Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
15910/17.8T8LSB-A.L1-1
Relator: RENATA LINHARES DE CASTRO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA LISTA DE CRÉDITOS
RECTIFICAÇÃO DE ERROS MATERIAIS
NULIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/04/2024
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. A lista definitiva de créditos reconhecidos e não reconhecidos a que alude o artigo 129.º do CIRE não é susceptível de ser posteriormente alterada, salvo se ocorrer uma situação de erro manifesto ou se for julgada procedente impugnação que à mesma tenha sido apresentada – artigo 130.º do CIRE.
II. O disposto no ponto anterior não obsta a que sejam rectificados evidentes lapsos materiais que a lista apresente (porquanto os mesmos não acarretam qualquer alteração substancial dos créditos, não interferindo no desfecho da sentença de verificação e graduação de créditos), sem que tal rectificação tenha algum reflexo no decurso dos prazos que estiverem em curso.
III. Considerando que os artigos 128.º a 131.º do CIRE estatuem um regime de prazos concatenados uns com os outros, tendo a mencionada lista sido apresentada pelo Administrador da Insolvência no prazo previsto pelo n.º 1 do artigo 129.º do CIRE, não tem a mesma que ser notificada aos credores, notificação essa que apenas se impõe nos casos previstos no n.º 4 do mesmo preceito.
IV. Não estando um crédito contemplado na lista de créditos reconhecidos, nem na lista de créditos não reconhecidos, deverá o seu titular impugnar tal omissão nos 10 dias subsequentes àquele em que a lista tiver sido disponibilizada para consulta.
V. Na eventualidade de o credor dever ser avisado nos termos previstos pelo artigo 129.º, n.º 4, do CIRE e tal formalidade não ter sido cumprida, deverá aquele suscitar tal irregularidade (a qual consubstanciará nulidade processual susceptível de influir na decisão de verificação e graduação de créditos a proferir) no prazo de 10 dias após dela ter tido conhecimento ou de ter intervindo no processo, sob pena de a mesma se considerar sanada – artigos 195.º, n.º 1, 197.º, n.º 2 e 199.º, n.º 1, ambos do CPC.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - RELATÓRIO
Farmácia XX, Unipessoal, Lda. foi declarada insolvente por sentença proferida em 10/08/2017, já transitada em julgado.
Em 19/09/2017, pelo Administrador de Insolvência (AI)[1] foi apresentado o relatório a que alude o artigo 155.º do CIRE[2], sendo que a assembleia de credores para apreciação do mesmo ocorreu no dia 26 do mesmo mês.
Nesta última foram aprovadas as seguintes propostas: a) manutenção da actividade da insolvente; b) apresentação do plano de insolvência no prazo de 30 dias, com suspensão da liquidação da partilha; e c) atribuição da administração à devedora (todas elas com o voto favorável, entre outros, W).
Por despacho de 30/10/2018, em face da ausência de qualquer plano de insolvência, foi determinado que os autos prosseguissem para liquidação, cessando a suspensão da liquidação e partilha que havia sido ordenada.
Em 21/09/2017, o AI apresentou a lista definitiva dos créditos reconhecidos e não reconhecidos a que alude o artigo 129.º do CIRE, tendo sido autuado o competente apenso de reclamação de créditos (ou seja, em momento anterior àquele em que se realizou a assembleia de credores, mas já após ter terminado o prazo para apresentação das reclamações).[3]
No dia 25 do mesmo mês (por sua iniciativa e sem adiantar qualquer justificação), o AI juntou nova lista[4], a qual apenas diverge da anteriormente apresentada no seguinte aspecto: o crédito reconhecido à credora S … é agora identificado – montante reclamado e reconhecido: 14.560,60€ (13.523,86€ de capital e 1.036,82€ de juros), fundamento: salários; natureza: privilegiado –, quando na primeira lista apenas estava identificada a credora.
E, em 02/10/2017 (novamente por sua iniciativa e sem adiantar justificação) voltou a apresentar uma terceira lista.
Nesta última, manteve inalterados os créditos anteriormente reconhecidos, aditando, no entanto, mais dois:
- Credora W - montante reclamado e reconhecido: 1.247.054,99€; fundamento: fornecimento de bens; natureza: garantido (1.214.385,132€) e comum (32.669,86€); e
- Credor P - montante reclamado e reconhecido: 8.988,67€ (6.137,12€ de capital e 2.851,55€ de juros); fundamento: fornecimento de bens; natureza: comum.
A listagem apresentada pelo AI mereceu impugnações:
- Em 06/10/2017, pela credora Y … SA, Sucursal em Portugal, por entender, no que aqui releva, que o seu crédito deverá ser classificado como garantido, porquanto beneficia de penhor sobre o estabelecimento comercial de farmácia[5] – sobre esta impugnação pronunciaram-se a credora K … – Sucursal em Portugal (em 20/10/2017) e a insolvente (em 27/12/2017);
- Em 27/10/2017, pela insolvente – sobre esta impugnação pronunciou-se a credora Y … SA, Sucursal em Portugal (em 30/10/2017)[6].
De ambas as impugnações foi notificado o mandatário da apelante W – cfr. Ref.ªs/Citius 369858626 (11/10/2017) e 16722490 (27/10/2017).
Em 21/06/2021, veio a credora Y … SA, Sucursal em Portugal, requerer a redução do seu pedido.
Tendo concluído tal requerimento nos seguintes moldes: “Termos em que se requer a redução do pedido formulado para os seguintes valores: // - Mútuo com hipoteca: // capital = 272.596,78 € // Descoberto: // capital = 3.723,00 € // juros = 2.457,32 € // imposto do selo = 98,29 €, // Num total de 278.875,39 €, dos quais 2.537,33 € serão subordinados (correspondentes aos juros e imposto do selo vencidos após a sentença declaratória de insolvência).”
Deste requerimento também foi notificada a apelante W… – Ref.ª/Citius 29592301).
Foram apreendidos para a massa insolvente o alvará n.º xx emitido pelo Infarmed e bens móveis – apenso M.
Em 17/11/2023[7] foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos na qual se escreveu:
“(…) Em 21-09-2017 sob a referência REFª: 26820750, o Administrador de Insolvência junta a “lista definitiva de credores reconhecidos e não reconhecidos”. // Em 25-09-2017 e 02-10-2017, sem qualquer aparente, nem notificação para o efeito, o Administrador de Insolvência voltou a juntar a lista de credores. // Em 06-10-2017 o credor Y … SA, SUCURSAL EM PORTUGAL, através da REFª: 26966239, impugna o seu crédito quanto à sua natureza. (…) Nos presentes autos, a insolvência foi declarada por sentença transitada em de 31-8-2017. // Foi fixado o prazo de 30 dias para reclamação de créditos // O Sr. Administrador de Insolvência apresentou várias listas de créditos reconhecidos sucessivamente. // Não houve créditos não reconhecidos. // A prática seguida nestes autos – e infelizmente noutros – por parte do Administrador da Insolvência de juntar sucessivas listas alteradas ou rectificadas ou aumentadas impossibilita o funcionamento do sistema tal como a lei o concebeu: os credores não notificados apenas têm obrigação de consultar os autos após o termo do prazo de apresentação da lista pelo Administrador da Insolvência para saberem se têm interesse em impugnar a lista. // O que implica o respeito de prazos sucessivos e encadeados. // Prazos de natureza urgente nos termos do art. 9.º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas. // Devendo a prática ser, em caso de decurso do prazo para apresentar a lista, se o Administrador da Insolvência se enganar ou entender dever ser alterada a lista apenas pode contactar os credores atingidos para que impugnem a lista. Não pode é alterar a lista que já apresentou. // Menos ainda apresentar várias sucessivamente sem mais. // Acresce que, no caso vertente, não estamos perante uma rectificação de um erro material ou de escrita, mas perante a reapreciação dos créditos. // O requerimento de junção de subsequentes listas constitui assim acto que a lei não prevê e cuja prática influi no exame e decisão da causa. Consequentemente, será apenas considerada a primeira lista. // O prazo de impugnação contado nos termos do art. 130/1 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas terminou assim dia 1-10-2017. // Porquanto, á data de 6-10-2017 aquando a apresentação da impugnação pela Y … SA, SUCURSAL EM PORTUGAL, através da REFª: 26966239, já o prazo de impugnação da lista havia expirado. // Pelo que, por intempestiva, se rejeita a impugnação deduzida nos autos. // Na decorrência, consideram-se prejudicados todos requerimentos apresentados subsequentemente nos autos de resposta.”
Mais se tendo consignado:
“(…) por terem sido reconhecidos pelo Administrador de Insolvência consideram-se verificados os créditos relacionados nos factos assentes, nos montantes aí referidos. Com a alteração da redução do pedido da Y … SA quanto ao crédito reclamado, subsistindo a natureza que o Administrador de Insolvência lhe reconheceu.
3.3. Graduação de Créditos // Verificados os créditos, cumpre proceder à sua graduação, tendo em conta a lista homologada e as disposições legais aplicáveis. // Importa ainda ter em consideração a composição da massa insolvente. // No caso vertente foram apreendidos bens móveis. // A regra geral é a de que todos os credores estão em situação de igualdade perante o património do devedor, existem, porém, causas de preferência no pagamento, legalmente consagradas, que podem incidir sobre alguns bens ou todos os bens do insolvente. (…)
No caso concreto, e de acordo com a lista de créditos julgados verificados, existem créditos privilegiados, e créditos comuns. // No que respeita aos privilégios cura atender aos créditos dos trabalhadores, com créditos laborais assinalados pelo Sr. Administrador de Insolvência na lista, importando ter em atenção o estabelecido no art. 333 do Código de Trabalho, que estabelece que os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação pertencentes ao trabalhador, gozam, entre outros, dos seguintes privilégios: // - Privilégio creditório mobiliário geral, graduado antes dos créditos referidos no n.º 1 do art. 747 do Código Civil (a). // 1-Os créditos reconhecido à Fazenda Nacional referentes: // - ao IVA constituído menos de 12 meses antes do início do processo (art.97/1/a), do CIRE) goza de privilégio mobiliário geral, nos termos do art. 736/1 do Código Civil e 104 do CIVA. // -ao IRC constituído menos de 12 meses antes do início do processo (art. 97/1/a), do CIRE) goza de privilégio mobiliário geral, nos termos do art. 116 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas; // -ao IRS nos termos do art. 111 do CIRS - Decreto-lei 442-A/88, de 30-11 e 736 e 747 do Código Civil relativo aos últimos três anos, a Fazenda Pública gozam de privilégio mobiliário geral e imobiliário sobre os bens existentes no património do sujeito passivo à data da penhora ou outro acto equivalente. // -Os juros de mora gozam do privilégio que seja atribuído ao crédito sobre o qual recaiam, nos termos do art. 8.º do DL 73/99, de 16-3. // Quantos aos pagamentos são feitos nos termos dos arts. 174 a 177 do CIRE aos diversos credores.”
Decidindo-se a final:
Nos termos e pelos fundamentos expostos:
A) Julgo verificados os seguintes créditos: 1. Y … SA comum 370.330,48, reduzido a 278.875,39 €-comum, dos quais 2.537,33 € subordinados // 2. Banco Comercial Português, SA. comum 350.650,98 // 3. Banco Santander Totta, SA. comum 74.426,99 // 4. Deutsche Bank Aktiengesellschaft comum 27.163,35 // 5. Glaxosmithkline-Consumer Healthcare Produtos para a Saúde e Higiene, Lda. - comum 8.544,67 // 6. Instituto da Segurança Social Centro Distrital de Lisboa comum 64.656,87 // 7. IA … privilegiado 10.552,15 // 8. K… - Sucursal em Portugal comum 600.000,00 // 9. Linde Portugal, Lda. comum 1.651,28 // 10. Ministério Público - Procuradoria do Juízo de Comércio de Lisboa -privilegiado 3.080,22, comum 194.759,36, total 197.839,58 // 11. Ministério Público - Procuradoria do Juízo de Comércio de Lisboa comum 812,50 // 12. Mylan, Lda. comum 1.686,13 // 13. Novo Banco, S.A. comum 8.236,99 // 14. S … privilegiado 14.560,68 // 15. E do apenso E o crédito comum de € 76,50 reconhecido ao Ministério Público. // 16. O do apenso F ao mesmo credor no valor de € 306, comum.
B) Para serem pagos pelo produto da liquidação: // Quanto aos bens móveis: // 1. Em primeiro lugar, os créditos privilegiados dos trabalhadores,. 2.Em segundo lugar: Créditos privilegiados reconhecidos ao credor Fazenda Nacional, representado pelo Ministério Público. // 3. Em terceiro lugar, na mesma posição rateadamente créditos comuns nos valores apontados supra.”
Não se conformando com tal sentença, dela interpôs RECURSO a credora W, tendo para tanto formulado as CONCLUSÕES que aqui se transcrevem:
A. O presente recurso tem por objeto a sentença de verificação e graduação de créditos proferida pelo Tribunal a quo a fls…, que não graduou o crédito garantido da ora Apelante sobre um acordo de reconhecimento e regularização de dívida com penhor mercantil de estabelecimento comercial e fiança.
B. O referido crédito encontra-se garantido por penhor mercantil conferindo à apelante o direito do seu crédito ser graduado como garantido.
C. Não foram reconhecidos créditos à aqui Apelante no valor de €1.247.054,99 em virtude do mesmo constar da última lista do art. 129 CIRE apresentada pelo Sr. Administrador de Insolvência e não da primeira.
D. Contudo, em regra, na altura da reunião da assembleia de credores existirá apenas a lista provisória de credores referida no artigo 154.º do CIRE. No caso concreto essa assembleia foi realizada em 26/09/2017, tendo a lista de créditos definitiva sido elaborada a 02/10/2017.
E. A Apelante esteve presente votando a favor das deliberações discutidas na assembleia.
F. A aqui Recorrente é a actual detentora de todo o valor reclamado a título de crédito garantido e o seu crédito deve ser graduado e pago pela preferência que legalmente lhe competir.
G. Salvo melhor opinião, relativamente aos factos sub judice, existiu uma incorreta interpretação e aplicação das normais legais aplicáveis por parte do Tribunal a quo e lapso manifesto na concreta graduação dos créditos reclamados pela Recorrente.
H. Consequentemente, deve o crédito garantido da Apelante ser graduado no valor global de €1.247.054,99.
Termos em que, deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, consequentemente:
1 - Revogar-se a sentença sub judice na parte em que não procedeu à correcta verificação e graduação dos créditos da Recorrente no valor global de €1.247.054,99.
2 – Verificar e graduar o crédito reclamado como garantido a favor da ora Recorrente nos termos ora peticionados, tudo com as legais consequências,
ASSIM FAZENDO V. EXAS. A COSTUMADA JUSTIÇA.”
Por também não se conformar com a mesma sentença, dela interpôs RECURSO a credora Y … SA, Sucursal em Portugal, tendo para tanto formulado as CONCLUSÕES que aqui se transcrevem:
1. O Sr. Administrador da Insolvência procedeu à junção da relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos (que inclui o crédito da aqui recorrente – credora n.º 1).
2. O crédito reclamado pela aqui recorrente foi reconhecido, no entanto de forma diversa daquela que havia sido reclamada.
3. Estabelece o artigo 129.º, n.º 4 do CIRE que “todos os credores não reconhecidos, bem como aqueles cujos créditos forem reconhecidos sem que os tenham reclamado, ou em termos diversos dos da respetiva reclamação, devem ser disso avisados pelo administrador de insolvência, por carta registada ou por um dos meios previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 128.º (…)”.
4. A sentença recorrida reconhece “o administrador da insolvência tem que avisar os credores não reconhecidos e os credores cujos créditos reconheceu sem que estes os tivessem reclamado ou reconheceu em termos diversos da respetiva reclamação.”
5. Mais reconhecendo que, nos termos do artigo 130.º, n.º 2 do CIRE, “no casos dos credores avisados nos termos do art. 129/4, o prazo de impugnação conta-se a partir da notificação.”
6. O Sr. Administrador da Insolvência não procedeu à notificação da aqui recorrente quanto à lista provisória dos créditos reconhecidos e não reconhecidos, incumprindo o disposto na referida norma.
7. Foi a própria recorrente que, sem ter conhecimento da lista e já decorrido o prazo para o envio da mesma por parte do AI, requereu a sua associação aos presentes autos de insolvência através da plataforma Citius com intuito de da mesma ter conhecimento.
Ademais, interpelou o Sr. Administrador da Insolvência para o envio.
8. Se o Sr. AI relacionou o crédito da recorrente como reconhecido mas de forma diversa do reclamado, impunha-se o cumprimento do artigo 129.º, n.º 4 do CIRE.
9. O TR de Guimarães, no Acórdão de 30.11.2017, proc. n.º 4437/16.5T8OAZ.G1, disponível em www.dgsi.pt pronunciou-se quanto a esta questão no seguinte sentido “Poderá suscitar-se a questão de não haver reclamação apresentada pela credora nos termos do artº 128º, do CIRE - o que não é o caso nos presentes autos, pois a recorrente apresentou a sua reclamação de créditos). “Porém, para além de se entender que, ante a configuração da reclamação de créditos estatuída no artº 128º, «o processamento das reclamações surge no CIRE com um modelo bem diferente, que se evidencia, desde logo, na apresentação dos respectivos requerimentos e constitui uma das manifestações mais significativas da desjudicialização do processo de insolvência (…)», podem ser reconhecidos ou não reconhecidos pelo administrador da insolvência créditos que sejam conhecidos deste por outra forma que não a reclamação propriamente dita e estabelecida no artº 128º. Aliás, o administrador pode até reconhecer créditos não reclamados, como decorre expressamente do nº 4, do artº 129º. Ademais, independentemente da questão da rejeição da impugnação do crédito da recorrente com base na inobservância do artº 130º, nº 1, do CIRE, como fundamentou o tribunal recorrido, coloca-se preliminarmente a questão atinente à omissão de notificação a que alude o mesmo nº 4, do artº 129º (sublinhado nosso).
10. Por via dessa omissão, é vedado à credora reclamante e a todos os demais que também não tenham sido notificados o direito de impugnar o reconhecimento do seu crédito nos termos reclamados.
11. O Acórdão da TRG anteriormente citado decidiu que “(…) assim sendo, estamos perante preterição de uma formalidade que influi no exame ou decisão da causa, visto que a falta de aviso ou notificação da credora, à qual não foi reconhecido o crédito por parte do administrador, impediu-a de exercer o direito de impugnação da lista, nos termos e para os efeitos do artº 130º, nº 1, do CIRE.”
12. A omissão da notificação da credora reclamante, aqui recorrida, influi na decisão da causa e, por esse motivo, enferma de nulidade, nos termos do artigo 195.º do CPC.
13. Nesse sentido, não pode deixar de se entender que a ora sentença recorrida foi proferida em consequência desse ato omissivo do Sr. AI.
14. Nos termos do artigo 195.º do CPC “Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.”
15. Às nulidades verificadas no processo de insolvência são supletivamente aplicáveis as regras do Código de Processo Civil (vide artigo 17.º do CIRE).
16. Acresce ainda que, não tendo o Tribunal a quo aferido da realização da notificação aos credores cujos créditos foram reconhecidos em termos diversos dos da respetiva reclamação, como é o caso da recorrente, entendemos que, salvo devido respeito por opinião distinta, a douta sentença ora recorrida foi proferida em contexto de erro.
17. O Tribunal a quo não curou de saber se a credora reclamante havia sido devidamente notificada da lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos por parte do Sr. AI, questão essencial para a boa decisão da causa.
18. Assim, a sentença ora recorrida é nula na parte em que se pronuncia quanto à intempestividade da referida impugnação, uma vez que ocorre omissão de pronúncia sobre uma questão que podia e devia conhecer, donde resulta, por um lado, erro de julgamento, por erro nos pressupostos da questão a decidir (regularidade das formalidades) e, por outro lado, a nulidade da sentença por se verificar a preexistência de nulidade insuprível (omissão de formalidade legalmente prevista), que importa na anulação de todo o processado subsequente, tudo em conformidade ao disposto nos artigos 129º, n.º 4 do CIRE e 195º e 615.º, n.º 1 al. d) do CPC.
19. Atento o supra exposto, deve a sentença aqui objeto de recurso ser revogada e ser declarada a nulidade de todo o processado subsequente à junção da relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos, determinando-se a notificação da credora reclamante, aqui recorrente, nos termos do artigo 129.º, n.º 4 do CIRE.
Sem prescindir, por mera cautela,
20. O Sr. AI juntou duas listas de créditos nos presentes autos, uma no dia 21.09.2017 e outra no dia 25.09.2017.
21. O Tribunal a quo refere apenas ser de considerar a primeira, porquanto não existe na lei fundamento que permita a junção de nova lista alterada, retificada ou aumentada, mais afirmando que as alterações verificadas não foram introduzidas por meros lapsos de escrita mas sim por reapreciação dos créditos.
22. Contudo, ao contrário do que é referido na douta sentença recorrida, o que extraímos da lista com data de 25.09.2017 não é uma reapreciação dos créditos, mas sim uma retificação a lapsos de escrita que em nada influenciaram a reapreciação dos créditos.
23. Nos termos do artigo 249.º do CCiv., “o simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta.”
24. Foi precisamente o que fez o Sr. AI, retificou os erros de escrita, ato legalmente previsto e que não influi, in casu, no exame e decisão da causa.
25. Mais se acrescenta que, é o próprio Tribunal a quo que decide com base na lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos datada de 25.09.2017, porquanto julga verificado e graduado como privilegiado o crédito de S …, no valor de 14.560,68€, o qual consta da lista datada de 21.09.2017, contudo padecendo de lapso de escrita, constando da lista de 25.09.2017 já devidamente retificado.
26. Atento o exposto, considerando a lista de créditos de 25.09.2017, sempre deveria a impugnação à lista de créditos deduzida pela credora reclamante, aqui recorrente, ser julgada tempestiva e devidamente apreciada porquanto foi apresentada em juízo no 1º dia útil com multa nos termos do artigo 139.º, n.º 5, al. a) do CPC,
27. Assim, deve a sentença recorrida ser revogada e consequentemente ser declarada a tempestividade da impugnação deduzida pela recorrente à lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos e apreciado o mérito da mesma.
Ainda, sem prescindir, caso assim não se entenda,
28. Estatui o artigo 248.º, n.º1 “Os mandatários são notificados por via eletrónica nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º, devendo o sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais certificar a data da elaboração da notificação, presumindo-se esta feita no terceiro dia posterior ao do seu envio, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.”
29. Ora, considerando que o Sr. AI procedeu a junção aos autos, através da plataforma de suporte à atividade dos tribunais – Citius, da lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos no dia 21.09.2017, deve a presunção do artigo 248.º, n.º 1 do CPC ser aplicada a este caso em concreto, devendo o prazo de 10 dias para efeitos do 130.º, n.º 1 do CIRE iniciar-se após a dilação dos 3 dias.
30. Atento o exposto, sempre deveria a impugnação à lista de créditos deduzida pela credora reclamante, aqui recorrente, ser julgada tempestiva e devidamente apreciada, porquanto foi apresentada em juízo no 1º dia útil com multa, nos termos do artigo 139.º, n.º 5, al. a) do CPC. Assim, deve a sentença recorrida ser revogada e consequentemente ser declarada a tempestividade da impugnação deduzida pela recorrente à lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos e apreciado o mérito da mesma.
Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser dado inteiro provimento ao presente recurso, acolhendo-se as razões invocadas pela recorrente, revogando-se, em consequência, a douta sentença recorrida, com o que se fará sã e costumeira justiça.”
A insolvente apresentou CONTRA-ALEGAÇÕES[8] a ambos os recursos.
Com relação ao recurso da credora Y … SA concluiu:
“1. No quanto tange à invocada nulidade, a mesma teria de ser invocada no prazo de dez dias, e não, como veio a ocorrer, mais de 5 (cinco) anos depois.
2. “Nas decisões judiciais não impugnáveis por via de recurso o trânsito em julgado verifica-se findo o prazo de dez dias para arguição de nulidades ou apresentação de pedido de reforma (correcção) ou de aclaração, por aplicação subsidiária do art.º 677º (art.º 628º do novo diploma) do CPC de 1961, “ex vi” do art. 4º, do Código de Processo Penal e em atenção ao prazo-regra fixado no n.º 1 do art. 105.º do Código de Processo Penal.” In Ac. TR de Évora, Proc. 234/06.4GELSB.E1.
3. Assim e na verdade, outro não pode ser o entendimento deste douto Tribunal superior, senão o de que, o direito pré existente na esfera jurídica da recorrente, para vir invocar a referida nulidade, se encontra caduco, e não pode pela mesma ser exercido.
4. Também não procede o fundamento, de imputação no douto Tribunal a quo, de uma responsabilidade que apenas existe e surge como ónus da recorrente, pois que não é ao douto Tribunal a quo que compete indagar se as partes são devidamente notificadas ou não.
5. Cabe outrossim as partes, quando não são bem notificadas, dentro dos respectivos prazos legais, adoptar os mecanismos que a lei lhes concede, para fazerem valer o seu Direito, o que a recorrente não fez.
6. Também não assistirá razão à recorrente, no argumento de que a listagem que deveria determinar o inicio da contagem do prazo, seria a listagem de 25.09.2017, quando é a própria que alega que, “Contudo, ao contrário do que é referido na douta sentença recorrida, o que extraímos da lista com data de 25.09.2017 não é uma reapreciação dos créditos, mas sim uma rectificação a lapsos de escrita que em nada influenciaram a reapreciação dos créditos.”
7. “7. Se fosse admitido que, ao abrigo da possibilidade de correcção de erros materiais, se pudesse substituir uma peça processual por outra totalmente distinta, para além do prazo peremptório que a lei adjectiva fixa para a prática do acto, estar-se-ia a subverter completamente a tramitação processual, abrindo-se a porta para que, mediante a utilização ardilosa de um procedimento deliberadamente assumido com vista à ulterior alegação de erro material, não mais fossem respeitados os prazos peremptórios legalmente fixados para a prática dos actos processuais.” In Ac. TR de Lisboa, Proc. 493/09.0TCFUN.L1-1
8. Mutatis mutandis, também o fundamento da aplicação do disposto no artigo 139.º CPC, deverá improceder e também assim, outra não podia ser a conclusão, senão a de que “(…) por intempestiva, se rejeita a impugnação deduzida nos autos.”, por aplicabilidade ao caso concreto do brocardo latino LEX SPECIALIS DEROGAT LEGI GENERALI.
9. dispõe o artigo 130.º CIRE que: “1 - Nos 10 dias seguintes ao termo do prazo fixado no n.º 1 do artigo anterior, pode qualquer interessado impugnar a lista de credores reconhecidos através de requerimento dirigido ao juiz, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorrecção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos.”
10. Fazendo especial ressalva para a questão da presunção do terceiro dia útil: “2 -Relativamente aos credores avisados por carta registada, o prazo de 10 dias conta-se a partir do 3.º dia útil posterior à data da respectiva expedição.”
11. Assim, certo é de constatar que não existe a aplicabilidade da presunção do terceiro dia útil, conforme o pretende assacar a recorrente, pois que caso contrário, não existiria desde logo uma norma especifica que o prevê, mas apenas para o caso previsto de aviso por carta registada.
12. Ao dispor o artigo 130.º/1 CIRE que nos 10 dias seguintes ao termo do prazo fixado no n.º 1 do artigo anterior (não se fazendo menção aos 10 dias seguintes à notificação, mas ao invés, 10 dias seguintes ao termo do prazo) poderá qualquer interessado impugnar a lista de credores, quando aplicado ao caso concreto, determina que o prazo iniciou-se no dia 21.09.2017 e que terminou a 02.10.2017 (porquanto 01.10.2017 foi domingo, dia não útil, portanto o terminus do prazo transfere-se para o dia imediatamente seguinte).
13. Inquestionável é, porém, que a recorrente deu entrada do seu requerimento, no dia 06.10.2017, ou seja, um dia útil posterior ao terminus do prazo, ainda que se prevendo a aplicabilidade do disposto no arigo 139.º CPC.
14. Termos em que, reiterando-se e sufragando-se o entendimento da douta sentença proferida nos seus termos, à data de 6-10-2017 aquando a apresentação da impugnação pela Y … SA, SUCURSAL EM PORTUGAL, através da REFª: 26966239, já o prazo de impugnação da lista havia expirado.
Termos em que com os mais de Direito doutamente supridos por V.ªs. Ex.ªs. se requer a improcedência do recurso apresentado, devendo a douta sentença proferida manter-se nos seus exactos termos por não padecer de qualquer vício, o que desde já se requer para todos os devidos efeitos legais.”
Com relação ao recurso da credora W concluiu:
“1. Inexiste qualquer lapso na douta sentença proferida, outrossim, lapsos existem nas alegações da recorrente, porquanto e desde logo, nunca se esteve perante uma lista provisória dos credores, por referência à que data de 21.09.2017.
2. A listagem de credores, junta no dia 21.09.2017, pelas 15h37, tem como título “LISTA DEFINITIVA NOS TERMOS DO Nº 2 DO ART.º 129º DO C.I.R.E.”.
3. O segundo lapso consequente da recorrente, é a de que não corresponde à Verdade Material dos Factos   de que a lista de créditos definitivos nos termos do art. 129º CIRE foi elaborada em 02.10.2017, isto porquanto conforme melhor resulta dos autos e supra se encontra alegado, a listagem de credores definitiva foi junta aos autos no dia 21.09.2017, pelas 15h37.
4. Aliás, sobre a presente temática, bem se pronunciou a douta sentença proferida, “Devendo a prática ser, em caso de decurso do prazo para apresentar a lista, se o Administrador da Insolvência se enganar ou entender dever ser alterada a lista apenas pode contactar os credores atingidos para que impugnem a lista.”, mais concluindo se forma assertiva e com fundamento legal: “Não pode é alterar a lista que já apresentou.”
5. Não deixando o douto Tribunal a quo, qualquer dúvida: “O requerimento de junção de subsequentes listas constitui assim acto que a lei não prevê e cuja prática influi no exame e decisão da causa. Consequentemente, será apenas considerada a primeira lista.”
6. “7. Se fosse admitido que, ao abrigo da possibilidade de correcção de erros materiais, se pudesse substituir uma peça processual por outra totalmente distinta, para além do prazo peremptório que a lei adjectiva fixa para a prática do acto, estar-se-ia a subverter completamente a tramitação processual, abrindo-se a porta para que, mediante a utilização ardilosa de um procedimento deliberadamente assumido com vista à ulterior alegação de erro material, não mais fossem respeitados os prazos peremptórios legalmente fixados para a prática dos actos processuais.” In Ac. TR de Lisboa, Proc. 493/09.0TCFUN.L1-1
7. Atento o exposto, outro também não poderá ser o entendimento, senão o de bem andou o douto Tribunal a quo em considerar que “(…) requerimento de junção de subsequentes listas constitui assim acto que a lei não prevê e cuja prática influi no exame e decisão da causa. Consequentemente, será apenas considerada a primeira lista.”
8. Forçoso é concluir, que a não notificação da lista nos termos do disposto no artigo 129.º CIRE, não poderá proceder, pois que tal fundamento poderia ser a base da invocação de um nulidade processual.
9. Ocorre porém, que tal direito, se considera já caduco: “Nas decisões judiciais não impugnáveis por via de recurso o trânsito em julgado verifica-se findo o prazo de dez dias para arguição de nulidades ou apresentação de pedido de reforma (correcção) ou de aclaração, por aplicação subsidiária do art.º 677º (art.º 628º do novo diploma) do CPC de 1961, “ex vi” do art. 4º, do Código de Processo Penal e em atenção ao prazo-regra fixado no n.º 1 do art. 105.º do Código de Processo Penal.” In Ac. TR de Évora, Proc. 234/06.4GELSB.E1.
10. No presente caso, a recorrente enquanto credora não viu reconhecido o seu crédito, não tomou qualquer providência juridica, dentro do prazo legal que dispunha para o efeito, sendo que outro não poderá ser assim o entendimento, senão o de que o recurso interposto deverá improceder, o que desde já se requer para todos os devidos efeitos legais.
Termos em que com os mais de Direito doutamente supridos por V.ªs. Ex.ªs. se requer a improcedência do recurso apresentado, devendo a douta sentença proferida manter-se nos seus exactos termos por não padecer de qualquer vício, o que desde já se requer para todos os devidos efeitos legais.”
Ambos os recursos foram admitidos por despacho de 19/12/2023.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II – DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, ressalvadas as questões que forem de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, sem prejuízo de o tribunal ad quem não estar limitado pela iniciativa das partes - artigos 5.º, n.º 3, 608.º, n.º 2, ex vi artigo 663.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC. Contudo, não está este tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas recorrentes, desde que prejudicados pela solução dada ao litígio.
Assim as questões a decidir são:
1. Com relação ao recurso interposto pela apelante W: se ocorreu erro de julgamento por não ter sido verificado e graduado o crédito de que a mesma se arroga;
2. Com relação ao recurso interposto pela apelante Y … SA, Sucursal em Portugal: a) nulidade da sentença por omissão de pronúncia; b) erro de julgamento por ter sido rejeitada a impugnação à lista de créditos reconhecidos apresentada pelo AI, com fundamento em ser a mesma extemporânea.
*
III – FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto
Para além dos factos que constam do relatório que antecede (e cujo teor se dá por reproduzido), na sentença recorrida foi fixada a seguinte factualidade:
I. O Sr. Administrador de Insolvência elaborou a relação de créditos reconhecidos da qual constam os seguintes créditos expressos em euros:
1. Y … SA comum 370.330,48, reduzido a 278.875,39 €-comum, dos quais 2.537,33 € subordinados
2. Banco Comercial Português, SA. comum 350.650,98
3. Banco Santander Totta, SA. comum 74.426,99
4. Deutsche Bank Aktiengesellschaft comum 27.163,35
5. Glaxosmithkline-Consumer Healthcare Produtos para a Saúde e Higiene, Lda. - comum 8.544,67
6. Instituto da Segurança Social Centro Distrital de Lisboa comum 64.656,87
7. IA … privilegiado 10.552,15
8. K … - Sucursal em Portugal comum 600.000,00
9. Linde Portugal, Lda. comum 1.651,28
10. Ministério Público - Procuradoria do Juízo de Comércio de Lisboa -privilegiado 3.080,22, comum 194.759,36, total 197.839,58
11. Ministério Público - Procuradoria do Juízo de Comércio de Lisboa comum 812,50
12. Mylan,Lda. comum 1.686,13
13. Novo Banco, S.A. comum 8.236,99
14. S … privilegiado 14.560,68
15. E do apenso E o crédito comum de € 76,50 reconhecido ao Ministério Público.
16. O do apenso F ao mesmo credor no valor de € 306, comum
II. Foram apreendidos bens móveis conforme apenso M.
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Fundamentação de direito
Sendo o processo insolvencial um processo de execução universal (abrangendo todo o património do devedor) e concursal, ao mesmo são chamados a intervir todos os credores, os quais apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do CIRE, durante a pendência do processo de insolvência – cfr. artigos 1.º, 46.º, n.º 1 e 90.º[9].
Por assim ser, aquando da prolação da sentença que declare a insolvência ter-se-á de fixar o prazo dentro do qual poderão ser apresentadas as reclamações de créditos, prazo esse que, no presente caso, foi fixado em 30 dias – cfr. artigo 36.º, n.º 1, al. j).
E, como resulta do artigo 128.º, n.ºs 1 e 2, nesse prazo, as reclamações terão que ser efectuadas por requerimento endereçado ao AI. Sobre cada um dos credores incide um ónus de reclamação cujo incumprimento poderá constituir impedimento a que os seus interesses/créditos sejam satisfeitos, designadamente por não lhes ser viabilizado que beneficiem do produto da liquidação do activo (desde logo em face do previsto no artigo 173.º).
Porém, para além dos créditos que tenham sido reclamados, o AI deverá igualmente reconhecer aqueles que, apesar de o não terem sido, constem da contabilidade do devedor ou cheguem ao seu conhecimento por qualquer outro meio (artigo 129.º).
Feita esta nota introdutória, analisemos autonomamente cada um dos recursos interpostos.
Do recurso interposto pela apelante W
Insurge-se a apelante contra a decisão da 1.ª instância que não graduou o seu crédito no valor de 1.247.054,99€, decorrente de um acordo de reconhecimento e regularização de dívida com penhor mercantil de estabelecimento comercial e fiança, crédito esse que diz ter reclamado junto do AI.
Alega que “em regra, na altura da reunião da assembleia de credores existirá apenas a lista provisória de credores referida no artigo 154.º do CIRE”, bem como que, no caso, “essa assembleia foi realizada em 26/09/2017, tendo a lista de créditos definitiva sido elaborada a 02/10/2017” - conclusão D).
Mais acrescenta que, no âmbito dessa diligência, a apelante não só esteve presente como nela participou e votou as deliberações propostas.
Por fim, refere não ter sido notificada nos termos previstos pelo n.º 4 do artigo 129.º (quanto ao não reconhecimento do seu crédito pelo AI).
Pretende, pois, a verificação e graduação de tal crédito como garantido.
A insolvente/apelada refuta tais considerações.
Desde já importa realçar que, como resulta do relatório acima descrito, o AI apresentou nos autos três listas para efeitos do disposto no artigo 129.º, sendo que todas elas foram identificadas como listas definitivas (e não provisórias).
A 1.ª instância apenas considerou a primeira dessas listas (apresentada em 21/09/2017), desconsiderando as restantes com fundamento na sua inadmissibilidade.
Sendo certo que a pronúncia sobre tal matéria sempre teria de constituir questão prévia da atinente à verificação e graduação de créditos, porquanto será em função da lista apresentada que o processado se irá desenrolar (seja para efeitos de impugnação à mesma, seja para efeitos da sua imediata homologação pelo juiz – cfr. artigo 130.º), não se poderá deixar de referir que a Mma. Juíza a quo tratou ambas as matérias em sede de “sentença”[10].
Por assim ser, e visando a apelante impugnar igualmente o decidido quanto àquela primeira pronúncia, sempre o recurso se terá de valorar com tal amplitude, ou seja, abrangendo não apenas o decidido em sede de verificação e graduação de créditos, como também o decidido quanto à lista que se assume como juridicamente relevante para efeitos do artigo 129.º (tanto mais que a apelante pretende que a lista a valorar seja a que foi apresentada em 02/10/2017).
Lê-se na sentença recorrida que a junção de sucessivas listas “impossibilita o funcionamento do sistema tal como a lei o concebeu: os credores não notificados apenas têm obrigação de consultar os autos após o termo do prazo de apresentação da lista pelo Administrador da Insolvência para saberem se têm interesse em impugnar a lista. // O que implica o respeito de prazos sucessivos e encadeados. // Prazos de natureza urgente (…) // Devendo a prática ser, em caso de decurso do prazo para apresentar a lista, se o Administrador da Insolvência se enganar ou entender dever ser alterada a lista apenas pode contactar os credores atingidos para que impugnem a lista. Não pode é alterar a lista que já apresentou. Menos ainda apresentar várias sucessivamente sem mais.”
Subscreve-se tal entendimento porquanto, com respeito a esta matéria, os artigos 128.º a 131.º estipulam efectivamente um regime de prazos concatenados uns com os outros, consecutivos, sendo que o prazo para apresentação de impugnações à lista apresentada pelo AI, o qual é de 10 dias, se inicia com o término daquele outro que se mostra previsto no n.º 1 do artigo 129.º.
Só assim não sucede na situação prevista no n.º 4 deste último artigo - com relação aos credores cujos créditos não tenham sido reconhecidos, credores cujos créditos sejam reconhecidos sem que tenham sido reclamados ou credores cujos créditos sejam reconhecidos em termos diversos dos da respectiva reclamação -, já que, aqui, os credores são avisados por carta registada com aviso de recepção (ou nos moldes previstos no artigos 128.º, n.ºs 2 e 3), iniciando a contagem do prazo para a impugnação a partir do 3.º dia útil posterior à data da respectiva expedição – artigo 130.º n.º 2.
Não estando em causa uma situação enquadrável neste n.º 4, uma vez decorridos tais prazos (o fixado na sentença para a reclamação de créditos e o previsto para o AI apresentar a lista), e sem que se imponha qualquer notificação, recai sobre os intervenientes processuais o ónus de se inteirarem do estado do processo (ao mesmo acedendo e consultando – cfr. artigo 134.º, n.º 5) com vista a aferirem e ponderarem a eventual apresentação de impugnações (com relação ao seu próprio crédito ou a algum dos demais créditos)[11].
Apenas se poderia cogitar a exigibilidade de serem os credores notificados na hipótese de não ter sido respeitado pelo AI o prazo a que o mesmo está obrigado para a apresentação das listas de créditos reconhecidos e não reconhecidos (incumprimento esse que no caso não ocorreu) [12].
Estando o reconhecimento de créditos por parte do AI sujeito a uma específica tramitação (obrigando ao respeito pela forma e pelos prazos previstos no artigo 128.º[13]), qualquer outro “reconhecimento” - designadamente através da apresentação de sucessivas listas de créditos reconhecidos e não reconhecidos, por esse meio se inserindo novos credores que não constassem da lista apresentada em primeiro lugar - será processualmente inadmissível, seja por não observar o previsto no artigo 129.º, n.º 1, seja porque isso obstaria a que os demais interessados pudessem impugnar o novo crédito ou, pelo menos, implicaria conceder novo prazo para esse efeito (quando o legalmente previsto havia já decorrido), o que a lei não consente. A proceder-se dessa forma estar-se-ia a desvirtuar a estabilidade e segurança jurídica que o legislador visou com a tramitação prevista para a reclamação de créditos.
Eventuais alterações à lista definitiva de créditos reconhecidos apenas poderão ocorrer na sequência de apreciação judicial de impugnação que à mesma venha a ser deduzida – cfr. artigo 130.º, n.º 1 -, sem prejuízo da apreciação oficiosa de eventual erro (manifesto) que a mesma revele (n.º 3 do mesmo artigo 130.º).
Visando o apenso de verificação e graduação de créditos a estabilização do passivo do insolvente, e estando prevista, como se referiu, específica tramitação processual para tanto, uma vez apresentada pelo AI a lista de credores reconhecidos e de credores não reconhecidos a que alude o artigo 129.º, inviabilizada fica a possibilidade de a mesma vir a ser alterada (designadamente por inserção de novos créditos), fora das situações expressamente ressalvadas[14].
Não assiste, assim, razão à apelante quando refere que a lista aqui em apreço apenas foi “elaborada a 02/10/2017” – conclusão D) das alegações de recurso.
Claro está que o facto de não ser admissível a sucessiva apresentação de listas pelo AI, não obsta a que a lista inicialmente apresentada seja sujeita a correcções que se prendam unicamente com meros lapsos ou erros materiais (o que não será admissível é que sejam introduzidas alterações substanciais – alterações jurídico-substantivas -, como sucedeu com a lista apresentada em 02/10/2017).
Aliás, apesar de não ter sido referido pelo AI, foi precisamente um lapso material que determinou a apresentação de uma “segunda” lista, em 25/09/2017.
Com efeito, na primeira lista (de 21/09/2017), não obstante ter sido relacionada como credora reconhecida S …, por evidente lapso, nada se consignou quanto ao respectivo crédito – tendo ficado por preencher, no quadro elaborado pelo AI, qual o montante reclamado e reconhecido, bem como o fundamento e natureza do crédito. Tal omissão veio a ser colmatada na segunda lista, sem, contudo, interferir com a listagem dos credores que tinham já sido reconhecidos (ou seja, sem que daí tenha resultado qualquer alteração substancial do que anteriormente havia sido consignado).
Por assim ser, o tribunal valorou tão somente a lista inicialmente apresentada em 21/09/2017.
Isto posto, dir-se-á que:
- A lista apresentada pelo AI em 21/09/2017, respeitou o prazo previsto no artigo 129.º, n.º 1;
- Desconhece-se se, e quando, a apelante reclamou junto do AI o crédito em questão (a reclamação não consta do processo e sequer a credora refere quando o terá sido, limitando-se a alegar que o reclamou – cfr. ponto 3 da motivação de recurso);
- Da referida lista não consta o crédito de que a apelante se arroga (seja como reconhecido, seja como não reconhecido);
- Por assim ser, não se tratando de uma situação enquadrável na previsão do n.º 4 do artigo 129.º, não teria o AI de ter notificado a apelante para os efeitos aí previstos (diferente seria caso o crédito constasse da lista dos não reconhecidos);
- Sempre a apelante à lista teve acesso (ou se assim não sucedeu, tal omissão só à mesma será imputável); aliás, há a realçar que, em momento algum, a apelante alegou que a lista apresentada em 21/09/2017 não tenha sido do seu conhecimento aquando da sua apresentação;
- Como consta dos autos principais, em 25/09/2017, a apelante juntou a procuração que outorgou a favor do seu mandatário (o qual passou então a estar associado ao processo[15]), sendo que, tanto a apelante, como o respectivo mandatário, se encontram inscritos na árvore de intervenientes do apenso de reclamação de créditos (mandatário esse que foi, inclusive, notificado das impugnações que à lista de créditos reconhecidos foram deduzidas);
- A apelante reunia todas as condições para se inteirar se o seu crédito havia ou não sido inserido na lista apresentada e, uma vez constada a sua exclusão, reagir através dos meios legalmente previstos (a saber, apresentando a respectiva impugnação nos 10 dias subsequentes[16]);
- Não o tendo feito e, consequentemente, não tendo impugnado a lista, quando tal lhe era possível e exigível, sibi imputet;
Em síntese:
- Não constam do incidente de reclamação de créditos quaisquer outros elementos que permitissem concluir pela existência do invocado crédito (e, nessa sequência, pela existência de eventual erro manifesto na lista que devesse ter sido sindicado pelo juiz)[17];
- Na eventualidade de ter sido tempestivamente apresentada a reclamação de créditos pela apelante (o que se desconhece, já que nada foi junto que o comprove), e apenas por erro imputável do AI o crédito não tenha sido inserido na lista de créditos reconhecidos ou na lista de créditos não reconhecidos, qualquer notificação que tivesse sido omitida constituiria irregularidade que, influenciando a decisão a proferir em sede de verificação e graduação de créditos, traduziria uma nulidade nos termos previstos pelo artigo 195.º, n.º 1 do CPC, nulidade essa que teria de ter sido invocada nos moldes previstos pelo artigo 199.º, n.º 1 do mesmo código – sendo que, caso tivesse actuado com a diligência que o caso exigia, ter-se-ia facilmente apercebido que o seu crédito não havia sido incluído na lista apresentada em 21/09/2017 (e, nessa sequência, reagido atempadamente perante tal exclusão, bem como perante a putativa omissão do cumprimento do n.º 4 do artigo 129.º, tanto mais que foi notificada do que de relevante sucedeu no apenso de reclamação de créditos, como foram as impugnações apresentadas à lista).
Por fim, importa aludir a um último aspecto.
Alega a apelante que: “Da análise global do procedimento é lícito concluir que a recorrente sempre atuou em conformidade com os ditames de boa-fé e que a referida pessoa coletiva estava plenamente convicta que o crédito já estaria reconhecido e inserido na lista definitiva de credores” (ponto 21 da motivação do recurso).
Sucede que, não obstante entendermos ser censurável o hiato temporal (de quase seis anos) que decorreu entre a apresentação da primeira lista e a prolação da sentença no âmbito da qual se decidiu ser essa a que seria valorada (sem que a Mma. Juíza a quo tenha tomado posição quanto a essa matéria em momento anterior), da tramitação do incidente nada resulta que pudesse justificar que a apelante desse como assente ter o seu crédito sido “reconhecido e inserido na lista definitiva de credores”. Com efeito, em momento algum o tribunal recorrido se pronunciou (ou deu causa a tramitação que assim o indiciasse) no sentido de a lista apresentada em 02/10/2017 ser admissível e aceite.
Em face de todo o regime que rege a fase de reclamação, verificação e graduação de créditos, sempre à apelante seria exigível que previsse como possível que a 1.ª instância decidisse nos moldes em que o fez (tanto mais que, sobre esta questão já a jurisprudência se tem pronunciado), acautelando-se contra tal desfecho.
Se, por um lado, será expectável que os credores que tenham tempestivamente reclamado os seus créditos e não tenham sido notificados pelo AI nos termos do referido n.º 4, assumam que os mesmos terão sido reconhecidos e inscritos como tal na lista (o que poderia levar a questionar a existência de um “dever” de consulta da lista), também o é que não estão os mesmos dispensados de actuar de forma interessada e diligente, inteirando-se do efectivo processado (mais ainda quando são intervenientes no apenso em causa). Não actuando os credores de forma cautelosa e proactiva, sempre poderão decorrer para os mesmos consequências altamente prejudiciais (como terá sucedido no caso, na eventualidade de o crédito ter sido tempestivamente reclamado, o que, insiste-se, se desconhece)[18].  
Termos em que terá de improceder a pretensão recursória da apelante W.
Do recurso interposto pela apelante Y … SA, Sucursal em Portugal
Da putativa nulidade da sentença
Dispõe o artigo 615.º, n.º 1, do CPC que a sentença é nula quando: a) não contenha a assinatura do juiz; b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e e) condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
Como decorre desta norma, as causas de nulidade aqui previstas reportam-se à violação de regras de estrutura, conteúdo e limites do poder-dever de pronúncia do julgador, consubstanciando as mesmas vícios formais da sentença ou vícios referentes à extensão/limites do poder jurisdicional (não contendendo, pois, com o mérito da decisão)[19].
Nas conclusões de recurso formuladas pela apelante pode ler-se:
“16. Acresce ainda que, não tendo o Tribunal a quo aferido da realização da notificação aos credores cujos créditos foram reconhecidos em termos diversos dos da respetiva reclamação, como é o caso da recorrente, entendemos que, salvo devido respeito por opinião distinta, a douta sentença ora recorrida foi proferida em contexto de erro.
17. O Tribunal a quo não curou de saber se a credora reclamante havia sido devidamente notificada da lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos por parte do Sr. AI, questão essencial para a boa decisão da causa.
18. Assim, a sentença ora recorrida é nula na parte em que se pronuncia quanto à intempestividade da referida impugnação, uma vez que ocorre omissão de pronúncia sobre uma questão que podia e devia conhecer, donde resulta, por um lado, erro de julgamento, por erro nos pressupostos da questão a decidir (regularidade das formalidades) e, por outro lado, a nulidade da sentença por se verificar a preexistência de nulidade insuprível (omissão de formalidade legalmente prevista), que importa na anulação de todo o processado subsequente, tudo em conformidade ao disposto nos artigos 129º, n.º 4 do CIRE e 195º e 615.º, n.º 1 al. d) do CPC.
19. Atento o supra exposto, deve a sentença aqui objeto de recurso ser revogada e ser declarada a nulidade de todo o processado subsequente à junção da relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos, determinando-se a notificação da credora reclamante, aqui recorrente, nos termos do artigo 129.º, n.º 4 do CIRE.”
A invocada nulidade, na perspectiva desta credora, enquadra-se na al. d) do n.º 1 do citado artigo 615.º.
A apelada refuta a sua existência.
A Mma. Juíza a quo não se pronunciou quanto à invocada nulidade, como o impõe o artigo 617.º, n.º 1, do CPC.
Não obstante tal omissão, entendeu-se não ser de ordenar a baixa do processo para esse efeito (como previsto no n.º 5 do mesmo artigo) por não se revelar indispensável para apreciação do objecto do recurso, do qual se passará a conhecer.
Apreciemos.
A referida al. d) reporta-se às situações nas quais o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, isto é, casos nos quais ocorre uma omissão ou um excesso de pronúncia.
Trata-se de uma nulidade que se mostra interligada com a previsão do artigo 608.º, n.º 2, do CPC, segundo o qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Como escreveu João Castro Mendes[20], o vício que a apelante imputa à sentença, de omissão de pronúncia, corresponde a vício de limite, por não conter o que devia conter por referência à instância e ao caso delineado na acção.
Já segundo o acórdão do STJ de 03/10/2017[21], "I –As causas de nulidade de sentença (ou de outra decisão), taxativamente enumeradas no art. 615.º do CPC, visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão ou a não conformidade dela com o direito aplicável. II - A nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objecto do recurso, em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608.º e 609.º do CPC, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada. III - A expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia. IV - É em face do objecto da acção, do conteúdo da decisão impugnada e das conclusões da alegação do recorrente que se determinam as questões concretas controversas que importa resolver. V - Não padece de nulidade por omissão de pronúncia o acórdão reclamado que conheceu de todas as questões que devia conhecer, resolvendo-as, ainda que a descontento da recorrente/reclamante.”.
Reportando tais considerações ao caso, desde já se dirá inexistir qualquer omissão de pronúncia que afecte a sentença recorrida do vício de nulidade.
Por um lado, a 1.ª instância pronunciou-se quanto à impugnação que a credora, aqui apelante, deduziu à lista de créditos reconhecidos (considerando-a intempestiva, razão pela qual a rejeitou).
Por outro lado, não tinha a mesma instância que averiguar do cumprimento do n.º 4 do artigo 129.º, tanto mais que a reclamação da credora é apenas dirigida ao AI (e não ao processo), o que obsta a que o juiz possa ter conhecimento de eventuais divergências entre os termos em que o crédito foi reclamado e aquele em que o AI o reconheceu (a tal conclusão não obstando o facto de, com a impugnação à lista, ter a credora juntado a reclamação que havia apresentado junto do AI, porquanto sempre a tempestividade daquele acto constituiria questão que teria de ser conhecida previamente à apreciação do seu mérito).
Se o entendimento da 1.ª instância foi ou não o mais acertado será já outra questão, mas que não se confunde com o vício apontado.
Conclui-se, assim, no sentido de não padecer a sentença recorrida da invocada nulidade, sendo que não se inclui na previsão do artigo 615.º do CPC o chamado erro de julgamento, designadamente quando se discorda do enquadramento jurídico adoptado (erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou na interpretação desta última) ou quando possa ter ocorrido injustiça na decisão[22].
Improcede, assim, nesta parte, a pretensão da apelante.
Do erro de julgamento assente na rejeição da impugnação apresentada pela apelante à lista de créditos reconhecidos
Consigna-se que nos dispensaremos de repetir quaisquer considerações que tenham sido já feitas com relação à apelação intentada pela credora W, considerações essas que se terão por válidas e reproduzidas para o recurso agora em apreciação.
Nessa medida, tal como já anteriormente decidido, a lista de credores a considerar é a que foi apresentada em 21/09/2017 (com a rectificação introduzida no dia 25 do mesmo mês).
Acrescentaremos apenas, no que respeita à rectificação efectuada em 25/09/2017, que, como a própria apelante reconhece nas suas conclusões de recurso, a mesma não traduziu qualquer reapreciação de créditos - “mas sim uma retificação a lapsos de escrita que em nada influenciaram a reapreciação dos créditos”, rectificação essa permitida pelo artigo 249.º do CCivil, segundo o qual: “o simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta” (cfr. pontos 22 a 24 das conclusões do recurso) -, nessa medida em nada tendo influído no exame e decisão da causa.
E, tratando-se de mera rectificação, como se tratou, nenhum reflexo a mesma terá sobre o decurso do prazo em curso (no caso, o prazo de 10 dias para dedução de impugnação à lista).
No que respeita à impugnação da lista de credores reconhecidos, prescreve o artigo 130.º: “1 - Nos 10 dias seguintes ao termo do prazo fixado no n.º 1 do artigo anterior, pode qualquer interessado impugnar a lista de credores reconhecidos através de requerimento dirigido ao juiz, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorrecção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos. 2 - Relativamente aos credores avisados por carta registada, o prazo de 10 dias conta-se a partir do 3.º dia útil posterior à data da respectiva expedição. 3 - Se não houver impugnações, é de imediato proferida sentença de verificação e graduação dos créditos, em que, salvo o caso de erro manifesto, se homologa a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência e se graduam os créditos em atenção ao que conste dessa lista.”
Como já anteriormente referido, o prazo de 10 dias previsto neste preceito para apresentação da impugnação inicia-se, por regra, imediatamente após o decurso do fixado no n.º 1 do artigo anterior. Só assim não sucederá nas situações do n.º 4 do artigo 129.º.
No caso, o crédito da apelante Y … SA foi tempestivamente reclamado e reconhecido pelo AI, estando incluído na lista que o mesmo apresentou no dia 21/09/2017.
Sucede que esta credora reclamou o crédito como tendo natureza garantida e foi o mesmo reconhecido como sendo comum, o que levou a que a mesma apresentasse impugnação à lista em 06/10/2017.
Tal impugnação não foi considerada com fundamento da sua extemporaneidade.
E, também nós diremos, dúvidas inexistem de a impugnação ter sido apresentada para além do prazo previsto para o efeito, como se demonstrará.
Uma vez apresentada a lista pelo AI, terá a mesma que conter todos os elementos necessários (nos moldes descritos pelo n.º 2 do artigo 129.º) para que possa ser proferida a competente decisão de verificação e graduação dos créditos, até porque, relembra-se, na ausência de impugnações à mesma, poderá ela ser de imediato homologada, com a subsequente graduação dos créditos daí resultante (n.º 3 do artigo 130.º).
Porém, decorrendo da lista algum erro manifesto (evidente e notório), o qual poderá incidir, não apenas sobre questões de facto, como ainda sobre questões de direito, pode e deve o juiz proceder à sua correcção (solicitando, se necessário for, as informações/esclarecimentos ou junção de elementos que o caso requeira).
Na presente situação, importa assinalar que - com relação ao crédito da apelante - os autos não continham quaisquer elementos que pudessem levar o tribunal a quo a ponderar a existência de qualquer erro e, nessa medida, a diligenciar pela obtenção de elementos tendentes a aferir se assim sucedia (a sindicância do juiz terá que ter subjacente um erro evidenciado pelo constante da lista ou dos elementos carreados para o processo na sua globalidade)[23].
Na verdade, a lista apenas poderá ser alterada:  a) por apreciação oficiosa em caso de erro manifesto; ou b) como consequência de ser julgada procedente alguma impugnação que à mesma tenha sido apresentada.
Dando aqui por reproduzido o que já anteriormente defendemos quanto à lista de créditos reconhecidos que se terá de ter por juridicamente relevante, a questão que se coloca com relação a esta credora apelante é a referente à omissão do cumprimento da notificação prevista no n.º 4 do artigo 129.º, notificação essa que se impunha (já que o crédito foi reconhecido em moldes distintos daqueles em que foi reclamado).
Numa primeira leitura, dir-se-á assistir razão à apelante quando defende que tal omissão consubstancia nulidade processual susceptível de influir na decisão a proferir (em matéria de verificação de créditos) e, nessa medida, na impugnação apresentada. Com efeito, tratando-se de credor avisado por carta registada (nos termos do n.º 4 do artigo 129.º), o prazo de 10 dias para impugnação da lista inicia-se apenas “a partir do 3.º dia útil posterior à data da respetiva expedição” (artigo 130.º, n.º 2).
Porém, não se poderá deixar de realçar que, no caso, a falta do aviso a que alude o n.º 4 do artigo 129.º não constituiu impedimento a que a apelante exercesse o direito a impugnar a lista (uma vez que a impugnação foi efectivamente apresentada).
Simplesmente, não o fez dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 130.º e, caso tivesse sido avisada, tal prazo seria mais alargado, a saber, o previsto no n.º 2 do mesmo preceito.
Sucede que, para que a apelante pudesse beneficiar deste prazo mais alargado, teria a mesma de ter suscitado a descrita irregularidade (falta de aviso) no prazo de 10 dias.
Como defendem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa[24], “Quando a parte não estiver presente, o prazo de arguição (que é o geral: 10 dias – art. 149º) conta-se a partir do momento em que, depois de cometida a irregularidade, a parte intervier no processo ou em que for notificada para qualquer efeito posterior, desde que, no último caso, possa presumir-se que tomou conhecimento do vício ou podia ter tomado, se agisse com diligência (art. 199º, nº 1, in fine).
Ora, a apelante não invocou tal vício quando deduziu impugnação à lista (em 06/10/2017) – sendo que, nesse momento, tinha já conhecimento da omissão que agora invoca -, assim como também não o fez quando apresentou resposta à impugnação deduzida pela insolvente (em 30/10/2017). E manteve tal postura nas subsequentes intervenções processuais – requerimentos de 14/11/2017 e de 21/06/2021.
Ter-lhe-ia sido possível, e exigível, que, em momento anterior, tivesse invocado a irregularidade passível de constituir nulidade (o que só agora, em sede de alegações, veio fazer). Não o tendo feito, impõe-se concluir que renunciou à sua arguição, razão pela qual a cometida irregularidade sempre se terá de ter por sanada – cfr. artigos 197.º, n.º 2, e 199.º, n.º 1, ambos do CPC[25].
Note-se que não assume qualquer relevância para a apreciação da questão ora em análise o constante dos pontos 7 e 8 das conclusões de recurso, relevância essa que apenas existiria na eventualidade de a lista não ter sido tempestivamente apresentada (sendo que, nos autos, o prazo previsto para esse efeito foi respeitado).
Por fim, mostra-se totalmente destituído de fundamento legal o alegado nos pontos 29 e 30 das conclusões de recurso (seja em face do específico modo pelo qual, nesta matéria, os prazos estão previstos e devem ser contados, seja pela ausência de disposição legal que permita sustentar a tese defendida pela apelante).          
Em síntese:
- Tendo a lista a que se reporta o artigo 129.º sido apresentada no dia 21/09/2017, o prazo de 10 dias para a sua impugnação iniciou-se no dia seguinte e terminou no dia 02/10/2017[26], já que o último dia, 01/10, coincidiu com um domingo – cfr. artigo 279.º, al. e), do CCivil;
- Da lista de credores apresentada pelo AI e do processo (processo principal e apensos) não resultava qualquer erro manifesto (referente ao crédito da apelante) que importasse apurar ou corrigir; e
- Aquando da impugnação à lista apresentada pela apelante, em 06/10/2017, já o prazo legalmente previsto para esse efeito se mostrava exaurido (mesmo que, para a sua contagem se recorresse ao disposto no artigo 139.º do CPC).
Por assim ser, bem andou o tribunal recorrido ao considerar a mesma extemporânea, rejeitando a sua apreciação de mérito. 
Termos em que terá a pretensão recursória da credora Y … SA de improceder.
***
IV - DECISÃO
Perante o exposto, acordam os Juízes da Secção do Comércio deste Tribunal da Relação em julgar:
1. A apelação interposta pela credora W totalmente improcedente, por não provada;
2. A apelação interposta pela credora Y … SA – Sucursal em Portugal totalmente improcedente, por não provada;
3. Mantendo-se, em ambos os casos, o decidido pela 1.ª instância.
Custas pelas apelantes, com relação ao respectivo recurso que intentaram.

Lisboa, 4 de Junho de 2024
Renata Linhares de Castro
Manuela Espadaneira Lopes (vencida nos termos da declaração junta)
Pedro Brighton

Voto Vencido:
A signatária não acompanha o sentido decisório e a fundamentação do Acórdão, pelos seguintes fundamentos:
- A “nova” lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos – da qual já consta como reconhecido o crédito da credora, ora apelante, W, a qual teve intervenção na Assembleia para aprovação do relatório a que alude o artº 155º do CIRE e votou favoravelmente as propostas ali formuladas - foi apresentada pelo Administrador da Insolvência dentro do prazo estabelecido no artigo 130º, nº1, do CIRE para efeitos de impugnação da lista inicialmente apresentada e na qual o crédito desta credora não constava nem como reconhecido, nem como não reconhecido.  
Com efeito, a lista inicial foi apresentada no dia 21/09/2017, pelo que o prazo de 10 dias para efeitos de impugnação terminava no dia 01/10/2017, Domingo, transferindo--se, assim, para o dia seguinte;
- Entendo que viola o princípio da protecção da confiança, inerente ao Estado de Direito democrático consagrado no artº 2º da Constituição da República Portuguesa, a rejeição desta “nova” lista quando, dentro do prazo da impugnação da lista de credores e de acordo com o teor da mesma, o Administrador da Insolvência veio reconhecer a omissão pela sua parte deste crédito na lista que inicialmente apresentou.
Por estes motivos, admitiria a lista nos termos da apresentada no dia 02/10/2017 e, em consequência, julgaria os recursos procedentes. 
                       
Manuela Espadaneira Lopes
_______________________________________________________
[1] O qual veio a falecer na pendência do processo, tendo sido substituído por despacho proferido em 07/12/2023.
[2] Diploma a que se está a aludir quando for citado um artigo sem menção de origem.
[3] É com a lista definitiva dos créditos reconhecidos e não reconhecidos, e a subsequente autuação, que se inicia a tramitação judicial do incidente de verificação e graduação de créditos (o qual tem uma tramitação própria e diferenciada do processo principal), passando os credores a poder reagir, designadamente através da dedução de impugnações (não apenas com relação ao tratamento que o respectivo crédito mereceu, como também com relação aos demais créditos).
[4] Nessa data, foram, na verdade, apresentados dois requerimentos pelo AI os quais apenas divergem na nomenclatura que lhes foi atribuída – o primeiro denominado “lista provisória nos termos do n.º 2 do art.º 129º do CIRE” e o segundo “lista definitiva nos termos do n.º 2 do art.º 129º do CIRE”, sendo evidente que a menção “lista provisória” traduziu um evidente lapso de escrita (tanto mais que à mesma se refere o artigo 154.º, e não o artigo 129.º).
[5] Com a impugnação juntou escritura pública celebrada em 21/01/2010, da qual resulta que tal penhor inclui “designadamente, o direito de trespasse e arrendamento, licenças e alvarás, em especial o alvará n.º xx emitido pelo INFARMED, bem como os bens que fazem parte da sua actividade (…)”.
[6] A esta pronúncia respondeu a insolvente (em 14/11/2017), resposta essa cuja inadmissibilidade foi invocada pela credora Y … SA (na mesma data). A insolvente voltou a pronunciar-se em 27/11/2017.
[7] Em 22/06/2023, foi enviada uma notificação ao AI com o seguinte teor: “Solicita-se a V. Exª, relativamente ao processo supra identificado, esclarecimentos referente à lista de créditos reclamados e reconhecidos, mais concretamente, em relação à credora indicada na posição 14, S …, inexistindo na tabela qualquer valor reconhecido e natureza do mesmo.” (não constando dos autos qualquer despacho a ordenar tal notificação).
[8] Em 21/12/2023 veio a insolvente apresentar Contra-alegações a ambos os recursos. Não obstante as mesmas terem dado entrada já após a admissão dos recursos pelo tribunal a quo, o certo é ambas foram apresentadas de forma tempestiva, pelo que sempre terão de ser valoradas.
[9] Ainda segundo o n.º 1 do artigo 91.º, “A declaração de insolvência determina o vencimento de todas as obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva”.
[10] A peça processual recorrida inicia-se nos seguintes moldes: “Segue: SENTENÇA (…)”, tendo sido nesse âmbito que se decidiu que apenas seria “considerada a primeira lista”.
[11] Nesse sentido, cfr. acórdão desta Secção de 22/11/2022 (Proc. n.º 823/11.5TYLSB-I.L1, relatora Isabel Maria Brás Fonseca) - “o modelo que decorre dos arts. 128.º a 131.º traduz um regime de prazos concatenados uns com os outros e sucessivos, de tal forma que o prazo de impugnação dos créditos, para a generalidade dos credores e ressalvando aqueles que se encontram na situação prevista no número 4 do art. 129.º, se inicia logo após o termos do prazo fixado no art. 129.º, nº 1, para o administrador apresentar a relação de todos os créditos por si reconhecidos e não reconhecidos recaindo sobre os intervenientes processuais o ónus de acompanhamento da marcha do processo, sendo que esse regime obedece a evidentes preocupações de celeridade, condição de eficácia” – bem como acórdão da Relação de Guimarães de 03/03/2022 (Proc. n.º 4054/20.5T8VNF-H.G1, relatora Maria João Matos) – “(…) verifica-se que no regime legal consagrado nos arts. 128.º e seguintes do CIRE o legislador optou por um sistema de prazos legais sucessivos, em que o início do prazo seguinte tem lugar logo após o termo do prazo que o precede sem necessidade de intermediação por notificação dos actos objecto de contraditório (isto é, o novo prazo desencadeia-se automaticamente, sem qualquer outra qualquer dependência, no desencadeamento da respectiva contagem, que não seja, e apenas, a do expirar do outro e precedente prazo). // Trata-se de um regime que a natureza urgente (conforme art. 9.º do CIRE) do processo de insolvência justifica, impondo por isso a respectiva natureza consultiva (conforme arts. 26º, n.º 2 e 133º, ambos do CIRE), tanto mais que dirige ao universo dos credores; e a exigir dos mesmos um particular ónus no acompanhamento da sua marcha.” -, ambos disponíveis in www.dgsi.pt, como todos os que vierem a ser citados sem referência à respectiva fonte.
[12] Atendendo a que, nesta sede, o prazo para a prática de um determinado acto se inicia logo após o esgotamento daquele que se mostra fixado para a prática do acto imediatamente anterior, tal regra apenas será de questionar caso ocorra incumprimento do primeiro prazo (pois, nessa hipótese, o segundo prazo ter-se-á já de ter por iniciado tendo subjacente o momento no qual o acto anterior tenha sido efectivamente praticado). Daí que, como a jurisprudência tem vindo a decidir, na eventualidade de a lista a que se reporta o artigo 129.º não ter sido apresentada no prazo previsto no seu n.º 1, justificar-se-á que seja a mesma notificada aos intervenientes (notificação essa que, a ter sido cumprido esse prazo, e não estando em causa a situação aludida no seu n.º 4, carece de ser efectuada) – nesse sentido, cfr. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 16/2018, de 10/01/2018 (Proc. n.º 978/2016, relatora Joana Fernandes Costa).
[13] Como se pode ler no acórdão do STJ de 12/02/2019 (Proc. n.º 5685/15.0T8GMR-G.P1.S1, relatora Maria Olinda Garcia), é o artigo 128.º que define as “regras gerais sobre o tempo e o modo de atuação dos credores tendo em vista o reconhecimento e graduação de créditos”. 
[14] O que se justifica pelo facto de, reafirma-se, inexistindo impugnações à lista, e salvo quando ocorra erro manifesto, o juiz se limitar à homologação dessa lista nos moldes pelos quais o administrador os reconheceu, procedendo depois à respectiva graduação – cfr. artigo 130.º, n.º 3.
[15] Não obstante se desconhecer a origem da intervenção processual da apelante, porquanto a mesma identifica-se como “cessionária”, mas nada consta dos autos quanto a ter existido alguma habilitação de cessionário.
[16] Cfr. CARVALHO FERNANDES/JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 3.ª edição, 2015, pág. 527/528 – “(…) a impugnação pode fundar-se na indevida inclusão do crédito numa dessas listas. Tal significa que a impugnação pode ter como fundamento o facto de certo crédito constar da lista de créditos reconhecidos, quando devia constar da lista dos não reconhecidos. Correspondentemente, pode o fundamento da impugnação ser o de estar excluído da lista dos créditos reconhecidos quando dela devia constar. Para além disso, a impugnação pode ter como fundamento incorrecções relativas ao crédito reconhecido, respeitantes ao seu valor ou às suas qualidades.
[17] Pelo que, no que concerne à instância processual do apenso de reclamação de créditos (iniciado com a apresentação da lista a que alude o artigo 129.º) e subsequente processado, a sentença recorrida não acobertou qualquer nulidade, a tal conclusão não obstando o facto de a apelante ter intervindo na assembleia de credores (em cuja acta, sequer se consignou como e a que título a mesma foi considerada credora).
[18] Como escreve EMÍLIA MANUELA GOMES DA CONCEIÇÃO DIAS, Reclamação de créditos no Processo de Insolvência e no Processo Especial de Revitalização (dissertação), Universidade Católica Portuguesa, 2018, pág. 45 (disponível online), os credores têm os seus poderes reforçados “em que a atenção que têm de dispensar aos prazos, ao não serem notificados da junção das listas, lhes confere uma dada autonomia e representa um convite para que ajam na defesa dos interesses que lhes competem. // Ao homologar a lista apresentada, o que se exige da parte do Juiz é apenas uma apreciação prévia, nomeadamente sobre a existência de erro manifesto. O Juiz aceita que não existem razões para colocar em causa aquela lista, dado que nenhum dos diversos intervenientes processuais se opuseram, no entendimento de que a analisaram e não detetaram qualquer irregularidade.”.
[19] Veja-se, nesta matéria, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 17/12/2018 (Proc. n.º 1867/14.0TBBCL-F.G1, relator José Alberto Moreira Dias), no qual se pode ler: “As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas causas distintas, obstando qualquer delas à sua eficácia ou validade, a saber: a) por se ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respetiva consequência a sua revogação; e b) como atos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 615.º do CPC. Os vícios determinativos de nulidade da sentença encontram-se taxativamente enunciados no referido art. 615º do CPC. e reportam-se à estrutura ou aos limites da sentença, tratando-se de defeitos de atividade ou de construção da própria sentença, ou seja, a vícios formais da sentença ou relativos à extensão do poder jurisdicional por referência ao caso submetido ao tribunal. Respeitam a vícios da estrutura da sentença os fundamentos enunciados nas alíneas b) - falta de fundamentação - e c) - oposição entre os fundamentos e a decisão -, e respeitam a vícios atinentes aos limites da sentença, os enunciados nas alíneas d) - omissão ou excesso de pronúncia - e e) - pronuncia ultra petitum. Trata-se de vícios que “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)” // Diferentemente desses vícios, são os erros de julgamento (error in iudicando), os quais contendem com erros ocorridos ao nível do julgamento da matéria de facto ou ao nível da decisão de mérito proferida na sentença/decisão recorrida, decorrentes de uma distorção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error iuris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa. Nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto, sendo que esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença (vícios formais), sequer do poder à sombra do qual a sentença é proferida, mas ao mérito da relação material controvertida nela apreciada, não a inquinam de invalidade, mas de error in iudicando, atacáveis em via de recurso”.
[20] Direito Processual Civil, Vol. II, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Ed. da Associação Académica, 1987, pág. 802.
[21] Proferido no âmbito do Proc. n.º 2200/10.6TVLSB.P1.S1 e relatado por Alexandre Reis, cujo sumário está disponível nos sumários de acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça. Secções Cíveis.
[22] ANTUNES VARELA, in Manual de Processo Civil, pág. 686.
[23] Cfr. CARVALHO FERNANDES/JOÃO LABAREDA, obra citada, págs. 528/529 – “(..) a inexistência de impugnações não constitui garantia significativa da correção das listas elaboradas pelo administrador da insolvência. Este reparo deve ser entendido em função dos curtos prazos concedidos pela lei, quer ao administrador da insolvência, para elaborar as listas, quer aos interessados para as impugnar. Nota tanto mais relevante quanto é certo serem, na grande maioria dos casos, em número significativo os créditos reclamados e volumosos os documentos que instruem as reclamações. // Por outro lado, impressiona, no que respeita às garantias, que a sua constituição esteja normalmente dependente do preenchimento de requisitos formais ad substantiam, cuja falta seja, afinal de contas, puramente ignorada ou desconsiderada por mero efeito da falta de impugnação. // Por isso, defendemos que deve interpretar-se em termos amplos o conceito de erro manifesto, não podendo o juiz abster-se de verificar a conformidade substancial e formal dos títulos dos créditos constantes da lista que vai homologar para o que pode solicitar ao administrador os elementos de que necessite. (…) este erro pode respeitar à indevida inclusão do crédito nessa lista, ao seu montante ou às suas qualidades.”
[24] Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2.ª edição, 2020, pág. 249.
[25] A apelante mais não pretende, com o recurso interposto, do que trazer à colação uma questão que sequer foi objecto de apreciação/pronúncia pela 1.ª instância.
[26] E não no dia 01/10/2017, como referido erradamente pela 1.ª instância (sendo que, contudo, tal erro não altera o desfecho processual em causa).