Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2368/21.6T8LSB-C.L1-2
Relator: LAURINDA GEMAS
Descritores: LEGITIMIDADE PARA RECORRER
ALTERAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
FILHOS MAIORES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIAL PROVIMENTO
Sumário: I - Proferida em ação tutelar cível de regulação do exercício das responsabilidades parentais (após trânsito em julgado da sentença) decisão que indeferiu o requerimento dos filhos (na altura já maiores de idade), requerimento esse que o Requerido/Progenitor secundou, no sentido de os alimentos passarem a ser transferidos diretamente para o IBAN dos filhos maiores e de a Requerente/Progenitora devolver aos filhos as quantias pagas pelo Requerido, a título de retroativos, aplica-se na aferição da legitimidade do Requerido para interpor recurso dessa decisão o disposto no art. 631.º, n.º 1, do CPC.
II - Efetivamente, sendo o Apelante Progenitor dos referidos jovens, tendo a posição processual de Requerido na ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais, é parte principal na causa, tendo ficado vencido, considerando que a sua pretensão, coincidente com a dos jovens seus filhos, foi indeferida, tendo legitimidade para interpor recurso do referido despacho.
III - No regime vigente (cf. artigos 1905.º, n.º 2, e 2012.º do CC, e 988.º, n.º 1, e 989.º do CPC), pretendendo o Apelante e os seus filhos, em litisconsórcio, a alteração de um aspeto específico do regime fixado quanto a alimentos, mais precisamente o atinente à forma de pagamento da pensão de alimentos, no sentido de passar a ser efetuado através de depósito e/ou transferência bancária para conta titulada pelos filhos, cujo IBAN estes indicaram, em vez de o ser para conta cujo IBAN a Progenitora indicou, deveriam os aludidos Requerimentos ter sido apresentados de modo a despoletar o incidente de alteração de alimentos, sendo autuados por apenso à ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais.
IV - Sendo essa a sede própria para apreciação de tais Requerimentos, no tocante a tal questão concreta, ao Tribunal recorrido incumbia, ao abrigo do disposto nos artigos 6.º, atinente ao dever de gestão processual, e 193.º, n.º 3, do CPC, relativo ao erro no meio processual, ter oficiosamente corrigido o erro detetado.
V - Já quanto à outra pretensão, atinente à entrega pela Requerente da quantia de 3.740 € atinente a alimentos retroativos, concorda-se que tal ação, já finda pelo trânsito em julgado da sentença, não constitui o meio processual próprio para ver analisada tal questão, tão pouco o sendo o incidente de alteração dos alimentos, nem se podendo considerar que os termos processuais adequados para a apreciar sejam um “apenso para a alteração e incumprimento do regime de regulação das responsabilidades parentais”, pelo que não poderão ser inteiramente aproveitados tais Requerimentos nos termos pretendidos pelo Apelante.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados

I - RELATÓRIO
LA interpôs o presente recurso de apelação, com subida em separado, do despacho datado de 18-05-2023 que foi proferido - depois da decisão final (sentença) - no âmbito de ação tutelar cível de regulação do exercício das responsabilidades parentais.
Essa ação foi instaurada em 26-01-2021, a requerimento da Progenitora AB, tendo em vista a regulação das responsabilidades parentais relativamente aos filhos da Requerente e daquele Requerido, então menores, TA e VA, nascidos a ...-...-2003.
Na conferência de pais, realizada no dia 14-09-2021, foi homologado por sentença o acordo dos progenitores no tocante ao exercício das responsabilidades parentais e aos contactos com os filhos, que estavam prestes a alcançar a maioridade, vivendo desacompanhados dos Progenitores, tendo os autos prosseguido, por falta de consenso, com vista à fixação de alimentos.
Por decisão datada de 24-12-2021 foi estabelecido o regime provisório quanto aos alimentos, determinando-se que o Progenitor pagaria a quantia de 350 € mensais a título de pensão de alimentos devida a cada um dos filhos, a liquidar, por meio de transferência e/ou depósito bancário, até ao dia 8 de cada mês, e a atualizar anualmente, de acordo com a taxa da inflação a publicar pelo INE relativamente ao ano anterior; e que o Progenitor suportaria ainda 1/2 do valor das despesas escolares, médicas, medicamentosas e extracurriculares dos jovens, estas últimas desde que acordadas entre ambos os Progenitores, bem como 1/2 do valor do prémio do seguro de saúde celebrado pela Progenitora em benefício dos jovens.
O Requerido apelou dessa decisão provisória, na sequência do que o Tribunal da Relação de Lisboa manteve parcialmente a decisão, revogando-a na parte em que o condenou a pagar 1/2 do valor do prémio do seguro de saúde celebrado pela Progenitora em benefício dos jovens, por considerar que esse custo devia integrar a pensão de alimentos mensalmente devida em favor dos jovens, no valor de 350 € cada.
Os autos prosseguiram para a fase da instrução e julgamento, tendo a Requerente apresentado alegações. O Requerido também apresentou alegações, pugnando pela fixação de uma pensão de alimentos no valor de 250 € mensais por cada filho, acrescida da comparticipação, pela 1/2, nas despesas de educação e extraordinárias.
Em 02-08-2022, foi proferida a sentença cujo segmento decisório tem o seguinte teor:
“Pelo exposto, o Tribunal decide:
1. Condenar o requerido LA a pagar a cada um dos filhos TA e VA a quantia de € 380,00 (trezentos e oitenta euros) mensais a título de pensão de alimentos, o que liquidará até ao dia 8 de cada mês, através de depósito e/ou transferência bancária para conta cujo IBAN a progenitora AB indicar, a atualizar, anualmente, de acordo com a taxa de inflação a publicar pelo Instituto Nacional de Estatística relativamente ao ano anterior.
2. O progenitor suportará ainda 1/2 das despesas escolares dos filhos, 1/2 das despesas extracurriculares que forem acordadas entre ambos os progenitores, 1/2 das despesas de saúde, médicas e medicamentosas, o que liquidará nos 10 dias seguintes à remessa do comprovativo da realização e pagamento da despesa.
3. Condenar o requerido LA a pagar as custas processuais.
4. Fixar à ação o valor de € 30.000,01.
DN: registo, notificação e baixa, reiniciando para decisão final.”
Em 30-11-2022, foi proferido o despacho que, no que ora importa, tem o seguinte teor (sublinhado nosso):
“As partes foram notificadas da sentença e dela não apelaram.
As partes são instruídas e estão devidamente representadas por ilustres Advogadas, pelo que, conhecedoras da lei, sabem que:
a) o segmento da decisão que determina que o pagamento da pensão de alimentos seja mensalmente feito para conta cujo IBAN a progenitora indique, não enferma de qualquer lapso suscetível de retificação ou pedido de reforma da sentença – cfr. artigos 613º a 116º do código de processo civil, aplicáveis ex vi do artigo 33º, n.º 1, do RGPTC;
b) discordando dos termos da sentença, só em sede de recurso podem fazer valer a sua pretensão – cfr. artigo 627º do código de processo civil, aplicável ex vi do artigo 33º, n.º 1, do RGPTC;
c) transitada em julgado a sentença, a decisão tem força obrigatória dentro e fora do processo – cfr. artigos 619º e 621º do código de processo civil, aplicáveis ex vi do artigo 33º, n.º 1, do RGPTC.
Nesta conformidade, transitada que se mostra em julgado a sentença condenatória, não se alcança nem compreende, com todo o respeito, a insistente posição do progenitor porquanto desprovida de fundamento legal substantivo, e, adjetivo, dada a fase processual que os autos encerram e que não mais permitem discussões consolidadas e definidas.
Por força da sentença condenatória, o progenitor ficou investido na obrigação de pagar alimentos nos termos ordenados.
A pensão alimentícia, conforme ordenado, deve ser paga para conta cujo IBAN a progenitora indique.
A progenitora já indicou IBAN nos autos, que o progenitor conheceu.
Donde, ao não prestar nos exatos termos ordenados, se premeia o incumprimento da obrigação, o que legitimará o uso do incidente de incumprimento e/ou da respetiva execução, a instaurar por apenso a estes autos.
Pelo exposto, e porque decidido o objeto dos autos se mostra esgotado o poder jurisdicional, deverá a requerente, se assim entender e quando o reputar oportuno, instaurar o respetivo incidente de incumprimento a que alude o disposto no artigo 41º do RGPTC e/ou a respetiva execução de alimentos, em ação a instaurar por apenso a estes autos, nela liquidando a obrigação vencida, que é aliás devida desde a propositura da ação sem prejuízo dos acertos com os alimentos provisórios, e os termos do respetivo incumprimento.
Custas de incidente a cargo de cada um dos progenitores, cuja taxa de justiça se fixa, atenta a sua natureza e processado dado causa, em 1 UC para cada um deles.”
Em 21-03-2023, os filhos TA e VA apresentaram o Requerimento com o seguinte teor (sublinhado nosso):
“Exma. Senhora Juiz de Direito,
Somos TA e VA, filhos de AB e de LA, que discutiram neste processo o valor dos alimentos para a nossa subsistência e custos de vida, incluindo após a maioridade.
Tomámos conhecimento de que o pai e a mãe deveriam entregar-nos o valor de € 380,00 euros mensais cada um, sujeito a atualização anual, para a nossa alimentação, vestuário, e outras despesas de vida.
Vivemos sozinhos num apartamento que a mãe arrendou, com um valor de renda de € 690.00 mensais.
No início, o contrato de arrendamento estava em nome da mãe. Porém, a mãe, em 07/11/2022, transmitiu-nos que tínhamos de passar para nosso nome o contrato de arrendamento, ou, caso não acedêssemos, não nos entregaria a sua parte dos alimentos, mas que se destina à nossa subsistência, o que veio a concretizar, tanto na retenção de alimentos como na passagem do contrato para nosso nome.
Soubemos depois mais tarde que o pai pagou alimentos retroativos que entregou à mãe, no valor de € 3.740,00.
Nunca recebemos esse valor, tendo-nos a mãe dito que serviu para a mãe se compensar do valor das rendas da casa que arrendou para nós vivermos, nomeadamente do valor da caução.
Temos 19 anos, andamos na Universidade, com bom aproveitamento escolar, vendo-nos agora numa situação muito complicada, pois a mãe não nos entregou o valor pago pelo pai, que nos faz falta, e, igualmente, deixou de nos liquidar o valor do telemóvel e da internet, que entende que deve ser paga pelo valor de alimentos.
Não compreendemos por que motivo, tendo nós 19 anos, não podem os alimentos ser-nos pagos diretamente pelo pai e pela mãe, para as nossas contas bancárias, quando vivemos autonomamente e precisamos de gerir a nossa vida de uma forma independente.
Também não compreendemos por que motivo a mãe pode reter quantias que nos são destinadas, para se pagar de uma renda de uma casa em cujo contrato não tivemos qualquer intervenção.
Esta situação é, a todos os títulos, incomportável e até humilhante, pois somos jovens adultos, com autonomia e capacidade de gerir o nosso dinheiro.
Gostaríamos de ver a situação revista, solicitando a este tribunal, por este meio, uma alteração ao que foi determinado, no sentido de os alimentos a pagar pelo pai e pela mãe, de € 380,00 euros, atualizáveis anualmente, por cada um de nós e por cada um dos pais, serem depositados diretamente na nossa conta bancária, em vez de o pai transferir para a mãe e, quanto aos alimentos da mãe, que a mãe não possa deduzir do valor a pagar o valor do arrendamento nem qualquer outro valor.
Solicitamos assim ao Tribunal que promova uma alteração no regime de alimentos estabelecido, determinando que os alimentos do pai e da mãe que nos são devidos passarão a ser transferidos, pelo pai e pela mãe, diretamente, para o nosso IBAN:
TA: IBAN PT50 (…)
VA: IBAN PT50 (…)
Mais solicitamos que o tribunal determine que a mãe nos devolva as quantias pagas pelo pai, a título de retroativos, no valor de € 3.740,00 e que nos são destinados.
Aproveitamos para comunicar os nossos emails e contactos telefónicos, mantendo-nos ao dispor para qualquer conferência ou reunião que o tribunal entenda conveniente.”
Foi proferido despacho, em 30-03-2023, que determinou a notificação dos Progenitores para, querendo, se pronunciarem a este respeito, no prazo de 10 dias.
O Requerido pronunciou-se, mediante Requerimento apresentado em 03-04-2023, nos seguintes termos:
“LA, Requerido nos autos supra identificados (doravante “Requerido”), notificado que foi do despacho deste Tribunal datado de 30.03.2023 vem, em cumprimento, expor a sua inteira e total concordância com o solicitado pelos filhos maiores, VA e TA – como tem, aliás, sido a sua posição os presentes autos –, lamentando, contudo, que os seus filhos se tenham visto na necessidade de expor esta situação em tribunal.
Nestes termos e nos demais de Direito aplicável, deve V. Exa., deferir o pedido dos filhos maiores do Requerido e da Requerente, VA e TA, nos seguintes termos:
(i) Devem os alimentos passar a ser transferidos diretamente para o IBAN dos filhos maiores;
(ii) Deve a Requerente devolver aos filhos as quantias pagas pelo Requerido, a título de retroativos, no valor de € 3.740,00.
E.D”.
A Requerente apresentou, em 14-04-2023, requerimento em que alegou designadamente o seguinte:
«1. Em 2 de agosto de 2022 o Tribunal condenou o progenitor a pagar a “(…)”
2. A decisão do Tribunal foi, sistematicamente, desrespeitada pelo Requerido, apesar deste ter sido notificado a 5/9/2022 do IBAN para o qual deveria fazer a transferência bancária das respetivas pensões de alimentos.
3. A 13/09/2022 a Requerente pede que seja o Tribunal a notificar o progenitor do IBAN da conta bancária para a qual deverá efetuar os depósitos da pensão de alimentos, o que o douto Tribunal faz no próprio dia.
4. Apesar disso, o progenitor reitera o incumprimento.
5. Em setembro de 2022 não efetuou o respetivo depósito na conta indicada, sem que haja qualquer justificação plausível, apenas a de incumprir e desrespeitar a douta decisão do tribunal.
6. Em outubro de 2022 voltou a incumprir não efetuando o depósito da pensão de alimentos do TA e do VA na conta indicada.
7. A 30 de setembro de 2022, num total e absoluto desrespeito pelo Tribunal, o Requerido apresenta novo requerimento a solicitar que fosse feita a “correção do conteúdo da Sentença”, a insistir que a decisão do Tribunal “...não tem sentido algum” e reitera que irá continuar a incumprir, demonstrando aqui uma vez mais a ousadia a que se predispõe chegar, percorrendo um caminho de desrespeito e impunidade perante a decisão do Tribunal com fins apenas e só financeiros.
8. Alega, nesse Requerimento, que o TA e o VA são maiores e já vivem sozinhos, situação essa que já se registava em agosto de 2022, aquando da Sentença e que se mantém inalterável até aos dias de hoje.
9. O Tribunal indeferiu o pedido do Requerido e obrigou ao depósito na conta cujo IBAN a progenitora tinha indicado, pois assim garante-se a proteção do superior interesse dos jovens atendendo que, enquanto foi a progenitora a guardiã dos valores das pensões sempre lhes foi entregue a totalidade das mesmas no primeiro dia de cada mês.
(…) 11. Em Janeiro de 2023 o Requerido é informado de que é devedor do valor de 3.740,00 (três mil setecentos e quarenta euros) relativos a acertos de valores pagos a título de pensão de alimentos.
12. Entendeu, unilateralmente, fazer acertos indevidos, desrespeitando pela quarta vez consecutiva o tribunal, depositando na conta da progenitora em 3/02/2023 apenas 3.050,03 (três mil, e cinquenta euros e três cêntimos) pelo que esta avançou com a respectiva execução.
13. Execução essa em que foi incluído o aumento anual da pensão de alimentos, de acordo com a taxa legal de inflação já que, apesar de notificado para a atualizar, o Requerido insistia em não o fazer.
14. Entendeu a Requerente que o valor de 3.740,00 euros (três mil, setecentos e quarenta euros) de retroativos lhe era devido atendendo a que, para além dos 500,00 (quinhentos euros) a título de pensão de alimentos pagos por ambos progenitores, a Requerente suportou sozinha durante um ano:
· as rendas da casa dos filhos no valor de 690,00 euros (seiscentos e noventa euros) por mês, desde setembro de 2021 a agosto de 2022 (DOC. anexos comprovativos de todas as transferências e respetivos recibos das rendas)
· o valor da caução da casa dos filhos no valor total de 1.380,00 (mil trezentos e oitenta euros) conforme o estabelecido no contrato de arrendamento e na primeira transferência (DOC. Anexos contrato de arrendamento e comprovativo de transferência)
15. Feitas as contas, a Requerente pagou sozinha da sua conta pessoal um total de € 9.660,00 (nove mil, seiscentos e sessenta euros) correspondentes a € 1.380,00 (mil trezentos e oitenta euros) de caução acrescidos de € 8280,00 (oito mil, duzentos e oitenta euros) correspondentes a doze meses de rendas (12x690,00), desde setembro de 2021 a agosto 2022.
16. Metade do valor total das rendas, suportando apenas pela progenitora, seria 4.830,00 (quatro mil oitocentos e trinta euros) e deveria ter sido pago por ambos os progenitores o que não aconteceu.
17. Durante 12 meses o requerido recusou pagar um tostão que fosse da renda de casa dos filhos.
18. Assim, o valor de 3.740,00 depositado pelo Requerido a título de retroativos de pensão de alimentos, ainda fica abaixo 1.130,00 (mil cento e trinta euros) do valor total suportado pela progenitora (4.830,00-3.740,00= 1.130,00)
19. O valor da prestação de alimentos de acordo com o nº1 do artº2003 do Código Civil compreende “...tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, instrução”
20. Assim, se em agosto de 2022 o Tribunal decidiu pela atualização da prestação de alimentos do TA e do VA de 250,00 euros (duzentos e cinquenta euros) para 380,00 euros (trezentos e oitenta euros), atendendo aos gastos destes e contabilizando a renda de casa deles que foi apenas suportada pela progenitora, é justo que o valor de retroativos da pensão de alimentos reverta a favor desta que foi quem, na realidade, pagou a despesa contabilizada pelo Tribunal para cálculo da pensão de alimentos, onde muitas outras despesas pagas pela progenitora não foram incluídas como são disso exemplo a compra dos dois portáteis, a festa de aniversário dos 18 anos dos gémeos, as despesas de mudança de casa, entre outras.
21. Foi este o entendimento da Requerente e que foi explicado por esta a cada um dos filhos que apenas reclamavam esses 3.740,00 e nunca falaram no depósito direto do valor das respetivas prestações de alimentos nas respetivas contas.
22. O Requerido, aproveitando a imaturidade e ganância dos dois jovens, para os manipular e convencer a assinar este lamentável requerimento, simulando tratar-se de um movimento espontâneo dos jovens TA e VA, que em telefonema com a progenitora se demonstraram completamente constrangidos pelo que estavam a fazer, não escondendo que foi do progenitor a origem da iniciativa, bem como da redação do respetivo requerimento, que eles apenas e só o assinaram.
23. Aproveitando ainda o descontentamento dos gémeos, o Requerido manipulou os filhos para assinarem um requerimento, solicitando aquilo que há muito deseja e que nunca tinha conseguido pela via judicial: o depósito direto da sua parte da pensão de alimentos nas contas bancárias dos filhos, para no futuro lhe ser simples furtar-se ao pagamento, pagar menos do que o tribunal estabeleceu, não cumprir prazos nem atualização anual sem que sinta ou lhe seja feita qualquer vigilância, oposição e denúncia.
24. A pergunta que se impõe é: porque é que o Requerido insiste no depósito direto da pensão de alimentos nas contas bancárias dos filhos se, no próprio dia que o recebe (nunca antes do dia 8 de cada mês) a progenitora transfere esse valor, na totalidade, da sua conta para a conta do TA e do VA? E porque é que a progenitora insiste em que a prestação de alimentos do Requerido seja depositada sempre primeiro na sua conta bancária e posteriormente transferida por si para os gémeos, se isso até lhe dá muito mais trabalho? Na verdade, a resposta é apenas porque o progenitor não pretende ser cumpridor nem respeitar a decisão do tribunal e ficar o seu incumprimento no silêncio do TA e do VA, conforme historial idêntico passado e provado em Tribunal.
25. A sentença deste Tribunal, ao decidir que o depósito das pensões devia ser primeiro depositado na conta da progenitora, garantiu de forma exemplar, quer o pagamento da pensão de alimentos, quer das atualizações das pensões pela taxa de inflação que o Requerido se recusa a fazer.
26. Não tenhamos qualquer dúvida que o TA e o VA nunca denunciarão o progenitor por incumprimento mesmo que venham a viver dificuldades financeiras.
27. Tendo em conta que o Requerido consegue manipular os filhos, fazendo-se de vítima e dizendo que não tem dinheiro para lhes pagar a totalidade da pensão ou para a atualizar, teme-se que, se vier a ser concedido o depósito direto da pensão na conta dos filhos, mais dia, menos dia, todo o processo possa culminar com rendas em atraso da casa dos gémeos garantido por um contrato de arrendamento que onera apenas a Requerente que é fiadora do mesmo, conforme documento que se junta.
28. A 7/11/2012 a Requerente falou com os filhos e com o senhorio para que, tal como estava previsto no contrato de arrendamento da casa, eles atingindo a maioridade passassem a ser os arrendatários diretos. Contudo, o senhorio insistiu na figura do fiador que o progenitor recusou, demonstrando aqui também que nunca assumirá um qualquer risco por qualquer necessidade ou incumprimento dos filhos.
29. Perante a recusa do progenitor em ser fiador, viu-se a Requerente na obrigação de assumir, mais uma vez, o papel de fiadora e a ser responsável pelo pagamento da renda da casa que o TA e o VA erradamente entendem não ter de sair da pensão de alimentos que recebem dos progenitores, mas que deve continuar a ser pago pela Requerente, tal como o progenitor os convenceu!
30. Outra razão pela qual o Tribunal não deve aceder à petição dos jovens TA e VA é porque, apesar de terem 19 anos e serem excelentes alunos, não têm maturidade para lidar com determinadas situações de responsabilidade. De resto, já se demonstraram diversas vezes incapazes em contrariar o progenitor, em exigir o cumprimento das suas obrigações, ou mesmo incapazes de se livrarem de pressões a que são sujeitos para prejudicarem declaradamente a mãe.
31. A título de exemplo, a requerente descobriu recentemente que um dos filhos se dedicava a fazer transporte ilegal de passageiros alcoolizados provindos de festas noturnas a troco de 50 euros não declarados que recebia por MBway, transporte que protagonizava num carro velho que o progenitor lhes emprestou. Perante tal gravidade a requerente insurgiu-se e explicou a gravidade da situação que era do conhecimento e tinha a anuência do Requerido que só deixou de dar guarida a esta ideia no dia em que um polícia (PSP) bateu à porta da casa dos gémeos para identificar o condutor no âmbito de um processo de investigação. O progenitor não só os incentiva à ganância financeira sem limites, como também a iniciarem um caminho de evasão fiscal.
32. Por outro lado, o TA e o VA são gananciosos e influenciáveis ao ponto de aceitarem o repto do progenitor em usarem as suas poupanças pessoais nos seus investimentos online em cripto moedas, uma situação que se pode tornar num vício perigoso na ganância de dinheiro fácil para jovens que se começarem a perder não pensarão duas vezes em aplicar o valor da pensão neste tipo de iniciativas, algumas de credibilidade bastante duvidosa.
33. Reitera com sensibilidade a progenitora que deferir o requerimento assinado pelo TA e pelo VA não é deferir a vontade responsável, adulta e matura dos mesmos, será sim deferir um texto escrito e idealizado estrategicamente por um progenitor incumpridor, que sempre olhou para os jovens como um encargo financeiro e que, aos olhos de todos, tudo tentou falsear em plena audiência de julgamento, não vislumbrando que a postura protagonizada nunca foi, nem será recomendável, nem exemplo a dar aos filhos. Deferir este requerimento é deferir o que este mesmo Tribunal já tinha indeferido por duas vezes consecutivas, tendo por justificação as assinaturas dos dois jovens maiores de idade, pois quanto à autoria, propósito e objetivo este é em tudo igual aos anteriormente apresentados pelo Requerido.
34. Por todas as situações atrás elencadas, solicita-se ao Tribunal que reitere a decisão anteriormente sentenciada e permita à progenitora que pelo menos possa proteger o superior interesse destes jovens, seus filhos, até aos 25 anos, esperando que nos próximos 5 anos ganhem a maturidade necessária para posteriormente se auto-protegerem e garantirem uma conduta e postura pessoais inquestionáveis da qual se venham a orgulhar e a agradecer à progenitora esta luta constante a que sempre se votou por eles, só por eles e sempre por eles.
Nestes termos, e nos demais de direito aplicável, deve V.Exa, indeferir o pedido dos filhos TA e VA, nos seguintes termos:
a) Devem os alimentos continuarem a ser depositados no IBAN indicado pela Requerida, na sequência da Sentença do Tribunal, b)No caso de o Tribunal deferir o pedido dos filhos da Requerente, deve o Tribunal obrigar os jovens a enviarem à progenitora comprovativo do depósito da prestação de alimentos do Requerido; c)No caso de o Tribunal deferir o pedido dos filhos da Requerente, deve o Tribunal decidir que no novo contrato de arrendamento com o senhorio da casa dos gémeos o Requerido assuma o papel de fiador dos filhos; d) Deve o Tribunal esclarecer que os 3.740,00 de retroativos da prestação de alimentos são devidos à Requerente porque foi esta que sozinha suportou, durante um ano, a renda da casa dos filhos e a caução da mesma; e) Deve o Tribunal esclarecer os gémeos de que o valor da prestação de alimentos engloba o valor da renda da casa em que habitam».
Em 26-04-2023, o Requerido apresentou outro requerimento, alegando designadamente que:
«(…) notificado que foi do requerimento apresentado pela Requerente a 14.04.2023, com referência 45300972, vem, ao abrigo do princípio do contraditório, expor o seguinte:
1. Por requerimento submetido a 14.04.2023, e com referência 45300972, vem a Requerente apresentar mais um arrazoado de mentiras, deturpações e acusações sem fundamento.
2. Pedindo, a final, que: (…)
3. Sucede, porém, que os pedidos da Requerente não podem proceder, por serem infundados e abusivos.
Senão vejamos,
4. A celebração do contrato de arrendamento, e a respetiva negociação, foi levada inteiramente a cabo pela Requerente, sem o Requerido ter sido tido nem achado – apenas confrontado com contas para pagar – tendo os filhos sido retirados da casa em que sempre viveram, e em que poderiam continuar a viver, para que a Requerente conseguisse arrendar a referida casa.
5. Ora, para fixar os rendimentos e despesas de cada um dos progenitores e o valor de alimentos a fixar, o Tribunal teve em conta precisamente o facto de a Requerente já suportar o custo da renda, nos seguintes termos:
“Com relevo para as necessidades dos alimentandos, provou-se que os jovens VA e TA têm atualmente 18 anos de idade; frequentaram o 1.º ano do curso universitário no ano letivo findo; que vivem no t2 que a progenitora arrendou para os filhos, em ..., pelo que suporta € 690,00 de renda, para o que lhes adquiriu mobiliário e suporta as despesas dos filhos (roupa, calçado, despesas com a água, eletricidade, gás, internet, televisão, alimentação e demais necessidades dos filhos); e ainda, que o jovem VA continua a beneficiar de acompanhamento psicoterapêutico, 1xmês.” (cfr. página 18 da sentença, proferida a 02.08.2022, com referência ...).
6. Na mesma decisão pode ler-se ainda:
“(…)” (cfr. página 21 da sentença, proferida a 02.08.2022, com referência ...).
7. Pois bem, a Requerente não pode querer ter o melhor de dois mundos: ou bem que o valor de alimentos inclui a renda pelos dois e aí a Requerente tem mais capacidade financeira que o Requerido e não precisa de receber € 380,00 (trezentos e oitenta euros) por cada filho; ou bem que o valor da renda serviu para que o Tribunal concluísse que a Requerente auferia rendimentos inferiores aos do Requerido – os dois, em simultâneo, é que não pode suceder.
8. A este respeito, requer-se ao Tribunal que a Requerente venha informar aos autos a razão pela qual avançou com o arrendamento da casa dos filhos, e bem assim porque é que não podiam os jovens permanecer na casa onde sempre viveram – caso em que, nem a Requerente nem o Requerido teriam de se preocupar com a renda.
9. Atente-se, aliás, que o Requerido nunca deu a sua concordância relativamente ao arrendamento da casa pelos seus filhos, à data com 18 (dezoito) anos, conforme se pode ver na sentença de 02.08.2022.
Adiante,
10. A Requerente afirma, no artigo 30.º do requerimento a que ora se responde, que os filhos “(...)”.
11. Pergunta-se: os jovens são os melhores alunos e maduros, mas são simultaneamente influenciáveis?
12. Ou, por outro lado: os jovens não têm maturidade para lidar com certas situações, mas já têm maturidade para irem viver sozinhos aos 18 anos?!
13. Algo com que – relembre-se – o Requerido nunca concordou.
14. É notório que o Requerente pretende é que os filhos tenham maturidade para o que lhe convém, mas já são crianças ingénuas para o que não lhe convém.
Por estes motivos,
15. A conduta da Requerente ao longo dos presentes autos consubstancia litigância de má-fé, na medida em que resulta claramente da sentença que o montante devido a título de alimentos não engloba, de maneira nenhuma, quaisquer cauções ou rendas.
16. Mais: esses montantes são devidos aos filhos, e a Requerente, de forma inaceitável, reteve esses valores na sua conta, como aliás consta do requerimento apresentado pelos filhos a este Tribunal.
17. Sendo certo que é esta a principal razão para a qual o Requerido se recusa a depositar qualquer quantia na conta da Requerente – o Requerido teme, e pelos vistos com razão, que o montante não chegue aos seus filhos.
Por último,
18. Requer-se que a Requerente venha informar este Tribunal por que razão é que os filhos não podem ficar na casa onde sempre viveram, bem como o montante que aufere a título de arrendamento dessa referida fração autónoma.
E.D.”
De seguida, em 18-05-2023, foi proferido o Despacho (recorrido), com o seguinte teor:
“Tendo em conta o escopo da presente providência tutelar cível, que é de regulação das responsabilidades parentais e não de eventuais incumprimentos e/ou alterações ao regime fixado, decide-se, perante a divergência dos progenitores, indeferir o requerido pelos jovens maiores dado que a sentença, transitada que se mostra, deve cumprir-se nos seus precisos e exatos termos.”
É com esta decisão que o Progenitor não se conforma, tendo interposto o presente recurso de apelação, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:
A. Por despacho de 19.05.2023, com referência ..., foi entendido pelo tribunal a quo “(…)”
B. Não se conformando com a decisão em causa, o Recorrente tem legitimidade para recorrer, ao abrigo do disposto no artigo 631.º, n.º 2, do CPC, na medida em que é direta e efetivamente afetado pela decisão.
C. Por este Tribunal foi decidido que o Recorrente transferiria o montante de € 380,00 (trezentos e oitenta euros) por mês para os filhos – sendo que a Recorrida transferiria igual montante –, a título de alimentos, para a conta da Recorrida, Mãe dos jovens maiores.
D. Sendo certo que os filhos vivem sozinhos, e já não têm uma relação saudável com a Mãe, como aliás se verificou no requerimento enviado por ambos, a 21.03.2023 e com referência 35433341, não fazendo qualquer sentido que os filhos apenas tenham acesso ao referido montante transferido pelo Pai por intermédio da Mãe.
E. Com efeito, no requerimento submetido pelos filhos podemos ler que “Soubemos depois mais tarde que o pai pagou alimentos retroativos que entregou à mãe, no valor de € 3.740,00.”, e ainda que “Nunca recebemos esse valor, tendo-nos a mãe dito que serviu para a mãe se compensar do valor das rendas da casa que arrendou para nós vivermos, nomeadamente o valor da caução.”, e ainda que os jovens não compreendem “(...) por que motivo a mãe pode reter quantias que nos são destinadas (...).”, (cfr. requerimento dos filhos, de 21.03.2023, com referência 35433341).
F. Não chegando a quantia referida aos filhos, o Recorrente vê-se obrigado a transferir nova quantia para os filhos, a título de alimentos, para assegurar a sua subsistência, resultando num dano na sua esfera patrimonial.
Ora,
G. De acordo com o artigo 42.º, n.º 2, alínea b), do RGPTC, “Se o regime tiver sido fixado pelo tribunal, o requerimento é autuado por apenso ao processo onde se realizou o acordo ou foi proferida decisão final, para o que será requisitado ao respetivo tribunal, se, segundo as regras da competência, for outro o tribunal competente para conhecer da nova ação.”
H. Resulta claro que os filhos do Recorrente e Recorrido, TA e VA, dirigiram ao tribunal a quo um pedido de alteração da regulação das responsabilidades parentais, nos termos do qual solicitaram ao Tribunal “(...) que promova uma alteração no regime de alimentos estabelecido, determinando que os alimentos do pai e da mãe que nos são devidos passarão a ser transferidos, pelo pai e pela mãe, diretamente, para o nosso IBAN (...)”, (cfr. requerimento dos filhos, de 21.03.2023, com referência 35433341).
I. E como tal, devia o tribunal a quo ter criado um apenso para o referido pedido, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 42.º, n.º 2, alínea b), do RGPTC – ao invés de ter indeferido o pedido, como fez.
J. Pois de outra forma – o que não se concede e apenas se equaciona por mero dever de patrocínio – ficam os interesses dos filhos sem defesa.
K. É impensável e inaceitável que, perante um claro pedido de alteração promovido pelos filhos do Recorrente e da Recorrida (que o podem fazer), sem intervenção de advogado, o tribunal, ao invés de pensar no seu superior interesse, se atenha a questões formais, quando o requerimento continha precisamente a indicação de que era um pedido de alteração (cfr. artigo 18.º do RGPTC).
L. Não tendo advogado, os filhos maiores (e diretos credores dos alimentos) não têm outra hipótese do que dirigir o pedido de alteração e incumprimento ao tribunal onde correu o processo – como, aliás, decorre da lei – uma vez que deve correr por apenso.
M. A conduta do tribunal, ao indeferir o pedido dos filhos do Recorrente e da Recorrida, consubstancia uma violação do princípio da adequação formal, consagrado no artigo 547.º do CPC – ficando o tribunal obrigado a adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais, de forma a assegurar um processo equitativo.
N. O tribunal violou igualmente o disposto no artigo 4.º do CPC – é indiscutível que o tribunal não promoveu a igualdade substancial no uso de meios de defesa, deixando os interesses dos filhos maiores totalmente desprotegidos.
O. E, ainda, o artigo 6.º, n.º 1 e 2, do mesmo diploma – estamos a falar de jovens adultos, que não carecem de ser representados por advogado, o que exige um grau maior de atenção e diligência por parte do tribunal em dirigir o processo – devendo ter determinado a criação de um apenso, como a lei prevê.
P. A conduta do tribunal a quo materializa-se, ainda, na violação do princípio contido no artigo 146.º, n.º 2, do CPC – o tribunal deveria ter admitido o requerimento dos filhos do Recorrente e da Recorrida, considerando que o requerimento não implicaria prejuízo algum para o regular andamento da causa.
Q. Não se pode deixar de salientar o disposto no artigo 157.º, n.º 6, do CPC, porquanto caberia à secretaria ter autuado o requerimento dos filhos por apenso.
R. Não o tendo feito, estamos perante um erro da secretaria, que nunca poderia prejudicar as partes – o que, infelizmente, não foi o caso dos presentes autos.
S. Face ao exposto, resultando violadas as disposições acima referidas – artigos 42.º n.º 1 e 2 do RGPTC, 18.º n.ºs 1 e 2 do RGPTC, 547.º CPC, 4.º do CPC, 6.º n.º 1 e 2 CPC, 146.º n.º 2 CPC, 157.º n.º 6 CPC, deve ao presente recurso ser concedido provimento, revogando-se a decisão proferida pela primeira instância e, em sua substituição, ordenando-se que o tribunal de primeira instância crie um apenso para a alteração e incumprimento do regime de regulação das responsabilidades parentais, prosseguindo os autos para decisão quanto às matérias colocadas à apreciação do tribunal a quo.
Terminou o Apelante requerendo que o recurso seja julgado procedente, revogando-se a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, sendo substituída por outra que determine que seja deduzido incidente por apenso aos presentes autos, por forma a assegurar a defesa dos interesses dos filhos do Recorrente e da Recorrida.
Foi apresentada alegação de resposta, em que a Requerida defendeu que o recurso não é admissível e que, a ser admitido, não merece provimento, concluindo nos seguintes termos:
I - O Recorrente não tem legitimidade para apresentar o presente recurso, por não se mostrarem cumpridos os requisitos exigidos pelo nº 2 do artº 631º do CPC,
II - O Recorrente não foi direta e efetivamente prejudicado pela decisão.
III - Os jovens adultos não interpuseram recurso da decisão, pelo que aquela transitou em julgado.
IV - Só os pais e o Ministério Público podem requerer alteração ao regime fixado, de acordo com o artº 42º do RGPTC.
V - Os filhos dos Recorrente e Recorrida são maiores, sendo-lhes inaplicável o previsto no artº 18º do RGPTC.
VI - Não cometeu a secretaria qualquer erro ou omissão na forma como tramitou o requerimento daqueles.
VII - E bem andou o Tribunal ao negar provimento ao pedido apresentado, por carecer aquele de fundamento, legalidade e razoabilidade.
VIII - Não foi violada qualquer das normas legais aplicáveis no caso em concreto.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir, tendo a Relatora considerado inútil a notificação do Apelante nos termos do art. 655.º, n.º 2, uma vez que este já havia tomado antecipadamente, na sua alegação recursória, posição a respeito da questão que foi suscitada pela Apelada, da falta de legitimidade daquele para interpor recurso.
***
II - FUNDAMENTAÇÃO
Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do CPC).
Além da questão prévia da admissibilidade do recurso, a única questão a decidir é a de saber se o Requerimento de 21-03-2023 não devia ter sido indeferido, mas autuado por apenso nos termos indicados pelo Apelante.
Questão prévia da admissibilidade do recurso
Na sua alegação de recurso, o Apelante suscitou, antevendo que seria invocada pela Apelada (ou oficiosamente pelo Tribunal) a questão da sua legitimidade para recorrer, alegando, em síntese, que: é aplicável o disposto no art. 631.º, n.º 2, do CPC, interpretado à luz da jurisprudência firmada nos acórdãos do STJ de 28-03-2019, proferido no proc. n.º 5377/12.2T2AGD-A.P1.S11, e do Tribunal da Relação de Guimarães de 23-01-2020, proferido no proc. n.º 4387/19.3T8VNF.G12, e da doutrina, citando António Santos Abrantes Geraldes; o Apelante, como pai que se encontra obrigado ao pagamento da pensão de alimentos, é uma pessoa direta e efetivamente prejudicada pela decisão recorrida; o regime fixado carece de sentido considerando que os seus filhos já são maiores, residem sozinhos, regem a sua vida de forma independente e têm contas bancárias autónomas das dos pais, não se justificando que apenas tenham acesso ao montante pago pelo Pai, apenas e só por intermédio da Mãe, com quem os filhos já não têm uma relação saudável; face ao alegado pelos filhos no requerimento de 21-03-2023 e dada a falta de confiança recíproca que existe entre os Progenitores, o Apelante receia que a quantia que paga de pensão de alimentos não esteja a ser efetivamente transferida para os filhos, vendo-se obrigado a transferir nova quantia para estes, para assegurar a sua subsistência, o que resulta num dano na sua esfera.
Na sua alegação de resposta a Apelada pugnou pela inadmissibilidade do recurso, alegando que o Apelante não tem legitimidade para recorrer, argumentando, em síntese, que: aplica-se o disposto no art. 631.º, n.º 2, do CC, citando também Abrantes Geraldes e jurisprudência (acórdão do STJ de 15-12-2011); nos casos em que o recurso advenha de um terceiro, torna-se necessária a demonstração dos factos onde assenta o alegado interesse, isto é, o alegado prejuízo, que deverá ser atual e positivo, não sendo suficiente o prejuízo eventual, incerto e longínquo; a expressão da lei “direta e efectivamente” impede que qualquer pessoa se imagine prejudicada, exigindo-se um contexto imediatamente prejudicial para quem recorre; no caso, a decisão não afeta qualquer direito ou interesse do Recorrente, muito menos atual e positivo; a Apelada não está obrigada a transferir para os filhos o valor de 3.740 € que recebeu de pensões alimentícias referentes, em parte, ao período de menoridade dos filhos, contabilizadas desde a data da propositura da ação (acrescidas das diferenças entre as pensões devidas e pagas pelo Recorrente, bem como de juros de mora), até porque foi a Apelada quem garantiu o pagamento da caução (1.380 €) e da renda da casa dos filhos de ambos (690 €/mês) sozinha desde setembro de 2021 até agosto de 2022, adiantando esses valores da prestação de alimentos devida.
Apreciando.
Em matéria de recursos, preceitua o art. 32.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC) aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08-09 [aplicável, além do mais, nos processos de regulação do exercício das responsabilidades parentais e conhecimento das questões a estes respeitantes, bem como para fixação dos alimentos devidos à criança e aos filhos maiores ou emancipados a que se refere o artigo 1880.º do CC - cf. alíneas c) e d) do art. 3.º], que:
“1 - Salvo disposição expressa, cabe recurso das decisões que se pronunciem definitiva ou provisoriamente sobre a aplicação, alteração ou cessação de medidas tutelares cíveis.
2 - Sem prejuízo do disposto no artigo 63.º, podem recorrer o Ministério Público e as partes, os pais, o representante legal e quem tiver a guarda de facto da criança.
3 - Os recursos são processados e julgados como em matéria cível, sendo o prazo de alegações e de resposta de 15 dias.
4 - Os recursos têm efeito meramente devolutivo, exceto se o tribunal lhes fixar outro efeito.”
De referir ainda que, conforme expressamente previsto no art. 33.º, n.º 1, do RGPTC, nos casos omissos são de observar, com as devidas adaptações, as regras de processo civil que não contrariem os fins da jurisdição de menores.
Tanto o requerimento de 21-03-2023, como o subsequente requerimento de 03-04-2023, visam, além do mais, a alteração de medida tutelar cível, mais precisamente, uma alteração do determinado quanto a alimentos. O despacho que os indeferiu foi proferido depois da decisão final, não se questionando a recorribilidade (autónoma) do mesmo, mas tão só a legitimidade do Apelante para recorrer.
Sobre este pressuposto geral de admissibilidade do recurso, rege o art. 631.º do CPC, nos termos do qual:
“1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido.
2 - As pessoas direta e efetivamente prejudicadas pela decisão podem recorrer dela, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias.
3 - O recurso previsto na alínea g) do artigo 696.º pode ser interposto por qualquer terceiro que tenha sido prejudicado com a sentença, considerando-se como terceiro o incapaz que interveio no processo como parte, mas por intermédio de representante legal.”
Ora, é evidente que o Apelante, sendo Progenitor dos jovens identificados nos autos, tendo a posição processual de Requerido na ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais, é parte principal na causa.
A única dúvida que pode existir quanto à aplicação do n.º 1 do citado artigo é se poderá entender-se que ficou vencido face ao determinado no despacho recorrido.
Parece-nos que a resposta não pode deixar de ser positiva, considerando que o Requerido secundou o requerimento apresentado pelos filhos, requerendo igualmente o seguinte:
“i) Devem os alimentos passar a ser transferidos diretamente para o IBAN dos filhos maiores;
(ii) Deve a Requerente devolver aos filhos as quantias pagas pelo Requerido, a título de retroativos, no valor de € 3.740,00”.
Uma vez que a sua pretensão, coincidente com a dos jovens seus filhos, foi indeferida, concluímos que o Requerido ficou vencido, tendo legitimidade para interpor o presente recurso.
Do mérito do recurso
Os factos que relevam para o conhecimento do mérito do recurso são os que constam do relatório supra.
Conforme decorre do teor do despacho recorrido e acima já afirmámos, é fora de dúvida que com os Requerimentos em apreço, indeferidos pelo despacho recorrido, os respetivos Requerentes visavam suscitar incidentes de “incumprimentos e/ou alterações ao regime fixado”.
É sabido que a alteração da regulação das responsabilidades parentais se encontra prevista no art. 42.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08-09, cujo n.º 1 tem o seguinte teor: “Quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um daqueles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais.”
Ademais, concretamente, quanto à alteração dos alimentos fixados, dispõe o art. 2012.º do CC que: “Se, depois de fixados os alimentos pelo tribunal ou por acordo dos interessados, as circunstâncias determinantes da sua fixação se modificarem, podem os alimentos taxados ser reduzidos ou aumentados, conforme os casos, ou podem outras pessoas ser obrigadas a prestá-los.”
O princípio geral que daqui decorre emerge, ainda, do art. 988.º, n.º 1, do CPC, atinente aos processos de jurisdição voluntária, como é o caso (cf. art. 12.º do RGPTC): uma vez alteradas as circunstâncias que levaram à fixação (ou não) dos alimentos, essas alterações podem vir a refletir-se em ordem a justificarem uma nova ponderação sobre a fixação da pensão de alimentos e adequação do respetivo valor.
Uma circunstância que o legislador teve em especial atenção é que a se prende com o mero efeito do decurso do tempo, atingindo os jovens em benefício dos quais foi fixada a pensão alimentícia a maioridade. Assim, dispõe o n.º 2 do art. 1905.º do CC que “(P)ara efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência”.
De referir que a matéria dos alimentos a filhos maiores suscitou algumas dificuldades interpretativas (pela necessidade de conjugação de diversos preceitos legais, de natureza substantiva e adjetiva), em parte resolvidas por intervenção do legislador (designadamente com a Lei n.º 122/2015, de 01-09) e sempre com os contributos da jurisprudência e da doutrina a este respeito, destacando-se pelo seu interesse o artigo da Juíza Carla Francisco, “Os alimentos a filhos maiores em sede de tribunal”, em ebook organizado em parceria pelo Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados e pelo CEJ, disponível online https://crlisboa.org/docs/publicacoes/jornadas-familia2019/Carla-Francisco.pdf e o artigo do Juiz Gonçalo Oliveira Magalhães, “A tutela (jurisdicional) do direito a alimentos dos filhos maiores que ainda não concluíram a sua formação profissional”, na Revista Julgar Online, disponível em https://julgar.pt/a-tutela-jurisdicional-do-direito-a-alimentos-dos-filhos-maiores-que-ainda-nao-concluiram-a-sua-formacao-profissional/.
No plano processual, importa ter presente o art. 989.º do CPC, que, sob a epígrafe “Alimentos a filhos maiores ou emancipados”, preceitua o seguinte:
“1 - Quando surja a necessidade de se providenciar sobre alimentos a filhos maiores ou emancipados, nos termos dos artigos 1880.º e 1905.º do Código Civil, segue-se, com as necessárias adaptações, o regime previsto para os menores.
2 - Tendo havido decisão sobre alimentos a menores ou estando a correr o respetivo processo, a maioridade ou a emancipação não impedem que o mesmo se conclua e que os incidentes de alteração ou de cessação dos alimentos corram por apenso.
3 - O progenitor que assume a título principal o encargo de pagar as despesas dos filhos maiores que não podem sustentar-se a si mesmos pode exigir ao outro progenitor o pagamento de uma contribuição para o sustento e educação dos filhos, nos termos dos números anteriores.
4 - O juiz pode decidir, ou os pais acordarem, que essa contribuição é entregue, no todo ou em parte, aos filhos maiores ou emancipados.”
Ora, transpondo estas considerações para a situação em apreço, parece-nos seguro afirmar, até por maioria de razão, que, pretendendo o Apelante, como, aliás, os seus filhos, em litisconsórcio, ver alterado um aspeto específico do regime fixado quanto a alimentos, mais precisamente o atinente à forma de pagamento da pensão de alimentos, no sentido de passar a ser efetuado através de depósito e/ou transferência bancária para conta tituladas pelos filhos, cujo IBAN estes indicaram, em vez de o ser para conta cujo IBAN a Progenitora AB indicou, deveriam os aludidos Requerimentos ter sido apresentados de modo a despoletar o incidente de alteração de alimentos, sendo autuados por apenso à ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais.
Assim, sendo essa a sede própria para apreciação de tais Requerimentos, no tocante a tal questão concreta, ao Tribunal recorrido incumbia, ao abrigo do disposto nos artigos 6.º, atinente ao dever de gestão processual, e 193.º, n.º 3, do CPC, relativo ao erro no meio processual, ter oficiosamente corrigido o erro detetado.
Já quanto à outra pretensão manifestada pelos filhos das partes e reiterada pelo Requerido, atinente à entrega pela Requerente da quantia de 3.740 € (a título de alimentos retroativos), concorda-se que tal ação, já finda pelo trânsito em julgado da sentença, não constitui o meio processual próprio para ver analisada tal questão, tão pouco o sendo o incidente de alteração dos alimentos, nem se podendo considerar que os termos processuais adequados para a apreciar sejam um “apenso para a alteração e incumprimento do regime de regulação das responsabilidades parentais”, pelo que não poderão ser inteiramente aproveitados tais Requerimentos nos termos pretendidos pelo Apelante.
Efetivamente, no quadro fáctico alegado (e como de certo modo a Apelada referiu, embora confundido o problema com a falta de legitimidade para recorrer), não se descortina qual seria o aspeto específico de regime supostamente incumprido pela Apelada que justificaria a instauração de incidente de incumprimento nos termos do art. 41.º do RGPTC, no que concerne ao pedido de condenação da Requerente a devolver aos filhos “as quantias pagas pelo pai, a título de retroativos, no valor de € 3.740,00”, pretensão esta que manifestamente não corresponde a um pedido de alteração do regime.
Tão pouco se podendo entender que a (eventual) procedência do aludido pedido de alteração dos alimentos terá como efeito automático a imposição à Requerente da obrigação de proceder “devolução” da quantia de 3.740 €. A este respeito veja-se o acórdão do STJ de 17-06-2021, proferido na Revista n.º 1601/13.2TBTVD-A.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, em que se explica o caminho percorrido pela jurisprudência na delimitação do âmbito de aplicação do art. 2006.º do CC e em cujo ponto II do respetivo sumário se lembra o seguinte: “Considerando que a acção de alteração ou de cessação dos alimentos judicialmente fixados assume a natureza de uma acção constitutiva, conforme o caso, modificativa ou extintiva (art. 10.º, n.º 3, al. c), do CPC), na falta de disposição em contrário, a respectiva sentença só produzirá efeitos ex nunc.”
Assim, procedem parcialmente as conclusões da alegação de recurso, ao qual será concedido parcial provimento.
Vencidas ambas as partes, são responsáveis pelo pagamento das custas processuais do presente recurso, na proporção de metade (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC).
***
III - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido na parte em que indeferiu a pretensão dos filhos TA e VA, acompanhados pelo Requerido e ora Apelante, de “alteração no regime de alimentos estabelecido, determinando que os alimentos do pai e da mãe que nos são devidos passarão a ser transferidos, pelo pai e pela mãe, diretamente, para o nosso IBAN”, e determina-se, em substituição do mesmo, que sejam desentranhados e autuados por apenso, como incidente de alteração dos alimentos, os Requerimentos de 21-03-2023 e 03-04-2023, a fim de ser apreciada tal questão, mantendo-se quanto ao mais o despacho recorrido.
Mais se decide condenar o Apelante e a Apelada no pagamento das custas do recurso, na proporção de metade.
D.N.

Lisboa, 07-12-2023
Laurinda Gemas
Higina Castelo
Paulo Fernandes da Silva