Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
287/20.2PBFUN.L1-3
Relator: SOFIA RODRIGUES
Descritores: ADMISSIBILIDADE DO RECURSO
ASSISTENTE
INTERESSE EM AGIR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/22/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEIÇÃO DO RECURSO
Sumário: I. Mantém-se válida a doutrina do Assento nº 8/99 e dos AFJ nºs 5/2011 e 2/2020, que demanda, como condição para a admissibilidade de interposição de recurso por quem detenha a condição de assistente, se identifique contrariedade a interesse concreto e próprio, a justificar a necessidade da tutela reclamada.
II. Apesar de o Assento nº 8/99 se reportar, exclusivamente, a recurso interposto em vista da modificação da pena, os seus fundamentos são aplicáveis à impugnação da qualificação jurídica dos factos, que não deixa de interceder, a mais das vezes, senão com a espécie, pelo menos, com a medida da pena.
III. Num sistema de justiça pública, cujo promotor é o Ministério Público, cabe a este, norteado por critérios de legalidade estrita, a que são estranhos sentimentos de paixão ou de vindicta, garantir, em posição equidistante, a salvaguarda de valores jurídicos.
IV. É nesse enquadramento que os limites ao direito de recurso pelo assistente constituem, eles próprios, garantia de não subversão do sistema, que se verificaria acaso, sem restrições, fosse franqueada a possibilidade de se pugnar por condenação, em termos ou medida, diversa da que o Ministério Público, ao abster-se de recorrer, considerou legal, justa e adequada.
V. Em recurso interposto por assistente de decisão condenatória, em vista da alteração da qualificação jurídica dos factos, da modificação da pena aplicada e da revogação da determinação de não transcrição da sentença para os certificados destinados a fins de emprego, profissão ou actividade, é de recusar a verificação de interesse em agir, quando não se surpreenda no corpo da peça recursiva, centrada em razões pertinentes às necessidades de prevenção geral e especial, a invocação de qualquer circunstância que permita identificar a titularidade de interesse/direito concreto e próprio, só realizável pelo mecanismo desencadeado.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: ---

I. RELATÓRIO
[1].
No âmbito do processo que, sob o nº 287/20.2PBFUN, corre termos pelo Juízo Local Criminal do Funchal, Juiz 3, no qual ocupa a posição processual de arguido AA, com os demais sinais nos autos, foi, aos 20.01.2025, proferida sentença, de cujo dispositivo ficou a constar o que passa a transcrever-se: ---
Em virtude do exposto, condeno o arguido:
AA, filho de (…)
pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 300 dias de multa, à taxa diária de 5,00€, num total de 1500,00€ (mil e quinhentos euros),
absolvendo-se o arguido do crime de ofensa à integridade física qualificada, por que foi acusado (previsto e punível pelas disposições conjugadas dos arts. 143º, nº 1, e 145º, nºs 1 al. a) e 2, do Código Penal, com referência ao disposto no art. 132º, nº 2, al. j), todos do mesmo diploma legal).
Em face à pena fixada, não é aplicável o regime do perdão, conforme decorre do artigo 3.º, n.º 2, a contrario, da Lei 38-A/2023, de 2 de agosto.
Notifique.
Após trânsito em julgado, remeta boletim ao registo criminal, nos termos do disposto no artigo 374.º, n.º 3, al. d) do Código de Processo Penal e artigo 5º, nº 1, al. a) da Lei 57/98, de 18 de agosto e comunique à DGRSP, conforme o solicitado.
Determino a não transcrição da presente sentença no certificado de registo criminal, para fins laborais, à luz do artigo 13.º da Lei de identificação criminal (Lei 37/2015 de 05 de maio).
Comunique à DSIC.”.
[2].
Com essa decisão inconformado, apresentou-se o assistente BB, com os demais sinais nos autos, a dela interpor o presente RECURSO, para o que, de seguida à respectiva motivação, formulou, em síntese, as seguintes conclusões: ---
I. O presente recurso incide sobre sentença proferida pelo Juízo Local Criminal –Juiz 3 do Funchal, no qual o Arguido foi condenado à prática de um crime de ofensa à integridade física simples, com pena de multa no valor de 1.500€ e sem a transcrição para o registo criminal.
II. O Arguido foi acusado pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143.º, n.º 1, e 145.º, n.ºs 1, al. a) e 2, do CP, com referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. j) do mesmo diploma.
III. Todos os indícios recolhidos em inquérito apontavam para a gravidade da conduta do arguido.
IV. Ficou provado em audiência que o Arguido desferiu um soco pela retaguarda do Assistente, fazendo-o perder os sentidos e cair no solo, e que, de seguida, continuou a agressão com múltiplos pontapés na zona da face e ombro do assistente, enquanto este se encontrava inconsciente.
V. As imagens juntas aos autos, e divulgadas publicamente, mostram, de forma clara, a agressão perpetrada pelo arguido, sendo possível verificar a especial censurabilidade e perversidade da sua conduta.
VI. As declarações do arguido são falsas quando imputa à sucessão de atos agressivos por si praticados um receio de reação por parte do ofendido, facto claramente desmentido pelo visionamento das imagens.
VII. Ademais, a gravidade da conduta do arguido e a zona do corpo atingida – cabeça, pescoço e ombro – revela um risco concreto de provocar a morte do assistente, o que configura homicídio qualificado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.º, 23.º, 131.º e 132.º, n.º 1 e 2, al. c), do CP.
VIII. O tribunal a quo desqualificou erradamente os factos, considerando tratar-se de uma ofensa à integridade física simples, em manifesta violação da correta interpretação do direito aplicável.
IX. A prova produzida nos autos contraria a concussão da Juiz do Tribunal a quo no sentido de que as várias agressões “tiveram lugar por impulso do momento, sem que tenha ocorrido reflexão prévia acerca do modo de atuação, lenta preparação, lenta e persistente execução, com reflexão da forma de atuação e dos meios empregues.”
X. Os factos provados demonstram pelo contrário que o Arguido agiu de forma traiçoeira, sem dar qualquer possibilidade de defesa ao Assistente, e persistiu na agressão. mesmo quando este estava inconsciente. com 6 violentos pontapés em áreas vitais do corpo humano, onde qualquer impacto pode ter consequências fatais, preenchendo assim os pressupostos da especial censurabilidade e perversidade, nos termos do artigo 132.º, n.º 2, al. j) do CP.
XI. Mesmo quando retido por alguém, o arguido persiste em agredir, denunciando que a sua vontade criminosa continuava, mesmo depois de constatar que o estado da vítima.
XII. O próprio Arguido admitiu, em audiência, a possibilidade de vir a repetir este tipo de conduta, demonstrando ausência de verdadeiro arrependimento e confirmando o risco de reincidência.
XIII. A publicação da fotografia com legenda, nas redes sociais (Instagram), vangloriando-se da agressão, evidencia total desconsideração e indiferença relativamente às possíveis consequências da sua conduta, reforçando a necessidade de uma punição exemplar.
XIV. Manifesta também que o ato não resultou de um ímpeto ou de emoções irracionais, mas pelo contrário de uma atitude movida por frieza de ânimo ao atacar a vítima de forma inesperada, sem lhe dar possibilidade de defesa, persistindo na agressão, mesmo após esta estar incapacitada (cfr. Acórdão do STJ de 15.12.2022, proc. n.º 745/19.1PBSXL.L1.S1).
XV. Ora, a decisão recorrida não considerou devidamente as exigências de prevenção geral e especial, ignorando o impacto social do crime e o perigo de disseminação de comportamentos violentos, sobretudo entre os mais jovens, sendo esta uma das finalidades essenciais da punição penal.
XVI. A pena aplicada – multa de 1.500,00€ – é manifestamente desproporcional à gravidade dos factos, subvalorizando a conduta do arguido e gerando um sentimento de impunidade perante a sociedade.
XVII. A não transcrição da condenação para o registo criminal para fins laborais descaracteriza a função preventiva da pena, desconsiderando a gravidade dos atos cometidos pelo arguido.
XVIII. A aplicação da moldura penal prevista para o crime de homicídio qualificado na forma tentada ou para o crime de ofensa à integridade física qualificada, afigura-se a única solução conforme à lei e à justiça material.”. ---
Concluiu o assistente a peça recursiva, pedindo “(…) seja dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e condenando-se o arguido pela prática de homicídio qualificado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.º, 23.º, 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, al. c), do CP, ou pelo crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo artigo 145.º, n.º 2, com referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. j), do mesmo diploma, com aplicação de uma pena adequada à gravidade dos factos e às exigências de prevenção geral e especial. (…)”. ---
**
Por despacho proferido aos 03.03.2025, foi o recurso admitido, com a atribuição de efeito suspensivo, e determinada a sua subida imediata e nos próprios autos. ---
**
O Ministério Público junto da 1ª Instância e o arguido apresentaram-se a exercer a faculdade de resposta ao recurso interposto, contexto em que pugnaram no sentido de lhe ser negado provimento. ---
[2].
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, foi dado cumprimento ao disposto no artº 416º do Cód. de Proc. Penal, tendo a Exmª. Srª. Procuradora-Geral Adjunta emitido parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso, destacando-se das razões que o fundamentam as seguintes passagens, a que aderiu, extractadas da resposta apresentada pelo Ministério Público junto do tribunal a quo: ---
“(…) 1. O arguido não poderia ser condenado por homicídio na forma tentada, desde logo, porque o crime em causa foi objecto de despacho de arquivamento prévio à acusação (com o qual o assistente se conformou).
2. Ainda que não tivesse havido arquivamento, continuaria a ser impossível condenar o arguido por esse crime porque os factos provados não permitem tal condenação e o recurso não incide sobre matéria de facto.
3. A sentença encontra-se devidamente fundamentada, explicado juridicamente o motivo pelo qual o crime pelo qual o arguido foi condenado é o de ofensa à integridade física simples e não na modalidade qualificada, fundamentação à qual se adere.
4. Em todo o caso, mais uma vez, a eventual condenação por aquele crime, nesta fase, iria importar uma alteração aos factos (nomeadamente ao elemento subjectivo) e, como tal, estaria sempre dependente de um recurso de matéria de facto nesse sentido, que não existe.
5. A frieza de ânimo exige uma atitude de mínima premeditação, quando o que aqui está em causa é uma confusão espontânea, à porta de uma discoteca, motivada por um desentendimento pontual, o que é, em tudo, exemplo de uma actuação por impulso, reactiva (embora muito censurável) nos antípodas de uma actuação com frieza de ânimo – sem prejuízo, repita-se, da sua inegável censurabilidade acrescida.
6. O arguido, que é primário, está social e familiarmente integrado e tinha acabado de fazer 18 anos à data dos factos - que têm mais de cinco anos - foi condenado numa pena de 300 dias de multa, já muito próximo do limite máximo admissível (360) pelo que, salvo o devido respeito, se entende que a pena é adequada e é proporcional à gravidade dos factos e a todas as circunstâncias, quer do crime, quer do seu agente, pelo que deve ser mantida. (…)”. ---
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Nos termos previstos pelo nº 2 do artº 417º do Cód. de Proc. Penal, foi aos recorrente e recorrido facultado direito de resposta, que dele se apresentaram a fazer uso, contexto em que mantiveram, no essencial, as posições assumidas já, respectivamente, no requerimento de interposição de recurso e na resposta apresentada, tendo, ainda, o primeiro oposto que, de contrário à leitura do Ministério Público, o recurso incidiu, também, sobre a matéria de facto, com cumprimento das formalidades impostas pelas als. b) e c) do nº 3 do artº 412º do Cód. de Proc. Penal. ---
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Procedeu-se a exame preliminar e, colhidos os vistos, realizou-se conferência. ---
II. FUNDAMENTAÇÃO
[1]. Do âmbito do recurso e das questões que integram o seu objecto
É pelas conclusões da motivação do recurso, que hão-de conter resumo, sob forma articulada, das razões que fundamentam o pedido que encerra, que se delimita o respectivo objecto – cfr. artºs 402º, 403º e 412º, nº 1 do Cód. de Proc. Penal, e, entre muitos outros, acórdão do STJ de 15.04.2010 [Proc. nº 1423/08.2JDLSB.L1.S1], disponível in www.dgsi.pt. ---
Estando, embora, os poderes de cognição do tribunal de recurso circunscritos pelo objecto que, nos anteditos termos, se lhe apresente definido, estão desse limite excluídas as questões de conhecimento oficioso, que obstem à apreciação do mérito, como é o caso, nos termos previstos pelo nº 3 do artº 410º do Cód. de Proc. Penal, das nulidades insanáveis que afectem a validade do acto e dos vícios que, de acordo com o estabelecido no nº 2 da mesma disposição legal, tenham verificação [Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 7/95, public. DR nº 298/1995, Série I-A de 28.12.1995]. ---
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Delimitando-se o objecto do recurso interposto pelas conclusões com que foi culminado, pode observar-se terem sido, no essencial, quatro as pretensões recursivas formuladas pelo assistente, e nas quais podem sintetizar-se as questões introduzidas para apreciação deste tribunal: ---
i. Substituição da decisão recorrida por outra que condene o arguido pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 22º, 23º, 131º e 132º, nº 2, al. c) do Cód. Penal; ---
ii. Concorrência da circunstância prevista pela al. j) do nº 2 do artº 132º do Cód. Penal, a autorizar, pelo menos, a condenação do arguido pela prática do crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 143º, nº 1 e 145º, nºs 1, al. a) e 2; ---
iii. Desadequação da pena aplicada face às finalidades da punição; ---
iv. Inverificação dos requisitos de que depende a não transcrição da sentença para os certificados destinados a fins de emprego, profissão ou actividade. ---
Contudo, e como melhor se verá infra, coloca-se, no caso que nos toma, a questão, a montante e que é de conhecimento oficioso, de saber se é, ou não, de reconhecer ao assistente legitimidade/interesse em agir relativamente ao recurso que interpôs, e com abrangência sobre a totalidade da matéria que integra o seu objecto. ---
É aspecto de que, depois do ponto que segue, nos ocuparemos. ---
[2]. Do iter procedimental que conduziu à decisão recorrida e do teor desta
a).
Na sequência de impulso proporcionado por participações que vieram a ser apresentadas, e enquadrado pelos factos por essa via denunciados, o Ministério Público deu curso a procedimento de inquérito, destinado a investigar da existência de crime(s), bem como da identidade do(s) seu(s) agente(s), sendo que, no culminar da fase sob sua direcção, e para o que importa considerar, proferiu despacho de arquivamento, no tocante à prefigurada prática por AA do crime de homicídio qualificado, na forma tentada. ---
Concomitantemente, deduziu contra ele acusação, requerendo o seu julgamento perante tribunal singular, por imputada prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 143º, nº 1 e 145º, nºs 1, al. a) e 2, o último por referência à al. j) do nº 2 do artº 132º, todos do Cód. Penal. ---
A sustentar a acusação deduzida, fez constar do correspondente despacho encontrar-se suficientemente indicada a seguinte materialidade: ---
1. No dia ... de ... de 2020 pelas 7horas da manhã, o assistente BB saía do estabelecimento noturno “...”, sito na ..., área desta comarca.
2. Quando se apercebe que uma amiga sua –CC – se encontrava a ser agarrada e contra a sua vontade por 3 indivíduos, um dos quais identificado como sendo o arguido AA, que queriam que esta os acompanhasse.
3. O assistente BB foi em seu auxílio e, no momento em que se encontra a dialogar com um dos indivíduos referidos em 2., surge o arguido AA que, sem nada o fizesse prever, desfere um soco pela retaguarda, na face do assistente, que o faz perder os sentidos e cair ao solo.
4. Com o assistente BB no solo, sem sentidos, o arguido ainda não satisfeito com a sua actuação, desfere vários pontapés que atingem o assistente BB na face e na cabeça.
5. Dessas agressões o assistente BB sofreu vários hematomas e escoriações, motivo pelo qual careceu de ser assistido no ....
6. De seguida, o arguido abandonou o local, para parte incerta.
7. Como consequência directa e necessária da referida conduta, resultaram para o assistente BB dores, e mal-estar físico em função da conduta acima descrita.
8. Causando ao assistente as seguintes lesões:
a. Diversas pequenas escoriações dispersas na região frontal, nariz, região temporal e malar esquerdos e lábio inferior esquerdo.
9. Lesões que, em condições normais determinam 5 (cinco) dias para a cura, sem afectação da capacidade de trabalho geral e sem afectação da capacidade de trabalho profissional.
10. O arguido AA agiu deliberada, livre e conscientemente, querendo e conseguindo molestar fisicamente o assistente BB, muito embora soubesse que a praticada agressão era perfeitamente despropositada e injustificada, agindo com frieza de ânimo no momento em que desfere o soco pelas costas do assistente e deixa o assistente inconsciente, não cessando a sua actuação continuando a desferir pontapés na cabeça do assistente enquanto este se encontra inconsciente no chão..
11. Para tanto, desferiu um soco pela retaguarda do assistente BB, agiu por forma a colher o assistente de surpresa e sem possibilidade de defesa, fazendo que este caísse ao solo inconsciente.
12. Sabia o arguido que a sua descrita conduta era proibida e punível por lei”. ---
b).
Os autos foram remetidos à distribuição, para julgamento, sem que o assistente BB1 e/ou o arguido AA, notificados que foram dos despachos proferidos pelo Ministério Público, se hajam apresentado a requerer a abertura da fase de instrução. ---
c).
Realizada audiência de discussão e julgamento, foi, no seu culminar, proferida a sentença recorrida, por via da qual foram dados como demonstrados os factos que, de seguida, passam a transcrever-se: ---
1. No dia ... de ... de 2020, cerca das 7horas da manhã, o assistente BB saía do estabelecimento noturno “...”, sito na ..., área desta comarca.
2. O arguido AA, sem que nada o fizesse prever, desfere um soco pela retaguarda, na face do assistente, que o faz perder os sentidos e cair ao solo.
3. Com o assistente BB no solo, sem sentidos, o arguido ainda não satisfeito com a sua atuação, desfere vários pontapés que atingem o assistente BB na zona do ombro e face.
4. Dessas agressões, o assistente BB sofreu vários hematomas e escoriações, motivo pelo qual careceu de ser assistido no ....
5. Como consequência directa e necessária da referida conduta, resultaram para o assistente BB dores, e mal-estar físico em função da conduta acima descrita.
6. Causando ao assistente as seguintes lesões:
a. Diversas pequenas escoriações dispersas na região frontal, nariz, região temporal e malar esquerdos e lábio inferior esquerdo, lesões que, em condições normais determinam 5 (cinco) dias para a cura, sem afectação da capacidade de trabalho geral e sem afectação da capacidade de trabalho profissional.
7. O arguido AA agiu deliberada, livre e conscientemente, querendo e conseguindo molestar fisicamente o assistente BB, muito embora soubesse que a praticada agressão era perfeitamente despropositada e injustificada.
8. O arguido desferiu um soco pelas costas do ofendido e deixa o assistente inconsciente, não cessando a sua actuação continuando a desferir pontapés na zona do ombro e face, enquanto este se encontra inconsciente no chão.
9. O arguido desferiu um soco pela retaguarda do assistente BB, que foi colhido de surpresa, e sem possibilidade de defesa, fazendo com que este caísse ao solo inconsciente.
10. Sabia o arguido que a sua descrita conduta era proibida e punível por lei.
11. O agregado do arguido é constituído, para além do próprio, pela sua mãe …, que aufere 2241,79 € e paga 756 euros de amortização com empréstimos bancários referentes à habitação, sendo que a mãe é proprietária duma moradia, que adquiriu com recurso a crédito bancário, de tipologia T4.
12. O arguido tem duas irmãs que já se autonomizaram.
13. AA é fruto de um relacionamento que se gorou há sensivelmente dez anos. Tem permanecido junto da mãe, ..., mas mantém contactos regulares com o pai, que se encontra desempregado e com o qual refere tem um relacionamento positivo e próximo. Apesar de se manter integrado no agregado da mãe, no ano letivo ...2.../2021 foi residir para ..., onde estuda.
14. AA mantém como morada de residência a habitação da mãe, ainda que resida grande parte do ano no ... da universidade onde estuda.
15. AA frequenta o 4º ano do curso superior de ... no ..., com um aproveitamento bastante satisfatório por parte daquele. Matriculou-se naquela universidade em virtude de ter sido convidado para integrar a equipa de futebol da mesma. Aufere de uma bolsa de estudo de cariz desportivo, pelo que a frequência dos treinos é obrigatória. O arguido tem a expectativa de concluir o curso no presente ano lectivo e de começar a trabalhar os ... em ... corrente ano, tencionando também fazer mestrado.
16. À data dos factos, frequentava o ensino superior no ... (...), deslocando-se a esta região em períodos de interrupções letivas.
17. AA concluiu o 12º ano de escolaridade na .... Posteriormente matriculou-se no ..., que veio a abandonar em virtude de ter beneficiado de uma bolsa de estudo desportiva para ir estudar para os .... Inicialmente frequentou a ..., na ..., e posteriormente matriculou-se no ..., onde permanece.
18. A bolsa de estudo anual de que o arguido beneficia, de valor que não foi concretamente apurado, permite-lhe efetuar o pagamento das propinas (6405 € por semestre no presente ano letivo).
19. AA ocupa o seu tempo livre com a prática de futebol, cujos treinos ocorrem diariamente, a par com dois jogos semanais, na respetiva época desportiva, entre agosto e dezembro. Em período de férias escolares também se envolve em projetos de natureza missionária dinamizados pela sua universidade. Não se apuraram relações de proximidade com pares desviantes.
20. AA não possui antecedentes criminais, sendo este o seu primeiro contacto com o sistema de justiça.
21. O presente processo não tem tido grandes repercussões na sua vida, mas o arguido mostra-se ansioso para que o mesmo termine. Mostra-se disponível para cumprir as ações que eventualmente lhe sejam determinadas, caso seja condenado a uma medida de natureza comunitária.
22. AA beneficia de apoio familiar, particularmente por parte da mãe, e tem investido no seu percurso académico.
23. O arguido efetuou a publicação, no Instagram, a que alude a documentação junta na audiência de julgamento realizada a 09.01.2025, que aqui se reproduz.
24. Em julgamento, o arguido declarou estar arrependido da factualidade praticada sobre o ofendido e da referida publicação.
25. O arguido não procurou o ofendido, após os factos supra descritos, ocorridos a ... de ... de 2020, não tendo estabelecido qualquer comunicação com o mesmo.”.
*
Na decisão recorrida foi dada como não demonstrada, a seguinte materialidade: ---
A. A amiga do arguido CC se encontrava a ser agarrada e contra a sua vontade por 3 indivíduos, um dos quais o arguido, que queriam que esta os acompanhasse;
B. Que quando o assistente BB se apercebeu, foi em seu auxílio;
C. Que no momento em que o arguido desferiu o soco no assistente, este estivesse a dialogar com um dos indivíduos aludidos em A.;
D. Que o arguido tivesse abandonado o local, para parte incerta.”. ---
*
Da motivação da matéria de facto ficou a constar: ---
PROVADA:
O tribunal ancorou a sua convicção:
¬ Nas imagens juntas aos autos, visualizadas em julgamento;
¬ Nas declarações do arguido, que não nega ser o indivíduo que nas imagens visualizadas, agrediu o ofendido;
¬ Nas declarações do assistente e das testemunhas;
¬ No certificado de registo criminal do arguido;
¬ No relatório social elaborado pela DGRSP, em conjugação com as declarações do arguido quanto à sua situação de vida e com as declarações da mãe do arguido, a respeito;
¬ Nos demais documentos juntos autos, incluindo os fotogramas juntos a folhas 91 e seguintes e a documentação clínica junta a folhas 174 e seguintes;
¬ No relatório de perícia de avaliação do dano corporal em direito penal, junto a folhas 132.º e seguintes, de onde consta as lesões com que ficou o assistente, compatíveis com as imagens das agressões visualizadas em julgamento (o mesmo se dizendo quanto à documentação clínica junta a folhas 174 e seguintes). Note-se que o assistente sofreu as lesões aludidas em II-6, a, incluindo, para além do mais, ao nível do lado esquerdo da face, designadamente na região temporal e malar esquerdos e ainda no lábio inferior esquerdo, o que se compreende em face às imagens visualizadas, pois muito embora o arguido tenha desferido pontapés ao nível do ombro do ofendido, o pé do arguido que atingiu o assistente estava de lado, com a ponta do pé virada para o lado da face do ofendido, que foi, assim, atingida, causando as lesões descritas, mormente, no relatório pericial.
O arguido admitiu que estava consciente, quando praticou os factos em causa, embora tivesse ingerido agomas bebidas alcoólicas, procurou contextualizar a sua conduta, referiu que não se encontrava à retaguarda do assistente, mas as imagens são claras no sentido de que o arguido surge atrás do ofendido, tendo-o atingido com o soco, após o que cai inanimado no solo (o assistente confirmou que perdeu os sentidos, o que também decorre das imagens visualizadas), decorrendo também as imagens que no momento em que é atingido, o ofendido estava isolado.
O assistente revelou que o arguido não o procurou, após os factos em causa, não tendo estabelecido qualquer comunicação com o mesmo.
Levou-se em consideração ainda os documentos juntos em julgamento, tendo o arguido reconhecido que efetuou a publicação em causa, no Instagram e efetuou um juízo de censura sobre a sua atitude, ao efetuar tal publicação, tendo em julgamento declarado estar arrependido dos factos praticados sobre o ofendido, e dessa publicação.
Atendo o disposto no artigo 358.º, n.º 2, do CPP, não houve que efetuar qualquer comunicação de alteração não substancial de factos.
NÃO PROVADA:
Não foi produzida prova em julgamento dos factos dados como não provados, a partir de todos os elementos de prova produzidos nessa sede, incluindo as imagens visualizadas.”. ---
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Da fundamentação de direito da decisão recorrida, fez o tribunal a quo constar, para o que ao caso importa considerar2, que: ---
IV - ENQUADRAMENTO JURÍDICO DOS FACTOS
(…) Importa apurar se a factualidade provada integra a prática do crime de ofensa à integridade física qualificada, por que veio o arguido acusado.
(…) No caso em apreço, não obstante a gravidade dos factos praticados, nos termos descritos na factualidade provada (e visualizados em julgamento partir das imagens existentes nos autos), o que releva para a determinação da medida concreta da pena, a atuação do arguido sobre o ofendido não é suficiente para fazer operar a qualificação decorrente da existência de especial censurabilidade ou especial perversidade a que alude o artigo 132.º, n.º 2, al. j), para o que remete o artigo 145.º, n.º 2, do Código Penal (veja-se também o seu n.º 1, al. a). Com efeito, a factualidade provada não permite que se conclua ter existido premeditação, que a atuação do arguido tenha sido planeada, afigurando-se, antes, que a mesma teve lugar por impulso do momento, sem que tenha ocorrido reflexão prévia acerca do modo de atuação, lenta preparação, lenta e persistente execução, com reflexão da forma de atuação e dos meios empregues.
Pelo exposto, integramos a conduta do arguido, não no aludido crime qualificado, mas no de ofensa à integridade física simples, previsto e punível pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, em autoria material e na forma consumada (artigos 14.º, n.º 1, e 26.º do Código Penal).
Não há qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, sendo a factualidade praticada punível.
Destarte, terá o arguido de ser condenado pela prática do aludido crime.
V- ESCOLHA E DETERMINAÇÃO DA MEDIDA CONCRETA DA PENA
(…) No caso em apreço, atendendo à ausência de antecedentes criminais, o tribunal considera adequada a aplicação de pena não privativa da liberdade.
(…) Assim, no caso concreto, há que atender ao grau de ilicitude e de culpa, ao modo de atuação do arguido (muito censurável, tendo surpreendido o assistente, vindo de trás, com um soco, de tal modo que o ofendido caiu inconsciente no solo, tendo permanecido nesse estado enquanto foi pontapeado, por várias vezes, pelo arguido, que o atingiu dessa forma, na zona do ombro e face) e extensão das consequências causadas (aludidas em II-4 a 6.º). Há que ponderar as exigências de prevenção geral (elevadas em face à violência que frequentemente ocorre, designadamente em contextos de saídas noturnas, e, concretamente, em face à gravidade dos factos praticados e necessidades de prevenção comunitária do crime perante a violação do direito ocorrida, pela forma que foi efetuada, tanto mais que o crime foi de conhecimento público, tendo sido noticiado e ainda comentado em rede social, conforme decorre da documentação junta em julgamento, aludida em II-23). Há que considerar ainda as exigências de prevenção especial -não tão prementes, em face à ausência de antecedentes criminais, à situação de vida do arguido e à sua postura atual de censura dos factos praticados; importa, pois, considerar a ausência de pretérito criminal, por parte do arguido e levar em linha de conta o facto de o arguido se encontrar bem inserido familiar e academicamente, conforme se extrai a partir da factualidade que resultou assente quanto à sua situação de vida. Importa atender à idade do arguido, à sua conduta posterior, não só com a publicação aludida em II-23, como a atitude atual do arguido, que em julgamento manifestou atitude de censura não só quanto aos atos de agressão que praticou sobre o ofendido, como em relação à aludida publicação, declarando estar arrependido de todas essas atitudes. Não tendo o arguido procurado nem comunicado, por qualquer modo, o ofendido, designadamente para lamentar o sucedido e se retratar, dando algum tipo de satisfação, ainda que moral, não poderá beneficiar dessa atitude que abonaria em seu favor.
Perante o exposto e toda a factualidade provada, o tribunal considera adequado condenar o arguido na pena constante do dispositivo.
Em face à idade que o arguido tinha aquando da prática dos factos, importa chamar à colação o Regime Penal Aplicável a Jovens Delinquentes, instituído pelo DL 401/82, de 23 de setembro, sendo de salientar que o arguido tem a expectativa de concluir em breve o curso e de iniciar a sua vida profissional nos ..., esperando-se que o mesmo procure cumprir a pena aplicada com afetação apenas do seu património (artigo 9.º, n.º 1, do referido diploma), seja de uma vez, seja de forma deferida no tempo (podendo requerer o pagamento em prestações, no prazo para pagamento voluntário). (…)”. ---
[3]. Do mérito do recurso
Enunciadas no ponto [1]. da presente fundamentação as questões introduzidas para apreciação deste Tribunal da Relação, não deixou de aí assinalar-se que, a montante disso, se coloca a questão de saber se é, ou não, de reconhecer ao assistente legitimidade/interesse em agir com relação ao recurso que interpôs, e com abrangência sobre a totalidade da matéria que o integra. ---
Detendo-nos sobre a antedita problemática, importa começar por salientar que o STJ fixou já, e por três vezes, jurisprudência que versou sobre o direito ao recurso por banda de quem se apresente investido na condição de assistente, como é o caso do ora recorrente. ---
Fê-lo através dos arestos que, de seguida, se enunciam, uniformizando jurisprudência nos termos que, de seguida também, se indicam: ---
i. Assento nº 8/99 [publicado no DR nº 185/1999, I Série -A, de 10.08.1999, e, actualmente com o valor de Acórdão de Fixação de Jurisprudência e que, por facilidade de exposição, se designará, doravante, por AFJ], por via do qual ficou uniformizado que "O assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir"; ---
ii. AFJ nº 5/2011 [publicado no DR nº 50/2011, 1ª Série, de 11.03.2011], no qual ficou estabelecido com eficácia obrigatória que "Em processo por crime público ou semipúblico, o assistente que não deduziu acusação autónoma nem aderiu à acusação pública pode recorrer da decisão de não pronúncia em instrução requerida pelo arguido, e da sentença absolutória, mesmo não havendo recurso do Ministério Público"; ---
iii. AFJ nº 2/2020 [publicado DR nº 61/2020, Série I, de 26.03.2020], que fixou o entendimento de que “O assistente, ainda que desacompanhado do Ministério Público, pode recorrer para que a suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado fique condicionada ao pagamento, dentro de certo prazo, da indemnização que lhe foi arbitrada”. ---
Todos os referidos acórdãos de uniformização de jurisprudência têm subjacentes as seguintes asserções: ---
- A titularidade da acção penal pertence, em exclusivo, ao Ministério Público, ocupando os assistentes, nos termos previstos pelo nº 1 do artº 69º do Cód. de Proc. Penal, a posição de seus colaboradores, e a cuja actividade se encontra subordinada a sua intervenção no processo, salvas as excepções da lei; ---
- A ressalva contida na parte final da referida disposição normativa tem o alcance de significar que nem sempre os assistentes subordinam a sua actuação no processo à actividade do Ministério Público, detendo poderes autónomos para a prática de determinados actos processuais; ---
- Mas, mesmo nos casos em que actuam autonomamente, os assistentes assumem-se sempre como colaboradores do Ministério Público, entidade à qual compete, nos termos previstos pelo artº 53º, nº 1 do Cód. de Proc. Penal, promover a realização da justiça penal; ---
- De entre os actos que os assistentes podem praticar com independência relativamente ao Ministério Público, conta-se, nos termos previstos pela a. c) do nº 2 do artº 69º do Cód. de Proc. Penal, o de interpor recurso das decisões que os afectem; ---
- Por seu turno, estabelece-se na al. b) do nº 1 do artº 401º do Cód. de Proc. Penal, que os assistentes têm legitimidade para recorrer de decisões contra eles proferidas; ---
- A antedita disposição normativa, para além de conferir ao assistente legitimidade para a interposição de recurso – que emerge dessa mesma qualidade e por referência ao(s) crime(s) que ditaram a sua constituição como tal -, abrange, desde logo e sem necessidade de recurso ao nº 2 do artº 410º, o requisito do interesse em agir, ao nela estabelecer-se que a decisão recorrida carece de contra ele ter sido proferida; ---
- O interesse em agir traduz-se na necessidade de recorrer à via judiciária, por alguém que disso se mostre, portanto, carecido, com vista a reagir contra uma decisão que comporte para si uma desvantagem e que só por esse meio possa ser acautelada;
- Esse interesse tem que ser concreto e do próprio, de tal sorte que se identifique na decisão proferida afectação ou desvantagem a autorizar a afirmação de que o assistente ficou vencido; ---
- Aquele a quem a decisão não inflija uma desvantagem não tem qualquer interesse juridicamente protegido na sua correcção, não lhe assistindo, por isso, possibilidade de recurso. ---
Ora, foi partindo da compreensão do problema enquadrado nos anteditos termos que, no primeiro dos referidos AFJ, se considerou que, para poder interpor recurso, desacompanhado do Ministério Público, o assistente, visando a modificação da espécie e medida da pena aplicada, terá que nisso demonstrar um concreto e próprio interesse em agir – entendido, no corpo da decisão, como não verificado quando o único interesse próprio identificável radica no quantum indemnizatório, passível de recurso circunscrito a essa matéria, e sem que com ela intercedam a qualificação jurídica das condutas e a medida das penas aplicadas – e que, no último deles, se declarou reconhecido esse interesse, quando a modificação da pena aplicada – na circunstância, das condições de suspensão da sua execução – concita directamente com a realização de direitos identificáveis como próprios – mormente o de satisfação do direito à reparação. ---
Já no AFJ nº 5/2011, considerou-se que o acto de constituição como assistente envolve a pretensão de que o procedimento prossiga e se conclua, na sua perspectiva, com sucesso, mediante a prolação de decisão de pronúncia e/ou de condenação. Por isso, se reconheceu, assim se uniformizando jurisprudência, que, em procedimento relativo a crime público ou semipúblico, o assistente, mesmo não tendo deduzido acusação autónoma nem aderido à acusação pública, pode recorrer da decisão de não pronúncia em instrução requerida pelo arguido, assim como, também, da sentença absolutória, mesmo não havendo recurso do Ministério Público. ---
O que está em causa, nas hipóteses abrangidas pela jurisprudência fixada no aresto mencionado no antecedente parágrafo, é a sindicância, para o que se reconhece legitimidade ao assistente, que recai sobre decisão que tenha culminado com não pronúncia ou absolvição – desfechos entendidos, reafirma-se, como contrários ao interesse subjacente ao acto de constituição na indicada qualidade. ---
Isso, porém, não se confunde com o recurso de decisão que, sendo de condenação, tenha aplicado determinada pena, em espécie e medida, para o que se mantém válida a doutrina dos AFJ nºs 8/99 e 2/2020, que demanda, como condição para a admissibilidade de interposição de recurso por quem detenha a condição de assistente, se identifique contrariedade a interesse concreto e próprio, a justificar a necessidade da tutela reclamada. ---
De salientar que, apesar de o AFJ nº 8/99 se reportar, exclusivamente, a recurso interposto em vista da modificação da pena, os seus fundamentos são aplicáveis à impugnação da qualificação jurídica dos factos, que, aliás, não deixa de interceder, a mais das vezes, senão com a espécie, pelo menos, com a medida da pena. ---
Não sendo identificável interesse concreto e próprio do assistente, falecer-lhe-á interesse em agir, circunstância em que, como se diz no referido AFJ nº 8/99, “(…) aparece com uma nitidez, bem demarcada, a ideia – exacta -, de que o domínio da acção penal cabe ao Ministério Público”. ---
Com efeito, num sistema de justiça pública, cujo promotor é o Ministério Público, cabe a este, norteado por critérios de legalidade estrita, a que são estranhos sentimentos de paixão ou de vindicta, garantir, em posição equidistante, a salvaguarda de valores jurídicos. É nesse enquadramento que os limites ao direito de recurso pelo assistente constituem, eles próprios, garantia de não subversão do sistema, que se verificaria acaso, sem restrições, fosse franqueada a possibilidade de se pugnar por condenação, em termos ou medida, diversa da que o Ministério Público, ao abster-se de recorrer, considerou legal, justa e adequada. ---
Aqui chegados, e vertendo ao caso que nos toma, sinalizou-se já que, por via do recurso que interpôs, manifestou o assistente BB pretender sejam os comportamentos do arguido reconduzidos à prática do crime de homicídio qualificado, na forma tentada, ou, quando assim não se entenda, à prática, pelo menos, do crime de ofensa à integridade física qualificada. Mais direccionou a impugnação que, por via recursiva, deduziu à pena que veio a ser aplicada e ao segmento da decisão recorrida que determinou a não transcrição da sentença para os certificados destinados a fins de emprego, profissão ou actividade. ---
Sucede, contudo, que não se surpreende, no corpo da motivação do recurso nem, por conseguinte, nas respectivas conclusões, centradas que se apresentam, e em exclusivo, em razões pertinentes às necessidades de prevenção geral e especial, a invocação de qualquer circunstância que permita identificar, nos termos que acima se deixaram recortados, a titularidade pelo assistente de interesse concreto em agir, traduzido na necessidade, só realizável pelo mecanismo que desencadeou, de tutela para defesa ou satisfação de direito(s)/interesse(s) próprio(s). ---
E sem esse enquadramento, tudo o que respeita à qualificação jurídica das condutas, à pena aplicada e à decisão de não transcrição da sentença, insere-se no exercício do jus puniendi do Estado, que ao Ministério Público, no indicado condicionalismo, cabe, e em exclusivo, promover. ---
Não tendo o Ministério Público interposto recurso da sentença proferida em 1ª instância, com a qual se conformou, no pressuposto, que não pode deixar de tomar-se por adquirido, de que a considerou conforme com os ditames da legalidade e da justiça material, é concluir falecer ao assistente interesse em agir para dela recorrer, nos termos em que o fez e com abrangência total sobre o objecto que, por essa via, introduziu para reapreciação por este Tribunal da Relação.
Mas mesmo que, porventura, assim não se entendesse, ou não devesse entender-se, nunca as suas pretensões recursivas poderiam merecer acolhimento. ---
Senão vejamos. ---
i.
Manifestou o assistente pretender fosse a decisão recorrida substituída por outra, de condenação do arguido pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 22º, 23º, 131º e 132º, nºs 1 e 2, al. c) do Cód. Penal.
Sucede, contudo, que, prefigurada a possibilidade de os factos sob investigação enquadrarem a prática do antedito ilícito penal, foi, quanto a essa matéria, proferido pelo Ministério Público, no culminar da fase de inquérito, despacho de arquivamento. ---
Ora, considerando o assistente, como no recurso interposto veio a manifestar seria já seu entendimento, terem sido reunidos no inquérito indícios da prática de factos passíveis de integrar os elementos típicos do crime de homicídio qualificado, na forma tentada – necessariamente ausentes da acusação que veio a ser deduzida pela prática, na forma consumada, do crime de ofensa à integridade física qualificada -, cabia-lhe, em concordância com a perspectiva nesses termos acolhida, e nos termos consentidos pela al. b) do nº 1 do artº 287º do Cód.de Proc. Penal, requerer a abertura da instrução, o que não fez. ---
Os autos prosseguiram, assim, para a fase de julgamento, com o objecto definido pela acusação deduzida, na qual se fez aportar materialidade susceptível de integrar os elementos típicos do crime de ofensa à integridade física, na forma consumada, a que foi, juridicamente, atribuída a coloração de delito qualificado, nos termos previstos pelas disposições conjugadas dos artºs 143º, nº 1 e 145º, nºs 1, al. a) e 2, o último por referência à al. j) do nº 2 do artº 132º, todos do Cód. Penal. ---
Tendo-se realizado a audiência de discussão e julgamento perante o tribunal a quo – que funcionou em estrutura singular, face à moldura do crime imputado na acusação, contida nos limites previstos pela al. b) do nº 2 do artº 16º do Cód. de Proc. Penal -, veio a ser proferida sentença final, na qual foram dados como assentes os factos que acima se deixaram enunciados e que louvaram a condenação do arguido pela prática do crime de ofensa à integridade física, na forma consumada, que foi entendido pela 1ª instância dever ser reconduzido à previsão matricial do artº 143º, nº 1 do Cód. Penal. ---
Pois bem. ---
Tal como pode observar-se pelos termos do recurso interposto, o assistente não se apresentou a impugnar o julgamento da matéria de facto, ao contrário daquilo que, em resposta ao parecer do Ministério Público junto desta Relação, veio a afirmar. ---
Com efeito, e a apesar de o assistente, na motivação do recurso, ter transcrito passagens da prova, extraídas, em particular, das declarações prestadas pelo arguido em julgamento, fê-lo de forma enquadrada com o propósito de evidenciar que a decisão recorrida não acautelou, devidamente, as exigências de prevenção – geral e especial, as últimas evidenciadas, segundo a perspectiva que revelou acolher, pela relativização manifestada pelo arguido face à gravidade das suas condutas, pela tentativa de as justificar, pelo comportamento posterior que prosseguiu de publicação de vídeo em redes sociais e pela ausência de retractação. ---
É facto que, a dado passo do texto da peça recursiva, é dito que, não obstante a postura processual do arguido – a tal que se pretendeu evidenciada com as transcrições realizadas -, o tribunal a quo veio a desqualificar a sua conduta, e que esta merecia, face à imagem proporcionada pela materialidade objectiva que se apurou, outro enquadramento. ---
Simplesmente, e para além da circunstância de os comportamentos posteriores, e para mais de índole processual, nenhuma interferência poderem ter com a reconstrução dos momentos históricos em que o delito se realizou, a verdade é que, pugnando o recorrente pela modificação da qualificação jurídica dos factos, não indicou – em ponto algum do requerimento de interposição de recurso, não se tratando, por conseguinte, de falta, apenas, de transposição da motivação para as conclusões, que pudesse legitimar qualquer convite ao aperfeiçoamento - os concretos pontos de facto que teriam sido incorrectamente julgados, nem, por conseguinte, e em inelutável associação com isso, indicou as provas que, quanto a tais concretos pontos, impunham decisão diversa. Também não indicou, devendo ser o caso, quais as provas a renovar. ---
O requerimento de interposição de recurso, não só não consente que sobre ele incida a leitura de que foi pretendido impugnar a decisão sobre a matéria de facto, como, ainda que desse modo devesse entender-se, não foi nele cumprido, nem por aproximação, o disposto no nº 3 do artº 412º do Cód. de Proc. Penal. ---
Na realidade, o que o recorrente se apresentou a fazer, isso sim, foi a sustentar que a imagem proporcionada pela materialidade dada como demonstrada pelo tribunal a quo seria determinante da incursão na prática do crime de homicídio qualificado, na forma tentada, e não do delito, de ofensa à integridade física, por cuja verificação aí se concluiu. ---
Nada de mais errado, porém. ---
É que, para que se apresentasse reunida materialidade bastante para a imputação do crime de homicídio qualificado, na forma tentada, carecia a decisão recorrida de conter do ponto de vista objectivo narrativa distinta daquela que na mesma se encontra presente, assim como, também, necessário era que nela se contivesse materialidade respeitante ao elemento subjectivo típico desse ilícito penal. ---
E isso só seria possível, face à estrutura acusatória do processo penal e ao princípio da vinculação temática que o caracteriza, se o tribunal a quo tivesse promovido alteração substancial dos factos e, por inerência, da respectiva qualificação jurídica, obtendo de todos os intervenientes, o arguido incluído, declaração de concordância para a continuação do julgamento pelos novos factos. ---
O tribunal a quo, e bem, não lançou mão do antedito mecanismo. ---
Com efeito, não estava essa possibilidade sequer ao seu alcance, face à limitação imposta pelo nº 3 do artº 359º do Cód. de Proc. Penal, que proscreve a possibilidade de alteração substancial dos factos quando disso resulte a incompetência do tribunal, como o seria o caso, em consideração à medida da pena máxima abstractamente aplicável, que passaria a ser superior a 5 anos de prisão. ---
Para além disso, e ainda que fosse possível o recurso ao mecanismo da alteração substancial de factos, a verdade é que, resultando da decisão recorrida, sem impugnação que lhe tenha sido oposta, que o arguido desferiu um soco na face do assistente que o fez cair no chão, condição em que persistiu em actos de agressão, mormente através do desferimento de pontapés, extrai-se pelo conjunto do texto em que se materializa essa decisão, que, ao proceder pelo último dos descritos modos, quis o arguido atingir o assistente no ombro, acabando, porém, por visá-lo com a extremidade do sapato na zona da face. As lesões que o assistente sofreu, apesar de localizadas, em parte, na face, traduziram-se em pequenas escoriações, pelo que sempre estariam as consequências associadas aos factos longe de permitirem revelar a intenção de produzir a morte. ---
A materialidade presente na decisão proferida pelo tribunal a quo, que o recorrente não impugnou e de que, aliás, se socorreu para pugnar pela requalificação jurídica dos factos, nunca consentiria a recondução dos comportamentos que se demonstraram à prática pelo arguido de um crime de homicídio, na forma tentada. ---
De tudo quanto vem de dizer-se, conclui-se, sem prejuízo da falta de interesse em agir do assistente que acima se fez afirmar, que sempre seria de desatender, com o fundamento a que vimos de dispensar atenção, o recurso interposto. ---
ii.
Outrotanto se diga, no tocante à pretendida recondução da materialidade dada como assente na decisão recorrida - e que, como se disse, o assistente não se apresentou a impugnar - à prática do crime por cuja verificação aí se concluiu, mas na sua forma qualificada. ---
Passamos a explicar das razões desse anunciado posicionamento. ---
Assim, e com pertinência relativamente à matéria que ora nos toma, verifica-se que o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido, imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 143º, nº 1 e 145º, nºs 1, al. a) e 2, este por referência à al. j) do nº 2 do artº 132º, todos do Cód. Penal. ---
Não obstante a opção qualificativa nesses termos manifestada, observa-se que, na realidade, não se encontra na descrição dos factos objectivos que sustentaram o libelo acusatório narrativa passível de integrar a indicada qualificativa. ---
Com efeito, a única coisa que, a esse respeito, se contém no texto da acusação é o que se acha expresso no seu ponto 10, no qual, reafirmando-se factos já anteriormente relatados – em particular, que o arguido atingiu, em um primeiro momento, o assistente, estando este de costas voltadas para si, e que, depois de o mesmo estar já caído no solo, foi, ainda, atingido com pontapés -, se acrescentou a menção de que o arguido teria agido com “frieza de ânimo”. ---
Porém, a referida expressão, para além de constituir reprodução do texto legal, apresenta-se como mero corolário conclusivo da narrativa que a precede, o que explica que na decisão recorrida não tenha a mesma sido seleccionada para integrar o elenco dos factos que se deram por assentes nem, tampouco, o daqueles que aí se fizeram afirmar na condição de indemonstrados. ---
Revestindo a antedita menção natureza conclusiva, não enferma a decisão recorrida, que sobre ela não fez incidir juízo de demonstração nem de indemonstração, de vício passível de afectar a sua validade, mormente o de nulidade com assento na previsão da al. c) do nº 1 do artº 379º do Cód. de Proc. Penal. ---
Ainda assim, sempre restaria a questão de saber se a narrativa precedente a essa menção, e que, no essencial, foi dada como demonstrada na decisão recorrida, integra, ou não, a referida qualificativa. ---
E a resposta é, adianta-se já, negativa. ---
Com efeito, actua com frieza de ânimo, para os efeitos previstos pela al. j) do nº 2 do artº 132º do Cód. Penal, para o qual remete o nº 2 do artº 145º, quem forma a intenção de ofender corporalmente de modo frio, lento, reflexivo, cauteloso, deliberado, imperturbável na preparação/execução e com persistência nos seus desígnios. ---
A circunstância em causa – uma das que, enquadrada na técnica dos exemplos-padrão, o legislador, sem prejuízo da cláusula geral prevista pelo nº 1 do artº 132º, elegeu como susceptível de revelar especial censurabilidade ou perversidade do agente - está, pois, relacionada com o processo de formação da vontade, reflectido no planeamento e na persistência da intenção de produzir a ofensa, com ponderação e amadurecimento temporal sobre os meios e o modo de realizar o crime – vd., por tudo, e entre muitos outros, acórdão do STJ de 26.09.2007 [Proc. nº 07P2591] e acórdão do TRG de 11.09.2017 [Proc. nº 1744/16.0JAPRT.G1], ambos disponíveis in www.dgsi.pt. ---
Tomando as antecedentes asserções por adquiridas, constitui uma evidência, e de meridiano alcance, que a narrativa impressa na acusação, e que veio a ser transposta para a sentença recorrida, nunca se mostraria apta a integrar a antedita circunstância qualificativa. ---
Com efeito, percorridos os termos da acusação deduzida, que delimitou o objecto da actividade desenvolvida em julgamento, nenhum facto se encontra nela presente passível de merecer a leitura de que o arguido haja actuado com premeditação, reflexão sobre os meios empregues, seja no momento em que, primeiramente, atingiu o assistente, seja naqueles que se seguiram, em que, com ele já caído sobre o pavimento, lhe desferiu pontapés. ---
Salienta-se, até, que, de acordo com a narrativa da acusação, a actuação do arguido, e ainda que imprevista e injustificada, teria sido sequencial de abordagem que o assistente estaria a realizar. ---
Ora, o enquadramento por esse modo realizado dos factos que vieram a suceder-se sempre retiraria, e em absoluto, coerência à afirmação presente no libelo acusatório de que o arguido agiu com frieza de ânimo, pelo menos no momento em que desferiu o primeiro soco com que atingiu o assistente na face. ---
É facto que o tribunal a quo deu por não demonstrada a materialidade aportada na acusação, destinada a enquadrar, nos anteditos termos, os factos sucedidos. ---
Contudo, verdade é, também, que a não substituiu por outra, que, em particular, constituísse alternativa de sentido, podendo, até, ler-se na fundamentação de direito, ainda que sem reflexo em materialidade que como assente haja sido seleccionada, que a actuação do arguido “(…) teve lugar por impulso do momento (…)”. ---
Estando arredada a verificação de frieza de ânimo naquele referido primeiro momento, o ponto estaria em saber se, entre ele e aquele que se sucedeu, em que o arguido materializou o desferimento de pontapés sobre o corpo do assistente, os factos apontariam no sentido de que haja actuado com frieza de ânimo. ---
A resposta é, no entanto, e mais uma vez, negativa. ---
Com efeito, a imagem proporcionada pela materialidade que se apurou é que os momentos em que se realizou o comportamento do arguido se interligaram em continuidade, sem que entre eles se haja interposto, ou mediado, qualquer reflexão. ---
Para além disso, e apesar de o assistente, na sequência do primeiro impacto que o atingiu, ter caído ao solo, o que, naturalmente, não escapou à observação do arguido, não se afirma, ao menos de forma inequívoca, na decisão recorrida, como não o fez o Ministério Público na acusação que deduziu, que o mesmo haja percepcionado, também, que aquele, com a queda que se deu, teria ficado na condição de inconsciente. ---
De tudo quanto vem de dizer-se, é de concluir que a materialidade dada como demonstrada na decisão recorrida não integra a qualificativa prevista pela al. j) do nº 2 do artº 132º do Cód. Penal, nem, para todos os efeitos, qualquer outra – mormente a constante da al. c), que o assistente chega a convocar no recurso que interpôs. Da mesma forma, não suporta a correspondente materialidade a formulação de juízo de especial censurabilidade ou perversidade nos termos da cláusula geral prevista pelo nº 1. ---
Sempre seria, portanto, e mais uma vez, acaso não se verificasse, que se verifica, falta de interesse em agir por banda do assistente, de desatender a pretensão recursiva por este formulada com o fundamento de que ora nos ocupámos. ---
iii.
Idêntica conclusão é a que se impõe, adianta-se já, no que respeita ao fundamento do recurso interposto que radicou na desadequação da pena que ao arguido veio a ser aplicada. --
Importa, contudo, começar por salientar que, face aos termos do recurso interposto, não se apresenta inteiramente claro se a discordância manifestada pelo recorrente é, apenas, sequencial da requalificação jurídica que sustentou dever ter lugar, ou se, independentemente disso, pretendeu reputar de desajustada a pena com que, concretamente, foi sancionado o crime por cuja prática se concluiu na decisão recorrida. ---
Afastada que se apresenta, neste momento da presente decisão, a possibilidade de qualquer discussão centrada na requalificação jurídica dos factos, restaria saber se a pena aplicada ao arguido, em correspondência ao crime de ofensa à integridade física simples, teria ficado aquém, em natureza e/ou medida, das finalidades subjacentes à punição. ---
E a resposta é, claramente, negativa. ---
Com efeito, o tribunal a quo, no processo que conduziu à determinação, em espécie e em medida, da pena aplicada, sopesou, devidamente, as exigências de prevenção geral e especial, enquadrando estas nas demonstradas condições pessoais e de personalidade do arguido – sem que o assistente, assinale-se, mais uma vez, haja alargado o recurso interposto à decisão da matéria de facto, por forma a introduzir a possibilidade de consideração de quaisquer outras circunstâncias. ---
E, nesse processo, optou, e correctamente, pela aplicação de pena de multa, que foi fixada em medida próxima do seu limite máximo, num claro reconhecimento, que não foi escamoteado, do grau de ilicitude dos factos e da necessidade de reafirmar, perante a comunidade, a vigência da norma violada, sem, contudo, ultrapassar o limite que constitui a culpa do agente. ---
Nunca seria, por conseguinte, de dirigir, no particular que nos toma, qualquer censura à decisão recorrida. ---
iv.
Por último, insurgiu-se o recorrente quanto ao segmento da decisão proferida pelo tribunal a quo que se traduziu na determinação de não transcrição da sentença para os certificados a que se referem os nºs 5 e 6 do artº 10º da L. nº 37/2015, de 05.05, ou seja, dos certificados destinados a fins de emprego, profissão ou actividade. ---
Ora, no que respeita a essa matéria, estabelece-se no nº 1 do artº 13º do mencionado diploma legal que, sem prejuízo do disposto na L. nº 113/2009, de 17.09, com respeito aos crimes previstos nos artºs 152º e 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os nºs 5 e 6 do artº 10º. ---
No caso, o delito incurso não integra o catálogo de infracções ressalvadas pela primeira parte do citado nº 1 do artº 13º. Para além disso, a pena aplicada contém-se nos limites aí previstos, sendo que o arguido, de acordo com o que se deu por assente na decisão recorrida, não contava, à data dos factos que praticou, com quaisquer condenações anteriores. ---
Acresce referir que não se extrai das circunstâncias que acompanharam a prática do delito – únicas atendíveis, e nunca qualquer suposto reconhecimento que o arguido haja feito, aliás infirmado na decisão recorrida, de possibilidade de repetição do mesmo tipo de conduta – a existência de perigo de prática de novos crimes. ---
Não fosse, portanto, a já por diversas vezes afirmada falta de interesse do assistente em agir, nunca o fundamento aduzido nos termos que vimos de considerar, seria de atender. ---
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Sem prejuízo do que acrescidamente se deixou expresso nos antecedentes pontos i. a iv., a decisão que, na circunstância, se impõe, tal como começou por enunciar-se, é, nos termos do disposto nos artºs 414º, nºs 2 e 3 e 420º, nº 1, al. b) do Cód. de Proc. Penal, a de rejeição do recurso interposto, por falta de interesse em agir, por banda do assistente. ---

III. DECISÃO
Pelo exposto, rejeita-se o recurso interposto pelo assistente BB, por falta de interesse em agir. ---
Custas a cargo do recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4 UC – cfr. artº 420º, nº 3 do Cód. de Proc. Penal. ---
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Notifique. ---
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Lisboa, 2025.10.22
(Acórdão integralmente redigido pela relatora, dele primeira signatária, revisto e assinado electronicamente por ela e pelos juízes adjuntos, no canto superior esquerdo da primeira página)
Sofia Rodrigues
Francisco Henriques
Mário Pedro M. A. Seixas Meireles
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1. Nessa qualidade constituído e admitido a intervir nos autos por despacho proferido aos 01.09.2020. ---
2. Depois de expurgadas as referências que constituem citações de disposições legais e/ou de jurisprudência. ---