Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
13282/21.5T8LSB.L1-4
Relator: MARIA LUZIA CARVALHO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
MOTIVAÇÃO
TAREFA OCASIONAL
SERVIÇO PRECISAMENTE DEFINIDO E NÃO DURADOURO
AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO
DEFESA POR EXCEPÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/20/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1 - Limitando-se a possibilidade da ampliação do âmbito do recurso à apreciação de fundamentos que hajam sido invocados pelo recorrido, tal ampliação não é admissível para alegação de exceção não arguida na contestação, que não seja do conhecimento oficioso.
2 - O motivo justificativo da celebração de contrato de trabalho a termo tem que constar expressamente no contrato através da menção dos factos que o integram, e estando em causa uma “formalidade ad substantiam” apenas estes podem ser atendidos para aferir da validade do termo.
3 - A execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro, enquanto motivo justificativo da celebração de contrato de trabalho a termo refere-se à execução de tarefa que não corresponde à normal atividade da empresa ou, em alternativa, a situações que podendo ou não ser estranhas a tal atividade, têm, no entanto, uma duração transitória pré-determinada, um serviço de duração limitada.
(Sumário da autoria da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 4.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

Relatório
AA, intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra “XX SA”, pretendendo que:
a) Seja declarada a nulidade do termo aposto ao contrato de trabalho celebrado entre o autor e a ré;
b) Seja declarado que o autor se encontrou sempre vinculado à ré através de um contrato sem termo;
c) Seja declarado improcedente, por ausência de pressupostos legais, o despedimento do autor promovido pela ré;
d) Seja condenada a ré a reintegrar o autor no seu posto de trabalho, com efeitos reportados à data do despedimento, sem prejuízo da antiguidade e categoria, ou, em alternativa, seja a ré condenada a pagar ao autor a indemnização a que se reporta o art.º 391° do Código do Trabalho, a qual deve ser graduada no seu limite intermédio, correspondente a € 2.633,79;
e) Seja condenada a ré a pagar ao autor as retribuições já vencidas, no montante de € 877,93 acrescidas das que se vierem a vencer até ao trânsito em julgado da presente acção, incluindo subsídios de férias e de Natal;
f) Seja condenada a ré a pagar ao autor juros, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento, sobre todas as quantias reclamadas.
A ré contestou pugnando pela improcedência da ação, tendo deduzido, para o caso de a ação ser julgada procedente, pedido reconvencional pretendendo que, caso se entendesse que a ação deveria ser julgada procedente fosse o autor obrigado a restituir o montante que lhe havia sido pago, a título de compensação pela caducidade do contrato de trabalho, no montante de € 1.052,08.
Mais requereu que, no mesmo caso de procedência da ação, às retribuições devidas a título de compensação fossem deduzidas as vencidas até 30 dias antes da propositura da ação, o subsídio de desemprego e as importâncias que o Autor aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, tendo requerido que fossem solicitadas informações à Segurança Social e à Autoridade Tributária.
O autor pronunciou-se, pugnando pela inadmissibilidade da reconvenção e aceitando que fosse operada a compensação da quantia que recebeu da ré com as retribuições vencidas desde o despedimento.
Foi proferido despacho saneador, no qual foi decidido não admitir a reconvenção, sem prejuízo de haver lugar a compensação de créditos, se for o caso, sendo ainda dispensada a seleção da matéria de facto e, além do mais, deferido o requerido quanto ás informações a solicitar à Segurança Social e à Autoridade Tributária.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo a ré de todos os pedidos contra ela formulados.
Inconformado o autor interpôs o presente recurso, com vista à revogação da sentença e condenação da ré nos pedidos que havia formulado, para o que apresentou as seguintes conclusões:
«I. Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida pelo Juízo do Trabalho de Lisboa - Juiz 3, sentença essa que julgou a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a ré do pedido, considerando aquele Tribunal que os motivos justificativos constantes dos contratos não seriam nem vagos, nem genéricos, quando apreciados à “luz dos critérios enunciados, como se extrai do que ficou referido nas cláusulas supra transcritas em confronto com o disposto nos arts. 140°, n° 1, e 149°, ambos do CT"
II. O Tribunal a quo só aparentemente se pronunciou sobre a validade ou invalidade formal do motivo justificativo como lhe havia sido pedido, na verdade o Tribunal a quo limitou-se a apreciar a explicação do motivo justificativo apresentada pela Ré na contestação, considerando-a provada, sem apreciar a suficiência ou insuficiência do motivo justificativo constante no texto do próprio contrato, violando deste modo a preclusão constante da alínea e) do nº 1 e nº 3 do art.° 141 do Código do Trabalho, norma esta que impõem a concretização do motivo justificativo no texto do próprio contrato, devendo essa concretização ser feita com a menção expressa dos factos que o integram, e estabelecer a relação existente entre a justificação invocada e o termo de 12 meses estipulado no contrato.
III. Desta forma impugna-se a matéria de direito, considerando que o Tribunal a quo violou as disposições conjugadas contantes dos art.° 140 n° 1, art.° 141 n° 1 al. e) e n° 3, e art.° 147 nº 1 al. c) todos do Código do Trabalho, uma vez que o motivo justificativo só poderá ser atendível se mencionar concretamente os factos e circunstâncias que o integram (formalidade ad substanciam), considerando-se sem termo o contrato em que falte tal menção - arts. 141°, nº 3 e 147°, nº1, al. c), ambos do Código do Trabalho.
IV. O motivo justificativo aposto nos contratos celebrados com o ora recorrente consta da alínea "D" dos factos provados e tem a seguinte redacção:
«O presente contrato a termo certo é celebrado ao abrigo do disposto no n°1, alínea g) do n° 2 e na alínea a) do n° 4 do art° 140°, do Código do Trabalho, e tem como fundamento a reorganização temporária e a título experimental das unidades de produção da Europa, com implementação de equipas piloto polivalentes, para colmatar as necessidades extraordinárias nas diferentes áreas produtivas. Neste âmbito, torna-se necessário e imprescindível a contratação de pessoal para formação on-job, de forma a garantir os meios humanos necessários à execução de tarefas de carácter complexo, nomeadamente:
Operação de "freezers";
Execução de operações e planos de manutenção autónoma;
Controlo de qualidade na linha de produção;
Rotinas de lubrificação;
Mudanças de formato e de produto;
Rotinas de limpeza e higienização;
Este projecto será avaliado quanto à sua performance e rentabilidade, num período que não se prevê inferior a 12 meses, tendo em vista uma decisão final sobre a sua implementação em definitivo, nas diferentes unidades produtivas.».
V. A recorrida enquadrou de direito a admissibilidade do contrato a termo na alínea g) do n° 2 e na alínea a) do n° 4 do art° 140°, do Código do Trabalho, o que valerá por dizer que considerou que os pretensos factos que descreveu no motivo justificativo eram enquadráveis na “Execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro”, - alínea g) do nº 2 do art.° 140°, - e ao mesmo tempo constituíam o “lançamento de nova atividade de duração incerta...." , alínea a) do n° 4 do art.° 140°,
VI. Resulta inequívoco da alínea "D" dos factos provados, que nenhuma das razões constantes do motivo justificativo traduz uma tarefa ocasional ou um serviço determinado precisamente definido e não duradouro, o que a recorrida nos diz no texto do/os Contrato/os, - recorrendo a conclusões e não a factos, - é que decidiu contratar o recorrente em virtude de um pretenso projecto de reorganização nas unidade fabris da Europa que se iniciou em setembro de 2017, facto provado alínea "M) e N)" , projecto esse que apelidou de temporário e experimental, sem nunca concretizar ou explicar com factos concretos que projecto era esse, e porque razão tinha natureza temporária e experimental, a não ser a sua própria vontade.
VII. A recorrida também não concretizou no motivo justificativo porque razão esse pretenso projecto de reorganização das unidades fabris da Europa conduziria a necessidades extraordinárias nas diferentes áreas produtivas, implicando a implementação de equipas piloto polivalentes (...)para formação on-job, como forma a garantir a execução de tarefas de carácter complexo, pois na verdade as referidas tarefas complexas que necessitavam agora de formação on-job já faziam parte do seu processo produtivo da recorrida conforme se retira dos factos provados constantes das alíneas S;T;U;V .
VIII. Os motivos justificativos apresentados pela recorrida nos contratos de trabalho não passam de um conjunto de conclusões sem conter qualquer facto, conclusões essas que apenas se justificam a elas próprias, criando artificialmente um pretenso período definido e não duradouro.
IX. O pretenso projecto que foi caracterizado como perfeitamente definido e não duradouro não é mais do que a restruturação do processo produtivo, restruturação essa que se manteria por um período não inferior a 12 meses, sem concretizar com rigor a sua duração, o que denota um caracter tendencialmente duradouro, como aliás a própria recorrida admite quando manifesta que tem "em vista uma decisão final sobre a sua implementação em definitivo."
X. Ao mesmo tempo que a recorrida fundamentou a contratação do recorrente com uma tarefa ocasional e não duradora, afirma que essa tarefa ocasional consiste também no lançamento de uma nova actividade, uma vez que enquadra o motivo justificativo também na alínea a) do n° 4 do art° 140° do Código do Trabalho, porém, conforme resulta dos factos provados alíneas "L" a "W", a recorrida não mudou de actividade, a sua actividade é a que sempre foi, a "ré, (...) dedica-se, à ... indústria frigorífica nomeadamente o fabrico de gelados,...", sendo inaplicável ao motivo justificativo a alínea a) do nº 4 do art.° 140° do Código do Trabalho.
XI. Por outro lado, a validade do motivo justificativo depende ainda da relação que se possa estabelecer entre o motivo justificativo e o termo aposto no contrato, assim sendo, considerando que a recorrida alegou que o projecto seria avaliado por um período nunca inferior a 12 meses, e considerando que a duração do contrato estabelecida foi de 12 meses, conforme decorre da alínea "A" dos factos provados, o contrato do recorrente caducaria antes mesmo de se completar o período de avaliação estimado, o que é indicador de não existir relação entre o fundamento invocado e o termo aposto no contrato.
XII. Deste modo, as disposições constantes dos arts.º 141° nº 1 al. e) e nº 3, e 147°, n° 1, al. c), ambos do Código do Trabalho deveriam ser interpretadas no sentido da invalidade/nulidade do motivo justificativo, não só porque do motivo justificativo não consta nenhum facto concreto de onde se possa retirar a alegada necessidade temporária, como também dele não se retira a necessária relação entre o motivo justificativo invocado e a duração do contrato celebrado, devendo em consequência declara-se ilícita a comunicação de caducidade datada de 06/08/2020, destinada a produzir efeitos em 21/08/2020, julgando-se, por ausência de pressupostos legais, ter existido um despedimento do ora recorrente promovido pela recorrida, e condenando-se a recorrida a reintegrar o recorrente no seu posto de trabalho, com efeitos reportados à data do despedimento, sem prejuízo da antiguidade e categoria e ainda condenando a recorrida a pagar ao recorrente as retribuições já vencidas, no montante de € 877,93 acrescidas das que se vierem a vencer até ao trânsito em julgado da presente acção, incluindo subsídios de férias e de Natal.»
A ré apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso e requerendo, subsidiariamente, a ampliação do âmbito do recurso, impugnando a decisão da matéria de facto, formulando as seguintes conclusões:
«I. Se o Recorrente considerasse, verdadeiramente, como começa por alegar, em jeito de introdução, que o Tribunal a quo não se tinha pronunciado acerca da “(…) suficiência ou insuficiência do motivo justificativo constante do próprio contrato de trabalho que lhe havia sido requerido teria retirado as ilações correspondentes - que não retirou -, arguindo a invalidade da sentença por (alegada) falta de pronúncia do Tribunal a quo “sobre questões que devesse apreciai”, ao abrigo do disposto na alínea d) do n.° 1 do artigo 615.° do Código de Processo Civil (“CPC”);
II. A propósito da alegada invalidade formal da cláusula justificativa do termo, cumpre, em primeiro lugar, dizer que não procede a seguinte afirmação do Recorrente: “nenhum dos pretensos factos [indicados na cláusula justificativa do termo do contrato] constitui uma tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro”',
III. A referência à alínea g) do n.° 2 do artigo 140.° do CT, que consta tanto no contrato inicialmente firmado como na respetiva renovação, justifica-se claramente pela circunstância de estar em causa uma reorganização a título experimental da unidade produtiva da Recorrida, reorganização essa cuja validade e manutenção seria (e foi) avaliada no final do período indicado no contrato (estava, pois, evidentemente em causa a execução de uma tarefa precisamente definida e não duradoura);
IV. Do mesmo modo e em segundo lugar, não procede a afirmação do Recorrente de que “(...)a recorrida(...) decidiu contratar o ora recorrente em virtude de um pretenso projecto de reorganização das unidades fabris da Europa, projeto esse que apelidou de temporário e experimental, mas que não concretiza ou explica com factos concretos porque razão esse projecto tinha natureza temporária e experimental
V. Diga-se, a este título e antes de mais, que o que importa é que os termos utilizados na justificação do termo sejam suficientemente concretizados para permitir aferir da existência da necessidade temporária invocada;
VI. Isto é, neste caso, o essencial era que a indicada “reorganização temporária e a título experimental das unidades de produção da Europa” (o tal “projeto”) pudesse ser objeto, como foi, de uma verificação externa que permitisse aferir se a mesma era verdadeira, o que se confirmou (cfr. factos constantes das alíneas M) a AL) da matéria dada como provada);
VII. Com efeito, conforme tem vindo a defender a jurisprudência do STJ, “(...) a necessidade legal de justificação surge em função da possibilidade de certeza no controlo judicial da realidade do fundamento. Isto é, importa que a formulação da justificação contenha uma “chave de leitura” precisa e concreta (sem possibilidade de (re)invenção do caso) que permita o controlo judicial. Nas palavras de BB (in Direito do Trabalho, ed. 1ª, pg. 314), é necessário que a indicação requerida permita a verificação externa da conformidade da “situação concreta” com a tipologia legal. No caso, entendemos que a justificação mencionada permite estabelecer esse controlo externo" (cfr. Acórdão do STJ de 2 de dezembro de 2013 (Relator CC), in www.jurisprudencia.pt);
VIII. Em terceiro lugar e na mesma senda, não colhe esta afirmação do Recorrente: “a recorrida também não concretiza nem explica no motivo justificativo porque razão o pretenso projecto de reorganização das unidades fabris da Europa conduzia a necessidades extraordinárias nas diferentes áreas produtivas, implicando a implementação de equipas piloto polivalentes (...) para formação on-job, como forma de garantir a execução de tarefas de carácter complexo”:
IX. As afirmações do Recorrente transcritas na conclusão anterior, respeitantes à alegada falta de concretização de factos justificativos do termo aposto, colidem com as seguintes passagens da cláusula justificativa do termo em análise, que explica, de forma vítrea, que o papel “das equipas piloto polivalentes" seria (foi) o de “colmatar as necessidades extraordinárias nas diferentes áreas produtivas”, necessidades essas decorrentes da “reorganização temporária e a título experimental das unidades de produção da Europa"];
X. Essa reorganização afetou o modo de organização produtiva da Ré (e das restantes unidades produtivas da Europa) e, portanto, saiu dos parâmetros habituais da atividade da empresa;
XI. Mais, conforme resulta da dita cláusula, o “projeto" que consistia na “implementação de equipas piloto polivalentes", obrigava à “contratação de pessoal [designadamente, do Recorrente] para formação on-job, de forma a garantir os meios humanos necessários à execução de tarefas de carácter complexo (....)”;
XII. Estas tarefas de carácter complexo, que se traduziam, designadamente em “Operação de “freezers”; Execução de operações e planos de manutenção autónoma; Controlo de qualidade na linha de produção; Rotinas de lubrificação; Mudanças de formato e de produto; Rotinas de limpeza e higienização”, ao contrário daquilo que o Recorrente pretende fazer crer, não faziam parte, anteriormente à implementação deste projeto, “do processo produtivo da recorrida", não resultando essa ideia do Recorrente “dos factos provados constantes das alíneas S;T;U;V da sentença ora em crise";
XIII. Dos factos dados como provados nas alíneas S), T), U) e V) da sentença resulta, precisamente (em especial do dado como provado na alínea S)), que a Recorrida queria aproveitar a parceria com a ... para “tentar assegurar um processo produtivo uniforme ao longo do ano, com vista a contrariar a sazonalidade, que caracteriza a sua actividade”, o que obrigaria à implementação das aludidas tarefas de carácter complexo, a realizar pelas “equipas piloto polivalentes” (cfr., designadamente, também, as alíneas X), AB), Al) a AK) da matéria de facto dada como provada);
XIV. Não restam, pois, dúvidas de que, com base na justificação constante da cláusula em análise, o Tribunal pôde aferir se a justificação apresentada correspondia ou não à realidade (e a verdade é que concluiu que a justificação apresentada era verdadeira, o que, aliás, o Recorrente, ao não sindicar a decisão sobre a matéria de facto, não põe em causa):
XV. Em quarto lugar, não se pode aderir às seguintes alegações do Recorrente: (i) a de que “a formulação usada pela ora recorrida impede-nos de saber qual era a duração do projeto, sabendo-se apenas que seria superior a 12 meses e que poderia ser para sempre” e (ii) a que, concluindo, diz que “é abusivo considerar-se que o/os motivo/s justificativo/os constante/es do texto do/os contrato/os de trabalho celebrados com o recorrente integra a al. g) do n°2 do art.° 140 do Código do Trabalho, uma vez que o pretenso projeto perfeitamente definido e não duradouro não é mais do que a restruturação do processo produtivo, restruturação essa que se manterá por um período não inferior a 12 meses, mas que poderá até ser definitiva, o que denota um caracter tendencialmente duradouro, como aliás a própria recorrida admite quando manifesta que tem "em vista uma decisão final sobre a sua implementação em definitivo";
XVI. Desde logo, há que salientar o paradoxo que resulta das passagens transcritas na conclusão anterior: como pode o Recorrente considerar que “a formulação usada pela recorrida impede-nos de saber qual era a duração do projeto” e, em simultâneo, reconhecer que consta dessa “formulação” que a reorganização do processo produtivo implementado a título experimental pela Recorrida “se manterá por um período não inferior a 12 meses”?;
XVII. Por outro lado e na mesma senda, não é verdade que “o motivo justificativo que pretende sustentar a contratação do recorrente não só não enuncia qualquer facto de onde se possa retirar a necessidade temporária que a recorrida alega - uma vez que alterações ao processo produtivo não são necessidades temporárias, como também não estabelece a necessária relação entre o motivo da contratação e o termo aposto no contrato”;
XVIII. A indicação do termo estipulado e do respetivo motivo justificativo, conforme exigido na alínea e) do n.° 1 do artigo 141.° do Código do Trabalho, constam claramente da cláusula justificativa do termo, a qual refere, de forma expressa, que a mencionada “reorganização [seria e foi] temporária e a título experimental", sendo esse projeto “avaliado quanto à sua performance e rentabilidade, num período que não se prevê inferior a 12 meses, tendo em vista uma decisão final sobre a sua implementação em definitivo nas diferentes unidades produtivas” (sublinhado da Recorrente);
XIX. Do mesmo modo, resulta da cláusula justificativa do termo do contrato (cfr. respetiva, cláusula 7.ª) - em conjugação com a cláusula 4.ª, respeitante à duração do contrato - que o período previsto para a duração dessa reorganização experimental da Recorrente seria equivalente ao da duração do contrato objeto dos presentes autos, estando assim estabelecido o nexo temporal entre as indicadas necessidades temporárias da empresa e a duração limitada do contrato, pelo que cumprida a exigência a que alude o n.° 3 do artigo 141.° do Código do Trabalho;
XX. Adiante-se, do mesmo modo (embora tal não tenha sido posto em causa pelo Recorrente), que, na renovação do contrato, também se faz alusão expressa ao termo estipulado, ao respetivo motivo justificativo e ao nexo entre ambos;
XXI. E a prova da veracidade dos motivos invocados, tanto para a celebração do contrato como para a sua renovação, resulta, conforme acima já se disse, designadamente das alíneas M) a AL) dos factos dados como provados, assim como das alíneas AM) a AT) dos mesmos factos dados como provados (os quais, repita-se, não foram postos em causa pelo Recorrente);
XXII. Em quinto lugar, embora seja verdade que “a alínea a) do n° 4 do art.º 140° Código do Trabalho será inaplicável ao motivo tal qual consta dos factos provados na alínea “D”, tal circunstância não tem o condão de pôr em causa a invalidade formal do termo estipulado no contrato objeto dos presentes autos;
XXIII. Conforme a Recorrida teve oportunidade de referir em sede de julgamento, a menção que se faz, na cláusula justificativa do termo, ao disposto na alínea a) do n.° 4 do artigo 140.° do CT, constituiu um lapso de escrita, o qual, no entanto, é, para efeitos de apreciação da validade do termo aposto no contrato, inócuo, uma vez que o Tribunal, na análise que tem de fazer ao preenchimento das exigências substantivas e formais a que alude o n.° 3 do artigo 141.° do CT, deve cingir-se à análise dos factos que integram o motivo justificativo do termo apresentado pela entidade empregadora;
XXIV. As exigências substantiva e formal contidas no n.° 3 do artigo 141.° do CT reportam-se somente à “descrição do motivo justificativo do termo, mediante a menção expressa dos factos que a integram”, não exigindo a indicação de qualquer referência às normas resultantes do n.° 2 do artigo 140.° do CT (cfr., nesse sentido, o Acórdão do STJ de 14 de março de 2007, Processo n.° 3410/06 (relator Sousa Grandão), in www.dgsi.pt);
XXV. Quanto ao pedido de ampliação do objeto do presente recurso, o mesmo funda-se no facto de a Recorrida, na sua Contestação, ter apresentado Pedido Reconvencional, requerendo que, caso se entendesse que a ação deveria ser julgada procedente - o que não sucedeu, e bem no entender da Recorrida -, fosse o aqui Recorrente obrigado a restituir o montante que lhe havia sido pago, a título de compensação pela caducidade do contrato de trabalho, no montante de € 1.052,08 - quantia essa que o Recorrente aceitou sem reservas (cfr. artigos 89.° a 97.° da Contestação);
XXVI. A sentença do Tribunal a quo, que julgou - e bem - a ação instaurada pelo Autor, aqui Recorrente, totalmente improcedente, não incluiu, na matéria de factos provados, o pagamento da compensação pela caducidade do contrato de trabalho, efetuada pela aqui Recorrida ao aqui Recorrente, no montante de € 1.052,08 (conforme alegado do artigo 89.° da Contestação);
XXVII. Isto, apesar de a Ré ter juntado com a Contestação o Documento n.° 4, que permitia comprovar o pagamento desta quantia, pela aqui Recorrida ao aqui Recorrente;
XXVIII. E, bem assim, apesar de o Tribunal ter admitido, em sede de Despacho Saneador, que, se fosse o caso, haveria lugar à compensação de créditos;
XXIX. Nestes termos, e tendo em conta que a Recorrida pretende acautelar os riscos de, em sede de recurso de apelação, o Tribunal ad quem proferir uma decisão favorável ao Recorrente (sem conceder), cumpre, à cautela, requerer a ampliação do objeto do Recurso no que respeita à matéria de facto dada como provada;
XXX. Porquanto é imprescindível, para acautelar os interesses da Recorrida, que o Tribunal considere como provado que foi paga ao Recorrente uma compensação pela caducidade do contrato de trabalho, no montante de € 1.052,08 (mil e cinquenta e dois euros e oito cêntimos);
XXXI. O n.° 2 do artigo 636.° do CPC confere a possibilidade à Recorrida de impugnar a decisão proferida sobre determinados pontos da matéria de facto, prevenindo a hipótese de procedência das questões suscitadas pelo Recorrente;
XXXII. Efetivamente, ainda que se entenda que o Recorrente foi objeto de um despedimento ilícito - o que, naturalmente, não se concede, mas pondera por mero dever de patrocínio - sempre se dirá que ao mesmo está vedada a possibilidade de exigir a condenação da Recorrida na sua reintegração ou no cumprimento de outras consequências que tal ilicitude pudesse implicar;
XXXIII. É que, a ter existido tal despedimento ilícito, o mesmo foi aceite pelo Recorrente, porquanto recebeu integralmente, e sem reservas, a compensação prevista no artigo 366.º do Código do Trabalho, ex vi do número 2 do artigo 344.° do mesmo diploma legal;
XXXIV. Ao aceitar, sem reservas, tal compensação, e ao nunca ter devolvido tal quantia, o Recorrente viu precludido o seu direito de peticionar à ora Recorrida o pagamento de quaisquer quantias a título de compensação por putativo despedimento ilícito;
XXXV. Nos termos do disposto no n.° 2 do artigo 344.° do Código do Trabalho, à compensação devida pela cessação do contrato de trabalho a termo é aplicável o disposto no artigo 366.° do mesmo diploma legal;
XXXVI. Por sua vez, o número 4 do artigo 366.° do Código do Trabalho dispõe que “presume-se que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe do empregador a totalidade da compensação prevista neste artigo” (cfr., neste sentido, o Tribunal da Relação de Évora, em Acórdão datado de 11.03.2021, proferido no âmbito do processo 218/20.0T8STB.E1, www.dasi.pt. que se aplica, mutatis mutandis, à situação sub judice);
XXXVII. Ora, face ao supra exposto, facilmente se conclui que a não inclusão, pelo douto Tribunal a quo, na matéria de facto dada como provada, do efetivo pagamento, pela Recorrida, da compensação por caducidade do contrato de trabalho, ao Recorrente, bem como do seu efetivo recebimento, pelo Recorrente, coloca a Recorrida numa posição fragilizada, devendo tal facto ser incluído nessa matéria (cfr., a este título, ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA, Luís FILIPE PIRES DE SOUSA, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, Almedina, p. 763. Vide também o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 12.07.2022, proferido no âmbito do Processo n.° 601/20.0T8CNT.C1; o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 26.05.2022, proferido no âmbito do Processo n.° 02326/21.0BEBRG; o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 31.03.2022, proferido no âmbito do Processo n.° 1612/17.9T8LRA.C1.S1 e; o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 22.06.2022, proferido no âmbito do Processo n.° 4280/17.4T8MTS.P3.S1, todos in www.dgsi.pt;
XXXVIII. Termos em que, se requer que seja aditado à matéria de facto dada como provada, a título subsidiário, seguinte facto: “A Ré pagou ao Autor, a título de compensação pela caducidade do contrato de trabalho objeto dos presentes autos, a quantia de € 1.052,08 (mil e cinquenta e dois euros e oito cêntimos), compensação esta que o Autor recebeu sem quaisquer reservas”;
XXXIX. Sem conceder, sempre deverá o Tribunal ad quem, estando na posse de todos os elementos para apreciar as questões prejudicadas, entre as quais a existência da compensação efetuada e consequente aceitação do despedimento por parte do Recorrente, fazê-lo, ou, ao invés, remeter o processo para o douto Tribunal a quo (cfr. o número 2, do artigo 665.° do CPC);
XL. A propósito do pedido de ampliação do objeto do presente recurso, está em causa a interpretação e aplicação dos artigos 344.° e 366.° do Código do Trabalho, do artigo 376.° do Código Civil e dos artigos 413.° e 607.° do CPC.»
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O recorrente, não se pronunciou sobre a requerida ampliação do âmbito do recurso.
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O recurso foi corretamente admitido em 1ª instância.
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Recebido o recurso neste tribunal, o Ministério Público emitiu parecer concluindo que o contrato de trabalho objeto dos autos deve ser considerado como se celebrado sem termo e a cessação do contrato de trabalho ser tida como despedimento ilícito, e de que é viável, aditar-se a matéria de facto como requerido pela Recorrida, com os efeitos pretendidos pela Recorrida.
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Nem o recorrente, nem a recorrida se pronunciaram sobre o parecer.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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Delimitação do objeto do recurso
Resulta das disposições conjugadas dos arts. 639.º, nº 1, 635.º e 608.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do disposto pelo art.º 1.º, n.º 1 e 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho, que as conclusões delimitam objetivamente o âmbito do recurso, no sentido de que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas pelas partes (delimitação positiva) e, com exceção das questões do conhecimento oficioso, apenas sobre essas questões (delimitação negativa).
A este respeito importa, desde já, que o tribunal se pronuncie sobre a ampliação do âmbito do recurso requerida pela recorrida nas suas contra-alegações.
Dispõe o art.º 635.º do Código de Processo Civil:
«1 - No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.
2 - Pode ainda o recorrido, na respetiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas.
3 - Na falta dos elementos de facto indispensáveis à apreciação da questão suscitada, pode o tribunal de recurso mandar baixar os autos, a fim de se proceder ao julgamento no tribunal onde a decisão foi proferida.»
A ampliação do âmbito do recurso destina-se (apenas) a permitir que o tribunal de recurso possa conhecer de fundamento da ação (integrante da causa de pedir) ou da defesa (exceção) não considerado ou julgado desfavoravelmente na decisão recorrida que, apesar disso, com base em diverso fundamento, tenha julgado procedente a pretensão do recorrido (assim se prevenindo a possibilidade de, por força do recurso, vir a ser considerado improcedente o fundamento com base no qual este obteve ganho de causa no tribunal a quo)1.
A recorrida pretende, através da ampliação que requereu, que seja aditado à matéria de facto o recebimento pelo recorrente da compensação paga com fundamento na caducidade do contrato de trabalho (que alegou na contestação), de modo a que este tribunal conclua que face ao disposto pelos arts. 344.º, n.º 2 e 366.º, n.º 4 do Código do Trabalho, tendo o recorrente aceite o despedimento está impedido de o impugnar.
A aceitação do despedimento constitui matéria de exceção, que não sendo do conhecimento oficioso, a recorrida estava obrigada a invocar na contestação, nos termos do art.º 573.º do Código de Processo Civil, no qual se encontra consagrado o princípio da concentração da defesa.
Compulsados os autos, verifica-se, contudo, que a ré na contestação não arguiu a mencionada exceção, pelo que, limitando-se a possibilidade da ampliação do âmbito do recurso à apreciação de fundamentos que hajam sido invocados pelo recorrido, tal ampliação não é admissível, motivo pelo qual se decide dela não conhecer, sem prejuízo quanto à alteração da matéria de facto do que dirá mais adiante.
Assim, são as seguintes as questões a decidir:
1 - se o contrato de trabalho deve ser considerado sem termo por insuficiência do motivo justificativo para a sua celebração a termo;
2 – se o recorrente foi ilicitamente despedido;
3 – determinação das consequências da declaração de ilicitude do despedimento.
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Fundamentação de facto
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
«A) - O autor foi contratado pela ré em 22/08/2018, através da celebração de um contrato denominado de trabalho a termo certo, cuja cópia consta de fls. 11 v° a 12 v° dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, com a duração de 12 meses, destinado a vigorar a partir da data da sua celebração.
B) - Tendo-lhe sido atribuída a categoria de “Semi-Especializado”.
C) - Cujas funções tinham “carácter planificado e bem definido, nomeadamente mecânico, manual e rotineiro”.
D) - A cláusula sétima do contrato, referido em A), sob a epígrafe Justificação do termo, tinha a seguinte redacção:
«O presente contrato a termo certo é celebrado ao abrigo do disposto no n° 1, alínea g) do n° 2 e na alínea a) do n° 4 do art° 140°, do Código do Trabalho, e tem como fundamento a reorganização temporária e a título experimental das unidades de produção da Europa, com implementação de equipas piloto polivalentes, para colmatar as necessidades extraordinárias nas diferentes áreas produtivas. Neste âmbito, toma-se necessário e imprescindível a contratação de pessoal para formação on-job, de forma a garantir os meios humanos necessários à execução de tarefas de carácter complexo, nomeadamente:
Operação de “freezers”;
Execução de operações e planos de manutenção autónoma;
Controlo de qualidade na linha de produção;
Rotinas de lubrificação;
Mudanças de formato e de produto;
Rotinas de limpeza e higienização;
Este projecto será avaliado quanto à sua performance e rentabilidade, num período que não se prevê inferior a 12 meses, tendo em vista uma decisão final sobre a sua implementação em definitivo, nas diferentes unidades produtivas.».
E) - O contrato, referido em A), foi renovado em 22/08/2019 por mais 12 meses, conforme renovação cuja cópia consta de fls. 10 e 11 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
F) - Passando o autor a desempenhar a actividade correspondente à categoria de “Especializado”.
G) - A cláusula sétima da renovação, referida em E), sob a epígrafe Justificação do termo, tinha a seguinte redacção:
«A presente Renovação do Contrato de Trabalho a Termo Certo é celebrada ao abrigo do disposto no n° 1, alínea g) do n° 2 e na alínea a) do n° 4 do art° 140°, do Código do Trabalho, e tem como fundamento a reorganização temporária e a título experimental das unidades de produção da Europa, com a implementação de equipas piloto polivalentes, para colmatar as necessidades extraordinárias nas diferentes áreas produtivas. Neste âmbito, toma- se necessário e imprescindível a contratação de pessoal para a formação on-job, de forma a garantir os meios humanos necessários à execução de tarefas de carácter complexo, nomeadamente:
Operação de “freezers”;
Execução de operações e planos de manutenção autónoma;
Controlo de qualidade na linha de produção;
Rotinas de lubrificação;
Mudanças de formato e de produto;
Rotinas de limpeza e higienização;
Este projecto será avaliado quanto à sua performance e rentabilidade, num período que não se prevê inferior a 12 meses, tendo em vista uma decisão final sobre a sua implementação em definitivo, nas diferentes unidades produtivas.».
H) - Por comunicação da ré datada de 06/08/2020, cuja cópia consta de fls. 13 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, o contrato celebrado com o autor cessou no final do novo prazo de 12 meses, em 21/08/2020.
I) - À data da cessação do contrato, o autor mantinha a categoria profissional de “Especializado”.
J) - E auferia a retribuição mensal ilíquida de € 877,93.
K) - O capital social da ré é detido a 100% pela sociedade por quotas com a firma “...”.
L) - Através da ré, a sociedade “...”, dedica-se, entre outras actividades, à exploração das indústrias de produtos alimentícios e ao exercício do respectivo comércio, à exploração do comércio e indústria frigorífica nomeadamente o fabrico de gelados, produtos congelados e outros produtos alimentícios, semipreparados, ou conservados, e ainda de confeitaria e pastelaria com intervenção da técnica da utilização do frio.
M) - Na segunda metade de 2017, começou a ser negociada uma parceria entre o grupo ... e o grupo ..., a nível europeu, através da qual o primeiro se obrigaria a fabricar para o segundo gelados da marca Kinder.
N) - Esta parceria, que se estimava que implicasse, já em 2018, um aumento de vendas de gelados em toda a Europa, obrigaria à coordenação e reorganização das onze fábricas de gelados europeias que trabalham para a ..., entre as quais a fábrica da ora ré, com vista à redistribuição das tarefas produtivas entre as mesmas.
O) - A produção dos gelados Kinder da ... ficaria a cargo das fábricas da Alemanha e Itália.
P) - Dado o volume expectado de produção de tais gelados, parte da produção de gelados OLÁ que, até à data, era realizada pelas duas fábricas referidas, teria de ser alocada a outras fábricas europeias, entre as quais a da ré, em Santa Iria da Azoia.
Q) - Essa alocação obrigaria a ré a aumentar a produção de gelados OLÁ, em especial dos gelados “Cometto”, “Carte D’Or” e “Magnum”.
R) - A expectativa que a ré tinha, para os anos seguintes, face às implicações que para si teria a parceria com a ..., era a de aumentar a produção de gelados, alcançando os seguintes números:
a) 38000 Litons em 2018;
b) 40000 Litons em 2019;
c) 40000 Litons em 2020.
S) - A Ré aproveitou a parceria acima indicada, para tentar assegurar um processo produtivo uniforme ao longo do ano, com vista a contrariar a sazonalidade, que caracteriza a sua actividade.
T) - A fábrica de Santa Iria da Azoia é a mais pequenas das onze fábricas que fornecem o grupo ....
U) - Produz sobretudo para a Península Ibérica, na qual o consumo de gelados efectua-se principalmente durante os meses de Maio a Agosto.
V) - No caso da fábrica de Santa Iria da Azoia, à sazonalidade, acresce a descontinuidade e imprevisibilidade da necessidade de produção de gelados, que advêm da circunstância da fábrica desempenhar um papel de auxiliar (“back-up”) das outras fábricas europeias.
W) - Era previsível, em consequência da parceria com a ..., que a ré aumentasse entre 10% e 12% a sua produção anual e depois a mantivesse.
X) - Através da constituição de equipas polivalentes, compostas por trabalhadores que tivessem capacidade para trabalhar em todas as oito linhas de produção, a ré passaria a ter nos seus quadros permanentes um número de trabalhadores que lhe permitisse dar resposta aos desafios correntes, aos sazonais e mesmo aos imprevisíveis.
Y) - Para tal, entre Setembro e Outubro de 2017, contratou 49 trabalhadores para a fabrica de gelados de Santa Iria da Azoia, com contratos de trabalho a termo certo.
Z) - São as seguintes as oito linhas de produção da fábrica:
a) Linha “Big Drum”, na qual se fabricam gelados “Comettos”;
b) Linha “RIA4”, na qual se fabricam gelados tipo “Perna de Pau”;
c) Sala de “Mixes”;
d) Linha “Gram”, na qual se fabricam copos vários;
e) Linha “Hoyer”, na qual se fabricam gelados “Carte D’Or”;
f) Linha “GramSL”, na qual se fabricam gelados “Magnum”;
g) Linha “Calippo”, na qual se fabricam gelados “Calippo”;
h) Linha WCB, na qual se fabricam couvettes de hotelaria de 5,5 Litros Scooping.
AA) - Em Agosto de 2018, o autor foi contratado para formação “on-job”, de forma a garantir meios humanos com competências mais técnicas.
AB) - O objectivo era o de, em regime de formação “on job”, dotar os trabalhadores contratados de competências transversais a todas as oito linhas da unidade produtiva da ré, fazendo-os rodar entre eles pelas diferentes máquinas e de acordo com as necessidades e competências respectivas.
AC) - No primeiro ano, a parceria com a ... teve sucesso.
AD) - Face ao impacto que a parceria com a ... estava a ter na actividade da ré e às expectativas que esta tinha quanto à implementação das equipas piloto polivalentes, a mesma decidiu, em Agosto/Setembro de 2018, reforçá-las com mais 7 elementos (entre os quais o autor), que contratou através de contratos de trabalho a termo certo.
AE) - Em 2018, o autor esteve afecto às seguintes linhas:
a) Nas primeiras duas semanas esteve a ter um conhecimento geral;
b) “Big Drum”;
c) “Gram”;
d) “RIA4”.
AF) - Em 2019, o autor esteve afecto às seguintes linhas:
a) “Big Drum”;
b) “RIA4”;
c) “Hoyer”.
AG) - Em 2020, o autor esteve afecto à linha “Big Drum”.
AH) - A formação “on job” do autor foi realizada sob a supervisão do trabalhador DD.
AI) - A formação “on-job” versou sobre as seguintes tarefas de carácter complexo:
a) Operação de “freezers”, que consiste em operar um equipamento que introduz no gelado líquido, ar e frio e, desta forma, transforma o gelado que está no estado líquido numa massa pastosa, que será posteriormente trabalhada em cada uma das máquinas;
b) Execução de operações e planos de manutenção autónoma, que consistem em executar diversas tarefas de manutenção nas máquinas, tarefas essas que são descritas detalhadamente nas rotinas de manutenção;
c) Controlo de qualidade na linha de produção, que consiste no controlo de qualidade do produto, no que concerne ao respectivo peso, volume, controlo organolético, aspecto geral dos produtos relevante para os consumidores (CRQS);
d) Rotinas de lubrificação, ou seja, lubrificação dos diversos componentes das linhas de produção, conforme descrito nas instruções de trabalho das rotinas de lubrificação;
e) Mudanças de formato e de produto, que se traduzem em alterar parte dos equipamentos das linhas de produção, por forma a produzir um novo produto; pode significar activar e desactivar parte das linhas de produção;
f) Rotinas de limpeza e higienização, que se traduzem na lavagem e limpeza das linhas de produção, linhas de enchimento, túnel de congelação e chão e desinfecção de toda a linha no final.
AJ) - Para além disso, executou planos de treino específico, designadamente, para condutor da linha “Big Drum”, entre Dezembro de 2018 e Maio de 2019.
AK) - Até à data da cessação do contrato, o autor continuou a desempenhar as suas funções em regime de formação “on job”, sob a supervisão do trabalhador DD.
AL) - No momento da formalização da renovação, a perspectiva era a de que, por força da parceria com a ..., o volume de produção, em 2019 e 2020, aumentasse face a 2018.
AM) - Após a assinatura da “Renovação do Contrato de Trabalho a Termo Certo”, referida em E), a ré procedeu à avaliação da performance e rentabilidade do projecto experimental das unidades de produção.
AN) - E chegou à conclusão de que seria mais rentável implementar, a partir de 2020, um projecto de automação de várias linhas.
AO) - A ré, com o reforço da implementação das equipas piloto polivalentes, em 2018, tinha uma expectativa de aumento da rentabilidade de cerca de 10%, sendo que, de 2018 para 2019, teve um aumento de rentabilidade de 5%.
AP) - A rentabilidade nesses termos obtida, que, em 2018, era de cerca de 55%, passou para cerca de 59%, em 2019.
AQ) - Por força da pandemia da COVID-19 e da cessação da parceria com a ..., a ré chegou à conclusão de que não seria possível atingir os planos de produção para 2020.
AR) - E foi confirmado o não atingimento desses objectivos, pois em 2020 a ré produziu apenas cerca de 34000 Litons.
AS) - O que teve um impacto negativo nos resultados operacionais de 2020, que foram negativos em cerca de € 1.500.000,00.
AT) - A ré deu a conhecer ao autor, aquando da celebração do contrato inicial e da sua renovação, os motivos que fundamentavam os respectivos termos.»
*
Apreciação
Antes da apreciação das questões supra enunciadas, importa que o tribunal se pronuncie sobre a eventual alteração oficiosa da matéria de facto.
Com efeito, nos termos do disposto pelo art.º 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil «A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.»
A Relação tem efectivamente poderes de reapreciação da matéria de facto decidida pela 1ª instância, impondo-se-lhe, não apenas a (re)análise dos meios de prova produzidos em 1ª instância, no que respeita à prova sujeita à livre apreciação do julgado, desde que o recorrente cumpra os ónus definidos pelo art.º 640.º CPC, mas também, e antes de mais, a consideração da matéria de facto que se encontre plenamente provada por acordo das partes nos articulados, por documentos ou por confissão reduzida a escrito nos termos do art.º 607º, nº 4 CPC, desde que relevantes para a decisão a proferir atentas todas as soluções jurídicas possíveis.
Trata-se neste último caso de uma atuação oficiosa da Relação relativamente à matéria de facto que se encontre plenamente provada, em obediência à aplicação das regras de direito probatório material (cfr. arts. 354.º e 358.º, 371.º, n.º 1 e 376.º, n.º 1, todos do Código Civil e 574.º, nºs 2 e 3 e 587º, n.º 1 CPC).
Ora, na contestação/reconvenção a recorrida alegou no art.º 89.º que «pagou ao Autor, a título de compensação pela caducidade do contrato de trabalho objeto dos presentes autos, a quantia de € 1.052,08 (mil e cinquenta e dois euros e oito cêntimos), conforme resulta do Documento n.º 4 que aqui se junta e se dá por integralmente reproduzido.»
O autor pronunciou-se aceitando ter recebido a dita quantia e aceitando que fosse operada a compensação da mesma com o valor das retribuições a pagar pela recorrida em consequência da ilicitude do despedimento.
Está assim, demonstrado por acordo das partes (art.º 574.º, n.º 2, aplicável por remissão do art.º 587.º, ambos do Código de Processo Civil) o que a ré alegou quanto ao pagamento da compensação.
Determina-se, pois, o aditamento á matéria de facto provada do seguinte facto:
AU) – A ré pagou ao autor, que a recebeu, a título de compensação pela caducidade do contrato de trabalho objeto dos presentes autos, a quantia de € 1.052,08 (mil e cinquenta e dois euros e oito cêntimos).
Por outro lado, das informações prestadas pela Segurança Social e pela Autoridade Tributária, que não foram objeto de qualquer contestação pelas partes, resulta que o autor recebeu subsídio de desemprego no valor de € 5 802,77 (cinco mil oitocentos e dois euros e setenta e sete cêntimos) no período de Agosto de 2020 até Janeiro de 2021 e que a partir de Janeiro de 2021 o autor passou a auferir rendimento de trabalho dependente.
Nessa medida, importa ainda aditar à matéria de facto provada o seguinte:
AV) - O autor recebeu subsídio de desemprego no valor de € 5 802,77 (cinco mil oitocentos e dois euros e setenta e sete cêntimos) no período de Agosto de 2020 até Janeiro de 2021.
AW) – A partir de Janeiro de 2021 o autor passou a auferir rendimento de trabalho dependente.
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Cumpre agora apreciar se o contrato de trabalho que vigorou entre as partes deve ser considerado sem termo por insuficiência do motivo justificativo para a sua celebração a termo.
Vejamos!
O tribunal a quo considerou que naquele contrato, contrariamente ao defendido pelo autor foi validamente indicado o motivo justificativo da estipulação do termo, como se extrai do que ficou referido nas cláusulas contratuais relativas à justificação do termo em confronto com o disposto nos arts. 140°, n° 1, e 149°, ambos do CT. Sendo certo que a ré logrou provar a veracidade do fundamento.
Entende o recorrente que a estipulação do termo é formalmente inválida por insuficiência do motivo justificativo constante do contrato, sendo, consequentemente ilícita a cessação do contrato de trabalho que lhe foi comunicada pela recorrida.
Fazemos aqui um parêntesis para esclarecer, uma vez que tal questão foi suscitada pela recorrida nas contra-alegações, que efetivamente, apesar de o recorrente dizer que o tribunal a quo só aparentemente pronunciou sobre a validade ou invalidade formal do motivo justificativo, nem foi invocada a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, ao abrigo do art.º 615.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil, nem tal nulidade se verifica, uma vez que, ainda que sem desenvolvimentos, o tribunal conclui na sentença que o motivo justificativo da celebração do contrato a termo foi validamente indicado no contrato e na sua renovação, tendo-se, consequentemente pronunciado sobre o tema.
Regressando à apreciação da questão supra identificada, importa salientar que ficou provado que:
«A) - O autor foi contratado pela ré em 22/08/2018, através da celebração de um contrato denominado de trabalho a termo certo, cuja cópia consta de fls. 11 v° a 12 v° dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, com a duração de 12 meses, destinado a vigorar a partir da data da sua celebração.
B) - Tendo-lhe sido atribuída a categoria de “Semi-Especializado”.
C) - Cujas funções tinham “carácter planificado e bem definido, nomeadamente mecânico, manual e rotineiro”.
D) - A cláusula sétima do contrato, referido em A), sob a epígrafe Justificação do termo, tinha a seguinte redacção:
«O presente contrato a termo certo é celebrado ao abrigo do disposto no n° 1, alínea g) do n° 2 e na alínea a) do n° 4 do art° 140°, do Código do Trabalho, e tem como fundamento a reorganização temporária e a título experimental das unidades de produção da Europa, com implementação de equipas piloto polivalentes, para colmatar as necessidades extraordinárias nas diferentes áreas produtivas. Neste âmbito, toma-se necessário e imprescindível a contratação de pessoal para formação on-job, de forma a garantir os meios humanos necessários à execução de tarefas de carácter complexo, nomeadamente:
Operação de “freezers”;
Execução de operações e planos de manutenção autónoma;
Controlo de qualidade na linha de produção;
Rotinas de lubrificação;
Mudanças de formato e de produto;
Rotinas de limpeza e higienização;
Este projecto será avaliado quanto à sua performance e rentabilidade, num período que não se prevê inferior a 12 meses, tendo em vista uma decisão final sobre a sua implementação em definitivo, nas diferentes unidades produtivas.».
E) - O contrato, referido em A), foi renovado em 22/08/2019 por mais 12 meses, conforme renovação cuja cópia consta de fls. 10 e 11 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
F) - Passando o autor a desempenhar a actividade correspondente à categoria de “Especializado”.
G) - A cláusula sétima da renovação, referida em E), sob a epígrafe Justificação do termo, tinha a seguinte redacção:
«A presente Renovação do Contrato de Trabalho a Termo Certo é celebrada ao abrigo do disposto no n° 1, alínea g) do n° 2 e na alínea a) do n° 4 do art° 140°, do Código do Trabalho, e tem como fundamento a reorganização temporária e a título experimental das unidades de produção da Europa, com a implementação de equipas piloto polivalentes, para colmatar as necessidades extraordinárias nas diferentes áreas produtivas. Neste âmbito, toma- se necessário e imprescindível a contratação de pessoal para a formação on-job, de forma a garantir os meios humanos necessários à execução de tarefas de carácter complexo, nomeadamente:
Operação de “freezers”;
Execução de operações e planos de manutenção autónoma;
Controlo de qualidade na linha de produção;
Rotinas de lubrificação;
Mudanças de formato e de produto;
Rotinas de limpeza e higienização;
Este projecto será avaliado quanto à sua performance e rentabilidade, num período que não se prevê inferior a 12 meses, tendo em vista uma decisão final sobre a sua implementação em definitivo, nas diferentes unidades produtivas.».
Em conformidade com o princípio da segurança no emprego consagrado no artigo 53º da Constituição Portuguesa, só excepcionalmente o legislador laboral admite a celebração de contratos a termo.
As exceções àquele princípio são as situações em que está em causa a satisfação de necessidades temporárias da empresa e pelo período estritamente necessário à sua satisfação (art.º 140º, nº 1 do C.T.), nomeadamente, as previstas no art.º 140°, n° 2 do Código do Trabalho (doravante CT) estatuindo-se no art.º 141º do mesmo Código que o contrato de trabalho a termo está sujeito a forma escrita, devendo ser assinado por ambas as partes e conter entre outras a indicação do termo estipulado e do respetivo motivo justificativo, a qual deve ser feita pela menção expressa dos factos que integram aquele motivo, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado (art.º 140º, nº 1, al. e) e nº 3 do C.T.), sob pena de o contrato se considerar sem termo (art.º 147, nº 1º, al. c) do C.T.).
Trata-se de uma exigência que visa o controlo externo da legalidade da contratação a termo e cuja justificação última se encontra no citado princípio constitucional.
Tal formalidade só se cumpre, pela indicação em concreto dos factos que integram qualquer uma das situações em que é admissível a contratação a termo, ou seja, uma qualquer situação de necessidades temporárias da empresa e que permita estabelecer a relação entre a justificação invocada e a duração do contrato, não se bastando com a mera reprodução do texto legal ou com a indicação genérica ou vaga (cfr. art.º 141.º, n.º 1, al. e n.º 3 do Código do Trabalho).
Porque nos afigura esclarecedor reproduzimos aqui o teor do Ac. RP de 05/06/2023, acessível em www.dgsi.pt), onde se pode ler seguinte: «a contratação a termo tem no nosso ordenamento jurídico natureza excecional – como tinha anteriormente, seja no âmbito do pretérito DL 64-A/89 (LCCT), seja no âmbito do Código do Trabalho de 2003 –, apenas sendo admissível desde que, cumulativamente, se verifiquem os seguintes requisitos: um primeiro, de natureza formal, nos termos do qual o contrato terá de ser celebrado por escrito, dele devendo constar as indicações previstas no artigo 141.º, n.º 1, do CT, entre as quais, no que aqui poderá interessar, a indicação do termo estipulado e do respetivo motivo justificativo [nº 1, al. e)], dispondo ainda o nº 3 que para efeitos da alínea e) do nº 1, a indicação do motivo justificativo do termo deve ser feita com menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado; um segundo requisito, este de natureza material, nos termos do qual apenas é admissível a sua celebração se verificada alguma das situações previstas no artigo 140.º do CT/2009, entre as quais se conta, no que ao caso importa, o “Acréscimo excecional de atividade da empresa” (alínea f), do seu n.º 1).
Também como é consabido, a lei atribui à inobservância dos requisitos de forma, bem como a celebração de contrato de trabalho a termo fora das situações legalmente previstas, a consequência de que o contrato de trabalho celebrado a termo seja considerado como sem termo (artigo 147.º, n.º 1, als. b) e c), do CT/2009), sendo que, a propósito, importa também salientar que a fundamentação formal do contrato se constitui como formalidade de natureza ad substantiam, o que é reconhecido face a ratio que a ela preside, assim a de permitir que possam ser sindicadas as razões invocadas pela empregadora para justificar a contratação a termo(1).
A respeito da exigida menção do motivo justificativo no contrato, porque melhor não o faríamos, socorrendo-nos do que a esse respeito se fez constar do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de fevereiro de 2017(2), pelo que diremos também, seguindo esse Aresto, que essa menção do motivo deve ser feita “com a menção expressa dos factos que o integram, por forma a estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado, conforme estabelece o artigo 141º, nº 1, alínea e), e nº 3”, visando-se como este requisito “um duplo objetivo: a verificação externa da conformidade da situação concreta com a hipótese legal ao abrigo da qual se contratou, por um lado; e por outro, a averiguação acerca da realidade e adequação da justificação invocada face à duração estipulada, porquanto o contrato a termo – nas palavras de Monteiro Fernandes[1] – …só pode ser (validamente) celebrado para certos (tipos de) fins e na medida em que estes o justifiquem”. Daí que, como mais uma vez se refere no citado Acórdão, ocorra “a invalidade do termo se o documento escrito omite ou transcreve de forma insuficiente as referências respeitantes ao termo e ao seu motivo justificativo, face à prescrição do artigo 147º, nº 1, alínea c)”, para depois aí se concluir, no que ao caso importa, como veremos mais tarde, “que as fórmulas genéricas constantes das várias alíneas do nº 2 do art.º 140º do Código do Trabalho têm de ser concretizadas em factos que permitam estabelecer a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado, por forma a permitir a verificação externa da conformidade da situação concreta com a tipologia legal e que é real a justificação invocada e adequada à duração convencionada para o contrato” – “Por isso, tal indicação deve ser feita de forma suficientemente circunstanciada para permitir o controlo da existência da necessidade temporária invocada pela empresa no contrato, possibilitando também, quanto àquelas necessidades temporárias, que se comprove que o contrato a termo é celebrado pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades[3], cabendo ao empregador a prova dos factos que justificam a celebração de contrato de trabalho a termo, conforme prescreve o n.º 5 do mencionado artigo 140º.»
No caso dos autos a recorrida fez apelo às disposições do art.º 140.º, n.º 2, al. g) do Código do Trabalho e do mesmo artigo no seu n.º 4, al. a).
O art.º 140.º, nº. 2, al. g) do Código do Trabalho dispõe que:
«Considera-se, nomeadamente, necessidade temporária da empresa: (…) g) Execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro”.
Por sua vez, o n.º 4, al. a) do citado art.º 140.º dispõe que:
“Além das situações previstas no n.º 1, pode ser celebrado contrato de trabalho a tero certo para: a) Lançamento de nova atividade de duração incerta, bem como início do funcionamento de empresa ou de estabelecimento pertencente à empresa com menos de 250 trabalhadores, nos dois anos posteriores a qualquer desses factos.”
Apesar do alegado pela recorrida nas contra-alegações, não existe qualquer evidência de que a menção no contrato à al. a) do n.º 4, do art.º 140.º do Código do Trabalho constitua um mero lapso de escrita, nem tal resulta da matéria de facto provada. De resto, muito se estranharia que, a ser um lapso de escrita, o mesmo tivesse sido reiterado na renovação do contrato.
No caso, face ao que consta do contrato como justificação para a celebração do contrato a termo, não se pode, porém, considerar sequer aplicável aquela disposição legal, no que, de resto, as partes estão de acordo.
Na verdade, a «reorganização temporária e a título experimental das unidades de produção da Europa, com implementação de equipas piloto polivalentes» não corresponde ao lançamento de nova atividade e nem se coloca a questão de início de funcionamento da empresa ou estabelecimento.
De resto, a celebração de contrato a termo nestas situações não é compatível com a aplicação de qualquer das situações a que se refere o n.º 1 do art.º 140.º, nomeadamente com a prevista na al. g), igualmente invocada no contrato, pois aqui, como veremos de forma mais detalhada adiante, exige-se como justificação a execução de tarefa ocasional ou serviço, cuja duração esteja previamente determinada e no caso do n.º 4, os fundamentos para a contratação a termo assentando em razões de diminuição de risco empresarial e de política de emprego, não têm de corresponder à satisfação de necessidades temporárias do empregador, nem carecem de uma correlação entre o fundamento e o prazo2.
Assim, importa aferir se foi cumprida a exigência de indicação do motivo justificativo, ou seja, se foi feita a indicação expressa no contrato dos concretos factos suscetíveis de se reconduzirem à previsão da al. g) do n.º 2 do art.º 140.º do Código do Trabalho
Refere-se este preceito à execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro. Trata-se de permitir a contratação a termo em dois núcleos de situações:
a) quando está em causa a execução de tarefa que não corresponde à normal atividade da empresa;
b) quando está em causa serviço (estranho ou não à atividade da empresa) que têm uma duração transitória pré-determinada, um serviço de duração limitada3.
A este respeito, transcreve-se o que ficou dito no Ac. STJ de 17/03/20164, citando Alice Pereira de Campos5: «Estas situações correspondem a todas aquelas em que está em causa uma actividade que não faz parte da actividade normalmente desenvolvida na empresa e que Abílio Neto definiu como trabalho eventual. Estas actividades contrapõem-se às previstas na alínea anterior, na medida em que naquelas está em causa o desenvolvimento da actividade normal da empresa, mas em quantidade anormal, enquanto nestas a própria actividade é anormal, atendendo ao tipo de trabalho habitualmente desenvolvido pelo empregador. Ali está em causa uma alteração quantitativa, aqui uma alteração qualitativa.
Conforme previsto nesta norma, uma vez que a actividade a desenvolver tem um carácter isolado, a mesma deve estar perfeitamente definida no contrato. É necessário identificar com a maior precisão possível a tarefa ou serviço que o trabalhador contratado a termo vai desenvolver na empresa, sob pena de não estar suficientemente relacionada a aposição do termo e a duração do contrato com a actividade contratada, o que levará à nulidade do termo.»
Ora, o que consta do contrato celebrado entre o recorrente e a recorrida como justificação da contratação não pode subsumir-se à previsão legal em apreço, já que a “reorganização temporária e a título experimental das unidades de produção da Europa, com implementação de equipas piloto polivalentes, para colmatar as necessidades extraordinárias nas diferentes áreas produtivas (…)”, visando a ré a contratação de pessoal para formação com vista (“…) a garantir os meios humanos necessários à execução de tarefas de (…) Operação de “freezers”; Execução de operações e planos de manutenção autónoma; Controlo de qualidade na linha de produção; Rotinas de lubrificação; Mudanças de formato e de produto; Rotinas de limpeza e higienização”, não constitui uma qualquer alteração qualitativa relativamente à normal atividade da recorrida, correspondendo à sua atividade normal.
Apenas resulta de tal justificação que teria ocorrido ou estaria em curso uma reorganização das unidades de produção da Europa, nada se dizendo quanto ao facto de tal reorganização determinar a execução de qualquer tarefa estranha à atividade da ré. Mesmo as concretas tarefas que se identificam no contrato, não estão descritas em termos que permitam concluir serem estranhas às normais tarefas desempenhadas pela ré. Alías, nem sequer resulta do texto contratual se durante o período de tempo em causa, se manteria ou não, em simultâneo a atividade da ré, executada pelos trabalhadores que até aí a tinham cumprido.
Também não resulta do contrato que estivesse em causa uma situação transitória que, mesmo que não fosse estranha à normal atividade da recorrida, tivesse duração pré-determinada. Pelo contrário, parece estar em causa uma situação com duração desconhecida, ainda que não inferior a 12 meses, já que ao fim desse período, a recorrida se propunha reavaliar os resultados com vista a uma decisão final sobre a sua implementação em definitivo. Ou seja, se os resultados fossem os pretendidos, as modificações seriam incorporadas definitivamente no processo produtivo da ré, caso os resultados não fossem os pretendidos, desconhece-se o que aconteceria. Sabe-se, no entanto, que, no caso concreto, aquele período de 12 meses foi ampliado para mais 12, já que o contrato foi renovado por mais 12 meses.
Conclui-se, pois, que a justificação invocada pela recorrida não é subsumível à previsão da al. g) do n.º 2 do art.º 140.º do Código do Trabalho, por não constituir uma tarefa ocasional ou um serviço determinado precisamente definido e não duradouro.
Mas mesmo que assim não se entendesse, seria inultrapassável o incumprimento da exigência de indicação dos factos concretos que integram a justificação.
Com efeito concordamos com o recorrente. O que consta do contrato celebrado entre o recorrente e a recorrida como justificação da contratação é uma indicação vaga e genérica que não constitui qualquer concretização das necessidades de contratação, da sua excecionalidade, nem de necessidades temporárias de contratação.
Quanto à reorganização das unidades de produção, não resulta do contrato em que é que a mesma se traduziria, isto é, porque é que a implementação de equipas piloto polivalentes corresponde a uma forma diferente de organização das unidades de produção. Muito menos se percebe face ao teor do contrato quais as necessidades das diferentes áreas de produção que tais equipas iriam colmatar. Também não se percebe qual o motivo pelo qual as ditas necessidades vêm qualificadas de extraordinárias. E pergunta-se, porque não poderiam as mesmas ser supridas pelos trabalhadores da recorrida? E as tarefas cuja execução se pretendia garantir eram tarefas novas, eram tarefas diferentes das desempenhadas pelos trabalhadores da ré? Não tinham estes trabalhadores formação para as desempenhar?
Por fim, também não se percebe qual o motivo pelo qual a dita reorganização determinaria uma necessidade transitória de trabalhadores durante, pelo menos 12 meses, resultando do contrato apenas que o projeto seria avaliado quanto à sua performance e rentabilidade, num período que não se prevê inferior a 12 meses. E perguntamos nós o projeto seria avaliado, previsivelmente, ao fim de 12 meses ou a avaliação seria feita, quando o fosse, mas por referência a um período de 12 meses? e porquê um período de 12 meses e não de 6 ou 18 meses?
Sem que do contrato constassem os factos concretos suscetíveis de responder a estas interrogações, nunca se poderia considerar satisfeita a exigência de menção expressa de factos integradores do motivo justificativo do termo, e da relação entre a justificação invocada e o termo estipulado.
Assim sendo, face ao disposto pelo art.º 147º, nº 1 al. c) do Código do Trabalho, independentemente da prova de factos em que pudesse assentar a contratação do recorrente a termo, sempre o contrato dos autos terá de ser considerado sem termo.
Por outro lado, importa referir que a falta de concretização do motivo justificativo ou a sua insuficiência não pode ser suprida pela alegação dos factos pertinentes na contestação da ação em que a questão se suscite. Na verdade, a indicação do motivo no clausulado contratual constitui uma formalidade “ad substanciam” (cfr. Ac. STJ de 02/12/2013, Ac. RL de 14/04/2010, Ac. RL de 24/02/2015 e Ac. RP de 05/06/20236).
Daí que seja até irrelevante7 a matéria de facto que foi considerada provada na sentença a esse respeito, após julgamento.
Conclui-se, pois, que o contrato de trabalho celebrado pelo recorrente e pela recorrida terá de se considerar sem termo, nos termos das disposições legais supracitadas, o que determina que a cessação do mesmo, operada pela recorrida através da comunicação de 06/08/2020 se reconduza efetivamente a um despedimento ilícito.
Na verdade, tratando-se nos autos de um contrato por tempo indeterminado e não de um contrato com termo, a respetiva cessação, da iniciativa do empregador, pressupunha o cumprimento das formalidades do despedimento por facto imputável ao trabalhador, por inadaptação ou por extinção de posto de trabalho, nenhuma delas tendo sido cumprida.
A cessação do contrato procedeu, pois, de uma mera comunicação, unilateral, o que se reconduz ao despedimento ilícito do autor (art.º 381.º, al. d) do C.T. aprovado pela Lei 7/2009 de 12/02), com as consequências previstas pelos arts. 389.º a 392.º do mesmo Código.
De facto, tal como afirmado no citado Ac. STJ de 28/04/2010, «Considerando-se o contrato de trabalho sem termo, é o mesmo insusceptível de licitamente cessar por caducidade fundada no decurso do tempo.»
O despedimento do autor é, pois, ilícito, atento o disposto pelos arts. 338º e 381º, al. c) do Código do Trabalho, o que determina as consequências previstas pelos arts. 389º, 390º e 391º do Código do Trabalho, impondo-se a este tribunal a sua determinação.
Assim, não tendo o autor exercido o direito de opção a que se refere o art.º 391.º, tem o mesmo direito a ser reintegrado no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, nos ternos do disposto pelo art.º 389.º, al. b) do Código do Trabalho.
O autor tem ainda direito à compensação a que alude o art.º 390º do mesmo Código, correspondente às retribuições, incluindo subsídios de férias e de Natal, que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal.
A esse valor haverá, porém, que deduzir:
- nos termos do art.º 390º, nº 2, al. b) do Código do Trabalho, a retribuição correspondente ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da acção, pois a mesma não foi proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento, sendo assim devidas as retribuições desde 28/04/2021 (a acção deu entrada em juízo em 28/05/2021 e o despedimento produziu efeitos em 21/08/2020;
- nos termos do art.º 390º, nº 2, al. c) do Código do Trabalho, o montante do subsídio de desemprego que o autor recebeu desde o despedimento até Janeiro de 2021, no valor de € 5 802,77 (cinco mil oitocentos e dois euros e setenta e sete cêntimos), incumbindo à empregadora entregar essa quantia à Segurança Social de acordo com aquela disposição legal;
- nos termos do art.º 390.º, n.º 2, al. a) do Código do Trabalho, as quantias que o autor auferiu com a cessação do contrato de trabalho e que não receberia se não fosse o despedimento, nomeadamente o valor de € 1 052,08 (mil e cinquenta e dois euros e oito cêntimos) que recebeu a título de compensação pela caducidade do contrato de trabalho e as remunerações que recebeu partir de 28/04/2021.
Não sendo, contudo, possível determinar qual o valor das remunerações auferidas pelo recorrente a título de trabalho dependente durante todo o período relevante (de 28/04/2021 até ao trânsito em julgado), a liquidação da compensação a pagar pela recorrida deverá ser efetuada após o trânsito em julgado do presente acórdão ao abrigo do disposto pelos arts. 609º, nº 2 e 358º, nº 2, ambos do Código de Processo Civil.
Às retribuições que compõem a compensação, acrescem juros de mora, à taxa legal, desde o vencimento de cada uma das retribuições até efetivo e integral pagamento nos termos do disposto pelos arts. 804º, 805º, nº 2, al. a), 559º do Código Civil e Portaria nº 291/03 de 08/04 (revê-se, nesta matéria, o entendimento por nós seguido em 1.ª instância).
Tendo, contudo, os juros sido pedidos apenas a partir da citação, atento o disposto pelo art.º 609.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os juros serão devidos desde a citação quanto às retribuições vencidas antes dela e só daí em diante desde o vencimento de cada retribuição.
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Faremos, por fim, uma breve nota apenas para afirmar que, mesmo que a ampliação do âmbito do objeto do recurso requerida pela recorrida tivesse sido admitida, a decisão não seria diferente, pois, como se pode ler no Ac. desta Relação de 25/10/2023 «O disposto no artigo 366.º, n.º 4, do Código do Trabalho de 2009 (presunção de aceitação do despedimento colectivo) não é aplicável aos casos de pagamento da compensação devida pela caducidade de contrato de trabalho que foi celebrado a termo, nem esse pagamento impede a posterior impugnação judicial da validade do termo aposto ao contrato de trabalho.»
Conclui-se, assim, pela procedência do recurso, impondo-se a revogação desta e a sua substituição pelo presente acórdão.
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Decisão
Por todo o exposto, acorda-se:
I - aditar à matéria de facto os pontos AU), AV), e AW), com a redação suprarreferida;
II - revogar a sentença, que se substitui pelo presente acórdão, condenando-se a recorrida a:
a) reintegrar o recorrente no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;
b) pagar ao recorrente a compensação a liquidar após trânsito em julgado, correspondente às retribuições que aquele deixou de receber desde 28/04/2021 até ao trânsito em julgado do presente acórdão, deduzida do subsídio de desemprego no valor de € 5 802,77 (cinco mil oitocentos e dois euros e setenta e sete cêntimos), a entregar pela recorrida à Segurança Social e das retribuições auferidas pelo recorrente como trabalhador dependente, a partir de 28/04/2021 até ao trânsito em julgado do presente acórdão;
c) a pagar ao recorrido os juros de mora à taxa legal, sobre cada uma das retribuições vencidas, desde a citação quanto às vencidas antes desta, daí em diante, desde o vencimento de cada retribuição, até integral pagamento.
Custas da ação e do recurso pela recorrida – art.º 527.º do Código de Processo Civil.
Nos termos do art.º 663.º, n.º 7 CPC, anexa-se o sumário do presente acórdão.
Notifique.
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Lisboa, 20/12/2023
Maria Luzia Carvalho
Maria José Costa Pinto
Francisca Mendes
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1. Ac. STJ de 22/06/2022, acessível em www.dgsi.pt.
2. Ac. RL de 17/05/2023, acessível em www.dgsi.pt.
3. A este propósito veja-se Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, pag. 629, Júlio Gomes, Direito do Trabalho, Vol. I, Relações Individuais de Trabalho, 2007, Coimbra Editora, pag. 596 e Jorge Leite, Contrato de trabalho a prazo: direito português e direito comunitário, questões laborais, Ano XIII, 2006, pag. 12.
4. Acessível em www.dgsi.pt.
5. Contrato de Trabalho a Termo, Universidade Católica, 2013, pag. 79.
6. Todos acessíveis em www.dgsi.pt.
7. Entre outros, Ac. RP de 27/02/2023, acessível em www.dgsi.pt.