Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
229/20.5YHLSB-A.L1-PICRS
Relator: ALEXANDRE AU-YONG OLIVEIRA
Descritores: LEI Nº 62/2011
MEDICAMENTOS GENÉRICOS
AUTORIZAÇÃO DE INTRODUÇÃO NO MERCADO (AIM)
AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/27/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: (da responsabilidade do Relator)
1. A ação inibitória aqui em causa foi intentada ao abrigo do disposto nos artigos 2.º e 3.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2011.
2. A ampliação do pedido controverso, tem por base o alegado facto (superveniente) do início da comercialização no mercado português, dos medicamentos genéricos Apixabano Mylan, com a consequente violação dos direitos industriais titulados pela primeira Autora (EP ‘415 e CCP 456).
3. Se a publicação da AIM foi concebida pelo Legislador, como um facto (jurídico) suficiente para poder desencadear a ação especial prevista na Lei n.º 62/2011, obviamente que a efetiva introdução do medicamento no mercado, em alegada violação de uma patente e respetivo CCP, constituirá um natural desenvolvimento de tal facto.
4. À ampliação do pedido também não se opõe a natureza especial da ação intentada ao abrigo da Lei n.º 62/2011. Para tanto, basta atentar no preceituado no artigo 545.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Entende-se, por isso, tal como sustentado pelas Recorrentes, que a ampliação do pedido deve ser admitida com base no estipulado no artigo 265.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. Assim sendo, o recurso deve ser julgado procedente e a ampliação do pedido admitida.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório

Recorrentes/Autoras:
· BRISTOL-MYERS SQUIBB HOLDINGS IRELAND UNLIMITED COMPANY, (anteriormente denominada Bristol-Myers Squibb Holdings Ireland) com sede em Steinhausen, Suíça,
· SWORDS LABORATORIES, com sede em Steinhausen, Suíça, e
· BRISTOL-MYERS SQUIBB FARMACÊUTICA PORTUGUESA, S.A., com sede na Rua …, Rio de Mouro, Sintra, Portugal,

Recorridas/Rés:
· MYLAN IRE HEALTHCARE, LTD., sociedade constituída de acordo com as leis da Irlanda, com sede em …, Irlanda e número de contribuinte …, registada no Registo Comercial da Irlanda sob o número 549628 (adiante designada por “MYLAN IRE”) e
· MYLAN, LDA., com sede na Avenida … Lisboa, Portugal e número de contribuinte …
 
1. Em 02-07-2020, as Autoras intentaram uma ação declarativa de condenação ao abrigo do disposto nos artigos 2.º e 3.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, contra as Rés, pedindo a respetiva condenação nos seguintes termos:
a) absterem-se, no território português ou com vista à comercialização nesse território, de explorar (por si próprias e/ou permitindo que terceiros o façam ao abrigo das AIMs identificadas no artigo 69.º, após serem concedidas) a invenção protegida pela EP ‘415 e pelo CCP 456 e, nomeadamente, de importar, fabricar, armazenar, utilizar, colocar no mercado, vender e/ou oferecer, os Genéricos Apixabano identificados no artigo 69.º da Petição Inicial, enquanto a EP ‘415 e o CPP 456 estiverem em vigor;
b) absterem-se, no território português ou com vista à comercialização nesse território, de explorar (por si próprias e/ou permitindo que terceiros o façam ao abrigo de quaisquer AIMs para quaisquer medicamentos compreendendo apixabano como substância ativa) a invenção protegida pela EP ‘415 e pelo CCP 456 e, nomeadamente, de importar, fabricar, armazenar, utilizar, colocar no mercado, vender e/ou oferecer quaisquer produtos que compreendam apixabano como substância ativa, enquanto a EP ‘415 e o CPP 456 estiverem em vigor.
Requer-se ainda, nos termos do artigo 829.º-A do Código Civil, que cada Ré seja condenada a pagar uma sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a 60.000 € (sessenta mil euros) por cada dia de atraso no cumprimento da condenação que vier a ser proferida, de acordo com o acima exposto.”.
2. Citadas as Rés estas apresentaram, em 11-12-2020, contestação com reconvenção peticionando que a EP 415 e o CCP 456 sejam declarados nulos e revogados em conformidade (ref.ª 82094).
3. Em 18-05-2021, as Autoras apresentaram réplica, onde, além do mais, pugnaram pela validade da EP 415 e CCP456 (ref.ª 88427).
4. Foi realizada audiência prévia em 19-10-2022 (ref.ª 503746), e proferido despacho saneador em 23-03-2023 (ref.ª 519650).
5. A audiência de julgamento iniciou-se no dia 26-02-2024 (ata com ref.ª 564839), com sessões subsequentes a 27-02-2024, 28-02-2024, 06-03-2024, 07-05-2024 e 31-05-2024 (última sessão).
6. Em 01-04-2024 a Autora veio apresentar um requerimento (ref.ª 120834/48459553), onde pedia o seguinte:
deferir o presente requerimento de ampliação do pedido, nos termos do artigo 265.º, n.º 2, do CPC, passando a integrar na presente ação o pedido de condenação das Rés a retirar imediatamente do mercado português, a suas expensas, os seus medicamentos genéricos “Apixabano Mylan” objeto dos pedidos de AIM que espoletaram os presentes autos que já tenham sido oferecidos, vendidos e/ou fornecidos, diretamente pelas Rés ou através de um terceiro;
(ii) agendar de imediato uma data para alegações finais.”.
7. Para sustentar a admissibilidade da ampliação de pedido, alegaram as Autoras, em síntese, que segundo informação da Infarmed, a Mylan iria dar início à comercialização no mercado português, dos seus medicamentos genéricos “Apixabano Mylan”, a partir do dia 01-04-2024.
8. Após o cumprimento do contraditório quanto à requerida ampliação do pedido, em 30-05-2024, foi proferido despacho que decidiu não admitir a mesma (ref.ª 576664).
9. De tal despacho apelou agora a Autora Recorrente, formulando as seguintes
CONCLUSÕES e pedido (transcrição parcial):
“L. REVOGAÇÃO DO DESPACHO RECORRIDO E ADMISSÃO DA AMPLIAÇÃO DO PEDIDO: o pedido acessório que a BMS requereu que fosse admitido do processo é o seguinte:
Condenação das Rés a retirar imediatamente do mercado português, a suas expensas, os seus medicamentos genéricos “Apixabano Mylan”, objeto dos pedidos de AIM que espoletaram os presentes autos, que já tenham sido oferecidos, vendidos e/ou fornecidos, diretamente pelas Rés ou através de um terceiro”.
M. O Despacho recorrido considerou que esse novo pedido teria como causa de pedir a superveniência da demonstração do início da comercialização dos genéricos da Mylan, enquanto os pedidos iniciais teriam como causa de pedir a violação da patente e do CCP; por outro lado, entendeu também que o novo pedido não derivaria de uma relação material dependente ou sucedânea da primeira. A BMS discorda.
N. A CAUSA DE PEDIR É A MESMA: como referido no requerimento com a ref.ª 48459553, a BMS entende que os novos factos alegados, não sendo factos principais, não alteram a causa de pedir, que radica nos direitos emergentes do CCP 456.
O. Nos termos do artigo 581.º, n.º 4 do CPC, “nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real”; o “facto ilícito praticado pelo réu aparece como condição de legitimidade ou como condição para a condenação”, mas não são causa de pedir (ALBERTO DOS REIS).
P. Pelo que não estando perante factos que alterem a causa de pedir, o pedido das Autoras pode ser unilateralmente ampliado (artigo 265.º, n.º 2 do CPC).
Q. Mesmo que, ao arrepio da lei, se considerasse que a causa de pedir deve também ser integrada pelo “facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido”, a conclusão acima não se alteraria, porque o facto que fundamentaria o efeito jurídico seria a correspondência dos medicamentos das Rés (contendo apixabano) ao âmbito de proteção dos direitos das Autoras (CCP 456, que protege o apixabano).
R. Note-se que os medicamentos comercializados são os aprovados ao abrigo das AIMs cujo pedido espoletou a presente ação.
S. Em qualquer caso, o momento da antijuridicidade dos factos concretos que fundamentam o efeito pretendido – seja ela violação atual, ou ameaça de violação ou violação iminente – é relevante para a definição da finalidade da ação de condenação e aferição do respetivo interesse (artigo 10.º, n.º 3 do CPC), não integrando, contudo, a respetiva a causa de pedir.
T. Por um lado, a violação da patente e do CCP pelas Rés, que o Tribunal a quo erroneamente entendeu ser causa de pedir do primeiro pedido, é na verdade a apreciação jurídica que se pede ao Tribunal que leve a cabo, com base na causa de pedir definida na Petição Inicial e apreciando os pedidos formulados – e isto tanto nos pedidos iniciais como neste segundo objeto do presente recurso.
U. Por outro, a comercialização dos medicamentos genéricos da Mylan – prospetiva quando a ação foi proposta e efetiva na presente data –, que o Tribunal a quo entendeu ser a causa de pedir do segundo pedido, é na verdade uma das proibições a que, a ser julgada a ação procedente, a Mylan deverá ficar sujeita, em consonância com a efetivação do exclusivo da BMS emergente do CCP 456, nos termos do artigo 102.º do CPI.
V. Cumpre salientar que a ampliação do pedido requerida em nada contende com os propósitos da Lei 62/2011, na medida em que esta não derroga as regras do CPC relevantes para este caso.
W. RAZÕES DE ECONOMIA PROCESSUAL: O pedido acessório cuja inclusão se requereu encontra-se contido e intimamente ligado com o pedido inicial principal deduzido na Petição Inicial, encontrando respaldo no artigo 368.º do CPI que visa “reparar ou mitigar os efeitos da infração, eliminando ou neutralizando os produtos ilícitos (PEDRO SOUSA E SILVA).
X. A ampliação deste é a única solução processual consonante com os corolários de economia e eficiência processual, porquanto permite a “justa composição do litígio” (artigo 6.º do CPC), sem alterar o objeto do litígio, nem implicar a convolação para uma relação jurídica diversa da controvertida.
Y. Não acomodar a ampliação do pedido levará à multiplicação desnecessária de lides judiciais, com o propósito de ver solucionada aquela que, no seu âmago (i.e., na sua causa de pedir), é a mesmíssima disputa. Tal é contrário ao entendimento jurisprudencial nacional.
Z. ARTIGO 588.º DO CPC: Subsidiariamente, caso este douto Tribunal entenda que os novos factos são constitutivos do direito invocado na ação e que existe, portanto, uma alteração da causa de pedir, sempre seria o requerimento apresentado um articulado superveniente, nos termos do artigo 588.º do CPC, como aliás o Despacho recorrido reconhece.
AA. Como refere o Juiz Conselheiro ABRANTES GERALDES, parafraseando MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE, “relativamente ao autor, os factos constitutivos cuja alegação superveniente aqui se prevê tanto podem destinar-se a completar a causa de pedir inicial, como podem implicar uma efetiva alteração ou modificação da causa de pedir, o que significa que a superveniência é critério bastante para afastar as restrições fixadas no art.º 265º”.
BB. Do mesmo modo, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28 de março de 2023 (proc. n.º 915/14.9TVLSB-B.L1-7), do Tribunal da Relação do Porto de 22 de novembro de 2021 (proc. n.º 470/20.0T8SJM-A.P1), do Tribunal da Relação de Coimbra de 11 de setembro de 2012 (proc. n.º 408-F/2001.C1) e de 26 de abril de 2016 (proc. 933/12.2TBCLD.C1) e do Tribunal da Relação de Guimarães de 25 de abril de 2016 (proc. n.º 1827/09.5TBBCL-A.G1).
CC. Foi precisamente este o raciocínio que adotou o Tribunal da Propriedade Intelectual num caso em tudo semelhante ao presente, após um requerimento de ampliação fundado no início de comercialização de medicamentos genéricos e no âmbito de uma ação da Lei n.º 62/2011 (proc. n.º 166/20.3YHLSB, despacho em ata de audiência prévia de 29 de dezembro de 2022), raciocínio esse que é o mais condizente com o artigo 611.º, n.º 1 do CPC.
DD. Em conclusão, requer-se que este douto Tribunal ad quem revogue o Despacho recorrido, por violar os artigos 6.º e 265.º, n.º 2 ou 588.º e 611.º (todos do CPC), e o substitua por outro que integre na presente ação o pedido de condenação das Rés em “retirar imediatamente do mercado português, a suas expensas, os seus medicamentos genéricos “Apixabano Mylan” objeto dos pedidos de AIM que espoletaram os presentes autos que já tinham sido oferecidos, vendidos e/ou fornecidos, diretamente pelas Rés ou através de um terceiro”.
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10. As Recorridas apresentaram Resposta ao recurso, onde pugnam pela respetiva improcedência.
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11. Em sede do presente recurso de apelação, foi cumprido o disposto nos artigos 657.º, n.º 2 e 659.º, do Código de Processo Civil.
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Questões que o presente tribunal cumpre resolver:
12. Antes de enunciarmos as questões a que o presente tribunal cumpre responder, haverá que recordar que, segundo jurisprudência constante, são as conclusões que delimitam o objeto do recurso, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de questão que delas não conste.
13. É também consensual na jurisprudência dos tribunais portugueses que importa não confundir questões, cuja omissão de pronúncia desencadeia nulidade da decisão nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, com argumentos, razões ou motivos que são aduzidos pelas partes em defesa ou reforço das suas posições, aos quais o tribunal não tem obrigação de dar resposta especificada ou individualizada.
14. Feitos estes esclarecimentos prévios, vejamos as questões suscitadas no recurso em apreciação:
i.A ampliação do pedido requerida pelas Autoras, ora Recorrentes, deve ser admitida?
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II. Fundamentação
15. Os atos processuais pertinentes para a decisão a proferir são aqueles descritos no Relatório supra.
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III. Do mérito do recurso
i. A ampliação do pedido requerida pelas Autoras, ora Recorrentes, deve ser admitida?
16. Conforme resulta do Relatório supra, a Recorrente sustenta aqui, em primeiro lugar, que a ampliação do pedido requerida não implica uma alteração da causa de pedir.
17. Neste âmbito, o despacho recorrido efetivamente indeferiu a ampliação do pedido, sustentando-se, em essência, que a mesma implicava a alteração simultânea da causa de pedir, nos seguintes termos:
Pedem agora que seja também apreciado o pedido de condenação das Rés na retirada imediata do mercado português, a suas expensas, os medicamentos “Apixabano Mylan” que já tenham sido oferecidos, vendidos e/ou fornecidos, diretamente pelas Rés ou através de um terceiro. O fundamento deste pedido assenta no facto das Rés terem começado a sua comercialização, nomeadamente a venda dos medicamentos genéricos. Ou seja, para que o novo pedido fosse admitido era necessário que fossem considerados novos factos respeitantes a uma nova causa de pedir que teria aqui que também vir a ser admitida, uma vez que o novo pedido não deriva de uma relação material dependente ou sucedânea da primeira.
Sucede que quanto a isto, por estrita necessidade de garantir o direito à defesa e até como corolário do princípio da estabilidade da instância previsto no art.º 260º do CPC, a lei impõe maiores restrições quanto à admissibilidade da alteração da causa de pedir, pois, na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor – 265º, nº1, do CPC.
Alegam as Autoras que a requerida alteração tem como fundamento a ocorrência de factos supervenientes, decorrentes do facto das Rés terem iniciado a venda medicamentos genéricos durante a pendência da ação.
Ora, não obstante, nestes casos, ser aplicável o disposto nos arts. 588º a 611º do CPC, conclui-se que a causa de pedir que sustentam os pedidos, são diferentes, já que no primeiro caso esta assenta na violação da patente e do CPP pelas Rés e, no segundo pedido, na apreciação de actos demonstrativos da comercialização dos medicamentos genéricos por parte destas, para além de se reportarem a factos temporalmente diferentes. Ou seja, tratam-se de causas de pedir totalmente diversas.
Assim sendo, pelos fundamentos e norma supra consignadas, não se admite a ampliação do pedido requerida pela Autoras.
Apreciação deste tribunal
18. Alegam as Recorrentes que a ampliação do pedido é admissível, desde logo, ao abrigo do disposto no artigo 265.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, quando é certo que o despacho recorrido indeferiu o requerido com base no disposto no n.º 1 do mesmo artigo (invocando, ainda, o disposto no artigo 588.º do mesmo Código).
19. Segundo o artigo 265.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Alteração do pedido e da causa de pedir na falta de acordo”, prevê-se que:
1 - Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação.
2 - O autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.”.
20. É indubitável que o pedido deduzido na ação tem por base a patente e o CCP invocados na petição inicial (EP ‘415 e CCP 456).
21. Ora, a causa de pedir é constituída “apenas pelos factos necessários à individualização do pedido do autor” e não, portanto, “por todos os factos necessários (mesmo aqueles que constituem a causa agendi remota) para obter a procedência da ação[1].
22. Cremos que este entendimento sobre a causa de pedir, denominada de teoria da individualização aperfeiçoada, é o que resulta consagrado na nossa lei.
23. Efetivamente, é assim que se compreende o estipulado no artigo 581.º, em especial, no seu número 4, segunda parte, primeiro segmento, invocado no presente recurso pelas Recorrentes: “Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real”. Ou seja, nas ações reais, a causa de pedir é composta pelo facto donde emerge o direito que se pretende fazer valer, em especial, o facto (jurídico) de aquisição originária ou derivada da propriedade.
24. Nesta sequência, podemos concluir que a causa de pedir na presente ação é constituída simplesmente pelo facto aquisitivo da patente e CCP aqui invocados, ou seja, pelo registo daqueles direitos a favor da respetiva titular, neste caso, alegadamente a primeira Autora (cf. artigo 14.º da petição inicial).
25. A ampliação do pedido em causa, conforme resulta supra do Relatório, tem por base o alegado facto (superveniente) do início da comercialização no mercado português, dos medicamentos genéricos Apixabano Mylan, a partir do dia 01-04-2024, com a consequente violação dos direitos industriais aludidos.
26. Entende-se, por isso, tal como sustentado pelas Recorrentes, que a ampliação do pedido deve efetivamente ser admitida com base no estipulado no artigo 265.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
27. É, aliás, para nós evidente que a requerida ampliação do pedido é um mero desenvolvimento do pedido primitivo, pois este, in casu, consiste numa pretensão inibitória, deduzida ao abrigo do artigo 3.º, n.º 1, da Lei 62/2011, com base nos aludidos direitos industriais.
28. Como é sabido este tipo de ação tem uma natureza essencialmente preventiva e inibitória, podendo ser intentada, por um interessado, simplesmente em virtude da publicação de um pedido de autorização de introdução no mercado (AIM), de determinado medicamento (cf. Ac. STJ de 15-09-2022, processo n.º 358/20.5YHLSB.L1.S1).
29. A referida natureza preventiva deste tipo de ações baseia-se, como é evidente, no monopólio de exploração que é atributo essencial dos direitos industriais. Efetivamente, o art.º 101.º, n.º 2, do CPI prescreve que “a patente confere ao seu titular um conjunto de direitos, nomeadamente o direito exclusivo de explorar a invenção em qualquer parte do território português e de impedir a terceiros, sem o seu consentimento, o fabrico, a oferta, a armazenagem, a introdução no comércio ou a utilização de um produto objeto de patente, ou a importação ou posse do mesmo, para algum dos fins mencionados”.
30. Ora, se a publicação da AIM foi concebida pelo Legislador, como um facto (jurídico) suficiente para poder desencadear a ação especial prevista na Lei n.º 62/2011, obviamente que a efetiva introdução do medicamento no mercado, em alegada violação de uma patente e respetivo CCP, constituirá um natural desenvolvimento de tal facto.
31. É certo que a ação prevista na referida lei, originalmente, visava “«estabelecer um mecanismo alternativo de composição de litígios que, num curto espaço de tempo, profira uma decisão de mérito quanto à existência, ou não, de violação dos direitos de propriedade industrial», evitando assim as referidas delongas na comercialização desses medicamentos”[2]. Ou seja, a ação em causa começou por ser concebida como uma ação simplificada.
32. Contudo, produto da revisão da lei em 2018 (DL. n.º 110/2018, de 10/12), e da possibilidade que tem sido reconhecida à Defesa em invocar a invalidade da patente, inclusive, em sede de pedido reconvencional, tal como formulado nestes autos, cremos que hoje já não se pode caracterizar este tipo de ações como “simplificadas”.
33. Nestes termos, a própria natureza da ação não nos parece que constitua óbice à admissão da ampliação do pedido em causa, diferentemente do que sustentam as Recorridas. Para tanto, basta atentar no preceituado no artigo 545.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
34. Nestes termos, o recurso deve ser julgado procedente e a ampliação do pedido admitida.
35. Caso seja necessário para a decisão de fundo a proferir sobre a ampliação do pedido, o tribunal a quo deverá reabrir a audiência de julgamento
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IV. Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar o presente recurso procedente, revogando-se o despacho recorrido e, em consequência, admite-se a ampliação do pedido requerida pelas Autoras (Recorrentes).
Custas pelas Recorridas (art.º 527.º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).
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Lisboa, 27-11-2024
Alexandre Au-Yong Oliveira
A.M. Luz Cordeiro
Carlos M. G. de Melo Marinho
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[1] João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, Manual de processo civil. Volume 1 (Lisboa: AAFDL Editora, 2022), 414.
[2] Dário Moura Vicente, O regime especial de resolução de conflitos em matéria de patentes (Lei n.o 62/2011), in Revista da Ordem dos Advogados, Lisboa, ano 72, n.o 4, (Out-Dez 2012), 2012.