Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5771/07-9
Relator: RIBEIRO CARDOSO
Descritores: INDULTO
TRIBUNAL COMPETENTE
LIBERDADE CONDICIONAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/05/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECUSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
1. Encontrando-se o processo a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Alenquer é ao senhor juiz do processo e não ao juiz do TEP que compete pronunciar-se sobre o promovido pelo Ministério Público na 1.ª instância relativamente à aplicação do indulto presidencial e nova liquidação da pena daí resultante.

2. Na verdade, cabendo àquele dirigir a execução, não podem ficar de fora dessa competência actos tão importantes como os da aplicação do indulto e da determinação da data do termo do cumprimento da pena de prisão por via da reformulação da liquidação e, bem assim, do momento a partir do qual o condenado pode ou deve beneficiar da liberdade condicional.

(sumarido pelo relator)
Decisão Texto Integral: I

1. No âmbito do processo comum n.º ---/96.6GAALQ do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Alenquer, o arguido P.S., com os sinais dos autos, foi condenado, por acórdão de 9 de Abril de 1997, pela prática, em autoria material e em concurso real, de dois crimes de homicídio qualificado, p.e p. pelos art. 131.º e 132.º n.º1 e 2, alin. f) e g) do Código Penal nas penas parcelares de 17 e 20 anos de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena de 25 (vinte e cinco) anos de prisão.

2. Por Decreto de Sua Excelência o Senhor Presidente da República com o n.º 138-P/2006, de 22 de Dezembro, com fundamento em razões humanitárias, foi a pena residual de prisão aplicada ao arguido reduzida, por indulto, em 4 anos de prisão.

3. Em 9 de Março de 2007, o Ministério Público procedeu à reformulação da liquidação da pena aplicada ao condenado e promoveu a sua homologação (cf.fls. 92 e 93 destes autos de recurso).

4. Sobre tal promoção recaiu o seguinte despacho:

«Fls. 374:

A fls. referenciada em epígrafe promove o Ministério Público que o Tribunal homologue uma liquidação de pena efectuada em virtude de ter sido concedido um indulto ao arguido.

Cumpre apreciar da competência para o efeito

Preceitua o artigo 91", 2, alínea l), da Lei 3/99, de 13.01 (vulgo L.O.F:T.J.):

“ Compete especialmente aos tribunais de execução de penas: (…)

l) Emitir parecer sobre a concessão e decidir sobre a revogação do indulto, bem como fazer a sua aplicação…”.

Por conseguinte, conclui-se que no caso em apreço, o presente juízo criminal é incompetente, em razão da matéria para aplicar o indulto (que mais não é que reformular a liquidação da pena), dado que tal competência radica nos Tribunais de Execução de Penas.

Dispõe o art. 32.º n.º1 do Código de Processo Penal:

A incompetência do tribunal é por este conhecida e declarada oficiosamente e pode ser deduzida pelo Ministério Público, pelo arguido e pelo assistente até ao trânsito em julgado da decisão final”.

Pelo exposto, declara-se o presente juízo criminal incompetente, em razão da matéria, para proceder à aplicação do indulto, ou seja, para homologar a liquidação da pena reformulada em decorrência do indulto concedido ao arguido.

Notifique.

Após trânsito, dê conhecimento desta decisão ao processo identificado a fls.377

5. Inconformado com o decidido, o Ministério Público veio interpor recurso para esta Relação, nos termos constantes de fls.96 a 102, requerendo a revogação do despacho sob recurso e a sua substituição por outro que receba e homologue a liquidação da pena efectuada nos autos e ordene a requerida extracção de certidões para cumprimento do disposto no art. 477.º n.º1 e 2 do CPP.

Extraiu da motivação que apresentou as seguintes conclusões:

“1.ª - No caso sub iudice, o arguido P.S. foi condenado na pena única de 25 anos de prisão e, por indulto presidencial, viu a sua pena residual ser reduzida em 4 anos de prisão, cfr. DR n°245, de 22.12.2006.

2.ª - O despacho de fls. 379, de que ora se recorre, declarou a incompetência deste Tribunal, em razão da matéria, e, consequentemente, recusou a reformulação da liquidação de pena que se impunha por força da concessão de indulto presidencial.

3.ª - Dos art° 470° n° l, 474° n° l e 2, 477° n° l e 2 e 480° do Código de Processo Penal, conjugados com o art° 91° n° 2 al. l) da Lei 3/99, de 13.1, resulta, cfr. melhor entendimento do STJ, que a execução em processo penal é constituída pela sequência de actos do processo idóneas para executar directamente a decisão penal, não constituindo, em si, um processo autónomo.

4.ª - Resulta ainda, como regra, que a execução corre nos próprios autos, perante o presidente do tribunal de 1.ª instância em que o processo tiver corrido e que a indicação da pena é feita pelo Tribunal do julgamento, nos próprios autos.

5.ª - Em caso de conflito entre o Tribunal de Julgamento e o Tribunal de Execução de Penas, durante a pena, a competência para cálculo da pena de prisão e a sua execução cede perante a competência especializada do TEP, que aplica não só o indulto como também a amnistia e o perdão genérico "sempre que os respectivos processos se encontrem na secretaria, ainda que transitoriamente" – art. 91° n° 2 al. l), parte final da LOFTJ.

6.ª - Nenhum sentido faz não proceder, nos próprios autos, à reformulação da liquidação de pena que nestes foi efectuada, a fls. 304, e, consequentemente, deixar de comunicar às entidades referenciadas no art. 477° do Código de Processo Penal as alterações à pena que, no caso concreto, se traduzem numa redução da pena residual.

7.ª - Ao suscitar a questão da incompetência em razão da matéria e recusar a homologação da liquidação da pena reformulada com esse fundamento, o douto despacho sob recurso violou o disposto no art. 91° n° 2 al. l) da LOFTJ, interpretando esta disposição no sentido de restringir o conhecimento do indulto, amnistia e perdão genérico ao TEP, assim impossibilitando os autos a que se reporta a condenação de conhecer quaisquer alterações relativas a medidas de clemência que reduzam a pena concreta, como sejam o indulto, a amnistia e o perdão.

8.ª - Deste modo, esvaziou de conteúdo o disposto nos art.ºs 470° n° 1, 474° n° 1 e 2, 477° n° 1 e 2 e 480° do Código de Processo Penal.

6. Não foi apresentada qualquer resposta por banda do arguido ou de outros sujeitos processuais.

7. Nesta Instância a Exma. Senhora. Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer sobre o mérito do recurso, concluindo que este deve proceder (fls.122 e 123).

8. Cumprido o disposto no art. 417.º n.º2 do CPP, foram colhidos os vistos legais, cumprindo, agora decidir:
II

9. O objecto do recurso restringe-se a saber quem é o tribunal competente para homologar a reformulação da liquidação da pena imposta ao condenado na sequência da aplicação de uma medida de clemência legislativa, no caso, o indulto.

10. Afigura-se-nos que a razão está do lado do Ministério Público.

Com efeito, dispõe o n.º1 do art. 470.º, do Código de Processo Penal (diploma ao qual pertencem todas as disposições legais que à frente se citarem sem outra indicação), que “a execução corre nos próprios autos perante o presidente do tribunal de primeira instância em que o processo tiver corrido”, sem prejuízo da intervenção do Tribunal de Execução das Penas, em caso de aplicação de pena privativa de liberdade. - cf. art. 477.º do C.P.P. e art.º 61.º e ss., do Código Penal .


Em coerência, cabe ao tribunal competente para a execução decidir as questões relativas à execução das penas e das medidas de segurança e à extinção da responsabilidade, bem como à prorrogação, pagamento em prestações ou substituição por trabalho da pena de multa e ao cumprimento da prisão subsidiária, cabendo-lhe igualmente a aplicação da amnistia e de outras medidas de clemência previstas na lei, se o processo não se encontrar no tribunal de recurso ou de execução das penas (art.474.º ) - A interpretação do artigo 474.º do Código de Processo Penal no sentido de que, em qualquer caso, mesmo não havendo urgência, deve o Tribunal de Recurso ou o Tribunal de Execução de Penas imediatamente aplicar as medidas referidas naquele normativo, é de ter por materialmente inconstitucional por violação dos artigos 32.º n.º1 da Constituição da República, por supressão do recurso, e do artigo 13.º n.º 1 do mesmo diploma, por violação do princípio da igualdade quando acarreta desigualdade entre os beneficiários das sobreditas medidas: aqueles que podem recorrer e aqueles que por circunstâncias meramente casuais não o podem fazer, dada a pendência do processo fora da primeira instância (cf. Ac. do STJ de 23.6.99 in rec. 391/99 – 3.ª Secção, acessível in www.dgsi.pt/jstj).


É que, diferentemente do processo civil, em que a acção executiva se configura como um processo autónomo, a sequência processual destinada à execução das decisões jurisdicionais penais apresenta-se como uma fase do processo.

A execução em processo penal não é um processo autónomo, sendo antes constituída por uma sequência de actos do processo idóneos para executar directamente a decisão penal, que ao Ministério Público incumbe promover (art.53.º n.º2, alin. e) do CPP).

A regra é, pois, a de que a execução corre nos próprios autos, perante o presidente do tribunal de primeira instância em que o processo tiver corrido.

Determina o artigo 477.º n.º1 que “o Ministério Público envia ao Tribunal de Execução das Penas e aos serviços prisionais e de reinserção social, no prazo de cinco dias após o trânsito em julgado, cópia da sentença que aplicar pena privativa da liberdade”, acrescentando o nº 2 que “nos casos de admissibilidade de liberdade condicional o Ministério Público indica as datas calculadas para os efeitos previstos nos artigos 61º, 62º e 90º, nº 1, do Código Penal, devendo ainda comunicar futuramente eventuais alterações que se verificarem na execução da prisão”.

Estas normas encarregam o Ministério Público da realização das comunicações, respeitantes à execução da pena de prisão, a diversas entidades. Mas apenas isso. E, assim, delas não se pode extrair a conclusão de que a competência para fixar aquelas datas caiba na competência do Ministério Público, havendo todo um conjunto de preceitos legais que apontam para o deferimento de tal competência ao juiz, enquanto entidade a quem cabe dirigir a execução.

É certo que na execução das penas intervém também o Tribunal de Execução de Penas, a quem o DL n.º 783/76, de 29 de Outubro, atribuiu vastos poderes de decisão, vigilância e consulta (art. 22.º) e o juiz do Tribunal de Execução de Penas (art. 23.º), competência ora regulamentada nos art. 91.º e 92.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro.

Dentro dos poderes do TEP cabe a de emitir parecer sobre a concessão e decidir sobre a revogação do indulto, bem como fazer a sua aplicação, e aplicar a amnistia e o perdão genérico sempre que os respectivos processos se encontrem na secretaria, ainda que transitoriamente (alin. l) do n.º 2 do citado art.91.º).

Em face destes preceitos, não pode duvidar-se que encontrando-se o processo a correr termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Alenquer é ao senhor juiz do processo que compete pronunciar-se sobre o promovido pelo Ministério Público na 1.ª instância e não ao juiz do TEP. Na verdade, cabendo àquele dirigir a execução, não podem ficar de fora dessa competência actos tão importantes como os da aplicação do indulto e da determinação da data do termo do cumprimento da pena de prisão por via da reformulação da liquidação e, bem assim, do momento a partir do qual o condenado pode ou deve beneficiar da liberdade condicional.

Assim, o juiz a quem cabe a direcção da execução de uma pena de prisão não pode deixar de pronunciar-se sobre o cálculo que o Ministério Público faça no processo da data do termo da pena e das demais datas a que alude o artigo 477.º do C.P.P., na sequência da aplicação de indulto ao condenado, ao menos manifestando concordância com o mesmo ou, se for caso disso, corrigindo-o de acordo com o seu diferente entendimento.

O juiz do TEP só incidentalmente, quando o processo em que corre a execução se encontre na secretaria do seu juízo, ainda que transitoriamente, pode aplicar o indulto ou qualquer outra medida de clemência.

11. Termos em que, no provimento do recurso, se revoga o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que aprecie o pedido formulado pelo Ministério Público, em conformidade como acima exposto.

Sem custas.