Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1378/14.4TJLSB.L1-2
Relator: TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: CONVENÇÃO ANTENUPCIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/05/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - De acordo com o art 1710º CC, na redacção que lhe foi dada pelo DL 324/2007 de 28/9, as convenções antenupciais podem ser realizadas por escritura pública, mas também por declaração prestada perante o funcionário do registo civil.
II - O legislador passou a entender que uma ou outra daquelas formalidades satisfaziam o necessário e pretendido controlo da legalidade do acto.
III - Não resulta da norma em causa que a validade ou a eficácia da convenção antenupcial celebrada por nubentes nacionais que pretendam casar no estrangeiro tenha necessariamente de provir de escritura pública celebrada em cartório notarial português (ou perante oficial público consular nacional com funções notariais), ou que a declaração tenha necessariamente de ser prestada perante funcionário do registo civil português.
IV – Por isso, deve ter-se como convenção antenupcial válida, a decorrente de declaração feita por nubentes de nacionalidade portuguesa, no momento do casamento, que foi celebrado na Republica Dominicana perante “Oficial do Estado Civil” - entidade correspondente à do Conservador do Registo Civil em Portugal - de pretenderem casar sob o regime de separação de bens, devendo tal regime ser registado no respectivo assento de casamento.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I - Nuno e Inês, casados entre si, interpuseram recurso/impugnação judicial do despacho inicial do Conservador do Registo Civil, ao abrigo do artigo 286º/5 e seguintes do Código de Registo Civil, pedindo a anulação do acto do conservador aqui em causa e que, em consequência, se considere procedente o registo do regime da separação de bens ao Assento de Casamento dos Recorrentes, com data anterior ao mesmo, ou data posterior; ou, caso assim não se entenda, se ordene aos Recorrentes a elaboração de um documento para efeitos de homologação judicial, de que conste a manifestação de vontade dos mesmos na alteração do regime de bens; e, em caso de procedência do presente recurso, se ordene à entidade recorrida a devolução do montante liquidado para efeitos de apreciação do Recurso Hierárquico, no total de 300,00 euros.

Alegaram que casaram na República Dominicana e manifestaram perante o conservador e testemunhas que o regime de bens por ambos pretendido era o de separação de bens e agora, em Portugal, só lhes é permitido o registo do regime de bens adquiridos.

O despacho recorrido, da Conservadora do Registo Civil, tem o teor de fls. 17 ou doc. 1 junto com o recurso.

O Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Foi produzida prova testemunhal e declarações de parte, após o que foi proferida sentença, que concedeu provimento ao recurso/impugnação judicial em causa nos autos, decretando a anulação do acto da Conservadora em registar como regime de bens dos recorrentes o de comunhão de adquiridos e, em consequência, considerou procedente o registo do regime da separação de bens no Assento de Casamento dos Recorrentes, com a data do registo do casamento e efeitos retroactivos ao dia 17.08.2013, data da celebração do casamento, tendo julgado improcedente o pedido de devolução dos 300,00 euros alegadamente pagos pelos recorrentes pela interposição do recurso hierárquico.

            II – Do assim decidido, apelou o Ministério Público que concluiu as respectivas alegações nos seguintes termos: 

1 – Mediante sentença proferida nestes autos foi decidido decretar a anulação do ato da conservadora em registar como regime de bens de Nuno e Inês o de comunhão de adquiridos e, em consequência, considerar procedente o registo do regime da separação de bens no Assento de Casamento dos Recorrentes, com a data do registo do casamento e efeitos retroactivos ao dia 17.08.2013, data da celebração do casamento.

2 – Essa decisão violou os dispositivos legais aplicáveis ao caso, nomeadamente o previsto no artigo 1710º do Código Civil.

3 – A convenção antenupcial assinada pelos nubentes Nuno e Inês não é valida, devendo ser considerada nula, e por isso não deve ser considerada para efeitos legais.

Nestes termos, deverá dado provimento ao recurso e, deve ser a sentença agora recorrida ser revogada e substituída por outra que determine a validade do acto da Conservadora ao não registar como regime de bens do casamento de Nuno e Inês o regime de separação de bens..

          Os recorrentes apresentaram contra alegações tendo-as concluído do seguinte modo:

A. Os recorridos celebraram casamento civil na República Dominicana em 17.08.2013 sob o regime da separação de bens, conforme consta da acta de extracto de matrimónio;

B. Aquando da transcrição do casamento para a ordem jurídica nacional, a Sra. Conservadora transcreveu o casamento sob o regime da comunhão de adquiridos;

C. O casamento foi celebrado por um "Juez ", figura que, na República Dominicana, tem a mesma função e poderes que o conservador do registo civil em Portugal;

D. Os ora Recorridos declararam, expressa e solenemente perante o conservador daquele país que pretendiam que vigorasse o regime da separação de bens;

E. Quando perguntados pelo conservador se tinham consciência da opção do regime de bens que estavam a escolher, os ora Recorridos responderam afirmativamente;

F. A testemunha da cerimónia presenciou a declaração pessoalmente expressa pelos ora Recorridos no sentido de que vigorasse o regime da separação de bens e confirmou-o em sede de inquirição pelo tribunal a quo ;

G. Em face do exposto, ficou lavrado, em Livro Público, Numerado, Oficial da República Dominicana, a expressa vontade dos nubentes de que vigorasse entre eles o regime da separação de bens, sendo essa a sua única e inabalável vontade;

H. O que, de per se , será suficiente para dar por cumprido que a douta sentença a quo bem andou ao ajustar a realidade de registo português à real, expressa, declarada e reiterada com sendo a única vontade dos Recorridos, que não aceitam ser agora obrigados a sujeitar-se a um regime diferente daquele que sempre manifestaram como sendo sua única intenção! E que será, pois fundamento claro e suficiente para manter a decisão recorrida!

            I. O tribunal a quo interpretou de forma correcta o art. 1710.º do Código Civil e o art. 189.º do Código do Registo Civil;

J. O legislador prevê que a declaração acerca do regime de bens seja prestada perante conservador e perante funcionário do registo civil, sendo que no caso em apreço tal declaração foi prestada perante um conservador;

K. O legislador também não prevê que tenha de ser perante um conservador… português(!);

L. Os Recorridos cumpriram todas as formalidades atinentes à escolha do regime de bens que fizeram;

M. Se dúvidas restassem, em 21 de Junho de 2013, antes do casamento civil, assinaram os ora Recorridos um documento denominado "Acordo Pré-Nupcial", no qual declararam que pretendiam o regime da separação de bens;

N. As assinaturas dos ora Recorridos foram devidamente reconhecidas presencialmente por Advogada inscrita na Ordem dos Advogados, na plataforma electrónica online para o efeito;

O. A competência para os Advogados procederem ao reconhecimento presencial de assinaturas é conferida pelo art. 38.º do Decreto-Lei n. 76-A, de 29 de Março e pela Portaria n. 657-B/2006, de 29 de Junho;

P. O reconhecimento efectuado nestes termos tem a mesma força probatória que teria se tivesse tido intervenção notarial, conferindo validade jurídica ao documento;

Q. Em sede de prova produzida no tribunal a quo, através de prova testemunhal, documental e de declarações de parte, dúvidas não restaram da vontade expressa pelos ora Recorridos de que pretendiam o regime da separação de bens e não outro, tendo cumprido todas as formalidades para o efeito;

R. O legislador já não prevê a necessidade de nenhum "auto", mas ainda que previsse, resulta claro que de um “AUTO”, público e oficial, se trata o documento onde ficou lavrada a sua expressa e detalhada vontade no que ao regime de bens escolhido se refere;

S. Os ora Recorridos sempre pretenderam casar sob o regime da separação de bens;

T. Os ora Recorridos sempre estiveram de boa fé.

U. A sentença recorrida andou bem em toda a sua fundamentação e decisão.

II –O tribunal da 1ª instância julgou provado com interesse para a decisão do recurso:

1. Nuno e Inês, aqui recorrentes, contraíram casamento civil na República Dominicana, em 17.08.2013.;

2. Na comunicação portuguesa que acompanha o referido casamento é referido o seguinte: “Informa-se V. Exa. que não houve lugar à menção da convenção antenupcial, uma vez que o Acordo Pré-Nupcial apresentado, subscrito pelos nubentes, ambos nacionais portugueses e residentes em Portugal, não é válido, por não ter revestido qualquer das formas prescritas no artigo 1710º do Código Civil, pelo que enfermará de nulidade, face ao disposto no artigo 220º também do Código Civil”;

3. Com base neste entendimento, o casamento dos Recorrentes foi transcrito para o registo civil português como tendo sido celebrado sob o regime de comunhão de adquiridos;

4. Por não concordarem os Recorrentes com o entendimento expresso pela Conservadora do Registo Civil Português, apresentaram os mesmos um recurso hierárquico perante o Director do Instituto dos Registos e Notariado;

5. Após a celebração do casamento na República Dominicana, os Recorrentes deram entrada do pedido de transcrição de casamento com base num documento estrangeiro na Conservatória do Registo Civil de Lisboa, sendo tal documento o “Extracto de Acta de Matrimónio”, equivalente à Certidão de Casamento em Portugal, emitido pela Direcção Nacional de Registos do Estado Civil da República Dominicana, conforme fls. 20 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

6. Para efeitos da transcrição foi o documento devidamente traduzido para português, tendo sido a tradução certificada por advogada inscrita na Ordem dos Advogados Portuguesa, a qual registou online este ato de advogado, em 03.03.2014.;

7. O recurso hierárquico apresentado pelos recorrentes foi indeferido;

8. A Cônsul Honorário da República Dominicana, em Lisboa, atestou, mediante declaração lavrada em 21.04.2014., que foi celebrado um casamento sob o regime matrimonial de separação de bens em conformidade com a vontade livremente expressa pelos contraentes;

9. Os recorrentes nem se importam que os efeitos da separação de bens, vigore a partir da transcrição do casamento ou do presente, uma vez que é por esse regime que têm pautado a sua actuação desde o casamento.

 Factos Não Provados.

Com interesse para a decisão da causa, atendendo as soluções plausíveis da solução jurídica do presente recurso, não resultou provado que os recorrentes/nubentes declararam antes da celebração do casamento, em Portugal e perante funcionário do registo civil português lavrando o respectivo auto, que pretendiam o regime de separação de bens.

IV – Consoante resulta das conclusões das alegações, a questão a apreciar e a  decidir é a de saber se, ao contrário do decidido, não deveria ter sido considerado procedente o registo do regime da separação de bens no Assento de Casamento dos aqui apelados, por tal decisão implicar violação do previsto no art 1710º do CC, na medida em que a convenção antenupcial assinada pelos apelados, então nubentes, se deve ter como nula e, por isso, não deve ser considerada para efeitos legais.

Para o efeito, deverão ter-se ainda em consideração, para além dos factos acima elencados, os seguintes, também eles relevantes  para a decisão e que se extraem dos documentos constantes dos autos (tendo, aliás, sido referidos no corpo das alegações do Ministério Público, aqui apelante):

-Os nubentes, Nuno e Inês requereram na Conservatória do Registo Civil de Lisboa, em 31/05/2013, a organização do processo preliminar de casamento, com vista à verificação da capacidade matrimonial e consequente emissão dos respectivos certificados de capacidade matrimonial para celebração do casamento na República Dominicana, perante as Autoridades locais.

-Foram  autorizados e emitidos os certificados de capacidade matrimonial.

-Em 06/03/2014 foi solicitada, junto da Conservatória do Registo Civil de Lisboa, a transcrição do assento de casamento celebrado no estrangeiro, mediante a apresentação da certidão de registo de casamento, emitida em Veron, República Dominicana, em 04/02/2014, consoante se fez constar no ponto 5 da  matéria de facto acima elencada.

-Em momento posterior foi apresentado na Conservatória do Registo Civil de Lisboa, para junção ao processo, um “Acordo Pré-Nupcial”, assinado pelas partes em 21 de Junho de 2013.

-Esse Acordo Pré-Nupcial foi assinado em Portugal, na data referida, e as respectivas assinaturas foram reconhecidas presencialmente pela Senhora Advogada que requereu a transcrição do assento de casamento.

-Esse documento foi traduzido e apostilhado para ser apresentado na República Dominicana, aquando da celebração do casamento.

-Foi autorizada pela Conservatória a transcrição do registo de casamento celebrado na República Dominicana.

-Mas o acordo pré-nupcial não foi acolhido registralmente, com os fundamentos: “Não se mencionará convenção antenupcial, uma vez que o Acordo Pré-Nupcial apresentado, subscrito pelos nubentes, ambos nacionais portugueses e residentes em Portugal não é válido, por não ter revestido qualquer das formas prescritas no artigo 1710º do código Civil, pelo que enfermará de nulidade, face ao disposto no artº 220º, também do Código Civil. Em matéria de regime de bens preside o estatuído no nº 1 do artº 53º do Código Civil, sendo aplicável a lei portuguesa, lei pessoal dos nubentes – cf. artº 25º, artº 31º, n.º 1, artº 35º, art. 42º, n.º 1 in fine, todos do Código Civil.”

-O casamento foi transcrito para o registo civil português como tendo sido celebrado sob o regime de comunhão de adquiridos.

Consoante é evidenciado no Parecer do Instituto dos Registos e Notariado (doravante, IRN), junto a a fls 36 dos presentes autos, está precedentemente em causa nos autos, uma questão de direito internacional privado desde o momento em que, nubentes de nacionalidade portuguesa, ambos residentes em Portugal, pretenderam e celebraram efectivamente o respectivo casamento no estrangeiro - na República Dominicana - pretendendo fazê-lo sob o regime de separação de bens.

Pelo que, cumpre antes de mais saber, qual a lei aplicável aos requisitos formais e substanciais da convenção ante nupcial.

De acordo com o art 49º/1 CC, que rege a respeito das "convenções antenupciais e regime de bens”, «a substância e efeitos das convenções antenupciais e do regime de bens, legal ou convencional, são definidos pela lei nacional dos nubentes ao tempo da celebração do casamento».

Estando em causa, também, os requisitos de forma das convenções antenupciais,  e sendo que não existe regra especial a seu respeito, haverá que aplicar a genérica a respeito da “forma da declaração”, constante do art 36º CC [1], que refere no respectivo nº 1, que «a forma da declaração negocial é regulada pela lei aplicável à substância do negócio»; acrescentando, logo de imediato, que «é, porém, suficiente a observância da lei em vigor no lugar em que é feita a declaração, salvo se a lei reguladora da substância do negócio exigir, sob pena de nulidade ou ineficácia, a observância de determinada forma, ainda que o negócio seja celebrado no estrangeiro»

Verifica-se, assim, deste nº 1 do art 36º, que se admite a aplicação alternativa de (uma de) duas leis quanto à forma da declaração negocial, sucedendo que, em princípio, se deve aplicar a lei reguladora do próprio negócio, mas se considera também suficiente a lei do lugar em que é feita a declaração. Trata-se de acolher a regra "locus regit actum", com o objectivo óbvio de favorecer a validade formal do negócio.

Como o acentua Lima Pinheiro [2],  não se trata, tão simplesmente  «de uma pura conexão alternativa»: «há uma reserva a favor da lei da substância, que surge na norma de conflitos com a estrutura de excepção à aplicabilidade da lei do lugar da celebração, e que consiste em ressalvar a hipótese de a lei reguladora da substância do negócio exigir, sob pena de nulidade ou ineficácia, a observância de determinada forma, ainda que o negócio seja celebrado no estrangeiro».

Na situação dos autos, pese embora os nubentes tenham realizado em 21/6/2013 um “Acordo Pré-Nupcial” e o mesmo tenha sido traduzido e apostilhado para ser apresentado na República Dominicana aquando da celebração do casamento, destinando-se esses procedimentos, ao que parece, à observância da exigência da lei da Republica Dominicana a esse respeito – pelo menos, é o que resulta insinuado no referido Parecer do IRN - a verdade é que, não está em causa no presente recurso, a regra "locus regit actum" e, consequentemente, também não, pelo menos directamente, a referida ressalva constante da 2ª parte do referido art 36º/1 CC referente à circunstância de «a lei reguladora da substância do negócio exigir, sob pena de nulidade ou ineficácia, a observância de determinada forma, ainda que o negócio seja celebrado no estrangeiro».

            Apenas está em causa saber se aqueles nubentes cumpriram as exigências que se mostravam vigentes ao tempo da celebração da convenção antenupcial da respectiva lei nacional – a portuguesa - enquanto lei reguladora da forma e da substância - cfr mencionados arts 36º/1 1ª parte e 49º/1 CC - da convenção antenupcial.

Consequentemente, apenas importa saber se os recorrentes/apelados observaram a forma prescrita no art 1710º do CC, valendo a este respeito, naturalmente, a redacção deste preceito que se mostrava vigente em Junho de 2013, por conseguinte, a decorrente do  DL 324/2007 de 28/9.

Tal norma sob a epígrafe «Forma das convenções antenupciais», preceitua: «As convenções antenupciais são válidas se forem celebradas por declaração prestada perante o funcionário do registo civil ou por escritura pública»

O DL 324/2007 de 28/9 alterou, não apenas a redacção do referido art 1710º CC, mas também a do art 189º do Código do Registo Civil (aprovado pelo DL 131/95 de 6/6) que passou a referir, sob a epígrafe, “Convenção antenupcial”, que «1. A convenção antenupcial pode ser celebrada nas conservatórias do registo civil, por meio de declaração prestada perante conservador, o qual pode delegar essa competência em oficial de registo. 2 - A conservatória deve imediatamente entregar certidão gratuita do acto aos interessados».

O art 190º do diploma referido – Código do Registo Civil – igualmente alterado pelo DL 324/2007 de 28/9, refere, por sua vez, sob a epígrafe, "Registo": «1 - A convenção antenupcial é registada mediante a sua menção no texto do assento de casamento, sempre que o auto seja lavrado ou a certidão da respectiva escritura seja apresentada até à celebração deste. 2 - A convenção antenupcial, quando apresentada após a celebração do casamento, e a alteração do regime de bens, convencionado ou legalmente fixado, são registadas por averbamento ao assento de casamento».

 

No preâmbulo do referido DL 324/2007 diz-se relativamente à matéria aqui em apreço:

«..-O presente decreto lei insere-se no ciclo de medidas de simplificação e desformalização relacionadas com a vida dos cidadãos, no quadro das medidas promovidas pelo Ministério da Justiça para o Programa SIMPLEX 2007, assim contribuindo para que sejam reduzidos os obstáculos burocráticos e formalidades dispensáveis nas áreas do registo civil e dos actos notariais conexos.

… assim, por exemplo, passa a ser possível apresentar o pedido do processo preliminar do casamento em qualquer conservatória de registo civil e dispensa-se a obtenção prévia de certidões de nascimento, pois a comprovação da identidade dos nubentes passa a ser efectuada pelo acesso da conservatória que instruiu o processo à base de dados do registo civil. Eliminam-se deslocações e certidões desnecessárias, aumentando a protecção jurídica.

Em quarto lugar, permite-se que a escolha de um regime de bens do casamento que não esteja tipificado na lei também se possa fazer nas conservatórias do registo civil. Até agora, só era possível celebrar a convenção antenupcial nas conservatórias do registo civil se o casal que pretendesse casar escolhesse um dos regimes de bens do casamento tipificados na lei. Se optasse por um regime que agregasse elementos dos vários regimes de bens, era obrigado a celebrar uma escritura pública, no notário, e só posteriormente podia celebrar o casamento. Com o objectivo de simplificar o processo de casamento, permite-se que a escolha de um regime de bens atípico e a celebração do casamento se possam realizar num único momento, nas conservatórias do registo civil, com os ganhos resultantes da ausência de diversas deslocações e do pagamento dos dois actos em causa.

Em quinto lugar, atendendo ao número crescente de comunidades imigrantes que residem no nosso país, simplificou-se o processo de casamento de estrangeiros que pretendam casar em Portugal, sem prejudicar a segurança jurídica».

Álvaro Sampaio, na anotação ao mencionado art 189º [3] do Código de Registo Civil, refere: «O conteúdo deste artigo não tem correspondência no código anterior e constitui uma das importantes inovações do actual.

Com efeito, anteriormente, as convenções antenupciais só podiam ser feitas por escritura pública.

Na redacção anterior à introduzida pelo DL 324/2007 de 28/9, as convenções antenupciais podiam ser lavradas pelo conservador do registo civil, por meio de auto, no processo preliminar de casamento mas, apenas se fosse estipulado um dos regimes de bens tipo (comunhão geral ou separação de bens).

Com a nova redacção, pode ser feito qualquer tipo de convenção, em qualquer conservatória, dentro ou fora do processo preliminar de casamento.

E embora a feitura do auto da convenção antenupcial seja da competência do conservador é expressamente admitido que aquela possa ser delegada em oficial de registo»[4].

Donde se pode concluir que o legislador deste DL 324/2007 simplificou e desburocratizou, efectivamente, a matéria das convenções antenupciais, passando as mesmas a poderem ser realizadas por escritura pública – como desde sempre aconteceu – mas, também, por declaração prestada perante o funcionário do registo civil.

O que sucedeu, naturalmente, por o mesmo ter passado a entender que ambas aquelas formalidades, não obstante tratarem-se, uma e outra, de formalidades "ad substantiam", satisfaziam o necessário e pretendido controlo da legalidade do acto.

Ora, não resulta da norma em causa, nem directa, nem indirectamente, que a validade ou a eficácia da convenção antenupcial celebrada por nubentes nacionais que pretendam casar no estrangeiro tenha, necessariamente, de provir de escritura pública celebrada em cartório notarial português (ou perante oficial público consular nacional com funções notariais), ou a declaração prestada, necessariamente, perante funcionário do registo civil português.

Com estas considerações revertamos à situação dos autos. 

Consta dos factos provados que após a celebração do casamento na República Dominicana, os Recorrentes deram entrada na Conservatória do Registo Civil de Lisboa do pedido de transcrição de casamento com base num documento estrangeiro, sendo tal documento o “Extracto de Acta de Matrimónio”, equivalente à Certidão de Casamento em Portugal, emitido pela Direcção Nacional de Registos do Estado Civil da República Dominicana, conforme fls. 20, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

A fls 71 dos autos mostra-se junto documento subscrito por Licinia Thomas de Pinho e Almeida – Consul Honorário da Republica Dominicana em Lisboa- que apresenta o seguinte conteúdo: «Licinia Thomas de Pinho e Almeida – Consul Honorário da Republica Dominicana em Lisboa - declara: que a certidão de casamento nº 000356 do ano de 2013, documento nº 01-9798983-4 é autêntica, passada por autoridade competente da Republica Dominicana conforme as leis nacionais, podendo ser utilizada para instruir processo de registo de casamento em Portugal. Mais Declara: que a referida certidão dá fé do casamento realizado entre Nuno e Inês, ambos de nacionalidade portuguesa. Declara também: que se trata de um casamento sob o regime matrimonial de separação de bens em conformidade com a vontade livremente expressa pelos contraentes seguindo as leis da Republica Dominicana, atestada no Livro de Registo de Matrimónio Civil nº 0000-4-C, Folhas 0056, Ato nº 000356, do ano de 2013, ante o Oficial do Estado Civil (o Conservador do Registo Civil em Portugal) no momento do casamento. E, para todos os fins, e a pedido da parte interessada, emite-se a presente Declaração, em Lisboa, no dia 21 do mês de abril do ano de 2014».

 Deste documento resulta, pois, que os aqui apelados, Nuno e Inês, declararam perante Oficial do Estado Civil, entidade correspondente à do “nosso” Conservador do Registo Civil, pretender casar sob o regime de separação de bens.

Consequentemente, foi utilizada uma das formas actualmente possíveis para celebrar convenção antenupcial – a declaração negocial perante oficial de registo.

Se o legislador fixou como forma exigível para a validade de uma convenção antenupcial a  - mera – declaração prestada perante o funcionário do registo civil,  e não subordinou essa validade a qualquer outra exigência, teremos de entender que esse formalismo foi  cumprido na Republica Dominicana, nada mais fazendo sentido ser exigido.

Nem se diga que, não obstante o actual art 1710º CC não referir já a necessidade da vontade dos nubentes ter de ser registada em “auto” – como sucedia com a redacção que lhe foi dada pelo DL 163/95 de 13/7, cfr nota 4 -  este ainda será necessário para o registo da convenção antenupcial, por a ele – ao auto – se referir o acima mencionado art 190º do CRC. 

Pois, aqui dever-se-ão acompanhar os apelados, quando referem que «existe, acima de tudo, um documento, lavrado em Livro Público, numerado, próprio, por figura equivalente a Conservador, com os mesmos poderes na República Dominicana, que atesta que os nubentes declararam expressamente a vontade de se reger pelo regime de separação de bens, e o qual configura a definição de… AUTO!  - e do qual foi retirada a certidão / extracto de matrimónio que foi emitido na sequência do casamento civil!»

È que por “auto” deve-se entender o  «acto processual destinado a dar a conhecer e fazer constar do processo um determinado acto praticado na presença do juiz ou de um funcionário judicial» [5]

Com as necessárias adaptações, também terá sido utilizado um "auto" para dar a conhecer e fazer constar do Livro próprio as declarações correspondentes às do casamento, bem como a vontade dos nubentes de o celebrarem no regime de separação de bens. 

Não fazendo, pois qualquer sentido, à luz da redacção vigente do art 1710º CC e da do art 189º CRC, o que se refere no aludido Parecer do IRN: «Não pode o conservador do registo civil bastar-se com a declaração das partes de que pretendem convencionar determinado regime de bens aquando da celebração do casamento, para fazer consignar a existência de convenção antenupcial no assento de casamento. Se, por hipótese, no momento da celebração do casamento, os nubentes declaram que pretendem convencionar determinado regime de bens, o conservador terá que, nesse momento, lavrar o auto/titulo/documento autêntico e só depois prosseguir com a celebração do casamento. Só assim está cumprido o determinado pelo art 1710º CC. E só com base nesse documento poderá ser registado a convenção antenupcial nos termos do art 189º CRC», considerações, que salvo melhor entendimento, a fazerem sentido, só o fariam, quando o art 1710º CC referia que «as convenções antenupciais só são válidas se forem celebradas por escritura pública ou por auto lavrado perante o conservador do registo civil».

Já os apelados não têm razão quando parecem pretender que a circunstância das respectivas assinaturas no dito "Acordo Pré-nupcial" que assinaram em 21/6/2013 terem sido reconhecidas presencialmente por Advogada, implicará, atento o disposto no art 38º do DL 76-A de 29/3 que tal documento, passando a ter a mesma força probatória que teria se tais actos tivessem sido realizados com intervenção notarial, possa valer, para efeitos da 2ª parte do referido art 1710º CC, como uma escritura pública.

É que, e desde logo, como o refere o art 377º CC, «os documentos particulares autenticados não substituem os documentos autênticos quando a lei exija documento dessa natureza para a validade do acto».

Com efeito, a exigência de escritura pública – bem como, como acima já se assinalou – a exigência de declaração perante o conservador de registo civil para a celebração de convenção antenupcial, comportam-se como formalidades "ad substantiam" e não "ad probationem" - quer dizer, a observância de uma dessas formas, qualquer delas legalmente impostas, é necessária à própria existência da declaração negocial em causa e não apenas reclamada para a prova da mesma. 

Do que se veio de dizer haverá de concluir-se pelo infundado da apelação, devendo confirmar-se a sentença recorrida.

V – Pelo exposto, acorda este tribunal em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.

Sem custas.

Lisboa, 5 de Novembro de 2015                                                            

Maria Teresa Albuquerque                                                                  

    José Maria Sousa Pinto

     Jorge Vilaça

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[1] - Neste sentido, Baptista Machado, «Lições de Direito Internacional Privado», 2ª ed,  p 413
[2] - «Direito Internacional Privado», Vol. I, pág. 292 e Vol. II, pág. 159
[3] - «Código do Registo Civil Anotado e Comentado», 2011, 4ª ed

[4-  O art 1710º, na redacção dada pelo DL 163/95 de 13/7,  dispunha  que «as convenções antenupciais só são validas se forem celebradas por escritura pública ou por auto lavrado perante o conservador do registo civil».

Na redacção anterior à vigente referia tão somente que «as convenções antenupciais só são validas se forem celebradas por escritura publica».

 O art 189 º do CRC, na redacção que antecedeu a do DL 324/2007 – a do DL 29/2007 de 2/8- dispunha, sob a epigrafe, “Convenção antenupcial lavrada por auto” : «A convenção antenupcial em que apenas seja estipulado um dos regimes tipo de bens do casamento previsto na lei pode ser lavrada pelo conservador do registo civil, por meio de auto, no respectivo processo de publicações para casamento»

[5] - «Dicionário Jurídico», Ana Prata, 4º ed , p 158.