Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6008/06-5
Relator: FILOMENA CLEMENTE LIMA
Descritores: IRREGULARIDADE
PRAZO DE ARGUIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/08/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
Declarada inconstitucional a norma do art.º 123º CPP - quando interpretada no sentido de consagrar o prazo de 3 dias para arguir irregularidades contados da notificação da acusação, em processos de especial complexidade e grande dimensão, sem atender à natureza da irregularidade e à objectiva inexigibilidade da respectiva arguição – e, considerado exíguo o referido prazo de 3 dias, mas tendo decorrido o prazo geral de 10 dias que, no caso concreto, se reputa de suficiente para a arguição respectiva, atenta a sua simplicidade, considera-se sanada a irregularidade suscitada pelo arguido (falta de fundamentação do despacho do MºPº a determinar a quebra de sigilo bancário) tanto mais que o arguido veio arguir tal irregularidade 43 dias depois da notificação da acusação e, oportunamente, não alegou justo impedimento para a prática do acto ou, mesmo que se aceite que o terá feito implicitamente, não invocou o momento em que cessou o impedimento.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:
1.
No processo 547/04.0 JDLSB do Tribunal Central de Instrução Criminal foi proferida decisão instrutória que apreciou diversas questões suscitadas em sede de instrução por arguidos que requereram a abertura de instrução e que terminou não pronunciando o arguido A. pelo crime de fundação e chefia de associação criminosa, p. e p. pelo art.º 299º nº 1 e 3 do CP, imputado na acusação mas que o pronunciou pelo prática de um crime de adesão à associação criminosa, p e p pelo artº 299º nº 2 do CP, para além dos restantes crimes que lhe foram imputados na acusação .

1.1. O referido arguido veio interpor recurso desta decisão, na parte em que indeferiu nulidades e inconstitucionalidades arguidas pelo mesmo no requerimento de abertura de instrução.
Perante as conclusões de recurso foi definido que o objecto do recurso se reportava à apreciação:
a- Da invalidade do despacho de fls. 2255, proferido pelo MºPº no inquérito e que determinou a quebra do sigilo bancário bem como os despachos que se seguiram no mesmo sentido, por falta de indicação dos crimes de que o arguido pudesse ser suspeito, dos indícios dos mesmos e da justificação de qual a importância da obtenção das informações solicitadas para a descoberta da verdade e da indispensabilidade da quebra do sigilo, o que constitui vício de falta de fundamentação ( violando o disposto nos art.ºs 97º, n.º4 CPP e 205º, n.º1 CRP); da inconstitucionalidade da interpretação que considera suficiente a fundamentação contida no despacho do MºPº ( por violação dos art.ºs 26º, n.º1, 32º, n.º8 e 205º, n.º1 CRP) e da inconstitucionalidade da interpretação que considera que a irregularidade deveria ser arguida em 3 dias após a notificação da acusação, podendo sê-lo até ao encerramento do debate ( violando o art.º 32º, n.º1CRP);
b- Da nulidade da prova obtida com violação do seu direito à reserva da vida privada (art.º 26º, n.º 1 CRP) de que decorre a nulidade da prova obtida através do referido despacho, bem como da obtida posteriormente através dos despachos de fls. 1674,3149, 3529, 4382 e 8317, com abusiva intromissão na sua vida privada ( nos termos dos art.ºs 126º, n.º3 CPP e 32º, n.º8 CRP) ;
c- Da inconstitucionalidade da norma do art.º 2º, n.º2 Lei 5/2002, se interpretada no sentido de que o MºPº no inquérito tem legitimidade para proferir aquele despacho, por considerar que a matéria do segredo bancário não respeita à esfera da intimidade da vida privada (violando o art.º32º, n.º4 CRP) .

1.2.
Nesta Relação foi proferido acórdão que julgou improcedente o recurso e concluiu que:
1) uma vez que o recorrente não arguiu tempestivamente as irregularidades referidas em a), deve considerar-se a mesma sanada, o que é extensível aos restantes despachos invocados pelo recorrente, entendimento que se considerou que, prevendo um prazo de arguição de vícios menores e que não afectam a essência do acto, também não exclui nem limita, de forma insustentável ou inadmissível, as possibilidades de defesa do arguido, não sendo inconstitucional.
2) não são nulas as provas obtidas por documentação bancária.
3) a solução encontrada pela Lei 5/2002, que não passou pela eliminação do segredo bancário, mas sim pela dispensa da intervenção judicial para a quebra do sigilo bancário e fiscal verificados certos pressupostos, assumindo não se estar perante um domínio da intimidade da vida privada, mas sim da “reserva de uma parte do acervo patrimonial”,conforme expressão utilizada pelo Tribunal Constitucional no seu acórdão 602/2005 (DR-II série, 21.12.2005) que admitiu a conformidade à Constituição dos procedimentos administrativos de quebra do sigilo bancário, para efeitos fiscais, tendo-se concluído não haver ofensa de direitos fundamentais do cidadão, nomeadamente o da reserva da sua vida privada.

1.3.
Perante esta decisão foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional visando a fiscalização concreta da constitucionalidade tendo o recorrente sustentado :
a) a inconstitucionalidade da norma do ar.º 123º CPP, ao consagrar um prazo de 3 dias para arguição de invalidades em processos de especial complexidade ;
b) e a inconstitucionalidade da norma do art.º 2º, n.º2 da Lei n.º 5/2002 de 11.1, ao permitir ao MºPº a prolação de decisão a determinar o levantamento de sigilo bancário.

1.4.
Pelo Tribunal Constitucional foi proferida decisão que:
A)- Julgou inconstitucional a norma do art.º 123º CPP quando interpretada no sentido de consagrar o prazo de 3 dias para arguir irregularidades contados da notificação da acusação em processos de especial complexidade e grande dimensão sem atender à natureza da irregularidade e à objectiva inexigibilidade da respectiva arguição;
B)- Não julgar inconstitucional a norma do art.º 2º,n.º2 da Lei 5/2002 de 11.1. ao permitir ao MºPº, em inquérito, determinar o levantamento de sigilo bancário

2.
Perante esta decisão do Tribunal Constitucional, que revogou a decisão da Relação no tocante ao juízo constante de A), há que proferir nova decisão que acolha o referido entendimento na perspectiva ora consagrada pelo juízo de constitucionalidade definido no acórdão do TC.

3.
O Tribunal Constitucional definiu que o prazo de 3 dias, consagrado no art.º 123º CPP, não era susceptível de acautelar as garantias de defesa do arguido, em caso de processo especialmente complexo e atendendo à natureza da irregularidade em causa, mas não refere qual o prazo que se considera aceitável para que, no âmbito de um processo especialmente complexo, se argua uma irregularidade de acto de inquérito.
Sendo inconstitucional a perspectiva apontada pelo TC, ou seja de que nos 3 dias após a notificação da acusação não era possível a arguição das irregularidades, o que é certo é que o recorrente não alegou qual o prazo que, de acordo com a situação concreta de especial complexidade do processo e perante a irregularidade em causa – que no caso se reporta à invocação de falta de fundamentação dos despachos do MºPº - seria reputado de bastante para permitir ao arguido arguir tal irregularidade, de forma a não se ver cerceado no seu real direito de defesa.

Como salienta o Exm.º Sr. Conselheiro Mário Torres no seu voto de vencido da tese que fez vencimento no Ac. do TC “aceitando ser exíguo o prazo de 3 dias, daí não se pode fazer derivar o entendimento de que a irregularidade seria arguível sem prazo, a todo o tempo. Neste contexto, considero manifestamente insustentável que se considere ajustado ou necessário um prazo de 43 dias (que foi o utilizado pelo recorrente que, notificado da acusação em 17 de Janeiro de 2006, só arguiu a nulidade em 1 de Março de 2006) …” e que “ É certo que da prolação do juízo de inconstitucionalidade do precedente acórdão não se segue necessariamente a admissão pelo tribunal recorrido da tempestividade da arguição da irregularidade. Caberá na perspectiva da posição que fez vencimento ao tribunal recorrido decidir se, sendo insuficiente o prazo de 3 dias, não será de reputar excessivo o prazo de 43 dias”.
Bastaria que o recorrente invocasse uma situação de justo impedimento para arguir no prazo de 3 dias as ditas irregularidades, a invocar quando cessasse tal impossibilidade, para que tal situação pudesse fazer funcionar um prazo de arguição alternativo que acautelasse em concreto os seus direitos de defesa.
Mas não o fez, ou mesmo a aceitar que ao invocar a exiguidade do prazo de 3 dias o estaria a fazer o que é certo é que não comprovou qual o prazo de que necessitou ou em que momento cessou o impedimento concretizado na dificuldade de consulta do processo ou de estudo do mesmo com vista à arguição em causa que, recorde-se, se limitava à arguição da falta de fundamentação dos despachos do MºPº que ordenaram o levantamento de sigilo bancário, por alegada falta de indicação dos crimes de que o arguido pudesse ser suspeito, dos indícios dos mesmos e da justificação de qual a importância da obtenção das informações solicitadas para a descoberta da verdade e da indispensabilidade da quebra do sigilo.
Por outro lado, atendendo à natureza da irregularidade suscitada, não se vê que o arguido necessitasse de mais do que o prazo supletivo de arguição de nulidades consagrado no art.º 153º CPC aplicável ex vi do art.º 4º CPP na falta de qualquer outra norma aplicável adequadamente à situação, uma vez que, conforme decorria já do acórdão desta Relação de 26.09.2006, A possibilidade de arguição no requerimento de instrução reporta-se às nulidades dependentes de arguição e não a meras irregularidades ( art.º 120º, n.º 2 e 3 al. c) CPP) “ pelo que sempre teria de se considerar extemporânea a arguição em causa no requerimento de instrução, seguindo a tese expendida no referido acórdão que nessa parte não suscitou qualquer impugnação ou sindicância.
Sendo exíguo o prazo de 3 dias do art.º 123º CPP, mas tendo decorrido o prazo geral de 10 dias que, no caso concreto pelas razões referidas, se reputa de suficiente para a arguição respectiva, atenta a simplicidade, consideram-se sanadas as irregularidades suscitadas pelo arguido tanto mais que o arguido oportunamente não alegou justo impedimento para a prática do acto ou, mesmo aceitando tê-lo feito implicitamente, não invocou o momento em que cessou o impedimento, pelo que esta alegação seria improcedente.

4. Pelo exposto, improcede o recurso mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente com t.j. fixada em 7 UC.