Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | TERESA ALBUQUERQUE | ||
Descritores: | EMBARGOS DE TERCEIRO INDEFERIMENTO LIMINAR REQUISITOS | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/12/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | REVOGADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | I -Numa oposição à penhora por embargos de terceiro, em que o embargante refere que os bens que foram objecto da mesma estão na sua residência, sendo ele proprietário de uns e comodatário de outros, a circunstância da executada ser sociedade de que o embargante é sócio gerente, de ter sede na residência deste, e dos bens em causa serem constituídos, na sua essencialidade, por equipamento informático e mobiliário que aparenta ser de escritório, sem que o embargante haja invocado factos de que resultasse destruída, ou pelo menos enfraquecida, a equivocidade destas vivências cruzadas, não deve implicar o indeferimento liminar a petição com fundamento em inviabilidade manifesta do pedido. II -Os factos invocados pela embargante, embora necessitem de ser complementados por outros que venham a traduzir a sua específica posse sobre esses bens, apresentam-se como suficientes para não merecerem o indeferimento liminar, porque permitem, apesar de tudo, que a petição inicial cumpra a sua função individualizadora identificando a situação jurídica alegada na acção com o que resulta assegurada à contraparte a possibilidade de uma defesa eficaz. III- Com efeito, relativamente aos bens que o embargante refere como tendo sido por ele adquiridos, está manifestamente a querer fazer valer um direito incompatível com a penhora como o é o direito de propriedade, bastando que se afirme como proprietário dos bens penhorados para que se mostre suficientemente individualizada a sua pretensão de oposição à penhora e elidida a presunção que advém do art 842º do CPC no sentido de que os bens que sejam encontrados ao executado se presume pertencerem-lhe. IV- Relativamente aos bens que o embargante refere como sendo por ele detidos em nome alheio, fazendo-o em nome dos respectivos donos, seus comodantes, ele, enquanto titular de um direito pessoal de gozo, está a querer defender a sua simples detenção, na defesa legitima do interesse próprio que tem em continuar no gozo da coisa que contratualmente vem detendo, e é sabido que os titulares de direitos pessoais de gozo podem embargar de terceiro para defesa da posse, em nome alheio, de que desfrutam. V- Deste modo, os factos alegados pelo embargante não conduzem a uma manifesta inconcludência do pedido, que só existe quando os factos invocados não estão previstos na norma ao abrigo da qual se afirma a situação subjectiva cuja protecção se pretende, mas uma insuficiência de factos, que não se situa ao nível dos “essenciais stricto sensu” a que se refere o nº 1 do art 264º do CPC, mas nos que se deverão apresentar em relação àqueles, como complementares, fundamentadores da causa de pedir. (TA) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa I - S, intentou execução para pagamento de quantia certa contra “AAssociados Lda”, indicando como morada da mesma a R. ....., lugar em que veio a ocorrer a penhora,em 7/2/08, realizada em 28 verbas, das quais foi constituído depositário Luís, identificado no auto como sócio gerente da sociedade executada Opôs-se este à penhora por embargos de terceiro, referindo que os bens objecto da mesma estão na sua residência, sendo ele proprietário de uns e responsável pela guarda e entrega de outros, que lhe foram confiados para posterior restituição. Nesta situação, encontram-se as verbas nº 15, 23 a 28 que pertencem a Hugo, consoante “Declaração” deste de fls 5, e as verbas 1 e 21, que pertencem a DL, que reside com o embargante, e que produziu a esse respeito a Declaração de fls 6. O embargante é proprietário das verbas 4 a 13 e 16, consoante facturas comprovativas da respectiva aquisição, que junta. Refere ainda que relativamente às verbas nº 2, 3, 14, 16 a 20 e 22, não consegue comprovar a sua propriedade, pelo que deixa à apreciação do tribunal a manutenção ou não da respectiva penhora. Foi proferido despacho de indeferimento liminar da petição de embargos, ao abrigo das disposições dos arts 234º al a) 234º-A e 354º do CPC, entendendo-se que os mesmos não vêm “sustentados em factos que permitam concluir pela existência, no momento da penhora, da posse ou da titularidade de direito incompatível com a penhora por parte do embargante, o que se reconduz a uma situação de manifesta improcedência”. II - Desta decisão agravou o embargante, que concluiu as respectivas alegações referindo: 1-Todos os bens penhorados estão na residência do agravante. 2-Inclusive os bens moveis que lhe foram confiados para guarda e restituição, dados por outrem, não lhe pertencem, decididamente. 3-Isto é, não só os seus bens pessoais, como os restantes objecto de declaração de titularidade lhe estão confiados e terá que os restituir sempre que lhe forem exigidos. 4-Tem portanto o agravante legitimidade para defender a posse desses bens que lhe foram confiados, já que a posse, com a realização da incidência do onús pignoratício foi afectada e os interesses prejudicados. 5-Entende incorrectamente aplicados os arts 234º/4 al a), 234º-A/1 e 354º todos do CPC. Não foram apresentadas contra alegações. Colhidos os vistos cumpre apreciar, tendo em consideração o circunstancialismo factico processual que resulta do acima relatado. IV- A questão a decidir nos autos é a da bondade do despacho de indeferimento liminar nos presentes autos de embargos de terceiro, entendendo, globalmente, o embargante, que foram incorrectamente aplicados os arts 234º-A e 354º do CPC. Por assim ser, a apreciação da referida questão postula que se considere, por um lado, os motivos previstos na lei para o indeferimento liminar da petição, e por outro, os fundamentos dos embargos de terceiro, tendo sempre presente o circunstancialismo factico que os elementos destes autos e os de execução fornecem. O indeferimento liminar da petição está genericamente[1] previsto para duas situações, uma de carácter formal, outra de fundo: ali, quando ocorram de forma evidente excepções dilatórias insupríveis que sejam de conhecimento oficioso, aqui, quando o pedido seja manifestamente improcedente. Constitui denominador comum nas duas situações – que, não obstante, se apresentam intrínsecamente diferentes uma da outra - a circunstância de não ser razoável perspectivar, que nem com os subsequentes articulados, nem com a intervenção do juiz, regularizadora ao abrigo do art 265º/2 e 508º/1 al a) CPC, ou correctora mediante os convites previstos no art 508º/1 al b) e 2 e 3 CPC, se mostrem ultrapassáveis aqueles obstáculos, não fazendo assim sentido fazer prosseguir a acção. O despacho recorrido fundou o indeferimento liminar na inviabilidade manifesta do pedido, referindo que, “mesmo que se prove tudo o que consta do requerimento inicial daí não resulta a procedência dos embargos, por não serem sustentados em factos que permitam concluir pela existência, no momento da penhora, da posse ou da titularidade de direito incompatível com a penhora por parte do embargante, o que se reconduz a uma situação de manifesta improcedência”. Ora, de acordo com o disposto no art 351º CPC, os embargos de terceiro são hoje admissíveis em função de penhora ou de qualquer acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, em duas situações diversas: por um lado, quando esse acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens ofenda a posse, de quem dela seja titular, não sendo parte na causa; por outro, quando essa acto ofenda qualquer direito de fundo que se mostre incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, e de que seja igualmente titular – desse direito de fundo – quem não seja parte na causa. Invoca o embargante dois conjuntos diversos de factos para deduzir os embargos: por um lado, alega ser proprietário, por as ter adquirido, das verbas nº 4 a 13 e 16 (concretamente, uma fotocopiadora xenox, um monitor LG, outro monitor LG, teclado e rato, outro computador, um teclado, um computador portátil ACER, outro computador portátil ACER, um rato, uma máquina fotográfica olimpus, uma aparelhagem Pionner) juntando, segundo invoca, facturas referentes a essas aquisições; por outro, alega ser comodatário (na sua linguagem, “é responsável pela guarda e entrega desses bens que lhe foram confiados para posterior restituição”, cfr art 1129º CC) das verbas nº 15, 23 a 28 (respectivamente, um scanner, um computador portátil, um multifunções HP, dois armários cinza com tampo e portas cor de pinho laminados, uma secretária metálica com tampo laminado cor de pinho, outra secretária mais pequena metálica com tampo laminado cor de pinho e um modulo de gavetas com quatro gavetas cor de pinho laminado e puxadores metálicos), móveis esses que invoca terem-lhe sido emprestados por Hugo, e das verbas 1 e 21 (um multifunções Lexmark e um micro- ondas Jocel), que lhe foram emprestadas por DL, tendo-se dado ao cuidado de ter junto aos autos duas declarações, aparentemente provindas dos referidos Hugo e DL, que nelas afirmam “por sua honra” que os bens que discriminam “foram adquiridos e pagos, aliás tais bens são de sua pertença e estão na residência do seu amigo Luís, não lhe pertencendo ou a qualquer outra entidade ou pessoa”. Compreende-se, aceita-se e partilha-se facilmente, que os parcos factos que a embargante traz aos autos, impliquem séria desconfiança a respeito da verdadeira consistência dos direitos que o mesmo pretende fazer valer. Isto, quando se sabe, que o local onde foram penhorados os bens em causa, funciona como sede da sociedade executada – já que o embargante, na qualidade de sócio gerente da executada e que foi constituído no auto de penhora fiel depositário daqueles bens, não o veio pôr em causa - e, ao mesmo tempo, como residência do embargante (e segunda alega, também residência da comodante DL), e mormente, quando tais bens são constituídos, na sua essencialidade, por equipamento informático, e mobiliário que aparenta ser de escritório, sem que o embargante, de modo a tornar credível e consistente a sua tese de que tais bens não são pertença da executada, haja invocado factos de que resultasse destruída, ou pelo menos enfraquecida, a equivocidade (ou passa expressão, a “promiscuidade”) dessas vivências cruzadas. Sucede que, tanto quanto se crê, os factos invocados pela embargante - embora necessitem de ser complementados por outros que venham a traduzir a sua específica posse sobre esses bens, resultando esta configurada como excludente da da sociedade executada - apresentam-se como suficientes para não merecerem o indeferimento liminar, porque permitem, apesar de tudo, que a petição inicial cumpra a sua função individualizadora, identificando a situação jurídica alegada na acção, com o que assegura à contraparte a possibilidade de uma defesa eficaz [2] Veja-se: relativamente aos bens que o embargante refere como tendo sido por ele adquiridos – e, por isso, não pela sociedade executada – ele está manifestamente a querer fazer valer um direito incompatível com a penhora, como o é o direito de propriedade. È que, recorde-se, à penhora só estão sujeitos os bens do executado. Os bens de terceiro - quer dizer, de pessoa que não seja o exequente ou o executado - não são penhoráveis. Por isso, basta que o embargante se afirme como proprietário dos bens penhorados, para que se mostre suficientemente individualizada a sua pretensão de oposição à penhora. Com essa afirmação – que provará ou não (sendo que as facturas juntas por si sós são fraca prova… ) está desde logo a elidir a presunção que advém do art 842º do CPC no sentido de que os bens que sejam encontrados ao executado se presume pertencerem-lhe. Por outro lado, relativamente aos bens que o embargante refere como sendo por ele detidos em nome alheio, fazendo-o em nome dos respectivos donos, seus comodantes, ele está a querer defender a sua simples detenção (posse em nome alheio, posse precária, nos termos do art 1253º CC) na defesa legitima do interesse próprio que tem, em continuar no gozo da coisa que contratualmente vem detendo. Com efeito, os titulares de direitos pessoais de gozo – como o são os comodatários, mas também os depositários, os locatários, os parceiros pensadores - podem embargar de terceiro para defesa da posse, em nome alheio, que desfrutam. Assim o refere Lebre de Freitas [3], nestes termos: “A atribuição ao possuidor em nome alheio de legitimidade para embargar, só se compreende como medida de tutela directa do interesse de terceiro (pessoa diversa do executado) que através dele possui, na medida em que dele dependa o interesse do embargante (…). Quando o locatário (se se entender que não tem um direito real) o parceiro, o depositário ou o comodatário possuir a coisa penhorada em nome de um terceiro, da sintonia entre o interesse deste e o do possuidor em nome alheio, resulta a legitimação deste último para embargar, em substituição processual daquele”. Coisa diferente, note-se, é pretender que o titular de direito pessoal de gozo possa embargar de terceiro, não para defesa da posse, ainda que em nome alheio, mas pretendendo invocar um direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência. É que, tal como o frisa Lebre de Freitas [4], os direitos pessoais de gozo “nunca são incompatíveis com a penhora [5]; (…) quando se trate de direitos de crédito contra terceiro, que seja proprietário do bem penhorado, há incompatibilidade entre o direito deste último e a penhora, mas o direito pessoal que no primeiro se baseie, continua a não ser oponível ao exequente, e portanto, incompatível com a penhora, ao seu titular cabendo, contra o seu devedor, o direito a ser indemnizado”. Não parece ser exigível ao embargante, no que se refere às verbas cuja propriedade invoca a seu favor, ao contrário do que vem referido no despacho recorrido, que alegasse e viesse a provar uma forma originária de aquisição de propriedade, já que, pese embora a já referida vacuidade e equivocidade com que invoca a posse daquelas verbas, bem como o tipo de verbas em causa, residindo no local onde as mesmas foram penhoradas, não poderá deixar de beneficiar ainda, da presunção da titularidade em função da posse (art 1268º/1 CC) estando como estão em causa bens móveis não sujeitos a registo. E o que se diz a respeito destas verbas, diz-se a respeito daquelas que o embargante assume como meramente detendo como possuidor precário, embora aí, como é óbvio, a presunção do direito real corresponda à posse da pessoa em nome de quem possui [6]. Desde modo, conclui-se, ao contrário do que o fez o despacho recorrido, no sentido de que os factos alegados pelo embargante não conduzem a uma manifesta inconcludência, ou improcedência do pedido, que só existe quando os factos invocados não estão previstos na norma ao abrigo da qual se afirma a situação subjectiva cuja protecção se pretende, ou por outras palavras, quando não estão previstos nas normas a que se podem reconduzir as razões de direito invocadas[7]. Efectivamente, há na alegação do embargante, como já se fez relevar, uma insuficiência de factos, mas que não se situam, tanto quanto se crê, ao nível dos “essenciais stricto sensu” [8] a que se refere o nº 1 do art 264º do CPC, mas antes nos que se deverão apresentar em relação àqueles, como complementares, fundamentadores da causa de pedir. Será o caso de factos que, em concreto, permitam a afirmação de que os bens em relação aos quais se dirigem os presentes embargos, pese embora estejam no local onde labora a executada, são utilizados exclusivamente pelo embargante em actividades que nada tenham a ver com a daquela, sob pena de, não sendo esse o caso, não lograr o embargante, enquanto pessoa singular – e portanto terceiro em relação à exequente e à executada, como o postula a disciplina dos embargos de terceiro - distinguir o seu património do da executada de que ele é sócio gerente. Deste modo, entende-se revogar o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que, ao abrigo do disposto nos arts 265º/1 e 508º/1 al b) e 3 do CPC, convide o embargante a alegar factos destinados a suprir a referida insuficiência da matéria de facto. V - Pelo exposto, acorda este tribunal em julgar provido o agravo, e em consequência revogar o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que permita a prossecução do incidente convidando o embargante a alegar factos nos termos acima referidos. Sem custas. Lisboa, 12 de Março de 2009. Maria Teresa Albuquerque Isabel Canadas José Maria Sousa Pinto [1] O art 354º refere-se à fase introdutória dos embargos remetendo, pelo seu conteúdo, para a disposição genérica do art 234º-A CPC [2] Neste sentido Teixeira de Sousa “Estudos sobre o Novo Processo Civil”,2ª ed, 1997, p 70/71/72 [3] “A acção Executiva à Luz do Código Revisto”, 2001, p 239 [4] Obra citada 244/245 [5] Lebre de Freitas, obra citada, p 243, define “direito incompatível”, nestes termos: “Sabido que a penhora se destina a possibilitar a ulterior venda executiva, é com ela incompatível todo o direito de terceiro cuja existência, tido em conta o âmbito com que é feita, impediria a realização dessa função (cfr art 910º/1). [6] Neste sentido, Lebre de Freitas, obra citada, p 239 [7] Por outras palavras ainda, e porventura, mais explicativas: a pretensão deduzida não encontra acolhimento no sistema legal – alega-se uma causa de pedir da qual não se pode tirar, porque não preenche qualquer previsão normativa, o efeito jurídico pretendido. [8] Teixeira de Sousa, “Estudos sobre o Novo Processo Civil” , 1997, p 71, bem como Lebre de Freitas, “ Introdução ao Processo Civil”, 1996, p 130, utilizam a expressão “factos principais” para abranger os essenciais a que se refere o nº 1 do art 264º e os complementares e concretizadores a que se refere o nº 3 dessa disposição legal |