Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
26233/19.8T8LSB.L2-7
Relator: ANA MÓNICA MENDONÇA PAVÃO
Descritores: FEDERAÇÃO DESPORTIVA
ASSEMBLEIA GERAL
DELIBERAÇÃO DE EXCLUSÃO DE ASSOCIADO
NULIDADE
TIPICIDADE
CONTRADITÓRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Conforme preceitua o n.º 2 do artigo 167.º do Código Civil, “Os estatutos (das associações) podem especificar ainda os direitos e obrigações dos associados, as condições da sua admissão, saída e exclusão, bem como os termos da extinção da pessoa coletiva e consequente devolução do seu património”.
II. Ao contrário do nº 1 do art.º 167º, o nº 2 deste preceito, não tem carácter imperativo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
A, com sede em Braga intentou no Tribunal Arbitral do Desporto, contra a B , com sede em Lisboa, recurso da deliberação tomada pela assembleia geral da ré reunida em 24.03.2018, que determinou a exclusão da autora de associada ordinária da ré, peticionando que seja decretada a nulidade da dita deliberação e, em consequência, que seja a ré intimada a reconhecer os direitos da autora decorrentes da sua qualidade de associadas ordinária da ré; que seja a ré condenada ao pagamento da quantia total de €27.952,80, correspondentes aos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais sofridos com a execução da deliberação; que seja declarada inválida a decisão da direção da ré que ordenou a inscrição nas associações do Porto ou de Viana do Castelo dos clubes e atletas inscritos na autora; e que sejam os legais representantes da ré condenados em sanação pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento da decisão que venha a ser proferida.
Alegou, para tanto e em síntese, ter proposto providência cautelar de suspensão de deliberação social, por força da qual a ré se encontrava impedida de deliberar como deliberou na predita assembleia geral de 24.03.2018. Mais alega que o regulamento disciplinar interno da ré não prevê a pena disciplinar de exclusão; prossegue alegando que a deliberação em crise não foi precedida do necessário processo disciplinar, com audiência e defesa da aqui autora.
Alega também que a execução da deliberação, determinando a obrigação de os clubes e atletas então filiados na aqui autora se inscreverem nas associações distritais do Porto ou de Viana do Castelo, viola os direitos legais e estatutários da autora. Por fim, alega que a execução da deliberação da ré implicou danos significativos na autora, de natureza patrimonial e não patrimonial, que computa num total de € 27 952,80
Foi a ré citada para contestar, o que fez, excepcionando a incompetência absoluta do Tribunal Arbitral do Desporto, a caducidade do direito de ação, a nulidade do processo e, no mais, pugnando pela improcedência da acção.
O Tribunal Arbitral do Desporto proferiu acórdão em 23/1/2019, declarando-se absolutamente incompetente para conhecer o litígio, na sequência do que, ao abrigo do disposto nos art.ºs 61º do TAD e 14º/2 do CPTA e após ter alterado o valor da acção, determinou a remessa dos autos para o Tribunal Judicial da comarca de Lisboa, tendo sido distribuídos ao Juízo Local Cível.
A convite do tribunal, foi apresentada petição inicial aperfeiçoada (ref.ª 25491178), tendo a ré igualmente apresentado contestação aperfeiçoada (ref.ª 25625227).
Foi suscitado o incidente de verificação do valor da causa, tendo sido fixado à acção valor que determinou a incompetência do Juízo Local Cível de Lisboa (cf. decisão de 3/11/2021), sendo o processo remetido ao Juízo Central Cível de Lisboa, que se declarou incompetente (decisão de 21/2/2022), suscitando o conflito negativo de competência, que veio a ser decidido por decisão sumária proferida, em 23/3/2022, pela Exmª Vice-Presidente deste Tribunal da Relação de Lisboa, que declarou ser competente para a apreciação dos autos o Juízo Local Cível de Lisboa - Juiz 18.
Em 21/8/2023 foi proferido saneador-sentença com o seguinte dispositivo:
“Assim, tudo ponderado, pelos fundamentos expostos, considerando os termos da ação tal como configurados pela autora, impõe-se concluir, desde já, e independentemente da prova pudesse vir a ser produzida em audiência de julgamento, pela integral e manifesta improcedência da ação, com a consequente absolvição da ré do pedido contra si formulado nestes autos, o que se decide.
Custas a suportar integralmente pela autora (n.º 1 do artigo 527.º do Código de Processo Civil).”
Em 16.2.2018, a A intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TAC), procedimento cautelar comum contra B, formulando os seguintes pedidos:
- suspensão provisória da eficácia da deliberação da Direcção da Ré datada de 11.1.2018 que determinou a suspensão da actividade da A. até 24.3.2018;
- intimação da Ré para se abster de deliberar sobre o Ponto 2- da ordem de trabalhos da Assembleia Geral Extraordinária agendada para 24.3.2018, que previa a deliberação sobre a exclusão da A.;
- intimação da Ré para proceder ao pagamento dos apoios mensais em falta;
- intimação da Ré para permitir à A. a participação nos eventos desportivos federados.
O TAC declarou a incompetência material para apreciar a providência, remetendo os autos para o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, que, por decisão proferida em 27/10/2020 no apenso A, declarou extinta a instância cautelar, por impossibilidade superveniente da lide, ao abrigo do art.º 277º al e) do CPC.
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Inconformada com a decisão proferida nos presentes autos em 21/8/2023, veio a autora A dela interpor o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:
Vem o presente recurso ser interposto da sentença proferido pelo Digno Tribunal a quo, que absolveu a R. Requerida de tudo quanto peticionado.
II.  Salvo melhor opinião, errou o Tribunal na aplicação do art.º 128.º, n.º 1 do CPTA ao caso concreto e em não reconhecer a nulidade da Deliberação datada de 24-03-2018 por violação dos princípios da tipicidade e do contraditório e ausência de procedimento prévio à exclusão.
III.  O Tribunal “a quo” entendeu claro que a deliberação da Assembleia Geral de 23.03.2028 não violou o disposto no n.º 1 do art.º 128.º do CPTA conquanto a citação no âmbito do procedimento cautelar n.º 316/18.0BELSD só poderia ter implicações em eventual execução do acto de 11.01.2018, não ficando a R. impedida, pela simples pendência daquele procedimento cautelar, de reunir em assembleia geral, como reuniu, e de deliberar, como deliberou.
IV.  O artigo 128º, n 1 do CPTA estatui: “Quando seja requerida a suspensão da eficácia de um acto administrativo, a autoridade administrativa, recebido o duplicado do requerimento, não pode iniciar ou prosseguir a execução (...).
V.  Na verdade, a A./recorrente alega e peticiona ter interposto providência cautelar para suspender a execução da deliberação da assembleia da FPJ, e nos termos do disposto no artigo 128.º, n.º 1 do CPT, estava a mesma assembleia impedida de iniciar a sua execução.
VI.  Não se mostrando controvertido o facto de a R./Recorrida ter sido, ou não, citada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa da providência cautelar e, nos termos e para os efeitos do disposto no citado dispositivo legal.
VII. O supra exposto é bastante para fazer soçobrar a douta sentença ora em crise, quando ao 1.º ponto do presente recurso, devendo ser substituída por outra que reconheça a nulidade da deliberação datada de 24.03.2018 por violação do art.º 128.º, n.º 1 do CPTA.
Ademais,
VIII.   O Tribunal “a quo” decidiu pela inexistência de invalidades na deliberação tomada pela R. em 24.03.2018 considerando irrelevante inexistir previsão estatutária ou regulamentar que contemple a exclusão e não ter ocorrido audiência prévia da A.
IX. Ora, tal decisão, afigura-se contrária ao Direito e jurisprudência assente e inquestionável.
X. Vejam-se os doutos Acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Évora, em 01-03-2007 e Relação de Lisboa, datado de 01-06-2006, processo n.º 3039/2006-8, in www.dgsi.pt.
XI. As regras disciplinares de uma associação devem obedecer ao princípio da tipicidade e da legalidade”
XII. Exige-se previsão expressa da pena disciplinar de expulsão de associado e a de processo disciplinar, assegurando ao arguido o princípio constitucional de audiência e defesa (artigo 32º/10 da Constituição).
XIII. Efectivamente, a exclusão da qualidade de sócio constitui matéria disciplinar a qual nos termos do disposto no n.º 2, do art.º 167.º do Cód. Civ., não tem que constar obrigatoriamente do acto constitutivo ou dos estatutos, pois pode fazer parte, por via de disposição estatutária, de outro documento da associação, aprovado pela respectiva assembleia geral, nomeadamente de um regulamento interno.
XIV. Porém, a deliberação de exclusão de um sócio tem um carácter disciplinar e sancionatório;
XV.  Por tal instância, tal deliberação teria necessariamente que resultar de um processo disciplinar, no qual fosse assegurado o direito de audiência e defesa da A./Recorrente.
XVI. Processo disciplinar que não existiu de todo e da competência exclusiva do Conselho Disciplinar da Federação, ou de outro órgão a quem fosse expressamente atribuída essa competência.
XVII. O direito do arguido à audiência e defesa em processo disciplinar constitui formalidade essencial cuja preterição conduz à nulidade do acto punitivo, em virtude da lesão dos direitos fundamentais do arguido.
Por outro lado,
XVIII. A aplicação de uma pena de exclusão tem que obedecer ao princípio da tipicidade e da legalidade, isto é, tem de constar de documento em que se determine quais os factos passíveis de aplicação de pena disciplinar e seu grau ou medida.
XIX. Sobre este tema, o douto Acórdão do Tribunal Constitucional de 14-12-1994, processo n.º 91-0307, in www.dgsi.pt, é estrondosamente esclarecedor:
“I - A regra da tipicidade das infracções, corolário do principio da legalidade consagrado no n. 1 do artigo 29 da Constituição (nullum crimen, nulla poena, sine lege), só vale, qua tale, no domínio do direito penal, pois que nos demais ramos do direito publico sancionatório (máxime, no domínio do direito disciplinar) as exigências da tipicidade fazem-se sentir em menor grau: as infracções não tem, ai, que ser inteiramente tipificadas.
XX. E também se afigura que em matéria disciplinar, no plano substantivo, regem as regras constantes do estatuto, ou seja, não pode ser aplicada ao associado sanção que nos estatutos não esteja prevista, nem a medida da pena a aplicar pode levar em consideração, no plano agravativo, circunstâncias para além das que constam desses mesmos estatutos.
XXI. De igual modo o associado não poderá ser sancionado com base na violação de deveres que não estejam previstos em preceitos estatutários ou regulamentares que se assumam de natureza taxativa.
XXII.  Releva, adicionalmente, a inobservância de regras mínimas na condução de um procedimento disciplinar – in casu, inexistente - desrespeitando o princípio da proibição do arbítrio ou princípios fundamentais de consagração constitucional – princípio da igualdade ou o princípio da audiência e da defesa (artigos 13º e 32º/10 da Constituição).
XXIII. Pelo que, a R./recorrida, ao expulsar a A./recorrente de sua associada, ignorou toda a tramitação legal e imperativa para num processo de manifesto abuso de poder eliminar a sua associada da sua organização federativa.
XXIV. De facto, a decisão de expulsão deliberada pela assembleia de 24 de março não só não é tomada com base em documento ou regulamento que preveja especificamente a pena de expulsão de um seu associado, como é tomada sem qualquer processo prévio de audiência e defesa do arguido.
XXV.  Sendo, inquestionavelmente,  tal deliberação NULA! O que expressamente se alega e cujo reconhecimento se requer, revogando-se a sentença proferida por outra conforme ao Direito.
XXVI. A sentença proferida pelo Tribunal “a quo” violou assim, o disposto nos art.º 128.º. do CPTA do Código Civil, 167.º e 172.º do Código Civil e 13.º, 29.º e 32.º da constituição da República Portuguesa.
XXVII. TERMOS EM QUE, e no mais que V. Exa. Doutamente suprirá, deve a sentença ora em crise proferido pelo Tribunal “a quo” ser revogada, reconhecendo-se a errada interpretação do art.º 128.º do CPTA no caso concreto e a nulidade da deliberação datada de 24.03.2018 por violação dos Princípio da Tipicidade e Direito de Defesa da A./Recorrente.
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A recorrida contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. QUESTÕES A DECIDIR
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados nos artigos 635º/4 e 639º/1 do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importa, no caso, apreciar e decidir da seguinte questão:
- Validade formal da deliberação da assembleia geral da ré datada de 24/3/2018, que determinou a exclusão da autora de associada da ré.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A factualidade relevante para a decisão é a que consta do relatório supra.
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IV. APRECIAÇÃO JURÍDICA
Com a presente acção pretende a autora/ora apelante A, no essencial, que seja declarada a nulidade da deliberação tomada pela assembleia geral da ré/apelada reunida em 24/3/2018 - que determinou a exclusão da autora de associada da ré - e seja a ré intimada a reconhecer os direitos da autora decorrentes da sua qualidade de associada da ré e seja a ré condenada ao pagamento da quantia total de €27.952,80, correspondentes aos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais sofridos com a execução da deliberação.
O tribunal a quo concluiu pela manifesta improcedência da acção, decidindo consequentemente pela absolvição da ré do pedido.
O decidido assentou na seguinte fundamentação:
“De acordo com a alegação da autora, a deliberação de exclusão da autora é nula por violação do disposto no n.º 1 do artigo 128.º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos.
Está também adquirido nos autos (artigo 16.º da petição inicial aperfeiçoada, não impugnado pela ré, cfr. artigo 35.º da contestação aperfeiçoada) que a autora intentara providência cautelar no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que aí correu termos sob o n.º 316/18.0BELSB.
Na dita providência cautelar, a autora concluíra peticionando: (…)
Dispunha o n.º 1 do artigo 128.º do CPTA, à data, que: Quando seja requerida a suspensão da eficácia de um ato administrativo, a autoridade administrativa, recebido o duplicado do requerimento, não pode iniciar ou prosseguir a execução, salvo se, mediante resolução fundamentada, reconhecer, no prazo de 15 dias, que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público.
De acordo com o determinado no dito processo administrativo, a aqui ré, quando citada, foi advertida do disposto na citada norma (cfr. despacho de 22.02.2018).
Em face dos pedidos efetuados no identificado procedimento cautelar administrativo, afigura-se claro a este tribunal que a deliberação tomada na assembleia geral de 24.03.2018 não violou o disposto no n.º 1 do artigo 128.º do CPTA. Com efeito, esta norma destina-se a impedir a execução de ato administrativo cuja suspensão de eficácia seja cautelarmente pedida.
Ora, de acordo com o peticionado pela aqui autora no dito procedimento cautelar, estaria aí em causa “a suspensão provisória da deliberação da Direção da B, de 11 de janeiro de 2018, tomada em reunião realizada nesse dia e exarada na ata aqui junta (…) que determinou a suspensão da Direção da ADJB de toda a sua atividade até ao dia 24 de março de 2018 (…)”. Relativamente à reunião de 24.03.2018, foi peticionada a intimação da aqui ré “(…) a abster-se de apreciar e deliberar o ponto dois da ordem de trabalhos (…)”.
Assim, a citação no âmbito do processo n.º 316/18.0BELSB poderia ter implicações em eventual execução de eventual ato de 11.01.2018 (que aqui não se discute se existiu, ou não, e em que termos), não ficando a aqui ré impedida, pela simples pendência daquele procedimento cautelar, de reunir em assembleia geral, como reuniu, e de deliberar, como deliberou.
Improcede, assim, o alegado pela autora nesta parte.
Sustenta a autora que a deliberação de 24.03.2018 é também inválida por constituir matéria disciplinar, não estando a pena de exclusão de sócio prevista nos estatutos e no regulamento disciplinar da ré, nem tendo a sua aplicação sido precedida do necessário procedimento disciplinar.
Vejamos.
Conforme alega a autora, o n.º 2 do artigo 167.º do Código Civil preceitua que “Os estatutos podem especificar ainda os direitos e obrigações dos associados, as condições da sua admissão, saída e exclusão, bem como os termos da extinção da pessoa coletiva e consequente devolução do seu património”.
Compulsados os estatutos da ré, juntos com a petição inicial aperfeiçoada (ref.ª 25495207), constata-se que são omissos quanto à matéria de exclusão de associados.
Sustenta a autora que, então, é aplicável o regulamento disciplinar da ré (documento n.º 4 de ref.ª 25495207). Porém, e como se constata pelo âmbito de aplicação que o próprio regulamento definiu para si – artigo 1.º –, tal regulamento estatui os termos em que o poder disciplinar da aqui ré é exercido no desenvolvimento de atividade desportiva no âmbito do objeto estatuário da ré. O “regulamento disciplinar” da ré não contém qualquer estatuição no domínio das relações internas entre os associados, não se destinando a regular a vida associativa.
A matéria de admissão, manutenção e exclusão da qualidade de associado pode ou não estar contida nos estatutos (n.º 2 do artigo 167.º do Código Civil), e respeita à organização da ré. Não constitui matéria “disciplinar” no sentido desportivo para que o “regulamento disciplinar” da ré foi elaborado.
O “regulamento disciplinar” da ré não tem, assim, qualquer relevo ou interesse para a apreciação da validade da deliberação em causa nestes autos.
Assim, a circunstância de não haver previsão estatuária ou regulamentar que contemple a exclusão de associado, bem como a inobservância de audição prévia da autora, não determinam a invalidade da deliberação tomada na assembleia geral de 24.03.2018.
Tal não significa que a deliberação de exclusão seja insindicável e que a autora estivesse impedida de reagir contra ela.
Com efeito, nos termos do disposto no artigo 177.º do Código Civil, As deliberações da assembleia geral contrárias à lei ou aos estatutos, seja pelo seu objeto, seja por virtude de irregularidades havidas na convocação dos associados ou no funcionamento da assembleia, são anuláveis.
Porém, a autora não pretendeu nestes autos discutir a validade da deliberação pelo seu objeto – como a sua eventual falta de fundamento –, quedando-se pela invocação de concretos vícios de violação de lei (n.º 1 do artigo 128.º do CPTA) e de norma estatutária (do “regulamento disciplinar”) que, como se vem expondo, não se verificam.
Não existem, assim, as invalidades apontadas pela autora à deliberação tomada pela ré em assembleia geral de 24.03.2018.
Falhando a verificação da invalidade da deliberação, torna-se desnecessária a averiguação dos eventuais prejuízos que a dita deliberação possa ter causado à autora, por não existir ilicitude que justifique a sua pretensão indemnizatória.”
A apelante insurge-se contra a decisão recorrida com base em dois argumentos:
- Erro na aplicação do art.º 128º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA);
- Nulidade da deliberação de 24/3/2018 por violação dos princípios da tipicidade e do contraditório e ausência de procedimento prévio à exclusão.
Refira-se, antes de mais que, como foi assinalado pelo tribunal de 1ª instância, a autora não pretende discutir aqui a validade (material) da deliberação em causa pelo seu objecto (v.g. eventual falta de fundamento), limitando-se a invocar vícios de violação de lei (art.º 128º CPTA) e de norma estatutária (do regulamento disciplinar).
Analisemos as questões atinentes aos apontados vícios procedimentais.
Estabelece o art.º 128º/1 do CPTA:
“Quando seja requerida a suspensão da eficácia de um ato administrativo, a entidade administrativa e os beneficiários do ato não podem, após a citação, iniciar ou prosseguir a execução, salvo se, mediante remessa ao tribunal de resolução fundamentada na pendência do processo cautelar, reconhecer que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público.”
Como enunciado no relatório supra, foi peticionado em sede da providência cautelar – P. nº 316/18.0BELSB -  intentada junto do TAC (que veio a declarar-se incompetente, vindo o Juízo Local Cível, no apenso A, a declarar a extinção da instância cautelar, por impossibilidade superveniente da lide) a suspensão provisória da eficácia da deliberação da Direcção da Ré datada de 11.1.2018, que determinou a suspensão da actividade da A. até 24.3.2018; e a intimação da Ré para se abster de deliberar sobre o Ponto 2- da ordem de trabalhos da Assembleia Geral Extraordinária agendada para 24.3.2018 - que previa a deliberação sobre a exclusão da A.
Por conseguinte, em causa no procedimento cautelar estava a suspensão provisória da deliberação da Direcção da B de 11/1/2018, que determinou a suspensão da Direcção da A até ao dia 24/3/2018.
Quer dizer que, em conformidade com o disposto no art.º 128º CPTA, a citação no processo da providência cautelar teria efeito suspensivo na eventual execução do acto de 11/1/2018 (acto que não é questionado na presente acção), mas, como se afirmou na sentença, não impedia a ré de reunir, como reuniu, em assembleia geral em 24/3/2018. Aliás, pretender a suspensão de um acto (deliberação na AG de 24/3/2018) que ainda não havia sequer sido praticado, carece de qualquer sentido.
Aliás, foi neste sentido que se pronunciou o TAC no despacho proferido pelo em 4/4/2018, onde se pode ler que “(…) com a admissão liminar, foi determinada a proibição de executar o ato suspendendo de 11.01.2018; que a proibição de execução da deliberação suspendenda não se estendia à convocatória para a Assembleia Geral de 24.03.2018 (…)” (cf. doc 14 junto pela ré – ref 25625227).
Pelos motivos expostos, subscrevemos a conclusão da sentença recorrida, que considerou improcedente a alegada violação do art.º 128 da LPTA.
Passemos à segunda questão, atinente à nulidade da deliberação de 24/3/2018 por violação dos princípios da tipicidade e do contraditório e ausência de procedimento prévio à exclusão.
Entende a apelante que a exclusão de um sócio constitui matéria disciplinar, que, nos termos do art.º 167º/2 do C. Civil, não tem obrigatoriamente de constar do acto constitutivo ou dos estatutos, podendo fazer parte de outro documento, como o regulamento interno. Porém, alega, não pode ser aplicada uma sanção (expulsão) não prevista nos estatutos ou no regulamento interno.
Mais argumenta que tal deliberação teria necessariamente que resultar de um processo disciplinar, no qual fosse assegurado o direito de audiência e defesa da A./recorrente.
Como afirmou o tribunal recorrido, os estatutos da ré (juntos aos autos com a petição inicial – ref. 25495207) são omissos quanto à matéria da exclusão de associados. No que toca ao regulamento disciplinar da ré (também junto aos autos – doc 4 – ref. 25495207), o respectivo âmbito de aplicação é definido no seu art.º 1º, referindo-se ao “desenvolvimento da actividade desportiva”, não regulando, pois, as relações internas entre os associados (veja-se, ainda, o art.º 52º e 53º do Regime jurídico da Federações Desportivas aprovado pelo DL 248-B/2008, de 31 de Dezembro, inseridos no capítulo do “regime disciplinar”, destinado a sancionar “a violação de regras de jogo ou da competência, bem como as demais regras desportivas, nomeadamente as relativas à ética desportiva”).
Face ao carácter não imperativo do nº 2 do art.º 167º do CC (v. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, 4ª ed., pág. 170), concluiu o tribunal a quo que a ausência de previsão estatutária ou regulamentar que contemple a exclusão de associado, não acarreta a invalidade da deliberação tomada na assembleia geral de 24/3/2018, conclusão que igualmente subscrevemos.
Não foi posta em causa a competência da assembleia geral para a deliberação posta em crise, que lhe estará atribuída de acordo com o disposto no art.º 172º/2 do CC.
Por fim, como afirmou o tribunal a quo, a autora não estaria impedida de reagir contra tal deliberação, nos termos do art.º 177º do CC., o que não fez.
Não se verificando os vícios procedimentais invocados, não se existe fundamento para a pretendida declaração de nulidade da deliberação em apreço, o que prejudica a apreciação dos prejuízos alegados pela A.
Em síntese conclusiva, não merecendo censura a análise jurídica da decisão recorrida, impõe-se a sua confirmação.
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IV. DECISÃO
Pelo exposto, acordam em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela apelante (artigo 527º do CPC).
Registe e notifique.
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Lisboa, de 20 de Fevereiro de 2024
Ana Mónica Mendonça Pavão (Relatora)
Carlos Oliveira (1º Adjunto)
José Capacete (2º Adjunto)