Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1047/21.9T8TVD.L1-4
Relator: SÉRGIO ALMEIDA
Descritores: DESPEDIMENTO
INDEMNIZAÇÃO POR ANTIGUIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/06/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I - Não se vislumbrando qualquer forma de cessação do contrato da iniciativa do trabalhador, nomeadamente denuncia ou resolução, a comunicação da R. feita à Segurança Social de que o contrato cessou por denúncia do trabalhador quando este não estava a laborar na sequência de um acidente de trabalho sofrido, não tendo também a empregadora diligenciado para lhe proporcionar o acesso a funções compatíveis com o seu estado de saúde, tem o sentido de um despedimento sem justa causa.
II. Nestas circunstâncias, e considerando que o vencimento base do A. era reduzido, não merece censura a fixação da indemnização de antiguidade pelo máximo de 45 dias/ano.
(Pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
Autor (A.): AAA
Ré (R.) e recorrente:  BBB
O A. demandou a R. alegando, no essencial, que foi admitido ao serviço da Ré em novembro de 2017, para exercer as funç̧ões de motorista de pesados, em trajeto nacional e internacional, auferindo a retribuição base de 557,00 €; no dia 17.09.2018 sofreu um acidente de trabalho na sequência do qual a companhia lhe deu alta médica em 01.03.2019; após esta data compareceu junto da Ré, sendo encaminhado para consulta da Medicina do Trabalho realizada em 29.03.2019, tendo sido considerado inapto para as funções que desempenhava, sendo chamado para novo exame realizado em 11.12.2019, que novamente o declarou inapto para a função que exercia; veio sempre indagando junto da Ré que recusava a sua prestação de trabalho considerando-o inapto e não lhe pagava retribuição, dizendo que teria de resolver a situação em tribunal; em dezembro de 2020 foi informado que a Ré, em fevereiro de 2020 havia remetido à Segurança Social declaração de cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, o que é falso e consubstancia um despedimento ilícito, sem justa causa e processo disciplinar; desde março de 2019 que a Ré não lhe paga qualquer quantia a título de remuneração; relativamente às férias de 2018 apenas gozou 11 dias, de 17 a 31 de agosto e não gozou as férias de 2019, 2020 e 2021; enquanto esteve em serviço efetivo para a Ré trabalhou as seguintes horas noturnas: novembro de 2017: 15h46; dezembro de 2017: 80h39; janeiro de 2018: 129h21; fevereiro de 2018: 117h09; março de 2018: 109h53; abril de 2018: 105h44; maio de 2018: 132h20; junho de 2018: 109h49; julho de 2018: 119h52; agosto de 2018: 20h52; setembro de 2018: 62h54; trabalhou nos feriados de 08.12.2017, 30.03.2018, 01.04.2018, 25.04.2018, 01.05.2018, 31.05.2018.
Com estes fundamentos pediu que seja declarada a nulidade do seu despedimento, por ilícito, e a condenação da Ré a pagar-lhe (1) uma indemnização de antiguidade, calculada ao abrigo do disposto no art. 391º do Código de Trabalho, à data no valor de 2.992,50 €, devendo acrescer o tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, acrescida de juros legais desde a data da citação até integral pagamento; (2) a quantia 38.535,76 € referente a prestações pecuniárias vencidas e não pagas, bem como todas as vincendas até à data do trânsito em julgado da sentença e a liquidar em execução desta, tudo acrescido de juros à taxa legal até integral pagamento, sendo a quantia já vencida desde a data da citação e as prestações vincendas desde a data em que se forem vencendo, compreendendo aquele montante total: 
. €25.601,40 (€ 635,00€ + €313.20 clausula 74º, n.º 7 x 21) + (€ 665,00 + € 313.20 x 6) relativo às retribuições vencidas e não pagas desde março de 2019 até à instauração da ação;
. € 474,10 relativos a retribuição por férias não gozadas em 2018;
. € 948,20 relativos a retribuição por férias não gozadas em 2019;
. € 948,20 relativos a retribuição por férias não gozadas em 2020;
. € 948,20 relativos a retribuição por férias não gozadas em 2021;
. € 948,20 relativos a subsídio de férias de 2019;
. € 948,20 relativos a subsídio de férias de 2020; 
. € 948,20 relativos a subsídio de férias de 2021;
. € 758,56 relativos a proporcionais de férias e subsídio de férias;
. € 1.596,00 (€ 665,00 +€ 665,00 + € 266,00) relativos a subsídios de natal dos anos de 2019 e 2020 e proporcionais;
. € 4.188,70 de acréscimo de retribuição por trabalho noturno;
. € 227,80 de retribuição pelo trabalho prestados em feriados.
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Não havendo conciliação, a ré contestou, pedindo a improcedência da ação e a sua absolvição do pedido, tendo impugnado parcialmente os factos alegados pelo Autor e alegando, em síntese, que o Autor incorre em abuso de direito ao peticionar o pagamento de quantias alegadamente devidas pelo trabalho noturno e trabalho prestado em feriados, quando as mesmas foram pagas a título de “Ajudas de Custo TIR” e “Ajudas de Custo Int”, face a um acordo celebrado entre as partes, mais favorável para o trabalhador; como contraprestação pelo seu trabalho foi acordado com o Autor para além da retribuição base, o pagamento de uma parte variável, identificada como “Clausula 74, n.º 7”; “Ajudas de custo Int”; e, “Ajudas de Custo Tir.”; após a avaliação da consulta de medicina do trabalho realizada em 29.03.2019 o Autor não mais compareceu ao serviço, nem manifestou qualquer interesse em saber se poderia novamente ser avaliado e em comunicar à Ré o seu estado evolutivo de saúde; através da pessoa de confiança do Autor, seu primo, a Ré teve notícias de que este não queria vir mais trabalhar e que se tinha despedido e numa das deslocações efetuadas pelo Autor às instalações da Ré, o mesmo referiu de forma séria e convicta junto do departamento administrativo, que não pretendia regressar à empresa para desempenhar as suas funções laborais, face ao que a Ré promoveu a comunicação de cessação de atividade do Autor, junto da Segurança Social, como denúncia do contrato por iniciativa do trabalhador, pelo que o contrato cessou por denúncia da iniciativa do trabalhador e não por despedimento ilícito, sendo improcedentes as pretensões indemnizatórias do Autor; uma vez que o contrato de trabalho se suspendeu em virtude do acidente de trabalho sofrido pelo Autor nos termos do art.º 296 do CT, não se venceram as férias do Autor e respetivos subsídios de férias e de natal; nada é devido a título de trabalho noturno e trabalho prestado em feriados por já ter sido pago sob a descrição “Ajudas de Custo TIR” e “Ajudas de Custo Int”, por acordo entre as partes; de qualquer modo, considerando o numero de horas noturnas trabalhadas, menor do que as alegadas, apenas seriam devidos €1.752,84 e esse título.
*
Saneados os autos e efetuado o julgamento, o Tribunal julgou a ação parcialmente procedente, declarou que o Autor foi ilicitamente despedido pela Ré com efeitos reportados a 01.12.2020, e condenou a Ré a pagar ao Autor:
a) as retribuições, incluindo subsídios de férias e de natal, que o Autor deixou e deixará de auferir, desde 09.05.2021, até ao trânsito em julgado desta decisão, às quais deverão ser deduzidas as importâncias que comprovadamente tenha auferido nesse mesmo período com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, e ainda os valores recebidos a título de subsídio de desemprego, os quais deverão ser entregues pela Ré à Segurança Social, valores cuja determinação se relega para posterior liquidação em incidente a deduzir após o trânsito em julgado desta decisão, nos termos do artigo 358o e ss. do C.P.C., acrescido de juros de mora à taxa legal, vincendos após a data da liquidação;
b) uma indemnização em substituição da reintegração no valor de € 952,50 (novecentos e cinquenta e dois euros e cinquenta cêntimos) por cada ano completo de antiguidade ou fração, contada desde 31.10.2017 até ao trânsito em julgado da sentença, a quantificar em posterior liquidação em incidente a deduzir após o trânsito em julgado desta decisão, nos termos do artigo 358º e ss. do C.P.C., acrescido de juros de mora à taxa legal, vincendos após a data da liquidação;
c) a quantia ilíquida de € 26.952,82 (vinte e seis mil novecentos e cinquenta e dois euros e oitenta e dois cêntimos), relativa aos créditos salariais discriminadas no quadro constante de fls. 25 desta sentença, acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos desde 23.06.2021 e vincendos até integral pagamento;
No mais absolveu a Ré.
*
Inconformada, a R. apelou, tendo concluído:
(…)
*
Contra-alegou o A., pedindo a improcedência do recurso e concluindo:
(…)
*
O Mº Pº teve vista e pronunciou-se pela improcedência do recurso.
As partes não responderam ao parecer.
Foram colhidos os vistos legais.
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FUNDAMENTAÇÃO
Cumpre apreciar neste recurso – considerando que o seu objecto é definido pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, e exceptuando aquelas cuja decisão fique prejudicada pela decisão dada a outras, art.º 684/3, 660/2 e 713, todos do Código de Processo Civil – se a decisão da matéria de facto merece a censura feita (caso, previamente, se apure que foram suficientemente cumpridos os ónus de  impugnação da decisão da matéria de facto, previstos no art.º 640 do CPC); se não houve despedimento mas denúncia do contrato pelo trabalhador; se há abuso de direito da parte do trabalhador; se, caso não procedam aquelas questões, a indemnização de antiguidade calculada é excessiva.
*
a) Do recurso da matéria de facto
(…)
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A R. pretende que se tenha por não provada a seguinte factualidade:
(…)
Destarte, concluímos que a decisão de facto recorrida não merece censura, improcedendo o recurso da decisão da matéria de facto.
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Factos provados :
1) O Autor foi admitido ao serviço da Ré em 31.10.2017, com a categoria profissional de motorista de pesados, para sob as ordens e direção da Ré exercer as funções de motorista de pesados, realizando percursos de trajeto nacional e internacional, auferindo inicialmente a retribuição base de € 557,00;
2) Em novembro e dezembro de 2017, para além da retribuição base de € 557,00, a Ré pagou também ao Autor as seguintes quantias mensais:
€ 313,20 a título de “Clausula 74, n.º 7”;
€ 169,22 sob a designação de “Ajudas de Custo Int”;
€ 107,50 sob a designação de “Ajuda de Custo Tir”;
€ 46,42 relativa a duodécimos do subsídio de férias;
€ 46,42 relativa a duodécimos do subsídio de natal;
3) Entre janeiro e setembro de 2018, para além da retribuição base de € 580,00, a Ré pagou também ao Autor as seguintes quantias mensais:
€ 313,20 a título de “Clausula 74, n.º 7”;
€ 142,35 sob a designação de “Ajudas de Custo Int”, com exceção do mês de setembro em que o montante foi de € 62,17;
€ 107,50 sob a designação de “Ajuda de Custo Tir”;
€ 48,33 relativa a duodécimos do subsídio de férias;
€ 48,33 relativa a duodécimos do subsídio de natal;
4) No dia 17 de setembro de 2018, quando prestava a sua atividade, o Autor sofreu um acidente de trabalho que foi participado à companhia de seguros, a qual reconheceu ao Autor incapacidades temporárias para o trabalho decorrentes do acidente que se prolongaram até 01.03.2019, data em que a seguradora lhe concedeu alta médica, reconhecendo-lhe uma incapacidade permanente parcial de 3%, vindo tal acidente a dar origem a processo de acidente de trabalho que correu seus termos no Juízo do Trabalho de Torres Vedras - Processo: 579/19.3T8TVD;
5) Após 01.03.2019 o Autor compareceu junto da Ré mas, porquanto não se sentia em condições de desempenhar as suas funções, foi encaminhado para exame pela Medicina do Trabalho, realizado na Clínica Dr. ..., ...., em 29.03.2019, na sequência do qual foi considerado inapto para as funções que desempenhava;
6) Após a realização dessa consulta o Autor deslocou-se novamente aos escritórios da Ré para comunicar o resultado do exame e saber se a empresa lhe iria atribuir algum trabalho, o que não sucedeu;
7) Por iniciativa do Autor, em 11.12.2019 o mesmo realizou novo exame pela Medicina do Trabalho na Clínica Dr. ..., ..., tendo sido novamente considerado inapto para a função que exercia;
8) Após a realização dessa nova avaliação o Autor deslocou-se novamente às instalações da Ré para comunicar o resultado da mesma e novamente a Ré não apresentou qualquer solução de trabalho ao Autor;
9) Depois de se ter apresentado nas instalações da Ré nos termos referidos no ponto 5) e de ter realizado e comunicado à Ré as avaliações feitas pela medicina do trabalho, a Ré, considerando-o inapto para o trabalho, não mais lhe atribuiu quaisquer funções nem procurou identificar funções compatíveis com as suas limitações físicas;
10) Depois da deslocação referida em 8) o Autor não mais regressou às instalações da Ré;
11) A Ré comunicou à Segurança Social a cessação do contrato de trabalho do Autor por iniciativa do trabalhador com efeitos reportados a 29.02.2020;
12) Em dezembro de 2020, como a sua companheira se deslocou à segurança social para tratar de assuntos atinentes a subsídio de desemprego, o Autor, aproveitando a ocasião, indagou se as suas contribuições estavam em dia, tendo então sido informado que a Ré tinha comunicado a cessação do seu contrato nos termos referidos no ponto anterior;
13) Ao contrário do que a Ré comunicou à Segurança Social, o Autor não denunciou o seu contrato de trabalho, não tendo comunicado à Ré qualquer decisão no sentido de lhe pôr termo;
14) Nos meses de março de 2019 e seguintes a Ré não pagou qualquer quantia ao Autor a título de remuneração;
15) Relativamente às férias de 2018 o Autor apenas gozou 12 dias, de 16 a 31 de agosto e não gozou férias nos anos de 2019 e 2020;
16)O Autor trabalhou nos seguintes feriados: 08.12.2017; 30.03.2018; 01.04.2018; 25.04.2018; 01.05.2018; 31.05.2018.
*
O Tribunal a quo julgou não provado que:+
1) Após a concessão da alta pela seguradora o Autor veio sempre indagando junto da Ré como estaria a sua situação;
2) Relativamente às férias de 2018 o Autor apenas gozou 11 dias, de 17 a 31 de agosto;
3) O Autor trabalhou as seguintes horas noturnas: novembro de 2017: 15h46; dezembro de 2017: 80h39; janeiro de 2018: 129h21; fevereiro de 2018: 117h09; março de 2018:109h53; abril de 2018: 105h44; maio de 2018: 132h20; junho de 2018:109h49; julho de 2018: 119h52; agosto de 2018: 20h52; setembro de 2018: 62h54;
4) O exame médico feito pela medicina do trabalho em 29.03.2019 foi realizado a pedido do Tribunal de Trabalho;
5) Após a avaliação feita pela medicina do trabalho em 29.03.2019 o Autor não manifestou qualquer interesse em saber se poderia novamente ser avaliado pela entidade responsável pela medicina do trabalho da Ré - ..., ..., nem qualquer interesse em comunicar à Ré o seu estado evolutivo de saúde;
6) A Ré teve notícias de que …, primo do Autor e pessoa da confiança do mesmo, afirmou que o Autor não queria ir mais trabalhar e que se tinha despedido;
7) Numa das deslocações efetuadas às instalações da Ré, o Autor referiu, verbalmente, junto do departamento administrativo da Ré “(na pessoa que trata dos assuntos de Recursos Humanos, a Sr.ª ...)”, de forma séria e convicta, que não pretendia regressar à empresa para desempenhar as suas funções laborais, demonstrando uma vontade inegável de fazer cessar o contrato de trabalho que vigorava;
8) A Ré promoveu a comunicação de cessação de atividade do Autor junto da Segurança Social, nos termos referidos no ponto 11) dos factos provados, devido aos factos referidos nos dois pontos anteriores;
9) O Autor trabalhou as seguintes horas noturnas: novembro de 2017: 21h15m; dezembro de 2017: 0h00m; janeiro de 2018: 46h15m; fevereiro de 2018: 50h45m; março de 2018: 50h15m; abril de 2018: 52h15m; maio de 2018: 57h30m; junho de 2018: 50h45m; julho de 2018: 56h30m; agosto de 2018: 6h30m; setembro de 2018: 27h15m;
10) O trabalho noturno e o trabalho prestado pelo Autor em feriados foi pago a título de “Ajudas de Custo TIR” e “Ajudas de Custo Int”, em conformidade com acordo celebrado entre ambas as partes por ser um regime mais favorável para o Autor.
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De Direito
1. Denúncia do contrato
O art.º 340 do Código do Trabalho dispõe, como modalidades de cessação do contrato de trabalho (ressalvando ainda a existência de outras modalidades), 
a) Caducidade;
b) Revogação;
c) Despedimento por facto imputável ao trabalhador;
d) Despedimento coletivo;
e) Despedimento por extinção de posto de trabalho;
f) Despedimento por inadaptação;
g) Resolução pelo trabalhador;
h) Denúncia pelo trabalhador.
De aqui se extrai a existência de quatro modalidades do ponto de vista técnico-juridico:
a) a caducidade;
b) a revogação;
c) a resolução; e
d) a denuncia.
Neste sentido, previa a versão inicial do CT (2003), no art.º 384, a existência precisamente destas quatro modalidades.
A denúncia do contrato por iniciativa do trabalhador pode ocorrer nos termos dos art.º 400 e 401 do Código do Trabalho, devendo observar o período de aviso prévio, sob pena de ser devida uma indemnização ao empregador, não obstante a denuncia ser válida e eficaz. E deve ser expressa e observar a forma escrita (art.º 400/1, do CT), e de qualquer  modo há de ser inequívoca.
A denúncia também pode ser tácita. Com efeito, dentro da classificação quadripartida das causas de cessação do contrato laboral o abandono do trabalho tem a natureza de uma denúncia tácita, que se deduz do comportamento do trabalhador (face a um comportamento do qual se deduz com toda a probabilidade a vontade da parte - art.º 217.º, n.º 1, Código Civil). O abandono é uma figura que enquadra “as situações em que… o trabalhador assume uma postura reveladora de que não pretende a manutenção do vínculo contratual” (cfr. O Abandono do Trabalho, do ora relator, in Revista de Direito e Estudos Sociais, Janeiro-Dezembro 2010, 138).
Podemos enunciar destarte as suas características[1]:
a) é um incumprimento contratual unilateral e voluntário, consubstanciado de ordinário numa falta de comparência do trabalhador[2],[3];
b) a ausência é qualificada, de tal modo que da sua materialidade extrai-se inequivocamente a intenção de pôr fim à relação laboral, distinguindo-se por isso de uma ausência vulgar;
c) é eficaz para fazer cessar os efeitos do contrato;
d) e é ilícita e susceptível de gerar responsabilidade civil[4].
No entanto, como resulta do disposto no art.º 403 do Código do Trabalho, o abandono tem dois pressupostos
1 – objetivo – ausência do trabalhador no local e tempo de trabalho (…);
2 – subjetivo – a existência de factos que, com toda a probabilidade revela a intenção de não retomar a atividade (animus extintivo)” (idem, 143-144).
É preciso, naturalmente, que o empregador prove estes dois pressupostos (art.º 344/2, CC).
Se, porém, beneficiar da presunção, nem sequer carecerá de provar os factos de onde se extrai o animus extintivo.
Não poderá, porém, beneficiar da presunção caso existam elementos concretos que ponham em causa a existência de vontade da resolução.
É que ao abandono não basta a materialidade da conduta omissiva traduzida na não comparência no local de trabalho; é preciso que tal ausência seja qualificada pela intenção que dos factos (extintiva) que se deduz dos factos.
Muitos casos há em que inexiste a vontade de por fim ao contrato, apesar de existir ausência.
Quando, por exemplo:
a) desconhece onde é o local de trabalho – v.g. após suspensão do contrato ou na sequência de sentença que declarou ilícito o despedimento (ac. STJ de 24.10.2002, Mário Torres; RL, acórdão de 6.2.2, Sarmento Botelho);
b) vai de férias convencido que tal lhe é permitido;
c) está de baixa ou incapacitado por qualquer motivo comunicado ao empregador, mesmo que olvide juntar oportunamente prorrogações de baixa – desde logo atenta a suspensão do contrato passados 30 dias - art.º 296/1, Código do Trabalho (ac. STJ de 10.07.96, Carvalho Pinheiro, RC de 12-02-2009, Fernandes da Silva; RL, ac. de 6.12.2000, Manuela Gomes);
d) aguarda contacto após determinação judicial de reintegração;
e) a entidade patronal o dispensa do dever de assiduidade e não chama ou revê tal situação (RC, 17.02.2002, Serra Leitão; RL. de 22.09.99, Andrade Borges);
f) o empregador recusa receber o atestado médico;
g) a trabalhadora ausenta-se por motivo de nascimento de filho (RP, ac. 9.5.2007, Fernanda Soares);
h) a empregadora manda o trabalhador para casa até lhe ser dada nova ordem, ou indicado local de trabalho, ou até que obtenha “alta” da seguradora ou de outra entidade;
i) é suspenso por decisão judicial em procedimento cautelar movido pela empregadora;
j) não comparece apenas por considerar ter sido despedido (RP. 31.05.99, Machado Silva);
m) não comparece porque foi suspenso pelo empregador em sede disciplinar;
n) tem o contrato de trabalho suspenso (ac. STJ de 16.02.2000, Diniz Nunes; RP 10.02.2003, Sousa Peixoto);
o) está impedido por doença do conhecimento do empregador (ac. STJ de 10.07.1996, Carvalho Pinheiro)[5].
Da factualidade assente não resulta, ao contrário do que pretende a R., qualquer  denuncia do A., que não expressou a vontade de pôr termo ao contrato, e muito menos o fez por escrito. Logo, não há nenhuma denuncia expressa.
Dir-se-á: fê-lo tacitamente, deixando de comparecer para trabalhar. Abandonou, em suma, o trabalho.
Só que isto não está correto. Primeiro, a R. não pode invocar o abandono, porquanto não demonstrou ter feito a comunicação a que alude o art.º 403/3, do Código do Trabalho. E não se diga que não o invoca porque, se pretende que existe uma denúncia tácita do trabalhador, na verdade invoca o abandono, ainda que não lhe chame tal.
E depois, não resulta minimamente provado da factualidade assente o animus extintivo, i. é, a vontade do A. de pôr fim ao contrato através do abandono, considerando que o A. teve um acidente de trabalho na sequencia do qual se manifestou incapacitado de desempenhar as suas tarefas habituais.
A R. não pode sequer afirmar desconhecer esta situação, da qual estava inteirada.
Em suma, não se vislumbra denuncia expressa, escrita ou verbal, e nem tácita (abandono).
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Poderá discutir-se se houve não denúncia mas resolução por parte do A.
A resolução por iniciativa do trabalhador é uma manifestação de vontade dirigida ao empregador pela qual o prestador da atividade põe termo ao contrato com fundamento em alegada justa causa (art.º 394/1, CT). Deve ser feita por escrito, sob pena de o trabalhador poder ser responsabilizado pelos prejuízos causados, até porque só dessa forma poderá provar os factos que constituem justa causa (art.º 389).
Ora, também não se vê qualquer  manifestação de vontade dirigida à R. nesse sentido, pelo que não ocorreu qualquer  resolução, licita ou não, pelo trabalhador.
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A sentença recorrida, depois de afastar a caducidade do contrato por incapacidade do trabalhador (art.º 343/b, CT), invocando para tanto o disposto nos art.º 284/10 do CT, e 44/1, 155/1 e 161/1 da Lei dos Acidentes de Trabalho (Lei n.º 98/2009, de 4.9, LAT), que referem os deveres do empregador em caso de acidente de trabalho, nomeadamente diligenciar para lhe proporcionar um trabalho compatível, conclui que, ao afirmar que o contrato cessou por denúncia do trabalhador que, na realidade, não existiu, a R. despediu-o ilicitamente, tendo sido na verdade ela quem resolveu o contrato.
Decidiu bem: a cessação não foi da iniciativa do trabalhador mas da iniciativa da R., invocando uma inexistente denúncia. Há, pois, despedimento ilícito.
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Do abuso de direito
Pretende a R. que há abuso de direito do A. ao demandá-la quando foi ele quem denunciou o contrato.
De acordo o disposto no art.º 334.º do Código Civil, que rege o abuso do direito, "É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito".
"O abuso respeitará necessariamente a uma situação juridicamente reconhecida e tutelada" (cfr. Tatiana Almeida, nota ao art.º 334 do Código Civil, in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora). O exercício de posições jurídicas há de ter lugar de acordo com norma legal ou expressa, ou resultar dela ao menos reflexamente. Não podem ser tuteladas posições contrárias à lei (embora possam ser situações que estão para além da norma expressa), que violam os valores consagrados na lei, quer dizer, que no fundo vão contra a boa fé.
 Ora, de lado nenhum resulta que o A. quis pôr termo ao contrato. Mesmo a pretensão da R. de que aquele teria dito a uma funcionária sua, que não identifica, que não pretendia retomar a atividade, não se compagina com a conclusão que a R. pretende tirar no mesmo número de que dessa forma demonstrou "uma vontade inegável de fazer cessar o contrato de trabalho", quando se trata (1) de uma deslocação do trabalhador à empresa, (2) na sequência do acidente de trabalho que lhe causou incapacidade, (3) de uma pretensa afirmação verbal, e (4) perante o que será uma mera funcionária, que não se confunde com a R. nem a representa (e que, já agora, a R. não identifica). É-nos impossível censurar a sentença recorrida quando, a este propósito, exara, a propósito da convicção quanto ao ponto 13:
"Por outro lado, a Ré não fez de forma nenhuma tal prova de que o Autor tivesse colocado termo ao contrato de trabalho. Na verdade, em julgamento as suas testemunhas - ... e ... – sequer fizeram qualquer referência ao facto alegado na contestação de que teria existido um primo do Autor a comunicar que ele não queria mais ir trabalhar e se tinha despedido. E, no que respeita à alegação da Ré de que o Autor se teria deslocado às suas instalações e referido, verbalmente, de forma séria e convicta, que não pretendia regressar à empresa para desempenhar as suas funções laborais, demonstrando uma vontade inegável de fazer cessar o contrato de trabalho que vigorava, diremos desde logo que algo vai mal quando tal alegação é feita no sentido de que tal afirmação teria sido produzida perante a “pessoa que trata dos assuntos de Recursos Humanos, a Sr.ª ...” pois que não se entende como pode a Ré alegar na contestação o facto cujo conhecimento teria tido através de uma pessoa que aí não sabe identificar, assim deixando patentes sérias dúvidas quanto à veracidade do facto alegado.
E essas dúvidas não se dissiparam com a prova produzida (... de que o A.) não pretendia regressar à empresa para desempenhar as suas funções laborais, demonstrando uma vontade inegável de fazer cessar o contrato de trabalho, se teria afinal traduzido na alegada afirmação (pelo Autor) de que “se o seguro não lhe desse mais tratamentos de fisioterapia ia demitir-se” (descrição da testemunha ...) ou de que “se não tivesse mais fisioterapia se ia embora e não mais audiência. Pelo contrário! O que ali se apurou, de acordo com os depoimentos das referidas testemunhas ... e ... foi que, a pela Ré alegada afirmação séria e convicta do ia trabalhar” (descrição da testemunha ...). (...) De resto, é evidente que a própria Ré tinha consciência de que tais afirmações não traduziam qualquer declaração de extinção do contrato de trabalho de tal forma que a testemunha ... afirmou que ficaram a aguardar a oficialização do despedimento e que até tentaram ligar para o Autor para obter essa comprovação (o que não conseguiram)".
O trabalhador pode demandar a R. pelo que entende (com um mínimo de razoabilidade, atenta a avaliação de um homem médio, na situação e com o aconselhamento disponível) serem os seus direitos e créditos devidos.
Desta forma, é forçoso concluir pela inexistência de abuso de direito, não se  demonstrando haver qualquer atuação do A. que viole a boa fé.
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Do montante da indemnização
A R. insurge-se com a fixação da indemnização, resumindo-se o seu recurso a isto: será caso para fixar pelo máximo, como fez a sentença, o valor da indemnização?
A lei indica como critérios para essa valoração (art.º 396) o grau de ilicitude do comportamento do empregador e o valor da retribuição.
Verificamos que o A. auferia em 2018, antes do acidente, valores não muito significativos, que se poderiam designar por medianos (retribuição base mensal de 580,00 € e de outros valores referidos em 13, inferiores a 650,00 €).
A conduta omissiva da R. tem ilicitude acima da média: invocou uma forma de cessação do contrato imputável ao A. que, na realidade, inexistiu (além, naturalmente, de não ter procedimento disciplinar nem justa causa). E fê-lo até perante a Segurança Social.
Nada se vê que mitigue a sua culpa (não valendo como tal a afirmação de que "a R. apenas cessou as funções do A. porque este nunca mais compareceu ao serviço", quando bem sabia que o A. tinha tido um acidente de trabalho e quando ela própria, R., nada diligenciou, que se veja, para lhe conseguir posto de trabalho ou funções adequadas).
Face ao exposto, também aqui não se censura a sentença, que é correta e equilibrada.
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Desta sorte, o recurso é necessariamente improcedente, não merecendo censura a decisão recorrida.
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DECISÃO
Pelo exposto, o Tribunal julga improcedente o recurso e confirma a sentença recorrida.
Custas do recurso pela recorrente, sem prejuízo do beneficio judiciário.

Lisboa, 06.04.2022
Sérgio Almeida
Francisca Mendes
Celina Nóbrega
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[1] “O Abandono do Trabalho”, pag. 135 e ss.
[2] Um dos elementos do abandono “consiste num incumprimento voluntário do contrato de trabalho que, na generalidade dos casos se traduz na não comparência do trabalhador no local e no tempo de laboração” – STJ, ac. 03-06-2009, Sousa Grandão.
[3] A vontade não é meramente de inadimplir ou alguns deveres contratuais, mas o próprio contrato de trabalho “em si mesmo”, referem Alonso Olea e Emília Casas Baamonde, Derecho del Trabajo, 14ª ed., Madrid, 451.
[4] N.º 5 do art.º 403.º.
Ilícita exactamente pela inobservância dos procedimentos impostos para a denuncia, previstos no art.º 400: comunicação escrita e com aviso prévio (neste sentido cf. Romano Martinez, Direito do Trabalho, Almedina, 2ª ed., 2005, 926). Daí a responsabilidade civil (art.º 403.º n.º 5 e 401.º), sendo certo que é susceptível de causar maiores danos que a denuncia expressa ou propriamente dita, já que no abandono o empregador de início nem terá, provavelmente, conhecimento do intuito do ausente, ficando assim mais limitado nomeadamente nas diligencias para o substituir. 
[5] “O Abandono do Trabalho”, pag. 144-145, nota 24.
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