasse.
17. O que é bem evidente pela identificação da Sociedade constante do seu site, ou até nas suas redes, de onde resulta apenas e só o nome PR, ao invés da denominação da sociedade - PR, M, AN, AT E ASSOCIADOS – SOCIEDADE DE ADVOGADOS SP, RL.
18. O Dr. JA PR nunca autorizou (quer em nome pessoal, quer em nome da Sociedade Apelada, da qual é sócio e administrador) a utilização do seu nome, nem do nome da sociedade ora Apelante para integrar qualquer denominação de sociedade a constituir ou para integrar qualquer marca de serviços de qualquer outra sociedade de Advogados.
19. Face a todo o exposto, não há qualquer reparo à decisão do tribunal a quo ao concluir que “falece o primeiro pressuposto, condição sine qua non da viabilidade do deferimento da providência cautelar, uma vez que o direito à titularidade da marca que a Requerente invoca não é certo.”. bold e sublinhado nosso
20. Devendo o presente recurso interposto pela Apelante ser totalmente improcedente, mantendo-se assim a decisão de indeferimento liminar do procedimento cautelar.”
Tendo concluído que:
“Nestes termos e nos melhores de Direito, deve o recurso interposto pela Recorrente ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.”
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Os autos foram à conferência.
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II - Questões a decidir
O objeto do recurso é balizado pelas conclusões do apelante, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito, conforme resulta dos artigos 5.º, n.º 3, 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1, e 608.º, todos do CPC.
Assim, importa, no caso, apreciar e decidir:
- se a decisão proferida pelo Tribunal a quo, ao considerar que “não se mostra ainda definitiva a sua titularidade” (reportada à marca), violou, entre outros, os artigos 4.º, n.º 2, 7.º, 210.º, 249.º, 345.º e 358.º, do CPI, os artigos 260.º e 368.º do CPC e os artigos 8.º, 9.º e 350.º do CC.
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III – Fundamentação dos factos
A decisão recorrida não elencou factos provados e não provados.
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IV – Do mérito do recurso
Como referido supra, os presentes autos reportam-se a saber se a decisão do Tribunal a quo que indeferiu a providência cautelar, por julgar não ser certo, na esfera jurídica da Requerente, o direito à titularidade da marca que invoca, violando, assim, o disposto nos artigos 4.º, n.º 2, 7.º, 210.º, 249.º, 345.º e 358.º, do CPI, os artigos 260.º e 368.º do CPC e os artigos 8.º, 9.º e 350.º do CC.
A decisão em crise fundamenta a sua posição com recurso aos artigos 32.º, 210.º, 249.º e 345.º, todos do CPI.
Com base no artigo 210.º deu conta que o registo confere ao seu titular o direito de propriedade e do exclusivo da marca para os produtos e serviços a que esta se destina.
Por sua vez, reportando-se ao artigo 249.º, atestou que o registo da marca confere ao seu titular o direito de impedir terceiros, sem o seu consentimento, de usar, no exercício de atividades económicas, qualquer sinal se (a) esse sinal for idêntico à marca e for usado em relação a produtos ou serviços idênticos aos produtos ou serviços abrangidos pelo registo.
Porém, tendo apelado ao artigo 32.º, que prevê a nulidade dos registos, sendo que a mesma é invocável a todo o tempo por qualquer interessado, dá conta que no caso sub judice, porque está a decorrer o respetivo processo de nulidade junto do Instituto Nacional de Propriedade Industrial, “não se mostra ainda definitiva a sua titularidade.”
Finalmente, com recurso ao artigo 345.º, enuncia os requisitos para o decretamento da providência, para concluir que a Requerente não fez prova de ser titular do direito de propriedade industrial que invoca, ou seja, nas suas palavras, “o direito à titularidade da marca que a Requerente invoca não é certo.” 
Quid juris?
Importa desde já adiantar que se discorda da conclusão a que chegou o Tribunal a quo.
Vejamos porquê.
Tal como deu conta a decisão, reportando-se ao artigo 210.º do CPI, o direito à marca adquire-se através do registo, sendo no caso das marcas nacionais no INPI e no caso das marcas da União Europeias no EUIPO.
Nessa medida, é reconhecida, no âmbito do direito da propriedade industrial, natureza constitutiva ao registo.
Aliás, conforme anotação ao referido artigo, Luís Couto Gonçalves, refere que “tal significa que a aquisição de um direito exclusivo de marca, válido pelo período de 10 anos, a contar da data da apresentação do respetivo pedido e renovável, indefinidamente, por iguais períodos, depende do seu registo junto do INPI.” (in CPI anotado, pág. 840).   
Mais refere que “a adoção do sistema de registo pelo legislador português enquadra-se numa tendência global, visto ser particularmente adequado à aproximação dos diferentes regimes jurídicos …” e que “A prevalência do sistema de registo justifica-se, fundamentalmente, pela segurança jurídica que o mesmo fomenta, não apenas pela maior facilidade na determinação do bem jurídico protegido, mas também por constituir a melhor garantia da observância dos demais interesses envolvidos (interesse público, interesse dos consumidores e interesse dos concorrentes em geral), já que implica um procedimento administrativo de registo público (…) acompanhado de publicitação dos direitos atribuídos.”(idem). (destaques nossos)      
A respeito da referida tendência global, reportada ao modo de aquisição do direito de marca, não se ignora a existência de sistemas diversos do nacional, que o centram, não no registo, mas antes no uso.
Porém, como vimos, o nosso ordenamento jurídico optou pela aquisição do direito de marca pelo registo.
Não obstante, conforme dispõe o artigo 4.º, n.º 2, do CPI, a respeito dos efeitos, “a concessão de direitos de propriedade industrial implica mera presunção da sua concessão”, ou seja, concedido o direito o titular beneficia de uma presunção iuris tantum do preenchimento dos respetivos requisitos.
Nessa medida, por se tratar de presunção ilidível, o ordenamento jurídico acaba por prever formas de reação/impugnação contra esses direitos, como é o caso das marcas registadas. Exemplo disso, conforme resulta do artigo 34.º, são os processos de declaração de nulidade ou anulação.
A decisão em crise, como vimos, tendo dado conta que foi interposto processo de nulidade do registo da marca nacional da Requerente junto do INPI, concluiu, então, que caso venha a proceder o pedido formulado pela Requerida, aquela não pode impedir a esta o uso da marca e, daí, retira que não se pode falar da violação do direito da Requerente por parte da Requerida enquanto esse direito não for certo na esfera jurídica desta.
Dito de outra forma, a decisão afasta, ou, melhor, suspende o direito da Requerente à marca nacional n.º 601819, reconhecido pelo registo, pelo facto da Requerida ter, entretanto, dado entrada junto do INPI de processo de nulidade do registo daquela.
Naturalmente, por ser ilidível, que se concorda que caso e quando venha a proceder o processo de nulidade do registo da marca, o direito da Recorrente cessa.
Porém, para que tal se verificasse, era, pois, necessário que o processo assim tivesse decidido e, naturalmente, de forma definitiva.
Assinale-se, ainda, que o legislador não conferiu efeito (suspensivo) àquele processo.
Aliás, em abono da verdade, considerando que adotamos um sistema de registo constitutivo, nem se compreenderia tal opção, pois representaria um sinal oposto à matriz adotada.
Por isso, conjeturar um deferimento de uma ação, entretanto interposta, para obstar ao efeito do registo, com o devido respeito, não pode merecer a nossa concordância.
Ora, além do regime legal referido o afastar, a solução pugnada pela decisão em crise, como deu conta a Recorrente, no limite, jamais permitiria a procedência de uma providência cautelar, bastando, para o efeito, que se suscitasse a nulidade do registo do direito alegado naquela, o que, seguramente, não se mostra conforme à tutela dos direitos em causa.
Nessa medida, julgamos que enquanto a marca estiver registada em nome da Requerente, havendo ou não ação a pugnar pela sua invalidade, seja junto do INPI seja em Tribunal, a titularidade do direito está definida e corresponde à que consta do registo.
Dito de outra forma, o direito conferido pelo registo, enquanto não for declarada a sua nulidade, mantém a sua validade.
Assinale-se que a prova dos direitos de propriedade industrial faz-se, como dispõe o artigo 7.º do CPI, por meio de títulos, sendo que a Recorrente, conforme documento que se mostra junto com o requerimento inicial, deu cumprimento ao mesmo.
Assim, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, temos por demonstrada a titularidade do direito da marca nacional n.º 601819.
Aqui chegados, na falta de factos suscetíveis de permitir a este Tribunal ad quem conhecer do pedido, importa revogar a decisão proferida pelo Tribunal a quo e determinar o prosseguimento dos autos.
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V - Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão proferida pelo Tribunal a quo e determinando o prosseguimento dos autos.
Custas pela Recorrida.
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Lisboa, 27 de novembro de 2024
Bernardino Tavares
Eleonora Viegas
Paulo Registo