Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
0023826
Nº Convencional: JTRL00020173
Relator: ALMEIDA VALADAS
Descritores: SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
CAUSA PREJUDICIAL
Nº do Documento: RL199101310023826
Data do Acordão: 01/31/1991
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: CPC67 ART279 N1.
Sumário: I - Só existe causa prejudicial justificativa de suspensão da instância quando esteja pendente uma outra acção, havendo entre ela e a segunda uma relação de dependência que prejudique a decisão desta de forma que a procedência da primeira tira a razão de ser à existência da segunda.
II - Se for de prever que a decisão de uma das acções em determinado sentido origina inutilidade superveniente da lide na outra, nem por isso se pode concluir pela existência de prejudicialidade: é que, ao decretar-se inutilidade superveniente da lide, não se faz qualquer julgamento de mérito, não havendo assim dependência duma decisão de mérito relativamente a outra decisão de mérito, e só neste sentido se pode falar em nexo de prejudicialidade.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa:
O Dr. (A) e sua mulher (B) vieram intentar pelo
13 Juízo Cível de Lisboa acção de posse ou entrega judicial contra o Eng. (C) e sua mulher (D) pedindo se declare rescindido o contrato de arrendamento celebrado entre o autor marido como senhorio e o réu marido como inquilino, tendo por objecto o
6 andar direito do prédio sito nesta cidade, se declare ilícita a ocupação do mesmo andar pelos réus a partir da data em que o réu arrendatário se comprometeu a deixá-lo livre, ou seja, 31 de Maio de 1974, se condenem os réus ao despejo imediato e se mande passar o respectivo mandato de despejo (sic) e se condenem os réus como detentores de má fé a indemnizar os autores do prejuízo que lhes causaram com a ocupação ilícita do dito andar.
Citados os réus, contestou apenas o réu marido, alegando erro na forma do processo, ineptidão da petição inicial e existência de arrendamento válido, pronunciando-se pela absolvição da instância e, subsidiáriamente, pela do pedido.
Os autores replicaram, pedindo a condenação da ré mulher como revel e mantendo no restante a sua posição. Este articulado além de extenso e prolixo, apresenta uma curiosa ordenação das matérias em longos artigos sem numeração própria em que se pretende acompanhar "pari passu" a numeração da contestação o que tem como resultado, por exemplo, que certos artigos têm mais de um número.
O Sr. Juiz proferiu então despacho em que, com o fundamento da pendência de acção de despejo em que se discute a qualidade de inquilinos dos réus com referência ao falado arrendamento, suspendeu a instância na presente acção até decisão definitiva da referida acção de despejo por entender estar a decisão da presente causa dependente do julgamento daqueloutra, nos termos do n. 1 do artigo 279 do Código de Processo Civil.
Inconformado, agravou o autor marido desta decisão, juntando ao requerimento de interposição de recurso um curioso requerimento que apelidou de "razões do agravo", dirigindo-o ao "Exmo. Senhor Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa" (sic).
Apresentou o agravante a sua alegação a fls. 173 e seguintes, omitindo por completo as conclusões.
Convidado a apresentá-las, veio juntar um escrito quase tão extenso como a alegação, enfermando de razoável prolixidade e analítico em lugar de sintético.
Diz, em resumo, o seguinte:
A - Não existe dependência entre a acção de despejo e a presente acção, por prejudicialidade daquela em relação a esta.
B - É necessário que a presente acção prossiga para que se conheça da alegada rescisão do arrendamento afim de poder ser "esvaziada" (sic) a aludida acção de despejo por "ilegitimidade dos réus" (sic).
C - A presente acção é que é prejudicial da acção de despejo e não o contrário.
O agravado contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido.
O Sr. Juiz sustentou doutamente o seu despacho.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
A questão a resolver consiste pois únicamente em saber se a acção de despejo proposta pelos autores contra os réus relativamente ao imóvel "sub judice"
é prejudicial relativamente à presente acção, nos termos do atrás referido preceito da lei processual.
Na presente acção (independentemente da qualificação que lhe foi dada a quando da distribuição e da que consta do cabeçalho da petição inicial e independentemente ainda do pedido de "despejo imediato" (sic) que se faz em conclusão, além do mais, no mesmo articulado) o que se pretende ou parece pretender principalmente (conclusão extraída da leitura esforçada da dita petição) é a entrega ou restituição aos autores duma fracção autónoma dum imóvel por falta de título legitimador bastante por parte dos réus seus ocupantes.
Estaremos assim, ou perante uma acção de reivindicação de propriedade ou perante uma acção de restituição de posse, qualificação esta a atribuír conforme o permitirem os elementos e factos relatados na petição inicial e conforme vierem a ser interpretados a conclusão da mesma petição e os pedidos ali concretamente formulados, incluindo em termos e para efeito de eventuais nulidades o que
é tarefa para o despacho saneador, não tendo pois esta Relação e na economia do presente recurso que se pronunciar sobre essa questão já que o que está aqui em causa é apenas a questão atrás enunciada.
Está há muito assente na jurisprudência e com carácter de uniformidade o que deve entender-se por prejudicialidade ou nexo prejudicial para os efeitos do disposto no n. 1 do artigo 279 do Código de Processo Civil.
Assim, temos, por exemplo e entre outros:
- Acórdão do STJ de 04/12/86 in "Trib. Just.", n. 27 de Março de 1987:
"Só existe causa prejudicial se já estiver pendente digo se estiver já pendente outra acção, havendo entre ela e a segunda acção uma relação de dependência de modo a prejudicar a decisão desta, isto é, quando a procedência da primeira tira a razão de ser à existência da segunda".
- Acórdão da Relação de Coimbra de 19/05/87 in "Col. Jur.", XII, III, 24:
"Existe dependência duma acção em relação a outra quando a questão a apreciar nesta influa, modifique ou afecte o julgamento a proferir na primeira".
- Acórdão da mesma Relação de 23/04/85 in ibid., X,
II, 65:
"Uma causa é prejudicial de outra sempre que nela se ataque um acto ou facto jurídico que é pressuposto necessário desta".
Daqui se conclui que não há prejudicialidade em todo e qualquer caso em que em duas causas distintas se apreciem, qualifiquem e valorem os mesmos factos, total ou parcialmente, como fundamento das respectivas decisões a proferir.
Só existe prejudicialidade quando a decisão duma das causas tiver por objecto directamente o estabelecimento ou qualificação de determinado facto ou situação por força do respectivo pedido concreto formulado e esse facto ou situação for pressuposto da decisão da outra acção.
Por exemplo, será assim obviamente prejudicial à decisão duma acção em que se pede a condenação de alguem no cumprimento de certa cláusula dum testamento ou dum contrato, aqueloutra acção em que se a declaração de nulidade do mesmo testamento ou do mesmo contrato.
Mas já não existirá esse nexo de prejudicialidade entre duas acções em que seja necessário apreciar e interpretar ou decidir da validade das mesmas cláusulas dos mesmos contratos mas para fundamentar diversas decisões, por exemplo porque uma se pede a condenação de alguem a pagar certa quantia e na outra a condenação desse mesmo alguem a entregar certa coisa ou abster-se de determinada conduta.
Ora, no caso vertente, o que no fundo se pede em ambas as acções é que os réus entreguem aos autores determinado imóvel, desocupando-o, embora com diversa fundamentação e efeitos jurídicos algo diversos num caso e noutro.
A acção que primeiro for decidida determinará sem dúvida a extinção da instância na outra por inutilidade superveniente da lide, se a decisão for favorável aos autores, no que concerne à dita entrega de imóvel.
Se lhes for desfavorável a decisão na presente acção, por se reconhecer que os réus são titulares como inquilinos dum arrendamento válido, isso em nada afectará a acção de despejo que poderá seguir seus termos para prova dos fundamentos invocados para a denúncia do mesmo arrendamento (v. cópia da p.i. respectiva a fls. 104 e seguintes).
Se, ao invés, for proferida em primeiro lugar a decisão na acção de despejo e for a mesma favorável aos réus, isso em nada afectará igualmente a presente acção já que não se verificam os requisitos no caso julgado desde logo pela diversidade parcial dos pedidos e pela diversidade total das causas de pedir.
Assim e concretamente quanto à pretensa prejudicialidade da acção de despejo em relação à presente acção e que é a questão sobre em esta Relação tem que se pronunciar e mais nenhuma pois só ela foi objecto do despacho agravado, a mesma não se verifica já que não há qualquer relação de dependência entre aquela acção e esta, não tirando a apreciar naquela modifica, influi ou afecta o julgamento a proferir nesta, nem, por último, naquela se ataca um acto ou facto jurídico que seja pressuposto necessário desta.
E não obsta a este raciocínio o que atrás se disse quanto à inutilidade superveniente da lide numa das acções provocada pela decisão da outra em certo sentido. É que ao decretar-se a inutilidade superveniente duma lide não se faz qualquer julgamento de mérito; logo não há dependência duma decisão de mérito relativamente a outra decisão de mérito e só neste sentido se pode falar em nexo de prejudicialidade.
Termos em que se concede provimento ao agravo e se revoga o despacho recorrido para que cesse a suspensão da instância no mesmo decretada e o processo siga seus termos regulares.
Custas pelo vencido a final, adiantando-as por ora o agravante.
Lisboa, 31 de Janeiro de 1991