Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ESTER PACHECO DOS SANTOS | ||
Descritores: | MEDIDA DE COAÇÃO VIOLÊNCIA DOMÉSTICA PERIGO DE PERTURBAÇÃO DO INQUÉRITO PERTURBAÇÃO DA ORDEM E TRANQUILIDADE PÚBLICAS OPHVE PRISÃO PREVENTIVA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/07/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | Sumário: 1 – O tribunal de recurso não aprecia elementos de prova que não foram submetidos à apreciação do tribunal a quo aquando da prolação da decisão recorrida, uma vez que tal se traduziria em decidir ex novo sobre a questão. 2 – As diversas ameaças proferidas pelo arguido contra a vítima de modo a pressioná-la concretizam uma atuação de inegável perigo de perturbação do inquérito, na vertente de perigo para aquisição ou veracidade da prova. 3 - A prática do ilícito em observação - violência doméstica - é demonstrativa de uma personalidade agressiva e da falta de consideração da vítima pelo agressor, fundamentando a verificação em concreto de perigo de continuação da atividade criminosa. 4 - Encontra-se acerto no invocado perigo de grave perturbação da ordem e da tranquilidade públicas, já que se tem assistido a uma crescente consciencialização da sociedade para censura dos factos como os em apreço nos presentes autos, exigindo-se da máquina judiciária uma resposta eficiente. 5 – A medida de coação privativa da liberdade aplicada ao arguido, a que correspondem finalidades estritamente cautelares, mostra-se em conexão com os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade – art. 193.º do CPP -, bem como de acordo com o estatuído nos arts. 191.º, 192.º e 204.º do mesmo diploma legal, afigurando-se que, demonstrando o arguido descontrolo sobre as suas reações impulsivas e violentas, se restituído à liberdade, persistirá em delinquir. 6 – A medida de coação de obrigação de permanência na habitação, sujeita a meios de controlo à distância, não é suscetível de afastar tal possibilidade, visto que a continuação da atividade criminosa por parte do arguido não seria impedida, nem seriamente dificultada, na medida em que a criminalidade de natureza passional e emotiva como a presente, pelos impulsos que a movem, revela-se pouco sensível a medidas de controlo meramente eletrónico ou remoto, não sendo por isso de concretizar. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Em conferência, acordam os Juízes na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório 1. No Juízo de Instrução Criminal de Cascais, após primeiro interrogatório judicial de arguido detido, foram impostas a AA, melhor identificado nos autos, as medidas de coação de prisão preventiva e de proibição de contactos, por qualquer meio, com a vítima BB. 2. Recurso Arguido Recorreu o arguido, retirando da respetiva motivação, após convite ao aperfeiçoamento, as conclusões que se transcrevem: 1. O objeto processual dos presentes autos diz respeito à prática de factos que consubstanciam um crime de violência doméstica. 2. O ora recorrente, detido fora do flagrante de delito, foi sujeito a primeiro interrogatório judicial de arguido detido perante a Exma. Juiz de Instrução Criminal (em estágio), tendo sido aplicadas as seguintes medidas de coação: proibição de contactos com a vítima, termo de identidade e residência e prisão preventiva de acordo com os artigos 191.° a 193.°, 196.°, 200.°, n.° 1, alínea d), 202.°, n.° 1, alínea b) por referência à alínea j) do artigo 1.° e 204.°, alíneas b) e c), todos do Código do Processo Penal. 3. Foi com base no conteúdo da prova documental junta aos autos, bem como nas declarações da denunciante e arguido que a Exma. Sra. Juiz de Instrução Criminal (em estágio) determinou as medidas de coação que crê que respeitam os princípios da legalidade, proporcionalidade, subsidiariedade, necessidade e adequação, nos termos dos artigos 61.°, n.° 3, alínea d), 191.°, n.° 1, 193.°, n.° 1 e 2, 201.°, 202.° e 204.° do Código do Processo Penal e dos artigos 18.°, n.° 2 e 3, 27.° e 28.°, n.° 2 da Constituição da República Portuguesa. 4. O arguido é vítima de uma relação que hoje reconhece como tóxica e de uma apreciação superficial dos indícios conhecidos pelo tribunal a quo. 5. A hiperbolização das declarações da alegada vítima presentes na denúncia que apresentou constitui uma conclusão inevitável após a leitura dos aditamentos n.° 14 e 15 que se encontram aos autos. 6. Fundamentou o tribunal a quo a decisão no discurso de desculpabilização, entre outros aspetos. 7. É reconhecido pelo arguido, aqui recorrente, a realidade de uma relação vivida num contexto crispado e de violência verbal, alimentado por ambas as partes. 8. Foi referido pelo arguido que era acompanhado pela Prof. Dra. CC, médica-psiquiatra. O arguido replicou sumariamente a análise feita pela sua médica-psiquiatra sem nenhuma reserva numa clara tentativa de explicar ao tribunal a quo que, em primeiro lugar, tinha procurado ajuda de um especialista e, por outro lado, transmitiu uma posição de alguém com conhecimento técnico sobre a relação do arguido com a denunciante. 9. Ora, a médica-psiquiatra terá mais conhecimento de causa do que o tribunal a quo ao qual a Exma. Sra. Juiz de Instrução Criminal não deveria ter ignorado. Por outro lado, cumpre afirmar categoricamente que o reconhecimento de culpa surge na pessoa do recorrente quando o mesmo decidiu procurar ajuda médica. 10. Mais, o processo de reconhecimento do recorrente resultou também nos 7 pedidos de divórcio por mútuo consentimento que iniciou na plataforma do Registo Civil Online que se encontram junto aos autos, assim como a justificação da denunciante para recusar o divórcio por mútuo consentimento. 11. O tribunal a quo aplicou a prisão preventiva como medida de coação, ignorando os princípios que norteiam a determinação das medidas de coação, ignorando assim outras medidas de coação que têm obrigatoriamente de ser aplicadas dado que se encontram os princípios da adequação e necessidade verificados com uma medida de coação não privativa de liberdade. 12. Não está indiciado o perigo de fuga nem tão pouco a continuação da atividade criminosa uma vez que a proibição de contactos revela-se suficiente para evitar em encontros pessoais ou intimidações através de meios de comunicação entre arguido e denunciante. Mas, para além disso, no caso concreto é o próprio recorrente que pretende o afastamento da denunciante, conforme declarado pelo próprio em sede de interrogatório judicial de arguido detido. 13. As medidas de coação devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas, porém o tribunal violou grosseiramente tais princípios norteadores da determinação das medidas de coação. Nestes termos, e nos demais em Direito que V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa, requer-se que: a. Seja revogada a decisão do Tribunal de Instrução Criminal de Cascais que decretou a prisão preventiva ao recorrente; b. Seja proferido o Douto Acórdão que aplique uma medida de coação menos gravosa, sendo bastante para a satisfação das necessidades cautelares, a aplicação da obrigação de permanência na habitação, segundo o disposto no artigo 201.° do Código do Processo Penal. 3. O Ministério Público apresentou resposta ao recurso, pugnando pela sua improcedência, rematando com as seguintes conclusões: (…) 2. Não é admissível ao recorrente juntar na fase recursiva elementos novos que não juntou antes da decisão recorrida do tribunal a quo, a qual pretende ver reapreciada tendo por base esses mesmos elementos. 3. O recorrente, no exercício do seu direito de defesa, tem à sua disponibilidade os meios processuais adequados para apresentação de elementos probatórios ou de outra índole que não constem do processo e que considere essenciais à sua defesa e à melhor definição do seu estatuto coactivo, a saber: i) o arguido, no decurso do primeiro interrogatório judicial de arguido detido, pode requerer a junção dessas provas/elementos (ou, alternativamente e se os não puder apresentar de imediato, requerer prazo razoável para que seja tal prova apresentada e submetida à apreciação do juiz de instrução criminal para junção); ou ii) o arguido, caso apenas venha a apresentar essas provas/elementos supervenientemente (i.e., após prolação da decisão que aplicou as medidas de coacção), pode requerer a alteração da medida de coação, com base nesses elementos que não foram apresentados no primeiro interrogatório judicial de arguido detido ou em factos supervenientes, nos termos do art. 212° do Código de Processo Penal. 4. A medida de prisão preventiva era e é a única suscetível de acautelar os vários perigos que se verificam no caso concreto, quais sejam os perigos de continuação da actividade criminosa, de grave perturbação da ordem e tranquilidade públicas e de perigo de perturbação do inquérito na vertente de aquisição e conservação da prova. 5. A medida de coacção de prisão preventiva é necessária, adequada e proporcional, perfilando-se, de entre as medidas de coacção legalmente previstas, como a única capaz de satisfazer as exigências cautelares que o caso requer, 6. A decisão de aplicação da medida de coacção de prisão preventiva não merece qualquer reparo, de facto ou de direito, encontrando-se devidamente fundamentada. 4. Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, acompanhando a resposta do Ministério Público junto da 1.ª instância, no sentido de que o recurso não merece provimento. 5. Cumprido o disposto no art. 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (adiante designado de CPP), não foi apresentada resposta. 6. Foram os autos à conferência. Cumpre apreciar e decidir. II – Fundamentação 1. Objeto do recurso De acordo com o estatuído no art. 412.º do CPP e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem deve apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no art. 410.º n.º 2 CPP. No caso concreto, face às conclusões extraídas pelo arguido da motivação do recurso interposto, cumpre apreciar as seguintes questões: • Questão prévia: da admissibilidade da junção de documentos na fase de recurso. • Da excessividade e desproporcionalidade da medida de coação de prisão preventiva aplicada ao recorrente e consequente substituição por outra menos gravosa, como a medida de coação de obrigação de permanência em habitação, sujeita a meios de controlo à distância. 2. Despacho recorrido É do seguinte teor o despacho recorrido, conforme consta do auto de 1.º interrogatório judicial de arguido detido (ref. 158234955, 18.06.2025): I. Pressupostos Legais da Detenção O arguido foi detido fora de flagrante delito, na sequência de mandados de detenção emitidos pela autoridade de polícia criminal. A detenção foi legal porque efetuada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 254.°, do Código de Processo Penal (doravante, “CPP”), sendo por isso validada. Foi respeitado o prazo de 48 horas para a apresentação do arguido a este JIC, nos termos do disposto no artigo 254.°, do CPP. O arguido foi cabalmente informado dos direitos referidos no n.° 1, do artigo 61.°, do CPP, bem como dos factos que concretamente lhe são imputados, as circunstâncias de tempo, lugar e modo e os elementos do processo que os indiciam. II. Factos Indiciados Estão fortemente indiciados todos os factos que vêm infra descritos nesta ata e que integralmente foram comunicados ao arguido nos termos do disposto no artigo 141.°, do CPP: 1. O arguido AA e a vítima BB iniciaram uma relação de namoro em ... de 2023. 2. No dia ... de ... de 2023 o arguido e a vítima contraíram matrimonio entre si e fixaram residência na .... 3. A vítima não mantém ocupação profissional desde ... de 2023, dependendo economicamente dos rendimentos do arguido. 4. A vítima padece de stress pós-traumático grave. 5. O relacionamento entre ambos foi pautado desde o seu início por diversas discussões, motivadas por diversos motivos, quer seja financeiros e relativos às despesas correntes, quer seja pelo facto de a vítima não trabalhar, quer por ciúmes, no âmbito das quais o arguido e a vítima falam num tom de voz alto e agressivo. 6. No decurso das referidas discussões, o arguido dirige-se à vítima dizendo “és uma puta do caralho”, “és uma porca”, “és uma filha da puta” e esta responde-lhe apodando-o de “és um porco”, “és um filho da puta” e “não vales nada” e ambos arremessam objectos contra as paredes e chão da habitação. 7. Discussões que ocorrem normalmente após o casal ingerir bebidas alcoólicas em excesso. 8. Acontece que, desde pelo menos, ... de ... de 2024, o arguido passou no seio da discussões encetadas com a vítima a agredi-la fisicamente, desferindo-lhe pontapés, empurrões e puxões de cabelo, que motivaram a apresentação de denúncia que deu origem ao inquérito n.º 262/24.8..., que mereceu despacho de arquivamento datado de ........2024, na sequência da apresentação de desistência de queixa da vítima. 9. No dia 22 de Junho de 2024, o arguido e a vítima deslocaram-se à ..., tendo o arguido permanecido numa esplanada a ingerir bebidas alcoólicas enquanto a vítima permanecia deitada no areal. 10. A meio da tarde o arguido começou a contactar telefonicamente à vítima exigindo-lhe que se fossem embora, após o que a vítima se dirigiu na sua direcção e, quando se aproximava do arguido, este disse-lhe “vens comigo ao Rock in Rio, que é para isso que te pago, és uma puta, só sabes fazer broches”. 11. Seguidamente, o casal dirigiu-se para a habitação comum, eram cerca das 16h00m, aí chegado, no interior do escritório, o arguido agarrou a vítima pelos cabelos, na zona da nuca, com uma das suas mãos e exerceu força direcionando a cabeça da vítima para o chão, forçando-a a dobrar-se e, simultaneamente, desferiu um número não concretizado de pontapés na cabeça e dizia-lhe “grita agora sua puta!”. 12. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, a vítima sofreu edema do lábio inferior com escoriação na mucosa, escoriação no mento, hematomas no couro cabeludo. 13. Após agredir a vítima, do modo descrito, o arguido disse-lhe que “devia ter levado mais”, que só não lhe bate mais por ele, não por ela, que “é das barracas”, merece sofrer muito mais do que sofre, vai acabar num buraco, sem dinheiro e feia e que a sua mãe teve um AVC por sua culpa, que “é uma vaca de merda” e “faz um favor à Humanidade se se matar”, “anormal”, relembra-a que não tem amigos, nem ninguém porque está abaixo de lixo, vai pagar e vai ficar cada vez mais horrível, está com ela para lhe fazer um favor, que é “uma puta, uma vaca, um monte de merda, uma doente”. 14. No dia ... de ... de 2024, o casal decidiu ir jantar em ..., onde a vítima encontrou um amigo de infância com que se quedou a conversar, o que não agradou o arguido. 15. No seguimento, quando chegavam à habitação comum, o arguido, de súbito, mudou o semblante e sem que nada o fizesse prever agarrou a vítima pelos cabelos, puxando-os com força enquanto lhe dizia “vou-te matar”, “vou-te desfigurar”, “ninguém vai olhar para ti”, “puta”, “monte de merda”, “vais ter um acidente” gesticulando o símbolo das “aspas” com os dedos da mão, “se fores à Polícia, vou te matar e vais sofrer”, “vou-te internar!”. 16. No dia ... de ... de 2025, pelas 07h00m, o arguido deslocou-se à habitação comum, em estado ébrio, onde não conseguiu entrar por a vítima se ter trancado no seu interior, temendo ser agredida. 17. A ... de ... de 2025, no interior da habitação comum, o arguido iniciou uma discussão com a vítima, por ter visualizado fotografias suas no website de conteúdos para adultos, www.eurogirlsescort.com, acusando-a de ser acompanhante de luxo e apodando-a de “prostituta”. 18. No dia ... de ... de 2025, após terem ido jantar, o arguido e a vítima, na companhia de uns amigos daquele, deslocaram-se para a residência do casal, onde o arguido e os seus amigos consumiram produtos estupefacientes. 19. Pelas 11h00m do dia seguinte, sozinhos na habitação, o arguido dirigiu-se na direcção da vítima e disse-lhe “como é que é vais me dar a cona ou tenho que ir às putas?”, tendo sido informado pela vítima que não pretendia manter relações sexuais consigo por se encontrar sob efeito de estupefacientes. 20. Acto continuo, o arguido agarrou no telemóvel e informou que estaria a combinar encontros com prostitutas, retorquindo-lhe a vítima “que queres que te diga? Que queres que faça?”. 21. Seguidamente, o arguido disse à vítima “és uma puta, és uma vaca, toda a gente sabe o balde de merda que és e nunca ninguém vai acreditar em ti”, “a minha ex e mais vinte testemunhas são a meu favor e a minha ex diz tudo o que eu quiser porque ainda me ama é não é uma merda como tu”, “tenho já o gajo que te vai mandar ácido para a cara, é um amigo do DD”, “toda a gente te odeia, és uma merda, ninguém gosta de ti”, “és uma doente, vou-te internar e pedir para ser teu tutor”. 22. Palavras que o arguido tem vindo a repetir, nos últimos dias, por diversas vezes à vítima, anunciando-lhe que a desfigurará a sua face e que assim não irá conseguir ter mais relações com outros homens. 23. Após, os factos descritos em 21, o arguido abandonou a habitação, regressando pela hora do almoço, munido de uma pizza, com a qual, sem que nada o fizesse prever, se dirigiu na direcção da vítima, que se encontrava a dormir na cama, e lançou-lhe diversas fatias de pizza à cara na direcção da face da vítima. 24. Seguidamente, o arguido apercebendo-se que a vítima tinha colocado o seu telemóvel a gravar, colocou-se em cima da vítima, agarrou-a pelos cabelos puxou-a na direccção do solo, onde aproximou a face da vítima e desferiu-lhe um número não concretizado de pancadas na cabeça, concretamente na zona da nuca e do pescoço. 25. Enquanto assim procedia, o arguido com os dentes cerrados dizia-lhe “vou-te matar sua puta, se gritas levas mais!”, “para de gritar”, “se fores para a Polícia rebento-te toda e persigo-te o resto da vida. Em Portugal é só apanhar um voo que os crimes prescrevem. No crime de violência doméstica ninguém faz nada por isso posso fazer quando bem me apetecer, eu pago a advogados e a polícias também porque são uns merdas e ganham pouco.”, “não grites!”, “onde é que tá o telefone?”, “eu juto que te parto a puta da boca, men!”, “vais fazer queixa?” (…), “jura pela tua mãe, sua puta de merda!”. 26. Após o arguido agarrou no telemóvel da vítima e apagou as gravações de áudio que aquela tinha efectuado. 27. O arguido abandonou de seguida o local, deixando a vítima à sua sorte. 28. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, a vítima sofreu eritema da hemiface direita, hematomas na região occipital e quimoses peri-orbitária à esquerda e região retroaricular à esquerda e edema na região paracervical direita. 29. Naquela ocasião a vítima acreditou que iria morrer às mãos do arguido. 30. No dia seguinte, o arguido referindo-se às agressões acima descritas, disse à vítima “pela puta da minha saúde que se achas que isto é alguma coisa e se falares com a Polícia ou eu tiver algo a nível criminal, juro que vais ver o que é que é um espancamento”, “o irmão do EE mandou ácido à cara da namorada e está cá fora.”, “achas que eles te protegem?”, “isso é o que eles dizem!”, “Vais te lixar e quem estiver contigo”, “vou-te matar” e desfigurar-te e vais ter vários acidentes achas que me vão fazer o quê? Quando muito uma pulseira electrónica ou afastamento e eu tenho formas”. 31. O arguido agiu reiteradamente e com o propósito concretizado de maltratar física e psicologicamente a sua esposa, sabendo que a sua conduta era apta a humilhá-la, a ofendê-la na sua honra e consideração, a perturbar e lesar a sua integridade física causando-lhe lesões e sofrimento, e a cercear a sua liberdade de movimentos, e que dessa forma, afetava a dignidade pessoal e a saúde da ofendida. 32. O arguido agiu com o propósito, concretizado, de molestar o corpo e a saúde da vítima e de lhe provocar as lesões verificadas, bem como sofrimento, o que quis e conseguiu. 33. Fê-lo com total indiferença aos deveres de respeito e cooperação para com a sua esposa, sem qualquer consideração pela condição de saúde da mesma e com o fim exclusivo de fazer valer a sua vontade pelo recurso à violência e de a intimidar, rebaixar e enxovalhar, causando-lhe sofrimento e fazendo-a sentir-se diminuída enquanto pessoa e mulher. 34. Ao proferir as expressões descritas, o arguido agiu com o propósito de amedrontar e assustar a vítima, o que quis e conseguiu, bem sabendo que as referidas expressões, eram, pelo seu teor, tom sério e contexto em que foram proferidas, de acordo com a experiência comum, susceptíveis de causar medo e inquietação na vítima, como efetivamente causaram, com isso fazendo-a recear pela sua vida, perturbando a tranquilidade daquela e afectando-a na sua liberdade. 35. Ao actuar na residência comum do casal, o arguido sabia que ampliava o sentimento de medo da vítima visto que violava o espaço reservado da vida privada do casal. 36. O arguido agiu sempre de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal. Mais indiciam os autos que: - O arguido continua a residir com a vítima. - O certificado de registo criminal do arguido averba as seguintes condenações: i. Por um crime de trafico de estupefacientes, com data de transito em julgado em 30-09-2015, com pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período com regime de prova, já extinta; ii. Por um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, com data de trânsito em julgado em 14-04-2016, com pena de multa e pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados, já extintas; iii. Por um crime de desobediência, com data de trânsito em julgado em 17-02-2017, com pena de multa e pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados, já extintas; iv. Por um crime de desobediência, com data de trânsito em julgado em 19-12-2018, com pena de 3 meses de prisão substituída por multa e pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados, já extintas; v. Por um crime de desobediência, com data de trânsito em julgado em 05-01-2023, com pena de 7 meses de prisão, suspensa pelo período de 2 anos e 6 meses, e pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados, já extintas. - O arguido é empresário na área da ..., sócio-gerente da sociedade ..., auferindo em média cerca de €3.000,00 mensais. - O arguido consome, ocasionalmente, cocaína e MDMA. - Tem acompanhamento em consultas de psiquiatria com periodicidade mensal. * III. Factos Não Indiciados Inexistem. IV. Motivação A prática dos factos pelo arguido resulta suficientemente indiciada pelos elementos documentais juntos aos autos, mormente: - Certidão extraída dos autos de inquérito n.° 262/24.8...; - auto de notícia de fls. 17; - informação de serviço de fls. 32 e 33; - certidão do assento de nascimento da vítima de fls. 34 a 35; - certidão do assento de nascimento do arguido de fls. 36 a 37; - cópia do despacho de arquivamento proferido no inquérito n.° 262/24.8... de fls. 39 a 42; - aditamento n.° 3 de fls. 50; - aditamento n.° 4 de fls. 54; - aditamento n.° 7 de fls. 55; - mensagens de correio electrónico de fls. 60 a 62; - aditamento n.° 6 de fls. 65; - aditamento n.° 8 de fls. 66; - mensagem de correio electrónico de fls. 69; - ficheiro áudio anexo à mensagem de correio electrónico de fls. 69; - aditamento n.° 9 de fls. 72; - ficheiros contidos no cd-rom de junto a fls. 72; - aditamento n.° 13 de fls. 79; - mensagem de correio electrónico de fls. 83 a 85; - resumo do episódio de urgência de fls. 84 a 92; - auto de transcrição de SMS/áudios de fls. 93 a 98 - CRC do arguido. Bem como elementos de natureza testemunhal, mormente BB, melhor identificada a fls. 56 e 81; FF, melhor identificado na certidão extraída do inquérito n.° 262/24.8...; e GG, melhor identificada na certidão extraída do inquérito n.° 262/24.8... Por seu turno, o arguido prestou declarações sobre os factos, tendo, em suma, admitido a prática de alguns dos factos, nomeadamente ter proferido algumas ofensas verbais contra a vítima (“és uma puta do caralho”, “és uma porca”, “és uma filha da puta”, “doente”), como a tendo ameaçado, ainda que em contexto de discussão, com expressões como “vou-te matar”. Por outro lado, confirmou ainda o arguido ter desferido diversas chapadas de mão aberta na vítima, em ocasião que situou em ... ou ... de 2024, bem como, no passado dia ...-...-2025, ter atirado contra a mesma fatias de pizza; como também, em ocasião que não enquadrou temporalmente, ter agarrado na zona do pescoço/nuca da vítima para fazer com que a mesma parasse de gravar com o seu telemóvel o arguido. O arguido ainda descreveu o relacionamento entre si e a vítima como bastante tóxico, manifestando vontade de separar-se da mesma, referindo que apenas não o terá feito até à atualidade por manipulações por parte da vítima, demonstrando-se especialmente preocupado em transmitir que é o próprio que já não tem interesse em manter o referido relacionamento. Ora, o Tribunal, pese embora tenha dado credibilidade à admissão parcial dos factos por parte do arguido, não poderá deixar de referir que as declarações do mesmo são valoradas com reservas, uma vez que o arguido apresentou um discurso de desculpabilização significativo, afirmando por diversas vezes que apenas reagia de forma mais agressiva com a vítima, devido ao comportamento da mesma, apresentando descontrolo e dependência emocional em relação à vítima. Ademais, as declarações do arguido não mereceram qualquer credibilidade no que respeita à quantidade de agressões físicas desferidas pelo mesmo à vítima, porquanto a prova documental aponta em sentido absolutamente diverso (como tendo sido mais do que apenas uma única ocasião), não se tendo retirado das declarações do arguido a sua devida autocensura pela gravidade dos factos. Por fim, quanto às condições pessoais do arguido e antecedentes criminais, o tribunal valorou as declarações do mesmo e o certificado de registo criminal junto aos autos. * V. Enquadramento Jurídico Indiciam os autos a prática pelo arguido, de: - Um crime de violência doméstica agravado, previsto e punido pelo artigo 152.°, n.° 1, al. a) e n.° 2, al. a), do Código Penal. Cumpre referir que o crime de violência doméstica pelo qual o arguido vem fortemente indicado prevê pena de prisão de dois a cinco anos. VI. Perigos Indiciados Cumpre apreciar neste momento a necessidade de aplicação de medidas de coação ao arguido, tendo em conta as exigências cautelares requeridas no caso presente. A aplicação de medidas de coação deve pautar-se pelos princípios da legalidade, proporcionalidade, subsidiariedade, necessidade e adequação (cf. artigos 61.°, n.° 3, al. d), 191.°, n.° 1, 193.°, n.°s 1 e 2, 201.°, 202.° e 204.° todos do CPP, bem como 18.°, n.°s 2 e 3, 27.° e 28.°, n.° 2, todos da Constituição da República Portuguesa). No que concerne aos requisitos gerais para aplicação das medidas de coação, esses encontram-se previstos no artigo 204.° do CPP, sendo que, à exceção da medida de termo de identidade e residência, é necessário, em concreto, verificar-se uma fuga ou perigo de fuga; ou/e perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e para aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou/e perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime, ou da personalidade do agente, de que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas. Significa tudo isto que a determinação da medida de coação adequada ao caso concreto deverá ser acompanhada de uma apreciação das necessidades de natureza processual que em concreto urge acautelar. Baixando aos autos, o Ministério Público promoveu a aplicação da medida de coação de proibição de contactos e proibição de permanência na residência da vítima e de todos os locais frequentados pela mesma, fiscalizada por meios de controlo à distância, bem como apresentações diárias na esquadra da área de nova residência, correspondente à morada fiscal; tendo a defesa manifestado concordância com a promoção do Ministério Público. O crime de violência domestica suscita cautelas dado que se desenvolve em ambiente de tensão emocional e propício à continuação da atividade criminosa, sendo certo que, em concreto, o relacionamento entre arguido e a vítima tem sido marcado por violência verbal, psicológica e física. Por seu turno, o arguido tem diversos antecedentes criminais, o que demonstra uma personalidade desviante ao Direito, desafiadora das normas vigentes na nossa sociedade, e que pese embora após diversas condenações, mantém a prática de condutas ilícitas. Por outro lado, o arguido além de consumir substâncias estupefacientes e álcool, o que torna necessariamente os seus comportamentos mais imprevisíveis, demonstra uma postura descontrolada em relação à vítima e uma incapacidade de sair voluntariamente de um relacionamento que manifestamente o próprio considera tóxico, desenvolvendo-se as situações de conflito, do que resulta dos autos, maioritariamente em contexto privado, ou seja, dentro da própria residência. Assim, verifica-se que o perigo de continuação da atividade criminosa se encontra extremamente patente, porquanto mantendo o contacto próximo entre o arguido e a vítima, dúvidas não existirão de que o mesmo continuará a praticar factos ilícitos, como tem vindo a fazer, uma vez que a sua relação com a vítima é pautada por conflitos, com agressões físicas perpetradas pelo arguido contra a vítima. Ademais, o arguido ao demonstrar uma incapacidade em se afastar voluntariamente da vítima, como já podia tê-lo feito anteriormente, revela que a qualquer momento poderá proporcionar novamente uma aproximação entre ambos. Os factos em concreto aqui em discussão são de grande gravidade, porquanto além de ofensas verbais frequentes e ameaças de morte, encontram-se indiciadas diversas agressões físicas contra a vítima. Assim, o perigo de continuação da atividade criminosa urge ser acautelado, já que não são raras as vezes que as consequências deste tipo de conflitos são das mais gravosas e imprevisíveis, sendo absolutamente necessário pôr termo ao ciclo de violência. Por outro lado, considera-se ser de acautelar igualmente o perigo de perturbação grave da ordem e da tranquilidade públicas, porquanto o crime de violência doméstica causa, na sociedade atual, um enorme alarme social junto da população em geral, sendo um crime frequentemente praticado no nosso país, criador de sentimentos de insegurança e intranquilidade. Por último, afigura-se existir um forte perigo de perturbação do decurso do inquérito na vertente de perigo para aquisição ou veracidade da prova, dado que o arguido tendo já proferido diversas ameaças contra a vítima poderá pressionar a mesma de forma a não prestar ulteriores declarações nos autos. Como tal, face ao crime fortemente indiciado, perigos e circunstâncias acima enunciadas apenas uma medida detentiva revela-se proporcional, necessária e adequada ao caso concreto. Contrariamente ao disposto no artigo 193.°, n.° 3, do CPP, a obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica não satisfaz as necessidades cautelares, pois a intensidade com que manifesta o perigo de continuação da atividade criminosa e de perturbação do decurso do inquérito não se bastaria com a aplicação de uma medida de mero controlo eletrónico, a qual seria manifestamente inadequada e insuficiente, uma vez que o arguido poderia manter contactos facilmente com a vítima, por diversos meios, sendo que, ademais, revelando o arguido dificuldade no controlo dos impulsos e descontrolo emocional em relação à vítima, tal medida poderia ser potencializadora para o arguido perpetrar as suas condutas contra a vítima. Como tal, a reiteração dos comportamentos pelo arguido e, sobretudo, a ausência de consciencialização da gravidade dos mesmos por parte do arguido que, continua, ao longo do tempo a praticar ilícitos criminais, levam à conclusão que a única medida adequada, proporcional e suficiente para acautelar os perigos acima elencados é a de prisão preventiva (cf. artigos 191.° a 193.°, 196.°, 202.°, n° 1, al. b), por refa à al. j) do artigo 1.°, e 204.° als. b) e c), todos do CPP). Por fim, importa ainda determinar a proibição de contactos, por qualquer meio, com a vítima, a fim de se acautelar os perigos suprarreferidos (cf. artigo 200.°, n.° 1, al. d), do CPP). VII. Medidas de Coação Face às circunstâncias acima enunciadas, revelam-se proporcionais, necessárias e adequadas ao caso concreto as seguintes medidas: - TIR já prestado; - Proibição de contactos, diretamente ou por intermédio de terceiros e por qualquer meio, com a vítima; - Prisão preventiva. Tudo nos termos dos artigos 191.° a 193.°, 196.°, 200.°, n.° 1, al. d), 202.°, n°. 1, al. b), por ref.. à al. j) do artigo 1.°, e 204.° als. b) e c), todos do CPP. (…) *** 4. Apreciando a) Questão prévia Conforme deixámos consignado em exame preliminar (cf. despacho de 1.10.2025), a peça processual que se mostra em apreciação corresponde à motivação de recurso apresentada pelo arguido no passado dia 17.07.2025 (ref. 28283344), agora com conclusões aperfeiçoadas. Com a apresentação dessas alegações juntou o arguido seis novos documentos e dois ficheiros de áudio (que foi descrevendo ao longo dessa peça recursiva). Contudo, o tribunal de recurso não aprecia elementos de prova que não foram submetidos à apreciação do tribunal a quo aquando da prolação da decisão recorrida, uma vez que tal se traduziria em decidir ex novo sobre a questão. Tanto não foi tido em conta pelo recorrente, inclusive no que se refere aos aditamentos n.ºs 14 e 15 (cf. conclusão 5) que, como o próprio reconhece (cf. parágrafo 11 da motivação), foram juntos aos autos após a prolação do despacho recorrido. Em outras palavras, e conforme bem refere o Ministério Público em resposta ao recurso, “o arguido/recorrente, no exercício do seu direito de defesa, já tem à sua disponibilidade os meios processuais adequados para apresentação de elementos probatórios ou de outra índole que não constem do processo e que considere essenciais à sua defesa e à melhor definição do seu estatuto coactivo, a saber: i. o arguido, no decurso do primeiro interrogatório judicial de arguido detido, pode requerer a junção dessas provas/elementos (ou, alternativamente e se os não puder apresentar de imediato, requerer prazo razoável para que seja tal prova apresentada e submetida à apreciação do juiz de instrução criminal para junção); ii. o arguido, caso apenas venha a apresentar essas provas/elementos supervenientemente (i.e., após prolação da decisão que aplicou as medidas de coacção), pode requerer a alteração da medida de coação, com base nesses elementos que não foram apresentados no primeiro interrogatório judicial de arguido detido ou em factos supervenientes, nos termos do art. 212° do Código de Processo Penal. Melhor dizendo, os recursos não servem para discutir questões novas, pois que isso seria assumir uma nova dimensão de prova que não se mostra contemplada em sede de recurso ordinário. Por conseguinte, resta-nos concluir pela inadmissibilidade da junção de tal documentação nesta fase processual, atenta a respetiva extemporaneidade. Consequentemente, os mesmos não serão considerados. b) Do recurso Em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, foram aplicadas ao recorrente as medidas de coação de prisão preventiva e de proibição de contactos com a vítima. Apenas a primeira é contestada pelo recorrente, observando que “o presente recurso (…) tem o objetivo de demonstrar (…) que o circunstancialismo não exige cautelarmente a reclusão do recorrente, mas sim o afastamento da denunciante (…)” (cf. parágrafo 73 da motivação). É disso que se trata, pois que analisando as conclusões de recurso é manifesto que o arguido não coloca em crise a existência de indícios da prática do crime que lhe é imputado, decorrendo, aliás, das respetivas alegações “o que o recorrente entende sobre o crime de violência doméstica, o seu envolvimento com os factos dos autos e a necessidade de corrigir a sua conduta sabendo agora que nenhuma causa provocada pelo outro elemento do casal justifica qualquer agressão física ou verbal” (cf. parágrafo 57 da motivação). Ou seja, do seu ponto de vista, existiriam outras medidas de coação menos gravosas do que a prisão preventiva, como a medida de coação de obrigação de permanência em habitação, sujeita a meios de controlo à distância, cuja aplicação requer em substituição. De qualquer modo, e independentemente de resultar das declarações prestadas pelo arguido (a cuja audição procedemos) que o mesmo também se considera vítima de uma relação conjugal com contornos de toxicidade, nada temos a apontar à análise crítica dos indícios que fundamentaram a imputação ao arguido de um crime de violência doméstica agravado, previsto e punido pelo artigo 152.°, n.° 1, al. a) e n.° 2, al. a), do Código Penal, que assentou na ponderação do conjunto dos elementos de prova recolhidos nos autos (prova documental e prova testemunhal). Assim considerando, e sem prejuízo de melhor investigação, certo é que à data da prolação do despacho recorrido não se consegue explicar de outra forma os elementos de prova carreados para os autos, mesmo que os mesmos assentem fundamentalmente na versão da ofendida, resultando, aliás, que o arguido admitiu parcialmente a prática dos factos. Perante esses indícios, que também nós consideramos fortes, nenhum reparo cumpre realizar ao despacho recorrido ao concluir pela indiciada prática pelo arguido do crime em questão, porquanto, com base naqueles, a probabilidade de condenação é, pelo menos, maior do que a de absolvição. Aqui chegados, sabemos que as necessidades processuais de natureza cautelar a que as medidas de coação procuram dar resposta resultam da existência dos perigos elencados nas três alíneas do artigo 204.º do CPP. No caso dos autos, o despacho recorrido fundamentou a aplicação da medida de coação de prisão preventiva ao arguido naqueles a que se referem as als. b) e c) da disposição legal em apreço, concretamente, “perigo de continuação da actividade criminosa, perigo de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas, perigo de perturbação do decurso do inquérito na vertente de perigo para aquisição ou veracidade da prova”. Ora, para além de se mostrar concretizada uma atuação de inegável perigo de perturbação do inquérito, dado que o arguido já proferiu diversas ameaças contra a vítima de modo a pressioná-la (cf. factualidade indiciada em 25 e 30), dúvidas inexistem, olhando ao tipo de crime em apreço, mostrar-se mais que justificada a invocação de perigo de continuação da atividade criminosa. É que a prática do ilícito em observação (violência doméstica) é demonstrativa de uma personalidade agressiva e da falta de consideração da vítima pelo agressor, fundamentando a verificação em concreto de perigo de continuação da atividade criminosa, sendo por isso pertinentes todas as considerações a esse propósito tecidas na decisão recorrida. De igual modo, encontra-se acerto no invocado perigo de grave perturbação da ordem e da tranquilidade públicas, já que se tem assistido a uma crescente consciencialização da sociedade para censura dos factos como os em apreço nos presentes autos, exigindo-se da máquina judiciária uma resposta eficiente. Acresce, nos termos salientados pelo Ministério Público em resposta ao recurso, que, no caso vertente, “a verificação do perigo em causa se encontra directamente relacionada com o perigo de continuação da actividade criminosa já antes verificado. Com efeito, perante a gravidade da conduta indiciada nos autos, e bem assim a personalidade violenta e intempestiva do arguido que a mesma evidencia, justifica-se a conclusão de que em concreto é de recear que o arguido possa, num momento futuro, vir a reiterar conduta de índole similar, a qual tem evidentes repercussões negativas que colocam em perigo a ordem e a tranquilidade públicas.” Verificando-se em concreto esses perigos, afigura-se-nos que a medida de coação imposta não se mostra desproporcionada à gravidade dos factos e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas, pois que através dela se procura proteger a vítima e obstar a que o arguido encete novas condutas contra a mesma. Na verdade, da análise que realizamos não verificamos, à data da prolação do despacho recorrido, qualquer exceção que permitisse convocar outras medidas cautelares menos gravosas, mesmo que conjugadas com a proibição de contactos com a vítima a que o arguido já se mostra sujeito. Ademais, e conforme observado pelo Ministério Público em resposta ao recurso, “parece que nem o próprio recorrente contesta a necessidade de lhe ser aplicada uma medida de coacção de natureza detentiva para obviar aos perigos assinalados, pois que pugna pela aplicação da obrigação de permanência na habitação”. Ou seja, a medida de coação privativa da liberdade aplicada ao arguido, a que correspondem finalidades estritamente cautelares, mostra-se em conexão com os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade – art. 193.º do CPP -, bem como de acordo com o estatuído nos arts. 191.º, 192.º e 204.º do mesmo diploma legal, afigurando-se evidente que, demonstrando o arguido descontrolo sobre as suas reações impulsivas e violentas, se restituído à liberdade, persistirá em delinquir. E nem se diga que a obrigação de permanência na habitação, sujeita a meios de controlo à distância, seria suscetível de afastar tal possibilidade, visto que a continuação da atividade criminosa por parte do arguido não seria impedida, nem seriamente dificultada, na medida em que a criminalidade de natureza passional e emotiva como a presente, pelos impulsos que a movem, revela-se pouco sensível a medidas de controlo meramente eletrónico ou remoto, não sendo por isso de concretizar. O que está em causa é afastar a possibilidade de repetição de comportamentos semelhantes, sendo que a permanência na habitação, na prática, ainda que controlada eletronicamente, não tem a virtualidade de impedir a continuação, por parte do arguido, de atividade criminosa da natureza daquela que se encontra fortemente indiciada. Em conclusão, encontram-se preenchidos os pressupostos legalmente exigidos para que ao arguido recorrente pudesse ser aplicada a medida de coação em causa - arts. 191.º, 192.º, 193.º, 202.º, n.º 1, al. b), por referência a criminalidade violenta (art. 1.º, al. j) do CPP), e 204.º, n.º 1, als. b) e c), todos do CPP. Nessa medida, nenhum reparo cumpre realizar ao despacho recorrido, sendo o mesmo de manter. III – Decisão Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA confirmando a decisão recorrida. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC´s. Notifique. * Comunique-se de imediato à 1ª instância, com cópia. * Lisboa, 7 de outubro de 2025 (texto processado e integralmente revisto pela relatora – artigo 94.º, n.º 2 do Código de Processo Penal) Ester Pacheco dos Santos Pedro José Esteves de Brito Alexandra Veiga |