Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9746/2008-5
Relator: JOSÉ ADRIANO
Descritores: RECONHECIMENTO
FORMALIDADES
VALOR PROBATÓRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/11/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: 1. O reconhecimento presencial constitui meio de prova, a valorar com os demais que existam nos autos – pericial, documental, testemunhal -, quer para efeitos de apreciação dos indícios, de dedução da acusação ou em julgamento.
2. A impugnação da validade de determinado meio de prova exige, na maioria das vezes, que se produza prova em sentido contrário.
3. O recorrente só conseguirá abalar o reconhecimento efectuado se demonstrar, como alega, que, apesar do conteúdo do auto, não foi cumprida uma formalidade essencial: “as pessoas colocadas ao lado do arguido não apresentavam com este qualquer semelhança”.
4. Todavia, tal demonstração só lhe será possível quando puder exercer o contraditório, seja em instrução, seja em julgamento, nunca na fase de inquérito; nunca em sede de recurso, o qual não admite a produção de prova suplementar de quaisquer factos, estando o tribunal de recurso vinculado a decidir em função do que já existia nos autos no momento em que foi proferida a decisão recorrida.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5.ª Secção (Criminal) da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO:

Após primeiro interrogatório judicial (art. 141.º, do CPP) e na sequência de promoção do Ministério Público nesse sentido, o M.º Juiz do 5.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa determinou que o arguido H… ficasse a aguardar os ulteriores termos processuais em prisão preventiva.

O arguido, inconformado com tal decisão, interpôs o presente recurso, concluindo nos seguintes termos:
1. O reconhecimento realizado nos autos viola as regras estabelecidas no art. 147.º, n.º 2 do CPP, uma vez que as pessoas que intervieram no reconhecimento não apresentavam semelhanças com a pessoa a identificar;
2. O reconhecimento que não obedecer ao disposto no art.º 147 do CPP não tem valor como meio de prova (n.º 7 do art. 147.º do CPP);
3. Não tendo sido juntas fotografias das pessoas que intervieram no reconhecimento aos autos não poderá este Venerando Tribunal fiscalizar o cumprimento destas regras.
4. Por esta razão entende-se que é inconstitucional a norma do n.° 4 do art. 147.° do CPP quando interpretada no sentido de não ser obrigatório as pessoas que intervieram no reconhecimento serem fotografadas e as fotografias juntas aos autos.
5. A medida de coacção prisão preventiva ordenada no douto despacho recorrido, mostra-se, com o devido respeito, excessiva e desproporcionada. O recorrente é ainda muito jovem, não tem antecedentes criminais e não existe, manifestamente, perigo de continuação da actividade criminosa. Mais: mesmo que tais perigos existissem, teriam de relevar da própria personalidade ou "modus vivendi" do recorrente, e não derivar apenas da medida legal incriminadora ou da respectiva moldura penal.
6. Ao decretar, sem mais, a mais grave das medidas de coacção para o recorrente, sem percorrer todo o "catálogo" de medidas não privativas da liberdade constantes da lei, o douto despacho recorrido violou o disposto no art. 3.°, n.° 2 do CPP bem como o principio da adequação e da proporcionalidade que lhe está ínsito, violando ainda o art. 204.º e 202.º do CPP, tendo ainda violado o disposto no art.° 28 n.º 2 da CRP e o principio nele consignado.
7. Sem conceder, mesmo admitindo, no limite interpretativo, a existência de indícios quanto á prática, pelo arguido, do crime de roubo agravado, sempre a medida de coacção a aplicar deveria ser a de obrigação de permanência na habitação sob vigilância electrónica (art. 201.º do CPP) dado o arguido encontrar-se inserido socialmente, ser primário e ser ainda muito jovem.
8. Ao decretar a medida de prisão preventiva para o recorrente, o douto despacho recorrido violou, por erro interpretativo, o disposto nos art.s 193.º, n.º 2, 202.°, 198.º e 201.º do CPP e o art. 28.° n.º 2 da CRP.
9. Sendo da mais elementar justiça a imediata libertação do recorrente tendo em conta o principio da igualdade, em casos de idêntica natureza, em que a medida aplicada não foi a prisão preventiva mas outra muito mais benéfica ao arguido, como aconteceu nestes autos a outros arguidos anteriormente ouvidos.
10. Na verdade, dispondo os artigos 193°, n.° 2 e 204º, n.° 1, ambos do CPP, que a prisão preventiva só pode ser aplicada quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção - e nada disto sucede - segue-se que, na interpretação que deles é feita no douto despacho recorrido, estão aqueles preceitos feridos de vício de inconstitucionalidade material por violação do princípio da legalidade e subsidiariedade previstos no artigo 28º, n.º 2 da CRP».

O Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pelo seu não provimento e pela manutenção da decisão recorrida. Concluiu do seguinte modo:

(1) O arguido H… está fortemente indiciado como um dos co-autores, juntamente com V…, L… e pelo menos mais um dos elementos do grupo do «X…», da prática do crime de roubo agravado, p. p. pelo art. 210.°, n.° 1, e n.° 2, al. b), do Código Penal, em conjugação com o art. 204.°, n.° 2, als. a), f) e g), do mesmo Código, a que se refere o Inquérito com o NUIPC 64/08.9JBLSB. Incumbiu-lhe como tarefa abordar directamente o Porta-Valores e, mediante o uso de arma de fogo, apoderar-se da quantia de 45.000€ (quarenta e cinco mil euros), o que logrou. Ainda lhe é imputado, a titulo de autoria singular, a prática de dois crimes de detenção de arma proibida, um p. p. pelo art. 86.°, n.° 1, al. c), e outro p. p. pela al. d), do n.° 1, do mesmo artigo, da Lei n.° 5/2006, de 23 de Fevereiro.

(2) A sua conduta insere-se na actividade mais vasta desenvolvida pelo chamado grupo do «X…», a quem é imputada a prática de mais 10 (dez) crimes de roubo agravado, dois deles na forma tentada, p. p. pelo art. 210.°, n.° 1, e n.° 2, al. b), do Código Penal, em conjugação com o art. 204.°, n.° 2, als. a), f) e g), do mesmo Código, não sendo de excluir que a investigação permita determinar a sua participação noutros crimes face à volatilidade dos elementos do grupo e à negação da prática dos crimes.

(3) Tendo em conta a gravidade do crime, a elevada moldura penal abstracta que lhe é imputável (3 a 15 anos de prisão), o elevado grau de ilicitude pessoal e material, o modo grave de execução (uso de arma de fogo contra pessoa e em local público), o grau intenso do dolo, a fragilidade da situação pessoal e familiar do arguido, a ligação à terra da sua nacionalidade – Guiné-Bissau -, e a inserção do crime nas actividades delituosas do grupo do «X…», todos, excepto de um, executados do mesmo modo e com o mesmo objecto, consideramos haver, em concreto, perigo de fuga, de perturbação do decurso do inquérito, de grave perturbação da ordem e tranquilidade e de continuação da actividade criminosa, os quais só serão devidamente acautelados pela medida de prisão preventiva, e não com a medida de obrigação de permanência na habitação, com vigilância electrónica, a qual não está vocacionada nem é adequada (muito menos na situação concreta) para fazer face a fenómenos de «Criminalidade especialmente violenta» (vd. art. 1.° - al. m) do Código de Processo Penal.

(4) A medida de prisão preventiva aplicada respeitou os princípios da legalidade, adequação, proporcionalidade e subsidiariedade (vd., arts., 191.0, 193.°, 202.° e 204.°, do Código de Processo Penal).

(5) O art. 147.°, do Código de Processo Penal, disciplina o modo como se deve proceder ao reconhecimento de uma pessoa. No caso concreto, o reconhecimento do arguido (identificando) foi efectuado de acordo com o ritual processual.

(6) A lei não exige que as pessoas chamadas sejam fotografadas e as fotos juntas aos autos para que o Mm. Juiz possa aferir se as pessoas apresentavam as maiores semelhanças com o identificando. O cumprimento do ritual resulta do auto que é lavrado, o qual faz fé dos termos em que o mesmo decorreu (vd. arts., 99.° e 100.°, do Código de Processo Penal). Aliás, o auto foi assinado pela defensora do arguido.

(7) Consequentemente, o reconhecimento tem valor probatório.

Admitido o recurso e instruído com as peças processuais julgadas pertinentes, o juiz recorrido, usando da faculdade concedida pelo art. 414.º, n.º 4, do CPP, manteve a decisão.
Subidos os autos, neste Tribunal o Exm.º Procurador-Geral Adjunto apôs “visto”.
Colhidos os necessários vistos, teve lugar a conferência, cumprindo decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO:

1 - Conforme entendimento pacífico nos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respectiva motivação que operam a fixação e delimitação do objecto do recurso, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso.

No presente caso, ao submeter à apreciação deste Tribunal Superior o despacho recorrido, invoca, fundamentalmente, o recorrente que:

- o reconhecimento do arguido é inválido, por violação do disposto no art. 147.º, n.º 2, do CPP, não podendo tal meio de prova ser valorado, por força do n.º 7 do mesmo artigo;

- a norma do n.º 4 do art. 147.º, do CPP é inconstitucional, quando interpretada no sentido de não ser obrigatória a obtenção de fotografias das pessoas que intervieram no reconhecimento e a sua posterior junção aos autos;

- a medida de coacção aplicada ao arguido é excessiva e desproporcionada;

- face aos princípios da adequação e da proporcionalidade, devia ter sido aplicada ao arguido medida de coacção menos gravosa, nomeadamente a prevista no art. 201.º, do CPP;

- dispondo os artigos 193°, n.° 2 e 204º, n.° 1, ambos do CPP, que a prisão preventiva só pode ser aplicada quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção - e nada disto sucede - segue-se que, na interpretação que deles é feita no douto despacho recorrido, estão aqueles preceitos feridos de vício de inconstitucionalidade material por violação do princípio da legalidade e subsidiariedade previstos no artigo 28º, n.º 2 da CRP.

2 - Findo o primeiro interrogatório judicial do recorrente, o MP promoveu no seguinte sentido:

«Investiga-se nos presentes autos a prática pelo chamado “Grupo do X…” do qual os ora arguidos B…, S…e H… faziam parte, de 11 crimes de roubo agravado, dois deles na forma tentada, p. e p. pelos artºs 210º nº 1 e nº 2 al. b) do CP em conjugação com o artº 204º nº 2 al.s f) e g) do mesmo código. Dez destas situações dizem respeito a assaltos de porta valores no momento em que transportava o saco com dinheiro para abastecer as máquinas ATM, e em todas foi usada arma de fogo. Em duas destas situações chegou a ser efectuado disparo. Assim NUIPC 1099/07.4GBVFX, em que o arguido X… efectuou um disparo na direcção do porta valores e NUIPC 64/08.9JBLSB em que o arguido H… efectuou dois disparos na direcção do porta valores. Só na situação em que se refere o NUIPC 659/08.0PSLSB (carjaking) é que não foi usada arma de fogo, embora tivesse sido usada arma branca. No total foi subtraída a quantia de 307.888,00 euros.

Há prova segura de que o arguido B… foi um dos executores materiais do crime de roubo agravado, na forma tentada, p. e p. pelo artºs 210º nº 1 e 2 al. b) do CP em conjugação com o artº 204 nº 2 al.s a), f) e g), 22º, 23º e 73º do mesmo Código, a que se refere o NUIPC 139/07.1JBLSB - vide súmula de fls. 1847-49. Indícios que resultam de depoimentos, escutas telefónicas e fotogramas. Embora, para além desta situação, ainda não tenha sido possível apurar a sua concreta participação em cada um dos restantes assaltos, resulta dos autos que o arguido B… é um elemento activo na estrutura do grupo e muito próximo (tido pela PJ como “homem de mão”) do seu elemento principal – o arguido X… -, fornecendo meios, instrumentos, informações acerca dos locais a assaltar, sendo referido desde o inicio dos autos – vide fls. 80-85, 118-138, 218-278, 290-316, 337-377, 613 e seguintes, 688 e seguintes, 662 e seguintes, e 691-698.

Ainda lhe é imputável em autoria singular a prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artº 86º nº 1 al. d) da Lei 5/2006.

Há prova segura que o arguido S… foi um dos executores materiais do crime de roubo agravado, na forma tentada, p. e p. pelo artºs 210º nº 1 e 2 al. b) do CP em conjugação com o artº 204 nº 2 al.s a), f) e g), 22º, 23º e 73 do mesmo Código, a que se refere o NUIPC 139/07.1JBLSB vide súmula de fls. 1845-1847. O arguido foi quem abordou directamente o porta valores e o coagiu a entregar o dinheiro. Indícios que resultam dos depoimentos, escutas telefónicas e reconhecimento pessoal.

Embora, para além desta situação, ainda não tenha sido possível apurar a sua concreta participação em cada um dos restantes assaltos há referências nos autos ao arguido S… a fls. 337-377, 497 e sgts., 512-520 e 544 e sgts., em que é detectado a estabelecer com o arguido X… planos sobre os crimes.

Ainda lhe é imputável em autoria singular a prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artº 86º nº 1 al. d) da Lei 5/2006.

Há prova segura que o arguido H… foi um dos executores materiais do crime de roubo agravado, p. e p. pelos artºs 210º nº 1 e 2 al. b) do CP em conjugação com o artº 204º nº 2 al.s a), f) e g), do mesmo Código a que se refere o NUIPC 64/08.9JBLSB vide súmula de fls. 1844-1845. Foi ele quem abordou directamente o porta valores e efectuou dois disparos na sua direcção tendo sido subtraída a quantia de 45.000,00 euros. Indícios que resultam das escutas telefónicas em tempo real e do reconhecimento físico. Embora, para além desta situação, não tenha sido possível apurar a sua concreta participação em cada um destes assaltos já havia referências nos autos ao mesmo a fls. 1334 e sgts.

Ainda lhe é imputável em autoria singular a prática de dois crimes de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artº 86º nº 1 al.s c) e d) da Lei 5/2006.

Estamos perante uma sucessão de dez assaltos à mão armada a carrinhas de transporte de valores executados no período de sete meses. O grupo apropriou-se de quantia muito elevada. Os crimes são de elevada gravidade e punidos com moldura penal muito elevada. O modo de execução foi particularmente grave. Nos vários assaltos, ainda está por apurar em concreto qual o elemento (desconhecido) do bando que nele tomou parte o que importa apurar da recolha de prova. Os arguidos não têm modo de vida nem actividade remunerada embora apresentem sinais de riqueza, em particular automóveis. Também não têm residência fixa.

Entende-se pelo exposto que há em concreto perigo de fuga, de perturbação do inquérito, de perturbação da ordem e tranquilidade públicas e de continuação da actividade criminosa, os quais só serão devidamente acautelados com a aplicação aos arguidos da medida de prisão preventiva, o que se requer, nos termos dos artºs 202º nº 1 al. a), e 204º al.s a), b) e c), do C.P.P.»

A ilustre mandatária do recorrente tomou a seguinte posição:

«Pese embora o desconhecimento da Defesa nesta fase processual, não podemos deixar de discordar da Douta Promoção do MP pelos seguintes fundamentos:

1 – O arguido clama pela sua inocência no que se refere à prática dos crimes de roubo indiciados nos presentes autos.

2- Em 1º interrogatório confessou o crime de posse ilegal de arma e explicou as circunstâncias em que adquiriu esta arma.

3 – No que se refere aos fortes indícios mencionados na Douta Promoção do Digníssimo Procurador Adjunto, também neste ponto a Defesa não pode concordar. Com efeito, e ao que parece, a investigação teve inicio em Dezembro de 2007, ao arguido é imputado a prática de um crime de roubo praticado no dia 5 de Maio de 2008, no dia 23 o arguido foi detido na posse de um arma.

O arguido mencionou que tinha adquirido essa arma há cerca de uma semana, porquanto um vizinho seu havia sido morto e o arguido tem sido ameaçado de morte, por essa razão terá adquirido a arma com o intuito de se defender. O arguido tem trabalho, residência fixa, e não tem antecedentes criminais.

4 – Um dos elementos apontados pelo MP para sustentar a eventual prática pelo arguido do assalto ocorrido no dia 05 de Maio de 2008, assenta no reconhecimento que terá sido feito pela testemunha condutor da carrinha da E…. Sucede porém que o reconhecimento realizado ontem na PJ não obedeceu aos requisitos estipulados no artº 147º do CPP não devendo ter valor probatório.

Com efeito, a Defesa desconhece, desde logo se antes de ser feito o reconhecimento a testemunha terá feito ou indicado as características e todos os pormenores da pessoa que iria identificar, desconhece-se, nesta fase, se foram apresentadas, antes de ser feito o reconhecimento, fotografias à pessoa a quem cabia fazer o referido reconhecimento. E por outro lado as pessoas que intervieram no reconhecimento não tinham as características físicas do arguido, um era baixo e forte e o outro tinha uma tonalidade de pele muitíssimo mais escura que a do arguido, tendo aliás a testemunha feito a indicação no reconhecimento que esse dito srº não poderia ser porque era escuro demais. Além do mais foi solicitado ao arguido que escolhesse um numero, o arguido inicialmente terá escolhido o numero 1, porém teve a mandatária, presente na diligência, que pedir para que o arguido escolhesse outro numero uma vez que a testemunha encontrava-se à porta da sala de reconhecimento a ouvir qual o numero que o arguido iria ou não ter.

Ora bem, embora e já depois com de escolher outro numero – numero 2 – continuou-se nos corredores a falar do número que o arguido tinha escolhido. Por esta razão a Defesa põe em causa o reconhecimento, pois considera-se não foram garantidas as garantias de defesa do arguido.

Arguindo-se a nulidade do mesmo nos termos do artº 147º nº 7 e 120 nº 2 al. b) e nº 3 do CPP.

5 - Quanto aos mencionados perigos do artº 204º do CPP e no que se refere ao perigo de fuga tem sido entendido pelo Tribunal da Relação de Lisboa não poder tal perigo resultar da simples imputação deste ou daquele crime ao arguido com determinada moldura penal que lhe é subjacente, deve é antes resultar dos factos concretos, aliados à personalidade deste ou revelados pelo seu próprios comportamento.

Na verdade, como atrás se disse, o arguido vive em Portugal há 17 anos, tem toda a família a viver em Portugal, trabalha em Portugal, não tem antecedentes criminais e tem apenas 21 anos de idade.

Relativamente ao perigo de perturbação do Inquérito este perigo, é claramente e apenas, um perigo para a prova, ora o facto imputado ao arguido reportasse a Maio de 2008. Desde essa data até à presente não existe registo ou indício de prática de qualquer crime que possa ser imputado a este arguido. Razão pela qual também se considera não se verificar a prática do mesmo perigo e pela mesma ordem de razão entendemos não se verificar ao perigo de continuação da actividade criminosa.

Pelo exposto, e por se entender adequada, suficiente e proporcional ao caso requer-se a aplicação ao arguido de uma medida de apresentações periódicas no OPC da sua área de residência prevista no artº 198º do CPP medida que eventualmente poderá ser cumulada com a proibição de se ausentar do pais e proibição de contactar com os arguidos mencionados nos presentes autos conforme artº 200º nº 1 al. b) e d) do CPP.

Caso Vª Exª, Mmº Juiz de Instrução Criminal, entenda não ser suficiente esta medida requer-se a aplicação ao arguido da medida de obrigação de permanência na habitação sob vigilância electrónica ao abrigo do artº 201º do C.P.P.»

O Ministério Público tomou então posição sobre as nulidades invocadas:

«Da leitura do auto de reconhecimento pessoal de fls. 87/88 não resulta que o mesmo não tenha obedecido ao preceituado no artº 147º do C.P.P.

As pessoas que são chamadas a colocar-se ao lado da pessoa a reconhecer devem ter a maiores semelhanças possíveis, o que se pensa ter sido assegurado neste caso. Quanto ao facto de o reconhecente poder ter-se apercebido da operação em que a PJ colocava o arguido e as outras pessoas em posição de reconhecimento, do auto consta que não houve qualquer contacto visual ou outro entre reconhecente e pessoas a reconhecer, sendo certo que o auto faz fé dos termos em que se desenrolaram os actos. Pelo que deve ser reconhecido o valor probatório ao auto de reconhecimento.»

Foi, de seguida, proferido o seguinte DESPACHO RECORRIDO:

«Quanto à arguida nulidade do reconhecimento efectuadas a fls 87 e 88 do apenso 64/08.9JBLSB, resulta dos autos de reconhecimento que o reconhecimento em causa foi efectuado com observância do legal formalismo previsto no artº 147º do CPP pelo que pelos fundamentos aduzidos pelo Digno Procurador Adjunto que aqui se dão por reproduzidos se indefere a arguida nulidade do reconhecimento.


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Quanto ao facto não ter o arguido sido informado de todos os factos que lhe são imputados, não obstante do auto de interrogatório de fls. 1701 e 1702 resultar que o arguido foi informado de todos os factos que lhe são imputados, resulta ainda que apenas foi informado que lhe é imputado um crime de roubo, na forma tentada, de uma carrinha valores de uma empresa L… ocorrido no preterido dia 28/12/2007 em Linda-a-Velha. Constam porém dos mandados de detenção todos os factos imputados ao arguido. O arguido também foi informado, no decurso deste interrogatório, de todos os factos que lhe são imputados, tendo sido indiciado apenas pela prática do crime de roubo na forma tentada, que lhe foi dado conhecimento quando o interrogatório na Policia Judiciária.

Assim sendo, mesmo considerando existir tal irregularidade, como bem refere o Digno Magistrado do MP, a mesma já se encontra sanada.

Termos em que se indefere a arguida nulidade/irregularidade.


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As detenções dos arguidos B S foram efectuadas fora de flagrante delito, na sequência de mandados de detenção, e o arguido H foi detido em flagrante delito, tendo todos os arguidos sido presentes no prazo legal.

Julgo válidas as detenções e as apreensões efectuadas.


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         Dos autos resultam fortes indícios da prática pelos arguidos B… e S… dos seguintes factos:

Em 28 de Dezembro de 2007, pelas 19h10, os arguidos B… e S…, conjuntamente com o arguido X… e com outros elementos do grupo que não foi possível identificar, munidos de um revolver escuro e utilizando para tal uma viatura Fiat Uno de matricula ..-..-AF, deram inicio ao assalto à carrinha de transporte de valores da L… no momento em que esta se encontrava junto ao estabelecimento comercial Y…, sito no n." .. a da rua .. em …, tendo cabido ao arguido S… abordar directamente o porta valores coagindo-o à entrega do saco sob ameaça da arma de fogo supra referida, e aos outros suspeitos supra referido proceder à condução até à chegada e para a fuga da viatura utilizada para o transporte do autor material do roubo, assinalar o momento exacto para a abordagem ao porta valores, vigiar o decurso do assalto e garantir a respectiva segurança, tendo no entanto não conseguido lograr o roubo de qualquer importância, apenas por motivos alheios à sua vontade (NUIPC 139/07.IJBLSB);

Resulta ainda fortemente indicado nos autos que em 05 de Maio de 2008, pelas 09h55, o arguido H… , conjuntamente com os arguidos V…, L…, e E…, e outros elementos do bando, não identificados, munidos de um revolver escuro e utilizando para tal uma moto de elevada cilindrada da qual não foi possível até à data obter qualquer elemento, bem como uma viatura Citroen modelo Saxo de matricula ..-..-IV, deram inicio ao assalto à carrinha de transporte de valores da Es… no momento em que esta se encontrava junto à EDP de Loures, sita na rua … nº … em …, tendo cabido a um dos suspeitos abordar directamente o porta valores coagindo-o à entrega do saco sob ameaça da arma de fogo supra referida (efectuando inclusivamente dois disparos na direcção do mesmo não o atingindo por mero acaso, tendo inclusivamente rasgado o seu fato macaco), tendo cabido ao arguido L… proceder à condução até à chegada e para a fuga da moto utilizada para o transporte do autor material do roubo, e ao outro suspeito, transportando-se na viatura BMW supra referida assinalar o momento exacto para a abordagem ao porta valores, vigiar o decurso do assalto e garantir a respectiva segurança, tendo assim com a concretização do plano supra referido logrado proceder ao roubo de 45.000,00 Euros (NUIPC 64/08.9JBLSB).

Resulta ainda dos autos que em 23 de Setembro de 2008 foi apreendida ao arguido H…, na sua residência, na sequência de uma busca domiciliária, um revolver Amadeu Rossi, calibre 22 e 6 munições calibre 22.

Os factos supra descritos integram a prática pelos arguidos, B… e S…, em co-autoria e concurso efectivo, de 1 crime de roubo agravado, na forma tentada, p. p. pelos arts., 210°, nº 1, e 2°, aI. b), 22º, 23º e 73º, do Código Penal, em conjugação com os arts, 204°, nº 2, als. a), f) e g), do mesmo código, e em autoria singular a prática de 1 crime de detenção de arma proibida, p.p. pelo art. 86°, nº 1, aI. d), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro e ainda a prática pelo arguido H…, em co-autoria, de 1 crime de roubo agravado, p.p. pelos arts, 210°, nº 1, e 2°, aI. b), do Código Penal, em conjugação com os arts, 204°, nº 2, aIs. a), f) e g), do mesmo código, em concurso real com 2 crimes de detenção de arma proibida, p.p, pelo art. 86°, nº 1, aIs. c) e d), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro.

Os factos indiciariamente apurados relativamente aos arguidos B… e S… resultam da informação de 2 a 6,60 a 66, nas declarações das testemunhas de fls, 32 a 36,40 a 43,45 a 47, 50 a 52, 54 a 59, nos reconhecimentos pessoais de fls. 68 a 71 e nos fotogramas de fls. 9 a 15, 18 a 28 constantes do NUIPC 139/07.1JBLSB.

Relativamente ao arguido H… os factos apurados resultam da informação de fls. 2 a 6, das declarações das testemunhas de fls. 22 a 25, 31 a 32, 55 a 72, do exame de fls. 73, do exame pericial 75 a 74, do reconhecimento pessoal 35 a 37, do auto de apreensão de fls. 27, do reconhecimento pessoal de 87 a 88, dos fotogramas de fls. 7 a 16, bem como do auto de detenção de fls. 1765 a 1766.

Os factos praticados pelos arguidos, integradores do crime de roubo agravado, são objectivamente muito graves, o que resulta da moldura penal do crime de roubo agravado (3 a 15 anos) e perturbam gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.

Os arguidos não têm uma actividade laboral estável o que faz recear em concreto perigo de continuação da actividade criminosa.

Caso os arguidos fossem restituídos à liberdade existiria também perturbação do Inquérito no que tange à aquisição e à conservação da prova.

Por outro lado é de prever que face à gravidade dos crimes por que os se encontram indiciados lhes seja aplicada em Julgamento pena de prisão efectiva.

Tudo ponderado afigura-se-nos ser a medida de prisão preventiva a única medida de coacção adequada às exigências cautelares que o caso requer e proporcional à gravidade do crime é às sanções que previsivelmente serão aplicadas aos arguidos.

Assim, determino que os arguidos aguardem os ulteriores termos do processo sujeitos à medida de prisão preventiva - artsº. 193º, 202º nº 1 al. a) e 204º als. b) e c) todos do Código de Processo Penal.

Notifique. -----------------------------------------------

Passe mandados de condução. ------------------------------

Cumpra-se o artº 194 nº 8 do C.P.P.. --------------------- »

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3 – Apreciando:

3.1. Alega o recorrente que o reconhecimento do arguido é inválido, por violação do disposto no art. 147.º, n.º 2, do CPP, não podendo tal meio de prova ser valorado, por força do n.º 7 do mesmo artigo.

Para tanto, alega que as pessoas que intervieram no reconhecimento não apresentavam semelhanças com a pessoa a identificar e que a testemunha que ia fazer o reconhecimento se terá apercebido da posição que aquela ia ocupar na fila de reconhecimento.

Dispõe o art. 147.º, do CPP, sob o título “Reconhecimento de pessoas”:

«1 - Quando houver necessidade de proceder ao reconhecimento de qualquer pessoa, solicita -se à pessoa que deva fazer a identificação que a descreva, com indicação de todos os pormenores de que se recorda. Em seguida, é-lhe perguntado se já a tinha visto antes e em que condições. Por último, é interrogada sobre outras circunstâncias que possam influir na credibilidade da identificação.

2 - Se a identificação não for cabal, afasta-se quem dever proceder a ela e chamam-se pelo menos duas pessoas que apresentem as maiores semelhanças possíveis, inclusive de vestuário, com a pessoa a identificar. Esta última é colocada ao lado delas, devendo, se possível, apresentar-se nas mesmas condições em que poderia ter sido vista pela pessoa que procede ao reconhecimento. Esta é então chamada e perguntada sobre se reconhece algum dos presentes e, em caso afirmativo, qual.

3 - Se houver razão para crer que a pessoa chamada a fazer a identificação pode ser intimidada ou perturbada pela efectivação do reconhecimento e este não tiver lugar em audiência, deve o mesmo efectuar-se, se possível, sem que aquela pessoa seja vista pelo identificando.

4 - As pessoas que intervierem no processo de reconhecimento previsto no n.º 2 são, se nisso consentirem, fotografadas, sendo as fotografias juntas ao auto.

5 - O reconhecimento por fotografia, filme ou gravação realizado no âmbito da investigação criminal só pode valer como meio de prova quando for seguido de reconhecimento efectuado nos termos do n.º 2.

6 - As fotografias, filmes ou gravações que se refiram apenas a pessoas que não tiverem sido reconhecidas podem ser juntas ao auto, mediante o respectivo consentimento.

7 - O reconhecimento que não obedecer ao disposto neste artigo não tem valor como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorrer.»

O reconhecimento do arguido H… pela testemunha D… teve lugar no dia 23/09/2008, altura em que aquele foi detido e após terem sido recolhidos indícios do seu envolvimento nos factos investigados, sendo certo que a referida testemunha já havia prestado depoimento sobre estes, na data em que os mesmos ocorreram (5/05/2008), tendo-se pronunciado nessa altura acerca das características do assaltante, conforme resulta do auto de fls. 43 destes autos, não havendo outros elementos a acrescentar, no dia do reconhecimento, aos que já havia adiantado inicialmente. Porque a identificação feita não foi cabal, pois através dela jamais seria possível identificar o autor do roubo de que foi vítima aquela testemunha, houve necessidade de se proceder ao aludido reconhecimento presencial, a partir do momento em que este se tornou possível face à detenção do suspeito. Do reconhecimento efectuado foi lavrado auto, que consta de fls. 74 e 75, dele resultando que foram observadas as formalidades exigidas no citado art. 147.º, n.º 2, do CPP.

As duas pessoas que foram chamadas e colocadas ao lado do suspeito não apresentavam semelhanças com este, diz o ora recorrente.

Fala a lei em “duas pessoas que apresentem as maiores semelhanças possíveis”.

Desde logo no conceito de “semelhante” intervém uma grande componente subjectiva, podendo duas pessoas serem semelhantes para determinado observador e não o serem para outros e vice-versa. A lei fala em semelhanças “possíveis”, e não podia deixar de ser de outra maneira, pois os órgãos de polícia criminal não têm ali junto deles, a qualquer momento e sempre que necessário, sósias dos arguidos que é necessário reconhecer, sendo certo que, nos casos de extrema semelhança (para não dizer igualdade – gémeos, por exemplo), tornar-se-ia bem mais difícil, se não mesmo impossível, o reconhecimento. O que se pretende é que as pessoas colocadas juntamente com o suspeito apresentem algumas semelhanças com este, de molde a garantir que o escolhido ou identificado - se o houver - corresponda ao verdadeiro autor dos factos. Obviamente que, para isso, terá o ofendido ou testemunha – a pessoa que reconhece – de estar verdadeiramente consciente da responsabilidade do acto, só devendo apontar o dedo quando está de facto convencido, com base nas características que reteve do autor do crime, que este está entre as pessoas a identificar e é a pessoa que concretamente identifica. Caso contrário, terá de dizer claramente que não reconhece o autor dos factos entre os presentes, ou, tendo dúvidas, deverá manifestá-las e tal menção deverá constar do auto respectivo. No caso presente o suspeito foi colocado entre duas outras pessoas, também de raça negra, tal como o arguido, “de características fisionómicas semelhantes”, como diz o auto de reconhecimento, não tendo na altura o arguido e a sua ilustre defensora, que interveio no acto, suscitado qualquer irregularidade ou alertado para a agora alegada falta de semelhança entre as pessoas a reconhecer, sendo certo que, a existir qualquer irregularidade teria ela de ser suscitada no próprio acto, sob pena de ficar sanada (art. 123.º, do CPP).

Quanto à posição do suspeito na linha de reconhecimento – se ia ocupar o lugar do meio ou outro - , quer o arguido, quer a sua ilustre defensora, podiam escolher, a qualquer momento, a posição e quem aquele pretendia colocar-se. Se a primeira escolha foi alterada porque o ofendido se apercebeu da posição que foi referida que o arguido ia ocupar, obviamente que havia a possibilidade de alterar de novo as posições, até ao último momento. Se tal não foi feito, é porque não foi suscitado o problema no momento próprio, perante quem dirigia a diligência.

A posteriori, é sempre fácil suscitar os mais variados problemas sobre todas e quaisquer diligências sujeitas a múltiplas formalidades. Todavia, depois de realizada a diligência, toda e qualquer discrepância, que seja invocada, entre a exigência legal e o que na realidade aconteceu terá de ser provada. Não basta alegar que as coisas se passaram de forma diferente do que relata o auto da diligência. É preciso demonstrar o que se alega. Aquele auto deve dar a conhecer o que realmente se passou e, se foi lavrado com determinado conteúdo e assinado pelos intervenientes no acto, é porque estes aceitaram que as coisas se passaram como nele se descreve.

Por outro lado, o reconhecimento foi levado a cabo na fase de inquérito, fase durante a qual não é admitido contraditório.

O reconhecimento presencial constitui meio de prova, a valorar com os demais que existam nos autos – pericial, documental, testemunhal -, quer para efeitos de apreciação dos indícios, de dedução da acusação ou em julgamento. A impugnação da validade de determinado meio de prova exige, na maioria das vezes, que se produza prova em sentido contrário. É o caso do reconhecimento efectuado nos autos. O recorrente só conseguirá abalar o reconhecimento efectuado se demonstrar, como alega, que, apesar do conteúdo do auto, não foi cumprida uma formalidade essencial: “as pessoas colocadas ao lado do arguido não apresentavam com este qualquer semelhança”. Todavia, tal demonstração só lhe será possível quando puder exercer o contraditório, seja em instrução, seja em julgamento, nunca na fase de inquérito. Muito menos em sede de recurso, o qual não admite a produção de prova suplementar de quaisquer factos, estando o tribunal de recurso vinculado a decidir em função do que já existia nos autos no momento em que foi proferida a decisão recorrida.

Enquanto aquela demonstração não for feita, o que o tribunal tem de apreciar é a validade da diligência em função do que consta no respectivo auto, o qual demonstra que foram observadas as correspondentes exigências legais, nada obstando, pois, a que o reconhecimento feito seja valorado como meio de prova contra o arguido.

3.2. Alega o recorrente que a norma do n.º 4 do art. 147.º, do CPP é inconstitucional, se interpretada no sentido de não ser obrigatória a obtenção de fotografias das pessoas que intervieram no reconhecimento e a sua posterior junção aos autos.

Assim não entendemos. Há outros bens jurídicos de relevo a salvaguardar, para além dos direitos de defesa do arguido. Um deles é o direito à imagem das pessoas que intervierem no reconhecimento. Estão ali como meros colaboradores, numa atitude altruísta de ajuda à justiça, sem quaisquer obrigações ou deveres, são pessoas estranhas ao processo. Não há razões suficientemente fortes – pelo menos não as vislumbramos – para ser imposto a tais pessoas um sacrifício de tal peso, com ofensa grave a um seu importante direito da personalidade, o direito à imagem. Daí que, de forma sensata, o legislador tenha previsto a obtenção de fotografias e a sua junção aos autos apenas quando aquelas pessoas derem o seu consentimento, tornando o procedimento compatível com o disposto no art. 199.º, n.º 2, do CP.

O arguido não fica inibido de, por outros meios, no exercício do contraditório, demonstrar a alegada desconformidade traduzida na falta de semelhança entre o suspeito e as pessoas que são colocadas a seu lado para o reconhecimento.

Entendemos, pois, que a aludida norma do n.º 4 do art. 147.º, do CPP, interpretada no sentido em que foi aplicada, é conforme aos preceitos constitucionais, nomeadamente aos que respeitam ás garantias de defesa do arguido.

3.3 Mais defende o recorrente que a medida de coacção que lhe foi aplicada – prisão preventiva - é excessiva e desproporcionada, devendo ter sido aplicada medida de coacção menos gravosa, nomeadamente a prevista no art. 201.º, do CPP.
Sob a epígrafe “Princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade”, dispõe o art. 193.º, do CPP:

«1. As medidas de coacção e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.

2 - A prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação só podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção.

3 – Quando couber ao caso medida de coacção privativa da liberdade nos termos do número anterior, deve ser dada preferência à obrigação de permanência na habitação sempre que ela se revele suficiente para satisfazer as exigências cautelares»


Uma medida de coacção é idónea ou adequada se com a sua aplicação se realiza ou facilita a realização do fim pretendido. Por sua vez, o princípio da proporcionalidade impõe que a medida de coacção a aplicar se apresente proporcionada à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas. A necessidade da medida deriva da circunstância de nenhuma outra menos gravosa se mostrar suficiente à prossecução dos fins pretendidos.
Para além de ter questionado o valor do reconhecimento como meio de prova – questão já decidida em desfavor do arguido -, este não impugna verdadeiramente a existência de indícios fortes do cometimento dos crimes imputados – roubo agravado e detenção de arma e munições proibidas.
Na verdade, dos elementos probatórios existentes nos autos - confissão, busca, apreensão e exames no que concerne à arma e munições encontradas na posse do arguido, reconhecimento presencial, declarações das testemunhas ouvidas em inquérito e elementos extraídos das intercepções telefónicas, no que concerne ao roubo - extrai-se a convicção forte de que o arguido participou neste crime, juntamente com outros elementos que estão ligados ao denominado “grupo do Vânio”, a sua maioria também em prisão preventiva, por envolvimento em vários assaltos à mão armada.
O crime de roubo imputado ao arguido é punível com pena de prisão de 3 a 15 anos. Para além desse, a imputação abrange dois crimes de detenção de arma e munições proibidas, puníveis igualmente com pena de prisão, embora mais leve que aquela.
Trata-se de crime de natureza dolosa, punível com pena de prisão superior a 5 anos, pelo que estão preenchidos os requisitos específicos do art. 202.º, n.º 1, al. a), do CPP.
Tal como se refere no despacho recorrido, há manifesto perigo de fuga do arguido, de nacionalidade guineense, com família na Guiné, sem emprego, detentor de passaporte, demonstrando os autos a grande dificuldade em ser encontrado pela polícia no decurso da presente investigação.
Face à natureza e circunstâncias dos crimes em causa e ainda porque o arguido não tem outros meios de subsistência conhecidos (não tem emprego), há sério perigo de continuação da actividade criminosa, para além de que o crime de roubo dos autos se insere numa longa lista de crimes violentos perpetrados nos últimos meses, com maior incidência nos meses de verão, muitos deles levados a cabo, segundo os indícios existentes, pelos vários elementos do mesmo “grupo do Vânio” – embora o recorrente só esteja indiciado por um deles – e que causaram grande alarme social e sentimento generalizado de insegurança, constituindo tema recorrente na comunicação social e conversas de rua, revelando a intranquilidade gerada pela onda de criminalidade então verificada, de roubos a bancos e veículos de transporte de valores, que levou mesmo a iniciativas de carácter legislativo no sentido do alargamento das situações de prisão preventiva a todos os crime cometidos com o uso de arma proibida, aguardando-se, para breve, a publicação das correspondentes alterações à “lei das armas”.
Assim, estão igualmente preenchidas as condições previstas no art. 204.º, alíneas a) e c), do CPP.
Por outro lado, são respeitados, no presente caso, os aludidos princípios da adequação e porporcionalidade, pois, por um lado, a medida imposta é adequada a realizar os objectivos que com ela se pretendem atingir - evitar a fuga e a prática, pelo arguido, de novos crimes, bem como a intranquilidade pública, face ao elevado e crescente número de crimes violentos, do género dos destes autos, que transforma em potencial vítima qualquer cidadão deste país, em especial nos maiores aglomerados urbanos - e nenhuma das outras medidas coactivas, nomeadamente a medida de obrigação de permanência na habitação, ainda que com utilização de meios técnicos de controlo à distância, se mostra adequada e suficiente ao afastamento dos mencionados perigos, por outro, em caso de condenação, a pena será sempre – salvo se, em julgamento, se vierem a provar circunstâncias que, pelo seu especial relevo, permitam uma atenuação extraordinária da pena ou a convolação para crimes menos graves – superior a 3 anos de prisão (limite mínimo aplicável ao crime de roubo agravado, sendo certo que há outros crimes em concurso real que, necessariamente, farão subir a pena final).
A aplicação da prisão preventiva ao arguido ora recorrente também não constitui qualquer ofensa ao princípio da igualdade, contrariamente ao alegado, invocando aquele que, nestes mesmos autos, foi aplicada medida mais benéfica a outros arguidos.
Não identifica, todavia, quais foram esses arguidos que beneficiaram de medida mais benéfica, como não está demonstrado que estejam em condições análogas ao recorrente. A fazer fé no afirmado pelo MP nas suas contra-alegações, muitos outros arguidos, membros do grupo do X…, estão em prisão preventiva: o próprio X…, o B…, o S…, etc.
De qualquer forma, mesmo sendo co-autores do mesmo crime, nada obsta a que um arguido fique em prisão preventiva e outro (ou outros) não, já que a aplicação de tal medida de coacção, como qualquer outra, depende de vários factores que podem verificar-se relativamente a uns dos arguidos e não se verificarem quanto a outros, nomeadamente os perigos de fuga ou de continuação da actividade criminosa, sem que tal diferença de estatuto processual corresponda a qualquer discriminação que fundamente eventual violação ao princípio da igualdade.
Só haverá ofensa a tal princípio caso seja dispensado diferente tratamento ao que é igual ou idêntico, ou quando seja tratado de modo igual aquilo que é estruturalmente diferente, mas não haverá violação quando são tratadas de modo diferente situações também elas diversas.
Em conclusão: todos os pressupostos da prisão preventiva se mostram preenchidos e foram ponderados no despacho recorrido, não merecendo o mesmo qualquer censura, sendo, por isso, de manter.

3.4. Dispondo os artigos 193°, n.° 2 e 204º, n.° 1, ambos do CPP, que a prisão preventiva só pode ser aplicada quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção - e nada disto sucede - segue-se que, na interpretação que deles é feita no douto despacho recorrido, estão aqueles preceitos feridos de vício de inconstitucionalidade material por violação do princípio da legalidade e subsidiariedade previstos no artigo 28º, n.º 2 da CRP?

Diz o art. 193.º, n.º 2:

“A prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação só podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção.”

O art. 204.º não contém um n.º 1, mas sim três alíneas, sendo do seguinte teor:

“Nenhuma medida de coacção, à excepção da prevista no artigo 196.º, pode ser aplicada se em concreto se não verificar, no momento da aplicação da medida:

a) Fuga ou perigo de fuga;

b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou

c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.”

Quanto ao art. 28.º, n.º 2, da CRP, diz o seguinte:
“A prisão preventiva tem natureza excepcional, não sendo decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei.”

Da argumentação da recorrente não resulta com clareza se invoca a inconstitucionalidade da própria decisão judicial que aplicou a prisão preventiva ou, diversamente, se das normas por aquela aplicadas, sendo certo que a inconstitucionalidade na primeira das perspectivas não seria sequer de conhecer.

Quanto ao sentido da aplicação dos normativos acabados de citar, é ele o seguinte:

- quanto ao art. 204.º, o de que se verificam, em concreto, os pressupostos das alíneas a) e c) – perigo de fuga e de continuação da actividade criminosa, para além da grave perturbação da tranquilidade pública;

- quanto ao art. 193.º, n.º 2, a conclusão é de que, no caso concreto, não se mostram adequadas ou suficientes quaisquer outras medidas de coacção menos gravosas do que a prisão preventiva.

Não há outro sentido possível a dar a tais normas.

Ou se verificam, ou não se verificam, os pressupostos gerais de aplicação da medida de coacção. Ou há, ou não há, outras medidas de coacção que se apresentem suficientes em termos cautelares.

O tribunal entendeu que, no presente caso, se verificam aqueles pressupostos e que não há outras medidas menos gravosas que sejam adequadas e suficientes aos fins pretendidos. O que está, do nosso ponto de vista, em plena conformidade com as disposições constitucionais.

Não é pelo simples facto de o recorrente discordar de tal conclusão do tribunal – entendendo aquele, diversamente, que não se verifica tal inadequação ou insuficiência – que aquelas normas processuais penais passam a sofrer de inconstitucionalidade por violação dos princípios da legalidade e subsidiariedade previstos no art. 28.º, n.º 2, da CRP.

Em conclusão, inexiste violação de qualquer um dos dispositivos legais citados pelo recorrente, sendo de improceder o recurso.

III. DECISÃO:
Em conformidade com o exposto, nega-se provimento ao recurso do arguido H…, confirmando-se o despacho recorrido.
Custas pelo recorrente, com 4 (quatro) UC de taxa de justiça – art. 87.º, n.ºs 1, al. b) e 3, do CCJ.
Notifique.
(Processado em computador e revisto pelo relator, o primeiro signatário).

Lisboa,    11/11/2008

José Adriano
Vieira Lamim